CAPACIDADE, DOTAÇÃO, TALENTO, HABILIDADES

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    CAPACIDADE, DOTAO, TALENTO, HABILIDADES:UMA SONDAGEM DA CONCEITUAO PELO IDERIO DOS EDUCADORES

    Zenita Cunha Guenther*Carina Alexandra Rondini**

    RESUMO: Embora o escopo deste trabalho seja de origem terica, relata um estudo explo-ratrio que busca situar a base de conceituao em Educao Especial para alunosDotados e Talentosos, no Brasil, captando as definies compreendidas por profissio-nais da educao pela sondagem de sua opinio sobre que termos e expressesso usados,com que significadose em que situaes. Os sujeitos incluam 80 educadores interessadosou envolvidos na rea (Grupo A) e 107 professores da rede pblica no interior de SoPaulo (Grupo B). H poucas diferenas de opinio entre os sujeitos, nos dois grupos,com algumas excees, principalmente em questes relacionadas a nvel de conhecimen-to e familiaridade com referencial terico. Ambos os grupos indicam conceituao con-fusa, notadamente para os termos oficiais, superdotao e altas-habilidades; a maior carga derejeio e explorao na mdia alocada a superdotao. Os conceitos alta capacidade, altodesempenho e dotao so definidos em consonncia com o referencial bsico, que diferen-

    cia capacidade naturalde capacidade adquirida; Talento reflete a ambiguidade encontrada narea, referindo-se, ao mesmo tempo, a capacidade naturale capacidade adquirida.Palavras-chave: Dotao. Talento. Superdotao. Altas Habilidades.

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    * Doutora em Education Foundations Psychology pela University of Florida. E-mail: [email protected]

    ** Doutora junto ao Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho da Faculdade de Cincias e Letras, UniversidadeEstadual Paulista (UNESP). E-mail: [email protected]

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    ABILITY, GIFTEDNESS, TALENT, SKILLS:A PROBE INTO THE WAY THESE CONCEPTS ARE CONCEIVED, IN TEACHERS MINDSABSTRACT:The present study, while arising from a theoretical basis, is nonetheless, anexploratory study that attempts to identify the Basic Concepts of Special Education for

    is gifted and talented students of Brazil. The definitions and notions understood by thesubjects, all professionals in the field of education, are captured by probing them, abouttheir opinions on which terms and expressions are commonly used, with which mea-nings, and in which specific settings. The sample is comprised of 80 educators studyingor involved within the area, (Group A), and 107 regular school teachers from a stateschool system in So Paulo State (Group B). Very few differences of opinion are regis-tered between the two groups, save a few exceptions, mainly in relation to a knowledgeof, and familiarity with, the theoretical framework. Both groups indicate conceptual con-fusion, in particular with the following official terms: super-giftedness and highly-skilled,with the largest rejection load (erroneous understanding) and also the highest media

    exploitation being allocated to the term, super-gifted. The concepts high ability, high per-formance and giftedness are defined according to the theoretical framework which dif-ferentiates natural ability from acquired ability; The word talent reflects the ambiguityencountered in the area, being referred to, at the same time, as natural ability and also asacquired ability.Keywords: Giftedness. Talent. Super-giftedness. Highly Skilled.

    Um cenrio conceitual confuso

    Um problema permanente na rea da educao, em nossosmeios, a desconfortvel diferena entre o conhecimento existente e aprtica diria nas escolas. A maior parte do saber acumulado pela pesqui-sa cientfica, mesmo quando disponvel aos profissionais da educao,permanece ao nvel de discusso, publicaes e comunicao em meiosacadmicos. Tal conhecimento no chega ao destino final, a sala de aula,

    e os professores no parecem ver relao entre o que se estuda emCincia da Educao e o que acontece, de fato, no trabalho dirio comos alunos. Atualmente, notvel em todo o mundo o interesse pela reade educao especial, para desenvolver capacidade e potencial nos escola-res, e a literatura cresce a cada ano, mas esse conhecimento no pareceestar influenciando muito a prtica educacional, no Brasil (CUPERTINO,2008; PERIPOLLI et al., 2009). Alguns estudos no relacionam dificulda-des encontradas na prtica fragilidade de conhecimento, mas presena

    de [...] mitos sobre o superdotado (sic) freqentes em nossa sociedade

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    (MONTE; SANTOS, 2004); e parece haver f na improvvel inveno deum conceito geral, incluindo construtos associados capacidade e aptido, s aprendizagens adquiridas, aos atributos pessoais e do ambien-te (POCINHO, 2009).

    compreensvel que, mesmo quem busca, na literatura interna-cional, bases cientficas para sua prtica encontre dificuldade em lidar comconceitos demasiadamente amplos e superpostos, como dotao, capacidadeelevadaou talento. Mas, em nossos meios, alm dessa dificuldade, adotam-se termos e combinaes de definio prpria, como superdotao-barra-altas habilidades, em documentos oficiais, publicaes e tradues (ao final,lista de documentos oficiais consultados), que extravasam para a mdia e

    vo se popularizando pela frequncia do multiuso. Porm, um cenrioassim confuso dificulta a compreenso dos conceitos, o que se reflete nodia a dia escolar, inibindo e obscurecendo esforos para identificao eproviso de condies educacionais favorveis aos alunos dotados e talen-tosos (GUENTHER, 2010).

    1. Indefinies tradicionais

    A temtica envolvendo conceituao de dotao humana, quevinha se arrastando ao redor do debate hereditariedade vs. ambiente, comargumentos embasados mais em ideologia do que conhecimento, noresistiu autoridade do saber construdo nas reas da gentica e neuro-cincia. Por via desses estudos, aprofunda-se a rea, abordando-se dife-renas de desempenho que somente podem ser compreendidas com baseem diferenas individuais genticas, no hereditrias. Crawford (1979)observou que muitas pessoas associavam caractersticas genticas com

    determinismo, e ambientais, com liberdade de escolha, mesmo aps estabeleci-da a existncia de hbitos e atitudes adquiridos no ambiente cultural queso extremamente resistentes mudana. O geneticista Plomin (1983),que demonstrou como muitas caractersticas herdadas so modificveis ecaractersticas adquiridas so profundamente resistentes a mudanas,aponta a dificuldade em sacudir a falsa noo de que diferenas genticascomeam antes do nascer e permanecem imutveis. No cenrio geral, trsautores se completam nos estudos para esclarecer essa questo, especifi-

    camente no que se refere presena de capacidade elevada: Angoff

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    Ambos, aptido e desempenho, so, em essncia, capacidades pass-veis de serem desenvolvidas, como qualquer trao mental que se modifi-ca com o passar do tempo, mas Angoff identifica caractersticas inerentesao processo de desenvolvimento associado a cada construto:

    (1) Melhoria no desempenho alcanada imediatamente, por ensi-no e exposio a um contedo ou rea; e aptido cresce vagarosamente,como consequncia da vida diria, seja independente, seja relacionada aalguma forma de aprendizagem formal, mas o desenvolvimento se d pormeio de aprendizagem informal no diretamente controlada.

    (2)Aptido tende a resistir a esforos para apressar o desenvolvi-mento; e desempenho responde a tais esforos.

    (3) Notas em provas de desempenho medem quantidade de apren-dizagem passada; e testes de aptido buscam previso de possibilidadespara aprendizagem futura.

    (4) Medidas de aptido podem ser generalizadas para uma faixaampla da populao; e conhecimento e habilidades associados ao desempe-nho se aplicam a uma rea restrita.

    (5) Medidas de desempenho so baseadas em faixas estreitas decontedo conhecido ou estudado; e medidas de aptido exploram dom-nios mais ampliados, presumivelmente dentro de um contexto culturalcomum, acessvel a todos os indivduos.

    (6) Aptido , por natureza, orientada para a prospeco, comimplicaes para aprendizagens futuras; desempenho , por natureza, retros-pectivo e voltado para aprendizagens passadas.

    Outro estudo compreensivo, envolvendo conceituao, vem deHowe, Davidson e Sloboda (1998), que pem em dvida a existncia dedotesou donsnaturais, propondo o que chamam talento inato, com cincocaractersticas: (1) Originado em estruturas geneticamente constitudas; (2)Efeitos completos podem no se evidenciar ao incio da vida; (3)Indicaes de talento na infncia podem dar base para previso de exce-lncia futura; (4) Existe somente em uma minoria da populao; (5) rela-tivamente especfico a determinado domnio.

    Finalmente, Franoys Gagn integra esses resultados aos estudospreparatrios proposio do Differentiated Model of Giftedness and Talent(DMGT), uma teoria-modelo de transformao de capacidade natural (dota-o) em competncias (talentos), com conceituao diferenciada para cada um

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    Capacidade natural o construto

    Gagn (2005) o autor que melhor conseguiu traar uma confi-gurao diferenciada desses conceitos, estabelecendo distino entre osconstrutos dotao e talento. Estudou, com admirvel dedicao, toda a lite-ratura bsica na rea e reas adjacentes, e sua busca de termos prima porabsoluto cuidado em estabelecer o sentido exato para cada palavra, refe-rente a cada conceito. Reconhece na expresso Capacidade natural(naturalability) um construto bsico compreenso profunda das diferenas indivi-duais: capacidade relaciona-se ao poder fsico ou mental de fazer algumacoisa, ou seja, aprender e agir, mas no o mesmo que traos pessoais, osquais indicam outros atributos, configurando a vasta rea de construtos depersonalidade. Assim, diferencia as caractersticas de capacidade alta (highability), a que chama dotes (gifts)1, expressos, geralmente, em domniostraveis a funes cerebrais:

    (1) Capacidade naturaltem razes diretamente originadas na dota-o gentica da pessoa, todavia, a influncia gentica nas diversas capaci-dades no denota efeitos de um gene especfico, e sim a propenso pro-babilstica de sistemas multigenes (PLOMIN, 1998).

    (2) Capacidade naturalatua como potencial para ao e elementosque vo constituir as competncias, portanto, antecede o desempenho.

    (3) A capacidade natural se desenvolve informal e lentamente,tanto pelo processo de maturao quanto pelo uso indiferenciado na vidadiria, por conseguinte, todas as capacidades naturais so mais resisten-tes a mudanas do que competncias; maturao um processo relacio-nado s razes genticas, e o viver dirio explica, ao mesmo tempo, odesenvolvimento espontneo e o ritmo interno, prprio, em que issoacontece.

    (4) Capacidade naturalatua em qualquer campo de ao, essen-cialmente independente de reas ou contedos e est disponvel para qual-quer ramo de atividade propiciado pelo ambiente. Dessa forma, no seriaapropriado dizer dotao musical, dotao atltica, dotao acadmica porqueindicam campos especficos de atividades dependentes de aprendizagem,exerccio e treino.

    (5) Capacidade naturaltem poder de previso em relao ao nvelde desempenho sistematicamente desenvolvido; o paralelismo entre

    pares de palavras, como dotao e talento, aptido e desempenho,potenciale

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    produo, traz em si a implicao de correlao entre eles; por exemplo, altopotencial (dotao) leva a um alto nvel de produo (talento).

    (6) Como consequncia, o nvel de capacidade naturalimpe, neces-sariamente, restries ao nvel esperado de competncia, isto , altosnveis de capacidade (dotes) aumentam a probabilidade de alto nvel decompetncia no desempenho e vice-versa. Assim, no se deve dizer capa-cidade e talento porque essa expresso pode sugerir que talentos no socapacidades. Por outro lado, o termo capacidadeno substitui diretamente,nem o termo potencial, nem desempenho, porque necessrio especificar otipo de capacidade, adicionando um adjetivo descritivo (capacidade inte-lectual, capacidade fsica...). Essa noo constitui a base da diferenciaoda capacidade humana em domnios especficos.

    H autores que se opem ideia de que alguns tipos de capaci-dade sejam capacidades naturais (CHARNESS, 1998; ERICSSON, 2003;LEHMANN, 1998; STARKES; HELSEN, 1998; TESCH-RMER,1998); ao passo que outros chamam dotao de talento inato (ERICSSON;RORING; NANDAGOPAL, 2007; HOWE; DAVIDSON; SLOBODA,1998), o que expressa o mesmo conceito com outra palavra, agravando oobservado caos conceitual(GAGN, 2009).

    Dotao (em ingls,giftedness)

    Plomin (1998) salienta que, uma vez suficientemente estabeleci-da a resposta para as questes iniciais sobre see quanto a constituio gen-tica contribui para a existncia de capacidadepelos seus estudos, a res-posta afirmativa, quer dizer, contribui, sim, em elevada proporo, apesquisa est se aprofundando na explorao dos diferentes graus da

    capacidade enraizada na constituio gentica. Ao alcanar o extremo dacurva de distribuio, inaugurado o estudo da dotao, referindo-se a ele-

    vado grau de capacidade natural.A etimologia do termo domcomo dote traz a ideia de um pre-

    sente dado ao indivduo, pelos deuses, pelos ancestrais ou pela natureza.Nesse particular, Gagn (2005) alerta para o perigo de se alargar dema-siadamente o construto dotao para evitar diluir sua significao, umadificuldade que vem sido observada em relao ao construto de intelign-

    cia, o que se verifica na noo de inteligncias mltiplas, de Gardner (1983),

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    inteligncia emocional, de Goleman (1995), ou inteligncia do sucesso, deSternberg (2003).

    Embora seja fcil compreender capacidade naturalcomo predispo-sio ou tendncia, no se encontrou termo mais apropriado para dotao,dom, dote. Faz algum sentido que, em meios acadmicos, pensem em dota-o como capacidade para raciocinar; no mundo das publicaes, comocapacidade de criar, nos autores de fico; e no mundo dos esportes,como capacidade fsica, nos atletas... Isso revela que, a no ser pela visi-bilidade do desempenho notavelmente acima da mdia, dotao e talentocompartilham um conceito de ordem superior, o conceito de capacidade,compreendido como o poder de aprender e fazer alguma coisa fsica ou mental.Por ser um termo abrangente, capacidaderemete tanto ao conceito de dotesquanto ao de talentos, e no especificamente a um ou outro. Outra dificul-dade de conceituao estender o termo dotao para caractersticas queno concernem a uma capacidade. Capacidade significa poder de apren-der e potencial para ao. Outras caractersticas humanas existem, maspertencem ampla gama de construtos de personalidade, que correspondem aestilos de comportamento (MCCRAE et al., 2000). Assim, expressescomo dom do otimismo, dom da religiosidade(PIECHOWSKI, 2003), ou pre-ferncias pessoais, comogostar de conviver,preferir matemtica, tomados como

    sinais de capacidade, podem gerar ambiguidades desnecessrias.

    Dotao e inteligncia

    Os construtos de intelignciae de dotao parecem estar associa-dos, na mente de muitos especialistas em educao para dotados, de sorteque h mais pesquisa sobre o domnio intelectual do que todos os outros

    domnios combinados, o que leva distoro de ambos os conceitos. Tallimitao amplamente demonstrada na literatura, com preocupaogeral sobre a distoro conceitual que acarreta (PLOMIN, 1998).Inteligncia um domnio de capacidade entre outros, sendo possvel haverdotao em um domnio, por exemplo, dotao fsica ou socioafetiva, semhaver necessariamente dotao em inteligncia.

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    Prodgios

    Crianas-prodgio recebem muita ateno por exibirem extremafacilidade em aprender determinada habilidade, o que leva tambm a asso-ciar prodgio com dotao, j que dotao compreende essencialmentefacilidade e rapidez de aprendizagem naquele domnio em que existecapacidade superior. Porm, estudos longitudinais evidenciam que opro-dgio pode ser apenas expresso de precocidade, e no efetivamente sin-nimo de dotao, pois h mais crianas precoces que a probabilidadeesperada de dotao, enquanto muitas pessoas dotadas no foram prod-gios ou sequer precoces. A noo de prodgio seria mais bem-consideradacomo extrema precocidade no grau e no ritmo de maturao do aparelhonervoso central do que como sinal de potencial elevado.

    Talento (em ingls, talent)

    A confuso conceitual observada sobre o sentido do termo talen-to parece dever-se ambiguidade no significado comum da palavra, quan-do usada para descrever ambos: alto potencial e alto desempenho.

    Etimologicamente, talento se referia a uma medida de peso, portanto, semassociao com capacidade humana. Curiosamente, os talentos, mesmocomo medida de peso, no tinham valor constante, permitindo pensar queeram distribudos com base no desempenho do indivduo, em dada ativi-dade, o que depende da sua capacidade para desempenhar. Essa ideia compatvel com o construto atual talento (GAGN, 2009).

    O termo talento tem constantemente criado incertezas, pela faltade distino clara entre capacidade e desempenho. Ericsson, Roring e

    Nandagopal (2007) resumem o conceito de excelncia, tambm associado adesempenho superior, em vontade e exerccio intencional que, de fato, tmrelevante papel na emergncia e no desenvolvimento de um talento. Dessemodo, pode-se compreender o uso de talento e excelnciasob o mesmo con-ceito: alto nvel de desempenho em um campo de atividade.

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    Competncia (em ingls, competence)

    Parece ser um termo mais abrangente para expressar aquisiode conhecimento acoplado a habilidades operacionais, de maneira quetanto como substantivo (competncia) quanto como adjetivo (competente) des-creve um nvel de desempenho que ultrapassa o mnimo requerido para aao comum. Competnciase refere a um amplo universo de capacidades,intencional e diretamente treinadas em habilidades. A noo de razes gen-ticas diretas e indiretasexpressa bem a diferena entre capacidade naturale com-petncias; p. ex., as razes genticas de competncia acadmicaso indiretas, elasse originam nas relaes entre inteligncia (um domnio de capacidade natu-ral) e desempenho acadmico, uma competncia adquirida (PLOMIN;PRICE, 2003). As diferenas individuais em capacidade natural do ori-gem a diferenas individuais em desempenho acadmico.

    Expertise

    usado em portugus, sem traduo.Expert um termo utiliza-do para identificar pessoas que desempenham confiavelmente, em nveis

    elevados e previsveis de qualidade (ERICSSON; RORING; NANDAGOPAL,2007). Nesse sentido, pode-se pensar em expertsem mecnica, em jardina-gem, em enfermagem, em artes grficas... Mas, para se falar em um expertjornalista, professor ou psiclogo, por exemplo, haveria dificuldade coma condio de desempenho superior constante e reproduzvel, destacado pelosautores, pois quanto mais seletivo for o conceito, maior a dificuldade emfazer previses sobre aplicabilidade.

    Habilidade/s (em ingls, skill/s)

    Termo empregado para descrever um amplo leque de competn-cias treinadas: habilidade verbal, habilidades culinrias, habilidades sociais,habilidades de ensino, enfim, h centenas de tipos diferenciados de habi-lidades. Como vem explicitado nos tradicionais exemplares de Manual deHabilidades, empregados na orientao vocacional, possvel estender o

    sentido comum do termo, associado ao desempenho de uma ao concre-

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    ta e fsica, para o domnio das operaes mentais e, por exemplo, falar emhabilidades de raciocnio, de memria ou perceptividade social. Todavia, importante manter em mente que esse termo atinente a resultados dealgo aprendido e/ou treinado, intencionalmente. O termo habilidadenoexpressa facilmente a noo de conhecimento, um elemento necessrio asituaes mais complexas de aprendizagem. Se fosse possvel definir capa-cidade naturalem termos de habilidades, esse termo no se aplicaria mais adesempenho aprendido. Talvez seja possvel entender o termo habilidades,em um conceito geral, incluindo dois componentes: conhecimento e habi-lidade, ou seja, fatos e aes. Nesse caso, seria possvel aferir um elemen-to de capacidade natural(aptido) e outro de capacidade treinada(competn-cia), aceitando a incluso do termo habilidade no conceito de dotaocomo capacidade natural expressa em desempenho treinado. Entretanto, aprofun-dando essa anlise, esbarra-se na questo de que o conhecimento no umacapacidade natural, mas tambm algo adquirido.

    Dotao e talento representam manifestaes notveis de capacida-de. Como dotao representa essencialmente capacidade em potencial,o melhor termo para expressar essa noo , sem dvida, capacidade natu-ral. No caso dos talentos, estamos tratando de capacidades desenvolvidas,que resultam de perodos intensos de aprendizado, treino e prtica.

    2. Peculiaridades do cenrio brasileiro

    De fato, pode-se observar o cenrio geral relativamente obscurona conceituao de dotao e talento, dois construtos bsicos educaoespecial para alunos mais capazes, de sorte que pode trazer perplexidade,a quem est estudando um assunto, verificar que a utilizao de duas pala-

    vras diferentes no significa presena de dois conceitos diferenciados.Mas, ao que parece, o caos agravado no cenrio brasileiro com instru-es oficiais e publicaes acadmicas que tambm dificultam clarear osconceitos, por usar uma terminologia prpria, com termos vagos unidos porbarras sem significao especfica, como superdotao-barra-altasabilidades,substituindo ou, no mnimo, confundindo os construtos estabelecidospela pesquisa (cf. legislao referenciada a seguir).

    A posio deste artigo, com base no referencial exposto, apoia-

    se no iderio estabelecido por Angoff (1988), Plomin (1998), Howe,

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    Davidson e Sloboda (1998), sintetizado por Gagn (1999), estabelecendodiferenciao entre capacidade naturale adquirida. Sob essa viso, talento umconstruto diferenciado e no deve ser empregado como complemento ousinnimo de dotao, embora nossa legislao tome liberdade para usaresses termos a seu prprio juzo: [...] educao especialse destina s pessoascom necessidades especiais no campo da aprendizagem, originadas querde deficincia fsica, sensorial, mental ou mltipla, quer de caractersticascomo altas habilidades, superdotao (sic) ou talentos (BRASIL, 2001, grifonosso). s vezes, a finalidade ditar medidas de natureza pedaggica,como: O AEE destinado aos alunos [...] altas habilidades, superdotao (sic)ou talentosdeve integrar a proposta pedaggica da escola, envolver a fam-lia... (BRASIL, 2009b). A posio do presente estudo que tais medidasfogem ao terreno de estabelecer polticas pblicas e avanam para ocampo da conceituao cientfica.

    Tradues e interpretaes

    Pelo que se pode inferir, a confuso na terminologia brasileiraparece ter-se iniciado pela insero do prefixo super-na traduo dos ter-

    mos americanosgiftednessegifted, que significam, literalmente, dotao (gift:prenda, presente; ness: essncia, natureza) e dotado (tem dotao). O termosuperdotao foi mal-aceito nos meios educacionais. Para amenizar o efeito,buscou-se a expresso inglesa high ability, em portugus, capacidade elevada,a qual, mal traduzida para altas habilidades, perdeu a essncia do conceito.

    Na prtica escolar, pode-se observar como esse caos um com-plicador maior que simples dissidncia semntica, pois conceitos mal-assentados e impreciso de termos geram insegurana, dificultando posi-

    cionar o trabalho educativo. Tal fato enfatizado por autores que indicamessa rea como praticamente inexistente, embora presente em documen-tos legais (CUPERTINO, 2008). Curiosamente, isso no interpretadocomo carncia de conhecimento, mas efeito de mitos: [...] uma possvelexplicao para este cenrio so os vrios mitos sobre o superdotado (sic)freqentes em nossa sociedade que constituem entrave proviso de con-dies favorveis sua educao (MONTE; SANTOS, 2004, p. 11, grifonosso). Nota-se tambm a esperana de improvvel adoo de um con-

    ceito geral, incluindo construtos associados capacidadee aptido, atributos pes-

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    soaise aprendizagens adquiridas: Importa adotar um conceito de sobredota-o que no se confina inteligncia abstrata ou aprendizagem escolar,passando, por exemplo, a incluir-se tambm, as habilidades sociais, a lide-rana ou a criatividade, variveis mais associadas personalidade, moti-

    vao e aos prprios contextos de vida (POCINHO, 2009, p. 4).Pelo que se constata, no corpo de pesquisa atual, tal esperana

    parece cientificamente improvvel, por no haver referencial terico quea sustente. Por conseguinte, pode-se induzir que o cenrio brasileiro pare-ce ignorar, ou pelo menos minimizar, a aceitao cada vez mais difundida conceituao adotada como base para o presente estudo: dotao desig-nando posse e uso de notvel capacidade natural, em pelo menos um dom-nio de capacidade humana; talentodesignando desempenho superior, conheci-mento aprendido, mestria, habilidades desenvolvidas sistematicamente,implicando alto nvel de realizao em algum campo de atividadehumana.Esses conceitos tm trs caractersticas em comum: a) referem-se a capa-cidadeshumanas; b) so normativos, por apontar indivduos que diferem danorma; c) indicam pessoas fora do normal, por produo notavelmentesuperior. Tais caractersticas ajudam a entender por que alguns dicionrios,s vezes, definem dotao como talento e vice-versa.

    Palavreado

    A preocupao com preciso de termos para expressar constru-tos cientficos relevante, pois o conhecimento produzido em diversasculturas, publicado em diversas lnguas, e as tradues e interpretaes sogeralmente um empecilho para a comunicao precisa. Alm disso, hocorrncias em que o mesmo assunto estudado em vrios lugares, cada

    autor sente que est descobrindo algo novo e atribui-lhe um nome,para, depois, verificar que as palavras so diferentes, mas a noo concei-tual a mesma. No Brasil, Helena Antipoff, desde que aqui chegou, em1929, com publicaes e estudos em vrias lnguas, deu exemplo de extre-mo cuidado na escolha de termos educacionais, mormente na rea da edu-cao especial. Foi ela que introduziu o termo excepcional, hoje usadoem todo o mundo, para designar alunos com necessidades especiais dife-rentes da norma do grupo. Por sua influncia, as primeiras menes

    educao para alunos mais capazes, em nosso pas, empregaram supranor-

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    malcomo oposto lingustico a infranormal, ento uma das alternativas parasubstituir termos pejorativos como idiotaou retardado. Todavia, em vista deinfranormalter sido abandonado, tambm o foi o supranormal. Nas dcadasde 1950 e 60, com a expanso trazida educao para dotados nosEstados Unidos, na sequncia da Guerra Fria, houve um nmero depublicaes em todo o mundo, e as tradues entraram no cenrio da ter-minologia educacional. Localiza-se por essa poca o surgimento dos ter-mos superdotado e superdotao, em nossos meios.

    Superdotao tanto quanto se pode verificar, no existeuma concepo terica base desse termo: ele no est em nenhuma defi-nio utilizada em estudos cientficos ou na literatura da rea, e no usado em nenhum lugar do mundo, a no ser no Brasil e talvez em algu-mas verses de publicaes brasileiras em espanhol. No cenrio brasilei-ro, umapeculiaridade, porque est definido em instrues oficiais e algu-mas publicaes no meio acadmico, inexplicavelmente acoplado a con-ceitos teoricamente diferentes, por meio de barras, como em superdota-o/altas habilidades(sic).

    Boa dotao essa expresso foi sugerida por HelenaAntipoff, na dcada de 1960, na tentativa de amenizar o impacto da rejei-o ao superdotao. algumas vezes empregada na literatura, em estudos

    focalizando diferentes graus de capacidade elevada, com as mesmas basesconceituais de dotao. Como seguidora de Helena Antipoff, empregueiesse termo por vrios anos (provavelmente at 2005-06), porm, ao per-ceber que a raiz do problema no estava no grau conceitual de dotao,mas na traduo do termogiftedness, abandonei definitivamente o uso.

    Altas habilidades essa combinao de palavras umaexpresso que tambm no tem referencial terico, portanto no usadaem nenhum outro lugar do mundo. Conceitualmente, o termo habilidade/s

    se relaciona a resultados de algo aprendido e/ou treinado intencionalmen-te. geralmente associado a bom desempenho no domnio da capacida-de fsica, estendido a certas operaes mentais. Todavia, a insero doqualificativo altasmodifica o alcance do conceito, ressaltando a traduoinapropriada da expresso high ability, literalmente alta capacidade.

    Alta capacidade traduo literal e correspondente concei-tual de high ability, alta capacidade refere-se presena de elevado grau decapacidade naturalna constituio do plano gentico do indivduo, estando

    assim base das diferenas individuais. Capacidadecomo conceito indica

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    poder fsico ou mental de aprender e fazer alguma coisa. A qualificaoaltaou elevada necessria ao conceito de dotao porque o grau de capa-cidade relacionado ao grau de profundidade e rapidez com que se operao poder de aprender. Quando esse grau alcana pelo menos dois desvios-padro acima da mdia, na curva de probabilidade de distribuio, temosbase para compreender a dotao.

    Dotao um construto representativo do extremo supe-rior na distribuio de capacidades humanas, nos diversos domnios, por-tanto, um termo diretamente relacionado conceituao de capacidadenatural. A etimologia da palavra, nas vrias lnguas, como em portugusdomou dote, traz mente a ideia depresente, doao. A dotao, como capa-cidade natural, invisvel, mas pode ser inferida por meio de canais deexpresso providos pelo ambiente.

    Talento um termo de utilizao diversificada, tanto namdia quanto em educao, com algumas vantagens, mas com a desvanta-gem da conceituao difusa, mesmo na literatura tcnica, na qual pode ser

    visto ao mesmo tempo como uma capacidade natural, o que, efetiva-mente, est sua base, ou como uma expresso de desempenho superioraprendido, que sua raiz conceitual. Deve-se a Gagn a proposio dediferenciar o conceito de talento desempenho superior, de dotao capa-

    cidade superior. A crescente preferncia por essa conceituao tem razescompreensveis: a capacidade humana faz parte da constituio gentica,por conseguinte, est em toda a humanidade, em certos domnios e, emdiferentes graus, nos indivduos. Talento uma expresso externa, direta-mente relacionada ao que est disponvel no ambiente; assim, apesar dehaver somente alguns domnios de capacidade (Gagn indica cinco: inteli-gncia, criatividade, capacidade socioafetiva, capacidade fsicae capacidade perceptual),h, literalmente, inmeros talentos, como se v pelo uso da palavra: talen-

    to culinrio, talento informtico, mecnico, artstico, indicando concreta-mente diferentes reas de desempenho; encontra-se tambm em certascombinaes no diretamente relacionadas a um tipo de desempenho, taiscomo talento socialou talento criativo, sempre com implicao de desempe-nho em grau superior.

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    Em resumo

    Numa viso panormica envolvendo termos, conceitos eideias utilizados na rea de educao para dotados e talentosos, pode-se destacar:

    1. Capacidade natural (ANGOFF, 1988; GAGN, 2009; PLO-MIN, 1998)

    Designa uma condio que antecede desempenho, originada empredisposies existentes no plano gentico, diferenciando capacidade natu-ral (origem gentica) de capacidade adquirida (originada em aprendizagensno ambiente).

    Dotao um conceito quantitativo referente posiode, pelo menos, dois desvios-padro acima da mdia na curva de distribui-o, em um ou mais domnios de capacidade.

    Aptido indica dotao para uma rea ou campo de aodiferenciado.

    Talento inato concernente ao notvel grau de capacida-de originada no plano gentico, sem diferenciar de capacidade adquiridano ambiente (ERICSSON; RORING; NANDAGOPAL, 2007; HOWE;

    DAVIDSON; SLOBODA, 1998).

    2. Capacidade adquirida (ANGOFF, 1988; GAGN, 2009;PLOMIN, 1998)

    Sinaliza nvel superior de desempenho, condicionado presenade capacidade natural elevada e desenvolvido por influncia de forasambientais, ensino e prtica.

    Talento indica desempenho extraordinrio em um campo

    de ao definido, dependente do grau de capacidade gentica, condiciona-do a ensino, exerccio e prtica (ANGOFF, 1988; GAGN, 2009).

    Competncia remete a grau satisfatrio de desempenhoem alguma rea ou campo de ao definido, resultado de aprendizagemintencional, exerccio e prtica (PLOMIN; PRICE, 2003).

    Expertise refere-se a um grau superior, constanteeprevis-velde desempenho em alguma rea ou campo de ao definido (ERICS-SON; RORING; NANDAGOPAL, 2007).

    Excelncia relaciona-se a alto nvel de desempenho em

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    campo de ao definido, desenvolvido por vontade e exerccio intencional(ERICSSON; RORING; NANDAGOPAL, 2007).

    3. Variaes

    Inteligncias mltiplas referem-se a diferentes moldurasespecficas ao trabalho mental, sem diferenciar origem ou natureza gen-tica de aprendizagem ambiental (GARDNER, 1983).

    Superdotao/altas habilidades termos usados no Brasil,includos em documentos oficiais da rea da educao (ver legislao aseguir referenciada).

    O referencial de base para este estudo integra a posio que dis-tingue capacidade natural, predisposta no plano gentico e desenvolvidainformalmente no cotidiano, de capacidade adquirida, captada no ambiente,desenvolvida por ensino intencional, exerccio e prtica.

    3. Metodologia

    O presente estudo partiu do interesse em compreender o iderioconceitual de domnio do professorado de nvel bsico, na tentativa desituar melhor a resistncia da escola em relao ao tema. O movimento deincluso vem subsidiando a contnua oferta de cursos e seminrios emeducao especial, e a maioria deles inclui interveno sobre o aluno dota-do. Pelo Decreto n. 5.151, de 2004, foram implantados os chamadosNAAHS Ncleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotao(sic), com o objetivo de estabelecer uma poltica para a rea. Apesar

    desse esforo, com ampla divulgao na mdia e constante demanda dasfamlias, no se nota diferena na posio da escola, nos ltimos 20 ou 30anos, continuando a rea [...] predominantemente ignorada, quando setrata da prtica educacional [...], salvo em casos isolados muito raros(CUPERTINO, 2008).

    A partir de questes levantadas principalmente em eventos ecursos, somadas a perguntas diretas sobre planos de interveno educati-

    va, foram observados dois pontos focais de resistncia, nos professores:

    a) rejeio generalizada, levando negao de capacidade superior nos

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    alunos; b) crtica superficialidade e incoerncia na terminologia. Poroutro ngulo, na tentativa de colocar a especialistas da rea questes refe-rentes fragilidade dos conceitos e dificuldades com terminologia, percebe-se: a) fidelidade a autores, aparentemente sem preocupao maior com apesquisa bsica; b) consenso em aceitar o que reza a legislao; c) argu-mentos de que este ou aquele termo causam rejeio.

    Pela anlise de impresses colhidas na literatura e na orientaooficial, situaes de interao em mesas-redondas, seminrios, eventos econversas informais com especialistas sobre a posio dos professoresatuando com as crianas, foram levantadas as seguintes perguntas: i) Quetermos e expresses so usados, com que significados e em que situa-es?; ii) Qual o nvel de consenso no uso dos diversos termos e expres-ses?; iii) at que ponto o nvel de rejeio associado a que termos espe-cficos?

    Instrumento de sondagem

    Pelo estudo de documentos e programas de eventos, e pela inte-rao com equipes tcnicas em servio nas escolas e nos rgos oficiaisde educao, levantou-se um palavreado comum veiculado nos meiosescolares: Altas habilidades, boa dotao, alta capacidade, desempenhonotvel, dotao, superdotao e talento. Integrando os dados e impres-ses colhidas nos meios escolares com noes derivadas do referencialterico, foram construdas dez afirmaes sobre significados associadosao palavreado:

    Em relao base conceitual: a pessoa traz consigo ao nascer; desen-volvido pelo ambiente; depende de ensino e treino; de compreenso fcil.

    Sobre consenso de uso: apropriado ao meio escolar; est na legislaoe em documentos oficiais; explorado pela mdia.

    Opinio desfavorvel:No uma noo muito clara; leva rotulao;causa maior rejeio.

    Com esses elementos, foi composto um instrumento de sonda-gem, pedindo-se aos sujeitos para opinar que termo ou termos poderiamser aplicados a cada uma das afirmaes do questionrio (Apndice 1).

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    Casustica e coleta de dados

    O caminho visualizado para abordar a realizao deste estudoimplicou procurar colher dados diversificados, de fontes variadas, nassituaes as mais diversas possveis. Para tal, as pesquisadoras levaramcpias do questionrio aos eventos de que participaram durante o segun-do semestre de 2009, solicitando aos presentes que quisessem para preen-ch-lo e devolver ao final da sesso. Assim, foram reunidos 80 question-rios, em diversos lugares de Minas Gerais e So Paulo, nas seguintes situa-es: duas universidades federais, durante apresentao de teses; trseventos locais sobre incluso, para professores e estudantes de Pedagogiae licenciaturas; um curso de especializao sobre o tema; reunies de pro-fessores trabalhando com crianas dotadas e talentosas; educadores visi-tando um Centro Comunitrio para Dotados e Talentosos. Essa amostraconstituiu o Grupo A educadores envolvidos ou interessados na rea. Ogrupo foi designado interessado porque em todas as situaes as pes-soas estavam ali espontaneamente, por j estudar o tema, trabalhar na reaou procurando se esclarecer, em princpio sem presso externa ou objeti-

    vo paralelo. Nas sesses de defesa de tese, nas quais poderia haver convi-dados, foi explicado o objetivo do estudo, podendo a pessoa optar por

    no responder. Implicitamente, poder-se-ia esperar desse grupo algumconhecimento sobre os conceitos e termos empregados.

    O Grupo B foi formado por 107 professores do EnsinoFundamental que trabalham no sistema pblico, independentemente deestarem interessados no assunto. A eles foi enviado o questionrio, no in-cio de 2010, pela Secretaria Municipal da Educao e Diretoria Regionalde Ensino, solicitando que, voluntariamente, respondessem a ele e devol-

    vessem, em duas semanas. Implicitamente, no se esperava desse grupo

    interesse ou conhecimento sobre o assunto, a no ser por acaso.

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    4. Resultados e discusso

    O interesse concentrou-se em sondar a configurao geral dosconceitos e noes atuando no iderio de educadores que se interessampela rea e dos professores regulares de nvel bsico:

    Conceituao bsica

    Foram associadas conceituao bsica as seguintes afirmaes:traz ao nascer; desenvolvido pelo ambiente; depende de ensino e treino; fcil de com-preender.

    A referncia conceitual a essa pesquisa apoia-se na posio te-rica que distingue capacidade naturalprevista no plano gentico (dotao, altacapacidade), desenvolvida informalmente no cotidiano, de capacidade adquiri-da intencionalmente por influncia do ambiente (talento, desempenho supe-rior). Os resultados esto assim configurados:

    QUADRO 2Conceituao bsica - Resultados

    AH: Altas Habilidades; BD: Boa Dotao; AC: Alta Capacidade; DN: Desempenho Notvel;DT: Dotao; SD: Superdotao; TE: Talento; Md: mdia

    Os resultados so semelhantes nos dois grupos, com exceo2 deTalento depender de ensino e treino, apontado pelo Grupo A, mas no pelogrupo B (pA = 0.261; pB = 0.078; IC: [0.083 a 0.283], p = 0.0003), eDotao no ser um conceito claro para o Grupo B (pA = 0.080; pB = 0.241;

    IC: [0.068 a 0.253], p = 0.0007).

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    AH BD AC DN DT SD TE TOTAL

    Termo A B T A B T A B T A B T A B T A B T A B T A B T

    Traz consigo

    ao nascer

    Desenvolvido

    pelo ambiente

    No muito

    claro

    Depende de

    ensino, treino

    Total 72 94 85 36 36 36 28 30 34 62 67 65 62 51 54 38 42 41 103 70 82 401 410 390

    _Md 18 23 21 9 9 9 7 7,5 8 15,5 17 16 15,5 13,5 13 9,5 10,5 10 26 17,5 20,5

    100 100 96

    102 110 1006 2 332 22 26

    23 26 24

    6 7 7 8 24 18

    1 5 3 1 1 1 42 18 27

    2 2 2 47 19 29 4 15 11 29 2 37 99 100 99

    19 14 15 25 27 26

    23 35 29

    6 9 8 6 4 5 5 9 7

    5 4 4 5 11 8

    6 7 7

    24 36 33 _ 1 1 2 1 3 12 31 35 34 6 3 4 1 4 3 26 8 15 00 100 102

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    Termos Conceituados em coerncia com o referencial: Dotao(traz ao nascere no depende de treino) seguido de Desempenho notvel(depende deensino e treino e desenvolvido pelo ambiente). O padro de resultados captou ochamado erro comum (GAGN, 2004) associado ao conceito de talento,como ambos: algo que se traz ao nascere desenvolvido pelo ambiente, certamen-te um reflexo da ambiguidade encontrada no contexto maior. Podem ser

    vistos como resultados coerentes com o referencial terico para o concei-to de habilidade(se se ignorar o adjetivo altas): Desenvolvido pelo ambienteedepende de ensino e treino.

    Resultados no coerentes com o referencial terico:Alta capaci-dadeno indica ser entendida como parte do plano gentico e tende a ser

    vista como algo que depende de ensino e treino, uma noo aplicvel ao con-ceito de habilidade, mas no de capacidade. Idntico padro de respostas

    verificado nos dois grupos de sujeitos. Isso possivelmente uma indica-o de que traduzir abilitypara habilidadepode estar dificultando a com-preenso dos dois conceitos: capacidade natural, de origem gentica, e habi-lidade, capacidade adquirida, por influncia do ambiente.

    Pontos conceituais sensveis: O padro geral indica falta de cla-reza na conceituao dos termos superdotao e boa dotao. Maior grau desensibilidade expresso por incoerncia rondando a expresso altas habi-lidades, que, mesmo se conceituada como habilidade, uma noo poucoclara em ambos os grupos, possvel evidncia de confuso conceitualassociada traduo do ingls ability. Entretanto, uma particularidadeencontrada no Grupo B (professores do sistema) sugere similaridade naconceituao de dotao (pB = 0.175) e superdotao (pB = 0.230), possivel-mente assimilando o termo como a legislao indica (IC: [0.025 a 0.085],p = 0.0003).

    Consenso pelo uso

    Uma justificativa ao uso do palavreado adotado em nossosmeios haver consenso, isto , um acordo tcito de aceitao a essa ter-minologia. Para sondar at que ponto isso se verifica entre os professores,os itens apropriado ao meio escolar, usado pela legislao e documentao oficialemais explorado pela mdiaforam associados indicao de consenso favor-

    vel ao uso. Foi acrescentado o item conceitual fcil de compreender, no

    sentido de possibilitar um tom geral favorvel ao tema. No havendo

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    necessidade de coerncia ou apoio terico, qualquer indicao tem valorcomo opinio pessoal. Os resultados assim se configuram:

    QUADRO 3

    Opinio sobre consenso pelo uso

    AH: Altas Habilidades; BD: Boa Dotao; AC: Alta Capacidade; DN: Desempenho Notvel;DT: Dotao; SD: Superdotao; TE: Talento; Md: mdia

    Mais uma vez, os padres de resultados so similares nos gruposA e B, com possvel disparidade em que o Grupo B, mas no o A, apon-ta altas habilidadescomo termo apropriado ao meio escolar(pA = 0.102; pB =

    0.231; IC: [0.040 a 0.218], p = 0.0046); e dotao como termo usado em leise documentos oficiais (pA = 0.010; pB = 0.242; IC: [0.155 a 0.309], p =0.0000). Por sua vez, o Grupo A diferencia dotao comofcil de compreen-der(pA = 0.143; pB = 0.047; IC: [0.011 a 0.181], p = 0.0275). O maiornvel de consenso em ambos os grupos est ao redor do termo superdota-o como o mais explorado pela mdia, e usado na legislao, e a expresso desem-penho notvelcomo apropriado ao meio escolar. Segue-se talento, na exploraopela mdia, nos dois grupos (pA = 0.341; pB = 0.336; IC: [-0.121 a 0.131],

    p = 0.9357), e alta capacidadecomo mais fcil de compreender(pA = 0.351; pB= 0.161; IC: [0.068 a 0.311], p = 0.0023). Na hiptese de a menor fre-quncia representar possvel consenso por no uso, os termos que noparecem apropriados ao meio escolar seriam boa dotao e superdotao.

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    AH BD AC DN DT SD TE TOTAL

    Termo A B T A B T A B T A B T A B T A B T A B T A B T

    Apropriado ao meio

    escolar

    Mais fcil de

    Compreender

    Usado na Lei /

    doc. oficiais

    Explorado na Mdia

    Total 69 68 69 14 6 8 62 54 55 61 78 90 24 31 27 93 81 87 76 1 79

    39 24 30 2 1 2

    10 15 13 5 3 3 35 23 27 11 23 38 14 5 8 5 7 6 18 2 4 22

    17 17 17

    390 399 411

    98 100 117

    10 23 19 5 1 2 18 18 18 10 30 33 9 6 7 1 6 5 17 16 16

    100 98 99

    Md

    7 7 7

    10 6 7 2 1 1 4 4 3 6 9 8 _ 4 2 45 43 44 34 34 34

    6 7 715 30 2215 13 143 1 2

    100 100 100

    5 9 7 4 1 6 1 1 1 1 6 1 0 42 25 3 2

    _19 20 2023 20 22

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    Rejeio

    No propsito de averiguar sinais de rejeio pelo termo, umfator algumas vezes apontado para justificar a terminologia, foram alinha-das as afirmaesno uma noo muito clara; leva a rotulao; traz mais rejei-o, como indicadores de opinio francamente desfavorvel.

    Os resultados esto no Quadro 4.

    QUADRO 4Opinio sobre Rejeio

    AH: Altas Habilidades; BD: Boa Dotao; AC: Alta Capacidade; DN: Desempenho Notvel;DT: Dotao; SD: Superdotao; TE: Talento; Md: mdia

    Os resultados so tambm muito prximos nos dois grupos,com possvel exceo de que o Grupo B opina que dotao no muito claroe o Grupo A acha que altas habilidades leva rotulao (pA = 0.115; pB =0.008; IC: [0.038 a 0.176], p = 0.0024). Quanto rejeio, ambos os gru-pos opinam que boa dotao no um termo claro, mas o ponto de maior real-ce, talvez o padro de respostas mais visvel em todo o estudo, a opinio,em ambos os grupos, de que superdotao leva rotulao, traz mais rejeio e

    no um termo claro. Ao se tomar a menor porcentagem como sinal de queno parece causar rejeio, desenha-se outro padro: boa dotao e alta capacida-de no levam rotulao, enquanto desempenho notvele talento no causam rejei-o, com proporo ligeiramente maior para o grupo B de que talento causarotulao (pA = 0.080; pB = 0.124; IC: [-0.038 a 0.125], p = 0.2980).

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    AH BD AC DN DT SD TE TOTAL

    Termo A B T A B T A B T A B T A B T A B T A B T A B T

    No Claro

    Leva Rotulao

    Traz Rejeio

    Total 51 23 29 41 37 38 15 20 18 18 10 14 18 44 34 128 144 148 15 21 18 276 299 293

    Md

    19 14 1 5 25 2 7 2 6 6 7 7 6 4 5

    8 12 1052 69 654 8 67 3 512 1 5

    10 8 9

    7 1 3

    9 9 9

    4 5 4

    5 8 7 5 3 4

    6 3 4,55 6,5 613,5 2 12,517 7,5 9,5

    6 12 10 48 5 3 57 1 7 5 84 1 00 99

    _5 7 642,5 48 496 14,5 11

    8 24 18 28 22 26 6 2 3 98 100 100

    94 99 94

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    Estudo diferenciado de cada termo

    Superdotao foi o termo mais utilizado por todos ossujeitos e o que desenha a configurao mais clara: Em relao conceitua-o a maior frequncia est agrupada na opinio de que no um termo muitoclaro; quanto ao consenso pelo uso, em que mais explorado pela mdia, seguidode que est na legislao e em documentos oficiais. No que concerne rejeio, apontado que leva rotulao e traz mais rejeio.

    Talento foi o segundo termo mais utilizado por ambosos grupos. Com relao conceituao, os dados refletem a ambiguida-de encontrada na rea, destacando talento como algo que a pessoatraz ao nascer e, secundariamente, que desenvolvido pelo ambiente; oGrupo A refora a ideia, pela afirmao de que depende de ensino, treino(pA = 0.261; pB = 0.078; IC: [0.083 a 0.283], p = 0.0003). Verificam-se algumas diferenas significantes de respostas entre os grupos, isto, o Grupo A (envolvidos e/ou interessados na rea) no considera otermo fcil de compreender, 9% (pA = 0.182; pB = 0.242; IC: [-0.050a 0.170], p = 0.2876); ao passo que o Grupo B (professores do EnsinoBsico) no pensa em talento como desenvolvido pelo ambiente 10%,(pA = 0.422; pB = 0.180; IC: [0.117 a 0.366], p = 0.0002). Com rela-

    o ao consenso pelo uso, configura-se como um termo explorado pelamdia; todavia, mostra ser bem-aceito, sem indicao de que sugirarejeio.

    Altas Habilidades quanto ao conceito, como iderio quesustenta a expresso, efetivamente no havia uma opo que pudesseser analisada em termos de base conceitual porque no foi encontradaqualquer referncia na literatura. Entretanto, se estivermos dispostos aisolar o adjetivo altas, verifica-se que a conceituao se aplica ao termo

    habilidade, amplamente documentado na literatura: depende de ensino e trei-no e desenvolvido pelo ambiente; o Grupo A parece ter maior conscinciade que esse conceito no est claro (10%) do que o Grupo B (8%) (pA =0.172; pB = 0.135; IC: [-0.061 a 0.135], p = 0.4602). Quanto ao consen-so pelo uso, a incidncia maior est em ser usado em legislao e documentosoficiais para ambos os grupos (pA = 0.388; pB = 0.242; IC: [0.024 a0.267], p = 0.0191)e apropriado ao ambiente escolar pelo Grupo B (pA= 0.102; pB = 0.231; IC: [0.040 a 0.218], p = 0.0046). No h nenhu-

    ma indicao convincente de que o termo causa rejeio.

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    Desempenho notvel essa expresso foi includa, apesar deno levantar dvidas quanto diferenciao conceitual, para ajudar a cap-tar clareza no conceito de talento, segundo o referencial em que se baseiao estudo. A configurao dos dados no deixa dvida: desempenho notvelum conceito estabelecido em coerncia com o referencial como dependen-te de ensino e treino e desenvolvido pelo meio ambiente; quanto ao consenso de uso, apropriado ao meio escolarsem indicao de que causa rejeio.

    Alta capacidade essa expresso foi includa tambm parasondar se o palavreado usado ou rejeitado seria uma simples questo desemntica, sem influncia na conceituao, ou seja, alguns autores prefe-rem um termo, outros preferem outro... Se o conceito estivesse claro, adiferena se limitaria a nuances da traduo. Porm, os dados no se com-portam assim. Com relao conceituao, no h uma configurao clara,mas sobre consenso pelo uso, um conceito fcil de compreender; e pode ser vistocomo apropriado ao ambiente escolar, sem indicao de que causa rejeio. Noobstante, como a lei enfatiza altas habilidades, cabe especular que talvez opalavreado esteja obscurecendo o conceito de alta capacidade e, assim,alguns pensam que pode ser desenvolvida por ensino e treino... (como as habili-dades)... Esse resultado tambm sugere que traduo imprpria, mesmooficialmente adotada, pode confundir um conceito!

    Dotao est clara a ideia de que o conceito de dotao coe-rente com o referencial deste estudo, em ambos os grupos: algo que a pes-soa traz ao nascer; contudo, existe alguma incoerncia em relao ao consen-so, em que esse termo no muito claro, para o Grupo B (24%) (pA =0.080; pB = 0.241; IC: [0.068 a 0.253], p = 0.0007), o que pode indicarconscincia de carncia de conhecimento; quanto rejeio, para o Grupo

    A, o termo fcil de compreender (pA = 0.143; pB = 0.047; IC: [0.011 a0.181], p = 0.0275), enquanto o Grupo B opina que o termo est nos

    documentos oficiais (pA = 0.010; pB = 0.164; IC: [0.087 a 0.221], p =0.0000), o que efetivamente no se verifica. Por que diriam isso? Receio demostrarem desconhecimento ou efetivo desconhecimento da legislao?

    Boa dotao conforme previsto, esse foi talvez o termomenos utilizado, em ambos os grupos. Os dados indicam que, na conceitua-o geral, a expresso no um termo muito claro, no que vem implcito um graude rejeio; nada visto em relao ao consenso pelo uso. H, popularmente,quem afirme que essa expresso seria usada, na gria, para designar um pnis

    avantajado, o que talvez possa estar raiz da ideia de rejeio.

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    5. Consideraes finais

    O fato de haver pouca diferena entre as duas amostras leva acrer que, efetivamente, existem dificuldades generalizadas, em nossosmeios, em manter uma conceituao coerente com o conhecimento acu-mulado, conforme explicitado no referencial terico bsico ao estudo.Para os autores, confirma-se a estranheza inicial quanto ubqua situa-o de que o termo superdotao, notavelmente representado como semclareza de conceituao, seja amplamente empregado nas leis que regu-lamentam o contexto escolar, difundido para a mdia e usado nos meiosacadmicos.

    Pode-se conviver com a conceituao ambgua do termo talento,por ser uma discusso presente no cenrio terico mundial, embora a faltade diferenciao entre conceitos como dotao e talento seja vital para com-preender a inter-relao de capacidade natural e capacidade adquirida.Reconhecido isso, permanece o fato de que a consequncia a mesma: talfalta de diferenciao dificulta o planejamento educacional, na tomada dedeciso sobre planos educativos com base em educao formal, apropriadopara desenvolver talento, visto como uma expresso de valorao doambiente; ou em ambiente educativo informal, necessrio para desenvolverdotao, concebida como fonte de capacidade natural que torna possveldesenvolver os talentos.

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    APNDICE 1

    UMA EXPERINCIA DE LEVANTAMENTO DE OPINIO

    Os termos e expressesAltas habilidades Boa dotao Capacidade elevada Desempenho notvelDotao Superdotao Talento

    so usados amplamente na rea de educao especial,como tambm o so as afirmaes abaixo relacionadas.

    D sua opinio: Marque a que termo, ou termos, se aplica cada uma das afirmaes:

    1 mais apropriado ao meio escolarAltas Habilidades Boa dotao Capacidade elevada Desempenho notvel

    Dotao Superdotao Talento2 Refere-se mais ao que a pessoa traz consigo ao nascer

    Altas Habilidades Boa dotao Capacidade elevada Desempenho notvelDotao Superdotao Talento3 mais fcil de compreender

    Altas Habilidades Boa dotao Capacidade elevada Desempenho notvelDotao Superdotao Talento

    4 desenvolvido mais pelo ambienteAltas Habilidades Boa dotao Capacidade elevada Desempenho notvel

    Dotao Superdotao Talento

    5 No uma noo muito claraAltas Habilidades Boa dotao Capacidade elevada Desempenho notvel

    Dotao Superdotao Talento6 Depende mais de ensino e treino

    Altas Habilidades Boa dotao Capacidade elevada Desempenho notvelDotao Superdotao Talento

    7 usado mais pela legislao e documentao oficialAltas Habilidades Boa dotao Capacidade elevada Desempenho notvel

    Dotao Superdotao Talento8 Leva mais rotulao

    Altas Habilidades Boa dotao Capacidade elevada Desempenho notvelDotao Superdotao Talento9 mais explorado pela mdia

    Altas Habilidades Boa dotao Capacidade elevada Desempenho notvelDotao Superdotao Talento

    10 Traz geralmente mais rejeioAltas Habilidades Boa dotao Capacidade elevada Desempenho notvel

    Dotao Superdotao Talento

    (Se quiser comentar, use o verso da folha).

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    Notas

    1 Em portugus,giftsignifica presente, ddiva; no sentido usado em ingls, uma tra-duo literal seria dom.

    2 Teste de proporo entre duas amostras independentes (pA e pB) com intervalo deconfiana de 95% e nvel de significncia de 5%.

    Recebido: 16/11/2010Aprovado: 29/09/2011

    Contato:Associao de Pais e Amigos para Apoio ao Talento

    Direo TcnicaCentro Para Desenvolvimento do Talento - Cedet

    Rua Benedito Valadares, 187Centro

    CEP 37200-000Lavras, MG

    Brasil

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