Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

63
TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕES PROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005 MÓDULO DE TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕES PROFESSOR: CAPANEMA Aula do dia 14.2.2005 1ª Aula O professor inaugura a aula falando da mudança topográfica do livro do direito das obrigações no Novo Código Civil, ressaltando que no Código Beviláquia era o livro III, precedido pelo livro I, que tratava do direito de família, e pelo livro II, que tratava do direito das coisas. O direito das obrigações era o penúltimo livro da parte especial. Isso era um absurdo sob o ponto de vista lógico. Como ensinar aos alunos direito de família, sem que tivessem uma mínima noção de direito obrigacional? Por isso, as faculdades todas jamais seguiram nos seus currículos a ordem dos livros no Código de Beviláquia. Os estudos iniciavam-se pela parte geral, seguindo do estudo do direito das obrigações. O NCC mudou isso, pois a parte especial inaugura com o livro I, que é dedicado à teoria geral das obrigações e dos contratos. Só depois é que temos o livro II, dedicado ao direito de empresa, que nada mais é do que a continuação lógica do direitos das obrigações (o NCC unificou as obrigações civis e comerciais), livro III, dedicado aos direitos reais e, depois, família e sucessões. Com isso, o curso de direito será dado de acordo com a ordens dos livros no código. O NCC deu essa relevância extraordinária ao direito das obrigações, porque este, ao lado da parte geral, constitui, sem dúvida, o alicerce doutrinário sobre o qual se assenta todo o cerne do direito privado. Quem tem uma boa base na parte geral e na teoria geral das obrigações, tem o seu caminho muito facilitado para estudar as demais áreas do direito civil. No direito das obrigações nós vamos encontrar todos os fundamentos que nos ajudaram a entender melhor o direito de família, sucessões e, até mesmo, os direitos reais. CAPANEMA, pois, está de acordo com a mudança topográfica, deslocando-se o direito das obrigações do livro III para o livro I. Uma das característica da teoria geral das obrigações é a sua universalização, daí se dizer que é um direito quase universal. Disso decorre que o direito das obrigações é quase igual nos países de tradição romana, baseado na civil law, quanto nos países anglo-saxãos, baseado na comow law. Isso decorre da genialidade dos romanos, que nos entregaram, há mais de 20 séculos, uma teoria geral das obrigações pronta e acabada. Criou-se um sistema tão perfeito de freios e contrapesos que resiste, praticamente incólume, há 25 séculos. As formas de pagamento indireto – como a dação em pagamento, a imputação do pagamento, a consignação do pagamento, o pagamento por subrogação e etc – que parecem ser conquistas do direito moderno, sofisticado, ao contrário já estava previsto no direito romano. A genialidade dos romanos é tão ímpar que mesmo os sistemas que não têm tradição romana, no campo das obrigações, reconhecendo a sua superioridade, absorveram a teoria. Hoje, a grande mudança na teoria geral dos contratos e das obrigações não são dos textos frios da lei, mas sim dos paradigmas - função social do direito e a boa-fé objetiva -, que oxigenam o direito. O NCC é um código principiológico, mudando o método de aplicação e interpretação do direito. Rompeu-se definitivamente com o positivismo estrito, em que o julgador estava aprisionado e engessado pelo texto da lei, inaugurando-se com o NCC uma nova fase, que já se chama de pós-positivista, em que os princípios gerais se sobrepõe ao texto da lei. O juiz hoje deixa de ser apenas a boca da lei, como queria Montesquie, um mero aplicador do texto legal, para ser o equilibrador ético, econômico e jurídico das relações. O juiz hoje tem uma atividade muito mais ativa no sentido de transformar o direito num mecanismo eficiente de realização da justiça. Isso só é possível com o NCC e com os seus novos princípios, como o da boa-fé objetiva, da função social, da efetividade do direito, o principio do equilíbrio econômico da prestação e da contra-prestação e tantos outros que purificam o direito civil . 2005 1

Transcript of Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

Page 1: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

MÓDULO DE TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕES

PROFESSOR: CAPANEMA

Aula do dia 14.2.20051ª Aula

O professor inaugura a aula falando da mudança topográfica do livro do direito das obrigações no Novo Código Civil, ressaltando que no Código Beviláquia era o livro III, precedido pelo livro I, que tratava do direito de família, e pelo livro II, que tratava do direito das coisas. O direito das obrigações era o penúltimo livro da parte especial. Isso era um absurdo sob o ponto de vista lógico. Como ensinar aos alunos direito de família, sem que tivessem uma mínima noção de direito obrigacional? Por isso, as faculdades todas jamais seguiram nos seus currículos a ordem dos livros no Código de Beviláquia. Os estudos iniciavam-se pela parte geral, seguindo do estudo do direito das obrigações.

O NCC mudou isso, pois a parte especial inaugura com o livro I, que é dedicado à teoria geral das obrigações e dos contratos. Só depois é que temos o livro II, dedicado ao direito de empresa, que nada mais é do que a continuação lógica do direitos das obrigações (o NCC unificou as obrigações civis e comerciais), livro III, dedicado aos direitos reais e, depois, família e sucessões. Com isso, o curso de direito será dado de acordo com a ordens dos livros no código.

O NCC deu essa relevância extraordinária ao direito das obrigações, porque este, ao lado da parte geral, constitui, sem dúvida, o alicerce doutrinário sobre o qual se assenta todo o cerne do direito privado. Quem tem uma boa base na parte geral e na teoria geral das obrigações, tem o seu caminho muito facilitado para estudar as demais áreas do direito civil. No direito das obrigações nós vamos encontrar todos os fundamentos que nos ajudaram a entender melhor o direito de família, sucessões e, até mesmo, os direitos reais.

CAPANEMA, pois, está de acordo com a mudança topográfica, deslocando-se o direito das obrigações do livro III para o livro I.

Uma das característica da teoria geral das obrigações é a sua universalização, daí se dizer que é um direito quase universal. Disso decorre que o direito das obrigações é quase igual nos países de tradição romana, baseado na civil law, quanto nos países anglo-saxãos, baseado na comow law. Isso decorre da genialidade dos romanos, que nos entregaram, há mais de 20 séculos, uma teoria geral das obrigações pronta e acabada. Criou-se um sistema tão perfeito de freios e contrapesos que resiste, praticamente incólume, há 25 séculos. As formas de pagamento indireto – como a dação em pagamento, a imputação do pagamento, a consignação do pagamento, o pagamento por subrogação e etc – que parecem ser conquistas do direito moderno, sofisticado, ao contrário já estava previsto no direito romano. A genialidade dos romanos é tão ímpar que mesmo os sistemas que não têm tradição romana, no campo das obrigações, reconhecendo a sua superioridade, absorveram a teoria.

Hoje, a grande mudança na teoria geral dos contratos e das obrigações não são dos textos frios da lei, mas sim dos

paradigmas - função social do direito e a boa-fé objetiva -, que oxigenam o direito.

O NCC é um código principiológico, mudando o método de aplicação e interpretação do direito. Rompeu-se definitivamente com o positivismo estrito, em que o julgador estava aprisionado e engessado pelo texto da lei, inaugurando-se com o NCC uma nova fase, que já se chama de pós-positivista, em que os princípios gerais se sobrepõe ao texto da lei. O juiz hoje deixa de ser apenas a boca da lei, como queria Montesquie, um mero aplicador do texto legal, para ser o equilibrador ético, econômico e jurídico das relações. O juiz hoje tem uma atividade muito mais ativa no sentido de transformar o direito num mecanismo eficiente de realização da justiça. Isso só é possível com o NCC e com os seus novos princípios, como o da boa-fé objetiva, da função social, da efetividade do direito, o principio do equilíbrio econômico da prestação e da contra-prestação e tantos outros que purificam o direito civil.

CAPANEMA diz que essas transformações não são percebidas apenas com “olhos de ver”, mas sim com os “olhos de sonhar” com este novo tempo.

Características da obrigação:

1ª) O vínculo jurídico que ela representa – a idéia de vínculo jurídico é dos romanos. A doutrina moderna, talvez sob a influência desse excesso de liberdade, reage um pouco à idéia de vínculo jurídico, por poder fazer supor a submissão física do devedor ao credor, o que seria um ranço da dominação do ser humano sobre o humano. Os romanos, porém, quando se referiam ao vínculo jurídico não queriam fazer menção ao físico, mas que a obrigação não é uma brincadeira leviana, nem uma aventura inconseqüente. A obrigação vincula duas pessoas, o devedor ao credor, vínculo que só se romperá com o pagamento. Essa primeira característica é, portanto, importante, pois revela toda a base do princípio da segurança e da prestabilidade das relações jurídicas. A obrigação constrange o devedor a entregar ao credor uma prestação, que pode ser uma coisa, um serviço, uma abstenção ou qualquer outro bem da vida. O vínculo dó se rompe com o pagamento ou com o ressarcimento do credor, no caso de não pagamento.

2ª) esse vínculo é interpessoal. O pólo ativo é ocupado pelo credor e o pólo passivo pelo devedor. É por isso que as obrigações são chamadas de direitos pessoais, em contraposição aos direitos reais, que têm como objeto sempre uma coisa.

3ª) temporariedade do direito. A obrigação é sempre uma relação interpessoal temporária, não é perpétua. Haverá um momento em que o devedor se livrará do credor, rompendo-se esse vínculo interpessoal, com o pagamento. O vínculo poderá se extinguir também se a prestação se tornar impossível ou no momento em que o credor for integralmente ressarcido dos prejuízos decorrentes do inadimplemento da obrigação ou pela prescrição. Sempre haverá um momento em que o vínculo se dissolverá.

Daí a diferença para o direito real, que nasceu para se perpetuar, na feliz expressão de SANTIAGO DANTAS. O direito obrigacional nasce para morrer pelo pagamento e

2005 1

Page 2: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

quanto mais cedo, melhor para a sociedade. Assim, uma obrigação que nasce perpétua, nasce morta, fulminada pela nulidade.

4ª) O objeto da obrigação é sempre uma prestação (chamado de “bem da vida” por CHIOVENDA), já o do direito real é sempre uma coisa, que poderá ser móvel, imóvel, corpórea, incorpórea, fungível, infungível – essa é outra diferença. A prestação pode até ser uma coisa eventualmente. Nas obrigações de dar e restituir, por exemplo, a prestação é representada por uma coisa que o devedor se compromete a entregar ao devedor. A prestação também poderá ser um serviço, um trabalho, uma inércia, um silêncio, um não fazer.

5ª) economicidade da relação obrigacional. A prestação tem que ter conteúdo econômico, por isso que CHIOVENDA a chamava de “bem da vida” perseguido pelo credor. O credor tem que ter interesse econômico na prestação. Se não houver interesse econômico, não haverá obrigação no sentido técnico jurídico. A obrigação poderá ser moral, religiosa, social, mas não jurídica. A lei não exige que o conteúdo econômico já venha expresso na relação obrigacional. Muitas vezes não há qualquer referência expressa ao conteúdo econômico, mas ele é aferível. Também pouco importa o valor econômico da prestação; não é necessário que se vislumbre imediatamente esse interesse econômico, há obrigações que a projetam para o futuro. Mesmo nas obrigações negativas a prestação tem um conteúdo econômico. Exemplo: obrigação negativa pela qual o vizinho se obriga com o outro a não construir acima de determinada altura para não lhe tirar a vista do mar. O interesse econômico é enorme, pois a vista para o mercado para o mar aumenta o valor do imóvel. O silêncio do advogado quanto ao segredo do cliente também tem um interesse econômico enorme – exemplo: Clóvis Sahione e Silveirinha.

6) submissão do patrimônio do devedor ao credor como garantia do pagamento. O devedor continua com os bens disponíveis, salvo se os tiver dado em garantia real. O que se quer dizer é que o devedor não pagar a obrigação, por sua culpa, o credor se valerá dos seus bens para se ressarcir, ou seja, os bens do devedor ficam alocados ao credor como garantia do pagamento.

Os romanos, há mais de 20 séculos, perceberam logo que era preciso criar mecanismos para levar o devedor a cumprir a sua obrigação. Os primeiros sistemas para tanto eram os mais bárbaros possíveis, o eixo da garantia das obrigações repousava sobre o corpo do devedor. Era o corpo do devedor que garantia o credor. Isso antes do período clássico. O devedor inadimplente era sacrificado num altar próprio para essa finalidade, nas margens do rio Tigre, eram as divindades zelavam pelo cumprimento das obrigações. O devedor que devia a vários credores era esquartejado no altar de sacrifícios, para que cada credor recebesse uma parte do corpo do devedor. Depois de um tempo os romanos perceberam que esse sistema a nada conduzia, a não ser satisfazer o natural direito de vingança que o credor inadimplido sente. Assim, esse sistema era inútil, pois com o devedor morto que o credor nunca iria receber mesmo, além de cruel, desumano.

Abrandou-se, assim, o sistema, mas a garantia continuava sobre o corpo do devedor, porque agora o devedor perdia a

liberdade. O devedor inadimplente convertia-se em escravo do credor; não só o devedor, como toda a sua família. Só se recuperava a liberdade ao pagar. Desse sistema ainda há vestígios. Ainda há exemplos no Brasil que o inadimplemento leva à perda da liberdade. É o caso da obrigação alimentar e do depositário infiel. Não é pena criminal, é apenas um meio de coerção indireto do devedor para compeli-lo a pagar.

Com o passar do tempo os Romanos perceberam que a liberdade é tão, ou mais, importante do que a vida, ou seja, que o sistema ainda era bastante cruel.com os inadimplentes. Ai veio uma lei divisora de águas, que é um marco na história da humanidade. Na opinião de CAPANEMA essa lei deveria ser mais conhecida, é a LEX PETÉLIA PAPÍLIA. Essa lei é de quatrocentos séculos antes de cristo. Foi a primeira lei que deslocou o eixo de garantia das obrigações do corpo do devedor para o seu patrimônio. Foi a primeira lei a dizer que se o devedor não pagar a obrigação, o credor não mais poderá se valer da sua vida ou da sua liberdade, mas apenas dos seus bens. O credor irá expropriar os bens do devedor para do produto da alienação forçada retirar a prestação ou o ressarcimento. Já se passaram 25 séculos da lex petélia e ainda não se inventou nenhum outro sistema melhor. Até hoje são os bens do devedor que funcionam como mecanismo de coerção indireta para levar ao pagamento.

Também se criou a idéia da solvência e da insolvência do devedor. O solvente é aquele cujos bens são de valor superior às obrigações assumidas. É por isso que o credor, ao celebrar uma obrigação, tem como primeira preocupação verificar os bens do devedor. É pelo mesmo motivo que os credores costumam acompanhar a evolução patrimonial dos seus devedores, para verificar se eles continuam solventes.

Definição de obrigação: é o vínculo jurídico interpessoal, de natureza temporária, que tem como objeto uma prestação economicamente aferível e cuja garantia é representada pelo patrimônio do devedor.

CAPANEMA adverte que a expressão relação obrigacional não é a mesma coisa que obrigação. A relação obrigacional dá uma idéia de processo, de encadeamento de atos que começam no nascimento da obrigação e terminam com a sua extinção, com o pagamento. Já a palavra obrigação representa mais o vínculo in concreto.

Identificação os elementos da obrigação: foram também os romanos que visualizaram na relação obrigacional os debitum e obliglacium. O debitum é o dever primário, representado pela prestação propriamente dita, que o devedor se compromete a entregar ao credor. É o primeiro momento da obrigação. Obligacium: é o segundo momento, o dever secundário, que nasce quando não se cumpre o dever primário. Assim, se o credor cumpre o dever primário, entregando ao devedor voluntariamente a prestação extingue-se a obrigação, sem qualquer interferência do Estado. Mas, se ao contrário, o devedor não cumpre por culpa sua a obrigação, nasce o dever secundário, quer é a responsabilidade. O devedor vai responder pelo prejuízo que o inadimplemento causou ao devedor.

A obligacium é a sombra da obrigação, a responsabilidade segue a obrigação como se fosse a sua sombra, nasceu do inadimplemento do dever primário. Os alemães no campo das

2005 2

Page 3: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

obrigações renderem-se à tradição romana no que tange ao direito das obrigações, mantendo essa visão dualista. Brasil: os elementos são o débito e a responsabilidade.Inadimplido o dever primário, o Estado substitui o credor para expropriar os bens do devedor, os levando à praça para, do produto da venda, ressarcir o credor. O estado se coloca ao lado do credor, fornecendo-lhe todo o instrumental necessário, porque há um interesse social no pagamento das obrigações. É isso que leva o Estado manter o oneroso aparato do Judiciário para que o credor possa compelir o devedor a cumprir a sua obrigação. Execução etática da obrigação (pois é feita pelo Estado, na medida em que o credor não pode fazer justiça com as próprias mãos). O equilíbrio social repousa, em grande idéia, na idéia do pacta sun servanda, de que as obrigações têm que ser cumpridas. Quando o devedor paga, não é só o credor que respira aliviado, mas sim toda a sociedade. O pagamento da obrigação tem um enorme conteúdo social. O próprio Kelsen colocou a regra pacta sun servanda como a mais importante para o equilíbrio social. Uma sociedade com o nível de inadimplência alto é uma sociedade em crise, doente.

Essa visão dualista não é unânime, os franceses a repelem. A doutrina francesa enxerga a obrigação pela teoria monista, só haveria o debitum. A responsabilidade estaria fora da relação obrigacional, seria uma conseqüência do inadimplemento. Os franceses, pois, romperam com a tradição germanico-romana.

Essa visão dualista, porém, tem exceções. Há obrigações que são apenas constituídas pelo debitum, sem obligacium , ou seja, o credor não dispõe de nenhum mecanismo para compelir o devedor a pagar, o pagamento passa a ser uma questão de consciência do devedor. Exemplos: obrigações naturais (dívidas de jogo toleradas1, obrigações prescritas, que se convertem automaticamente em obrigações naturais. A prescrição fulmina a obligacium, a pretensão). Por outro lado, há, ainda, as dívidas constituídas apenas pela obligacium. É o caso do fiador, do avalista – obrigações de garantia.

Quando a obrigação se apresenta nos seus dois momento, com debitum e obligacium, costuma-se dizer que é uma obrigação civil. CAPANEMA entende que hoje essa expressão não é muito feliz, tendo em vista a unidade das obrigações civis e comerciais.

Fontes das obrigações: a doutrina clássica dizia que a primeira fonte é a lei. Exemplo: obrigação alimentar, obrigação de restituir o que se recebeu indevidamente. A doutrina moderna repele essa visão, não reconhecendo a lei como fonte de obrigação, mas sim de deveres jurídicos. A obrigação alimentar seria, assim, um dever jurídico, assim entendido como comando cogente dirigido pela lei a todos os membros da sociedade. diante do seu inadimplemento. Já a obrigação emanaria sempre da vontade humana, através da ato jurídico ou do ato ilícito. CAPANEMA diz que a lei continua sendo fonte das obrigações.

1ª) lei

1 O professor está se referindo ao jogo de carta entre

amigos e não o jogo do bicho, fruto da contravenção

penal.

2ª) o ato jurídico lato sensu (incluindo o ato e o negócio jurídico). A fonte mais freqüente de obrigações, maciçamente majoritária, é o contrato, que é uma modalidade de negócio jurídico. CAPANEMA diz que 80% das obrigações nascem de contrato. O contrato é a fonte, por excelência, das obrigações. Reparem que o negócio jurídico pode ser unilateral, como é o caso de um testamento, ou bilateral ou plurilateral, como é o caso dos contratos.

3ª) o ato ilícito, que também emana da vontade humana. Ao leigo pode parecer estranho que o ato ilícito, que contraria a lei, possa gerar obrigação. O ato ilícito é a fonte de uma importantíssima obrigação, que é a de indenizar. Do ato ilícito nasce, necessariamente, uma obrigação para o seu autor, que é a de indenizar o dano causado à vítima.

* Há ainda quem diga que a gênese de toda a obrigação é a vontade humana. É evidente que não basta a vontade humana para fazer nascer a obrigação, é preciso que ela se adeqüe ao ordenamento jurídico. Por isso, se diz que “a gênese da obrigação é a vontade humana, mas o seu habitat é o ordenamento jurídico”. A obrigação tem que se adequar à ordem jurídica. A lei é produto da vontade coletiva da sociedade, portanto, da vontade humana coletiva. Daí, a sua gênese ser a vontade humana. O ato jurídico também é emanação da vontade humana, a natureza só consegue produzir fato jurídico, mas que não geram obrigação. O negócio jurídico também é produto exclusivo da vontade humana, assim como o ato ilícito.

CAPANEMA está de acordo com a máxima de que a gênese de toda a obrigação é a vontade humana.

Rio de Janeiro, 21/2/2005 (2ª aula)

Classificação das obrigações:

Critérios: 1º) natureza do vínculo: pela natureza do vínculo, as obrigações podem ser naturais ou civis. O professor ressalta que alguns dizem que as obrigações naturais não pertencem ao mundo do direito, mas sim ao campo da moral. Nas obrigações naturais não há a obligacio, ou seja, o credor não dispõe de nenhum remédio para compelir o devedor a pagar. Assim, o devedor pagará de acordo com o seu imperativo de consciência. É uma exceção à regra do debitum e da obligacio (dever primário e secundário).

Exemplos: obrigações prescritas (note-se que a prescrição não fulmina o crédito, o direito subjetivo, mas, tão-somente, o mecanismo para exigi-lo. Logo, nada impede que o devedor venha a pagar a dívida, se assim desejar); dívidas de jogo toleradas (exemplos: dívida de poquer entre amigos – o vencedor não tem ação para exigir o pagamento).

Observe-se que o jogo regulamentado gera obrigação civil, logo a caixa econômica terá que pagar ao vencedor do bilhete premiado. O que justifica o jogo regulamentado, segundo o professor, é a máxima de Maquiavel “os fins justificam os meios”. Por meio do jogo, o Estado tira recursos para atividades sociais relevantes.

O credor de uma obrigação natural tem alguma proteção da lei? Antes do pagamento não, porém, após o pagamento voluntário, terá a proteção da lei, pois não caberá ação de

2005 3

Page 4: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

repetição de indébito por parte do devedor que pagou a obrigação natural, ou seja, não há o dever de restituir o valor pago. As obrigações naturais não admitem novação, compensação, salvo com a anuência do devedor.

Obrigação natural # obrigação moral – ponto em comum: em ambos os casos o devedor não pode ser compelido a pagar. Na obrigação moral não há relação jurídica, a relação é meramente ética – exemplo: amigo que no leito de morte pede ao outro para entregar uma jóia à sobrinha preferida. Já na obrigação natural há vínculo jurídico, o jogo é um contrato típico, regulamentado pelo Código Civil, entre os jogadores há uma relação contratual, muito embora não haja o dever de pagar.

Obrigação civil: estão presentes o debitum e a obligacium, ou seja, o credor dispõe de recursos para compelir o devedor a pagar. É a regra geral.

OBS: obrigação propter rem: recaem sobre a coisa, o vínculo nasce de um direito real, é o caso da cota condominial, dos direitos de vizinhança, IPTU. São obrigações pessoais, que nascem da posse e/ou da propriedade da coisa, por isso recaem sobre a própria coisa.

2º) o segundo critério, na verdade, é o primeiro dentro do NCC – pela natureza da prestação as obrigações podem ser positivas ou negativas. Nas positivas, o pagamento exige do devedor uma ação, uma emissão de vontade, o devedor tem que agir para pagar, não pode ficar inerte.

Obrigações positivas: são as obrigações de coisa, de fato e as obrigações pecuniárias.

Obrigações da coisa: são aquelas em que a prestação consiste numa coisa a ser entregue ao credor, ou seja, o bem da vida perseguido é uma coisa, que poderá ser móvel, imóvel, fungível ou não, divisível ou não.

Obrigações de fato (ou de fazer): a prestação consiste na realização de um serviço.

Obrigações pecuniárias: a prestação é representada por dinheiro que o devedor se compromete a entregar ao credor. Muitos questionam por que essa obrigação não se encontra inserida como subespécie das obrigações de coisa, afinal, dinheiro não é coisa? Sucede que pela sua relevância, não é uma coisa qualquer, pois em torno do dinheiro surgem todas as fragilidades da alma humana, a cobiça, a ganância ... razão prática pela qual é uma outra modalidade de obrigação, na qual o dirigismo estatal é muito maior.

Obrigação de coisa ---- dar ----- restituir

Em ambas, o devedor se compromete a entregar ao credor uma coisa. Dar: a coisa está sendo entregue ao credor pela 1ª vez para que adquira a propriedade e/ou posse – exemplo: compra e venda. Restituir: a coisa já era antes do credor, mas fora entregue ao devedor coma condição de restituí-la depois – exemplo> locatário, comodatário, mutuário e etc.

Obrigação de dar ---- a) coisa certa: a coisa já está definida, individualizada, desde o momento em que a obrigação nasce – exemplo: venda de um escort placa X.b) coisa incerta (ou de gênero): a coisa, no momento do nascimento da obrigação, é indicada pelo gênero e quantidade – exemplo: compra de 1 Kg de tomates (não se sabe quais serão as unidades que serão entregues à credora).

Obrigação de restituir: serão sempre de coisa certa.

Obrigação de fazer: a) fungíveis: são aquelas em que o devedor poderá ser substituído por outro, ou seja, o serviço contratado não foi em razão de especiais qualidades.b) infugíveis: são contratados em razão das qualidades especiais do devedor, que não poderá deixar de prestá-la. Por isso, o credor poderá rejeitar a coisa se não prestada pela parte contratada.

Obrigações pecuniárias: a) dívidas de dinheiro: a prestação é o próprio dinheiro, o objeto é uma certa quantidade de dinheiro – exemplo: mútuo de R$ 10.000,00.b) dívidas de valor: o dinheiro é apenas a medida da prestação, isto é, se entrega ao credor a medida, em dinheiro, da prestação. Exemplo: obrigação alimentar, de indenizar e etc. ]

Obrigação alimentar: a prestação é representada por moradia, remédios, vestuários, alimentos e etc. Na prática, é inviável a entrega da prestação in natura, por isso se entrega o equivalente em dinheiro. Em outras palavras, mede-se, em dinheiro, o valor dessa prestação.

Obrigação de indenizar decorrente de ato ilícito – exemplo: caminhão que arranca paralamas de um carro. O paralama é a prestação, o juiz manda medir, em dinheiro, o valor da prestação e manda entregá-la ao devedor.

Obrigações negativas: são as chamadas obrigações de não fazer.

OBS: direitos reais: o objeto é sempre uma coisa; direito das obrigações: o objeto pode ser uma coisa, um serviço, uma inércia, um silêncio.

Obrigação de dar coisa certa: são indispensáveis para transmitir a propriedade e posse das coisas. Regra: o credor não pode ser compelido a receber coisa diversa, ainda que mais valiosa. O devedor, igualmente, não pode ser compelido a entregar coisa diversa ao credor, ainda que menos valiosa.

Entende-se, pois, que a coisa, antes da tradição, está submetida a um risco, na medida em que somente com a entrega da coisa, no caso de bens móveis, que transfere-se a propriedade e cumpre-se a obrigação. Até a tradição, a propriedade da coisa permanece com o devedor. E se a coisa, depois de constituída a obrigação de dar, mas antes da tradição, deteriorar-se ou se perder sem culpa do devedor, que arca com o ônus?

Se a coisa se perder antes da tradição, sem culpa do devedor, a obrigação se resolve, voltando as partes ao estado anterior, sem se falar em perdas e danos. Quem sofre o prejuízo econômico é o devedor que, pois, perde a coisa e não poderá reclamar perdas e danos. Logo, quanto mais rápido entregar a

2005 4

Page 5: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

coisa, menor é o risco suportado pelo devedor. Res periti dominus: a coisa perece para o dono, que é o devedor, pois não houve, ainda, a tradição.

Exemplo: cavalo atingido por um raio.

Se a coisa se deteriorar sem culpa do devedor, antes da tradição, o credor poderá optar entre ejetar a coisa ou resolver a obrigação. Note-se que ele não poderá ser compelido a receber coisa diversa ou a aceitar a coisa e pedir redução do preço. A opção é um direito do credor.

Exemplo: cavalo que fica manco, carro que fica amassado.

Perda ou deterioração da coisa sem culpa do devedor: aplicação da teoria do risco. Perda ou deterioração da coisa com culpa do devedor: aplicação da teoria da responsabilidade: o credor tem direito ao equivalente mais perdas e danos (danos emergentes, lucros cessantes e, até mesmo eventualmente, danos morais).

E se a coisa, antes da tradição, experimentar uma valorização, um plus? Quem terá direito aos cômodos da coisa? De plano, é importante frisar que cômodos da coisa são os acréscimos, as benfeitorias que a coisa experimenta entes da tradição – exemplo: venda de quadro de autor desconhecido que, antes da tradição, descobre-se que é um verdadeiro Van Gong.

Os cômodos da coisa são do devedor – questão de isonomia, na medida em que se ele suporta os prejuízos, não haveria sentido para não aproveitar as benesses. Assim, o devedor pode pedir acréscimo do preço. Isso não viola o ato jurídico perfeito, se justificando pelo princípio da vedação do enriquecimento sem causa.

Muitos questionam se não é injusto fazer o credor complementar o preço. E se ele não tiver dinheiro? Ou se, simplesmente, a coisa deixar de interessá-lo (exemplo: comprou vaca para puxar uma carroça, agora, com ela prenha, não mais interessa)? Se o credor não puder, ou não quiser, pagar o acréscimo, o devedor poderá resolver a obrigação, devolvendo o valor eventualmente já recebido.

Tanto faz que os acréscimos decorram do caso fortuito ou do investimento do devedor, ele sempre terá direito aos cômodos da coisa. Logo, também é de interesse do credor receber a coisa o mais rápido possível, para não correr o risco de coisa ter que se valorizar e ele ter que pagar o plus. É por isso que muitos manuais trazem a seguinte frase: “o devedor suporta o risco da perda, mas o credor suportará o risco do preço nas obrigações de dar coisa certa”.

Note-se que se a coisa se valorizar antes da tradição, ele terá que complementar o valor da coisa ou perdê-la. Pode se alegar a teoria da imprevisão como defesa.

Obrigação de restituir: difere da obrigação de dar no que tange aos cômodos da coisa. Exemplo: área de fazenda que aumenta por alvusão, fenomeno natural, o dono nada fez para que isso acontecesse. O locatário da fazenda não poderá exigir acréscimo do locador por conta dos cômodos da coisa. Só pertencerão a ele se resultarem do trabalho/investimento do devedor. Se resultarem do fortuito, pertencerão ao credor.

Na obrigação de dar, os cômodos pertencerão ao devedor independentemente de seu trabalho ou investimento.

Razão: res periti dominus: o proprietário da coisa, no caso da locação, é o locador.

Obrigação de dar coisa incerta (ou de gênero): a indeterminação da coisa não pode perdurar para sempre, haverá um momento em que as coisas se determinarão, que ocorrerá na concentração do débito, que é o ato pelo qual as coisas – indicadas pelo gênero e quantidade -, se determinarão.

Exemplo: 1 Kg de tomate: o feirante, ao separar os tomates no prato da balança está concentrando o débito.

Importância jurídica e prática da concentração: concentrando o débito, a obrigação, automaticamente, se converte em obrigação de dar coisa certa, aplicando-se as regras acima estudadas.

A obrigação será de gênero até a concentração do débito. A obrigação de concentrar o débito cabe, a princípio, ao devedor da obrigação (no exemplo acima formulado, ao feirante). Visa a tornar o pagamento menos oneroso, a facilitar o pagamento. Regra dispositiva, logo nada impede que o credor concentre o débito, desde que haja anuência entre as partes. O devedor não pode entregar as coisas piores, nem o credor escolher as melhores (artigo 244 CC). Visa ao equilíbrio econômico, justificado pelo princípio da boa-fé objetiva.

Observe-se que o supermercado se absteve da faculdade de concentrar o débito e da regra do artigo 244 CC, o que aquiesceu as vendas, daí o sucesso de vendas. Se as coisas se perderem, mesmo sem culpa do devedor, antes da concentração, ele não se exonera, terá que arranjar outra para substituí-la, sob pena de pagar perdas e danos. Isso porque, até a concentração, a obrigação é de gênero e o gênero nunca perece.

Exemplo: 1 Kg de café enquanto houver café no mundo ele não se exonera.

O devedor da obrigação de dar coisa incerta tem interesse de logo concentrar o débito, pois há o risco de a coisa perecer e ele não se exonerar do pagamento. O ônus da prova é do devedor. Ao concentrar o débito logo, reduz-se os riscos.

Aula do dia 28 de fevereiro de 20053ª aula

Qualquer atividade humana, desde que lícita, pode ser objeto de uma obrigação de fazer. Exemplos: ministrar uma aula, levar um passageiro ao aeroporto, construir uma casa, outorgar uma escritura. As obrigações de fazer são as mais freqüentes no mundo das obrigações, se revestem de extraordinária ingerência econômica e social.

Podem ser fungíveis ou infungíveis. Fungíveis são aquelas em que o devedor pode se fazer substituir por outrem, pois são não se tem em mira as qualidades especiais do devedor. São

2005 5

Page 6: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

serviços que podem ser executados sem maiores problemas por outras pessoas, não exigem uma qualificação especial.

As infungíveis, ao contrário, são aquelas em que o devedor não pode se substituir por outrem, ou seja, o credor pode recusar a prestação, se esta vier oferecida por terceira pessoa, que não o devedor original. Elas são contratadas tendo em vista as qualidades especiais do devedor.

As obrigações de fazer pode ser inadimplidas de 2 maneiras diferentes: 1) quando a prestação se torna impossível, não havendo mais como se realizar o serviço ou se praticar o ato. Exemplo: cantor que se obrigou a fazer um recital e amanhece no dia do recital completamente afônico ou então que é encontrado pelo empresário, minutos antes de entrar no palco, completamente embriagado, inconsciente.

Portanto, a primeira causa de inadimplemento é a superveniente impossibilidade da prestação.

2) Recusa do devedor que, mesmo podendo realizar o serviço, recusa-se a fazê-lo. Exemplo: cantor que, embora esteja com a voz perfeitamente límpida, por uma questão psicológica se recusa a subir no palco.

Conseqüências jurídicas: 1) tornando-se a prestação impossível, é preciso analisar se isso decorreu de culpa do devedor ou não. Não havendo culpa do devedor, se a impossibilidade se atribui a um caso fortuito, a uma circunstância de força maior ou a fato exclusivo de terceiro (sem nenhuma participação do devedor), a obrigação se resolverá. Isto é, voltarão as partes ao estado anterior, como se a obrigação jamais tivesse existido, não se podendo falar em perdas e danos. Se o devedor já tiver recebido a contra-prestação, terá que devolvê-la, não se podendo confundir isso com perdas e danos. As perdas e danos não serão cabíveis porque não houve culpa do devedor. Toda vez que a obrigação é inadimplida sem culpa do devedor, a conseqüência jurídica é a mesma: a resolução da obrigação sem se falar em perdas e danos, apenas retornando as partes ao estado anterior.

Só se resolverá a obrigação se a impossibilidade da obrigação for absoluta, se ainda for possível cumprir a obrigação, embora de maneira mais onerosa para o devedor, com mais esforço, não se resolverá a obrigação. Exemplo: Se o cantor amanheceu, ao invés de afônico, com apenas um torcicolo, isso não implicará na resolução da obrigação, pois ainda será possível cumprir a obrigação, embora com mais esforço do devedor. É uma questão que deve ser examinada caso a caso, diante da realidade concreta, caberá ao juiz, muitas vezes até com base em parecer técnico pericial, auferir se houve uma impossibilidade absoluta do cumprimento da obrigação que não seja imputável ao devedor.

Se houve culpa do devedor (culpa lato sensu, em todas as suas modalidades e graus): o devedor responderá por todos os prejuízos que seu inadimplemento tiver causado ao credor. Exemplo: no caso do cantor encontrado embriagado, houve imprudência e ele responderá pelos prejuízos causados como, por exemplo, devolução do valor do preço aos expectadores, o pagamento dos músicos, a iluminação do salão e etc.

Inadimplemto decorrente da recusa do devedor em realizar os serviço: não há de se falar se houve culpa ou não, pois se o devedor pode realizar o serviço, cumprir a obrigação e se recusa é evidente que há culpa no seu grau mais exarcebado. Se a obrigação é infungível, não restará ao credor outra opção que não demandar pelas perdas e danos, que serão apuradas caso a caso, pois não se pode substituir o devedor.

Se a obrigação é fungível, poderá o credor reclamar pelas perdas e danos; poderá também pedir autorização ao juiz para realizar o serviço por outrem, as custas do devedor. Isso seria uma maneira oblíqua de pagar perdas e danos, pois o devedor pagará ao terceiro que realizará o serviço que lhe competia. Isso depende de autorização judicial. O credor primeiro teria que obter a condenação do devedor a realizar o serviço e diante de sua recusa obter do juiz a autorização para realizá-lo por outrem. O CPC prevê uma verdadeira via crusis para se alcançar essa autorização, que na prática veda essa opção. CPC: estabelece que se terá que fazer uma licitação, um edital para que terceiros interessados em realizar aquele serviço ofereça a sua proposta em envelopes lacrados, num dia designado no edital em audiência pública, o juiz abrirá os envelopes e adjucará o serviço aquele que tiver oferecido as melhores condições. Por isso, na prática, raramente os credores se interessam por essa solução.

O calcanhar de aquires (ponto fraco) das obrigações de fazer era exatamente a sua execução diante da recusa do devedor em cumprí-las. Nas obrigações de dar, estando a coisa ainda em poder do devedor, poderá o credor alcançá-la com, por exemplo, uma medida de busca e apreensão; ou seja, o credor pode obter a própria prestação, independente das perdas e danos. O credor pode preferir ir buscar a coisa, que é o objeto da obrigação, se ela ainda estiver disponível com o devedor.

Mas nas obrigações de fazer, que importam em realizar um esforço físico, isso não é possível, não se pode obrigar o devedor a realizar um desforço físico contra a sua vontade, pois violaria o sagrado território da liberdade individual. A doutrina entendia que o devedor não podia ser compelido a trabalhar, afastando-se, pois, a possibilidade da execução in natura da obrigação de fazer. Portanto, a execução das obrigações de fazer acabava quase sempre em perdas e danos, o que muitas vezes frustravam o credor, que não estava interessado em perdas e danos. O credor não perseguia o dinheiro, o que o credor queria era a prestação, o serviço que lhe foi prometido pelo devedor e isso ele não conseguia, na maioria dos casos, obter. Esse era o grande problema das obrigações de fazer.

Note-se que nas obrigações de fazer que importavam apenas em emitir vontade, isso não oferecia maior dificuldade, mas nas que importavam esforço físico (exemplo: construir uma casa, ministrar uma aula, levar o passageiro no aeroporto) não havia como executá-la in natura, frustando o credor.

Isso começou a se modificar com o advento do Código de Defesa do Consumidor, que no artigo 84 criou uma tutela específica para as obrigações de fazer, tentando torná-las mais efetivas, visando a permitir ao credor obter a prestação in natura, e não apenas perdas e danos. O artigo 84 criou poderosos mecanismos de coerção indireta sobre o devedor, para levá-lo a realizar o serviço. O juiz tem um arsenal de

2005 6

Page 7: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

medidas judiciais capazes de levar o devedor a realizar o serviço. A mais poderosa delas é a astrente, que é multa diária arbitrada pelo juiz, até mesmo de ofício, até que o devedor cumpra a obrigação. A astrente pode ser fixada pelo juiz até mesmo de ofício, ou seja, mesmo sem ter sido provocado. O juiz, também de ofício, poderá levar a qualquer tempo do processo o valor dessa astrente, para levar o devedor a realizar o serviço. Astrente não se confunde com a cláusula penal, pois esta é fixada pelas partes no próprio título obrigacional, na hipótese de inadimplemento. Já a astrente é fixada pelo juiz, como mecanismo de coerção indireta, se aplicará dia a dia.

Duas correntes doutrinárias se degladiam quanto à astrente. A primeira sustenta que a astrente se manterá até que o devedor realize o serviço, cumpra a obrigação ou então até que a prestação se torne impossível. Só haveria, pois, 2 causas capazes de interromper a fluência da astrente: o cumprimento da obrigação e torna-se a prestação impossível ( de nada adiantaria a astrente, já que não seria mais possível cumprir a astrente). A soma dessas astrentes pode ultrapassar e muito o próprio valor da obrigação e das perdas e danos, pois as astrentes não se confundem com perdas e danos. Quando as perdas e danos traduzem o efetivo prejuízo do credor inadimplido, a astrente é um mecanismo de coerção indireta sobre o devedor.

Já a segunda corrente entende que quando a soma das astrentes alcançar valor da obrigação e das perdas e danos elas cessarão, pois, a partir daí, haveria um enriquecimento indevido do credor. Essa tem sido a orientação majoritária. As Turmas Recursais dos Juizados Especiais estão reduzindo a soma dessas astrentes quando percebem na execução que ela ultrapassam e muito o valor da prestação e das perdas e danos.

Por que as astrentes constituem um poderoso mecanismo de efetividade das obrigações de fazer? É porque o bolso é o órgão mais sensível da anatomia humana e dificilmente o devedor resiste a essa sangria econômica diária representada pela astrente. Assim, acaba sucumbindo e realizado o serviço, pois lhe é mais econômico.

Note-se que a primeira corrente entende que a astrente vigorará até que o devedor cumpra a obrigação, mesmo que ela possa ser 1000 vezes o valor da obrigação.

No entanto, não é a astrente o único meio de coerção, há outros mecanismos como, por exemplo, interdição de estabelecimento do devedor, a busca e apreensão de coisa e pessoas, o fechamento do estabelecimento. O elenco dos mecanismos do artigo 84 não é exaustivo, mas, ao contrário, é exemplificativo. O juiz adotará as medidas que entender necessárias para compelir o devedor a realizar o serviço, desde que se enquadrem com o ordenamento jurídico. O juiz não pode mandar aplicar chibatadas no devedor para que ele cumpra a obrigação.

A repercussão do artigo 84 CDC foi tão grande, gerou um tamanho impacto na doutrina obrigacional que, logo depois, o CPC absorveu essa orientação, reproduzindo-o no artigo 461. Note-se que os mecanismos são os mesmos, assim como a redação do dispositivo. Alguns alunos perguntam, então, qual a necessidade de ter o legislador reproduzido o artigo 84 CDC

no 461 CPC. É que o artigo 84 só se aplica se houve uma relação de consumo e nem toda obrigação de fazer traduz uma relação de consumo. Para haver relação de consumo é preciso que haja um destinatário final, o que nem sempre ocorre nas obrigações de fazer. Por isso, o artigo 461 é importante, pois estendeu essa tutela específica para todas as obrigações de fazer, ainda que não traduzam relação de consumo.

Esses artigos não estariam violando o princípio da liberdade individual, não estariam contrariando o princípio da dignidade da pessoa humana? Não, reparem que o juiz não obrigará o devedor a trabalhar, não colocará um oficial de justiça com uma arma apontada na cabeça do devedor, esses mecanismos são de coerção indireta, como a prisão civil no caso da obrigação alimentar. Se o devedor preferir suportar todas as sanções e não trabalhar, esse direito será respeitado pelo juiz. Só que o que se quer agora é que o devedor da obrigação saiba que a sua liberdade tem um preço, ele continuará livre para não trabalhar, mas isso agora vai custar caro, a liberdade é cara. Ai ele optará livremente se suporta as sanções econômicas ou se, ao contrário, prefere realizar o serviço. Ele não é obrigado a realizar o serviço, ele pode perfeitamente optar por pagar ou suportar as sanções.

Por isso, todos esses mecanismos traduzem meio de coerção indireta, assim como a prisão civil para levar o devedor de alimentos ou o depositário infiel a cumprir com as suas obrigações. Com esses 2 dispositivos, as obrigações de fazer saíram extremamente fortalecidas e a isso se deu o nome de tutela específica da obrigação de fazer ou tutela efetiva (pois agora o credor tem muito mais chance de obter a prestação e não mais apenas as perdas e danos).

O artigo 461 e o 84 ainda dizem que as astrentes não se confundem com as perdas e danos, que podem ser cumuladas, não se podendo falarem bis in idem, pois a natureza de ambas é diferente. Reparem que o inadimplemento da obrigação de fazer pode acarretar ao devedor uma verdadeira catástrofe econômica, pois além de suportar as astrentes, ainda responderá por perdas e danos (que podem ser cumular).

Há também obrigações de fazer que consistem apenas em emitir vontade. Exemplo: obrigação de outorgar um contrato. Numa promessa de compra e venda, o promitente vendedor se obriga a outorgar ao promissário comprador a entregar a escritura de compra e venda. Isso é uma obrigação de fazer que não exige esforço físico (não se precisa trabalhar para emitir vontade). Ai já não há a preocupação ética de invadir o território da liberdade individual. Por isso, o artigo 639 do CPC admite uma ação substitutiva de vontade: o credor de uma obrigação de fazer consistente apenas em emitir vontade pode pedir ao juiz uma sentença que substitua a vontade prometida, com isso se obterá uma execução in natura, pois o credor obterá a vontade que o devedor lhe prometera.

Há, pois, uma sutil diferença entre a execução da obrigação de fazer, que importa em esforço físico (execução pelo artigo 461 CPC e 84 CDC), e a que importa apenas em emitir vontade, pois é possível a obrigação in natura, obtendo uma sentença que produza os mesmos efeitos da vontade prometida.

2005 7

Page 8: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

Conclusão: houve uma profunda transformação no regime jurídico das obrigações de fazer. Isso vem no mesmo sentido dos novos paradigmas do direito privado: a boa fé objetiva, a efetividade, a função social ... todos esses apontam nessa direção. O objetivo ético maior é obter o serviço prometido, para isso foram criados todos esses mecanismos de coerção indireta.

Essas são as observações pertinentes ao regime jurídico das obrigações de fazer.

Obrigações pecuniárias (completam o quadro das obrigações positivas).

Apenas para rememorar, as obrigações positivas de dividem em obrigações de coisas, entre elas as de dar/restituir, obrigações de fato, são as de fazer, e obrigações pecuniárias, que são aquelas em que a prestação é dinheiro. A rigor, não haveria razão para se constituir uma categoria autônoma de obrigação pecuniária, já que o dinheiro é coisa e, pois, essas obrigações seriam de dar ou de restituir. A importância do dinheiro no mundo moderno, as suas repercussões sociais e econômicas são tão grandes que foi preciso criar uma categoria própria, cercada por outros princípios. Há um enorme dirigismo estatal em torno das obrigações pecuniárias, o que faz com que a autonomia da vontade seja bastante reduzida. Já não se nota essa mesma intervenção estatal nas obrigações de dar, de restituir ou de fazer, em que a autonomia da vontade não é absoluta, mas é bastante ampla.

Nas obrigações pecuniárias há limites impostos pelo Estado, que controla as taxas de juros, a sua capitalização, que determina a moeda que será usada. Essas obrigações podem ainda ser dívidas de dinheiro e dívidas de valor.

Nas dívidas de dinheiro, o dinheiro é a própria prestação, ou seja, a obrigação já nasceu com uma certa quantidade de moeda como prestação. Exemplo: mútuo de dinheiro: é o próprio dinheiro que consiste a prestação. Nas dívidas de valor, a prestação não é dinheiro, o dinheiro é apenas a medida do valor da prestação. Usa-se o dinheiro como unidade de medida; ao invés de o devedor entregar ao credor a prestação, entregará a quantidade de dinheiro correspondente a ela. Exemplos: obrigação alimentar e de reparar o dano causado pelo ato ilícito.

Obrigação alimentar: o dinheiro não é o objeto da obrigação, até mesmo porque ninguém come e se alimenta de dinheiro. A prestação consiste nos alimentos, o que inclui comida, médico, higiene, transporte, lazer e muitas outras verbas necessárias para se preservar a dignidade humana. O que o devedor teria que entregar ao devedor são esses bens da vida, mas seria, na prática, impossível fazê-lo in natura. Assim, é mais prático medir em dinheiro esses bens e condenar o devedor da obrigação alimentar a entregar ao credor o equivalente em dinheiro, muito embora, excepcionalmente, possa-se se pagar os alimentos in natura, ou pelo menos parte, com a moradia e etc. Mas a regra geral é que os alimentos sejam medidos em dinheiro e o que o devedor ao credor é o equivalente ao valor da prestação, que são os alimentos.

Da mesma maneira, se um motorista imprudente colide com o meu carro, amassando o paralamas, a prestação desse

devedor é repô-lo no estado anterior. Na prática, seria impossível que o devedor fizesse in natura, apresentado-se em minha casa com ferramentas para consertá-lo. Então, mede-se em dinheiro quanto seria necessário para desamassar o paralamas e o devedor da obrigação de indenizar entregar ao credor o equivalente em dinheiro, para que ele possa consertar o seu veículo aonde quiser.

Essa distinção era muito importante há algumas décadas atras, mas agora perdeu todo o seu interesse prático. A doutrina clássica sustentava que as dívidas de dinheiro não eram atualizadas monetariamente, se a obrigação consiste na entrega ao credor de uma certa quantidade de moeda, é irrelevante que o credor já não possa comprar com essa quantidade os mesmos bens, em razão da inflação. O devedor não teria nada com isso, se ele se obrigou a entregar 1000 moedas e o fez, se as moedas se desvalorizaram, isso não é problema do devedor, pois ele se obrigou a entregar uma determinada quantidade de moedas e cumpriu o aventado.

Já as dívidas de valor, necessariamente, precisavam ser atualizadas, pois se o dinheiro corresponde ao valor da prestação, é preciso atualizá-lo para não se romper com a equivalência. A doutrina clássica admitia a correção monetária das dívidas de valor, mas repelia a das dívidas de dinheiro. Por isso, travavam-se verdadeiras batalhas judiciais para decidir se a dívida objeto da cobrança era de dinheiro ou de valor. O devedor tinha sempre o interesse de afirmar que a dívida era de dinheiro e o credor que era de valor.Com o incremento da inflação, que chegou a atingir 50% ao mês, tornou-se uma verdadeira imoralidade não corrigir as dívidas de dinheiro, pois era uma tentação irresistível à mora. Incidia-se em mora e pagava-se com moeda de valor histórico. A Lei 6899 da década de 70 estabeleceu que mesmo as dívidas de dinheiro seriam submetidas à correção monetária, se não pagas no seu vencimento.

Não há mais, pois, nenhum interesse prático em distinguir se a dívida é de dinheiro ou de valor, pois em ambos os casos, incidindo o devedor em mora, haverá a correção. Hoje, a correção monetária de ambas as dívidas é automática, ou seja, não precisa sequer estar prevista no título obrigacional. Ainda que a obrigação seja silente quanto à correção, ela se fará, não é nem preciso que o autor, na ação judicial ajuizada em face do devedor, requeira a correção monetária, pois é pedido implícito. Não haverá julgamento ultra ou extra petita, não se fere o princípio da correlação.

O CC passado dizia que o inadimplemento das obrigação pecuniárias implicavam no pagamento de juros moratórios e das custas despendidas pelo credor para receber o seu crédito. Entendo a doutrina clássica, que os juros seriam suficientes para ressarcir o prejuízo do credor, com o retardamento do pagamento, já que representam uma remuneração pelo uso do dinheiro. Então, se o credor recebesse juros até o dia que lhe fosse entregue o dinheiro, ele estaria ressarcido dos prejuízos que a mora do devedor lhe causasse.

O inadimplemento da obrigação pecuniária resolvia-se com o pagamento dos juros e das custas e também da cláusula penal, se prevista no contrato.

2005 8

Page 9: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

O NCC trouxe importantes mudanças. Agora alude expressamente à correção monetária e aos honorários do advogado do credor. Foram acrescentadas agora 2 novas verbas, as quais não se referiam o CC de 16. O CC passado só falava nos juros e nas custas. Agora fala-se em atualização monetária, juros, custas e honorários, o que fortalece bastante a posição dos advogados.

O NCC estabelece também que, não havendo cláusula penal, provando-se que os juros foram insuficientes para se ressarcir integralmente o credor, o juiz poderá lhe conceder indenização complementar. Isso é uma absoluta novidade. Condições para que o credor possa aspirar a uma indenização complementar: não haja cláusula penal (que já é a pré-fixação das perdas e danos) e que se prove que os juros moratórios não foram suficientes para ressarcir inteiramente o credor (o ônus da prova é do credor). Isso também, é inspirado pela boa fé. É evidente que a boa fé tem que ser de mão dupla, ou seja, tanto do credor, quanto do devedor.

Outra mudança: taxa dos juros moratórios. No CC passado era de 6% ao ano, admitindo-se que ela fosse até dobrada, desde que o fosse expressamente. Ou seja, as partes poderiam dobrar essa taxa até 1% ao mês ou 12% ao ano, mas por disposição expressa. No silêncio do título, os juros moratórios seriam de 0,5% ao mês. Agora, o artigo 406 do NCC diz que, não sendo fixada a taxa de juros, ela será a mesma que a Fazenda Nacional cobra dos contribuintes em mora. Equiparou-se a Fazenda Nacional como credora aos credores particulares.

Isso suscitou uma acessa controvérsia, que está abalando os Tribunais. Uma corrente sustenta que essa taxa é a taxa selic, que é uma taxa interbancária, lançada pelo banco central a cada dia, refletindo o custo do dinheiro naquele dia nas operações do mercado financeiro. A corrente majoritária, a qual CAPANEMA se filia, não aceita a taxa selic como taxa oficial de juros moratórios. A uma porque a taxa selic não é apenas uma taxa de juros, já que está embutida também uma correção monetária pré-fixada. A selic não é exclusivamente uma taxa de juros e como o devedor também está condenado a pagar a correção monetária, haveria um bis in idem. Estaria pagando a correção monetária sobre o valor da condenação e também na taxa selic. A duas porque a taxa selic é de constitucionalidade bastante duvidosa, já que criada por resolução do banco central, quando deveria ser por lei complementar. O STF ainda não se manifestou a esse respeito, até hoje tramita uma ADIN onde se busca a declaração da inconstitucionalidade dessa resolução que criou a selic.

No RJ, o TJ repele a selic como taxa de juros moratórios. Para a maioria da jurisprudência essa taxa seria a prevista no CTN, que é de 1% ao mês. Há quem diga que se agora a taxa é de 1%, poderia ser fixar até 2%. O professor não vê razão de ser para essa afirmativa, na medida em que a norma do CC anterior não foi reproduzida no NCC. Não há sustentação legal para essa tese. O professor, na 10ª Câmara Cível, tem admitido a taxa moratória como sendo a de 1% ao mês.

Também se discute muito a questão do anatocismo, que é a capitalização de juros, que só se admite nos casos previstos em lei (poupança popular, contas-correntes, que podem ser capitalizadas anualmente). O grande problema é que o nosso

TJ vinha repelindo a possibilidade de capitalização de juros pelos bancos por período inferior a 1 ano. Entendia-se que a taxa de juros estava liberada para os bancos, não era a de 12% ao ano, prevista no artigo 192 CRFB. Uma corrente dizia que o artigo 192 CRFB era auto-aplicável e portanto os bancos não poderiam cobrar qualquer taxa de juros além de 1% ao mês. Já a segunda corrente, acolhida pelo STF, entendia que essa taxa dependeria da edição de lei complementar. Logo, enquanto não editada a lei complementar as instituições financeiras não estariam submetidas a esse limite de 12% ao ano. Também estabelecia que estava vedado o anatocismo das instituições financeiras por período inferior a um ano.

Para surpresa de muitos e decepção de outros, o governo petista, que sempre combateu os banqueiros e os especuladores, se associa a eles, adotando providências que nem mesmo os mais reacionários (PFL/PMDB) sonhariam. O governo PT excluiu da CRFB o limite de 12% da CRFB, acabando a discussão, pois agora não há mais limite constitucional. Como se não bastasse, foi baixada uma medida provisória pelo Presidente Lula permitindo o anatocismo por período inferior a um ano, o que explica os estrondosos resultados que os bancos estão exibindo.

OBS: um aluno questiona quanto às indenizações que os bancos são condenados a títulos de danos morais. O professor alerta que se o TJ elevar muito as indenizações, estar-se-á incentivando a indústria do dano moral e a indenização não tem por escopo enriquecer a vítima, mas apenas compensar a sua dor e sofrimento. O valor econômico é até secundário. Por outro lado, baixar muito essa indenizações é quase um incentivo para que os bancos não aprimorem os seus serviços. A Câmara do professor já oscilou muito, ele diz que ela já teve uma composição que era um verdadeiro horror para os bancos (Luiz Fux, Socrátes, Esperites): chegou a fixar indenizações de 200, 400 salários-mínimos por indevida inclusão do nome do correntista no SPC. Hoje, com a composição completamente modificada da de 2, 3 anos atras, com Desembargadores como Bernardo Garcês e Varanda, não dá mais de 5 salários-mínimos, acham que o dinheiro é irrelevante, o que importa é o juízo de reprobabilidade do banco e de solidariedade à vítima.

O Des. Esperites contava uma história para justificar o aumento dos danos morais. Era a de um advogado que estava indo para Cabo Frio para uma audiência e foi parado por um guarda, por causa da alta velocidade que impriminha em seu veículo. Antes do atual CBT as multas tinham valores irrisórios. O advogado reconheceu que estava em velocidade excessiva e perguntou quanto era a multa e o guarda respondeu 20 reais. O advogado então pedir para o guarda tirar logo 2 multas, para poupar o tempo dele, pois certamente ao voltar, voltaria em alta velocidade. A moral que se tira é perfeita: há certas sanções que valem como incentivo. Se o guarda disesse que a multa era de 800 reais, o advogado não voltaria em alta velocidade. Então dizia o Des. Esperites: se nós condenarmos bancos que tem lucros de 6 bilhões de reais por semestre a pagar 3, 4 mil reais, nós vamos receber a visita de um diretor do Unibanco, do Bradesco dizendo o seguinte “me dá 100 acórdãos de 3 mil reais para poupar tempo para a gente já ir dando para cada pessoa que a gente negativar o nome de forma indevida; quando acabar os 100 a gente volta para negociar os próximos”.

2005 9

Page 10: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

O Banco, sabendo que só vai pagar 3 mil reais à título de danos morais, ele não tem interesse de contratar melhores funcionários, de pagar melhor, de comprar equipamentos mais modernos e assim por diante.

Foram essas as obrigações a fazer quanto as obrigações pecuniárias e encerramos o estudo das obrigações positivas.

Obrigações negativas: são as de não fazer. Estas a prestação consiste num inércia, numa abstenção, num silêncio, é o oposto da obrigação de fazer, pois nesta quando o devedor age ele está cumprindo a obrigação, quando ele fica inerte ele está inadimplindo. Na obrigação de não fazer é o inverso, ou seja, quando ele fica inerte estará cumprindo a obrigação, quando age estará inadimplindo.

Exemplos de obrigações de não fazer: obrigação assumida pelo vizinho de não construir no seu terreno a partir de determinada altura para tirar a vista do outro, o credor da obrigação quer que o devedor fique inerte; obrigação assumida pelo vizinho de não impedir o outro de passar pelo seu terreno, obrigação de não revelar o segredo do cliente, que é assumida por todo o advogado ao ser contratado pelo cliente.

Note-se que os exemplos acima não se confundem com as servidões de vista e de passagem, apesar de produzirem resultados práticos parecidos. Note-se que a servidão de passagem produz o mesmo resultado da obrigação negativa de não impedir a passagem do vizinho, assim como a servidão de vista produz o mesmo efeito da obrigação de não construir assumida pelo vizinho.

As obrigações negativas são obrigações pessoais, relativas, só vinculam aqueles que dela participam, traduzem relações interpessoais, que só vinculam as partes e não são oponíveis a terceiros. Já a servidão é direito real, dotado de seqüela e oponível erga omines. Assim, se “A” celebrou uma servidão de passagem, pela qual o vizinho “B” poderia passar pelo terreno, se “A” amanhã vender o seu terreno, o adquirente terá que respeitar o direito de passagem do vizinho, acontecendo o mesmo com a servidão de vista, muito embora a recíproca não seja verdadeira.

Observe-se que a servidão é uma relação muito mais forte e coercitiva do que a obrigação negativa.

O professor ressalta que todos os membros da sociedade são devedores de uma obrigação negativa genérica, traduzida pela máxima de não causar dano a ninguém, o equilíbrio social se baseia no cumprimento de uma obrigação negativa que é não causar dano a ninguém, não violar o direito alheio.

As obrigações negativas podem ser inadimplidas de 2 maneiras distintas: com culpa do devedor e sem culpa. Sem culpa do devedor: resolve-se a obrigação. Exemplo: O proprietário do imóvel obrigou-se com o vizinho a não desviar o curso do rio que passa pelo seu terreno, para que as suas águas também banhem o terreno vizinho. Só que houve um movimento de terra subterrâneo, o relevo de terra modificou-se e o rio mudou o seu curso por conta desse movimento natural, banhando as terras do vizinho, que era o credor dessa obrigação negativa. Note-se que o devedor não tem culpa

alguma, pois a mudança do curso do rio se deu por conta de um fato natural.

Outro exemplo: o advogado, com o maior cuidado, que guarda no cofre documentos do cliente para que não fossem conhecidos por terceiros; uma quadrilha armada rendeu o advogado e de lá tirou os documentos que, no dia seguinte, formam estampados no jornal. O advogado não tem culpa, já que adotou todas as medidas necessárias à guarda do sigilo.

Se o devedor teve culpa, estamos no território das perdas e danos; além disso, o credor inadimplido poderá exigir do devedor que desfaça o ato que deveria abster-se, quando possível, independente das perdas e danos.

P. da ponderação dos interesses em conflito: o juiz tem que verificar qual interesse é mais importante: se é do credor, de ter o ato desfeito, ou se é de terceiro, se o interesse for público. Exemplo: edifício já construído, com as unidades vendidas, ocupado por várias famílias, demolir esse prédio é uma verdadeira catástrofe social. O juiz deverá exacerbar as perdas e danos para compensar a inconveniência de desfazer a obrigação de não fazer. Prevalece o interesse coletivo.

O devedor considera-se inadimplente a partir do momento em que pratica o ato que deveria se abster. Nesse momento, nasce para o devedor a obrigação correlata de desfazer o ato ou indenizar o credor.

A execução da obrigação negativa também era inócua na maioria das vezes, principalmente quando importasse desforço físico. Não havia uma tutela eficaz das obrigações negativas, para compelir o devedor a desfazer o ato. O artigo 84 e 461 também se aplicam as obrigações de não fazer. O juiz poderá fixar astrente até que o devedor desfaça o ato, poderá fechar o seu estabelecimento, determinar uma busca e apreensão ... tudo que se admite na execução de uma obrigação de fazer, se admite na execução de não fazer, os dispositivos são os mesmos. Com isso também se cercou a obrigação de não fazer de uma tutela efetiva, que não havia antes.

A mora vai existir na obrigação correlata de desfazer o ato e indenizar o credor, o devedor estará em mora desde o dia em que inadimplir a obrigação.

Um dos paradigmas do NCC é a efetividade, se quer um direito mais ágil, que se entregue à parte o bem da vida a que ela faz jus no menor esforço possível. Com isso, criou-se no NCC o parágrafo único nos artigos 249 (obrigação de fazer) e 251 (obrigação de não fazer): em caso de urgência o credor pode mandar realizar o serviço/desfazer o ato por outrem para depois se indenizar, ou seja, não precisa da autorização judicial.

Isso é uma prova eloqüente da preocupação do NCC com a efetividade do direito, seria injusto obrigar o credor a aguardar o provimento jurisdicional, quase sempre demorado, que poderia tornar a sentença inócua, perdendo a sua utilidade econômica. É um risco que será corrido pelo credor, pois o juiz poderá considerar que não houve urgência, deixando de condenar em perdas e danos ou então compensando o prejuízo do devedor. Temos ai um novo tempo, em que o

2005 10

Page 11: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

próprio legislador autoriza a parte a agir com as próprias mãos.

Encerramos, assim, o primeiro critério de classificação das obrigações, que é pela natureza da prestação. O próximo critério que nos ocuparemos parte do nº de prestações que a obrigação pode ter. As obrigações podem ser simples (quando contém uma única prestação – exemplo: ministrar uma conferência, escrever um livro, levar um passageiro ao aeroporto) ou múltiplas (quando contém mais de uma prestação).

Múltiplo objetivas: podem ser cumulativas (o devedor só se exonerará quando entregar ao credor todas as prestações) ou alternativas (bastará que o devedor entregue uma única prestação, dentre as aventadas, para ter direito à quitação). O CC não diz uma palavra sobre as obrigações simples e cumulativas, pois não oferecem dificuldades práticas, mas oferece todo um capítulo às alternativas (pois são uma turbina geradora de problemas práticos).

Aula do dia 7 de março de 2005

Classificação das obrigações pelo número de prestações.

O objeto da obrigação é a prestação, que pode ser a entrega de uma coisa, a realização de um serviço, a entrega de uma soma em dinheiro, ou, até mesmo, uma abstenção ou um silêncio. Toda obrigação tem um objeto, ou seja, uma prestação, um bem da vida.

Há obrigações que contém uma única prestação – exemplo: ministrar uma conferência, levar o passageiro ao aeroporto, entregar o cavalo. Essas obrigações chamam-se simples (não geram problema de difícil solução). Se só há uma prestação, apenas duas hipóteses podem ocorrer: 1ª) o devedor entrega ao credor a única prestação avençada e estará cumprindo a obrigação, que se extinguirá pelo pagamento, com a quitação do devedor; 2ª) o devedor não entrega a única prestação ao credor que, nesse caso, será preciso verificar se o inadimplemento se deu por culpa do devedor (quando responderá pelas perdas e danos) ou sem culpa (quando então se resolverá a obrigação, sem perdas e danos).

Logo, quem conhece os princípios elementares dos direitos das obrigações é capaz de responder qualquer problema que possa surgir numa obrigação simples, razão pela qual o CC não dedica um único artigo às obrigações simples. A função do legislador não é doutrinar, mas sim disciplinar os fatos que possam suscitar perplexidades ou dúvidas. Como as obrigações simples não oferecem qualquer dificuldade prática para a sua solução, o legislador não perdeu tempo, abordando-as.

Há obrigações que contém mais de uma prestação; são as obrigações múltiplas ou múltiplo objetivas – exemplo: professor contratado para ministrar aulas, preparar um programa de computador para corrigir as provas e, ainda, fazer uma apostila para os alunos. Não há número máximo de prestações, de penderá da vontade das partes.

Se subdividem em obrigações cumulativas e alternativas. Nas cumulativas, o devedor terá que entregar ao credor todas as

prestações avençadas; se faltar uma única, ele estará inadimplente e não terá direito à quitação. O mecanismo prático para se identificar uma obrigação cumulativa é verificar se as diversas obrigações estão ligadas entre si por vírgulas ou pela conjunção aditiva “e”. Exemplo: professor contrato para ministrar aulas, programa de computador, elaborar uma apostila e escrever um livro.

Também não oferecem dificuldades, por isso o CC não trata delas (não há dispositivo referindo-se a essas obrigações). Nas obrigações alternativas cumulativas o devedor pode: 1º) entregar ao credor todas as obrigações avençadas (terá direito à quitação, a obrigação se exaurirá pelo seu integral cumprimento); 2ª) o devedor não entrega todas as prestações, fica faltando uma ou algumas. Nesse caso, é preciso verificar se o inadimplemento parcial decorreu de culpa do devedor ou não. Se não houve culpa, resolver-se-á a obrigação quanto às prestações não entregues. O credor não poderá pedir perdas e danos, conservando as prestações que já lhe foram entregues. Se o inadimplemento se deu por culpa do devedor, o credor poderá reclamar perdas e danos quanto às prestações que não lhe foram entregues.

Note-se que essas regras não mudam, não havendo necessidade do legislador dizer isso (por isso não há regra escrita). O doutrinador ensina e explica, ao passo que o legislador disciplina os fatos jurídicos.

A segunda modalidade de obrigações múltiplas são as obrigações alternativas, que são aquelas em que há mais de uma prestação, se exonerando o devedor ao oferecer ao credor apenas uma, por mais onerosas que sejam. Oferecendo o devedor uma das prestações, terá direito à quitação.

O mecanismo prático para se identificar uma obrigação alternativa é verificar se as prestações estão ligadas entre si pela conjunção “ou”.Exemplo: professor contratado para ministrar aulas ou fazer uma apostila ou fazer um programa de computador.

O CC é silente quanto às obrigações simples e alternativas, mas dedica todo um capítulo para as obrigações alternativas. É que essas obrigações são uma turbina geradora de dificuldades e problemas práticos, percebendo o legislador que a doutrina, por si só, não seria capaz de resolver.

Questões práticas: 1ª) se as obrigações alternativas têm várias prestações, bastando o devedor cumprir uma para ter direito à quitação, a quem caberá a escolha da única prestação a ser oferecida ao credor? Em princípio, caberá ao devedor eleger, ao seu exclusivo arbítrio, qual das prestações aventadas ele entregará ao credor. No silencio do título, a escolha da prestação única a ser oferecida ao credor, caberá ao devedor. Isso visa a facilitar o pagamento, tornando-o menos oneroso ao devedor.

Como de ciência comum, o Estado protege o devedor, para que ele pague da maneira menos onerosa; são as chamadas regras facilitárias do pagamento, que objetivam motivar o devedor, incentivado-o a pagar. Se nós dificultarmos o pagamento, o nível de inadimplemento subirá de maneira intolerável. A primeira política do Estado, pois, no que tange

2005 11

Page 12: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

às obrigações é facilitar o pagamento, tornando-o menos oneroso para o devedor.

Ora, se é o devedor que vai escolher, ele vai escolher a prestação menos onerosa para ele, a que lhe dê menos trabalho. O direito das obrigações, porém, se oxigena pelo princípio da autonomia da vontade, essa regra não é cogente (raras são as de caráter obrigatório no direito obrigacional), logo, nada impede que se outorgue ao credor a faculdade de escolher a prestação que deseja receber. Isso tem que se previamente ajustado, pois, como se disse, no silêncio do contrato a escolha cabe do devedor.

O fato de eleger a prestação de ser entregue ao credor tem o nome de concentração do débito, como ocorre nas obrigações de dar coisa incerta. Na verdade, há uma profunda simetria entre a obrigação de dar coisa incerta e a alternativa (os princípios são iguais). A diferença é que na obrigação de dar coisa incerta, o devedor irá escolher quais as coisas que entregará ao credor, enquanto que na alternativa escolherá qual a prestação que lhe entregará. O ato de escolha tem o mesmo nome: concentração do débito.

Outra semelhança reside na relevância jurídica da concentração do débito – na obrigação de dar coisa incerta, a obrigação, automaticamente, se converte da de dar coisa certa. As coisas de individualizam, se determinam, aplicando-se, a partir da concentração, todas as regras das obrigações de dar coisa certa. Na alternativa o raciocínio é o mesmo: escolhida a prestação dentre as possíveis, a obrigação, automaticamente, se converte em simples, pois passa a ter uma única prestação, que é a escolhida pelo devedor ou pelo credor, caso, assim, tenha sido acordado entre as partes.

A obrigação, portanto, só será alternativa até o momento de concentrar o débito, uma vez escolhida a prestação, se converterá em simples.

2ª) O devedor não pode compelir o credor a receber parte de uma prestação e parte da outra, o devedor escolherá uma das prestações, mas, uma vez escolhida, deverá ela ser entregue por inteiro. Imaginemos que o professor tenha sido contratado para ministrar aulas de inglês ou fazer uma apostila. Ele poderá escolher uma das duas, mas se escolher fazer a apostila, terá que fazê-lo integralmente. O que não pode é, na metade das aulas, ir elaborar metade da apostila.

O direito de escolha, portanto, nas obrigações alternativas é de uma das prestações, mas não de parte delas. Se são três, o devedor não pode dar 1/3 de cada para formar a unidade.

3ª) A concentração do débito é imutável, irretratável? Pode o devedor modificar a sua escolha? Em princípio, a concentração é definitiva. Razões (ratio essendi): a primeira é mais ética, a possibilidade de ir mudando a escolha não se coadunaria com a seriedade e a estabilidade das relações obrigações, transformaria as obrigações numa brincadeira inconseqüente, em uma aventura leviana. A seriedade e a sua estabilidade estariam comprometidas. A segunda razão é técnica (e, pois, mais importante): se uma vez concentrado o débito, a obrigação se converte em simples, não haveria mais outra prestação e possibilidade de mudança de escolha. A prestação seria agora única, porque a obrigação já seria

simples, não havendo, conseqüentemente, como mudar a escolha, por ausência de opções disponíveis.

Essa é a regra geral, que comporta exceções.

O NCC corrigiu algumas imprecisões técnicas que maculavam o CC anterior. O CC de 16 dizia que em se tratando de prestações anuais, subentende-se para o devedor, a faculdade de a cada ano mudar a opção.

Exemplo: professor contratado para lecionar francês e inglês: ele poderia escolher ensinar francês no primeiro ano e inglês no segundo.

Essa redação infeliz comportava muitas perplexidades, tendo surgido duas correntes. A primeira adotava a interpretação literal, entendendo que só haveria possibilidade de mudança na escolha só ocorreria se as prestações estivessem temporalmente separadas a um ano.

A segunda, preferindo uma interpretação teleológica, sustentava que o que o CC quis dizer foi prestações cíclicas, a palavra ano foi usada simbolizando ciclo, mas no sentido cronológico, correspondendo a 12 meses. Não teria lógica se o colégio adotasse o sistema de anualidade, o professor pudesse mudar a opção, mas se fosse crédito (que a cada 6 meses se encerra um período para iniciar outro) ele não pudesse fazê-lo. Assim, terminado um ciclo e iniciado outro completamente independente, poder-se-ia mudar a opção. O que não se admite é que no meio de um ciclo se pudesse mudar a opção, o que poderia trazer turbulências no cumprimento da obrigação. Corrente do professor.

O NCC acolheu a segunda corrente, preceituando “em se tratando se prestações periódicas, a cada período se poderá mudar a opção”. Agora, portanto, pouco importa se as prestações são anuais, semestrais e etc, mas sim que um ciclo seja diferente do outro.

O NCC diz “subentende-se para o devedor”, o que quer dizer que nada impede que, mesmo se tratando de prestações periódicas, as partes possam estabelecer que não se admitirá a mudança da opção, tendo em vista o princípio da autonomia da vontade. Assim, no silêncio do título, sendo prestações periódicas, presume-se a possibilidade de mudar a opção a cada período.

O CC de 16 também falava em “subentende-se para o devedor o direito de mudar, a cada ano, a prestação”, tendo uma primeira corrente, adotando a interpretação literal, entendia que essa faculdade de opção a cada ano era só do devedor. A segunda corrente entendia que essa faculdade era de ambos, sob pena de ferir o princípio da isonomia.

O NCC também corrigiu esse equívoco, ao preceituar que “subentende-se para a parte”, ou seja, aquela que esteja com o direito de fazer a concentração. Assim, à parte que cabe a concentração, seja o devedor, seja o credor, terá o direito de mudar a opção. A redação do NCC é mais técnica e melhor do que a do passado.

4ª) Haverá um prazo para que se faça a concentração? Em que momento caberá ao devedor ou ao credor escolher a prestação? A resposta dependerá de se saber se a

2005 12

Page 13: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

concentração cabe ao devedor, que é a regra geral, ou se ela foi outorgada ao credor. Se couber ao devedor, este poderá concentrá-lo até o momento do pagamento, in soluci. Não é obrigado a avisar ao credor qual foi a escolha que fez, poderá deixar para o momento do pagamento, em que irá comunicar o credor a sua escolha.

Exemplo: a prestação é entregar uma moto ou um automóvel. No momento do vencimento, ele poderá chegar com as chaves da moto, não podendo o credor recusar o recebimento, sob o argumento de que não fora avisado da escolha do devedor.

Aliais, se o devedor foi prudente, ele deverá retardar ao máximo a concentração do débito, deixando, se possível, esse momento para o vencimento da obrigação, pois assegura sempre a possibilidade de oferecer a prestação menos onerosa. É que vamos que o devedor, açodadamente, tenha comunicado, 10 antes do vencimento, ao credor, que escolheu entregar o carro, concentrando-se o débito e no dia do pagamento tenha ocorrido uma turbulência no mercado, tendo o preço do carro aumento e das motos diminuído. Reparem que já não foi uma boa escolha, era melhor conservar o carro que se valorizou e entregar a moto.

É, pois, mais interessa ao devedor concentrar o débito na solucio, ou seja, o mais perto possível do pagamento, para que sempre reserve a possibilidade de entregar a prestação menos onerosa no momento do pagamento. O devedor não deve concentrar o débito muito antes do pagamento, pois isso agrava o seu risco.

Se a escolha for do credor, terá ele que concentrar o débito previamente, para viabilizar o cumprimento da obrigação. De que prazo dispõe o credor para concentrar o débito? Isso dependerá de cada caso, é o chamado prazo moral, isto é, não previsto em lei, que caberá a cada parte, diante do princípio da boa-fé, calcular. Um credor honesto saberá, pela experiência da vida, calcular o prazo que o devedor necessita para se aprestar ao pagamento.

Exemplo: obrigação alternativa, cujas prestações são um cavalo e uma moto, que se encontra na garagem do devedor. Se o credor escolher o cavalo, que está no sítio do devedor, saberá que este precisará de uns 4 ou 5 dias para trazê-lo para o RJ.

Por isso, não poderia o legislador fixar, rigidamente, 10 dias, 5 dias e etc (pois numa determinada obrigação o prazo poderia ser muito e noutra exíguo). É melhor que o próprio credor calcule, de boa-fé, que tempo precisaria o devedor para aprestasse.

No caso de eventual conflito quanto ao prazo para cumprimento da obrigação, a parte que se sentir lesada resolverá o seu conflito junto ao Judiciário. Se o juiz entender que o prazo é razoável, o devedor estará em mora e será condenado a responder por ela; se, ao contrário, entender que o prazo concedido pelo credor era exíguo, exonerará o devedor dos consectários da mora.

Está explicado, portanto, porque o CC não estabeleceu um prazo rígido, temporal, para que o credor promova a concentração do débito.

E se o credor permanece cedente mesmo com a proximidade do vencimento da obrigação? O devedor (que não quer ficar em mora, tampouco ser surpreendido) poderá notificar o credor, concedendo-o um prazo para explicitar quem prestação deseja receber. Ultrapassado o prazo sem manifestação do credor, inverte-se a faculdade de concentrar o débito, cabendo ao devedor a escolha. O legislador pensou em todas as hipóteses.

5ª) ***** Conseqüências do perecimento ou deterioração de uma das prestações antes da concentração. O NCC nos dá todas as respostas.

Exemplo: a obrigação consiste em entregar um automóvel ou uma moto. Uma avalanche soterra o automóvel e ainda não foi feita a concentração, o credor ainda não comunicou ao devedor qual a prestação que escolher. Note-se que ambas as prestações também poderão se perder.

Primeira hipótese: obrigação alternativa cm 2 prestações, cabendo a escolha ao devedor, que é a regra geral. Exemplo: o devedor se obrigou a entregar o automóvel ou a moto. Ambas estão guardadas na garagem do devedor, não houve ainda a concentração. Uma avalanche soterra a garagem, destruído ambas as prestações. Note-se que o devedor não teve culpa, as prestações se perderam em decorrência de um fortuito. Conseqüência: resolve-se a obrigação, sem se falar em perdas e danos. A regra não muda. O prejuízo econômico será suportado pelo devedor, que perderá a moto e o carro. Mas isso decorre o velho brocardo romano res perit dominus. A propriedade remanescida nas mãos do devedor, uma vez que o carro e a moto não haviam sido entregues ao credor.

2ª hipótese: imaginemos que só uma das prestações se perdeu, seja por culpa do devedor ou sem (é irrelevante).Quando isso ocorre, verifica-se o que se chama de concentração automática do débito, ou seja, o devedor fica obrigado a entregar a prestação remanescente. Não decorre da vontade de devedor, mas sim do fato de só restar uma prestação.

Por que tanto faz que a perda se deu por culpa ou sem culpa? Isso não pode propiciar uma fraude (ou seja, o devedor propositalmente impossibilitar uma prestação, para ter que entregar a menos onerosa)? Poder ele pode, mas é pouco provável, pois, se a escolha é dele, ele não precisa destruir uma para entregar a outra, bastando que entregue a menos onerosa.

Por isso, pouco importa que haja culpa ou não, remanescendo uma prestação, deverá esta ser entregue.

3ª hipótese: as duas prestações se perdem por culpa do devedor – terá direito o credor ao equivalente em dinheiro + perdas e danos, correspondente a última das prestações a ser perder. Isso porque, quando se perdeu a primeira, concentrou-se automaticamente o débito na segunda e, ao se perder a segunda, perdeu a única prestação que se tinha, pois a obrigação já tinha se convertido em simples.

O NCC não tratou de uma hipótese que é perfeitamente possível, que se dá quando não se consegue saber qual das prestações se perdeu por último. Se elas se perderam no

2005 13

Page 14: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

mesmo momento (como se houvesse uma comoriência entre as prestações - pessoas)? A doutrina diz que se a escolha é do devedor, ele continua com o direito de escolha, indenizando o credor quanto à prestação por ele escolhida. Ele escolherá a menos onerosa, não havendo prejuízo porque, se fosse entregar a prestação, também entregaria a menos onerosa. Vai indenizar em relação àquela prestação que iria de qualquer maneira entregar, se não tivessem todas se perdido.

↳todos os exemplos até então formulados são de escolha do devedor.

A seguir os de escolha do credor.

1ª hipótese: todas as prestações se perdem sem culpa do devedor, sendo a escolha do credor, a obrigação se resolve. Não há de se falar em perdas e danos, suportando o devedor o prejuízo da perda das coisas.

2ª hipótese: uma das prestações se perde sem culpa do devedor, remanescendo a outra. Ocorrerá a concentração automática do débito (não há diferença).

3ª hipótese: uma das prestações se perde por culpa do devedor, remanescendo a outra. O credor terá duas opções: exigir a prestação remanescente, aceitando a concentração automática do débito ou poderá exigir o equivalente mais perdas e danos da prestação que se perdeu por culpa do devedor.

4ª hipótese: as duas prestações se perdem por culpa do devedor. O credor poderá exigir o equivalente mais perdas e danos de qualquer das prestações (e não da última, como ocorre quando a escolha é do devedor).

→ o primeiro a se fazer é verificar se a escolha é do devedor ou do credor. Depois, verifica-se se todas se perderam ou se alguma remanesceu. Por fim, observa-se se houve culpa ou não.

Razão de ser da obrigação alternativa: elas não são muito freqüentes, pois há mais lógica em se estabelecer, desde logo, uma obrigação simples ou cumulativa (pois ai receberá todas). Esse tipo de obrigação só se justifica quando ainda há uma dúvida, seja do devedor, seja do credor, acerca do que é mais conveniente. Não há uma certeza de qual das prestações será mais interessante.

Exemplo: o colecionador de moedas no exterior numa feira vê duas moedas e acha que já tem uma delas na sua coleção, mas não tem certeza qual. Fica com medo de comprar a que já tem, perdendo a oportunidade de comprar a outra. Percea-se que comprando as duas, ele perderá dinheiro, pois uma será inútil. Então ele ao vendedor dirá “eu vou comprar esta ou aquela” e, ao chegar ao Brasil, manda um e-mail, determinado o envio da moeda faltante, pois naquele momento não interessava definir qual coisa estava querendo adquirir.

***Obrigações facultativas(O professor ressalta que esse ponto caiu nos últimos 3 anos nos concursos para a magistratura, sendo o NCC silente,

assim como o CC de 16. Logo, o candidato que foi procurar no código se deu mal).

Exemplos: José se obriga a entregar a João um cavalo ou uma vaca; José de obriga a entregar a João um cavalo, reservando-se ao direito de substituí-lo por uma vaca. O primeiro exemplo é de uma obrigação alternativa e o segundo de uma facultativa, sendo as regras diferentes.

O nome para o professor foi infeliz, pois o aluno tende a entender, num primeiro momento, que o devedor teria a faculdade de pagar ou não e essa obrigação é natural (exemplo: obrigação prescrita, dívida de jogo – o devedor paga se quiser, não há coercibilidade, não há obligacio).

A faculdade não é de pagar ou não, mas sim de substituir a prestação avençada. Por isso, o professor ARNOLDO WALT refere-se a essas obrigações como obrigações com faculdade de substituir a prestação.

É a faculdade que se reserva do devedor de substituir a prestação por outra já prevista obrigatoriamente no título obrigacional. Exemplo: o sujeito se obriga a entregar um cavalo, mas se reserva ao direito de substituí-lo por uma vaca. A única substituição que será possível será a pela vaca, não podendo o devedor substituir o cavalo por uma bicicleta, por exemplo.

Diferenças para a obrigação alternativa: 1ª) a obrigação alternativa é múltipla, contém várias prestações;, a facultativa já nasce como uma obrigação simples, com uma prestação apenas, muito embora se reserve o devedor ao direito de substituí-la (mas a obrigação é uma só, que é entregar o cavalo e não o cavalo e a vaca).

2ª) nas obrigações alternativas as prestações são autônomas, independentes, da mesma hierarquia (=importância). O devedor escolherá uma das prestações. Já nas obrigações alternativas só há uma prestação, a outra é meramente substitutiva, como se fosse um acessório da principal. Elas não são independentes, autônomas para que se possa escolher uma delas. Só há uma prestação e uma substitutiva.

3ª) nas obrigações alternativas a escolha cabe ao devedor, mas nada impede que se repasse ao credor. Nas facultativas, a faculdade de substituir a prestação é exclusiva do devedor, jamais poderá se outorgar ao credor. O credor não pode exigir a substitutiva.

4ª) nas alternativas, perdendo-se uma das prestações por um caso fortuito, sem culpa do devedor, concentra-se o débito automaticamente na outra prestação. Se um cavalo é fulminado por um raio, mas a vaca remanesce, o devedor terá que entregar a vaca. Nas facultativas, no caso da prestação se tornar impossível por força de um fortuito, resolve-se a obrigação, pelo princípio de que o acessório segue o principal, ou seja, o credor não poderá compelir o devedor a entregar a prestação substitutiva.

Foi exatamente essa a última questão que caiu no antepenúltimo concurso para a magistratura. Era uma obrigação facultativa em que a prestação avençada se perdeu por caso fortuito e diante da recusa do devedor de entregar a prestação substitutiva, o credor moveu uma ação de execução

2005 14

Page 15: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

de obrigação de dar e o que se queria era que o candidato julga-se improcedente o pedido, pois não há concentração automática em obrigação facultativa.Qual a vantagem prática de se criar uma obrigação facultativa? É enorme, por isso que elas vão ganhando cada vez mais espaço no universo das obrigações. As obrigações facultativas, na verdade, nada mais são do que dações em pagamento previamente acertadas. Dação em pagamento é quando o devedor, não tendo a prestação avençada, propõe ao credor substituí-la por uma outra, no momento do pagamento. Se o credor aceitar, ocorrerá a dação em pagamento e extingue-se a obrigação. O credor não pode ser compelido a aceitar a outra prestação.

A experiência mostra que as dações em pagamento não são fáceis de se aceitar, há 2 grandes obstáculos: o credor, avisado pelo devedor, no momento do pagamento, que não receberá a prestação avençada, fica com ódio do devedor, não aceitando por pura má vontade + as partes normalmente não chegam a um acordo quanto ao valor da nova prestação oferecida pelo devedor. Há dificuldade de se chegar a um consenso quanto ao valor da nova prestação, que é oferecida pelo devedor.

Note-se, assim, que a obrigação facultativa é uma dação em pagamento que já está ajustada ad initio sendo que no momento em que nasce a obrigação o credor não está de má vontade com o devedor, até mesmo porque ele não sabe se o devedor vai cumprir ou não. Assim, é muito mais fácil o credor concordar com a substituição da prestação no momento em que a obrigação nasce, do que no momento do vencimento. Ademais, não se discute o valor, pois este já está previamente acertado (o credor só vai aceitar contrair uma obrigação facultativa se já souber qual será a prestação substitutiva e o seu valor – o credor verifica, desde o início, que as prestações são equivalentes).

Vantagens: elimina as dificuldades que impedem as dações (a substituição já fica acertada desde o início). Vantagem para o devedor: ele se reserva a um direito que pode lhe facilitar o pagamento. Vantagem para o credor: se a prestação substitutiva é equivalente a principal, é melhor recebê-la do que para a justiça discutir perdas e danos.

É por isso que essas obrigações vêm crescendo de importância, pois atendem tanto ao interesse do devedor, quanto ao do credor, representando uma opção para se evitar a ida ao Judiciário.

Se o devedor não entrega nem a principal, nem a substitutiva, é evidente que não lhe há outra opção, senão se socorrer do Judiciário para receber indenização pela principal, que é a única que existe (e não da substitutiva). A faculdade é sempre do devedor e é claro que ele vai exercer se lhe convier, o credor não pode compeli-lo. Então, pode ocorrer de o devedor não querer entregar a prestação substitutiva, restando ao credor buscar as perdas e danos no Judiciário.

É preciso tomar cuidado, pois raramente numa prova o examinador vai dizer que trata-se de obrigação alternativa ou facultativa, pela leitura do enunciado o candidato terá que deduzir.

Aula do dia 14.3.2005

Continuação dos critérios de classificação das obrigações:

4) Quanto à forma: as obrigações podem ser solenes (ou formais) ou não solenes (ou informais). A regra geral é a de que as obrigações sejam não solenes. Princípio da liberdade de forma: as partes são livres para revestir a obrigação na forma que bem entender. Assim, poderão celebrar a obrigação através de escritura pública, por instrumento particular, verbalmente ou por meio de gestos. A forma é irrelevante para a qualidade das obrigações. É evidente que as partes escolherão a forma segundo o interesse econômico. Assim, as obrigações de maior revestimento econômico são normalmente celebradas por escrito, as de menor, verbalmente.

Portanto, quanto à validade, não há qualquer diferença entre as obrigações celebradas por escrito, verbalmente ou gestualmente. Isso decorre do princípio da autonomia da vontade, que preside o direito das obrigações.

Há obrigações que, pela sua maior densidade social e econômica, a lei exige que sejam celebradas por instrumento público, ou seja, por escritura pública, porque dotada de fé pública. Com isso, elas são guardadas na memória social com mais segurança, se revestem de presunção de veracidade, autenticidade.

Quando a obrigação é solene por imposição da lei, se não revestir dessa forma, será nula. A forma é um elemento essencial de validade. O princípio da autonomia da vontade, aqui, não funciona. As partes não estão livres para escolher a forma, elas tem que se submeter a imposição da lei.

Artigo 108 do CC: exemplo de obrigação solene – todos os contratos translativos de domínio, sobre imóveis de valor superior a 30 SM, terão que ser celebradas por escritura pública – exemplos: compra e venda de imóveis, a permuta de imóveis, a dação em pagamento de imóveis.

Todos esses contratos, através dos quais se transmite a propriedade do imóvel de valor superior a 30 salários-mínimos, terão que ser celebrados por escritura pública. O pacto anti-nupcial também é uma obrigação solene, necessitando de escritura pública, assim como o mandato outorgado por absolutamente incapaz. Reparem, portanto, que há certas obrigações cuja validade exige a escritura pública.

Conseqüência prática dessa classificação: se a lei exige forma solene e as partes o fazem um escritura particular, será nula. Como a solenidade é exceção, todas as obrigações solenes estão previstas em lei, como no caso do artigo 108 do CC.

5) Resultado, ao benefício econômico: as obrigações podem ser de meios (ou de meio, como preferem alguns) de resultado ou de garantia.

As obrigações de meios (o professor prefere no plural, pois foi assim que Demóclique, criador dessa classificação) é aquela em que o dever não se vincula ao êxito, não garante ao credor que satisfará ao seu interesse econômico. Não promete o sucesso. O devedor se compromete, apenas, a usar de todos os meios para alcançar o êxito. A obrigação dele é agir com

2005 15

Page 16: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

todos os recursos de que dispõe, com toda a técnica, toda a arte para satisfazer o credor, mas, se apesar de tudo isso, não for possível alcançar o êxito, ele não estará inadimplente.

É a obrigação típica que se estabelece entre os profissionais liberais e seus clientes. O médico, por exemplo, não pode garantir ao paciente que o curará, que salvará a sua vida, assim como o advogado não pode garantir que vencerá a causa. A obrigação deles é tudo fazer para alcançar o êxito. Eles só responderão por perdas e danos se o fracasso for imputável a sua culpa, a sua negligência, a sua imperícia. Assim, se o paciente morreu por culpa do médico, que cometeu um erro profissional, os parentes terão direito à indenização, mas se ele morreu pelas contingências da natureza, tendo o médico usado de todos os recursos da medicina para salvá-lo, o médico fará jus aos honorários contratados, como se tivesse salvo a vida do paciente. O mesmo se dá em relação ao advogado. Se o advogado perde a causa porque o direito da outra parte era melhor, tendo se utilizado de todos os recursos, fará jus aos honorários, como se tivesse vencido a causa. Isso faz parte da natureza da obrigação.

As obrigações de resultado são aquelas em que o devedor garante ao credor que irá satisfazer o seu interesse econômico, alcançará o resultado perseguido pelo credor. Exemplo típico é a obrigação do transportador, que se obriga a transportar o passageiro incólume até o ponto do destino. Um outro exemplo é a obrigação do empreiteiro, de entregar a obra segundo o projeto.

A importância prática dessa distinção é enorme, pois vai influir diretamente na responsabilidade civil do devedor no caso de inadimplemento da obrigação. Assim, por exemplo, nas obrigações de meios, o devedor responderá pela teoria subjetiva da culpa provada, ou seja, é o credor da obrigação é que terá que provar que o devedor cometeu um erro, que foi culpado, para fazer jus à indenização. O devedor não precisa provar que não foi culpado, o ônus da prova cabe ao credor.

Já nas obrigações de resultado, a responsabilidade do devedor se afere pela teoria objetiva ou então da culpa presumida. O credor não precisa provar que o devedor foi culpado, porque ele assim se presume. O devedor é que terá que provar que não foi culpado, ou então que não há nexo causal. A responsabilidade civil, pois, de um devedor de uma obrigação de resultado é muito maior do que a do devedor de uma obrigação de meio.

Na prática, nem sempre é fácil distingir se a obrigação é de meio ou de resultado, porque há situações híbridas, intermediárias, cinzentas, em que a doutrina e a jurisprudência são vacilantes. Exemplo: cirurgia plástica meramente estética, da anestesia, dos exames de laboratório, da ortodontia, em que a jurisprudência entende que a obrigação é de resultado. Entende-se que o médico assegura ao cliente que o resultado será alcançado. Não há nada que impeça que o próprio devedor converta uma obrigação de meios em de resultado, se assegurar o êxito. Exemplo: o advogado pode contratar com o cliente que só fará jus aos honorários se vencer a causa

As obrigações de garantia visam apenas a fortalecer a posição de um credor, afastando, minimizando os riscos da

inadimplência do seu devedor. É o caso típico da fiança, do aval. O fiador nada deve ao credor, não é parte da relação que se estabelece entre credor e devedor, é alheio a essa relação jurídica. Ele não deve mas se responsabiliza pelo pagamento se o devedor não o fizer. Aliais, essas obrigações de garantia constituem uma situação sui generis, pois não contém debitum, mas apenas a responsabilidade. O fiador não deve nada ao credor, mas responde pelo pagamento, no caso de inadimplemento do devedor.

5) Obrigações principais e acessórias. As principais têm vida própria, são autônomas, não dependem de outra. Exemplo: obrigação de entregar um cavalo, de ministrar uma aula, entregar uma certa quantia em dinheiro. Já as acessórias são aquelas que estão presas à principal, seguem a sorte da principal, dependem dela. É o caso da fiança, que é uma obrigação de garantia e acessória. Não há fiança que não se referia a uma obrigação que é a garantida, que é a principal. Interesse prático: é a regra segundo a qual a obrigação acessória segue a sorte da principal. Se a obrigação principal se extingue, a acessória também, se a principal é nula ou anulável, a acessória também será. Mas a recíproca não é verdadeira. A acessória pode se extinguir e a principal remanescer. Exemplo: a morte do fiador importa na extinção da fiança, que é a obrigação acessória; a obrigação principal remanesce, só que agora sem garantia. O credor tem o direito de exigir do devedor uma nova garantia e se o devedor não a fornecer, isso provoca o vencimento antecipado da obrigação.

No contrato de locação, se extinguir a garantia com a morte do fiador ou com a sua insolvência, poderá o credor notificar o locatário, para que em 30 dias forneça uma nova garantia. Se ele não fornecer, o locador poderá mover uma ação de despejo por infração legal e contratual.

A Lei do Inquilinato, no seu artigo 39, estabelece que, salvo estipulação expressa em contrato, todas as garantias (e ai inclui-se a fiança) presumem-se prestadas até a efetiva entrega das chaves. Mas o artigo 835 NCC estabelece que, prorrogando-se a obrigação por tempo indeterminado, a qualquer momento poderá o fiador exonerar-se – isso está criando uma verdadeira celeuma na jurisprudência e na doutrina. Uma parte entende que o artigo 835 prevalecerá sobre a lei de inquilinato e, portanto, expirado o prazo determinado do contrato, o fiador poderá exonerar-se. Nesse caso, o locador terá que pedir uma nova garantia. Já a outra corrente entende que prevalece a lei do inquilinato e que o fiador, então, não poderia exonerar-se antes da entrega das chaves. O STJ , majoritariamente, está na primeira corrente, prevalecendo o artigo 835 do NCC.

Importância prática dessa classificação: verificando-se que a obrigação é acessória, será necessário analisar a qual ela está vinculada e ai aplicar à acessória tudo que ocorrer à principal, não sendo verdadeira a recíproca.

6) Presença de elementos acidentais: as obrigações podem ser puras – aquelas que não contém nenhum elementos acidental, ou seja, nenhuma condição, nenhum termo ou encargo -, condicional – que são aquelas subordinadas a uma condição, que é um acontecimento futuro e incerto. Exemplo: entregar o cavalo, se o adquirente passar no concurso. Há o termo, que é o acontecimento futuro e incerto, será uma obrigação a termo. Se contiver um encargo, será uma

2005 16

Page 17: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

obrigação modal. Importância prática: se a obrigação for condicional, ela só produzirá efeitos se a condição se implementar, se aquele acontecimento futuro e incerto ocorrer (enquanto não ocorrer, a obrigação não produzirá nenhum efeito). Se for a termo, enquanto não sobrevier o termo inicial, ela também não produzirá nenhum efeito e quando ocorrer o termo final, os seus efeitos cessarão. Se for uma obrigação modal, o devedor fica obrigado a cumprir o encargo, sob pena de se revogar a obrigação.

OBS: termo da obrigação pode ser determinado – quando se diz que o mútuo será pago no dia 30.3.2005 -, ou indeterminado – quando o credor exigir o pagamento.

7) Quanto ao tempo necessário à execução, a obrigação pode ser instantânea ou de duração. Será instantânea quando se executar por um só ato. Exemplo: entregar uma coisa, ministrar uma conferência. Essas obrigações instantâneas podem ser de execução imediata ou de execução diferida. Instantânea de execução imediata: e aquela que nasce e se executa imediatamente – exemplo: quando se compra de uma coisa e o vendedor, imediatamente, a entrega, executando a obrigação de dar. É a mais fugaz de todas as obrigações, dura, as vezes, segundos. Em segundos, ela nasce e morre. Instantânea porque se executa em um só ato e imediata, pois é logo após o nascimento. Nada impede que ela seja de execução diferida, que significa dizer adiada para o futuro, projetada para o futuro. Exemplo: eu vendo o carro hoje, mas me obrigo a entregá-lo em 10 dias. Ela será instantânea, pois basta um ato, que é entregar o carro, mas esse ato foi transferido para daqui há 10 dias, por isso a execução é diferida.

Obrigações continuadas, de duração, de trato sucessivo ou execução continuada (nomenclaturas utilizadas pela doutrina): são aquela cuja execução se projeta no tempo, através de atos reiterados de execução, ou seja, ela não se exaure num só ato, ao contrário, ela exige atos reiterados de execução. É o caso da locação de uma coisa, da prestação de um serviço contratado por um certo tempo, a obrigação que liga os alunos ao CEPAD num curso (se fosse uma palestra, a execução seria instantânea), cada aula ministrada é um ato dessa obrigação de fazer.

Importância prática: a teoria da onerosidade excessiva (também conhecida como a teoria da imprevisão) só se aplica às obrigações instantâneas de execução diferida ou às obrigações de duração (de trato sucessivo, continuadas). Não pode ser invocada nas obrigações instantâneas de execução imediata.

É que a aludida teoria se refere ao rompimento da equação econômica da obrigação por um fato superveniente imprevisto. Se a obrigação é instantânea de execução imediata, qualquer fato superveniente já encontrará a obrigação exaurida. Os fatos supervenientes são inteiramente irrelevantes para as obrigações instantâneas de execução imediata, eles só podem alcançam as de execução diferida – se esta ainda não ocorreu -, ou as de trato sucessivo. Aliais, a leitura do artigo 478 do CC informa isso, ao tratar da onerosidade excessiva como causa de resolução dos contratos, dispondo que a teoria só se aplica aos contratos de execução diferida ou continuada.

* o professor alerta que deixou para o fim os 2 (dois) critérios que mais suscitam questões práticas: o que classifica as obrigações em divisíveis e indivisíveis e o que estabelece a co-responsabilidade dos sujeitos, podendo ser as obrigações solidárias ou não.

8) Critério que classifica as obrigações em divisíveis e indivisíveis, o critério pelo parcelamento da prestação. Diante da possibilidade de fracionar ou parcelar a prestação, as obrigações, então, podem ser divisíveis – que são aquelas em que as prestações podem ser entregues ao credor em parcelas, em frações -, e indivisíveis – que são aquelas que as prestações têm que ser entregues ao credor por inteiro, deu uma só vez.

9) Critério pela co-responsabilidade dos sujeitos, as obrigações podem ser solidárias ou não solidárias. A solidariedade é o maior desafio do direito das obrigações, é ai que a “coisa pega”.

8) As obrigações em que as prestações podem ser entregues ao credor parceladamente, em frações, chamam-se divisíveis. Exemplo: uma obrigação pecuniária de R$ 10.000,00 – pode perfeitamente ser parcelada em 10 parcelas de R$ 1000,00 cada uma. A obrigação de entregar 60 sacas de café pode ser parcelada em 3 entregas de 20 sacas cada uma. Note-se: a prestação é uma só, que pode ser parcelada – assim, se diz que alguém está devendo a 5ª parcela da prestação. Prestação é o objeto da obrigação, portanto, é uma só.

Regras típicas das obrigações divisíveis: há uma presunção legal (regra geral), segundo a qual havendo mais de um devedor ou de um credor, a obrigação se será divisível, pois a prestação será dividida em tantas parcelas quanto sejam os credores ou devedores. É o princípio do concursum partes fiunt (romanos – isso já caiu 2 vezes em prova de concurso): nas obrigações múltiplo subjetivas a prestação se presume dividida em tantas parcelas quantos sejam os sujeitos. Os romanos criaram esse princípio para facilitar o pagamento, tornando-o menos oneroso para as partes. É que sendo 4 (quatro) devedores, fica mais fácil para cada um pagar apenas o seu quinhão. Sendo 3 (três) credores, fica mais fácil cada um reclamar a parte que lhe toca.

Claro que essa regra não é absoluta, é possível afastar essa presunção.

Assim, se houver 3 (três) credores, a presunção é de que a prestação será dividida em 3, para que cada credor receba o seu quinhão, a sua parcela. Isso é apenas a regra geral, pois há hipóteses em que essa presunção desaparece e a obrigação se torna indivisível.

Uma outra regra que se aplica às obrigações divisíveis diz que se o devedor tem a quitação da última parcela, há uma presunção de que pagou todas. Exemplo: compra e venda de um automóvel em 10 parcelas, se o devedor provar que pagou a 10ª parcela, cabe ao credor provar que ele não pagou as demais. A presunção é relativa, ou seja, cede ante a prova em contrário. Essa regra decorre das regras comuns de experiência, pois não é comum que o credor dê quitação da última parcela tendo anteriores em aberto, a não ser que fique expresso no título que assim se fará, como ocorre no caso do consórcio, em que os lances são creditados na ordem inversa

2005 17

Page 18: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

das prestações, ou seja, são creditados primeiro nas últimas parcelas, mas isso está escrito no contrato. Artigo 322 do NCC.

Muitos credores, cientes dessa presunção, começaram a instituir nos recibos essa ressalva de que aquela quitação não importa em prova dos pagamentos anteriores. A doutrina se divide quanto a isso, uma corrente entende que essa ressalva é absolutamente ineficaz, porque essa presunção é algo estabelecido em favor do devedor, não podendo o credor, unilateralmente, ilidi-la. Já a outra corrente entende que se o devedor aceita a quitação com essa ressalva, estaria renunciando a essa presunção e, pois, teria que provar o pagamento das anteriores. Essa ressalva numa relação de consumo pode ser considerada cláusula abusiva e, pois, nula de pleno direito.

OBS: renúncia não se presume, tem que ser expressa.

Sobre as obrigações divisíveis o código não fala absolutamente nada, pois elas não oferecem a menor dificuldade prática. Se todos recebem os seus quinhões, a obrigação se exaurirá. Se por qualquer circunstancia não recebem, basta ver se houve culpa do devedor, ou não.

Obrigações indivisíveis: são aquelas em que a prestação tem que ser entregue por inteiro, não admitem o fracionamento. Essa indivisibilidade pode decorrer de 4 causas:

1) a própria natureza da prestação – indivisibilidade natural – exemplo: entrega de um semovente. Se “A” se obriga a entregar um cavalo, este tem que ser entregue por inteiro, não sendo possível o fracionamento do animal, a obrigação de entregar um quadro, uma obra de arte: fracionada a obrigação, perderá a prestação o seu interesse econômico. Em suma: é aquela que, parcelada a prestação, perde ela seu valor econômico ou a sua natureza jurídica (cavalo: fracionado perde a sua natureza jurídica, pois de semovente passa a ser um móvel).

2) Contrato, ou seja, a vontade das partes. O contrato pode ter uma prestação que, pela sua natureza, seja divisível, mas que, pela vontade das partes, tenha que ser entregue por inteiro. Exemplo: uma obrigação pecuniária pode ser dividida em parcelas, nada impedindo que os R$ 10.000,00 tenham que ser pagos em dinheiro e à vista. Essa indivisibilidade não será natural, mas sim contratual, convencional.

3) A lei: é a chamada indivisibilidade lei, é quando a lei determina que aquela obrigação tenha que ser cumprida por inteiro, de uma só vez. Exemplo: lei do inquilinato - o artigo 73 diz que as diferenças de aluguel apuradas no curso da ação renovatória terão que ser pagas ao final da ação de uma só vez. O juiz não tem poder para parcelar esse pagamento, nem o devedor pode compelir o locador a receber essa diferença parceladamente, só se o locador quiser.

4) A sentença: é a chamada indivisibilidade judicial. É quando o juiz, na sentença, condena o devedor a pagar de uma só vez, é muito comum nas ações de responsabilidade civil.

Presunções:

I) se a obrigação tem um só credor e um só devedor, a presunção é de que ela seja indivisível. Para que a prestação sejas parcelada, é preciso o prévio ajuste entre as partes. Então se José se obriga a entregar a João R$ 1.000,00 (mil reais) e nada se diz quanto à forma do pagamento, a presunção é de que tenha que ser paga à vista, de uma só vez, para que o aludido quantum possa ser parcelado, é preciso que as partes assim ajustem. Ou seja, o devedor não pode compelir o credor a receber em partes, se assim não se ajustou.

II) Havendo mais de um credor, ou mais de um devedor, a presunção é justamente oposta, ela se presume divisível. Quando há mais de um credor ou devedor, a presunção é oposta, de que a obrigação seja divisível.

A obrigação indivisível com um só devedor e um só credor não oferece nenhuma dificuldade prática, por isso o código dela não trata. O que pode ocorrer? O devedor pagar ao credor o quantum devido e a obrigação se extinguir; ou então não pagar, devendo-se perquirir se houve, ou não, culpa do devedor. Se não houve culpa, resolve-se a obrigação; se houve culpa: perdas e danos.

As dificuldades começam quando a obrigação é indivisível havendo mais de um credor ou devedor. É por isso, que o código só disciplina os efeitos na indivisibilidade nas obrigações que tenham mais de um credor ou mais de um devedor. Pois isso, a doutrina, por si só, não poderia resolver.

- Obrigação indivisível com quatro credores e um só devedor. Vamos imaginar que ela consista na entrega de um cavalo, que foi comprado por 4 credores. Obrigação de dar. Ou então é uma obrigação pecuniária de R$ 40.000,00 com 4 credores, mas ela se estabeleceu como indivisível.

Efeitos dessa indivisibilidade: como o devedor conseguiria pagar essa obrigação tendo 4 credores e tendo que entregar a prestação por inteiro, não podendo parcelá-la? Se ela fosse divisível, não haveria a menor dificuldade, bastaria a cada credor entregar o seu quinhão.

Opções do devedor para fazer esse pagamento: a primeira seria reunir todos esses credores no mesmo lugar, na mesma hora e entregar a prestação por inteiro para todos. Só que isso, nem sempre, é possível. Um credor pode estar viajando, um outro pode querer não receber, um outro pode não ser encontrado ... Logo, não é muito fácil reunir todos os credores para se entregar a prestação integral. Ai vem uma segunda opção: o devedor poderá entregar a prestação por inteiro a um só dos credores, se este apresentar autorização dos demais para receber. A autorização não precisa ser um mandato formal, basta uma declaração, algo que prove, de maneira inequívoca, que os credores estejam de acordo que um só deles receba a prestação por inteiro.

Vamos imaginar que esse credor não tenha autorização dos demais para receber. Ainda assim poderá o devedor pagar por inteiro se ele lhe prestar caução desse recebimento, ou seja, uma garantia de que entregará o quinhão dos outros credores. Essa caução pode ser pessoal, representada por uma fiança, ou real, representada por uma hipoteca ou penhor. Assim, se os outros credores aparecerem dizendo que não receberam os seus quinhões, reclamando de novo do devedor, o devedor se

2005 18

Page 19: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

valerá dessa caução para lhes pagar. Esse é o objetivo dessa caução. O credor que recebeu por inteiro, sem autorização dos demais, garante ao devedor, por meio dessa caução, que entregará o quinhão dos demais.

Comprovado pelo credor que entregou o quinhão dos outros, a caução se levanta, ela só permanecerá até se prove que o quinhão dos outros credores foi recebido, extinguindo-se a garantia.

E se o credor não tiver autorização dos demais e não se dispuser a prestar caução? Ai, só restaria ao devedor consignar a prestação, pois se ele pagar, sem autorização dos demais credores e sem receber caução, ele pode vir a ter que pagar de novo, pois estará pagando mal (quem paga mal, paga duas vezes).

Qualquer dos credores poderá, autorizado pelos demais, mover ação contra o devedor para lhe exigir o pagamento integral. Não é preciso que todos promovam a ação, qualquer um dos credores, sendo a obrigação indivisível, poderá exigir do devedor a prestação integral.

Se um dos credores notifica o devedor para interromper a prescrição, isso aproveita a todos os demais credores. Se um desses credores morrer, deixando herdeiros, a obrigação continua indivisível para eles.

Obrigação indivisível com mais de um devedor e um só credor. Se é indivisível nenhum dos devedores pode pretender pagar apenas o seu quinhão, o credor tem todo o direito de enjeitar a prestação se oferecida em parcelado. Então, cada devedor, para se exonerar, terá que pagar por inteiro.

Exemplo: 4 devedores e um credor. Um deles pagou a prestação integral, embora só tivesse ¼. Conseqüência jurídica: é a sub-rogação automática. O devedor que teve que pagar por inteiro se sub-roga nos direitos do credor, substituindo o credor na relação obrigacional, para poder regredir contra os demais devedores, exigindo-lhes os seus respectivos quinhões.

Ele só teve que pagar por inteiro, porque a obrigação era indivisível. A sub-rogação é automática, ex vi legis. Se assim não fosse, haveria um locupletamento dos demais devedores, que ficariam exonerados sem nada pagar.

E se o credor tiver interpelado um dos devedores para interromper a prescrição? Isso prejudica a todos os devedores, não é preciso interpelar todos os devedores.

Regra aplicável nas obrigações indivisíveis com mais de um devedor. Inadimplida a obrigação, por culpa dos devedores, a indivisibilidade cessa e pelo equivalente o credor terá que reclamar, isoladamente, o quinhão de cada um.

Exemplo: 4 devedores se obrigaram a entregar um cavalo, que vale 40.000,00 reais, cabendo ¼ a cada devedor. Cada devedor tem ¼ dessa obrigação. Os devedores são culpados pelo inadimplemento – vamos imaginar que eles tenham vendido o cavalo, de novo, a outro e não entregaram ao primitivo comprador. Ora, se houve culpa, o credor tem direito ao equivalente da prestação, que é medido em dinheiro. Assim, ao invés de entregar o cavalo, teriam que entregar

quarenta mil reais, cessando a indivisibilidade. O credor cobrará dez mil de cada devedor. É que o dinheiro é o mais divisível de todos os bens, fica mais fácil, e menos oneroso para os devedores dividir o equivalente, segundo os quinhões de cada um.

As perdas e danos também serão cobradas segundo o quinhão de cada um. Mas e se houver um culpado – exemplo: só um dos devedores foi culpado pela morte do cavalo (estava encarregado de alimentá-lo até a entrega)? Pelo equivalente responderão todos na proporção de seus quinhões, mas as perdas e danos só podem ser culpadas do culpado. As perdas e danos não serão divididas pelos devedores, recairão exclusivamente sobre os ombros do devedor culpado. Isso em decorrência de princípios do direito penal. É que as perdas e danos têm natureza de pena e não se aplica pena a quem não for culpado, ou melhor, a pena não pode ultrapassar a pessoa do culpado.

Se todos forem culpados, as perdas e danos serão rateadas na proporção dos seus quinhões.

Essas são as principais conseqüências da indivisibilidade nas obrigações múltiplo subjetivas.

9) A solidariedade é uma ficção jurídica, é uma invenção da inteligência humana, ela só se aplica às obrigações múltiplo subjetivas. A obrigação só pode ser solidária se tiver mais de um credor ou mais de um devedor. E ai já está a primeira diferença entre as obrigações divisíveis e as solidárias, que, lamentavelmente, muitos advogados pensam que são sinônimos. A obrigação divisível não é, necessariamente, solidária, embora nada impeça que a obrigação seja, ao mesmo tempo, indivisível e solidária. Algumas regras se aplicam tanto à obrigação indivisível, quanto à solidária, mas outras são completamente diferentes.

As obrigações indivisíveis podem ter um só credor e um só devedor – exemplo: José se obrigou a entregar um cavalo a João; José se obrigou a pagar R$ 10.000,00 a João, tendo sido estabelecido que tem que ser de uma só vez. Não há nenhum obstáculo a existência de uma obrigação indivisível com apenas um credor ou um só devedor.

Já as obrigações solidárias têm que ter mais de um credor ou mais de um devedor. Pelo nome se deduz isso: solidária, a solidariedade pressupõe mais alguém com quem se seja solidário. As obrigações solidárias são, pois, obrigatoriamente, múltiplo subjetivas, ou seja, têm sujeitos múltiplos. Por isso, há 3 tipos de solidariedade, com regras próprias: a ativa (temos mais de um credor e um único devedor), a passiva (mais de um devedor e um só credor) e a mista (mais de um credor e de um devedor).

Esse é o primeiro princípio: toda obrigação solidária tem mais de um sujeito. Por que se criou a solidariedade? Porque se percebeu, na prática dos negócios, que toda obrigação que tem mais de um sujeito pode gerar turbulência na hora do pagamento. Observe-se que se tiver mais de um credor, pode ser que não se consiga reuni-los na hora do pagamento, pode ser que um queira discutir e o outro receber. Se tivermos vários devedores, um pode estar insolvente e o outro não, um pode querer pagar e o outro preferir discutir em juízo o valor.

2005 19

Page 20: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

Cada pessoa reage de uma maneira diferente diante dos mesmos impulsos.

Como é impossível evitar que as obrigações tenham mais de um sujeito, criou-se a figura da solidariedade, para se transformar o que é múltiplo em único, criando-se uma ficção jurídica segundo a qual cada credor agirá como se fosse o único, como se não houve os demais.

Se existirem 4 credores, por exemplo, cada um deles poderão praticar todos os atos como se fossem o único, independente dos demais. E, claro, cada devedor também será tratado como se fosse o único. Como isso se converte os vários vínculos como se fosse um só. Daí a frase que diz que com a solidariedade se transforma em único o que é múltiplo.

O princípio geral que rege a solidariedade, distinguindo-a da indivisibilidade, é que a solidariedade não se presume, decorre de lei ou da vontade das partes ) o contrato). Já a indivisibilidade pode ser presumida pela natureza da prestação – exemplo: José de obriga a entregar o cavalo a João – essa obrigação é indivisível por natureza, a indivisibilidade é natural, ela se presume.

A solidariedade, pois, só tem 2 causas: a lei ou o contrato. Já a indivisibilidade tem 4: a natureza da prestação, o contrato, a lei e a sentença. O juiz não tem poder para condenar os réus solidariamente, se isso não estiver previsto na lei ou no contrato.

A solidariedade também importa numa co-responsabilidade entre os sujeitos. Assim, aquele credor que, agindo como se fosse o único, recebe a prestação por inteiro, fica responsável perante os demais credores por lhes entregar os seus quinhões. Conseqüência prática: o devedor para se exonerar poderá entregar a prestação por inteiro a um só dos credores e, recebendo a quitação, estará exonerado. Não precisa se preocupar em saber se esse credor tem autorização dos demais para receber ou se presta caução, pois cada credor agirá como se fosse o único.

Assim, se esse credor não entregar o quinhão dos demais, o devedor nada tem a ver com isso, cabendo aos demais credores mover ação contra o que recebeu. A solidariedade facilita o pagamento do devedor.

Da mesma maneira, os demais devedores se responsabilizam perante aquele que pagou por inteiro em lhe entregar os seus quinhões. O que pagou por inteiro poderá regredir contra os demais para lhes cobrar os seus quinhões. O segredo do funcionamento da solidariedade é, portanto, justamente essa noção de co-responsabilidade entre os sujeitos que ocupam o mesmo pólo da relação.

Na próxima aula, iremos estudar a solidariedade ativa, passiva e mista, examinando as regras aplicáveis a cada espécie.

Aula do dia 21.3.2004

As obrigações solidárias são exclusivas daquelas que têm uma multiplicidade subjetiva, ou seja, mais de um sujeito, em qualquer dos pólos. O objetivo da solidariedade é tratar o que é múltiplo, como se fosse único. Portanto, a sua regra de ouro é fazer com que cada credor seja tratado como se fosse o

único, da mesma maneira, cada devedor será tratado como se fosse o único.

A solidariedade converte os vários vínculos jurídicos em um único, como se obrigação fosse simples, ou seja, com um só credor e um só devedor; é uma ficção. Por isso, não se presume, pois faz nascer entre os sujeitos uma co-resposabilidade. Aquele credor que recebeu por inteiro a prestação, ficará responsável perante os demais por lhes entregar os respectivos quinhões. E os co-devedores ficarão responsáveis perante aquele que pagou por inteiro por lhe entregar os seus quinhões. Assim, nas relações internas entre devedores e credores, o que existe não é solidariedade, mas sim co-responsabilidade. A solidariedade ocorre entre os sujeitos que estão em pólos opostos da obrigação, isto é, entre os credores e os devedores.

Há 3 tipos de obrigação solidária: a ativa, em que temos uma multiplicidade de credores; a passiva, em que há uma multiplicidade de devedores e um único credor e a mista, onde na mesma relação obrigacional há vários credores e devedores.

Hoje vamos estudar especificamente a obrigação solidária ativa, com vários credores de um único devedor. Regras principais:

1) Qualquer um dos credores poderá compelir o devedor a lhe pagar por inteiro e, para isso, não precisa de autorização dos demais, pois agirá como se fosse o único credor.

A

B D

C

Assim, o A, por exemplo, poderá mover a execução contra o D isoladamente, sem precisar da presença, no pólo ativo da ação, dos demais. O devedor também poderá escolher qualquer um dos devedores para pagar por inteiro e essa é a grande vantagem prática da solidariedade ativa, ela facilita o pagamento. O devedor poderá entregar a prestação integral a qualquer um dos credores, não precisando averiguar se ele tem autorização dos demais para receber, nem precisa lhe pedir caução do recebimento, caso não tenha. Recebendo a quitação, estará exonerado. Se os demais credores não receberem o seu quinhão, não terão ação contra o devedor, que já estará exonerado. Eles terão que mover ação de regresso contra o credor que recebeu a prestação por inteiro.

Como salientado na aula passada, nas obrigações indivisíveis, com mais de um credor, o devedor só poderá pagar a um deles e exonerar-se se tiver autorização dos demais para receber ou, não tendo, se prestar caução.

Esse direito que tem o devedor de escolher livremente o credor a quem pagará por inteiro, só cessará quando um dos credores afrontar judicialmente o devedor, movendo-lhe uma ação de cobrança. Terá que pagar ao credor que o afrontou judicialmente, há uma concentração do crédito na pessoa do credor que moveu a ação de cobrança contra o devedor.

2005 20

Page 21: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

2) Vamos imaginar que o credor A, preocupado com a prescrição que se aproxima (D não pagou a obrigação), interpela D para interromper a prescrição. Só o promoveu a interpelação, mas ela aproveitará a todos os demais credores. Portanto, bastará que um dos credores solidários interpele o devedor, para interromper a prescrição para todos.

3) Imaginemos que o credor A é transferido para o exterior a serviço da União, o que significa dizer que suspendeu a prescrição em relação ao credor A. A suspensão da prescrição em relação ao A se estenderá aos demais credores? Não, a suspensão, como sempre, tem uma causa especial e não se estenderá aos demais credores, a não ser que a obrigação, além de solidária, seja indivisível. Pois nada impede que a obrigação seja, ao mesmo tempo, indivisível e solidária. Como a indivisibilidade exige uma unicidade da prestação, é claro que a suspensão teria que se estender a todos, sob pena de se fracionar a prestação. Mas a obrigação é apenas solidária, a suspensão da prescrição, para um dos credores, não aproveita aos demais.

4) Vamos imaginar que o credor A mova ação contra o devedor D e ganhe a causa, obtendo uma sentença favorável. Só que surpreendentemente o credor A não promove a execução da sentença, permanecendo inerte. Poderão os demais credores ingressar nos autos para executar a sentença, invocando a sua condição de credores solidários? Não, porque só pode executar a sentença aquele que integrou a relação processual, pois a coisa julgada não se forma contra aqueles que não participaram da ação, são os limites subjetivos da coisa julgada. Assim, só caberá a C ou a B propor uma outra ação, desde o início. Não há que se falar em litispendência e muito menos em coisa julgada, pois as partes não são as mesmas. Só se pode falar em litispendência ou em coisa julgada se incorrer a famosa tríplice identidade: partes, causa de pedir e objeto.

5) Imaginemos que a obrigação é pecuniária, de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), cabendo R$ 10.000,00 (dez mil reais) a cada um dos credores. Só que o devedor não tem o dinheiro para pagar no vencimento da obrigação, propondo ao credor A uma dação em pagamento, substituindo o dinheiro por um terreno. Poderá o credor A aceitar e celebrar uma dação em pagamento sem a autorização dos demais credores? Claro que sim, pois cada credor agirá como se fosse o único, não precisando da autorização dos demais. Mas qual será, então, a conseqüência jurídica dessa dação em pagamento? O credor A aceitará o terreno em dação, dará quitação ao devedor, mas responderá perante os outros credores pela obrigação original, ou seja, pode ficar com o terreno, mas terá que tirar do bolso R$ 10.000,00 (dez mil reais) a B e R$ 10.000,00 (dez mil reais) a C. Não pode impor a dação aos demais credores, a não ser que eles tivessem concordado.

Poderá o devedor celebrar com A uma novação, sem que os outros credores manifestem a sua anuência? Sim, mas é claro que A responderá perante os demais pela obrigação original.

Poderá o devedor celebrar só com A uma transação? Claro, mas responderá o A pela obrigação original. Todas essas soluções decorrem do princípio segundo o qual cada credor agirá como se fosse o único.

6) O credor A poderá perdoar inteiramente a dívida de D, B, ou C - em outras palavras, poderá A remitir o devedor, perdoando-lhe toda a dívida, inclusive os quinhões dos outros credores, sem ouvi-los? Sim, pois estará agindo como se fosse o único credor. Mas qual será a conseqüência dessa remissão total? O credor A terá que pagar aos demais credores, do seu próprio bolso, os seus quinhões.

7) E se A, pai do devedor D, que é o seu único herdeiro, morrer? É importante lembrar que a obrigação é de R$ 30.000,00, cabendo a cada credor R$ 10.000,00. D será o herdeiro universal de A, ocorrendo, pois, confusão entre A e D (que se dá quando as figuras do credor e do devedor se fundem na mesma pessoa). Operando-se a confusão entre um dos credores e o devedor, a obrigação continuará solidária em relação aos demais credores, reduzida do valor do quinhão confundido. Ou seja, B poderá cobrar de D R$ 20.000,00 e não mais R$ 30.000,00, pois em relação a B e C essa obrigação continua solidária contra D. Se reduzirá o valor do quinhão confundido.

Se A perdoar só o seu quinhão, o que ocorre? A mesma coisa, a obrigação continuará solidária em relação aos demais credores, deduzida do valor do quinhão remitido. A solução é a mesma, o B poderá cobrar de D R$ 20.000,00, assim como o C. **** 8) O professor alerta que na prova, se cair solidariedade ativa, a questão que irão formular envolverá a compensação.

A

B D A obrigação é de 30, cabendo 10 a cada credor.

C

O professor alerta que os quinhões não precisam ser iguais No silencio do título, eles assim se presumem. Ele põe igual apenas para facilitar a solução matemática. O examinador vai exemplificar uma obrigação solidária ativa, com 3 credores, cabendo um quinhão de 10 a cada um. Mas numa outra obrigação, que não tem nada a ver com essa, o credor C deva a D 15. Imaginemos que o credor A move contra D a execução cobrando os 30. Pergunta-se: poderá o devedor D compensar com o credor A o que o credor C lhe deve, pagando, então, a A apenas 15?

Regra: o devedor poderá compensar com um dos credores o que outro credor lhe dever, mas até o limite do quinhão deste na dívida comum. No caso concreto, o limite do quinhão de C é 10, só podendo compensar com A 10, pagando-lhe 20. 15 ultrapassa o limite do quinhão de C na dívida comum.

Razão técnica: vamos imaginar que se autorizasse D a pagar apenas 15, compensando-se inteiramente o que C deve a D. O A iria receber só 15 e, pela natureza humana, iria colocar 10 no bolso, dando 5 para B – iniciando-se as turbulências. Para C nada sobrou, mas, em compensação, ele que devia 15 passou a dever apenas 5, porque 10 já foram compensados.

Por outro lado, o devedor também lucrou, pois, ao invés de pagar 30, pagou apenas 20. Logo, por essa solução

2005 21

Page 22: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

matemática, todos os interesses são atendidos. Ninguém fica prejudicado.

CONCLUSÃO: o devedor pode compensar com um dos credores, o que o outro credor lhe dever, mas até o limite do quinhão deste na dívida comum.

Artigo 273 CC: “a um dos credores solidários o devedor não pode opor as exceções pessoais de outro”. C deve 15 a D. Note-se que até 10 essa exceção é comum, a partir de 10 já seria pessoal. Se fosse o C que movesse a ação de execução contra o D, o devedor poderia compensar os 15 e C teria que entregar a B e C 10 para cada.

OBS: a ação de execução pode ser proposta por só um dos credores, por alguns dos credores ou por todos. Se todos quiserem participar do pólo ativo, ninguém tem nada a ver com isso - vantagem: qualquer um deles poderá promover a execução da sentença, já que todos participam da relação processual.

9) O credor C vem a morrer, deixando 2 filhos, E e F. A solidariedade persiste em relação a eles? E poderá cobrar os 30 de D? Não, só poderá cobrar 5, pois a solidariedade, ao contrário da indivisibilidade, não se estender aos herdeiros do co-credor morto, a não ser que a obrigação, além de solidária, seja também indivisível. É que a indivisibilidade persiste em relação aos herdeiros. Mas a solidariedade cessa, pois não se presume. Ora, como os herdeiros não participaram da obrigação quando ela nasceu, não se pode estender essa co-responsabilidade a quem não anuiu expressamente com ela. A indivisibilidade acarreta uma unicidade de prestação, enquanto que a indivisibilidade acarreta uma unidade de vínculo jurídico.

A

B D

C

E F

SOLIDARIEDADE PASSIVA

O professor, mais uma vez adverte que os quinhões não precisam ser iguais, podendo os devedores, no pólo passivo, deverem A R$ 1.000,00; B zero e C zero. Assim, alerta que é possível haver obrigação solidária passiva em que apenas um dos devedores deve.

Hipótese: A é locatário do imóvel e B e C são seus fiadores solidários. A deve ao locador R$ 1000,00. Note-se que B e C não devem nada, pois o fiador nada deve ao credor. Não há debitum, mas como eles se responsabilizaram solidariamente, cada um responde por R$ 1000,00.

Os quinhões podem ser diferentes, podendo até mesmo haver quinhão zero para um dos devedores (no caso do fiador/avalista).

B

A CObrigação de 30, cada devedor deve 10.

D

Regras:

1) O credor A poderá mover ação de cobrança contra qualquer um dos devedores, ou contra alguns dos devedores ou contra todos os devedores. O credor tem absoluta liberdade para eleger um dos devedores ou alguns do devedores para lhe pagar a obrigação (poderá fazê-lo contra todos também).

2) O credor A assestou a pretensão apenas contra B que, por isso, teve que pagar os 30. É evidente que B terá ação de regresso contra C e D para exigir de cada um os seus respectivos quinhões. Ele não poderá exigir 20 de C, pois nas relações internas não há solidariedade.

3) Nada impede que qualquer dos devedores isoladamente consigne a prestação integral contra o devedor, ele não pode é consignar só o seu quinhão, pois a oferta seria insuficiente. Então, B diante da recusa de A de receber a prestação, está legitimado para ingressar com ação consignatória em face do A, oferecendo-lhe os 30. Não precisa da presença dos outros devedores no pólo ativo da ação de consignação.

4) O credor A, preocupado com a prescrição que se aproxima, interpela apenas o devedor B para interrompê-la. Isso prejudica os demais devedores, bastando o credor interpelar apenas um dos devedores solidários e, com isso, é como se tivesse interpelado todos.

5) O credor pode mover ação de cobrança contra um só dos devedores. Pode interessar a ele acionar apenas um, visando a evitar os prazos em dobro do litisconsórcio, diversas teses defensivas tumultuando a execução e etc. É uma vantagem apara o credor poder exigir a prestação integral apenas de um devedor, pois vai litigar contra um só, com um único advogado, com prazo simples. A lei confere ao credor essa grande vantagem (que, ao invés de ter que litigar contra 12 irá litigar contra um só).

Isso é uma vantagem que o legislador deu ao credor com a mão direita, mas que com a mão esquerda lhe retirou, tornando inócua, pois a lei estabelece que o devedor que foi acionado isoladamente pelo credor tem o direito potestativo de chamar todos os demais devedores ao processo. Assim, o credor não pode se opor a essa chamamento ao processo, nem o juiz. É um direito do réu nos casos de solidariedade.

A acionou apenas B, que chamou C e D ao processo. Note-se que não é denunciação da lide, mas sim chamamento ao processo!!!!!!!

2005 22

Page 23: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

Importância prática: se é denunciação da lide, o litisdenunciado entra na ação, mas não tem ligação direta com o autor. Na DL estabelecem-se 2 relações processuais: a primeira original, entre o autor e o réu, e a segunda do réu (litisdenunciante) com o litisdenunciado, que é terceiro. Não há relação direta entre o litisdenunciado e o autor. E é por isso que o autor não pode executar a sentença diretamente contra o litisdenunciado, só pode contra o litisdenunciante, que é o réu que, por sua vez, irá executar a sentença contra o litisdenunciado.

Além disso, o litisdenunciado não ingressa na ação como réu, como co-réu, o réu continua sendo o original, o terceiro é litisdenunciado. Já no chamamento ao processo é diferente. O chamado ao processo ingressa nos autos como co-réu, estabelece-se um litisconsórcio. O pólo passivo que era ocupado por uma única pessoa, passa a ser ocupado por 3, se os demais foram chamados ao processo. Portanto, a relação direta é entre o autor e os chamados ao processo, podendo o autor executar a sentença contra qualquer um deles, que passam a ser litisconsortes passivos, réus.

Assim, o único benefício para o autor é que quem terá que promover a citação dos autores é o réu e se não o fizer nos prazos processuais se tornará ineficaz o chamamento ao processo. O autor não precisa promover a citação dos demais devedores chamados ao processo.

Então, com a mão esquerda o legislador retirou a vantagem conferida. Por isso, uma grande corrente critica dizendo que o Código ficou incoerente, contraditório. Já uma outra corrente aplaude, com entusiasmo, essa corrente, dizendo que ela atende a efetividade do processo, de economia processual.

No momento em B chama ao processo C e D o regresso se fará nos mesmos autos, evitando-se que B tenha que promover uma ação autônoma de regresso para C e outra contra D. Com isso, não se assorba, se necessidades, o Judiciário (é com isso que o professor está interessado).

Se B ficasse sozinho respondendo a ação, tendo que pagar os 30 ao final, ele teria que mover uma ação de regresso contra C e outra contra D. Ora, se todos já participam do pólo passivo, o regresso se fará na mesma ação, em execução de sentença.

6) E se A mover a ação só contra B, ganhando a ação. B não chamou os demais devedores ao processo (não está obrigado a fazê-lo, é uma faculdade conferida ao réu pelo legislador - não a exercendo, ele não perde o direito de regresso). B, no caso, preferiu responde ao processo sozinho. Só que B ficou insolvente, de nada adiantando A executá-lo. Poderá A executar a sentença contra C, contra D ou contra ambos? Não, pois C e D não participaram da relação processual e, pois, não podem ser objeto da execução da demanda. Caberá a A propor nova demanda, com nova citação e etc. Também não há de se falar em litispendência, coisa julgada, tendo em vista que as partes são diferentes.

Por isso é que o credor, muitas vezes, prefere executar a todos, pois a sentença poderá ser executada contra todos. Isso se são 4 ou 5 credores; se são 20, adverte o professor que vale a pena arriscar. Mas se esses 4 ou 5 chamarem os demais ao processo, a medida não adiantará de nada.

7) A resolve mover ação contra os 3 devedores. Ocorre a citação pessoal dos 3, apesar de só o B contestar a ação. C e D devem ser julgados a revelia? Depende. Se a defesa de B contiver exceções comuns a todos (exemplo: a obrigação já foi paga; o A era incapaz de contrata, sendo a obrigação nula, a obrigação está prescrita) a contestação apresentada pelo B aproveita aos demais, não havendo revelia. Mas se, ao contrário, a contestação só contiver exceção pessoal, ela não aproveita aos demais – exemplo: B era incapaz quando se obrigou (C e D não eram incapazes).

8) Todos contestaram e a sentença julgou procedente o pedido. Só B apelou. Terá transitado em julgado a sentença em relação a C e D? Se a apelação tiver exceções comuns, ela aproveita a todos os réus, que não precisam apelar, mas se só contiver exceções pessoais, a sentença terá transitado em julgado em relação aos que não apelaram.

9) O devedor B ficou insolvente – isso prejudica o credor? Não, pois este poderá exigir a dívida toda de qualquer um dos devedores que permanecem solventes. Imaginemos que ele cobrou 30 de C, que tem direito de regresso contra todos. Entretanto, não adianta regredir contra B, que está insolvente. Então, o quinhão do insolvente será rateado em partes iguais pelos demais devedores solventes, independente do quinhão de cada um. O C teve que pagar 30, ele regredirá contra D para exigir-lhe 15 (10 – quinhão de C + 5 – que é a metade do quinhão de B).

10) Vamos imaginar que a obrigação foi inadimplida por culpa dos devedores. Se a obrigação fosse só indivisível, essa cessaria, e o credor teria que cobrar o equivalente de cada devedor, na proporção do quinhão de cada um. Mas na obrigação solidária a regra é diferente. O credor poderá exigir o equivalente por inteiro de qualquer um dos devedores e dois regredirá contra os demais. Já as perdas e danos, mesmo sendo a obrigação solidária, só poderão ser cobradas do devedor culpado. Claro que se os 3 forem culpados, poderá ser cobrada de todos. Mas se só um for culpado, as perdas e danos só podem ser cobradas do devedor culpado.

11) Poderá o B celebrar com o A uma dação em pagamento sem ouvir os demais devedores? Sim, pois cada um age como se fosse o único. Mas só poderá regredir contra os demais devedores para lhes exigir o quinhão original. Ele entrega o terreno a A, mas vai mover ação de regresso contra C e D para cobrar 10 de cada.

Poderá celebrar uma novação com A, isoladamente? Sim. Uma transação? Sim, mas sempre regredirá contra os demais devedores pela obrigação original.

**** Compensação: há a obrigação solidária passiva, (B,C e D) cada devedor deve 10. Imaginem que A deva a B 12 numa outra obrigação. A move ação contra B cobrando 30. Poderá B compensar com A os 12, pagando-lhe apenas 18? Não, o devedor até pode compensar com o credor o que este dever a um outro devedor, mas até o limite do quinhão deste na dívida comum. A regra é a mesma. Então B vai poder compensar apenas 10, pagando-lhe 20.. Até 10 a exceção é comum, mas na base 12 é pessoal a B.

2005 23

Page 24: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

12) Poderá o credor exonerar da solidariedade só o B? Exemplo: A enoxerou B em janeiro. Conseqüência: a obrigação continua solidária em relação aos demais devedores (C e D), mas reduzida do quinhão exonerado. Então, A poderá cobrar de C 20 (e não mais 30).

*** Questão do examinador: 3 devedores, cada um devendo 10. Em janeiro, A exonerou B; em fevereiro, o B ficou insolvente; em março A cobrou de D 20. Regredir contra C nada adianta, pois este está insolvente. Ele pode regredir contra B exigindo 5, ou seja, ratear com o exonerado o quinhão do insolvente? Pode, pelo quinhão do insolvente respondem todos os demais devedores, mesmo os que já tivessem sido antes exonerado – regra do CC. É que um dos princípios fundamentais da solidariedade, é que não se pode modificar a obrigação depois de constituída de maneira a agravar a responsabilidade dos devedores, sem ouvi-los todos. No momento em que A exonerou B, sem ouvir C e D, o credor estará agravando a posição destes, se eles não pudessem regredir contra B no caso de insolvência.

Se, ao exonerar B, o A tivesse ouvido o C e o D, que concordaram, ai, é claro, que o B não mais responderia. Isso porque, os demais devedores aceitaram o agravamento da sua responsabilidade.

A perdoou o quinhão de B (remitiu) em janeiro, em fevereiro o C ficou insolvente e em março o D teve que pagar 20. Poderá exigir 5 de B? O CC não responde, por isso essa é a questão que será perguntada pelo examinador. Toda vez que o CC é silente, é uma festa para a doutrina. Se formaram 2 correntes: para a primeira não pode regredir contra aquele que já tinha sido remitido. Argumentos: o CC é silente quanto a isso, mas expresso quanto ao exonerado. Se o legislador quisesse que a regra fosse a mesma, teria dito “participaram os exonerados e os remitidos”. Se o CC só falou dos exonerados, a interpretação que se deve tirar é a de que o legislador só quis estabelecer essa regra para os exonerados. Além disso, a remissão extingue a obrigação e, pois, o B já não participaria dessa relação, não havendo lógica em ser chamado para participar do rateiro. Não mais existia vínculo jurídico.

Já a segunda corrente entende que, mesmo o devedor já remitido terá que participar do rateiro, pois, se os demais devedores não foram ouvidos para concordar com a remissão, a sua posição estaria sendo agravada, o que ofenderia a esse princípio fundamental da solidariedade, de não se poder agravar a posição dos demais devedores, sem se ouvir a todos.

OBS: Para exonera o credor não precisa da anuência dos demais devedores, só precisará quando o exonerado não responder pelo quinhão do insolvente. A mesma coisa em relação ao remitido para a segunda corrente.

13) O devedor B morreu, deixando 2 filhos. Poderá o credor exigir a dívida toda de um dos filhos? Não, pois a solidariedade cessa em relação a obrigação do co-devedor morto, a não ser que a obrigação, além de solidária, seja indivisível.

SOLIDARIEDADE MISTA

Não há necessidade de se aludir as suas regras, pois é a soma da solidariedade ativa e passiva.

CONCLUSÕES FINAIS

A solidariedade passiva é do maior interesse para o credor. Há uma série de vantagens: se um dos devedores ficar insolvente, isso não afeta o credor; o credor poderá escolher qualquer um dos devedores para executar por inteiro; no caso de inadimplemento culposo, poderá exigir o equivalente para qualquer um dos devedores; se tiver que interromper a prescrição, basta fazê-lo na pessoa de um só dos devedores.

Ou seja, o credor é super protegido. É por isso que o credor que conhece um mínimo de direito impõe aos seus devedores a solidariedade. É o caso do locador, que acaba impondo ao fiador que aceite a obrigação como solidária.

Já a solidariedade ativa, ao invés de fortalecer o vínculo para o credor, o fragiliza. Foi criada mais para favorecer ao devedor, pois facilita o pagamento. Pode escolher qualquer um dos credores, independente de autorização dos demais ou de caução.

Hipótese: 3 credores, qualquer um deles poderá exigir a prestação por inteiro do devedor. Imaginemos que um deles seja trambiqueiro e os outros só descubram isso depois. Como impedir que esse credor trambiqueiro receba a prestação por inteiro e suma? Se ela for indivisível, os demais credores não corre esse risco, pois basta que não autorizem o recebimento. Se receber, terá que prestar caução. Mas na solidariedade isso não existe, razão pela qual a solidariedade ativa fragiliza os credores. A única solução que haveria era no dia no vencimento correr e afrontar o devedor, que não teria como escolher a quem pagar. Mas até isso é problemático, pois o credor trambiqueiro iria propor receber antes do vencimento, dando um desconto, por exemplo.

O direito brasileiro se manteve fiel ao princípio de que a solidariedade não se presume, decorre de lei ou da vontade das partes – tanto para a ativa, quanto para a passiva. A orientação do direito moderno é no sentido de que quando há mais de um devedor, eles se presume solidários; só não serão se expressamente afastarem essa presunção. É a posição do CC Italiano NOVO, de 1940. No direito italiano houve uma modificação do CC, que é de 1940, em 1980, no capítulo das obrigações solidárias, para se dizer que a solidariedade passiva se presume.

Razão: fortalece o credito, e como há um interesse social no pagamento das obrigações, esses sistemas procuram fortalecer o credor, para que ele tenha mais chances de receber a prestação. Nós estamos assim na contramão, pois mesmo no NCC, que já é um código do século XXI, continuamos apegados à tradição de que a solidariedade, seja ativa ou passiva, não pode ser presumida.

A lei do inquilinato chegou perto, pois o seu artigo 2º dispõe que “havendo mais de um locador ou mais de locatário, consideram-se solidários, a não ser que expressamente digam que não serão”. Só que essa lei não teve coragem de dizer “presumem-se solidários”, pois isso ia chocar de frente com o dispositivo que diz que a solidariedade não se presume. Então, criou-se uma hipótese de solidariedade legal.

2005 24

Page 25: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

Com isso, encerramos o estudo das modalidades das obrigações. Na próxima aula trataremos da transmissão das obrigações, examinando as figuras da transmissão do crédito e da assunção da dívida.

Aula do dia 28.3.20047ª aula

Transmissão das obrigações

As obrigações não são estáticas, imutáveis, elas admitem freqüentes modificações. Aliais, nem poderia ser diferente, porque todo o direito das obrigações é oxigenado pelo princípio da autonomia da vontade. A mesma liberdade que leva as partes a celebrar a obrigação, as autoriza a modificá-las. Portanto, as obrigações podem ser transmitidas à pessoas que não figuravam na relação obrigacional no momento do seu nascimento.

Essa transmissão pode ser dar causa mortis, o crédito transfere aos herdeiros quando se morre o credor, a não ser, é claro, nas raras hipóteses de crédito personalíssimos. Da mesma maneira, as dívidas também se transferem aos herdeiros do devedor, respeitadas, é claro, as forças da herança..

Mas não é disso que iremos tratar agora, vamos falar da transmissão das obrigações por atos inter vivos, que pode ocorrer no pólo ativo ou no pólo passivo. No pólo ativo, essa transmissão traduz uma cessão do crédito e no passivo uma assunção da dívida. Em ambos os casos, ocorre uma substituição subjetiva. Na cessão do crédito, o credor original é substituído pelo cessionário desse crédito, enquanto que na assunção quem é substituído por um terceiro é o devedor.

Percebam que a relação obrigacional é rigorosamente a mesma, essa substituição subjetiva não traduz, em princípio, uma novação, pois não se extingue a obrigação, modifica-se apenas o sujeito. Para que haja novação é indispensável que a obrigação anterior seja extinta, para nascer outra em seu lugar. Não confundam, portanto, a cessão do crédito ou assunção da dívida com novação. Note-se que é possível fazer uma novação substituindo os sujeitos, desde que extinga-se a obrigação anterior.

O CC passado surpreendentemente disciplinava a cessão a cessão do crédito, mas silenciava quanto à assunção da dívida. Isso levava muitos estudantes a supor que o direito brasileiro não admitia a assunção da dívida. Era a doutrina se encarregava de suprir essa lacuna incompreensível do CC passado. Não havia razão lógica científica para omitir-se o código quanto à assunção da dívida.

O NCC resgatou essa lacuna e dedicou um capítulo, ainda que superficial, à assunção da dívida, de modo que não pode pairar mais nenhuma dúvida quanto à possibilidade de se fazer a substituição no pólo passivo. Agora, no livro sobre a transmissão das obrigações, temos um capítulo primeiro que trata da cessão do crédito e um capítulo segundo, que trata da assunção da dívida.

Cessão do crédito: é a transferência do crédito feita por um credor original a uma terceira pessoa. O credor original é o cedente e o terceiro a quem se transfere o direito de crédito é o cessionário. Essa cessão pode ser feita a título oneroso, mediante uma contra prestação, paga pelo cessionário (o que eqüivale a uma compra e venda do crédito), ou a título gratuito, ou seja, sem nenhuma contra prestação, o que eqüivale a uma doação do crédito.

A cessão do crédito é admitida porque o crédito é um bem patrimonial, que se incorpora ao patrimônio do devedor e os bens patrimoniais são, em princípio, disponíveis. O titular da propriedade de um bem pode dispor do mesmo, salvo algumas exceções. É claro que há créditos indisponíveis, como, por exemplo, aquele sobre o qual já recaiu uma constrição judicial, como a penhora, o arresto, um seqüestro, se tornando o crédito indisponível para o credor.

Características:

1) pode ser feita pelo credor, independente da anuência do devedor, seja a título oneroso ou gratuito. O que a lei exige é que se dê ciência ao devedor da cessão do crédito, para que o devedor não corra o risco de pagar a quem não mais possui legitimidade para receber, que seria o cedente. O devedor precisa saber a quem pagar e, por isso, a cessão do crédito, para ser oponível ao devedor, lhe tem que ser comunicada, seja pelo cedente ou pelo cessionário (ou por ambos). O modo de se fazer essa comunicação é irrelevante, não precisa ser judicial, o que a lei exige é que seja inequívoca. Por isso, se o devedor pagar ao credor original, sem tomar conhecimento da cessão, estará exonerado, porque se caracterizará o chamado pagamento a credor putativo. Mas se o credor pagar ao credor original, já tendo ciência da cessão, terá pago mal e quem paga mal, repete o pagamento, paga duas vezes. Vejam, pois, a importância da cessão do crédito, que, frise-se, não se confunde com a anuência do devedor.

Por que a cessão do crédito pode ser feita à revelia do devedor? Porque não há prejuízo para o devedor, de modo que a sua oposição seria mero capricho. É que a cessão não pode ser feita de maneira a agravar a sua posição. Na verdade, tudo o que ultrapassar o limite do débito e seus acessórios não será oponível ao devedor, sendo certo que para este tanto faz pagar à Maria ou a João, desde que pague a mesma quantia.

Assim, como não se pode alterar o valor do crédito, reduzir o prazo para vencimento, aumentar a taxa de juros, modificar o indexador, em suma, como não se pode fazer nenhuma modificação que agrave a posição do devedor, não há prejuízo para ele.

Outra razão: o devedor poderá opor ao cessionário as mesmas exceções, inclusive as pessoas, que poderia opor ao cedente. Ou seja, todas as defesas que o devedor pudesse levantar contra o devedor original também poderá argüir contra o cessionário. Exemplo: eventual compensação que o devedor tivesse com o credor original poderá ser argüida ao cessionário. Se não fosse assim, a cessão do crédito poderia prejudicar o devedor.

Note-se que se assim não fosse, o credor, ciente de que o devedor tem uma compensação a argüir contra ele, transferiria

2005 25

Page 26: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

o seu crédito para um terceiro, contra o qual o devedor não teria compensação a fazer, o que o prejudicaria. Por isso, o código permite a oposição das exceções pessoais. Se o devedor pudesse argüir a nulidade do crédito da obrigação pela incapacidade do credor, também poderá fazê-lo em relação ao cessionário.

São essas as duas razões que dispensam a anuência do devedor na cessão do crédito.

2) Cessão do crédito não é subrogação. Note-se que em ambos os casos, o credor original é substituído por uma outra pessoa que ocupa o seu lugar – são institutos com afinidade, mas que não se confundem. No entanto, a cessão do crédito só pode ser feita se o crédito não tiver ainda sido pago. Não há como transferir o que já não mais se dispõe, o que não mais existe. A cessão do crédito depois do seu pagamento traduziria até mesmo um ilícito penal. O crédito já pode estar vencido, isso não impede a sua cessão, mas desde que ainda não tenha sido pago.

A subrogação é a conseqüência jurídica de um pagamento, que foi feito por um terceiro, que não é o devedor original, como, por exemplo, a dívida paga pelo fiador. O fiador, ao pagar a dívida, se subroga no crédito e nos demais direitos do credor. Não é cessão do crédito, o que houve foi uma subrogação que o fiador, como terceiro interessado, realizou.

Conclusão: a cessão do crédito, obrigatoriamente, antecede ao pagamento e a subrogação é subseqüente ao pagamento. A subrogação transfere ao subrogado todos os direitos do credor original.

3) A cessão do crédito, igualmente, não se confunde com a novação. Na cessão do crédito não se extingue a obrigação original para dar lugar a outra, como ocorre na novação, a obrigação é rigorosamente a mesma. Na cessão do crédito presume-se que estão incluídos todos os seus acessórios, como juros vencidos, multas, moratórias e etc. Note-se que nada impede que se ceda o crédito sem os acessórios, mas isso terá que ficar expresso, pois no silencio do título de cessão do crédito presumem-se incluídos os acessórios.

4) Na cessão onerosa do crédito - que é aquela na qual o cessionário paga por esse crédito ao cedente, ou seja, paga uma contraprestação para adquiri-lo -, o cedente responde pela solvência do devedor, pela liquidez do crédito? Ou seja, se o devedor não pagar no vencimento da obrigação, pode o cessionário cobrá-lo do cedente? Em princípio não. O risco da cessão do crédito recai sobre os ombros do cessionário. O cessionário é que deverá examinar as condições de solvência do devedor. O cessionário suporta o prejuízo, ou seja, ficará sem a contra prestação e sem o crédito.

No entanto, com o direito das obrigações é inspirado pela autonomia da vontade, nada impede que o cedente se responsabilize pela solvência, obrigando-se a devolver ao cessionário o que ele pagou pelo crédito, se não conseguir receber. Mas isso tem que vir expresso, porque no silêncio do título de cessão de crédito, o cedente não responde pela solvência.

Isso não quer dizer que o cedente tem responsabilidade. Ele não responde pela solvência, mas responde pela existência do crédito, ou seja, pela certeza deste.

Exemplo: João pagou 8.000,00 a José pelo crédito de 10.000,00 que ele tem contra Pedro. Só que João quando se apresenta a Pedro para receber tem a desagradável surpresa de verificar que Pedro já pagará a José, ou seja, que o crédito já se extinguira ou então que a obrigação já estava prescrita. Em suma, o crédito não mais podia ser reclamado. Ai ele poderá exigir a restituição do que pagou, porque estamos no território da certeza da dívida e não da sua liquidez ou da sua exigibilidade.

Portanto, a responsabilidade do cedente, no silencio do título, fica limitada a existência do crédito. Essa cessão do crédito, normalmente, exige documento escrito, tem que ser expressa, mas há uma cessão tácita, que se dá quando o crédito é apresentado por um título cambial, a simples transferência deste a terceiro importa na cessão do crédito, quando é ao portador. Ou então, pelo endosso, se for nominativo. Não é preciso que se faça um título formal de cessão do crédito, bastando que se faça o endosso ou a sua transferência quando é ao portador.

Mas, normalmente, a cessão se faz por escrito. Note-se que os efeitos do endosso são diferentes dos da cessão do crédito. Mas a transferência por endosso não deixa de ser uma forma de cessão. Endosso é uma figura do direito empresarial, restrita aos títulos de crédito.

A cessão do crédito pode ser total ou parcial. Quando é total, o credor é inteiramente expelido da relação obrigacional, desaparece e em seu lugar fica o cessionário. Já na cessão parcial, o pólo ativo passa a ficar ocupado por 2 pessoas: o cedente, que é o credor original, pelo remanescente do crédito, e o cessionário, pela quantia restante, pelo que lhe foi cedido.

O professor adverte que a solidariedade não se presume e que para se constituir no caso de cessão parcial precisa vir expressa. A regra acima se aplica à cessão onerosa e à gratuita, mas quanto à existência apenas à onerosa, pois na gratuita o cessionário nada pagou.

Assunção da dívida

É quando se transfere a um terceiro a responsabilidade pelo pagamento. Também ocorre uma substituição subjetiva, a divida é transferida a um terceiro, que assume o lugar do devedor original.

Diferença entre cessão do crédito e a assunção da dívida: a cessão do crédito pode ser feita á revelia do devedor, independentemente da sua anuência, pois não lhe causa prejuízo, já a assunção depende da concordância do credor. Assim a assunção, se for realizada à revelia do credor ou contra a sua anuência, será nula, não lhe será oponível. Para o credor continuará como devedor aquele que originalmente figurou na relação obrigacional.

Razões: Não é uma discriminação contra os devedores, ferindo o princípio da isonomia (que não significa tratar a todos

2005 26

Page 27: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

igualmente, mas sim tratar igualmente os que são iguais e desigualmente os que são desiguais). A cessão do crédito não prejudica o devedor e é por isso que não se precisa do seu consentimento. Mas a assunção pode ser uma catástrofe ao devedor, trazendo-lhe um prejuízo irrecuperável, na medida em que o terceiro que assume a dívida pode ter um patrimônio menor do que o do devedor ou simplesmente não ter patrimônio algum.

Após a lex petélia papília é o patrimônio do devedor que garante a realização do crédito. Antes da lex petélia o eixo de garantia recaia sobre o corpo do devedor, que era sacrificado se não pagasse a obrigação. Depois, mitigou-se o sistema e ele se tornava escravo do cr4dor, só recuperando a liberdade quando pagava. Mas a lex petelia acabou com esses sistemas bárbaros e transferiu o eixo do garantia para o patrimônio do devedor. São os bens do devedor que asseguram ao credor a realização do crédito ou o seu ressarcimento. Daí a importância do credor consultar o patrimônio do devedor para saber se lhe convém realizar a obrigação. Há até um brocardo que diz que “enquanto o devedor tiver bens, o credor dorme tranqüilo”.

Também quando se diz que o devedor é solvente é porque ele tem bens de valor superior as suas dívidas. Será insolvente, pois, na situação inversa.

Ora, se o terceiro que assume o lugar do devedor tem um patrimônio menor, ou até nem tem patrimônio positivo, é claro que isso traz ao credor um enorme prejuízo, além de uma grande intranqüilidade, pois até o pagamento ele não dormirá em paz.

Daí a explicação de se exigir a manifestação do credor na assunção da dívida, para que anua ou recuse a cessão do pólo passivo da obrigação.

A assunção da dívidas pode ser feita de 2 maneiras diferentes: pela delegação ou pela expromissão. 99% das assunções de dívida se fazem por delegação. A delegação se caracteriza pela iniciativa do devedor, ou seja, o devedor é quem sai procurando um terceiro que queira assumir a dívida. Encontrando esse terceiro, o apresenta ao credor visando a obter anuência. A iniciativa pela assunção, pois, parte do próprio devedor. O devedor é o delegante, o terceiro é o delegado e o credor é o delegatário, o destinatário dessa delegação.

Já na extromissão a iniciativa é do credor que, percebendo que o devedor está tendo dificuldades para pagar, procura um terceiro que possa substituí-lo. Muita gente estranha que alguém queira assumir uma dívida que não é sua, acreditando muitos alunos que essa hipótese só ocorrerá na doutrina, ou seja, que na vida real não correria nunca.

Há interesse em assumir uma dívida para adquirir o direito correspondente. Exemplo: uma pessoa pode assumir a dívida de um consorciado para ingressar no grupo e depois receber o bem ao qual o consórcio se refere; pode querer assumir a dívida de financiamento para ter o bem a que se refere o mútuo e etc. Assim, são bastante freqüentes as assunções de dívida. A assunção pode ser liberatória ou cumulativa. A liberatória libera o credor original, que é expelido da relação obrigacional,

no seu lugar fica o assuntor. É cumulativa quando o assuntor passa a ser solidário do devedor original, ou seja, se estabelece uma solidariedade legal entre o credor original e o terceiro assuntor da dívida. O credor sai bastante fortalecido, pois poderá exigir o crédito tanto do devedor original, quanto do assuntor.

O NCC tem 2 dispositivos referentes à assunção da dívida que, numa leitura apressada, parecem contraditórios. Arts. 299 e 303 CC. O artigo 299 estabelece que qualquer interessado na assunção da dívida poderá notificar o credor, concedendo-lhe um prazo, para que manifeste a sua anuência ou a sua recusa. Qualquer interessado = tanto o devedor original quanto o terceiro que quer assumir a dívida. Diz o artigo que no silêncio do credor, presumir-se-á que ele recusou a assunção que, se for feita, não será oponível ao credor. É que o seu silêncio, a sua inércia, valerá como recusa, demonstrando que, em direito, não é válido o adágio popular segundo o qual quem cala, consente. Nesse caso, quem cala, recusa.

Já o artigo 303 já diz que aquele interessa em assumir uma dívida garantida por hipoteca, ou seja, um prédio hipotecado, poderá notificar o credor para que ele diga se concorda com a aludida assunção. Decorridos 30 dias, o silêncio do credor importará em aceitação.

Isso confunde o leigo. Mas não há contradição, na medida em que o artigo 299 está se referindo a um crédito quirografário, ou seja, que não tem garantia real. Se não tem garantia real, a única garantia do credor é representada pelo patrimônio do devedor. Assim, como conseqüência, a substituição do devedor por um terceiro é, em princípio, perigosa para o devedor e, portanto, diante do seu silêncio é mais prudente interpretá-lo como recusa. No crédito quirografário, se o terceiro que assumiu tem patrimônio menor ou não tem patrimônio, o seu prejuízo é bem maior.

Já no artigo 303 fica claro que está havendo menção a um crédito hipotecário, ou seja, um crédito com garantido por um direito real de hipoteca. E os direitos reais, como todos sabem são dotados de seqüela, eles aderem à coisa, que é o objeto da garantia. Conseqüentemente, havendo uma hipoteca, a garantia do credor está muito mais representada pelo imóvel hipotecado, do que pela figura do devedor. Assim, a substituição do devedor por outro não é tão nociva ao credor, pois a sua garantia continuará a mesma. O credor poderá excutir o imóvel hipotecado, mesmo contra o terceiro que assumiu a dívida.

Se não há um prejuízo evidente ao credor, é melhor presumir o silêncio como anuência. Vejam que não há qualquer contradição entre os dispositivos, a partir do momento em que se percebe que referem-se a situações diferentes.

Pagamento das obrigações

Na acepção popular, o pagamento está sempre ligado à idéia de obrigações pecuniárias, na entrega de uma quantidade de dinheiro ao credor. Portanto, pagamento é quase sinônimo de preço. Ora, isso só se permite aos leigos. Nós todos sabemos que o conceito jurídico de pagamento é mais amplo. Pagamento significa entrega da prestação, seja ela qual for,

2005 27

Page 28: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

ao credor. Ou, em outras palavras, pagamento significa satisfazer o interesse econômico do devedor.

Se a obrigação é de dar, como por exemplo a entrega de um cavalo, quando o devedor entrega ao credor o semovente, estará pagando a obrigação. Se a obrigação é de fazer, quando o devedor realizar o serviço estará pagando a obrigação. Se a obrigação é pecuniária, ai sim, por simples coincidência, quando o devedor entregar ao credor o dinheiro correspondente à obrigação, estará pagando a mesma. Se a obrigação é negativa como, por exemplo, não revelar o segredo do cliente, quando o advogado fica calado está cumprindo a obrigação.

O pagamento é o modo pelo qual uma obrigação se extingue.

Alguns autores, percebendo esse costume popular de associar o pagamento das obrigações à entrega de dinheiro, sugerem outras denominações para o instituto. Alguns falam em adimplemento e inadimplemento. Adimplir a obrigação seria, portanto, pagá-la. O professor não vê a menor possibilidade desse termo ser absorvido pelo povo, pelo brasileiro médio. Outros falam em implementar, que apresenta a mesma dificuldade. Fala-se também em solver (da palavra solutio, que, em Roma, significava o pagamento da obrigação), em execução.

Por isso, o NCC mantém a palavra pagamento, pouco importando que o leigo associe à obrigação pecuniária. O professor ANTUNES VARELA - que é catedrático de direito civil na Universidade de Lisboa, sendo o “papa” das obrigações -, tem uma idéia criativa, propondo que para as obrigações pecuniárias se utilize o termo pagamento e para as demais, cumprimento.

O CC de 16 e o NCC usam tradicionalmente o termo pagamento. Muito mais importante do que saber o significado da palavra pagamento é compreender as suas conseqüências e a sua natureza jurídica.

Natureza jurídica: para uns, o pagamento é mero fato jurídico, para outros é um ato jurídico e, ainda, para outros é um negócio jurídico.

CAPANEMA entende que o pagamento tem natureza negocial, pois, para que se realize, é preciso a cooperação, o consenso de vontades tanto do devedor, quanto do credor. O devedor não conseguirá pagar diretamente se o credor não se dispuser a receber a prestação, terá que recorrer ao judiciário para pagar. Da mesma maneira, o credor não conseguirá realizar o seu crédito se o devedor não quiser pagá-lo, terá que movimentar o aparelho do Estado para compelir o devedor a lhe pagar. Portanto, para que haja o pagamento voluntário da obrigação, é preciso que tanto o credor, como o devedor cooperem. O devedor entregando voluntariamente a prestação e o credor recebendo-a.

Efeito: extinguir a obrigação, rompe o vínculo, exonerando o devedor. O pagamento é a morte natural da obrigação.

O pagamento não é apenas um dever do devedor, sendo também um direito do credor. É um desses negócios que constituem um dever-direito. O devedor tem direito ao pagamento, pois, somente por meio deste, ele se exonera. Se

assim não fosse, poderia ficar preso ao credor ad eternum. E tanto é assim que há ação própria para que o devedor exerça esse direito no caso de recusa imotivada do devedor, que é a consignação em pagamento. Se o pagamento não fosse um direito do devedor, ele não teria a seu dispor a ação consignatória. A cada direito direito corresponde uma ação que o assegura.

O credor tem direito subjetivo à prestação e é por isso que pode compelir o devedor a lhe pagar e tem o dever de recebê-la, só podendo recusá-la por justo motivo (exemplo: a prestação é insuficiente ou diferente da avençada, a prestação foi oferecida em lugar diverso da acordada).

Quando a prestação é entregue ao credor na forma, no lugar e no prazo avençado, esse pagamento se chama direto. Pagamento direto é quando o devedor, voluntariamente, entrega ao credor a prestação, na forma, no lugar e no prazo avençados. Esse é o ideal social, só que inatingível, utópico. Sempre haverá um nível de inadimplência.

Como nem sempre o devedor pode pagar diretamente, até mesmo por circunstâncias alheias a sua vontade, e como o pagamento interessa à sociedade, o Código cria formas alternativas de pagar, são os chamados pagamentos indiretos.

Pagamentos indiretos: pagamento por consignação, pagamento com subrogação, imputação do pagamento, dação em pagamento, pagamento por compensação – todas essas formas satisfazem o interesse econômico do credor, apesar de não ser feito rigorosamente na forma avençada inicialmente.

Interesse do legislador em criar várias formas de pagamento: o pagamento interessa a toda à sociedade e não apenas ao credor. O não pagamento da obrigação é um ato antijurídico, que viola a norma maior do equilíbrio social que é o pacta sun servanda. Todo ato antijurídico gera insegurança social, intranqüilidade, turbulência. O equilíbrio social e a segurança das relações jurídicas exigem que os devedores paguem as obrigações que, quando não pagas, intranquilizam a sociedade. A maior prova disso é que todo Governo fica preocupado quando percebe que o nível de inadimplência aumentou. Não precisa ser sociólogo para saber que um dos aferidores mais precisos de doença social é o nível de inadimplência das obrigações. Toda sociedade que tem o nível de inadimplência alto é uma sociedade em crise (seja econômica, moral ou política).

É por isso que o pagamento importa ao credor e a sociedade. Também é por isso que o Estado se coloca ao lado do credor inadimplido, para fornecer-lhes todo o instrumental necessário para realizar o crédito. O Estado mantém todo o Poder Judiciário para permitir aos credores a realização dos seus créditos. Assim, o Estado substitui o credor para compelir o devedor a pagar, já que o credor não pode fazer justiça com as próprias mãos. É um Estado que expropria dos bens do devedor, que praceia os bens do devedor, é o Estado que recebe o crédito, transferindo-lhe ao credor.

O Estado age de duas maneiras diferentes para incentivar o pagamento das obrigações. Num primeiro momento, afaga o devedor, criando uma série de regras que tornam o pagamento menos oneroso para ele (essa é a regra de ouro das obrigações). Se o devedor não aproveita essas facilidades

2005 28

Page 29: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

que o Estado lhe confere, efetuando o pagamento, ai o Estado muda a política, estabelecendo pesadas sanções que recairão sobre o inadimplente. Tudo isso demonstra o interesse social no pagamento das obrigações.

Por isso Kelzen, ao criar sua teoria pura, ao estabelecer a pirâmide de normatividade, sustentou que no seu ápice estaria a norma pacta sun servanda. Ou seja, a norma que asseguraria o equilíbrio social seria o pacta sun servanda.

Pagamento direto: é a entrega voluntária da prestação ao credor na forma, lugar e prazo estabelecidos. Para exonerar o devedor, terá que atender a requisitos subjetivos e objetivos. Requisitos subjetivos: credor: quem pode receber, quem pode dar quitação, quem pode exonerar o devedor, a quem se deve pagar? Devedor: quem pode pagar? quem pode compelir o credor a receber a prestação? quem pode ser atacado pelo credor? Isso tudo está ligado à legitimidade para pagar, que é requisito subjetivo do pagamento.

Requisitos objetivos: dizem respeito à forma, à quitação (e seus requisitos formais), ao lugar (observe-se que o credor poderá recusar a prestação sob o argumento de que está sendo oferecida em lugar diverso do acordado) e ao tempo do pagamento. O credor não pode exigir a prestação antes do vencimento em princípio – há exceções. Da mesma maneira, o devedor não pode compelir o credor a receber após o vencimento.

Aula do dia 4.4.20058ª aula

Pagamento

Pode ser direto e indireto. Para que produza os seus efeitos liberatórios, mister se faz a presença de alguns requisitos de ordem subjetiva e objetiva.

Subjetivos: referem-se aos sujeitos da obrigação, a quem tem legitimidade para receber e para pagar. O pagamento só liberará o devedor se for feito a que tiver legitimidade para receber e por quem tiver legitimidade para pagar.

Os elementos objetivos dizem respeito à forma, à prova, o lugar e o tempo do pagamento. Mister será a análise desses requisitos, ou seja, verificar se a prestação era exatamente a avençada, se houve prova do pagamento (pois, sem esta não se liberará o devedor). Depois é preciso verificar se o pagamento foi realizado no lugar avençado e, finalmente, se foi feito no tempo devido.

Se todos esses requisitos estiverem satisfeitos, o pagamento produzirá o chamado efeito liberatório do devedor, extinguindo a obrigação.

Elementos Subjetivos

1) Legitimidade para receber a prestação, para compelir o devedor a pagar: numa resposta bastante simplista, poder-se-ia falar no credor, aquele que figura no pólo ativo da

obrigação. O leque da legitimidade para receber, porém, é muito mais amplo.

Outros legitimados:

a) os herdeiros do credor, porque o crédito se transfere a eles pela morte do credor, salvo nas raras hipóteses dos créditos personalíssimos, em que somente a pessoa do credor poderá reclamar. A doutrina, por exemplo, entende que o crédito decorrer do dano moral é personalíssimo, ou seja, só a vítima do dano moral poderia reclamar o seu pagamento. A jurisprudência mais moderna, porém, já admite a sua transferência. Mas, como regra geral, o crédito também patrimonial integra o acervo hereditário, transferindo-se aos herdeiros a título universal, de modo que esses herdeiros estarão legitimados a receber o pagamento e dar quitação.

b) o legatário do crédito. O crédito pode ser perfeitamente objeto de um legado, ou seja, o credor, em testamento, lega o seu crédito a terceiro, que é o legatário. Assim, nessa condição, após a morte do credor, estará legitimado para recebê-lo e dar quitação, bem como para ajuizar ação de cobrança.

Note-se que nessas duas hipóteses a transmissão do crédito se deu causa mortis. Mas também pode se dar por ato inter vivos.

c) cessão do crédito: o cessionário (e seus herdeiros) estará autorizado a receber e não mais o credor original.

d) o co-credor (e seus herdeiros) de uma obrigação solidária ou indivisível também estará legitimado para receber a prestação integral e não apenas o seu quinhão, podendo, ainda, compelir o devedor a pagar.

e) o representante legal do credor, quando ele é incapaz. Se o credor é menor de idade = pai ou tutor. Se tratar-se de pessoa sem discernimento = curador (desde que decorrente de deficiência ou doença mental).

f) o representante convencional do credor, ou seja, o seu mandatário/procurador. Mister se faz que esses poderes estejam expressos no mandato, pois o poder de receber e dar quitação não se encontra incluído nas cláusulas ad judicia ou ad negocia. Assim, desde que o mandatário tenha recebido os poderes do credor, estará autorizado a dar quitação.

g) o mero portador da quitação presume-se autorizado a receber a prestação. Não é preciso outorgar mandato a alguém para que receba pelo credor a prestação, basta a entrega da quitação para que o terceiro possa receber a prestação e liberar o devedor. Claro que essa presunção é relativa, se o devedor tiver justas razões para duvidar que essa quitação esteja irregularmente em mãos do portador, poderá reter o pagamento. Note-se que é preciso justa razão para desconfiar do portador da quitação. Por outro lado, o credor somente entrega a quitação para que outra pessoa receba o pagamento se tiver confiança absoluta nesse terceiro.

Para que o pagamento tenha efeito liberatório é preciso que seja feito ao credor legítimo ou a quem o represente regularmente. O pagamento feito a quem não é o credor ou a

2005 29

Page 30: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

quem não o represente não produzira efeito liberatório. O credor terá pago e “quem paga mal paga duas vezes”.

* Só há uma única hipótese em que o pagamento é feito a quem não é o credor ou a quem não o representa e, ainda assim, é válido, liberando o devedor. É o pagamento a credor putativo, ou seja, aquele em que qualquer pessoa normal, nas mesmas condições do devedor, suporia ser o credor legítimo. O devedor pensa que aquele é o seu credor e o erro cometido por ele, diante das circunstâncias, é escusável, desculpável, pois qualquer outra pessoa cometeria esse erro. O juiz terá que analisar a escusabilidade do erro praticado pelo devedor (“até eu teria feito esse pagamento supondo tratar-se do meu credor?”).

Exemplos da doutrina:

a) credor que tem um irmão gêmeo e esse irmão se apresenta perante o devedor fazendo se passar pelo seu credor. O devedor, ignorando que o credor tem um irmão gêmeo, faz o pagamento. Portanto, pagou a quem não era o seu credor, porém qualquer pessoa, nas mesmas circunstâncias, faria o mesmo. Ninguém quando se obriga tem o cuidado de examinar se o credor tem um irmão gêmeo.

b) o credor paga ao credor original antes de saber que o crédito havia sido cedido a terceiro. O devedor não é adivinho, se a cessão não foi comunicada e ele pagou ao cedente, pagou bem, pagou a credor putativo, qualquer pessoa suporia estar pagando ao credor legítimo.

c) alguém que paga ao suposto mandatário do credor, que exibe instrumento público, com toda aparência de autenticidade, com papel timbrado do cartório, carimbo e assinatura, que depois se descobre falso. A falsificação era hábil, não perceptível no exame comum.

Em todos os exemplos, qualquer pessoa faria esse pagamento, na certeza de que estaria pagamento bem, ao verdadeiro credor ou ao seu representante.

O juiz verifica cada hipótese de acordo com as circunstâncias de cada pessoa e não de acordo com o homem-médio. Leva em conta a sua condição intelectual, a experiência profissional e a escusabilidade do erro considerando essas qualificações pessoas do devedor.

O devedor, nesses casos, pagou a quem não era o credor e, ainda assim, estará liberado, ou seja, não precisará pagar outra vez. O credor putativo recebeu prestação que não lhe era devida. O credor legítimo, então, terá ação de regresso contra o credor putativo para reclamar dele a prestação que lhe foi indevidamente paga.

O direito não poderia chancelar uma hipótese imoral dessas, que traduziria enriquecimento sem causa. É claro que caberá ao juiz, segundo o seu prudente arbítrio e sua experiência de vida, definir se a hipótese é, ou não, de credor putativo. O CC não poderia ser casuísta, elencando todas as hipóteses de credor putativo. Só o juiz, diante do caso concreto, poderá decidir, analisando se o erro do devedor era justificável. Caso afirmativo, o pagamento estará perfeito; caso não, entendendo que o devedor foi imprudente, negligente, pois era possível

perceber o problema se tivesse mais cautela, afastará a hipótese de credor putativo.

Muita gente pensa que basta examinar a legitimidade do accipiens (=aquele que recebe a prestação), mas nem sempre esse é credor. Exemplo: representante do credor, ao receber a prestação, é o accipiens, mas não é o seu credor. Accipiens é quem recebe, não é sinônimo de credor. Na maioria das vezes, o accipiens é o credor, mas também pode não ser. Então, muita gente pensa que para que o pagamento seja eficaz basta examinar a legitimidade do accipiens, daquele que se apresenta para receber. Mas há um outro requisito, pois é possível pagar nas mãos do credor legítimo e pagar mal, tendo que repetir o pagamento.

Reparem que a situação é inversa a do credor putativo (paga-se a quem não é o credor e se está liberado). Aqui se paga a quem é o credor e não se está liberado. Isso se dá quando o crédito já não está mais disponível para o credor. Assim, o 2º requisito para a eficácia do pagamento é a disponibilidade do crédito para o credor.

Exemplo: o crédito foi penhorado por um credor do credor do devedor e a penhora desse crédito lhe foi comunicada. O devedor teve ciência de que o crédito foi objeto de uma constrição judicial, de uma penhora, de um arresto ou de um seqüestro, por exemplo. A partir daí, se o devedor entregar a prestação ao credor, terá pago mal. Reparem que a prestação estará sendo entregue diretamente ao credor, mas o pagamento é ineficaz, pois o credor já não podia receber, na medida em que o crédito estava constrito. É evidente que se o devedor pagou antes de tomar ciência da penhora, é a hipótese do credor putativo, o devedor não é adivinho. Mas se o devedor tomou ciência da penhora, não mais poderá entregar a prestação ao seu credor, tendo que depositá-la a disposição do juízo de onde emanou a penhora ou a constrição. Terá que se dirigir ao juízo da penhora do crédito e ali depositar a prestação.

Requisitos do credor = legitimidade e a disponibilidade do crédito para o accipiens.

2) Legitimidade para pagar, para depositar a prestação, quem pode ser compelido pelo credor a pagar. Também numa resposta muito simplista se diria que é o devedor principal/direto, que figura no pólo passivo da obrigação. Diante de uma injusta recusa do credor em receber ou de um obstáculo que não seja imputado ao devedor para fazer o pagamento direto, poderá este consignar a prestação. Em princípio, a ação do credor para realizar o seu crédito será dirigida contra o devedor direto.

Mas, a rigor, qualquer um poderá pagar. Hipóteses:

a) os herdeiros do devedor podem ser compelidos pelo credor, assim como podem compelir o credor a receber. O débito, tal como o crédito, também se transfere na herança, aplicando-se o chamado benefício de inventário, ou seja, os herdeiros só responderão pelos débitos nas forças da herança. O que ultrapassar o valor da herança, o herdeiro não pagará. Entretanto, até os seus limites, os herdeiros, não só podem ser compelidos pelo credor a pagar, como podem consignar a prestação, se o credor se recusar, injustamente, a recebê-la.

2005 30

Page 31: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

b) o terceiro que pagou a dívida, é o chamado assuntor da dívida. Também poderá pagá-la e compelir o credor a receber.

c) co-devedor de uma obrigação indivisível ou solidária passiva também poderá pagar a prestação integral, para depois regredir contra os demais devedores. d) o chamado terceiro interessado, ou seja, aquele que não é o devedor direto, mas que pode ser alcançado pela execução do credor. Nada deve ao credor, mas este pode exigir dele o pagamento. É o caso típico do fiador, do avalista. É o chamado devedor garante. É terceiro interessado, pois tem interesse jurídico no pagamento, na medida em que sabe que se o pagamento não ocorrer, poderá ser alvo de uma execução e ter o seu nome inscrito nos cadastros restritivos de débito. O interesse do terceiro nesse pagamento, pois, é evitar a execução do credor; paga no interesse próprio e não no interesse exclusivo do devedor.

Conseqüência jurídica do pagamento por terceiro interessado: o terceiro interessado subroga-se, automaticamente, nos direitos do credor. A subrogação decorre da lei, independe da vontade das partes. O simples fato do fiador ou do avalista pagarem, já o tornam subrogados, ainda que o credor original nada diga a respeito. A subrogação é uma completa substituição subjetiva, ou seja, o credor original é expelido da relação obrigacional e no seu lugar, com todos os seus direitos e garantias subsidiárias, ficará o terceiro interessado que pagou. O terceiro interessado, subrogado nos direitos do credor, poderá propor contra o devedor todas as ações que o credor original poderia.

Vamos imaginar que além do fiador, o devedor tenha oferecido ao credor uma garantia real, representada por uma hipoteca, que recaia sobre um imóvel seu. Teremos uma obrigação com dupla garantia: uma pessoal – representada pelo fiador -, e uma real – representada pela hipoteca sobre um imóvel do devedor. O devedor não paga e o fiador, temeroso de ser acionado, efetua o pagamento ao credor. No dia seguinte, esse fiador poderá dar início à execução hipotecária, pois aquela hipoteca feita ao credor, transfere-se automaticamente ao subrogado. Então, o subrogado poderá excutir o bem hipotecado, promovendo a sua alienação judicial. Poderá se valer de uma ação de execução ou de cobrança, se não for título executivo.

A regra visa a permitir ao terceiro interessado recuperar, com maior eficiência, o que pagou para exonerar o devedor. Esse pagamento não traduz novação, embora o credor seja substituído pelo subrogado, não é uma nova obrigação que surge, a obrigação é rigorosamente a mesma. Muita gente pensa que pelo fato de o credor original ter sido substituído pelo terceiro interessado teria ocorrido uma novação. A obrigação não se extinguiu, pois feita por terceiro interessado. Logo, se a obrigação não se extinguiu, não há de se falar em novação. Vejam que é uma hipótese interessante em que se efetua o pagamento e, mesmo assim, a obrigação não se extingue. É uma exceção à regra geral de que o pagamento extingue a obrigação. Desse modo, o pagamento feito por terceiro interessado não extingue a obrigação, apenas substitui o credor.

O credor é expelido da relação, pois recebeu o pagamento, não há porque continuar integrando a relação. O devedor não pode ser opor ao pagamento feito por terceiro interessado,

nem impedir o credor de receber dele. O terceiro interessado paga em nome próprio, no seu próprio interesse. Poderá consignar a prestação, se o credor a recusar sem justa razão. Vai propor a consignação em nome próprio. A lei lhe confere legitimidade ad causam e ad processum para consignar a prestação, se o credor, imotivadamente, a recusar.

Da mesma maneira, o credor poderá exercer a sua pretensão em face do terceiro interessado. Os herdeiros do fiador também podem compelir o credor a receber ou podem ser acionados pelo credor, mas só pelas obrigações vencidas até a morte do fiador, pois a fiança não se transfere aos herdeiros. Os herdeiros, igualmente, poderão consignar a prestação, respeitadas as forças da herança.

* controvérsia do NCC: pelo artigo 1700 “a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros”. Realizando uma interpretação literal, os herdeiros do devedor de alimentos ficariam indefinidamente devendo, substituindo, mas, a interpretação teleológica, que CAPANEMA acredita que vai prevalecer, responderiam apenas pelas prestações já vencidas até a morte do devedor de alimentos. O que não impede que o credor de alimentos, dependendo da relação de parentesco, possa deduzir novo pedido contra os herdeiros.

e) o terceiro não interessado também tem legitimidade para pagar, por isso CAPANEMA disse que, a rigor, qualquer um pode pagar. Terceiro não interessado = não é o devedor direto, nem pode ser alcançado pela execução do credor, mas, ainda assim quer pagar. Note-se que o terceiro não interessado não tem interesse jurídico no pagamento. O credor não tem nenhuma ação contra ele, ele não integra a obrigação, não garante o pagamento, mas, ainda assim, quer pagar.

A lei autoriza esse pagamento porque há um interesse social muito grande no adimplemento das obrigações. O pagamento não interessa só ao credor, mas a sociedade como um todo. Seria um contra-senso dificultar o pagamento, impedir alguém de pagar. Para o credor tanto faz quem efetua o pagamento.

Por outro lado, o pagamento por terceiro não interessado pode criar uma certa turbulência social. É da natureza humana não gostar que estranhos se metem em seus negócios. Muitas vezes o devedor fica mais indignado com o terceiro não interessado que pagou do que com o devedor. O legislador, diante desse dilema (devo, ou não, permitir o pagamento por terceiro não interessado, em razão desses conflitos inerentes à natureza humana?), com base no princípio da ponderação dos interesses em conflito, entendeu que deveria prevalecer o interesse social, autorizando o pagamento realizado por terceiro não interessado.

Numa solução muito hábil e inteligente, se o legislador não proíbe que o terceiro não interessado pague, por outro lado também não o incentiva, na medida em que não lhe dá as mesmas garantias e privilégios conferidas ao terceiro interessado. Muitas vezes diante disso o terceiro não interessado desiste de pagar, pois sabe que não contará com a mesma proteção da lei.

O professor sublinha que os alunos ficam perplexos com essa possibilidade de pagamento por terceiro não interessado, acreditando que não passa de uma hipótese teórica, sem

2005 31

Page 32: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

nenhuma aplicação prática. Acham que só um débil mental pagaria sem ter o dever jurídico ou um pródigo que quer se desfazer dos seus bens. O pagamento por terceiro não interessado, porém, segundo CAPANEMA, é muito freqüente, mais comum até do que o pagamento feito por terceiro interessado, pois hoje as pessoas resistem a ser fiadoras, avalistas. Várias causas podem levar alguém a pagar por uma obrigação com a qual não tenha nada a ver. A primeira delas é o amor (amor entre um homem e uma mulher, amor dos pais pelos filhos). Pode-se pagar também para ficar em uma situação de ascendência moral sobre o devedor (a pessoa que teve a dívida paga fica constrangida em negar um favor à pessoa que pagou).

O terceiro interessado, como já salientado, paga em nome próprio, pois tem interesse próprio no pagamento. Já o terceiro não interessado, que não tem nenhum interesse jurídico no pagamento, pode pagar de 2 (duas) formas diferentes:

1ª) paga tem nome do devedor ou, como diz o CC, “por conta do devedor”. É como se o terceiro fosse apenas um intermediário, que estive levando a prestação.

2ª) pode pagar em nome próprio. Fica constando no recibo que foi o terceiro que efetuou o pagamento.

Conseqüências:

- se o pagamento é feito por terceiro não interessado em nome do devedor, o terceiro não tem qualquer ação ou medida judicial/extrajudicial para recuperar o que pagou. Não há ação de regresso ou subrogação. O devedor só lhe pagará por um imperativo de consciência. É como se fosse uma obrigação natural. Razão do legislador: o gesto de pagamento é uma liberalidade, equivalente a uma doação. Quem faz uma liberalidade, não pode pretender recuperá-la.

Frise-se que esse terceiro pode consignar a prestação, se o credor se recusar a recebê-la. A recusa do credor é mero capricho, que prejuízo esse pagamento poderá lhe causar, se é realizado em nome do devedor, é como se o próprio devedor estivesse pagando. O terceiro não interessado ingressa em juízo em nome próprio, mas para defender interesse alheio, é um caso típico de legitimação extraordinária. Ao pagar em nome próprio, terá direito de regresso para recuperar o que pagou, mas não se subrogará automaticamente. Essa é a diferença para a consignação feita por terceiro interessado, em que ocorre a subrogação automática.

OBS: CAPANEMA adverte que muitos advogados, lamentavelmente, confundem subrogação com direito de regresso. É evidente que havendo subrogação, caberá ação de regresso. Mas pode haver ação de regresso sem ocorrer subrogação. Exemplo: obrigação apenas garantida por hipoteca e o amigo do devedor paga em nome próprio. Ele não poderá no dia seguinte executar a hipoteca, pois não se subroga nos direitos do credor, apenas poderá mover contra o devedor uma ação de regresso. Poderá até penhorar o imóvel, com qualquer credor quirografário, mas não poderá hipotecá-lo.

Conclusão: não há subrogação legal, automática, em favor do terceiro não interessado que paga em nome próprio, embora tenha ele ação de regresso. Mas pode se subrogar

convencionalmente, ou seja, nada impede que esse terceiro não interessado peça ao credor que o subrogue em seus direitos e também nada impede que o credor o faça. Note-se que a subrogação será convencional, dependerá da vontade do credor. O credor não pode ser compelido a subrogar esse terceiro.

Observe-se que o terceiro não interessado que paga em nome do devedor pode consignar a prestação. Mas o terceiro não interessado que paga em nome próprio, embora tenha ação de regresso, não pode. O professor adverte que esse ponto cai muito em prova. Ai, a recusa do credor é justa. O credor não pode ser obrigação a receber uma prestação de um terceiro não interessado que quer o recibo em seu próprio nome, pois isso pode constrangê-lo. O credor tem o direito de não querer se vincular a esse terceiro. Daí porque lhe falta legitimidade para consignar o pagamento.

*** O devedor pode se opor ao pagamento por terceiro não interessado? O código passado dizia que o devedor podia se opor ao pagamento feito por terceiro não interessado se tivesse “justos motivos”, ou seja, tinha que deduzir razões justificáveis para não querer que o terceiro pagasse a sua obrigação. Exemplo: esse terceiro é meu inimigo, quer pagar para me constranger. Cabia ao juiz decidir se as razões invocadas pelo devedor seriam justas ou não.

NCC: limita-se a dizer que se o pagamento foi feito contra a vontade do devedor, ele não está obrigado a ressarcir o terceiro não interessado que efetuou o pagamento, não precisando deduzir as causas da oposição. O NCC omitiu a referência aos “justos motivos”.

CAPANEMA, no entanto, adverte que esse dispositivo é de pouco interesse prático, pois para funcionar o devedor teria que se antecipar ao pagamento. O devedor, ad cautelam, teria que avisar ao credor para não receber de fulano, beltrano e ciclano, o que, na prática, é muito difícil de ocorrer. E se o credor ainda não tomou ciência da oposição do devedor, tem todo o direito de receber. Portanto, esse dispositivo que condiciona o pagamento por terceiro não interessado à falta de oposição do devedor, ou seja, que permite ao devedor opor-se ao pagamento por terceiro não interessado é de pouco interesse prático.

***NCC: o devedor pode se opor a ressarcir o terceiro não interessado se tiver meios de provar que poderia ilidir a cobrança do credor. Vamos imaginar que o devedor tivesse uma compensação a fazer com o seu credor. Um terceiro não interessado paga em nome próprio a obrigação e depois regride contra o devedor. O devedor poderá se recusar ao pagamento, sob o argumento de que teria uma compensação a ser oposta ao credor e não precisaria pagar nada.

Vamos imaginar que o devedor já tivesse a quitação, já tivesse pago ao credor e o terceiro, não sabendo, paga de novo e o devedor recebe. Quando o terceiro não interessado regredir contra o devedor, esse dirá “não lhe pago nem um centavo”. O devedor poderia argüir também a prescrição para não pagar a obrigação, assim, se o terceiro não interessado efetuou o pagamento, paciência.

Esse dispositivo não existia no CC passado.

2005 32

Page 33: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

Vejam que o tratamento legal é diferente em relação ao terceiro interessado e em relação ao terceiro não interessado que paga em nome próprio ou em nome do devedor. Por isso esse ponto cai muito em prova, sendo necessário saber cada dessas hipóteses, pois as conseqüências jurídicas são distintas.

***Poderá o devedor se opor ao pagamento feito por terceiro interessado? Poderá se antecipar e dizer ao credor para não receber do seu fiador, por exemplo? CAPANEMA diz que não, pois há interesse próprio no pagamento, ele paga em nome próprio. O fiador não pode ser inibido de pagar, pois se sujeita à execução do credor; ele tem interesse jurídico no pagamento. A oposição do devedor só pode se referir ao terceiro não interessado.

Requisitos objetivos

Dizem respeito à prestação e à prova do pagamento.

Sobre a prestação, a primeira regra, a regra de ouro, é a de que o credor não pode ser compelido a receber prestação diversa, ainda que mais valiosa. Será justa a recusa do credor, se a prestação que lhe é oferecida não é aquela prevista no título. Conseqüentemente, o devedor não poderá consignar prestação diversa, ainda que mais valiosa.

O credor não precisa sequer aduzir uma razão para recusar prestação que não é aquela que consta no título. É evidente que nada impede que o credor aceite. Ele só não pode é ser compelido a aceitar.

Segunda regra: o credor também não pode ser compelido a receber em partes, se assim não se ajustou previamente. A presunção é de que a prestação terá que ser paga por inteiro. Nas obrigações simples, em que só há um devedor ou um credor, a presunção é de que ela é indivisível, não se podendo compelir o credor a receber parceladamente, se isso não foi ajustado.

Prova do pagamento: é a quitação; é o direito do devedor de receber do credor a quitação. O devedor poderá reter o pagamento, se o credor se recusar a lhe dar a quitação. O credor poderá consignar a prestação em juízo diante da recusa do credor em lhe fornecer a quitação.

Quitação = recibo.

O devedor que paga sem receber a quitação está pagando mal e pode ser condenado a pagar de novo. Por outro lado, a quitação é um dever do credor, não é um favor, o devedor não precisa pedir a quitação, ele a exige. Dar a quitação é dever jurídico do credor. O Brasileiro, as vezes, fica constrangido a pedir a quitação do credor, ele acha que isso é um gesto de má educação, pois parece que está desconfiando do credor. Isso é um absurdo, ninguém pode ficar constrangido por exercer um direito legítimo.

A prova do pagamento incumbe ao devedor e ele só vai poder se libertar desse ônus exibindo a quitação, cabendo frisar que nas obrigações de valor superior a 10 salários mínimos não se admite a prova testemunhal como prova do pagamento. Não adianta juntar testemunhos de pessoas respeitáveis.

Nas obrigações inferiores a esse valor, pode-se admitir a prova testemunhal como prova complementar, ou seja, não se admite a prova do pagamento com base exclusivamente em testemunhos. Exemplo: testemunha diz que assistiu o devedor entregar ao credor o cheque referente ao pagamento, se lembrando que o cheque é do banco X no valor de Y. O juiz oficia o referido banco, que responde que naquele dia, na conta do credor, ingressou um cheque em nome de fulano. Com a testemunha e essa prova testemunhal vinda do banco depositário, o juiz considerará o pagamento, embora não haja uma quitação formal do devedor. Note-se que a prova não foi exclusivamente testemunhal.

Aula do dia 11.4.20059ª aula

Prova do pagamento

Regras da prestação:

1ª) o credor não pode ser compelido a receber prestação diversa, ainda que ela seja mais valiosa; 2ª) não pode o credor ser compelido a receber em partes, se assim não se ajustou. Quando a obrigação tem um só credor e um só devedor, a regra é a da indivisibilidade, a prestação terá que ser entregue ao credor por inteiro. Para que possa ser parcelada, isso tem que ser previamente ajustado. Quando a obrigação tem mais de um credor ou devedor, a regra geral é oposta, ou seja, pressupõe-se que a obrigação é divisível e só será indivisível se houver solidariedade, combinação no contrato ou na lei. Havendo, pois, multiplicidade subjetiva, a presunção é de que a obrigação seja divisível. É o princípio do concursum partes finduti.

Artigo 315 do CC: é privativo das obrigações pecuniárias, que são aquelas que têm como prestação dinheiro. A regra geral, em se tratando de obrigações pecuniárias, é a de que elas serão pagas no seu vencimento, em moeda corrente, pelo seu valor nominal, salvo as exceções que a seguir examinaremos. Ai se estabelece o princípio do nominalismo, o dinheiro que é objeto da obrigação pecuniária será pago em moeda corrente e pelo valor nela consignado (valor de passe).

Moeda corrente= moeda nacional.

Se a obrigação pecuniária é para ser cumprida no Brasil, veda-se o pagamento em moeda estrangeira, procura-se proteger a moeda nacional, pois isso é importante para a preservação da soberania.

Artigo 316 CC: veio acabar com uma velha polêmica, que durante muito tempo agitou os Tribunais. Diz respeito à chamada cláusula móvel. O CC de 16 era silente quanto essa cláusula. É uma cláusula que estabelece o aumento periódico das prestações, o aumento progressivo. O que é móvel é o valor da prestação, que poderá ser aumentando progressivamente. O valor não é atualizado, há uma diferença entre atualizado/ corrigido e aumentado. A atualização ou correção monetária não representa aumento, mas ao contrário, pois a obrigação corrigida é rigorosamente a mesma, já que a correção se limita a devolver ao conteúdo da obrigação pecuniária o que dela retirou a inflação. Já quando

2005 33

Page 34: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

se fala em aumento progressivo é independente da inflação. O aumento é real, significa um plus, enquanto que a correção não é um plus. Este artigo 316 CC permite este aumento progressivo, que, no passado, era vedado por muitas decisões.

Por que o NCC permitiu esse aumento progressivo, desde que expressamente ajustado entre as partes? Porque isso pode interessar até mesmo ao próprio devedor. Há situações em que o devedor prefere pagar menos no início e mais depois. O devedor pode preferir, ao invés de igualar o valor das prestações, dividi-las com pequenos aumentos periódicos, que podem ser maiores do que a inflação. Essa cláusula foi muito discutia quando aplicada aos contratos de locação. Era muito freqüente que os alugueres fossem estabelecidos em escala móvel. Exemplo: 500 cruzeiros no primeiro mês, 800 no segundo, 1200 nos demais e assim sucessivamente. A maioria dos juízes vedava essa cláusula nas locações, alguns poucos a admitiam por força do princípio da autonomia da vontade.

Não é um perigo autorizar essa cláusula, o credor não pode estabelecer aumentos que inviabilizem o pagamento, que ultrapassem as disponibilidades do devedor? Claro, mas contra essa possibilidade o devedor tem defesa. Em primeiro lugar poderá invocar o artigo 187 do NCC, que trata do abuso do direito. Um aumento exagerado, injustificado poderá perfeitamente traduzir um abuso do direito, um locupletamento do credor. Esses aumentos não ficam, pois, ao arbítrio do credor, eles terão que guardar consonância com o princípio da razoabilidade. Com base nesse princípio o juiz poderá reduzir o aumento.

Isso confirma também como o NCC adota o princípio das chamadas cláusulas gerais, o código não diz qual é o aumento que pode ser ajustado progressivamente, diz “prevendo aumento progressivo”, caberá ao juiz, então, podar os excessos, usando o seu poder discricionário e restaurando o equilíbrio ético e econômico da obrigação.

CAPANEMA se diz favorável a esse artigo, ela acha que a sofisticação da economia moderna, a complexidade cada vez maior dos negócios jurídicos recomenda maior liberdade de negociação, inclusive essa distribuição progressiva dos valores a serem pagos. Reparem que essa cláusula móvel fica a disposição das partes, ela não é obrigatória, a correção monetária é implícita em todo e qualquer negócio jurídico, não precisa sequer expressamente estar prevista. Mas a cláusula móvel tem que ser expressa, não se presume. Também não pode ser imposta pelo credor ao devedor.

** Artigo 317 CC ** é um dos 10 artigos mais importantes do CC, segundo a visão do próprio professor REALI. Esse artigo é paradigmático, muda valores, princípios. Há certos artigos do CC que se chamam programáticos ou paradigmáticos, são artigos principiológicos. Basta ler o seu texto para perceber que ele tem como objetivo temperar o princípio do pacta sun servanda, da imutabilidade das obrigações e dos contratos. Esse princípio no passado era quase absoluto. Depois de estabelecida uma obrigação por um consenso das partes, ela só poderia ser modificada por um novo consenso. Daí o princípio da imutabilidade dos contratos, o contrato era lei entre as partes. Os contratos tinham que ser cumpridos na forma ajustada.

O artigo 317 mitiga essa imutabilidade, não o elimina, pois isso seria uma loucura, o pacta sun servanda continua sendo o pilar de sustentação de toda a teoria das obrigações e dos contratos. No dia em que se eliminar o pacta sun servanda toda a sociedade mergulhará no caos, pois haverá uma absoluta insegurança jurídica, uma instabilidade das relações jurídicas. Mas, por outro lado, esse princípio não pode mais ter a força, quase absoluta, do passado. Esse princípio foi criado há mais de 20 séculos, com outra economia, com outra sociedade. Não é possível manter um princípio imutável por mais de 20 séculos. É preciso adaptá-lo à realidade atual e esse é o objetivo do artigo 317 CC.

Artigo 317: se, no curso do contrato, por um fato imprevisível, ocorrer uma manifesta desproporção entre o valor da prestação desde o momento do seu nascimento ao seu pagamento, qualquer das partes poderá pedir ao juiz que corrija, o quanto possível, o valor real da prestação. Note-se

que o dispositivo alude a uma desproporção manifesta, não há palavras supérfluas na lei, cada palavra tem uma função específica, não se colocou esse manifesta por acaso, é aquela perceptível a olho nu, sem precisar ser um perito, sem precisar ser um economista. Não é qualquer variação suportável, um pouco para mais, um pouco para menos, isso não justificaria romper com o pacta sun servanda.

Só diante de uma desproporção manifesta, ou seja, visível imediatamente, perceptível, acarretando uma lesão econômica grave a qualquer das partes. Olha o princípio das cláusulas abertas, o legislador do passado jamais diria isso, ele estipularia o quantum da desproporção, com palavras do tipo: “uma desproporção de mais de 30%, 40%”. O legislador do passado não dava liberdade do juiz, ele impunha regras ao magistrado, que era apenas a boca da lei. E se a lei dissesse que a desproporção tinha que ser de mais de 30%, o juiz jamais iria corrigir o valor da prestação se a desproporção fosse, por exemplo, de 20%.

Sistema das cláusulas abertas: dá mais liberdade ao juiz para aplicar a lei ao caso concreto.

Observações quanto ao artigo 317 do CC:

1) o dispositivo só poderá ser invocado diante de uma desproporção manifesta entre o valor da prestação no momento em que a obrigação nasceu e no momento em que tiver que ser paga, ou seja, no seu vencimento;

2) a desproporção só autoriza a modificação ou correção do valor se decorrer de um fato imprevisível. Também caberá ao juiz, na experiência comum da vida, decidir se aquele fato, que rompeu o equilíbrio econômico da obrigação, era, ou não, imprevisível. A lei também não dá critérios objetivos para se definir isso, deixa por conta do juiz.

3) a desproporção tem que ser medida entre o momento em que a obrigação nasceu e o momento do pagamento.

4) O CC não diz que o devedor ou o credor poderá pedir, fala apenas em “a parte” (prejudicada). Onde o legislador não distingue, não cabe o intérprete fazê-lo. As obrigações têm 2 partes: a credora e a devedora. Portanto, a faculdade de pedir a correção da obrigação cabe à ambas as partes, pois a desproporção pode prejudicar tanto o devedor, quanto o

2005 34

Page 35: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

credor. A prestação pode ficar defasado, ficar num valor insignificante, muito abaixo do mercado, como também pode se elevar, ficando num valor muito acima.

5) essa modificação não pode ser feita de ofício pelo juiz. O artigo 317 CC fala “poderá o juiz a pedido da parte”. O juiz não pode se antecipar, corrigindo a desproporção manifesta, sem a prévia manifestação de vontade de qualquer das partes. 6) “o juiz corrigirá quanto possível o valor real da prestação”: aumenta a discricionaridade do juiz. Note-se que a lei não se exige que o juiz reconstitua matematicamente o valor da prestação, até porque isso, dependendo do caso concreto, pode resultar injusto, iníquo, excessivamente oneroso. O juiz tem uma enorme liberdade, por isso a lei diz “corrigir o quanto possível”, o juiz tem que usar a sensibilidade como equilibrador econômico da obrigação. Assim, ele pode perceber que uma correção real pode tornar inviável o pagamento e procurar mitigar o prejuízo do credor, aumento um pouco a prestação, mas sem restaurar matematicamente o valor. Por isso é “quanto possível”.

Esse artigo foi redigido tendo em mira o fenômeno da inflação. A sociedade brasileira já esta tão prevenida quanto a esse flagelo econômico e social que é a inflação que se criou esse artigo, pois, normalmente, o que provoca uma desproporção manifesta é a inflação. Não é só a inflação, mas a inspiração desse artigo veio da possibilidade da inflação, que desgasta a moeda.

Mas a inflação é um fato imprevisível? CAPANEMA diz que no Brasil a inflação é o mais previsível de todos os fatos. Então como a parte pode pedir a revisão, a correção do valor da prestação invocando a inflação, se a lei exige que o fato seja imprevisível? Vejam como o jurista sempre arranja uma Interpretação para amoldar a lei ao senso de justiça e interesse social. O STJ elaborou um enunciado especificamente para esse artigo 317 CC, o de nº 17. Diz o enunciado que o juiz poderá corrigir o valor real de um a prestação em razão de um fato previsível, mas cujos efeitos sejam imprevisíveis.

Isso parece, a primeira vista, uma contradição. Como um fato pode ser previsível e os seus efeitos imprevisíveis? É possível prever que o fato acontecerá, mas não poder calcular a extensão dos seus efeitos.

Exemplo: a mudança da política cambial, que promoveu um aumento de quase 100% da noite para o dia do valor das prestações dos contratos de leasing, que estavam atreladas ao dólar. O dólar acompanhava o valor real, era o indexizador da inflação, só subia na mesma proporção da inflação, para manter a quase paridade com o real. O dólar durante muito tempo se manteve quase que no mesmo valor que o real, as vezes até mesmo abaixo.

Note-se que mudar a política cambial não era um fato imprevisível ao homem comum. Nenhuma política econômica é imutável, sendo a essência da economia a sua mutabilidade. Circunstâncias conjunturais ou até internacionais (como ameaça de uma guerra) podem mudar toda a economia de todos os países. Portanto, o homem médio, com o mínimo de inteligência, pode prever que mais cedo ou mais tarde o câmbio deixaria de ser monitorado para flutuar ao sabor da realidade do mercado monetário.

O que não se podia prever é que em razão dessa mudança a cotação do dólar dobrasse em 48 horas. Isso era imprevisível, não havia razão para isso. O dólar estava controlado artificialmente, mas pela inflação que tinha acontecido nesse período, o homem normal poderia imaginar que o dólar aumentaria 20%, 30% em relação ao real, mas jamais 100% em 48 horas. Com isso, as prestações de leasing literalmente dobraram de um mês para o outro. Ocorreu uma manifesta desproporção em razão de um fato previsível, mas cujos efeitos escapavam ao homem médio.

O enunciado 17 dá, pois, ao artigo 317 CC uma interpretação bem mais social. A demora em aprovar o código, de quase 27 anos, fez com que em muitos artigos o código nascesse ultrapassado. O artigo 317 CC adotou a teoria da imprevisão, que é aquela que subordina a revisão dos contratos imprevisibilidade, que será apreciada pelo juiz, seja quanto ao fato, seja quanto aos seus efeitos.

A imprevisibilidade, porém, já está superada. O Código de Defesa do Consumidor está muito a frente do CC, embora seja anterior. Por isso, se diz que o CC, nesse ponto, é um retrocesso. O CDC, no artigo 6º, V, não fala em previsível, fala apenas em fato superveniente, que torna a cláusula excessivamente onerosa para o consumidor. “É direito básico do consumidor a revisão de cláusulas que tenham se tornado por motivo superveniente excessivamente onerosas”.

Logo, embora o CDC seja de 1990. ele está muito mais a frente do NCC, que é de 2003. Isso se dá porque, a rigor, o CC é de 75, muito antes do CDC. Ninguém podia imaginar que o Congresso, que tanto acusado o Judiciário de morosidade, fosse levar 27 anos para apreciar o projeto. Já há um projeto no Congresso para modificar mais de 200 artigos do NCC e um deles é o artigo 317, para retirar a referência a fatos imprevisíveis.

Daí porque o STJ, por meio do enunciado 17, ter conferido interpretação extensiva ao artigo 317 CC. A jurisprudência é quem corrige os rumos distorcidos da lei. O que em 1975 era um grande avanço, em 2003 é um grande atraso.

Muita gente confunde o artigo 317 com o artigo 478 do CC, que trata da resolução dos contratos por onerosidade excessiva. Numa leitura apressada, os artigos parecem iguais, pois aludem a um fato imprevisível que tenha rompido o equilíbrio econômico da obrigação. Ambos prevêem a mitigação do pacta sun servanda. No entanto, o artigo 478 é muito mais amplo do que o artigo 317 do CC. O artigo 478 refere-se a todo contrato que, tornando-se excessivamente oneroso para uma das partes, permite a ela pedir a sua resolução, ou seja, a sua extinção. A parte pedirá que o contrato seja extinto por onerosidade excessiva, libertando-a doa seu cumprimento.

O artigo 478 não poderia jamais falar em anulação do contrato, pois a onerosidade excessiva não é culpa das partes, nem é um vício do contrato, é um fato imprevisível e superveniente, que rompe o equilíbrio do negócio.

Já o artigo 317 está se referindo ao valor de uma obrigação que as partes não querem extinguir, ao contrário, elas querem pagar. O que se pede é a correção do valor real da prestação,

2005 35

Page 36: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

enquanto que no artigo 478 se pede a resolução do contrato. Por isso que CAPANEMA sustenta que o artigo 478 é muito mais amplo. A correção do valor real da prestação no artigo 317 do CC é para viabilizar o pagamento.

Também confundem alguns os artigos 317 e 478 com o 157, que trata da lesão. Isso porque no artigo 157 também se alude a uma desproporção manifesta entre a prestação e a contraprestação. Só que a lesão é antecedente ao contrato, o contrato já nasce viciado. A lesão ocorre quando alguém se aproveita da premente necessidade de outrem ou da sua vulnerabilidade, da sua inexperiência, e lhe impõe uma prestação manifestamente desproporcional à contraprestação. Isso decorre de uma conduta maliciosa de uma das partes e antes da celebração do contrato. Quando há lesão, o contrato já nasce maculado pela lesão, já nasce desproporcional, injusto. Já na onerosidade excessiva, a desproporção é subseqüente ao nascimento do contrato e decorre de uma fato imprevisível e superveniente e não de uma conduta maliciosa de uma das partes. Não há que se falar em dolo, malícia e em aproveitamento de uma parte sobre a outra.

Por isso mesmo, a lesão é considerada um defeito do contrato, um vício de vontade. A vontade só foi emitida por causa da conduta maliciosa da outra parte, que se aproveitou da sua inexperiência, da sua necessidade. Então, a lesão provoca a anulação do contrato, como qualquer vício. Vício é sinônimo de defeito. O contrato já nasce com defeito, defeito de vontade.

Artigo 478 CC: não se fala em anulação do contrato, mas sim em sua resolução, que é coisa completamente diferente. Não há culpa, nem dolo de qualquer das partes. O contrato nasceu justo, equilibrado, sem que qualquer uma das partes quisesse de aproveitar da outra. O desequilíbrio é superveniente, por fato extraordinário e imprevisível.

Fica, portanto, bem clara a diferença, sendo esse ponto, reiterado, em provas orais para a magistratura – observação de CAPANEMA. O artigo 317 CC, portanto, veio a temperar o princípio da imutabilidade dos contratos. O sustentáculo doutrinário desse artigo, assim como do 478, é a famosa cláusula romana rebus sitis tantibus, que é tão antiga quanto o pacta sun servanda. Os romanos logo perceberam que o pacta sun servanda não poderia ser absoluto, e a maneira de temperá-lo foi com a cláusula rebus sitis tantibus, que permitia a revisão do contrato se as condições econômicas vigentes no momento da celebração se modificassem.

Rebus sitis tantibus = os contratos de trato sucessivo, ou seja, que se projetam no futuro, devem ser interpretados enquanto as condições permanecerem iguais. Essa cláusula quase morreu após o Código Napoleonico, pois mitigava o princípio do pacta sun servanda. O Código de Napoleão fazia do pacta sun servanda um dos seus valores praticamente absolutos e, por isso, era absolutamente silente quanto a ela; não há um artigo no Código de Napoleão que autorize a revisão dos contratos pela modificação das condições econômicas. Isso não quer dizer que a jurisprudência não fizesse isso, mas sem base legal.

O Código Beviláquia seguiu a mesma linha, assim como todos os códigos que se inspiraram no Código de Napoleão. O Código de Napoleão foi uma espécie de Código inspirador, de

código modelo, pois foi o primeiro código civil da história moderna (por isso todos os demais o seguiram). Na França havia também o iluminismo e naquela época tudo que fosse francês era considerado o supra-sumo da cultura, da inteligência, sendo natural que o código Napoleão, além de ser o primeiro código moderno, inspirasse os demais, pela presunção de sendo francês deve ser bom. O Código de Napoleão é um espelho das idéias emanadas da revolução francesa, do Estado Liberal. O Estado era liberal pois prestigiava a autonomia da vontade. Assim, se a vontade deve ser autônoma, o Estado não deve interferir nos contratos. Napoleão que subiu ao poder falando na igualdade entre os homens, no Estado Democrático, acabou imperador, tomou o poder autoritariamente. É normal que toda revolução feita em nome da liberdade deságüe num sistema autoritário. Napoleão talvez tenha sido mais autoritário do que o Rei Sol, que ajudou a derrubar.

CAPANEMA adverte que esses comentários quanto aos artigos 317, 478 e 157 do CC são os mais importantes do curso e podem ser objeto de pergunta tanto em prova oral, quanto em escrita.

Artigo 318 CC: ao contrário do artigo 317 CC não é novo, é a repetição de um artigo que já constava na lei de economia popular de 1933 e ainda está em vigor (é uma das mais antigas leis hoje vigentes no pais). Muita gente que não sabe da história do direito brasileiro disse que essa regra é nova.

Havia necessidade, porém, de introduzi-la no NCC, pois como é de 33, poderia já estar ignorada pelas novas gerações, que não costumam ler as leis antigas. Essa regra também foi repetida no plano real, já apareceu, pois, 2 vezes no direito brasileiro.

Veda ao artigo o uso de moeda estrangeira, as conversões de pagamento em ouro ou qualquer outro metal precioso, ou seja, as obrigações pecuniárias, que têm que ser pagas em dinheiro, não podem ser expressas em moeda estrangeira, salvo as exceções previstas em lei, como, por exemplo, a exportação, a importação, a captação de moeda no exterior. Se a obrigação é para produzir efeitos no Brasil, não pode se convencionar em moeda estrangeira, seja ela qual for. Visou o legislador a proteger a moeda nacional.

Observações: 1) as obrigações pecuniárias terão que ser expressas em moeda nacional, proibindo-se a vinculação à moeda estrangeira, salvo as exceções previstas em lei; 2) a cláusula ouro também é vedada, ou seja, as obrigações não podem ser pagas com ouro ou qualquer outro metal precioso.

Por que a lei de economia popular, pela primeira vez, proibiu o uso de moeda estrangeira e de metal? Note-se que no Código Beviláquia isso era perfeitamente possível, pois o código era liberal. Se o sujeito quisesse contratar em dólar, o Estado não tinha nada a ver com isso, ante a autonomia da vontade. A lei de economia popular proibiu essa prática, pois, a partir de 1930, foi que a inflação começou a mostrar a sua cara, na medida em que o Brasil se industrializou, sendo preciso fazer grandes investimentos como a construção de Brasília, instaurou-se a indústria siderúrgica, o país deixou de ser essencialmente agrário, começaram os investimentos na infra-estrutura e isso provocou um desequilíbrio na economia. O governo em 33 ficou assustado com a inflação. E o primeiro

2005 36

Page 37: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

remédio para controlar a inflação, segundo os economistas ortodoxos, é a chamada política monetária, é controlar a moeda. Os economistas ortodoxos adotam, pois, as medidas monetaristas e os heterodoxos adotam outras medidas.

O Governo tinha que controlar a moeda nacional, ou seja, controlar a quantidade de moeda que circulava pelo país, pois se não souber a máxima de dinheiro circulante, não há como controlar a inflação. Assim, se admitir-se o pagamento em moeda estrangeira, iria se perder o controle da moeda brasileira, assim como em metal.

Assim, a proibição foi para permitir ao Governo ter um controle rígido sobre a emissão da moeda e sua circulação, que são os controles tradicionais da inflação. O Governo, igualmente, aumenta os juros para conter a inflação, pois as pessoas não se endividam, não pedem dinheiro, não consumem, reduzindo-se a quantidade de moeda no mercado. o Governo atual, pois, adota uma política monetarista para combater a inflação. Foi por isso que a cláusula ouro e a moeda estrangeira foram proibidas em 33, tendo sido essa regra repetida no plano real, que é de 94 e agora reproduzida no NCC. CAPANEMA é favorável a essa regra.

O NCC também proíbe o uso da moeda estrangeira para compensar as diferenças cambias, a moeda estrangeira não pode ser indexizador, que era muito comum há alguns anos atras. Exemplo: eu vendo essa casa pelo equivalente em cruzeiros a 10.000,00 dólares. Era uma maneira de burlar a regra que proibia o uso de moeda estrangeira, pois o preço seria pago em real. Os Tribunais admitiam isso, tendo em vista a inflação galopante, não havia nenhum indexizador que acompanhasse. Condicionava-se o preço em moeda nacional ao equivalente a X dólares. O preço tinha que ser em cruzeiros, mas era preciso corresponder, no momento do pagamento, a x dólares. Isso agora também está proibido, salvo as exceções previstas em lei.

Artigo 318 CC: “são nulas as conversões de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e a moeda nacional”.

CAPANEMA considera esse capítulo um dos mais importantes do CC, pois dizem respeito à prestação, que é o objeto da obrigação.

A moeda do pagamento é a vigente no momento do pagamento e não no momento do nascimento da obrigação.

CAPANEMA diz que o governo, quando criou o plano real por uma medida provisória, queimou toda a moeda anterior. Logo, não havia cruzeiros para pagar, eles já nem mais existiam. Foi uma política corajosa e inteligente do governo, pois o plano foi implantado por um medida provisória, ou seja, ainda tinha que ser aprovado pelo Congresso Nacional. Assim, ao queimar o cruzeiro, o Congresso tinha que aprovar o plano, pois, se assim não agisse, o país iria quebrar, pois não haveria mais dinheiro.

Com isso encerram-se os artigos sobre a prestação.

O outro elemento objetivo é a prova do pagamento. Não basta pagar para alforriar-se o devedor. O devedor só estará libertado do vínculo se provar que pagou. A prova é dada pela

quitação, que é dada pelo credor. Quitação é um direito do devedor, não é favor do credor, mas sim dever jurídico. O devedor que paga sem a quitação, certamente terá que pagar de novo. A prova exclusivamente testemunhal do pagamento só se admite para as obrigações de valor inferior a 10 salários-mínimos, de pequeno valor, no momento R$ 2.600,00.

Acima desse valor, a prova testemunhal de nada adianta e o juiz vai condenar o devedor a pagar de novo. Acima desse valor, tem que mostrar a quitação (= recibo). O devedor poderá reter o pagamento, consignando o pagamento, se o credor recusar-se a dar quitação. A sentença que acolher a consignatória valerá como quitação. A lei do inquilinato dá tanto valor à quitação do aluguel, que tipificou como contravenção penal recusar a quitação nas habitações coletivas. Muitos brasileiros deixam de exigir a quitação, por se sentirem constrangidos.

Artigo 319 CC: “o devedor que paga tem direito a quitação regular e pode reter o pagamento enquanto não lhe seja dada”. Reter = não pagar. Se não quiser ter que conservar a prestação, poderá consignar o pagamento. Na quitação não tem importância a forma. Note-se que a obrigação pode ser solene – como, por exemplo, a compra e venda de um apartamento de um valor superior a 30 salários-mínimos, que exige escritura pública, sob pena de nulidade -, e a quitação ser dada por instrumento particular.

Artigo 320 do CC: “a quitação sempre poderá ser dada por instrumento particular”. Tanto faz, portanto, que o negócio seja solene ou não, a quitação pode ser numa folha de embrulhar pão. A única coisa que a lei exige é que ela seja inequívoca, sendo irrelevante a forma.

A lei elenca alguns requisitos formais indispensáveis à quitação, para que produza o efeito liberatório do devedor: 1) a discriminação do que foi pago, como isso se vedam as quitações genéricas. Não é possível dizer assim “recebi de João da Silva tudo o que ele me deve”. O devedor pode recusar a quitação que não discrimine o que foi pago. Isso é para que não paire, depois, qualquer dúvida sobre o que foi pago (juros, correção monetária e etc); 2) nome de quem pagou, que não é necessariamente o devedor, pode ser um terceiro; 3) local e data do pagamento; 4) nome e assinatura de quem recebeu, que também não é necessariamente o credor, pode ser o seu representante.

Esses requisitos são iguais ao do Código Beviláquia, o que mudou é o parágrafo único do artigo 320 CC. A mudança se deu pois surgiram as máquinas eletrônicas e, nessas quitações não há assinatura de quem recebeu, muitas vezes não tem a discriminação do valor pago, o nome de quem pagou e etc. Paga-se pela internet, pelo correio, hoje há uma séria de maneiras de se pagar em que a quitação não apresenta esses requisitos. Por isso, o NCC, bem mais moderno e conhecendo esses milagres tecnológicos, colocou um § único no artigo 320 CC (que não tinha no CC de 16), dizendo que “a quitação poderá ser considerada sem esses requisitos, desde que pelas circunstâncias o juiz se convença de que o pagamento foi feito”. Ai entra a chamada experiência comum. Veja-se como mitigou-se também a regra antiga.

O caput do artigo 320 elenca os mesmos requisitos do CC de 16, ou seja, exige os mesmos requisitos formais, que foram

2005 37

Page 38: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

abrandados pelo parágrafo único, que aproxima o NCC dos tempos modernos.

Aula do dia 18.4.200510ª aula

Pagamento(recapitulação da matéria da última aula)

Os requisitos subjetivos já foram examinados, dizem respeito aos sujeitos da obrigação e ai se pergunta- a quem se deve pagar e quem pode pagar. Já examinamos, minuciosamente, toda essa questão. Iniciamos, então, o estudo dos elementos objetivos, o primeiro deles diz respeito à prestação e à prova do pagamento. No que se refere à prova do pagamento, ela se faz pela quitação, normalmente chamada de recibo. Essa quitação pode ser revestida da forma escrita particular, mesmo que a obrigação seja solene. A quitação sempre poderá ser dada por instrumento particular, nada impedindo, porém, que também seja dada por instrumento público. A quitação é um direito do devedor, que poderá até reter o pagamento, consignando a prestação em juízo, caso o credor se recuse a dá-la. Portanto, a quitação não é um favor do credor, uma gentileza, mas um dever.

Também examinamos os requisitos formais da quitação, para ela possa produzir os seus efeitos liberatórios do devedor. A quitação tem que se discriminada, conter o nome de quem está pagando, seja ele um devedor ou um terceiro, o lugar do pagamento, a data do pagamento e a assinatura de quem está recebendo, que pode ser o próprio credor ou um representante.

Finalmente, observamos que o NCC já atualizado com a nova tecnologia, permite que mesmo não contendo a quitação esses requisitos, se poderá considerar paga a obrigação se das circunstâncias tiver o juiz a convicção de que o pagamento ocorreu. Isso se dá em homenagem a esses modernos métodos de comunicação e de registro de fatos cibernéticos pela internet, máquinas eletrônicas e etc.

Também foi falado que não se permite a prova do pagamento apenas testemunhalmente, a não ser que a obrigação seja de valor inferior a 10 salários-mínimos. Ultrapassado esse valor, a prova testemunhal pode ser um início de prova, mas não a prova definitiva do pagamento, que se fará através da quitação.

Hipóteses de pagamento presumido: se opera a inversão do ônus da prova (matéria da aula de hoje)

São hipóteses em que o devedor fica exonerado da obrigação de provar o pagamento. O ônus da prova do pagamento recai sobre o devedor, que exibirá a quitação que o credor lhe deu. Se não exibir, poderá ser compelido a pagar de novo. Mas há hipóteses excepcional, é claro, que presumi-se que o devedor pagou, não sendo necessário que exiba a quitação dada pelo credor. Há uma inversão do ônus da prova, ao invés de ser o devedor que prova que pagou, o credor é que terá que provar que o devedor não pagou. O devedor não precisa exibir quitação alguma, não precisa arrolar testemunhas, nada, há uma presunção legal, juris tantum, que ele pagou.

1ª) Quando a obrigação é representada, unicamente, por um título cambial. Exemplo: nota promissória, duplicata. Se esse título representativo da obrigação se encontrar em poder do devedor, há uma presunção legal de que ele pagou. É que se a obrigação é representada apenas pela nota promissória, ele deverá ficar com o credor até ser paga, pois é a única prova que o emitente do título possui do crédito que tem a receber. Portanto, guardará esse documento, trancado num cofre. Se, ao contrário, o título está em poder do devedor, a conclusão que se chega é a se chega é a de que o devedor pagou e, pois, exigiu a devolução do título. A experiência comum da vida nos revela que nenhum credor cometeria a imprudência de devolver ao devedor o título representativo da obrigação, sem que ela tenha sido paga. É evidente que essa presunção não é absoluta, mas sim relativa. O devedor pode ter achado, furtado ou extorquido a promissória, por exemplo. Por isso, se assegura ao credor a prova de que título representativo da obrigação se encontra, indevidamente, em poder do devedor. Inclusive, se o credor perder a cambial representativa da obrigação, pode o devedor reter o seu pagamento, até que o credor a substitua ou inutilize. Faz isso para que o devedor não corra o risco de ser cobrado novamente por quem for o portador do título.

2ª) nas obrigações divisíveis, que são aquelas em que a prestação pode ser parcelada, se o devedor tiver a quitação da última, isso firma a presunção de que todas foram pagas. O devedor, portanto, não precisa sequer guardar as quitações das parcelas anteriores, basta que guarde a da última. Essa presunção também se extrai da experiência comum da vida. Não será lógico que alguém, não tendo ainda recebido uma parcela, dê quitação da última. O normal é que o credor se recuse a receber a última, se ainda resta alguma em aberto. A presunção também é relativa, pode ter ocorrido um equívoco do credor, que deu a quitação da última parcela, restando uma anterior em aberto. É o credor que terá que fazer essa prova.

Nas obrigação sucessivas a quitação de uma prestação firma a presunção das anteriores. Assim, por exemplo, se o credor tem o recibo do aluguel de abril, a presunção é de que março foi pago. É que, pela experiência comum, o credor não receberia abril, estando março em aberto. Também cabe ao credor a prova em contrário. Por causa dessa presunção, tornou-se comum que os credores inserissem nos recibos das obrigações sucessivas uma ressalva de que o pagamento daquela prestação não faz presumir o pagamento das anteriores.

Isso tem dado margem à grandes discussões doutrinárias. Uma corrente entende que essa ressalva é ineficaz, é como se não estivesse escrita, pois a presunção, que é legal, foi estabelecida em favor do devedor, não podendo o credor, unilateralmente, afastá-la. Já a outra corrente entende que se o devedor aceitou a quitação com essa ressalva, ao invés de consignar a prestação ante a recusa do devedor em retirá-la, é porque renunciou à presunção, ficando obrigado a provar o pagamento das prestações anteriores. Há uma situação de que o pagamento da última parcela não faz presumir o das anteriores, é o caso do consórcio. Nos contratos de consórcio há sempre um lance, que é uma quantia que um consorciado antecipa para fazer jus ao bem, que é objeto do consórcio. Há sempre um bem que é entregue por sorteio e outro por lance. Esse lance corresponde a uma certo nº de parcelas; o lance vencedor é deduzido das

2005 38

Page 39: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

parcelas, mas na ordem inversa do seu vencimento. Então, se a pessoa está no 8º prestação, no mês de um consórcio de 60 meses, e dá um lance correspondente a 20 parcelas, essas 20 parcelas serão computadas das 60, restando 40. É claro que o fato de o consorciado ter o recibo da última parcela não quer dizer que pagou todas as anteriores, mas isso está previsto expressamente no contrato de consórcio. Esse, pois, é um exemplo de pagamento da última parcela que não firma a presunção do pagamento das anteriores, mas isso tem que vir expresso no contrato.

3ª) Capital e juros. Se o credor dá quitação do capital, sem ressalvar que há juros que também se incluem nesse pagamento. Assim, os juros se considerarão incluídos no pagamento, mesmo que não haja um recibo do seu pagamento. Presume-se que eles foram pagos, se o pagamento é do capital, sem a ressalva dos juros. Então, caso o credor não tenha recebido os juros, ele terá que dar a quitação do capital, fazendo a ressalva expressa de que os juros não foram pagos.

Os custos do pagamento e da quitação deverão ser suportados pelo devedor. Mas, se por fato exclusivo do credor, o pagamento se tornar mais oneroso, o credor suportará o acréscimo. Então, a regra geral é de que o devedor suporta as despesas do pagamento e da quitação, salvo se elas foram provocadas por fato exclusivo do credor, que suportará o acrescido.

2º requisito objetivo: lugar do pagamento

O leigo pensa que o lugar do pagamento é inteiramente irrelevante, que o que importa é o pagamento em si, pouco importando se foi ali ou aqui. Alguns chegam a pensar que o devedor pagará aonde puder ou quiser. Mal sabe o leigo que o lugar do pagamento é um dos requisitos objetivos do pagamento e que o credor poderá recusar a prestação, pelo simples fato de ela estar sendo oferecida em lugar diverso do avençado. Além disso, o devedor também não poderá consignar a prestação, senão no lugar do pagamento. O juízo competente para a consignação é o do lugar em que a obrigação teria que ser paga. Vejam, pois, a importância do lugar do pagamento, a ponto de se considerar justa a recusa do credor pelo fato de a prestação estar sendo oferecida em lugar diversa.

Quanto ao lugar do pagamento, as obrigações se dividem em 2 grandes grupos: 1) obrigações querables ou quesíveis; 2) obrigações portables ou portáveis. Obrigação quesível é aquela em que o pagamento se estabelece no domicílio do devedor., ou seja, o devedor não precisa deixar o seu domicílio para ir ao encontro do credor para lhe entregar a prestação. Ele ficará em seu domicílio aguardando que o credor se apresente para reclamar o pagamento.

Já a obrigação portável, é aquela em que, ao contrário, o pagamento se ajusta no domicílio do credor ou em outro local por ele indicado. Por isso é que ela se chama portável, o devedor tem que sair portando a prestação para entregá-la ao credor no local por ele designado.

A regra geral é de que as obrigações sejam quesíveis, assim, no silêncio do título quanto ao lugar do pagamento, presume-se que o credor terá que ir ao domicílio do devedor para

receber a prestação. Daí se deduz que para que a obrigação seja portável é preciso que isso conste do título obrigacional. Essa regra é, portanto, dispositiva, como quase todas que encontramos no direito das obrigações. Nada impede, assim, que as partes ajustem o pagamento no local indicado pelo credor.

A regra geral é pela quesibilidade da obrigação, para facilitar o pagamento e obedecer ao princípio geral de que o pagamento se fará da maneira menos onerosa para o devedor. É evidente que se o devedor não precisa nem sair de casa para pagar, fica muito mais fácil para ele pagar. Ele não distende esforços físicos, nem despesas para efetuar o pagamento. Basta aguardar a chegada do credor.

Porém, na realidade do mercado, quase todas as obrigações são portáveis, pois os credores, valendo-se da sua superioridade econômica sobre os devedores, acabam lhes impondo que o pagamento se faça no seu domicílio ou outro local indicado pelo credor. A regra é dispositiva e freqüentemente mudada pela vontade do credor.

Conseqüência prática: se a obrigação é querable, para ser paga no domicílio do devedor, se o credor não se apresentar no vencimento da obrigação no domicílio do devedor, quem está em mora é o credor, jamais o devedor. É o que se chama de mora accipiendi. Como o devedor não está obrigado a ir ao encontro do credor, ele poderá ficar aguardando até que o credor se apresente, por mais tempo que haja decorrido.

O devedor, diante da mora de credor, poderá tomar 2 atitudes: 1) quedar-se inerte, aguardando a chegada do credor, rezando para que a prescrição ocorra, libertando-o do cumprimento da obrigação; 2) poderá consignar a prestação – suponhamos que o devedor deva um cavalo e não queria ficar com ele, arcando com as despesas, conservando a coisa. A escolha é do devedor.

Diante da mora do credor, sendo a obrigação pecuniária, poderá o credor reclamar a atualização monetária? Questão muito discutida. Uma corrente achava que não, como a mora era do credor, ele deveria suportar todos os prejuízos dali decorrentes, pagando o devedor, dependendo do tempo que o credor demorasse para aparecer, valor histórico. Todos os ônus e prejuízos decorrentes da mora devem ser suportados por quem deu causa à mora. Já a segunda corrente, que acabou vitoriosa na doutrina e na jurisprudência, sustenta que a correção monetária não é acréscimo, pena, se o devedor pagasse pelo valor histórico, estaria pagando menos que o devido. É evidente que se a mora é do credor, ele não pode exigir do devedor multa moratória ou juros moratórios, mas a correção monetária será devida, pois apenas devolve à obrigação o conteúdo econômico que foi desgastado pela inflação. Portanto, a mora do credor não impede que ele exija do devedor o pagamento com a correção monetária, quando a obrigação é pecuniária.

Se a obrigação é portable e no seu vencimento o devedor não encontra o credor no local por ele designado para o pagamento, se o devedor não suportar os riscos e os ônus da mora, terá que consignar a prestação. Ele não pode ficar aguardando que o credor apareça. Mora solvendi. Todos os consectários da mora recairão sobre os ombros do devedor.

2005 39

Page 40: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

Portanto, note-se a importância do lugar do pagamento para que se possa caracterizar a mora, seja do devedor, seja do credor.

Diz, ainda, o CC que se o pagamento se referir a um imóvel ou à prestação referentes a um imóvel, esse pagamento se fará no lugar do imóvel. Isso é óbvio, pois não há como se entregar um imóvel em local diferente ao que ele se situa. O imóvel não pode ser carregado, portado pelo devedor até o credor. Então, quando a obrigação consistir na tradição de um imóvel, as obrigações a ele referentes será o lugar da situação do imóvel.

O comum, pois, é que o aluguel seja querable, mas, como a regra é dispositiva, que se estabeleça que seja portable. A tradição do imóvel é que tem que ser sempre no lugar aonde ele se situa, mas as prestações a ele referentes, podem ser portables.

O NCC trouxe duas importantes modificações sobre esse tema, e todas duas inspiradas na boa-fé e na efetividade do direito. Era muito comum que os credores, abusando da sua superioridade, impusessem aos devedores lugares que lhes traziam maior esforço para o pagamento, onerando o pagamento, trazendo para o devedor um esforço acima do razoável. No CC passado, não havia regra expressa que permitisse ao devedor pagar em lugar diverso do indicado pelo credor e este, muitas vezes, recusava a prestação porque não estava sendo entregada no lugar designado pelo título. O NCC inseriu o artigo 329, que é da maior importância prática e ética. Se operar um motivo grave, poderá o devedor pagar em outro local, desde que sem prejuízo para credor.

Estamos diante de mais um exemplo de cláusula aberta, o CC não diz quais seriam os motivos graves, ficando entregue à discricionaridade do juiz, ou seja, o magistrado, diante do caso concreto, decidirá se era grave o motivo que levou o devedor a pagar em lugar diverso.

Exemplos de motivo grave: o credor designa em lugar de difícil acesso, perigoso, que expõe a saúde e a vida do devedor a risco. É o caso do credor que indica, por exemplo, o alto do morro do juramento para pagamento ou o morro do alemão. Para o devedor será um grande risco enfrentar os traficantes para fazer o pagamento, provavelmente ao chegar no local do pagamento já não portaria mais a prestação. Outro exemplo: local íngreme, a exigir um esforço físico acima do razoável. Lugar que pode trazer constrangimento moral ao devedor – exemplo: credor que indica como local do pagamento casa de prostituição, constrangendo o devedor caso seja visto, na medida em que ninguém acreditaria que ele estava ali para pagar a obrigação. Marcar o pagamento num terreno de umbanda, sendo o devedor um convicto evangélico.

Por outro lado, é claro que a mudança de lugar não pode trazer prejuízo ao credor. E o artigo 330 CC ainda é mais significativo, é uma inovação importante. Dispõe que o pagamento feito reiteradamente feito pelo devedor em lugar diverso do indicado pelo credor, faz presumir que este renunciou a portabilidade da obrigação. O pagamento continuará a ser feito no lugar em que o devedor vem, reiteradamente, o efetuando.

Trata-se mais uma cláusula aberta. A lei fala em” pagamento reiteradamente feito”. No sistema antigo, do positivismo estrito,

o legislador diria “se o pagamento for por cinco vezes ou dez vezes”, pois o legislador não dava muita liberdade ao julgador. No sistema novo, é o oposto, ele dá a maior liberdade ao julgador para decidir segundo o caso concreto. Quem vai dizer se houve o pagamento reiterado em lugar diverso é o juiz diante do caso concreto e não o legislador. Além disso, esse reiteradamente vai depender muito do nº de parcelas. Se o pagamento é em 10 parcelas, três já seria um pagamento reiterado. Mas se são 60, 3 não podem ser consideradas como pagamento reiterado. Por isso, o CC não estabelece qual o nº de parcelas que se pode considerar reiterado o pagamento.

Exemplo: o título obrigacional diz que o pagamento tem que se feito no domicílio do credor, mas o devedor pagou uma parcela no banco, depositando-a na conta do devedor. Pagou, pois, em local diverso. Se o credor não protesta e levanta a importância, sem fazer qualquer ressalva, o devedor, no mês seguinte, volta a depositar no banco e igualmente o credor não protesta, o mesmo se sucedendo nos meses seguintes. Isso, então, dependendo do caso concreto, poderá ser considerado um pagamento reiterado, mudando-se o lugar do pagamento.

O credor, depois de indicar o lugar do pagamento, pode modificá-lo? Exemplo: o credor fixa, num primeiro momento, que o pagamento se fará no RJ, a rua tal, nº tal. Na prestação seguinte diz que o pagamento será feito em SP e o terceiro em Manaus. Reparem que se a obrigação é portável, caberá ao credor indicar o local do pagamento. É evidente que, em princípio, poderá o credor mudar o lugar do pagamento, mas arcará com os acrescidos para fazer o pagamento, como a passagem, a estadia, refeição e as demais despesas que o devedor teve que fazer para efetuar o pagamento em outro local que não fora o antes indicado pelo credor. Isso é para evitar que o credor dificulte o pagamento, mudando o local seguidamente. Da mesma maneira, se o credor morreu e os seus herdeiros mudam o lugar do pagamento, também arcarão os herdeiros com os acréscimos que essa mudança trouxe ao devedor. Esse é um poderoso mecanismo para proteger o devedor, impedindo que os caprichosos do credor dificultem o pagamento. O lugar do pagamento também vai influir na competência para a ação consignatória.

3º requisito objetivo: tempo do pagamento

Assim como há um lugar para pagar, também há um tempo para pagamento. O pagamento só terá efeito liberatório se feito no tempo. A prestação só é exigível no vencimento. O credor não poderá compelir o devedor a lhe pagar antes do vencimento, ainda que o devedor já disponha da prestação. O fato do devedor já dispor da prestação, já poder pagar, não permite ao credor reclamar o pagamento, ele tem que aguardar o vencimento. Da mesma maneira, não pode o devedor compelir o credor a receber antes do vencimento.

Por isso se diz que o tempo do pagamento é no vencimento da obrigação. É claro que há exceções, que permitem o credor exigir o pagamento antes do vencimento e ao devedor pagar depois do vencimento.

A dificuldade prática é que o vencimento pode ser determinado ou indeterminado. Quando o vencimento, que é o termo final, é determinado, não há a menor dúvida quanto ao momento do pagamento. Imaginemos um mútuo de dinheiro,

2005 40

Page 41: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

cujo contrato se estabeleceu que o pagamento se fará no dia 30 de abril de 2005 – não há dúvida quanto ao momento adequado para a realização do pagamento. O termo final é determinado. Isso vai influir na questão da mora.

Problema prático surge quando o termo final é indeterminado. Exemplo: contrato de mútuo em que se estabelece que o mutuário deverá pagar quando o mutuante precisar. Não se indicou uma data, um termo final determinado para o pagamento. O pagamento somente se fará quando o mutuante manifestar a sua intenção de receber. Qual será o tempo desse pagamento? O credor terá que interpelar o devedor para fixar o momento do pagamento. Inclusive nessas obrigações com termo final indeterminado, a qualquer momento o credor poderá exigir o pagamento, desde que interpele o devedor, que não é adivinho e não pode saber quando o credor quer receber. Assim, enquanto não realizada a interpelação, o devedor não estará em mora.

Regra geral: o pagamento se fará no local determinado e no termo final, ou seja, no vencimento.

Hipóteses em que se considera antecipadamente vencida a obrigação

O vencimento antecipado permite ao credor exigir (e não pedir) o pagamento antes do termo final.

1ª) quando se abre contra o devedor um concurso de credores, como ocorre em caso de falência ou insolvência civil. Nesse caso, todos os credores do devedor poderão considerar os seus créditos antecipadamente vencidos para que possam imediatamente se habilitar no concurso de credores. Exemplos: João empresta à empresa de José dez mil reais, cujo vencimento se dará daqui há um ano. Esse mútuo só vencerá daqui a 1 ano. Mas João lê no jornal que foi decretada, antes do termo final, a falência da empresa devedora ou a insolvência civil de José. Assim, João poderá considerar o seu crédito antecipadamente vencido e habilitar-se na falência para o recebimento do crédito, como se já estivesse vencido.

Razão de ser da regra: visa a possibilitar a todos os credores tenhas as mesmas chances de receber os seus créditos. Há um princípio que se aplica a falência ou à insolvência, que é o do pars condicium creditorium, ou seja, todos os credores têm que ser tratados igualmente. Reparem que se o credor tiver que esperar 1 ano para vencer o seu crédito para se habilitar na falência, as chances de receber serão ainda mais remotas, pois o patrimônio do falido já terá se exaurido. Se não se considerar antecipadamente vencidos os créditos do falido ou do insolvente não se estará tratando os credores isonomicamente, mas sim privilegiando os credores cujos créditos já estejam vencidos, em detrimento dos vincendos.

2ª) quando recair sobre o bem dado em garantia real ao credor uma constrição requerida por um outro credor do devedor.

Exemplo: José empresta dez mil reais a João e, como garantia do pagamento, João hipotecou um imóvel seu. José é um credor privilegiado, pois tem uma garantia real, representada por essa hipoteca, que grava o imóvel do devedor João. O vencimento desse mútuo é daqui há 2 anos, mas hoje o José

toma conhecimento de que Antônio, que é um credor quirografário de João, moveu-lhe uma ação de execução e penhorou esse imóvel que lhe estava hipotecado. Recaiu sobre o bem dado em garantia uma constrição – que é uma penhora -, requerida por um outro credor desse devedor.

O que poderá fazer José? Considerar antecipadamente vencida a obrigação e imediatamente executar a garantia hipotecária, levando o imóvel a praça. Embora ainda faltem 2 anos para o pagamento, o credor José poderá considerar que o vencimento ocorreu e requererá a execução.

Razão de ser da regra – ratio essendi: a garantia real tem a vantagem de permitir que os credores recebam primeiro que os credores quirografários. É por isso que se criaram esses direitos reais de garantia. E também é por isso que esses credores com garantia real se chamam preferenciais ou privilegiados. O privilégio é receber primeiro que os quirografários, que são aqueles que não têm garantia real. No exemplo, se José tivesse que esperar 2 anos para o vencimento do crédito e só então executar a hipoteca de nada adiantaria, pois o credor Antônio já teria praceado o imóvel, em razão da penhora. E a garantia real perderia toda a sua eficácia. Mas considerando-se antecipadamente vencido o crédito, o credor hipotecário poderá antecipar o vencimento e promover a excussão do bem. Então primeiro ele recebe e, se sobrar, se pagará a Antônio, que é o credor quirografário. O vencimento antecipado, pois, se justifica para se tornar eficaz a garantia real.

Quando se leva à praça um imóvel que já está hipotecado tem que se dar ciência ao seu credor, para que ele se habilite para receber primeiro, pois o seu crédito antecipadamente se vence. Isso ocorre ainda que o credor hipotecário não se manifeste. A praça realizada sem a ciência do credor hipotecário é nula. O credor hipotecário entrará com embargos e anulará a praça.

3ª) quando a garantia dada pelo devedor ao credor se perde ou se reduz e o devedor, notificado pelo credor para substitui-la, não o faz.

Exemplo: José emprestou dez mil reais a João, que deu como garantia do pagamento uma fiança, prestada por Antônio. Essa obrigação tem garantia pessoal e não real. O vencimento é daqui há 2 anos, tomando o credor ciência hoje de que o fiador morreu, extinguindo-se a fiança. Note-se que a obrigação que tinha uma garantia pessoal ficou sem garantia. A garantia se perdeu.

Outro exemplo: José emprestou dinheiro a João, que lhe deu como garantia uma hipoteca de um imóvel seu. Um raio caiu sobre o imóvel, que se incendiou, e virou cinzas. É evidente que o solo continua hipotecado, mas a garantia reduziu-se.

Note-se que o simples fato de se perder ou se reduzir a garantia não faz antecipar o vencimento. O credor não pode considerar antecipado o vencimento porque o fiador morreu. O que o credor terá que fazer é notificar o devedor, concedendo-lhe prazo razoável (a lei não diz qual é esse prazo), para que ele possa substituir a garantia, dando novo fiador, ou um outro imóvel, por exemplo. Ai sim, se o devedor, no prazo concedido, não substituir a garantia ou a reforçar, o credor poderá considerar antecipadamente vencida a dívida.

2005 41

Page 42: Capanema - Teoria Geral das Obrigações 2005

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E DAS OBRIGAÇÕESPROFESSOR: CAPANEMA – ANO 2005

A intenção das partes, ao estabelecer uma garantia, é tranqüilizar o credor, minimizando os riscos de inadimplemento. O credor sabe que se o devedor não lhe pagar ele tem uma garantia, seja ela real (como hipoteca, penhor ou anticrese) ou pessoal (como a fiança). Ora, se essa garantia se perde, não se pode exigir que o devedor fique tranqüilo até o vencimento, esse fato, na verdade, vai submetê-lo a uma grande angústia. Se o devedor não fornecer outra garantia, permite-se ao credor cobrar logo, para definir a situação, se vai receber ou não o valor.

Na Lei do Inquilinato também se estabelece que se o fiador morrer ou se tornar insolvente ou se mudar para um local diferente, sem avisar ao local, se ele alienar os seus bens, tudo isso permite ao locador exigir do locatário que em 30 dias substitua o fiador ou dê outra garantia. Se o devedor/locatário não substituir a garantia, poderá o locador despejá-lo por infração legal. Ai também se antecipa o vencimento, mas o vencimento do contrato.

Essas são as 3 causas legais de antecipação do vencimento. Como elas são legais, não é preciso que o título obrigacional se refira a elas. Mesmo que o título seja inteiramente silente quanto a essas causas, elas, uma vez se verificando, ocorrerá a antecipação do vencimento. As partes já tem que conhecer essas causas no momento em que a obrigação nasce, pois elas estão na lei.

Além dessas causas previstas em lei, pelo princípio da autonomia da vontade pode se estabelecer outras causas, mas desde que não sejam abusivas. Por exemplo, não se poderá determinar que o pagamento é em 30 de abril, mas que a qualquer momento o credor poderá exigir o pagamento do devedor.

É muito comum nos contratos de crédito imobiliário que se diga que se o mutuário não pagar 3 prestações consecutivas, o credor poderá considerar vencida antecipadamente toda a dívida. Isso não está na lei, mas se constar no contrato, seria uma cláusula contratual de antecipação do vencimento. A jurisprudência não considera abusiva essa cláusula, a aceita.

Ao se comparar o CC de 16 com o NCC, constata-se uma importante mudança topográfica. No CC passado, nesse capítulo sobre o tempo do pagamento, entre os requisitos objetivos do pagamento, se inseria a disciplina da mora. Isso sempre foi criticado, pois disciplinar a mora na parte que trata do pagamento e dos seus requisitos é um absurdo, pois leva o leitor desavisado a supor que a mora é um requisito do pagamento, quando todos nós sabemos que a mora é, ao contrário, uma forma de inadimplemento. Mora é uma das três modalidades de inadimplemento. CAPANEMA sempre achou inadequado tratar da mora na parte do pagamento, pois havia uma parte que trata do não pagamento. Isso era uma contradição lógica. O NCC, em boa hora, mudou de lugar o tratamento da mora, deslocando-a para a parte do inadimplemento. Essa é uma das muitas mudanças topográficas do NCC.

CAPANEMA explica que Clóvis Beviláquia incluiu a mora na parte do pagamento, sob o argumento de que a mora é um instituto ligado ao tempo do pagamento, a mora é um pagamento retardado. Por isso, achou melhor tratar a mora,

desde logo, no momento em que se falava do tempo do pagamento. Há uma explicação lógica, portanto. Prevaleceu, no entanto, a posição de que seria melhor tratar da mora na parte do não pagamento, já que seria uma forma de inadimplemento.

Com isso, encerramos o estudo do pagamento direto da obrigação e dos seus requisitos subjetivos e objetivos. Para CAPANEMA esse pagamento direto é o ideal social. Infelizmente, nem sempre se alcança essa perfeição, garantindo-se o pagamento direito da obrigação. Como há um interesse social no pagamento das obrigações, a lei criou outras formas de pagamento, aumentando-se o leque de oportunidades para o devedor pagar. Pagamentos indiretos ou alternativos: o devedor paga a obrigação, embora de maneira diferente do ajustado.

O pagamento só se considerará direto se a prestação é oferecida ao credor no tempo, no lugar e na forma convencionadas. Como isso nem sempre é possível, o devedor poderá pagar de outras maneiras, como, por exemplo, pagamento por consignação, pagamento com subrogação, imputação do pagamento, dação em pagamento, pagamento por compensação e a novação (que, para alguns, é pagamento indireto e para outros seria extinção sem pagamento)

Formas de extinção da obrigação sem o pagamento: confusão e remição.

Temos, pois, 8 institutos ligados à extinção da obrigação, seja através de pagamento indireto, seja sem pagamento. O CC passado ainda falava, nessa capítulo, na transação e no compromisso. O NCC, em mais uma mudança surpreendentemente, converteu a transação e o compromisso em contratos típicos (logo, são tratados nos livros dos contratos em espécie, junto com a compra e venda, da doação, do mútuo e etc). Agora, fala-se em contrato de transação, contrato de compromisso. Não são mais uma simples forma de pagar, mas sim contratos que visam ao pagamento. Têm natureza contratual. Artigos 840 (transação) e artigo 851 (compromisso) do NCC.

2005 42