Capitalismo Selvagem Rev Dentro Da Ordem

15
1 Capitalismo selvagem, dominação autocrático-burguesa e revolução dentro da ordem Heloisa Fernandes Emoção é o sentimento que melhor expressa o que sinto ao participar dessa mesa-redonda 1 , na companhia de tantos amigos, companheiros de partido, como Ivan Valente, admiradores e leitores de Florestan, bem como da minha família e dos meus próprios queridos amigos. Emoção porque ela está sendo realizada aqui, na Maria Antonia, onde cresceu, ganhou renome e, posteriormente, foi destruída, a chamada Escola de Sociologia de São Paulo, produzida pela cadeira de Sociologia I, onde Florestan e seus assistentes, aos quais, aliás, dedica o livro A Revolução Burguesa no Brasil, construíram, segundo ele, “um pequeno mundo que bem depressa se converteu na razão de ser de nossas vidas e no eixo em torno do qual iriam girar as nossas atividades profissionais ou políticas”, 2 Não respondo pelos seus assistentes, mas posso garantir que Florestan disse a verdade. Afinal, a Maria Antonia foi a grande rival das nossas vidas, da minha mãe, minha e dos meus irmãos. Quantas vezes fomos deixados na 1 Mesa-redonda realizada no dia 7 de abril de 2006, presidida pela profa. Maria Arminda Arruda, com a participação de Fernando Henrique Cardoso e Heloísa Fernandes, por ocasião do lançamento das novas edições de A Revolução Burguesa no Brasil e Pensamento e Ação, de Florestan Fernandes, pela Editora Globo. 2 Fernandes, F., A Sociologia no Brasil, Petrópolis, Vozes, 1977, p. 192.

description

texto muito legal

Transcript of Capitalismo Selvagem Rev Dentro Da Ordem

1 Capitalismoselvagem,dominaoautocrtico-burguesaerevoluodentroda ordemHeloisa Fernandes Emoo o sentimento quemelhorexpressao que sinto ao participar dessa mesa-redonda1,nacompanhiadetantosamigos,companheirosdepartido, como Ivan Valente, admiradores e leitores de Florestan, bem como da minha famlia e dos meus prprios queridos amigos.Emooporqueelaestsendorealizadaaqui,naMariaAntonia,onde cresceu,ganhourenomee,posteriormente,foidestruda,achamadaEscola deSociologiadeSoPaulo,produzidapelacadeiradeSociologiaI,onde Florestaneseusassistentes,aosquais,alis,dedicaolivroARevoluo Burguesa no Brasil, construram, segundo ele, um pequeno mundo que bem depressa se converteu na razo de ser de nossas vidas e no eixo em torno do qualiriamgirarasnossasatividadesprofissionaisoupolticas,2No respondopelosseusassistentes,maspossogarantirqueFlorestandissea verdade.Afinal,aMariaAntoniafoiagranderivaldasnossasvidas,da minhame,minhaedosmeusirmos.Quantasvezesfomosdeixadosna 1 Mesa-redonda realizadano dia 7 de abril de 2006, presidida pela profa.Maria Arminda Arruda,comaparticipaodeFernandoHenriqueCardosoeHelosaFernandes,por ocasiodolanamentodasnovasediesdeARevoluoBurguesanoBrasile Pensamento e Ao, de Florestan Fernandes, pela Editora Globo. 2 Fernandes, F., A Sociologia no Brasil, Petrpolis, Vozes, 1977, p. 192.2 caladaemfrentesportasdoDanteAlighieri,aindafechado,paraoturno da tarde, porque nosso pai queria ter a certeza de ser o primeiro a chegar na Maria Antonia! Emoo, tambm, porque foi onde fiz a graduao em Cincias Sociais. Foiondeconheci,comocolegadeclasse,PauloSilveira,meumaridojh quasequarentaanos.Foiondefuialuna,entretantosoutrosvalorosos professores,incluindomeuprpriopai,dasaudosaGiocondaMussolini, antroplogabrilhanteegrandeamigadeFlorestan.Quantasvezes,quando ele precisava de dinheiro, ela comprava-lhe os livros apenas para guard-los at que ele pudesse readquiri-los novamente! Emoopelapresenadaminhacolegaeamiga,professoraMaria Arminda Arruda, cujo nome indicamos, minha famlia e eu, editora Globo paradirigiracoleoObrasReunidasdeFlorestanFernandesporlhe reconhecermos,todosns,suaseriedadeintelectualesuaimbatvel competnciaacadmica,provadanosseusinmerostrabalhos,pesquisase orientaes de tese sobre Florestan . Emoo,aindapeloreencontrocomFernandoHenriqueCardosoque nofoiapenasoassistentequeridoeadmiradoporFlorestan,masquese tornouaqueleamigoque,noobstantetrilhandocaminhospolticos 3 diferentes,acompanhou,solcitoesolidrio,momentosdifceisdavida afetiva,intelectualepolticadeFlorestan.Creiomesmoserestaumaboa ocasio para dar testemunho de um carinho especial do presidente Fernando HenriquecomFlorestan.Muitasvezes,chegueiaoHospitaldasClnicas, ondeeleestavainternado,paraencontr-loalegre,animado,comovido: Helosa,oFernandoHenriqueligouparac!Queriasabercomoestou. Consideraoaindamaisespecialporquemuitoscompanheirosdoseu prprio partido no tiveram a mesma gentileza. Emoo,finalmente,porestaraquiparafalarsobredoislivrosto importantesdaobradeFlorestan.Afinal,paraARevoluoBurguesano Brasil, Florestan escreveu uma Nota Explicativa agradecendo o estmulo dos professoresLuizPereiraeFernandoHenriqueCardosoeoincentivo entusisticodeminhafilha,aprofessoraHelosaRodriguesFernandes3 (p.9).Podeserestaumaboaocasioparaesclareceroquesepassou. ProfessoradeSociologianaUSP,euestavapreparandoaredaodaminha dissertaodemestrado.Numdomingo,conversandocommeupai,faleida minhadificuldadeparaencontrarumaperspectivadeanlise sociologicamenterelevantedasociedadebrasileiraapartirdeondepoderia ganharsentidoacriaodaantigaejsaudosaForaPblicadoEstadode 3 Fernandes, F., A Revoluo Burguesa no Brasil,So Paulo,Globo, 2006, p.25. 4 SoPaulo.Meupairespondeucomosemprefazia:poisleiaisto,aquiloe aquilo outro. Depois, se quiser, consulte meu arquivo. Dei um curso sobre a formaoedesenvolvimentodasociedadebrasileira,nagraduao,em 1966.Leiaasfichasdocursoporquevocpodeencontraralgumas sugestes.Evidentemente,comeceipelaleituradasfichasefiquei encantada!Nuncatinhalidonadacomigualestatutosociolgicosobrea sociedadebrasileira.Entusiasmada,disse-lhequeaquelematerialnopodia ficar mofando no arquivo, que ele precisava ser publicado. Podem acreditar, meu pai resistiu o que pde, que de modo nenhum, que era apenas material deaula,etc.etal.Insistiepersistiinmeraserepetidasvezescomessa garra que, afinal, herdei do meu prprio pai at que consegui abrir brechas na sua frrea determinao. Lembro que, certo dia, parou de argumentar, olhou bemparamim,comaquelesseuslindosolhosjbrilhandonaalegria antecipadadotrabalhoqueteriapelafrente,edissealgomaisoumenos assim: Voc acha mesmo? Tem certeza? Ento, vou reler essas fichas... E foiassimqueumcursosobreaformaoedesenvolvimentodasociedade brasileiracomeouasertransformado,inicialmente,noARevoluo BurguesaemProcesso,quecomoeuocito,aindacomotexto datilografado, na minha dissertao de mestrado, publicada em 19744, para se 4 Fernandes, H, Poltica e Segurana, So Paulo, Alfa & mega,1974. 5 tornar, finalmente, A Revoluo Burguesa no Brasil o qual, publicado pela primeira vez em 1975, constitudo pela reviso das anotaes das aulas, de 1966,eporumalongaTerceiraParte,RevoluoBurguesaeCapitalismo Dependente, que Florestan escreveuespecialmente para o livro, em 1973.5 Amudanadottulodeformaoedesenvolvimentodasociedade brasileira para a revoluo burguesa no Brasil, significativa. Florestan acabavaderetornardoCanadondesabemosqueandouestudandoas revolues socialistas na Rssia, na China e em Cuba6. Ademais, Florestan filhodoseuprpriotempo.Vivamosnumapocaricadecontradies.No Brasil,aditaduramilitarestavaliquidandoosltimosremanescentesdos gruposderesistnciaarmada,inclusivenoAraguaia.Aindaassim,tudose transformavaemrevoluo;umapalavraque,alis,aindanosetornara, como hoje, essa espcie de palavro que estamos proibidos de pronunciar em pblico.Aocontrrio,vivamosumainflaoderevolues;revoluo socialista,revoluoestudantil,revoluofeminista;atmesmoogolpe militar se auto-intitulou revoluo de 1964! 5EmSociologianoBrasil,op..cit.,p.202,Florestanfazvriosesclarecimentossobreo curso de graduao de 1966, sobre o ensaio Sociedade de Classes e Subdesenvolvimentoe sobre a redao da Revoluo Burguesa no Brasil. 6 Fernandes, F., A Sociologia no Brasil, ob.cit., p.204. 6 Setivessetempo,bemquepoderiacontrastaradiferenadeestilos entreoFlorestanqueescreveu,em1959,AtitudeseMotivaes DesfavorveisaoDesenvolvimento,publicadonolivroMudanasSociais noBrasil7,comapresentaodeFernandoHenriqueCardoso,diretorda coleoequeFlorestandedicouaoseumaioramigo,oprofessorAntonio Candido.Nele,comumaacuidadeevivacidadedesnorteantes,Florestan persegueseuobjetivodediferenciar,daperspectivadasociologia sistemtica, os conceitos de desenvolvimento e mudana social porque,para ele,seriamportadoresdeumnotvelvalorheursticoepragmtico.Nessa anlisedensa,fechada,concentrada,podemosacompanharofuncionamento da sua inteligncia de enxadrista, que ele nunca foi, capaz de diferenciar isto daquiloedaquilooutro,numalgicaimplacvelondeBsegue-sedeAque deriva de C e assim por diante, de tal modo que se torna impossvel resumir o quealiest!Artigoquemobilizateoriasdasmaisvariadasprocednciase querecorreaumaenormidadedecitaeseindicaesbibliogrficas!Seo estilo faz mesmo o homem, eis a um Florestan que pensa e escreve como e enquantosocilogoprofissional,queaposta,comMannheim,nas possibilidadesdaplanificaocomotcnicadeintervenocapazde 7Fernandes,F.,MudanasSociaisnoBrasil,SoPaulo,DifusoEuropiadoLivro, 1974, p.315-343. 7 provocarasmudanassociaisnecessriasparaqueasociedadebrasileira pudesse superar osubdesenvolvimento. 8 No esse o estilo do Florestan que escreveu A Revoluo Burguesa noBrasil.Aqui,nas78pginasdocaptulo7,denominadoOmodelo autocrticoburgusdetransformaocapitalista,omaislongoemais importante da Terceira Parte, Florestan cita apenas Rosa Luxemburgo, Baran eNeumann.Osdoisprimeirosparaprecisaralgumasdassuastesessobreo desenvolvimentocapitalistadaperiferia,dependente,subdesenvolvidoe imperializado9,submetidoaosdinamismosimpostospelaseconomias capitalistascentraisepelomercadocapitalistamundialeoltimopara esclareceraspectospolticosdonacional-socialismo10.Agora,Florestanj noosocilogoprofissionaldefendendoousodastcnicasracionaisde intervenoparaenfrentarasresistnciassociopticas,isto,patolgicas, mudanasocial,comodiziaem195911.ApartirdaRevoluoBurguesa, Florestan quer ligar a investigao sociolgica ao processo de construo de umpensamentosocialistanoBrasil,projetoaindamaisnecessrioporque, 8 Fernandes, F.,ibidem,p. 342/3. 9 Fernandes, F., A Revoluo Burguesa no Brasil, op.cit., p.290-291. 10 Ibidem, p. 351. 11 (...) uma reforma agrria (...). Esse tipo de problema o capitalismo pode resolver. E no casobrasileironoresolveporumaatitudequenadcadade60ossocilogos,eeu mesmo,definimoscomoconceitoderesistnciamudana.Euintroduzinesseconceito um elemento ainda mais forte eu caracterizava essa posio como resistncia patolgica, socioptica mudana. Fernandes, F., Pensamento e Ao, op.cit., p. 191. 8 segundoele,aesquerdabrasileirasempreteveumfascniopelosmodelos externos e pela importao de pacotes culturais estrangeiros12 em detrimento datonecessriaconstruodeumateoriasocialistacentradanas especificidadesdasociedadebrasileira.Emsuma,desdeaRevoluo Burguesa,Florestantemoprojetodeconstruir.Noporacasojnoh citaes bibliogrficas. H sim uma longussima bibliografia apresentada no final do livro, mas esta, sob orientao e correo de Florestan, foi realizada, de fato, por Paulo Silveira.OqueimportaressaltarnonovoestiloesseFlorestanquejno precisafiliar-seporqueestcriandoeafirmando-seporsiprprio.Anose anos de trabalho duro nas bibliotecas, uma carga infinita de leituras, somam-se sua memria prodigiosa e comeam a fermentar num caldeiro onde sua posiosocialistaalia-sesuaextraordinriaimaginaosociolgica. Teorias sociolgicas, mestres e discpulos, transformam-se nas cores de uma palheta com as quais comea a criar uma interpretao singular da sociedade brasileiraeaproduzirconceitosquecarregamsuamarcaregistrada: capitalismoselvagem,circuitofechado,democraciarestrita,compassode espera,transiotransada,etc.No,portanto,que,apsaaposentadoria compulsria,Florestantenhaabandonadoasociologia,maneirano 12 Ibidem, p.193 e p. 236. 9 incomum,masfalsa,deapresent-loeque,domeupontodevista,decide aposent-lonovamente,condenando-oassimaumasegundamorte,aquela que,paraLacan,apiormorte,porqueamortesimblica.Muitoao contrrio,Florestanmudoudeestiloporquemudoudeposio:jnose afirma enquanto filiado, mas como fundador. Alis, o conceito de capitalismo selvagem, do meu ponto de vista, sua principalcontribuiotericanaRevoluoBurguesa.13elequed sustentaoprincipaltesedasuainterpretaodasociedadebrasileira segundo a qual no que, no Brasil, haja uma composio do passado com o presente,domundodasociedadeestamentaleescravistacomomundoda sociedadedeclasses,ondeessepassadoarcaicoestariapesandosobreo presente moderno, obrigando realizao precria ou deficitria da revoluo burguesa,dasociedadedeclasses,docapitalismo.14Umaleiturabastante 13Respondo,agora,comanosaatraso,osaudosoAloysioBiondimas,tambm,amigos meus como Eugnio Bucci e Braslio Sallum Jr., que quiseram saber onde foi que Florestan usoupelaprimeiravezoconceito.Poisbem!Foinapgina293daediode1975ena pgina 341 da edio de 2006 do A Revoluo Burguesa no Brasil. 14 Em 1980, Florestan enftico inclusive sobre o chamado latifndio: Eu no sei como queissosurgenaAmricaLatinadesepararolatifndiodaburguesia.ORuiMauro Marini,quepossuiumnveldeanlisetericamuitosofisticadaeumaposio revolucionriacongruente,mesmoele,nolivroquefoipublicadoemfrancsSobrea Revoluo na Amrica Latina, onde trata do Brasil fundamentalmente, separa o latifndio daburguesia,quandonaverdadeosetormaisreacionriodaburguesiabrasileirao latifundirio. Foi o setor que deu o salto mais rpido no sentido de passar de uma condio aristocrticaparaumaposioburguesa,oqueprocurodemonstraremARevoluo Burguesa no Brasil., entrevista concedida Revista Nova Escrita, Ensaio, So Paulo, ano IV, n 8, 1980, p.29/30. 10 vulgarizada, alis, da interpretao de Florestan. Pior ainda, uma leitura que o tornafiliadoquelasduasinterpretaescujastesesFlorestanestava questionando:adoISEBeadoPartidoComunistaBrasileiro.15No, portanto,paraFlorestan,queoBrasiltenhaperdidoobondepornoter embarcado nele do capitalismo ou,sequer, que o Brasil esteja andando no ritmo lento dos bondes graas ao sobrepeso do passado escravista, estamental e arcaico. Nada disso!O capitalismo, entre ns, o capitalismo dependente, selvagem e s pode ser selvagem. O que significa que ele no , nem ser domesticvel. O capitalismo selvagem e ser crescentemente uma mquina deexplorao,deopressoedediscriminaosemconserto,nemsadas porque,quantomaisessecapitalismosedesenvolver,tantomaiora explorao,aopressoeadiscriminao,agravandoaselvageriaquesua prpria condio. Por isso mesmo, para Florestan, o capitalismo selvagem s se mantm e reproduz graas sua sobredeterminao poltica. ComodizFlorestan,aRevoluoBurguesanaperiferiaum fenmenoessencialmentepoltico(...)oquetornasuaaespolticasde classeprofundamentereacionriasrevelandoaprpriaessncia autocrtica da dominao burguesa e sua propenso a salvar-se mediante a 15NessamesmaentrevistaconcedidaRevistaNovaEscrita,Ensaio,op.cit.,Florestan esclarecesuadivergnciacomainterpretaodoISEBedoPartidoComunista;veja-se, especialmente, p.28-31. 11 aceitaodeformasabertasesistemticasdeditaduradeclasse16Um poderqueseimpe(...)decimaparabaixo,recorrendoaquaisquermeios paraprevalecer(...)econvertendo,porfim,oprprioEstadonacionale democrticoeminstrumentopuraesimplesdeumaditaduradeclasse preventiva 17,sejaelaumaditaduradeclasseabertaeassumidaou dissimulada e paternalista18. Capitalismoselvagemedominaoautocrticasoasduasfacesda mesmamoeda.assimqueaburguesiadependentepode,fomentaro racionalismoacumulador,opragmatismoexpropriativo,oegosmo,o exclusivismo,odespotismodeclasse.19Opreodessacombinaoa gestaoemanutenodeumasociedadecivilincivilizada.Abolicionista, mas no liberal,essaburguesiasoubelutar contra aexistnciado escravo, mas no pela existncia do homem livre.20 RevoluoburguesanoBrasilsignificacapitalismoselvagem,circuito fechado, democracia restrita aos mais iguais, cooptao, ditadura dissimulada ou assumida. Como queria Nabuco, a liberdade existe para ns, homens de 16 Fernandes, F., A Revoluo Burguesa no Brasil, op.cit., p. 343. 17 Ibidem, p. 346. 18 Ibidem,p. 398. 19 Ibidem, p.360. 20EntrevistadeFlorestanFernandesparaaRevistaNovaEscrita,Ensaio,anoIV,n8,S.P., 1980, p. 32. 12 gravatalavadaenoparaopovoeademocraciaumanecessidadee umaregaliadosquesogente.21Nemdparaacreditar,masjfazvinte anosqueFlorestandeclarouqueasituaonocampohojeomelhor exemploquetemosdaexclusodohomempobre,dasclassesoprimidase subalternas da sociedade civil. Esses seres humanos no so seres humanos, comocidadosnosonemcidadosdesegundaclasse.Issocriauma situao potencial de conflitos muito forte (...) 22 Capitalismoselvagemedominaoautocrtico-burguesasoduas ncorasdamesmaestrutura.Umcapitalismoqueassocialuxo,podere riqueza,deumlado,extremamisria,oprbioeopresso,dooutro(...) comoseosmundosdasclassessocialmenteantagnicasfossemosmundos deNaesdistintas,reciprocamentefechadasehostis,numaimplacvel guerra civil latente. 23 Diagnsticodetrintaanosatrsque,infelizmente,comotempo, ganhouaindamaioratualidade,comotambmseusimpassesesuas alternativas!Afinal,sabemosqueARevoluoBurguesanoBrasilest 21 Fernandes, F., O que revoluo, So Paulo,Brasilienese,1981, p.91. Ainda outro dia ouviaconversadeumgrupodesenhores,classemdia,setentes.Diziaumdelesaos demaisqueaeleiodoLulaculpadademocracianoBrasil.Eexplicou:Vejams,o meuvoto,meu,quefizfaculdade,tenhodiploma,valeumeovotodaminhaempregada domstica, que analfabeta, tambm vale um! Um por um! Assim no d! 22 Fernandes, F., Pensamento e Ao, op. cit., p. 191.23 Fernandes, F. , A Revoluo no Brasil, op.cit., p.353/4. 13 marcadapelaconcepohistoricistasegundoaqualasclassesdominantes tmtarefashistricasaseremrealizadas.Nadaavercomasinfantilizantes liesdecasaquenossosgovernantesapregoamnecessriasparapagaros jurosdeumadvidaimpagvel.Tarefashistricas,paraFlorestan,so aquelas que a burguesia brasileira no realizou, nem pode, nem quer realizar. O conceito de capitalismo selvagem torna-se ainda mais escandaloso porque carrega um julgamento sem perdo, rememorando o fracasso dos dominantes eogritodosexcludos.24Astarefashistricasrecalcadas,irrealizadas, permanecempressionandooconceitodetalmodoqueFlorestanpassara assumirainexorabilidadeparadoxaldarevoluodentrodaordem! Socilogodetarimba,Florestanbemsabediferenciarreformadentroda ordem-derevoluocontraaordem.Aindaassim,manteveereiterou, desde A Revoluo Burguesa e mais ainda no Pensamento e Ao, que esta pressocontnuaeincessantefeitapelosdebaixosualutapararealizara revoluo dentro da ordem!Se, para Freud, o recalcado est condenado ao retorno, para Marx eleessefantasmaqueamaldioaopresentedaburguesiacomoummorto insepulto. Florestan insiste na revoluo dentro da ordem precisando que ela 24Reconheo que assumi uma dvida com Olgria Matos na sua bela anlise da concepo dehistriadeWalterBenjamin.EmboraosconceitosdeFlorestanbempossamser analisados sob esse prisma, ele prprio no o assumiu. 14 implicaa realizao das reformas capitalistas (como a reforma agrria,a reformaurbana,areformaeducacional,ocombatemisria,s desigualdades extremas, fome, excluso, etc.)25. Em suma, revoluo dentro da ordem a revoluo democrtica, esta que colocar no centro do processo os estratos da populao que sempre foram excludos, como os trabalhadores do campo e da cidade, e todos aqueles que no tm peso e voz na sociedade civil.26 Revoluodentrodaordemdestinadaaderrotaromandonismodas elitesiniciandopara valeraconstruodeumasociedade democrtica.Ora, desdeARevoluoBurguesanoBrasil,Florestanestconvencidoquea democracia incompatvel com o capitalismo selvagem e coma dominao autocrtico-burguesa.27Nenhumparadoxo,portanto,queelaspossaser realizadagraaseatravsdalutapolticadosexcludos,poispensoque,no fundo,Florestantornou-secrescentementeconvencidoquearevoluo democrtica - para nem mencionar a revoluo nacional (antiimperialista) 25 Fernandes, F., Pensamento e Ao, op.cit., p. 48. 26 Fernandes, F., ibidem, p.189. 27Alis,paraFlorestan,oproblemacentralsemprefoiodademocracia.Seo desenvolvimento se acelera sem que se acelere o processo de democratizao, diz ele, no h ganhos reais. Veja-se a entrevista concedida Revista Escrita. Ensaio, op.cit., p.28. 15 incompatvelcomoslimitesinelsticosdaordemburguesadependente tornando-se, de fato, uma das tarefas de um projeto socialista.28

QuantorevoluoburguesanoBrasil,ficoucondenadarepetio dos mesmos horizontes tacanhos e egostas da Abolio,uma revoluo do branco para o branco29, com a excluso da maioria. 28TeseafirmadacomtodasasletrasnoseutrabalhoautobiogrficoEmbuscadeuma SociologiaCrticaeMilitante:(...)ocontroleburgusdasociedadecivilestava bloqueando e continuaria a bloquear de modo crescente, no Brasil, a revoluo nacional e a revoluodemocrticaderecorteespecificamentecapitalista,ASociologianoBrasil, op.cit.,p. 205 29Ibidem, p.198.