CAP.I. O SISTEMA DE RADIODIFUSÃO NO BRASIL · telecomunicações, serviços de radiodifusão...

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CAP.I. O SISTEMA DE RADIODIFUSÃO NO BRASIL Este capítulo procura abordar, resumidamente, a questão legal e histórica do sistema de radiodifusão no Brasil, direcionando o estudo para a questão da outorga de concessões dentro deste sistema, desde sua implantação, em 1931, através do Decreto nº 20.047, subscrito pelo então Presidente Getúlio Vargas, até a legislação em vigor, contida na Constituição Federal de 1988. Esta trajetória histórica e legal mostrará que desde a implantação do Sistema de Radiodifusão no Brasil, a questão das concessões acabou fazendo parte de um jogo, no qual os interesses econômicos e políticos, direcionavam a outorga das concessões para as mãos de grupos econômicos diretamente ligados ou interessados na legitimação do poder político. Também será abordado o anteprojeto da Lei dos Serviços de Radiodifusão elaborado pelo Ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, que, segundo o próprio Ministro, tem como objetivo mudar o Código Brasileiro de Telecomunicações que foi editado em 1962. Este anteprojeto

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CAP.I. O SISTEMA DE RADIODIFUSÃO NO BRASIL

Este capítulo procura abordar, resumidamente, a questão legal e

histórica do sistema de radiodifusão no Brasil, direcionando o estudo para a

questão da outorga de concessões dentro deste sistema, desde sua

implantação, em 1931, através do Decreto nº 20.047, subscrito pelo então

Presidente Getúlio Vargas, até a legislação em vigor, contida na Constituição

Federal de 1988.

Esta trajetória histórica e legal mostrará que desde a implantação do

Sistema de Radiodifusão no Brasil, a questão das concessões acabou

fazendo parte de um jogo, no qual os interesses econômicos e políticos,

direcionavam a outorga das concessões para as mãos de grupos

econômicos diretamente ligados ou interessados na legitimação do poder

político.

Também será abordado o anteprojeto da Lei dos Serviços de

Radiodifusão elaborado pelo Ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga,

que, segundo o próprio Ministro, tem como objetivo mudar o Código

Brasileiro de Telecomunicações que foi editado em 1962. Este anteprojeto

esteve sob consulta publica de junho até setembro, no site do Ministério

das Comunicações, e recebeu neste período 1.039 sugestões que, segundo

o Ministro, serão analisadas por técnicos do Ministério das Comunicações

(Cordeiro,2001).

Para recolher ainda mais subsídios para a análise e possível mudança

de algum dispositivo do projeto de lei de radiodifusão, foi realizado, em

outubro, o Seminário Internacional de Radiodifusão, quando representantes

de outros países apresentaram sua posição com relação ao anteprojeto. O

anteprojeto deve ser enviado ao Congresso até dezembro de 2001 e votado

em 2002 (Lima,2001).

Durante o desenvolvimento deste capítulo, alguns termos serão

comumente utilizados. Para melhor compreensão, estes termos serão

conceituados, a partir do Decreto Nº 97.057, de 10 de Novembro de

1988,Título III, Das Definições, Art. 6º:

22º Concessão: ato administrativo de natureza contratual peloqual o Poder Público competente outorga a terceiros afaculdade de explorar em nome da União, por tempodeterminado e por conta própria, serviços públicos detelecomunicações, serviços de radiodifusão sonora de caráternacional ou regional, serviços de radiodifusão de sons eimagens, e serviços especiais de teledifusão por ondaradioelétrica;

57º Permissão: ato administrativo pelo qual o Poder Públicocompetente outorga a terceiros a faculdade de explorar emnome da União, por conta própria, os serviços público-restrito, limitado interior, de radioamador, especial, e deradiodifusão sonora de caráter local;

65º Radiodifusão: forma de telecomunicação caracterizadapela teledifusão de ondas radioelétricas através do espaçolivre;

83º Serviço de Radiodifusão: modalidade de serviço detelecomunicações destinado à transmissão de sons(radiodifusão de sons, radiofonia, ou radiodifusão sonora) oude sons e imagens (radiodifusão de sons e imagens,radiotelevisão, ou radiodifusão de televisão), por ondas

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radioelétricas, para serem direta e livremente recebidos pelopúblico em geral;

84º Serviço de Telecomunicações: execução de atividadesnecessárias e suficientes para efetivamente resultarem naemissão, na transmissão, ou na recepção de sinais detelecomunicações, ou qualquer combinação destas definida emregulamento ou norma específica;

1.1 HISTÓRICO DA REGULAMENTAÇÃO DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL

A primeira transmissão radiofônica no Brasil ocorreu em 7 de

setembro de 1922, com um discurso do presidente Epitácio Pessoa, no Rio

de Janeiro. Para esta ocasião, a comemoração do centenário da

independência, foi instalada, no alto do Corcovado, uma estação de 500

watts de potência (Vichi,2001,p.2).

Na década de 20, foram criadas várias rádios que apresentavam

programas culturais e educativos, como a Rádio Sociedade do Rio de

Janeiro, fundada por Roquete Pinto, quando ainda existia a esperança de

que este novo veículo de comunicação pudesse se expandir e massificar

informações, contribuindo à educação da sociedade. “No início esperava- se

que o rádio servisse à comunidade, já que a exploração de suas atividades

dependia de concessão do Estado, sendo o número de canais limitados”

(Medeiros e Vieira,1999,p.20). Porém, a expansão da radiodifusão não

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seguiu os anseios de Roquete Pinto. A exploração acabou sendo direcionada

aos interesses econômicos e políticos do Estado que nem sempre

coincidiam com o crescimento cultural e educacional da sociedade

brasileira.

A radiodifusão foi inserida no Brasil quando a produção de

equipamentos de radiofonia dos países industrializados ultrapassou a

demanda interna e foi colocada à disposição dos países subdesenvolvidos.

Este momento marcou o início da monopolização do capital externo dentro

do sistema da radiodifusão, além da ascensão da burguesia industrial

diante da burguesia agrária. Segundo Herz (1987,p.76), “O desenvolvimento

do caráter capitalista da economia brasileira intensificou a integração da

radiodifusão ao sistema produtivo”, com a penetração de agências

estrangeiras de publicidade no mercado brasileiro, através de subsidiárias.

O autor também afirma que em 1925, “a publicidade comercial,

generalizou- se como meio de financiamento e as emissoras passaram a

desenvolver suas potencialidades econômicas atuando como estimuladoras

de mercado.” Neste momento, o capital externo passou a sustentar essas

emissoras principiantes que se transformaram em empresas, porque além

de meras produtoras de anúncios publicitários, elas estimularam e

direcionaram a distribuição das verbas publicitárias, criando um modelo

político para os veículos de comunicação.

Apenas em 1931, após passados quase dez anos de transmissões

amadoras, que já geravam lucros, esta questão foi legalizada, com o

Decreto n.º 20.047, de 27 de maio, subscrito pelo então presidente Getúlio

Vargas. Os interesses de propagar os ideais e acontecimentos políticos e

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econômicos do país, levaram a utilização dos veículos de comunicação,

imprensa escrita e rádio, a assumirem este papel. “Nesse período, os

serviços de comunicação tinham como finalidade precípua servir aos

princípios da integração e soberania nacional” (Vichi,2001,p.4).

Segundo Caparelli (1986,p.84), o rádio marcou uma mudança nas

relações de poder. Por ter ressonância popular serviu como intermediário

entre as idéias, valores, crenças e interesses dos grupos no poder e a

população. Este período, a partir do anos 30, ficou caracterizado pelo início

da fase industrial o que pressupõe- se uma fase de consumo no mercado

interno brasileiro, em que o rádio aparece como transmissor mais

abrangente, por chegar em zonas rurais e atingir também analfabetos,

levando a idéia de consumo, através da apresentação à população de

produtos que eram postos no mercado.

Conforme os dois autores, Caparelli (1986) e Vichi (2001), o rádio

com sua dimensão política serviu como intermediário entre o discurso dos

grupos dominantes para os grupos dominados. Além do Governo propagar

sua imagem através do controle da circulação das informações deste

veículo, ele também o utilizou para favorecer os objetivos do plano

econômico de Governo, consolidando o mercado de consumo interno.

Sendo, principalmente utilizado, desde a sua implantação no Brasil como

veículo difusor dos ideais e interesses do Governo.

Para regulamentar o Decreto n.º 20.047/31, acima mencionado, foi

instituído pelo Governo Federal, o Decreto n.º 216.111, em 1º de março de

1932, denominado Regulamento para Execução dos Serviços de

Radiocomunicação no Território Nacional. ”Segundo esse regulamento, os

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serviços de radiodifusão são considerados de interesse nacional e de

finalidade educacional. Além disso, prevê que o Governo da União

promoverá a unificação dos serviços de radiodifusão, para constituir uma

rede nacional que atenda aos objetivos de tais serviços” (Vichi,2001,p.4).

Estava sob a alçada do Executivo da União a concessão de emissoras,

marcando o início do processo de troca de concessões por interesses

políticos e econômicos. A “finalidade educacional” pode ser considerada

como finalidade de doutrinar a população dentro dos ideais políticos que

Vargas impunha. Assim, a lei, num trocadilho de palavras, firmava o que

realmente acontecia, “interesse nacional e finalidade educacional”,

demonstrando o controle que o Estado buscava sobre as informações que

chegariam e que instruiriam o povo brasileiro.

Nos modelos do Decreto n 216.111/32,

“os serviços de radiodifusão são executados por entidadespúblicas e privadas, mediante a concessão do executivo outorgadaem caráter precário. Esse regime jurídico especial dava ao Estado opleno poder de arbitrar sobre as concessões, com critériosaparentemente técnicos, mas que no fundamental são políticos”(HERZ,1987,p.78).

Dentro deste contexto pode- se afirmar que o Governo liberou

concessões, conforme o poder econômico e interesses políticos,

consolidando o perfil do sistema da radiodifusão como um instrumento

político e moeda de troca. O resultado foi o estabelecimento de oligopólios

da comunicação no Brasil.

Esta atitude, levou o controle do sistema de radiodifusão ao capital

privado ou Estado, que detinha o controle de toda e qualquer forma de

concessão do sistema. Os resultados desta aliança política e econômica, do

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capital privado e Estado, concentrou a orientação de conteúdo nas mãos da

elite, contribuindo para a marginalização político- social das classes

populares.

O investimento do capital no rádio incentivou o crescimento do

veículo de forma que ele deixou de ser um meio de comunicação educativo

e cultural e passou a ser utilizado como ferramenta de negócio, já que as

emissoras estavam concentradas nas mãos da iniciativa privada. Rádio virou

sinônimo de negócio, tanto que de 1932 a 1937, foram instaladas no País

42 novas estações de rádio (Nobre,1988).

Na Constituição Federal de 1934, apareceram disposições a respeito

da radiodifusão e sistema de concessões, que continuarão a ser tratados da

mesma forma na Constituição posterior, de 1937. Tratando- se de um

veículo de comunicação poderoso, que mexe com interesses nacionais,

devido sua força política e atração econômica, manteve- se sob a alçada da

União, a exploração das concessões do serviço de radiocomunicação.

Outros dois dispositivos importantes: garantias ao trabalhador brasileiro e

manutenção estratégica da posse da exploração do sistema de radiodifusão.

O objetivo era proibir que estrangeiros entrassem no sistema de

comunicação brasileiro e que mesmos grupos, através da sociedade

anônima, criassem oligopólios da comunicação e monopolizassem o

sistema. Art. 131 (Constituição Federal de 1934), dispõe:

“É vedada a propriedade de empresas jornalísticas, políticas ounoticiosas a sociedades anônimas por ações ao portador e aestrangeiros. Estes e as pessoas jurídicas não podem seracionistas das sociedades anônimas proprietárias de taisempresas. A responsabilidade principal e de orientação intelectualou administrativa da imprensa política ou noticiosa só porbrasileiros natos pode ser exercida. A lei orgânica de imprensaestabelecerá regras relativas ao trabalho dos redatores, operários

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e demais empregados, assegurado- lhes estabilidade, férias eaposentadoria.”

Durante este período muitos movimentos sociais aconteciam no

Brasil contra o Governo de Vargas, o que contribuiu para o Golpe de Estado

de 1937, liderado pelo próprio Vargas, que implantou no país um regime

ditatorial, denominado Estado Novo.

Neste período, Vargas utilizava veículos de comunicação para

propagar suas idéias, sendo o rádio o principal veículo utilizado por atingir

a maioria da população, por chegar em zonas rurais de difícil acesso e por

atingir a grande parte da sociedade brasileira que era analfabeta. As rádios

faziam com que as informações chegassem também as classes populares, o

que levou Vargas a aumentar o número de estações de rádio e a implantar

no interior do Brasil, em 1937, receptores com alto falantes em praças e

vias de movimento. Durante os anos que se seguiram, as concessões e

permissões de radiodifusoras e teledifusoras continuaram a ser concedidas

conforme o jogo político do País.

A implantação do Estado Novo trouxe a vida política e administrativa

brasileira as marcas da centralização e da supressão dos direitos políticos.

O Congresso Nacional foi fechado, juntamente com as assembléias

legislativas e as câmaras municipais. “Em linhas gerais, o regime propunha

a criação das condições consideradas necessárias para a modernização da

nação: um Estado forte, centralizador, interventor, agente fundamental da

produção e do desenvolvimento econômicos” (Fundação Getúlio

Vargas,2001). Todas as medidas de censura e repressão foram tomadas por

Vargas para que sua ideologia não fosse abalada.

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O período do Estado Novo, coincide com transformações econômicas

e sociais, e com a influência de duas forças atuando sobre a radiodifusão.

“Por um lado, há um aprofundamento do caráter comercial dasemissoras, que corresponde a uma maior assimilação daradiodifusão pelo sistema produtivo. Por outro lado, há a pressãodo Estado, especialmente através do Departamento de Imprensa epropaganda (DIP), que estabelecia normas de censura e distribuíaas verbas da publicidade oficial, conformando um papel políticopara a radiodifusão, orientando para o fortalecimento do “podercentral”. Além da intervenção cotidiana do DIP, foi criada a “Horado Brasil”, um programa diário de divulgação dos atos oficiais, queé mantido até hoje, com retransmissão obrigatória e simultâneapor todas as emissoras de rádio no território nacional”(Herz,1987,p.78).

O DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda, fundado em 1939,

pelo Presidente Getúlio Vargas, serviu como instrumento de manipulação e

de castração das idéias que divergiam aos ideais impostos por Vargas. O

DIP, na verdade, foi originário de outros três órgãos, também criados por

Vargas: o Departamento Oficial de Publicidade, em 1931; o Departamento

de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), em 1934; e o Departamento

Nacional de Propaganda (DNP), em 1938. Todos com o objetivo de atender

os interesses do Governo. Interesses estes que se propagaram diretamente

para as questões das concessões. Afinal a força econômica e política que

uma concessão representava para seu proprietário e para o Estado, através

da troca de favores, garantia uma certa parcialidade e “apoio” das emissoras

concessionárias.

A instalação do DIP marcou a questão das comunicações no Brasil.

Este órgão do Estado servia como instrumento político, direcionando as

verbas publicitárias para fortalecer empresas que contribuiriam com o

Estado, e divulgando de forma repetida as idéias de Vargas, manipulando

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assim grande parte da população brasileira. Segundo Nobre (1998), “O DIP,

que tinha como função básica difundir a ideologia do Estado Novo e

possibilitar o culto à figura de Vargas junto às camadas pobres, se utiliza da

propaganda e da educação como instrumento de adaptação do homem à

nova realidade social. Era esse o papel do DIP, destinado não só a doutrinar,

mas a controlar as manifestações do pensamento do país” . O DIP foi

utilizado pelo Estado como ferramenta de pressão e repressão, que

estabelecia uma rígida vigilância em relação às manifestações da cultura

popular.

A propaganda das idéias “varguianas” foi facilitada pelo controle dos

mais variados meios de comunicação pelo Estado, sendo seus instrumentos

principais o rádio e a imprensa, através da inserção da política de Vargas

repetidamente nestes veículos de comunicação de massa.

O reflexo deste processo de doutrinação das idéias de Vargas nas

classes populares, somado a questão de conceder a outorga de emissoras

de rádio, e mais tarde também de televisão, como troca de favores ou

moeda política, contribuiu para a falta de pensamento crítico desta classe

com relação às informações que lhes são repassadas pelos veículos de

comunicação, o que acabou marginalizando esta camada da sociedade

brasileira. Foi feito um processo de “mitificação” da figura Vargas através do

DIP até 1945, quando o Departamento foi substituído pelo Departamento

Nacional de Informações – DNI e quando Vargas foi deposto.

Neste mesmo ano, o sistema de radiodifusão recebeu novos

dispositivos, com o Decreto Lei n.º 7.666 (Lei Malaia). Estes dispositivos

determinavam que empresas jornalísticas, de rádio e teledifusão, entre

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outras, não podiam restringir a liberdade econômica de outras empresas,

através do estabelecimento de monopólio; não podiam fundir, incorporar,

transformar, agrupar ou dissolver, sem prévia autorização do Conselho

Administrativo de Defesa Econômica – CADE. A legislação procurava coibir

a criação de poucos grupos dominando a comunicação do País, porém “as

licenças para a exploração de canais eram concedidas a título precário,

tendo o Estado o monopólio da radiodifusão” (Caparelli,1986,p.81). Ou seja,

mesmo tendo o objetivo de coibir o monopólio, o Estado acabava trocando

canais de rádio por apoio político, concedendo os canais para os grupos que

detinham o capital.

Na Constituição Federal de 1946, a questão do sistema de

radiodifusão foi tratada dentro das mesmas preocupações da Constituição

Federal de 1934, deixando apenas uma lacuna. O art. 5º, XII, mantém sob a

alçada do Estado da União a exploração, direta ou mediante autorização ou

concessão, os serviços de radiocomunicação e radiodifusão. No título V, art.

160, manteve- se a proibição de propriedade de empresas jornalísticas e de

radiodifusão, por sociedades anônimas e estrangeiros. E também a lacuna:

permissão aos Partidos Políticos nacionais.

Art. 160, da Constituição Federal de 1946:

“ É vedada a propriedade de empresas jornalísticas, sejampolíticos ou simplesmente noticiosas, assim como a deradiodifusão, a sociedades anônimas por ações ao portador e aestrangeiros. Nem esses, nem pessoas Jurídicas, excetuados osPartidos Políticos nacionais, poderão ser acionistas de sociedadesanônimas proprietárias dessas empresas. A brasileiros caberá,exclusivamente, a responsabilidade principal e a sua orientaçãointelectual e administrativa”

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Este dispositivo divergiu completamente do que as Constituições

anteriores afirmavam. A cama estava feita e os políticos se deitaram e se

deleitam até hoje.

Tangenciando a Constituição de 1946, foi editada a Lei n.º 4.117, de

27 de agosto de 1962, que institui o Código Brasileiro de

Telecomunicações. Foi a principal lei que tratou os veículos de

comunicação. Bastante técnica e voltada a normatização do sistema de

radiodifusão, mantém sob a competência da União a fiscalização,

exploração e permissão do sistema de concessões, além de decidir sobre a

outorga ou renovação de quaisquer permissão e autorizações de serviço de

radiodifusão. Os prazos de concessão ficaram estipulados da seguinte

forma: 10 anos para serviço de radiodifusão sonora, e 15 anos para

televisão, podendo ser renovável pelo mesmo período.

A questão da concessão local de telecomunicações passa a ser

autorizada pelo Conselho Nacional de Telecomunicações, e este sempre

apresentará seu parecer ao Presidente da República, em situações relativas

a concessões. Na questão da propriedade: continua permitida gerência e

cargo diretor apenas para brasileiros natos, porém a partir desta data fica

permitido, mediante autorização de CNT, empregar estrangeiros para

cargos técnicos. Com relação à direção de mais de uma pessoa num mesmo

tipo de serviço de radiodifusão e localidade.

Durante este período o quadro “nacionalista” que havia sido imposto

por Vargas inverteu- se, pois o sistema produtivo passou a ser controlado

pela burguesia associada ao capital estrangeiro. Na volta de Vargas em

1950, o quadro de internacionalização da economia estava concretizado,

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inclusive “os grandes jornais, financiados pelas agências de publicidade

estrangeiras e pelas empresas multinacionais, moveram violentas

campanhas contra o Governo” (Herz,1987,p.81). Os veículos de

comunicação, rádio, mídia impressa e televisão, que nesta época já haviam

surgido, denunciaram casos de corrupção e calúnias, tendo participação

fundamental da definição deste período político. Sob pressão, Vargas se

suicida em 24 de agosto de 1954. A liberdade de expressão foi retomada.

Os anos seguintes foram também marcados pela internacionalização

da economia o que refletiu na organização econômica dos meios de

comunicação de massa, que direta e indiretamente passaram a atuar como

mediadores dos interesses do imperialismo e da burguesia associada

(Herz,1987,p.82). A associação do capital estrangeiro nos veículos de

comunicação delinearam- se ainda mais, em 1961, quando surgiram

contratos entre as organizações Globo e o grupo norte- americano Time-

Life, porém os contratos só foram executados em 1964.

O decreto nº 52.795, de 1963, denominado Regulamento dos

Serviços de Radiodifusão, mantém os mesmos dispositivos sobre a questão

da outorga das concessões. Na Constituição Federal de 1967, também não

houve grandes mudanças com relação ao sistema de radiodifusão.

“ No que tange a legislação infraconstituicional posterior à referidaCarta magna de 1967, é mister destacar dois instrumentos legaisde suma relevância para o País. O primeiro deles é a Lei 5.250/67que regulava a liberdade de manifestação do pensamento einformações, impondo ao povo brasileiro décadas de umavergonhosa censura, marca registrada do Estado de Direito(obviamente, não democrático) imposto pelo regime militar. Osegundo deles é o Decreto- lei 236/67, que traz modificações aoCódigo de Telecomunicações de 1962 e, portanto, continua, assimcomo referido Código, em vigor” (Vichi,2001,p.5).

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As alterações mais relevantes do Decreto- lei n.º 236, de 28 de

fevereiro de 1967, relacionam- se a restrição da outorga de concessões. As

empresas com atividade no setor da radiodifusão passaram a receber

limites técnicos, com a justificativa de tentar coibir a monopolização da

comunicação por um mesmo grupo/família.

Art. 12 do Decreto- lei 236/67:

“Cada entidade só poderá ter concessão ou permissão paraexecutar serviço de radiodifusão, em todo o país, dentro dosseguintes limites:II – Estações radiodifusoras de som e imagem – 10 em todoterritório nacional, sendo no máximo 5 em VHF e 2 por Estado.§ 2º Não serão computadas para os efeitos do presente artigo, asestações repetidoras e retransmissoras de televisão, pertencentesàs estações geradoras.§ 5º Nenhuma pessoa poderá participar da direção de mais deuma empresa de radiodifusão, em localidades diversas, emexcesso aos limites estabelecidos neste artigo.”

Porém, o estabelecimento das questões técnicas, não conseguiu

limitar o alcance de uma emissora e impedir o monopólio. As empresas

geradoras passaram a transmitir sua programação através de empresas

afiliadas, que não são caracterizadas como estações de radiodifusão e sim

como geradoras ou retransmissoras, não burlando assim o que o art. n.º.

12, inciso II, determina. Mas o que acontece, firmando a abrangência de

uma emissora em todo território nacional e estadual:

“a estação geradora “afiliada” recebe uma concessão para utilizaruma determinada freqüência de radiodifusão de imagens. A partirdo momento que sai um sinal dessa geradora contendo imagenspara as estações transmissoras (estações que simplesmenterepassam o sinal), - que, por sua vez, enviam esse sinal para osaparelhos receptores - , fica caracterizada a geração de imagens”(Vichi,2001,p.6).

Significa que grandes geradoras podem passar sua programação por todo o

Brasil através de suas afiliadas, monopolizando a comunicação, sem

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infringir a lei, graças a dois detalhes: o número de afiliadas de uma grande

geradora não é legalmente definido; e simplesmente por a grande geradora

não ser proprietária das afiliadas.

No período entre 1967 e 1988, quando foi institucionalizada a

Constituição Federal que ainda está em vigor, houve um desvario na

distribuição de outorgas. Sarney, o campeão das outorgas, “em apenas 35

dias do início de setembro até o dia 5 de outubro, data da promulgação da

Constituição, (...) despachou mais de 282 outorgas, quase 30% do total que

foi concedido durante seu governo” (FENAJ,1990,p.13).

A lacuna deixada na lei caracteriza o monopólio indireto de grandes

grupos que vem a ser questionado na Constituição Federal de 1988, art.

220, que está atualmente em vigor: “§ 5º – Os meios de comunicação social

não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou

oligopólio.”

Na Constituição Federal de 1988, Titulo 8: Da Ordem Social,

Capítulo 5 - Da Comunicação Social, art. 224, é criado o Conselho de

Comunicação Social, para auxiliar o Congresso Nacional nas determinações

sobre o sistema de radiodifusão e imprensa. A intenção era democratizar as

questões ligadas ao sistema de radiodifusão, principalmente a questão das

permissões e outorgas, que estavam diretamente ligadas a resoluções

tomadas pelo Congresso Nacional. Porém, a criação deste Conselho nunca

saiu do papel. “A reforma constitucional de 88 criou o Conselho Federal de

Comunicação, que até hoje não foi empossado por falta de entendimento

em relação a seus componentes” (Alves citado por Lobato,2001). Colocar no

Conselho pessoas ligadas a sociedade que não fazem parte do cerco oculto

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pelo empresariado das comunicações e pelos políticos, poderia dificultar a

tramitação de muitas questões ligadas ao sistema de radiodifusão.

A questão da democratização através da implantação de um órgão

que auxiliasse o Ministério das Comunicações, aparece, em 1998, no

projeto desenvolvido pelo então Ministro das Comunicações, Sergio Motta,

denominado Lei de Comunicação de Massa. Mas este projeto foi engavetado

e substituído. O atual Ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga,

apresentou um novo projeto.

Com o objetivo de complementar e atualizar os dispositivos da

Constituição Federal de 1988, subscreveu- se o Decreto n.º 97.057, de 10

de novembro de 1988, que altera os Títulos I, II e III, da Lei n.º 4.117/62.

Foram apenas alterações e adaptações técnicas, devido os avanços

tecnológicos.

A legislação em vigor sobre a questão da radiodifusão no Brasil faz

parte da Constituição Federal de 1988: uma legislação que necessita de

atualização, afinal há avanços tecnológicos e mudanças sócio, políticas e

econômicas no Brasil. Além, do processo mais importante deste sistema,

que o ex- ministro tentou inserir: a democracia nos meios de comunicação.

“É bom ressaltar que o Brasil necessita de uma lei abrangente eatualizada nessa área, pois quase toda a legislação que ainda regea radiodifusão brasileira tem sua origem num capítulo do velhoCódigo Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, complementadopelo Decreto- Lei 236, dos tempos da ditadura. Mais do que isso: oPaís precisa de uma lei que modernize e redefina as grandeslinhas políticas e institucionais não apenas da radiodifusão (rádioe tv), mas de numerosas outras formas de comunicação eletrônicade massa criadas pela extraordinária revolução das tecnologias dainformação e das telecomunicações” (Siqueira, 2001).

Os primeiros passos para a modificação da forma de se conceder um

canal de radiodifusão foram dados em 1996, durante o primeiro mandato

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de Governo do atual Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso,

quando o processo de concessão, que antes era definido por critérios

políticos, foi modificado com o Decreto n.º 2.108, de 24 de novembro de

1996, ficando determinado que a outorga para a execução dos serviços de

radiodifusão deverá ser precedido por processo licitatório, cujo processo de

elaboração do edital de licitação fica sob responsabilidade do Ministério das

Comunicações.

Mas esta também é uma questão questionável, afinal o vencedor do

processo licitatório não é determinado por princípios democráticos, e sim

pelo poder econômico. Com o anteprojeto da futura Lei do sistema de

radiodifusão, busca- se que “(...) o vencedor seja escolhido entre o que

mais se aproxima da média das ofertas dos participantes, e não pelo maior

lance, como se faz agora. (...) Hoje, quem não tem poder econômico, não

tem rádio.” (Bandeira citado por Sato,2001).

Para tentar adaptar a legislação do sistema de radiodifusão a

realidade atual brasileira (a legislação de 1988, que está em vigor e que tem

suas raízes diretamente ligadas aos primeiros decretos e leis), está sendo

dado mais um passo: a formulação do anteprojeto da nova Lei dos Serviços

de Radiodifusão, desenvolvido pelo Ministro das Comunicações, Pimenta da

Veiga.

1.2. ANTEPROJETO DA RADIODIFUSÃO

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Antes de abordar o anteprojeto desenvolvido pelo Ministro das

Comunicações Pimenta da Veiga, que deverá ser enviado para o Congresso

Nacional até dezembro deste ano, precisa- se estudar e analisar o projeto

desenvolvido pelo ex- ministro das Comunicações, Sergio Motta. O

importante deste estudo é mostrar a diferença estrutural dos dois

anteprojetos.

No primeiro projeto a questão da radiodifusão era tratada de uma

maneira bem mais democrática o que se perdeu após a morte de

Sergio Motta, quando Pimenta da Veiga assumiu e reformulou o

projeto. “A linha de elaboração sofreu uma guinada, mostrando- se

muito mais permeável às posições do empresariado de radiodifusão”

(Herz,2001).

A versão de Sergio da Motta, denominada Lei de Comunicação

Eletrônica de Massa, elaborada em dezembro de 1998, havia a intenção de

afastar as decisões da radiodifusão do circo montado pelos políticos

brasileiros. “Em 98, Motta determinou que o projeto de lei deveria ter, entre

outros, dispositivos que impedissem ou inibissem a formação de

monopólio ou oligopólios dos meios e conteúdos de comunicação” (Paul e

Cordeiro, 2001).

Com a intenção de possibilitar um sistema democrático nos meios de

comunicação, Motta subscreveu: a implantação de uma Agência Reguladora

com autonomia; a intenção de garantir ao público o direito de escolher o

que ver e ouvir; limitar a cobertura de uma empresa da comunicação em

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30% dos domicílios que possuem aparelhos televisores; e a permanência do

processo licitatório para a outorga das concessões.

Destas questões, algumas permaneceram no projeto posterior, porém

o grande diferencial dos dois anteprojetos trata- se da questão da

concentração do poder nas mãos do Ministério das Comunicações. O ideal

de Sergio de Motta era criar a Agência Nacional de Comunicações (Anacom),

visando

“ a redução do Ministério das Comunicações a uma estruturaenxuta, com a principal missão de fazer o planejamento do setor eacompanhar a agência. A Anacom (...) regulamentaria e fiscalizariaas empresas de telefonia, serviços postais e de comunicação demassa, incluindo rádio e televisão e novas tecnologias, como Tvpor assinatura e digital” (Paul e Cordeiro,2001).

Esta atitude, ligada à implantação de um sistema licitatório para a definição

da outorga das concessões, implantada por Motta em 1996, dificultaria a

continuação do que aconteceu desde o início: trocar concessões por favores

políticos.

Já Pimenta da Veiga mantém sob a alçada do Ministério das

Comunicações, a organização da exploração dos serviços de radiodifusão e

não trata de todos os veículos de comunicação de massa como fez Motta,

trata somente das questões ligadas ao veículo rádio e ao veículo televisão e

ainda de forma distinta. “O anteprojeto mantém separadas a

regulamentação das telecomunicações (consideradas como meios físicos,

regidos por critérios técnicos) e a da radiodifusão (controle e conteúdo das

emissoras)(...)” (Brant,2001,p.30).

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O ideal seria unificar a legislação para cuidar da radiodifusão, Tv por

assinatura e serviços multimídia, ou seja, uma legislação única para todos

os veículos de comunicação de massa.

Com relação a questão das concessões, o processo licitatório

permanece, e também permanece sob a alçada do Estado da União a

competência de outorgar e renovar as concessões do sistema de

radiodifusão, por intermédio do Ministério das Comunicações, mantendo

assim a política da comunicação iniciada em 1931, quando o poder

econômico e os favores políticos direcionavam a outorga das concessões

para a elite. “A intenção de Pimenta da Veiga de fortalecer o ministério,

mantendo a radiodifusão sob sua alçada, foi criticada por entidades de

classe e empresas” (Lobato,2001).

Dentro da questão das concessões é importante ressaltar que nesta

versão, o limite para o número de canais de cada região é determinado por

questões técnicas, porém, se o Ministério das Comunicações considerar

viável, poderá ser concedido mais um canal. Projeto- Lei dos serviços de

Radiodifusão, Livro IV, Das Condições Específicas de Exploração dos

Serviços de Radiodifusão, Capítulo I, Da Concessão dos Serviços de

Radiodifusão Comercial, Art. 38: “Ressalvadas as restrições de caráter

técnico, o número de canais previsto para cada localidade será definido de

modo a otimizar a exploração dos serviços prestados è população.”

O anteprojeto impõe limites apenas para meios de comunicação de

uma mesma localidade e não com relação a todo território nacional, o que

possibilita o controle de informação por um determinado grupo. Este

controle ainda é fortalecido por não haver no Projeto- Lei nenhum

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dispositivo que trate a questão da propriedade cruzada, ou seja, um grupo

pode constituir uma corporação da comunicação, possuindo os veículos,

rádio, tv e jornais, por exemplo. Além disso, não há na lei limites para o

número de repetidoras e retransmissoras, possibilitando o monopólio de

determinados grupos, por atingirem várias localidades. “A liberdade é quase

total para montar repetidoras e retransmissoras (...) Agravando ainda mais

o problema, foram extintas todas as regras sobre as relações entre

cabeças- de- rede e afiliadas, substituídas pelo seguinte texto: ‘A relação

entre cabeças- de- rede e afiliadas será acordada entre as

partes’”(Brant,2001,p.30).

Outro dispositivo, que já foi questionado em 1988, permanece na

versão de Pimenta da Veiga: a “criação” de um “novo” Conselho, com a

finalidade de assessorar o Ministro de Estado, denominado Conselho

Nacional das Comunicações – CNC.

Projeto- Lei dos Serviços de Radiodifusão, Livro II, Do Conselho

Nacional de Comunicação, Título I, Da criação do Conselho, Art. 13: “Fica

criado o Conselho Nacional de Comunicação – CNC, órgão colegiado

integrante da estrutura organizacional do Ministério das Comunicações,

com a finalidade de assessorar o Ministro de Estado na formulação de

políticas e diretrizes para a exploração dos serviços de radiodifusão.”

A composição do Conselho é estabelecida da seguinte maneira: 11

membros, sendo eles, o Secretário de Serviços de Radiodifusão; um

representante indicado pelo Ministro de Estado da Cultura e outro indicado

pelo Ministro de Estado da Educação; um representante do Conselho

Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, indicado pelo Ministro

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de Estado da Justiça; sete representantes indicados por entidades de classe

e por entidades representativas de usuários e de exploradores dos serviços

de radiodifusão. O Presidente do Conselho será eleito pelos membros e terá

mandato de um ano. Mesmo com a composição definida permanece a

pergunta: será que desta vez o Conselho sairá do papel?

Esta é apenas uma entre as mais de mil questões que foram

colocadas ao Ministro durante o período que o anteprojeto esteve sob

consulta pública. Isto mostra que a sociedade, ou pelo menos uma parte

intelectualizada e que luta pelo direito da sociedade brasileira, está disposta

a garimpar uma Lei que respeite a liberdade e pluralidade de expressão, a

livre concorrência entre grupos, a escolha por parte da sociedade no que ver

e ouvir: democracia.

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