Capitalismo selvagem

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Pesquisa FAPESP - 158

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• Pesqu1sa 1 58 ABRIL 2009

> CAPA

16 Henry Ford tentou, sem sucesso, produzir borracha e utopias na floresta

23 Pesquisas discutem impacto do contrabando de sementes da seringueira por ingleses

> ENTREVISTA 10 Walnice Nogueira Gaivão

lança novos livros e fala sobre Guimarães Rosa, Lula, o Iraque e até sobre a crise econômica

> POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

32 SENSORIAMENTO

REMOTO

Nova geração de satélites promete impulsionar pesquisa e vigiar melhor a Amazônia

36 INTERCÂMBIO

Programa promove estágios internacionais de pesquisa para alunos de iniciação científica

38 BIODIVERSIDADE

Biota-FAPESP entra em nova fase e busca maior inserção no exterior

39 COLABORAÇÃO

Grupos de pesquisa sobre câncer articulam-se em rede

nacional

40 COOPERAÇÃO

Centro das Nações Unidas na África do Sul abre espaço para pesquisadores brasileiros em câncer e doenças infecciosas

> CIÊNCIA

46 SAÚDE MENTAL

Mais atenção e alguns telefonemas reduzem em dez vezes as novas tentativas de suicídio

NEUROCIÊNCIA

Estímulo elétrico na medula espinhal reduz sintomas do mal de Parkinson em roedores

PNEUMOLOGIA

Hipertensão pulmonar é mais comum do que se imaginava e pode levar à morte se não for tratada

EPIDEMIOLOGIA

Apneia prejudica o sono de um terço dos paulistanos

GENÉTICA

A procura por genes que evitam os sintomas de um tipo de distrofia muscular

METEOROLOGIA

Ventos da Região Norte aumentam umidade no Sudeste e no SuJ do país

BIOENERGIA

Pesquisadores se reúnem para discutir caminhos para o melhoramento da cana-de-açúcar

GEOLOGIA

Com clima úmido, vegetação cobre as dunas gaúchas

WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR

O QUÍMICA E FÍSICA

Modelo sobre cargas elétricas desenvolvido na Unicamp indica que não há materiais neutros

> TECNOLOGIA

80 AGROPECUÁRIA

Pastagens bem­-cuidadas são importantes na diminuição de gases causadores do efeito estufa

84 ENERGIA

Gás usado em aerossóis ganha novo processo de produção e é indicado para substituir o diesel e o GLP

86 SAÚDE

Enzima obtida de cobra substitui sutura tradicional sem dei xar cicatri zes

88 ODONTOLOGIA

Grupos acadêmicos dão origem a três empresas que produzem material para dentistas

> HUMANIDADES

90 POESIA

Patativa do Assaré, o grande poeta popular do Nordeste, vira tema de tese de doutorado

> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MtS 4 CARTAS 7 CARTA DA EDITORA 8 MEMÓRIA 26 ESTRATÉGIAS 42 LABORATÓRIO

74 SCIELO NOTrCIAS 76 LINHA DE PRODUÇÃO 94 RESENHA 95 LIVROS 96 FICÇÃO 98 CLASSIFICADOS

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* IMAGEM DO MÊS

Em busca do asteroide Pela primeira vez, cientistas norte-americanos recolheram destroços de um asteroide que havia sido detectado antes de cair na Terra. De acordo com um estudo publicado na revista Nature, 47 fragmentos do meteorito 2008 TC3 foram recolhidos do deserto da Núbia, no Sudão. Do tamanho de um automóvel, o meteorito foi detectado no dia 6 de outubro de 2008 por Richard Kowalski, no Observatório Mount Lemmon, no Arizona. A descoberta mobilizou o Minor Planet Center, em Massachusetts, e o Jet Propulsion Laboratory, da Nasa, na Califórnia, que estimaram a entrada do asteroide na atmosfera para as 2h46 do dia seguinte, com queda dos destroços sobre o Sudão. Acompanhado por telescópios, o meteorito desintegrou-se na atmosfera, como mostra a foto. Peter Jenniskens, autor do estudo e cientista no Seti lnstitute of California, viajou ao Sudão com sua equipe para tentar localizar o que havia sobrado do asteroide. Juntos, os 47 fragmentos pesavam cerca de três quilos. "O asteroide era feito de um material frágil que o fez se desintegrar antes de ter sua velocidade reduzida significativamente", disse Jenniskens. Vários meteoritos já foram rastreados antes de explodir ao entrar na atmosfera. "Mas ver o objeto antes de entrar na Terra e depois segui-lo é algo inédito", disse à agência BBC Douglas Rumble, do Carnegie lnstitution, coautor do estudo.

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PESQUISA FAPESP 158 • ABRIL DE 2009 • 3

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Peiijüiia FAPESP

As reportagens de Pesquisa FAPESP mostram a construção do conhecimento essencial ao desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução.

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CARTAS [email protected]

Monteiro Lobato

Falar sobre Monteiro Lobato é ter nos olhos da alma o gosto delicioso de nos­talgia bucólica, aquela vivenciada em tempos de outrora. Da fruta no pé, do pé no chão, do chão cheio da verde relva macia, onde brincadeiras corriam sol­tas. Hoje depois de milhares de adap­tações, o Sítio do Picapau Amarelo não entra mais em nossas casas nas asas de um livro, mas nas ondas da TV. A obra continua a mostrar as brincadeiras in­fantis de boneca de pano e sabugo de milho. Adaptações foram incorporadas ao texto original, mas sua essência salu­tar foi mantida. Lobato será atual daqui a 50 anos quando crianças, acostuma­das ao cinza dos concretos horizontais, poderão entender a beleza colorida da vida no campo. Ler a reportagem "O latifúndio de Lobato" (edição 157) dei­xou um sabor pueril de marmelada de banana, bananada de marmelo ...

DANIEL CORTES BERETTA

FCAV/UNESP

Jaboticabal, SP

A reportagem "O latifúndio de Lobato" está reproduzida no endereço eletrônico http:/ /lo bato.globo.com/ novidades/ no­vidades68.asp Meus parabéns lobatianos pelo texto preciso e saboroso de Gonçalo Junior, ao estilo do "pai" da Emília.

VLADIMIR SACCHETTA

São Paulo, SP

Águas ant igas

A qualidade das matérias são excelen­tes para alimentar os pesquisadores em nossas bibliotecas. A reportagem "His­tória de águas antigas" (edição 157), sem dúvida, contribuirá nos estudos de mudanças climáticas. Parabéns pelo periódico.

G!SLENE F. BRITO GAMA

EMBRAPA SEMI-ÁRIDO

Petrolina, PE

Darwin

Muito interessante o especial "Darwin -Impactos no conhecimento e na cul­tura" (edição 157), que mostra o desen­volvimento e a adaptação das ideias do naturalista inglês ao longo do tempo. Esse avanço de ideias, porém, parece ter sido um pouco extrapolado no artigo "Darwinismo cerebral", de Alysson R. Muotri. Apesar de muito importante a demonstração de que os genes-saltado­res são ativos durante o desenvolvimen­to dos neurônios, contribuindo assim para genomas únicos e diferenciados nas células cerebrais, o autor induz os leitores a acreditarem que a variação genética é o motivo que leva cada pes­soa a ter uma personalidade distinta. O autor afirma isso quando diz que o mecanismo dos genes-saltadores "pa­rece contribuir para a originalidade de cada cérebro" e explicar que "gêmeos geneticamente idênticos apresentam personalidades características': O artigo está escrito de tal forma que induz a acreditar logo no primeiro parágrafo que já existem provas experimentais ir­refutáveis de que os produtos dos genes -as proteínas- seriam responsáveis por gerar até mesmo a consciência. Seria re­comendável um pouco mais de cautela nessas conclusões. A origem da mente, da criatividade, da consciência e da me­mória ainda não foi explicada por meio do genoma. É verdade que alterações genéticas ou funcionais podem levar a mudanças de cognição, mas isso explica apenas como o "fenômeno" da mente pode ser modificado, e não "criado";

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da mesma forma que sintonizar uma televisão em um canal fora do ar ajuda a explicar como funciona o aparelho, mas não de onde vem a novela.

RoG ÉRIO PIETRO MA ZZANTINI

São Paulo, SP

Nelson Rockefeller

Recebi Pesquisa FAPESP de março (edição 157) e venho registrar meu louvor. É uma revista madura, dá gosto folhear. Parabéns pela reportagem so­bre Nelson Rockefeller ("O capitalista missionário"), de Carlos Haag, que se baseia bastante na pesquisa do Antonio Mario Tota. Como jornalista, cruzei algumas vezes com Rockefeller em São Paulo na década de 1970. Ao ler o tex­to de Haag, lembrei de um livro que ainda não terminei de escrever sobre a ocupação agrícola do Cerrado. Trata-se de uma experiência ocorrida em Ma­tão, no interior de São Paulo. O lugar não é mencionado na reportagem da revista nem nas lembranças do Tota para montar sua biografia do Big Nel­son. Abaixo, um trecho do meu livro não terminado: "Ma tão, em São Paulo, foi a sede de uma fundamental expe­riência técnica executada a partir de 1951 pelo IBEC, sigla pela qual ficaram conhecidos alguns dos investimentos brasileiros dos irmãos Rockefeller( ... ) Eles se instalaram em Matão para fa­zer experiências de correção de solo. Vieram vários técnicos que se valeram de estudos realizados por brasileiros. De Eurípedes Malavolta ( ... ) obtive­ram a certeza de que para começar a corrigir os solos dos cerrados preci­savam fazer calagem. ( ... ) Ao chegar a Matão, os pesquisadores americanos certamente já tinham conhecimento das experiências realizadas no início da década de 40 em Sete Lagoas por técnicos do Ministério da Agricultura. Provavelmente também tinham conhe­cimento das experiências dos agrôno­mos mineiros Paulo de Tarso Alvim e Wilson Araújo, que lecionavam em Viçosa. Eles haviam concluído que o fator limitante da produção agrícola

nos cerrados era a acidez dos solos. Pa­ra quebrá-la, era preciso usar calcário. Suas experiências só foram publicadas (em espanhol) em 1952, quando Alvim trabalhava na OEA em Costa Rica. Os técnicos americanos se apoiaram nos laboratórios do Instituto Agronômico de Campinas, onde eram feitas as análi­ses de solo. No IAC, havia técnicos que estudavam o incremento da fertilidade. Entre eles destacou-se Dario Freire de Souza. No final da década de 40 ele provou que a leguminosa Crotalaria juncea produzia mais massa- portanto mais N- do que os adubos verdes até então utilizados, como mucuna preta, para acrescentar matéria orgânica aos solos paulistas".

G ERALDO HASSE

Osório, RS

Avaliação

Considero altamente relevante a re­portagem de Fabrício Marques "Não à hierarquia" (edição 157). O texto é altamente oportuno, especialmente em face do momento em que a Capes procura estabelecer padrões para os periódicos e livros Qualis no Brasil. Apenas para dar ao artigo maior t!Xa­tidão terminológica, sugiro ao autor que utilize sempre o termo genérico "periódico" ou o termo mais específico "revista", em português, para designar a tradução do inglês "journal':

TARCISIO ZANDONADE

UNIVERSIDAD E DE BRASÍLIA

Brasília, DF

Einstein

Assisti às palestras gravadas em DVD da exposição sobre Albert Einstein e fiquei deslumbrado com os palestran­tes, todos de altíssimo nível e com o sabor todo especial de fazer e falar sobre ciência, despertando em mim um gosto perdido na adolescência pelas coisas da física, tão precariamente ensinada nas escolas de ensino fundamental e médio.

Parabenizo Pesquisa FAPESP e os ou­tros órgãos envolvidos nesse belo pro­jeto cultural que encantou todos nós. Viva a ciência no Brasil! Muito obriga­do pelos DVDs que irei compartilhar com meus alunos.

ROB ERTO MARQUES

Belo Horizonte, MG

Negros nos EUA

Parabéns pela excelente reportagem de Carlos Haag, em Pesquisa FAPESP, "Fronteiras Negras ao Sul" (edição 156), sobre a tese da pesquisadora Maria Helena Machado. Iniciei meus estudos de história e antropologia mui­to cedo, aos 11 anos, e aos 14 anos já tinha lido algumas das biografias de Abraham Lincoln. Devo dizer algo sobre a observação de Maria Helena sobre o presidente Barack Obama "ter tomado Lincoln como modelo, porque se dependesse dele os afro­americanos teriam sido expatriados". Kennedy também parodiava Lincoln e suas estratégias. Os políticos utilizam muito as imagens e os perfis históricos que predominam na mente do povo, em momento histórico específico, pa­ra construírem sua própria imagem ou utilizarem imagens vitoriosas que historicamente podem não ser verda­deiras- para obterem apoio para suas próprias estratégias. Embora Lincoln represente na história dos EUA uma imagem positiva, do ponto de vista do

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estadista que frustrou o crescimento de uma sociedade escravagista como a do Sul, ele estava mais para representante de uma elite progressista e industrial, cujo papel político exerceu com muita astúcia e determinação, do que para um humanista. Outras vezes ocorrem paradoxos- JK assumiu o governo do Brasil em meio a uma crise político­militar sem precedentes, e a imagem cultivada de Vargas como mártir e es­tadista-salvador foi abandonada por ele em proveito de sua estratégia de­senvolvimentista. Foi vitorioso! A meu ver, o sucesso político do estadista está mais próximo da inovação do que da repetição, o que se coaduna mais com a natureza profunda das crises- momen­tos críticos de mudanças imprevistas.

FRANCISCO JB SÁ

S alvador, BA

Manning Marable

Gostei muito da entrevista com Man­ning Marable (edição 154) e achei óti­mo como Mariluce Moura "apresentou" Malcolm X aos leitores da revista Pes­quisa FAPESP. Não conheço Marable pessoalmente, mas conheço alguns de seus escritos e bastante bem os traba­lhos de sua esposa, Leith Mullings, uma antropóloga relativamente famosa aqui. Queria ressaltar, de todo modo, que o trabalho acadêmico/político dele é im­portantíssimo, especialmente a parte que põe o foco nos jovens e nos prisio-

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neiros "de cor': Há pouca coisa que eu contestaria em sua interpretação histó­rica, e um dos pontos que ponho em discussão é a ênfase que Marable dá ao racismo no Sul dos EUA em comparação com o resto do país. Claro, há diferenças, a segregação racial no Sul era baseada nas leis, enquanto no Norte era (e ainda é) baseada em costumes e no compor­tamento, digamos assim. Entretanto, o resultado é o mesmo: a marginalização e o empobrecimento da população ne­gra. Acho também que ele foi generoso demais ao analisar o racismo no Brasil, em termos históricos e atuais. Talvez seja imprescindível morar num país (qual­quer país) por algum tempo, antes de compreendermos a verdadeira história das relações entre as raças em suas fron­teiras. Outra coisa: Marable referiu-se às manifestações religiosas dos descen­dentes de africanos aqui nos EUA, loca­lizando as origens da fé pentecostal num templo (predominantemente negro) na Califórnia, no início do século XX. Tudo bem. Mas, na Igreja Batista da minha infância, na Carolina do Sul, até hoje se pode ver, aos domingos, uma movimen­tação dos corpos - principalmente das mulheres- e alguns "rituais" extrema­mente parecidos aos que eu assistia nos terreiros de candomblé de Salvador, na Bahia, quando vivi lá no meio da década de 1980. De fato, eu me sentia "em cása" naqueles templos. Quero dizer, então, que são muitas as tradições culturais da "Mãe África" que sobreviveram entre os afrodescendentes no Sul dos EUA sem passar pela Califórnia! Mas essas críticas não importam muito, porque Marable está certíssimo em muita coisa e é especialmente admirável a maneira como examina a convergência filosófica que vai gradualmente se estabelecendo entre Malcolm X e Martin Luther King. Também acho brilhante a análise dele sobre a continuação da Guerra Civil nos EUA de uma forma velada.

SHERMAN A . ]AM ES

PROFESSOR DE ESTUDOS D E POLÍTICA

PÚBLI CA; PRO FESSOR DE SOCIOLOGIA,

COM UNIDAD E E MEDI CINA DA FAMÍLIA E DE

ESTU DOS AFRI CANOS E AFRO-AM ERI CANOS

UNIVERSIDADE D UKE

Durhan, C arolina do Norte/ EUA

Revista

Sou leitor desta revista há pelo menos 11 edições e não posso deixar de enviar meus mais sinceros parabéns. Pesquisa FAPESPé uma publicação que traz para o público leigo informações em uma linguagem simples. Mas não nos tratam como meros apreciadores de imagens. Isso é louvável em um mundo onde a arte de se fazer entender por palavras está ficando cada vez mais rara.

ED ERBovo

Diadema, SP

Sou estudante de biologia e estou no segundo semestre. Um amigo da facul­dade sempre encaminha alguns links de Pesquisa FAPESP, os quais foram mecha­mando a atenção e me levaram a fazer a assinatura. Estou impressionado com a qualidade das reportagens e do layout. A revista é show, nota 10! Estou surpreso e contente por saber que existe material tão rico em nosso país. É uma pena saber que revistas que exploram a fofoca e a vida dos artistas sejam tão populares e não uma publicação como Pesquisa FA­PESP. Acredito que um país realmente só muda com a educação e tenho certeza de que este periódico contribui, e muito, para isso. Pode ter certeza de que vou utilizá-la em meus trabalhos acadêmi­cos e pretendo difundir sua existência e importância entre meus pares.

RODRI GO C ARVALHO

São Paulo, SP

Correção

A produção científica da Universidade de São Paulo (USP) cresceu 58,1% en­tre 2005 e 2008, e não 42,3%, como foi publicado na nota "O crescimento da USP" (Estratégias Brasil, edição 157).

Cartas para esta revista devem ser enviadas para

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ou pa ra a rua Pio XI. 1.500. São Paulo, SP, CEP 0 5468-901. As ca rtas poderão ser resumidas

por mot ivo de espaço e clareza.

FUNDAÇAO OE A" PESQUISA DO EST

CELSO LAFER PRESIDENTE

JOSÉ ARANA VA V ICE-PRESIDEt

CONSELHO SUl

CELSO LAFER, E HORÁCIO LAFEiõ VOORWALD, JO~ MARTINS, JOSÉ BELLUZZO. SEDI VAHAN AGOPYA"

CONSELHO TÉC

RICARDO RENZC OIRETOR PRES

CARLOS HENRIO OIRETOR CIEN'

JOAQUIM J. DE C DIRETOR ADMI

Pe CONSELHO E LUIZ HENRIQUE (COORDENAOORCIENT CARLOS HENRIO tRANClSCO ANT JOAQUIM J. DE I MÁRIO JOS( AB PAULA MONTER WAGNER DO Ah4

DIRETORA DE MARILUCE MOU

EDITOR CHEt NELOSON MAR(

EDITORES EXI CARLOS HAAG ! FABRICIO MARQ MARCOS DE Ol RICARDO ZORZ/

EDITORES ESI CARLOS tiORA\

EDITORAS AS OINORAH EREN

REVISÃO MÁRCIO GUIMA

EDITORA OE j MAYUMI OKUY.l

ARTE

~s~~ cc~i~~~ FOTÓGRAFOS EDUARDO CES/

SECRETARIA ANORESSA M

COLABORA ANA LIMA, AN~ DANIEL DAS N~ GEISON MUNH~ HÉLIO DE ALMI RUBENS FIGU

OS ARTIGOS NECESSARI

t PROIBIDA DE TEXTOS

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PESQUISA FAPESP 158 n abril DE 2009 n 7

Preconceitos reavaliados

P esquisa FAPESP tem trazido na seção de humanidades de suas edições mais recentes algumas reportagens que mostram novos

caminhos para uma reflexão consistente sobre as relações históricas entre os Estados Unidos e o Brasil – bem além da estreiteza dos jargões à esquerda, que transformava qualquer traço ou nuance dessas relações em expressão do chamado imperialismo ianque, ou do acriticismo louvami-nhas à direita, que fazia de cada ato do governo ou de empresas norte-americanas relacionado ao Brasil uma espécie de decisão inspirada pela sabedoria do grande irmão do Norte. Nesta edi-ção, a reportagem do editor de humanidades, Carlos Haag, sobre a Fordlândia, a desastrada tentativa de Henry Ford de estabelecer uma plantação de borracha na Amazônia, entre 1927 e 1945, seguida de um denso texto sobre o im-pacto econômico e político do contrabando de sementes de seringueira na mesma região, pelo inglês Henry Wickham, em 1876, compuseram um material articulado de tal valor que, necessa-riamente, terminou guindado à posição de tema da capa da revista. Refiro-me aqui a valor tanto em termos de informação nova sobre a pesquisa histórica, que nos ajuda a repensar as relações bilaterais citadas – mas, neste caso específico, também relações multilaterais que desafiavam o Brasil em seu esforço para constituir-se como uma nação moderna no começo do século XX –, quanto em termos do texto jornalístico, cons-truído com notável coesão enquanto se aventura com segurança por múltiplas dimensões e facetas do tema enfocado. Assim, recomendo com insis-tência a leitura de todo esse fascinante material, da página 16 à página 25.

Aproveito de pronto a menção a relações bi-laterais para destacar a reportagem do editor de política científica e tecnológica, Fabrício Mar-ques, na página 32, sobre os dois novos satélites do país, um deles sino-brasileiro, que devem permitir uma cobertura completa da Terra em muito menos tempo do que o Cbers-2B hoje possibilita (cinco dias contra 26 dias), além de tornar mais eficaz o monitoramento da região amazônica. Para o satélite inteiramente brasileiro, o Amazônia-1, previsto para começar a operar em 2012 (o outro, o Cbers-3 está programado para 2011), está em discussão um acordo com o Reino Unido para que se possa integrar à sua carga uma câmera inglesa com resolução da ordem de 10 metros, que certamente contribuirá bastante para

Mariluce Moura - Diretora de Redação

instituto verificador de circulação

CElso lafErPresidente

josé arana varElavice-Presidente

ConSElho SUPErIor

CElso lafEr, EDuarDo MoaCyr KriEgEr, HoráCio lafEr Piva, jaCobus CornElis voorwalD, josé arana varEla, josé DE souza Martins, josé taDEu jorgE, luiz gonzaga bElluzzo, sEDi Hirano, suEly vilEla saMPaio, vaHan agoPyan, yosHiaKi naKano

ConSElho TéCnICo-AdmInISTrATIvo

riCarDo rEnzo brEntanidiretor Presidente

Carlos HEnriQuE DE brito Cruzdiretor científico

joaQuiM j. DE CaMargo EnglErdiretor administrativo

ConSElho EdITorIAlluiz HEnriQuE loPEs Dos santos (coordenador científico), Carlos HEnriQuE DE brito Cruz, franCisCo antonio bEzErra CoutinHo, joaQuiM j. DE CaMargo EnglEr, Mário josé abDalla saaD, Paula MontEro, riCarDo rEnzo brEntani, wagnEr Do aMaral, waltEr Colli

dIrETorA dE rEdAçãoMariluCE Moura

editor chefenElDson MarColin

EdITorES ExECUTIvoSCarlos Haag (humanidades), fabríCio MarQuEs (PoLítica), MarCos DE olivEira (tecnoLogia), riCarDo zorzEtto (ciência)

EdITorES ESPECIAISCarlos fioravanti, MarCos PivEtta (ediçÃo on-Line) EdITorAS ASSISTEnTESDinoraH ErEno, Maria guiMarãEs

rEvISãoMárCio guiMarãEs DE araújo, Margô nEgro

EdITorA dE ArTEMayuMi oKuyaMa

ArTEMaria CECilia fElli júlia CHErEM roDriguEs

FoTógrAFoSEDuarDo CEsar, MiguEl boyayan

SECrETArIA dA rEdAçãoanDrEssa Matias teL: (11) 3838-4201

ColAborAdorESana liMa, anDré sErraDas (Banco de dados), DaniEl Das nEvEs, DaniEllE MaCiEl, gEison MunHoz, gonçalo junior, Hélio DE alMEiDa, laurabEatriz, MarCos garuti, rubEns figuEirEDo E yuri vasConCElos.

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tiragEM: 35.800 ExEMPlarEs

distribuiçãoDinaP

Gestão administrativainstituto uniemP

faPesPrua Pio xi, nº 1.500, ceP 05468-901alto da laPa – são Paulo – sP

Governo do estado de são Paulo

secretaria do ensino suPerior

issn 1519-8774

fundação de amParo à Pesquisa do estado de são Paulo

o aperfeiçoamento do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Ins-tituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

A seção de ciência desta edição provocou algumas dúvidas sobre qual deveria ser sua reportagem de maior destaque: os achados do Instituto do Sono, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP, sobre os preocupantes males que atormentam o des-canso noturno diário da população paulistana? Afinal, trata-se de uma avançada pesquisa epi-demiológica de porte, pioneira no cruzamento de técnicas objetivas e levantamentos subjetivos destinados a informar como dormem os adul-tos em São Paulo, e que chegou ao espantoso percentual de 33% deles sofrendo da síndrome de apneia obstrutiva do sono. Ressalte-se que as médias internacionais desse problema variam de 2% a 8%. Vale conferir os detalhes na reportagem do editor especial Carlos Fioravanti (página 58). Em paralelo, os achados relatados na reportagem do editor de ciência, Ricardo Zorzetto, sobre um grande estudo internacional que trata do delicado tema do suicídio, ainda tabu em muitas socie-dades contemporâneas (a partir da página 46), também merecem um olhar atento. A pesquisa foi feita por iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), e a participação brasileira ficou por conta de um grupo liderado pelo psiquia tra Neury Botega, professor da Universidade Esta -dual de Campinas (Unicamp). Entre as conclu-sões está a de que uma sessão de aconselhamento por um profissional de saúde mental, seguida de uma chamada telefônica a intervalos de poucas semanas, durante um ano e meio, bastou para re-duzir em dez vezes a taxa de suicídio entre pessoas que já haviam tentado pôr fim à vida.

Por fim, destaco nesta edição a reportagem do editor de tecnologia, Marcos de Oliveira, baseada num estudo que pode soar curioso ou desnecessa-riamente escatológico para os pouco habituados ao tema, mas que é na verdade sério e relevante para um país que tem o maior rebanho bovino do mundo – cerca de 180 milhões de cabeças – e, ao mesmo tempo, está preocupado com a emissão de gases do efeito estufa na atmosfera. Os bovinos do Brasil, via eructação (arrotos, em linguagem coloquial), emitem estimados 8 milhões de to-neladas de metano por ano e esse volume do gás, assegura a pesquisa abordada a partir da página 80, pode ser reduzido significativamente via mu-danças nas pastagens.

carta da editora

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8 n abril DE 2009 n PESQUISA FAPESP 158

memória

( )

Dividir para governarHá 67 anoso brasil adotava a divisão regional proposta pelo geógrafo Fábio Guimarães

A divisão regional do Brasil em cinco grandes regiões geográficas foi oficialmente adotada em 1942 e contribui, desde então, para a organização e gerenciamento do território nacional. Em 1945 houve uma subdivisão e foram criadas microrregiões (então chamadas de zonas fisiográficas), que são agregados de municípios com características em

comum. Os dois trabalhos são obra do engenheiro e geógrafo carioca Fábio de Macedo Soares Guimarães (1906-1979), um dos pesquisadores pioneiros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Até hoje o planejamento de governo é feito tendo por base as divisões geográficas, com suas macro e microrregiões, que indicam como devem ser distribuídos os recursos do Tesouro para cada área”, diz Roberto Schmidt Almeida, geógrafo, professor aposentado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e estudioso da história da geografia brasileira. “E Fábio Guimarães era o pesquisador brasileiro que mais entendia esses processos de divisão.” Seu estudo foi publicado na Revista Brasileira de Geografia, edição de abril-junho de 1941 e adotado no ano seguinte.

A divisão proposta por ele separava os 21 estados e o Distrito Federal daquela época em Norte (Amazonas e Pará), Nordeste (Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do

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PESQUISA FAPESP 158 n abril DE 2009 n 9

Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas), Leste (Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Distrito Federal), Sul (São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul) e Centro-Oeste (Mato Grosso e Goiás). Havia cinco territórios, também encaixados nas grandes regiões.

Quase 30 anos depois, em 1969, era preciso reordenar o território nacional. O núcleo econômico do país havia se tornado um triângulo que tinha os vértices nas capitais Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo. Por essa razão, juntaram-se Rio, Minas e São Paulo, além do Espírito Santo, em uma nova região, a Sudeste. A Região Leste foi extinta; Bahia e Sergipe passaram

para o Nordeste. Brasília já estava no Centro-Oeste. Alguns territórios foram promovidos a estados, distribuídos pelas macrorregiões de acordo com a proximidade e características. Essa atualização do território não foi realizada por Guimarães, na época fora do IBGE, dedicado às aulas na Pontifícia Universidade Católica do Rio.

As contribuições do geógrafo não se limitaram à divisão do país. Houve muitas outras, a maioria delas ocorrida nos anos 1940. Guimarães determinou matematicamente o centro exato do Brasil – ao contrário do que se pensava na época, ele se situa no nordeste de Mato Grosso, e não em Goiás. Em 1947 liderou uma das duas expedições ao Planalto Central para examinar os melhores sítios visando à localização da futura capital federal junto com um dos mais importantes e influentes geógrafos do período, o alemão radicado nos Estados Unidos Leo Weibel, então contratado como consultor.

Orlando Valverde, geógrafo do IBGE, em texto escrito por ocasião das comemorações dos cem anos do nascimento de

Guimarães, em 2006, lembrou que Fábio Guimarães fez uma análise técnica famosa sobre a questão de limites entre o Espírito Santo e Minas Gerais. “Ele mostrou, com numerosos exemplos do Brasil e do exterior, que

uma linha de cumes montanhosos nem sempre coincide com o divisor de águas; que um rio pode atravessar uma serra por meio de gargantas;que um importante divisor de águas pode ser encontrado dentro de um vale”, escreveu Valverde. “Ou seja, esclareceu um erro muito comum, aliás, entre estudiosos do direito internacional.”

Guimarães trabalhou por 30 anos no IBGE. De 1969 em diante dedicou-se apenas a ensinar nas salas de aula as ideias que havia desenvolvido no instituto e aprendido em pesquisas de campo pelo Brasil.

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Serra da Bocaina, pinheirais do planalto meridional, carnaubal do Piauí e migrantes em Goiás (da esq. para dir.): fotos ilustravam os textos de Guimarães (ao lado)

Estudos de outros autores analisados pelo geógrafo

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entrevista

Walnice Nogueira Galvão

a donzela guerreiraa pesquisadora lança novos livros e mantém sua sábia ousadia em falar, com propriedade, sobre a realidade e a cultura

Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que es-tão para haver são demais de muitas, muito maiores diferen-tes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total”: essa frase, de Guimarães

Rosa (1908-1967) em Grande sertão: veredas, descreve à perfeição o tipo de intelectual raro que é a crítica literária e professora titular de teoria literária da USP, Walnice Nogueira Galvão, aliás, a referência obrigatória quando o as-sunto são as obras rosianas ou as de Euclides da Cunha (1866-1909), sobre os quais ela já escreveu inúmeros livros. Afinal, Walnice também escreve, com muita propriedade, sobre cinema, po-lítica, teatro, música, indústria cultu-ral e, entre outros tantos assuntos, até sobre o Carnaval, como se poderá ler em Ao som do samba: uma leitura do Carnaval carioca, seu livro mais recen-te ao lado de Mínima mímica: ensaios sobre Guimarães Rosa (lançado no fim do ano passado pela Companhia das Letras), que deverá sair em julho pela Editora da Fundação Perseu Abramo. Sábia, durante a entrevista ela preferiu se definir com outra frase extraída do épico de Rosa: “Eu não sei quase nada, mas desconfio de muita coisa”. Mais que mera humildade, a referência revela a força-motriz da geração que a moldou: a curiosidade sobre o mundo. É desse material que são feitos (e do qual ela também é composta) os intelectuais com “i” maiúsculo que a influenciaram:

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Antonio Candido (de quem foi assis-tente), Gilda de Mello e Souza, Décio de Almeida Prado.

“Que interesse podem ter as coisas que eu falo? Eu preferiria uma entre-vista em que fosse falar do Guimarães Rosa, do Euclides da Cunha, a falar de mim mesma. Sou uma pessoa que prefere cultivar o low profile e me sinto estranha quando estou no centro da discussão em vez das figuras notáveis que eu estudo”, foi como abriu a nossa conversa. Nesse ponto, façamos justiça a ela: foram 20 anos estudando Os ser-tões e mais tantos anos se debruçando sobre Grande sertão: veredas, por cujas edições definitivas ela foi responsável. Não parece haver nada a respeito desses dois autores que ela desconheça. Mas somos também obrigados a discordar de Walnice: poucos pensadores brasilei-ros ainda se interessam em dar conta da realidade presente e analisar a cultura em suas dimensões sociais e políticas. Daí as “coisas” que ela fala terem, sim, um grande interesse, como são as ideias dos verdadeiros intelectuais, ao contrá-rio daqueles que, como observa em seu livro As formas do falso, “estão presos a seus privilégios e que aqui existem e aqui produzem, mas de olho na última moda das agências centrais de cultu-ra”. Walnice, na contramão, consegue, por exemplo, reunir a Canudos literária com a política americana atualíssima no Iraque. “Da mesma forma que em Canudos, esse conflito camufla inte-resses econômicos e políticos como se

fosse uma luta do bem contra o mal, do patriotismo contra a subversão.” Nos anos 1960 mostrou o funcionamento escapista das canções de protesto; no auge da popularidade de Jorge Amado escreveu um artigo em que o chama-va de sádico, pedófilo e exibicionista; mais recentemente colocou em dúvida a qualidade literária de um “medalhão” dito intocável como o escritor Rubem Fonseca. Ousadia faz parte da vida des-sa “donzela guerreira”, título, aliás, de um de seus livros.

Não é uma questão de polêmica gratuita, mas de prioridades. “O que não fica é o superficial, o fraco, o ruim. O Dicionário Houaiss tem 400 mil pa-lavras. O rádio, a televisão, a literatura que se faz hoje não chegam a 20 mil. Estamos jogando fora 380 mil palavras”, afirma. Isso tem um peso na boca de quem retratou a grandeza de Rosa por- que “foi em sua pena que nossa língua literária alcançou o nosso mais alto pa-tamar: nunca antes e sobretudo nunca mais depois a língua foi desenvolvida em todas as suas virtualidades”. Apesar disso, Walnice está otimista: com os jo-vens, com a literatura, com o mundo e com o Brasil. Mas num tom contido que faz eco a Guimarães Rosa: “Qual-quer amor é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”.

n Efemérides como o centenário de nasci-mento de Guimarães Rosa ou da morte de Euclides da Cunha mais do que homena-gens rendem uma boa reflexão: criava-se

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ver quando será superado e creio que o será. Estamos vivendo uma fase na qual há o embotamento de paradigmas, a necessidade de que sejam revistos, e também uma era de muita interferência das novas tecnologias. Tenho a impres-são de que dessa mistura surgirá algo.

n Em geral, as pessoas são pessimistas so-bre as novas tecnologias. A senhora acha que elas podem ajudar? — Tenho certeza. Veja como crianças e adolescentes lidam com as novas tec-nologias: é uma coisa absolutamente espantosa. Para mim, a saída vai ser para este lado, já que estamos vendo o nascimento de uma nova maneira de escrever que não é a tradicional e, por-tanto, sujeita a “mais do mesmo”. Nós somos muito mal-acostumados aqui no Brasil: por exemplo, o que marca muito a gente ainda é o Modernismo, ainda a Semana de Arte Moderna, embora isso já tenha ocorrido há quase cem anos. Somos, porém, criados a estudar aquele impacto, fruto de uma fase de extensa transgressão e ruptura, de uma cria-tividade adoidada. Logo, a gente quer isso em tudo e não é assim. Insisto que estamos atravessando uma fase, embo-ra já faça bastante tempo, em que não existe essa ruptura, essa transgressão, essa criatividade solta. As pessoas vêm fazendo uma coisa mais acomodada, em que tudo o que se faz precisa ter essa referência ao passado, a tal da intertex-tualidade, quando um ser dialoga com outro. Então isso não é só no Brasil, é no mundo inteiro. Estamos também numa fase mais lenta na produção de pensamento e de tudo que varia o rit-mo dessas coisas. Mas eu falei do meu otimismo com as novas tecnologias. Mesmo quando eu penso que existe um movimento anunciando o fim da literatura, eu olho meus netos, penso na série do Harry Potter e me vejo obriga-da a discordar disso, pois surgiu uma escrita que as crianças acompanham. Ainda mais as crianças, que têm défi-cit de atenção e não são capazes de ler uma página porque estão tão viciadas no visual e não sabem acompanhar ra-ciocínios completos como a literatura! Fico contente de ver que a literatura e o “livrão” não estão morrendo. O menino de 7 anos lê um volume do Harry Potter num fim de semana e é preciso quase “pegar pela orelha” para ele parar de ler

tanto e com tamanha grandeza então. Hoje nos contentamos em reproduzir o que eles fizeram. A senhora concorda?— Não sei se estamos cada vez mais pobres intelectualmente e se quando uma coisa não progride isso significa uma decadência permanente. Tenho impressão de que talvez esse marasmo seja uma fase que estamos atravessando. Mas concordo que estamos numa fase em que predomina a intertextualidade, essa constante necessidade de estabele-cer um parâmetro com obras clássicas, mais do que efetivamente ir em frente e criar algo novo. Nisso há mesmo uma falta de criatividade: falamos de lite-ratura, mas isso pode se aplicar para a arte em geral, ao cinema, à história etc. Em literatura é algo flagrante, pois, de uns anos para cá, tudo é intertextuali-dade, tudo tem referência a uma “outra obra” ou a um “outro autor”. Gente co-mo Guimarães não precisou dessa “re-ferencialidade”. Um exemplo prático. Fui chamada por uma editora para dar um parecer sobre um romance francês atual. O autor escreveu um romance inteiro com base num outro romance inglês do século XIX e ele quer nos fazer crer que a vida dele teria um paralelo com aquela novela. O romance inteiro é isso! Ora, não tem cabimento uma coisa dessas! Gente como Guimarães não precisou dessa “referencialidade” e nem imaginaria uma coisa dessas. Eu, pessoalmente, estou muito ansiosa para

Estamos numa fase em que predomina mais a intertextualidade do que a criação de algo realmente novo

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Cena de Canudos: luta entre o bem e o mal com ecos atuais

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e fazer outras coisas. É muito interes-sante esse fenômeno. Há mais de 200 anos que não vemos esses romances de folhetim, que chamo de romance tor-rencial, que não acabam nunca. Quer dizer, como aqueles filmes do tipo Duro de matar ou Máquina mortífera, que têm continuação: dois, três, quatro... É um fenômeno espantoso do conteúdo da coisa, mas é certo que as crianças estão redescobrindo a leitura, agora que estão no mundo do visual, não é? Eu acho que nós não sabemos direito das coisas, não. E eles estão lá nos com-putadores, falando na língua deles, uma língua nova, cheia de possibilidades da criação do novo.

n É curioso, e prazeroso, ouvir uma in-telectual falando sobre livros infantis e filmes de Hollywood...— A meu ver, imagem e escrita não são dois universos, são duas linguagens. Tudo são linguagens. Eu gosto também de artes plásticas, frequento muitas ex-posições; gosto muito de música tam-bém, ouço sempre óperas; e gosto mui-to de música popular, teatro. Sou mui-to curiosa e todas as artes me interessam: não vejo nenhuma incompatibilidade, mas apenas linguagens diferentes de comunicação artística. Agora, por exemplo, está para sair um livro que fiz sobre o Carnaval carioca, a que cheguei pelo meu gosto por música popular. Não é uma história do Carnaval, uma tentativa de interpretar o Carnaval ca-rioca através de sua história, de seu desenvolvimento presente, sobre esse meu interesse de como ele é no mo-mento. Fui a Veneza, Nova Orleans, a Nice e a Munique, porém apenas o bra-sileiro me impressionou. Há quem di-ga que é o maior espetáculo da Terra, mas essa monumentalidade serve a certas funções, mesmo com a explora-ção e comercialização: é a encenação, todos os anos, do mito da democracia racial. Nas letras dos enredos, por exemplo, se canta e se mostra que so-mos uma democracia racial. Isso é mentira, evidentemente, mas esse mito continua a ser encenado. Esse é o ver-dadeiro enredo do Carnaval, para além dos sambas-enredo: o enredo profundo é esse. O país inteiro exaltando o negro e o mestiço durante três dias e, no res-to do ano, eles continuam a ser opri-midos e explorados.

n A senhora sempre tem preocupações políticas e sociais em seus trabalhos. Acha que faz parte do ser um intelectual?— Não sei dizer se é obrigatório. Co-nheço muita obra de arte feita por pes-soas completamente alienadas, que viviam nas nuvens, mas fizeram traba-lhos maravilhosos. Não é obrigatório, mas sim solidário. Seria muito bom se todas as pessoas se preocupassem com o mundo onde vivem e com as outras pessoas também. Eu me lembro de uma frase bonita do Sartre. Quando pergun-taram se ele tinha remorso de não ter feito alguma coisa na vida, ele disse: “Gostaria de ter prestado mais atenção nos meus vizinhos”. O mundo de hoje está muito necessitado de cabeças pen-santes que não fecham os olhos, mas não quero fazer comício, pelo amor de Deus [risos]. Aprendi a ser assim com o Antonio Candido. Prestei atenção no caminho de militância dele, pois ele sempre se preocupou e participou. Num outro registro, o Guimarães Ro-sa era muito dividido entre o sertão e o mundo. Ele era um cosmopolita, um poliglota, mas estava o tempo todo escrevendo sobre o sertão, recuperan-do a linguagem e as fábulas do sertão. Era certamente um homem com um pé em cada coisa que não conseguia ficar na mesma, um homem interna-cional que não abriu mão de ter uma alma sertaneja.

n A sua trajetória pessoal acompanha um pouco esse movimento. A senhora saiu do Mackenzie e foi para a Faculdade de Filosofia da USP na Maria Antônia, um centro de pensamento político...— Atravessar aquela rua foi algo que mudou o meu destino. Eu estudava no Mackenzie e fui fazer cursinho no Grê-mio e minha cabeça mudou para sem-pre, um momento importantíssimo na minha vida, com toda a responsabilida-de que trouxe e com todos os problemas que vieram junto com essa decisão. Eu peguei o ano de 1968 na Maria Antônia e era impossível você não entrar na militância mais radical. Fui até segu-rança no Teatro Oficina, protegendo os atores de Roda Viva dos terroristas de extrema direita. Levantem as mãos para o céu, porque não existe mais uma possibilidade de ditadura neste país. Então as coisas estão mais calmas, os jovens estão apáticos? Nem todos, mas não há tanta motivação para brigar. Eu entendo isso também. Ditadura é uma coisa que destrói as pessoas e ain-da bem que as coisas estão melhores e que alguns jovens possam estar apáti-cos. Mas não acho que todos o sejam, não. Ultimamente tenho achado que o panorama nacional e internacional está muito interessante. A direita quer que os homens não pensem, que se desin-teressem da política. Conseguiram nos EUA e fizeram com que os jovens não

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Guimarães Rosa: dividido entre o mundo e o sertão

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votassem até a eleição do Obama. Por isso é que eu te digo: não vamos ficar lamentando estarmos decadentes e que antes é que era bom. Olha aí a virada! As coisas ruins vão se acumulando até que um dia dá um estouro, como foi a eleição do Obama. Eu nunca pensei que fosse ver uma coisa dessas, que só iria acontecer em 200 anos. Essa eleição é um grande sopro de esperança, de que nem tudo está perdido. Se isso aconteceu por causa dos jovens, estamos é vivendo momento muito interessante na histó-ria do Brasil e do mundo, é animador. Mas nós estamos ficando atrasados na América Latina, porque já existem duas mulheres presidentes da Republica. Nós ainda não tivemos um negro ou uma mulher na Presidência.

n Também há relativamente poucas mu-lheres criadoras...— Poucos negros também. Mostre os negros que fizeram uma grande obra literária ou que fizeram uma grande pintura, cadê? Se você não educa, e por várias gerações, não vai ter nunca, porque esse é um processo lento. Hoje pensamos pouco na educação.

n Qual é a grande tendência atual? — O fundamentalismo religioso. O ca-pitalismo é racionalista e lógico por definição. E como que se explica isso? Pensávamos que depois da Revolução Francesa isso tinha acabado e que a so-ciedade estaria inteira laica e racional, mas não está. Você pensa que é só no Brasil que tem a Igreja Universal do Reino de Deus? No mundo inteiro es-tá havendo uma virada para religião. Tenho a impressão de que há um sen-timento derivado do consumismo. Se montarmos uma sociedade global e ela diz que o objetivo da sua vida é adqui-rir bens materiais, que o importante é ter coisas, chega uma hora em que você precisa de Deus, porque é tudo muito seco, muito sem valor. Nesse consumismo, temos de consumir sem parar, compramos um carro agora e já tem outro melhor, temos de largar aquele e comprar outro, depois outro. Isso gera uma insatisfação, e o princípio do capitalismo é a insatisfação, então há falta de valores, de espiritualidade, falta uma esfera que não seja tão seca, tão material. A virada religiosa, com a qual eu não simpatizo nem um pou-

co, evidentemente, está associada ao capitalismo, é um complemento indis-pensável da materialização do capitalis-mo. Eu pensava, não sei se ainda penso, que isso seria alguma coisa que a arte poderia dar. Vejo a arte, numa socie-dade laica, racionalista e ateia, como um substituto da religião. Mas parece que isso não é o suficiente, tem que ter religião, como algo natural para suprir essa carência que o consumismo gera. Bem, temos duas maneiras de pensar esse fenômeno de desencantamento do mundo. O pessoal da Escola de Frankfurt pensa que a racionalização foi imperfeita, então há muitos resíduos mitológicos e religiosos que hoje estão voltando à tona. Podemos também se-guir outro caminho, se pensarmos no excesso de razão, como diz Freud, isso gera exatamente essas insatisfações. Pa-ra vivermos em sociedade, temos de abrir mão de nossos instintos, se não não dá, pois um agarraria a garganta do outro, especialmente os dois instintos que são fortíssimos, a sexualidade e a agressividade. Então, o que acontece? Ficamos infelizes, é o que ele chama de mal-estar da civilização. Talvez es-se desencantamento do mundo passe por aí, por essa repressão excessiva de

nosso comportamento. Assim, eu não acho que o fundamentalismo islâmico seja pior, por exemplo, do que o fun-damentalismo dos EUA, nem do que o brasileiro. Qualquer forma de funda-mentalismo não é correta. Creio que seja uma propaganda norte-americana inventar que o fundamentalismo ruim é só o do Islã. Pelo contrário. Acho que é preciso dar mais força para o Ira-que, pois não era hora de eles fecharem aliança com o que há de pior do lado de cá. Não estou dizendo que seja bom do lado de lá, mas é preciso reconhecer que nós não estamos no fim do funda-mentalismo.

n A atual crise econômica também pode ser entendida como uma forma de “de-sencantamento” forçado do mundo?— Temos de parar com isso, com es-se incentivo ao consumo crescente. Se não, dá no que deu, é impossível uma economia sobreviver assim, entra em crise. Seria ótimo se as pessoas fossem incentivadas a pensar mais nisso. Se a crise desse uma boa chacoalhada nas pessoas seria uma boa consequência. Estou entrando em uma dívida para quê? Para ter mais um bem material? Eu sempre fico pensando por que as pessoas muito ricas precisam de tanto dinheiro: é preciso ter dois iates? Um só não chega? Eu não entendo muito bem essa coisa de querer sempre mais e não ver no que isso acarreta para as pessoas e também para o planeta. O consumo, o capitalismo, está destruindo o pla-neta. É a primeira vez na história que existe a possibilidade de se destruir o planeta. Então estamos desacelerando, mas estamos desacelerando tão devagar que dá medo, não é? Será que, quando finalmente desacelerarmos, ainda vai ter sobrado uma floresta, ainda vai ter sobrado água? Eu acho que está tudo meio apocalíptico, mas acho que esta-mos melhorando, você não acha?

n Aqui também? O que a senhora acha do governo Lula?— Eu nunca imaginei que um operário nordestino estivesse no poder. O Bra-sil está com muito boa reputação no mundo, pois ele está resolvendo mui-tos problemas sociais, está resolvendo a pobreza, está gerindo muito bem os seus recursos naturais, não está fazen-do bobagens, está tentando uma inde-

Temos de abrir mão de nossos instintos, se não não dá, pois um agarraria a garganta do outro

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pendência internacional, está fazendo negócios com a China, com países da África e outros países do mundo. Eu ve-jo isso, de uns anos para cá, o aumento do otimismo e da esperança. Há uma maior preocupação social. Surgiu uma nova classe no Brasil, surgiu a classe C, que não responde mais aos formado-res de opinião, pois tem uma própria opinião. Vejam a segunda eleição do Lula. A mídia inteira dizia que ele esta-va perdido, mas ele só perdeu aqui em São Paulo, que é o bastião da direita no Brasil. Não deveria ser, pois somos o polo modernizador do Brasil, o capi-talismo de São Paulo é o mais avançado. O estado é modernizador na economia, mas na política não.

n Seria interessante se tivéssemos nova-mente no Brasil as literaturas regionais para dar conta disso...— Isso é um pouco correlato da globa-lização, porque ela faz tudo ficar igual, não está certo? Vai tornando tudo igual, ainda não tornou e espero que nunca aconteça, mas tende para o igual. No Brasil também existem forças econô-micas. Olha, o único intelectual que eu conheço que não mudou de endereço é o Benedito Nunes, que ainda vive no Pará. Até os artistas se mudaram. Onde mora o Caetano ou o João Ubaldo Ri-beiro? No Rio de Janeiro. Talvez a diver-sidade não esteja sendo modernizada, mas somente mudando de foco. Isso que se fala do axé, essa pasteurização da cultura baiana: parece que há uma con-centração em um determinado foco, coisas que são rotuladas como “baia-nidade”, como o axé, o trio elétrico, a Ivete Sangalo. Pode ser que aconteça is-so, como uma ordem natural das forças sociais, mas pode ser que exista alguma coisa se mexendo por baixo que a gente não viu. Não acho que está acontecen-do uma diminuição da diversidade, mas sim que estamos sendo mais expostos a artistas que são mais promovidos pa-ra ganhar dinheiro. São o que tem de pior, as coisas menos interessantes, mas talvez os vejamos mais porque são os mais promovidos.

n Relacionado com esse tipo de empo-brecimento, há também um empobreci-mento da leitura e dos leitores? Haverá leitores de Euclides da Cunha ou Gui-marães Rosa no futuro?

em toda parte há autores “exóticos”. Entre em qualquer livraria, veja o ga-nhador do Nobel – um ano é um turco, no outro um israelense. São eles que estão ganhando os prêmios. Acho que as pessoas procuram um exotismo ca-muflado – exotismo para consumo da sociedade europeia e norte-americana – brasileira também, vai... É exotismo para branco, na minha opinião, pois ele trata dos povos de cor, sempre. Eu tenho uma noção muito maluca sobre essa coisa: tenho a impressão de que é uma preocupação dos brancos – EUA e Europa – com o fato de estarem per-dendo a hegemonia. Se eles se sentem “invadidos de estrangeiros”, eles leem esses romances para terem sua supre-macia assegurada, pois neles mostram que esses povos são “piores”. Até esse filme indiano que ganhou o Oscar. Um horror. É o máximo do exotismo “mun-do cão” que você pode oferecer para o espectador sair do cinema se sentindo muito bem por não ser daquele lugar. Mas é um exagero meu.

n Gostar de um romance pode dizer muito sobre uma pessoa. Que livro fala muito sobre como é Walnice Nogueira Galvão?— Em busca do tempo perdido, de Proust. Porque é lindamente escrito. Você pode relaxar na leitura e ele sempre será um guia maravilhoso em que você pode confiar. Isso é grande literatura para mim, que estudo tanto a literatura. n

— Não penso que haja empobreci-mento do leitor. Isso chega para gente na universidade, tem muito aluno que faz essa observação, mas não acredito nisso, não. Por exemplo, Homero ainda dialoga conosco. Ao lermos Homero estamos lendo o que chamamos de “grande literatura”. Guimarães Rosa? Dá 2.500 anos para ele também que sempre haverá gente para ler e gostar.

n Então a senhora acredita na continua-ção do romance?— O romance é uma criação da so-ciedade burguesa, as formas literárias também são criações históricas. Não existia narrativa em prosa, isso foi uma invenção da burguesia, então, enquan-to existir a sociedade burguesa, vai ter romance. Pelo contrário, o romance é a forma do nosso tempo, não é a poesia, não é o teatro. Basta ver qualquer catá-logo de livraria, a forma mais presente é o romance. Agora muda, o romance está mudando toda hora, mas ainda é um romance. No momento, e nos últimos anos, ele está servindo – em especial os best-sellers – como instru-mento para pensar o multiculturalis-mo. Os romances que mais vendem no mundo inteiro são os que tratam do multiculturalismo, como O caçador de pipas etc. esse tipo de coisa que se passa nas colônias árabes na França, nas colônias indianas na Inglaterra. Os romances tratam disso ultimamente,

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Carnaval carioca: exibição de suposta democracia racial

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A pastoral americanaHenry Ford tentou, sem sucesso, produzir borracha e utopias na Amazônia

Em novembro de 1938 Joseph Goebbels assistiu entusiasma-do à estreia de O inferno verde, dirigido pelo cineasta alemão Eduard von Bosordy, rodado em grande parte na selva amazôni-ca: “Uma película valorosa, polí-

tica e artisticamente”, elogiou o ministro da Propaganda nazista. O filme, embora inspirado num fato histórico, era uma fantasiosa defesa do colonialismo e tinha como “herói” e protagonista o explora-dor inglês Henry Wickham (1846-1928), que, após enfrentar índios com flechas venenosas, piranhas, crocodilos e uma anaconda imensa, retorna ileso para a Inglaterra com 70 mil sementes da He-vea brasiliensis, a seringueira, disposto a replantá-las na Malásia britânica e, as-sim, destruir o monopólio brasileiro da borracha. Curiosamente, naquele mes-mo ano, o industrial americano Henry Ford (1863-1947), fundador da Ford Motor Company e o primeiro empre-sário a aplicar a montagem em série para produzir automóveis em massa, viajou à Alemanha para receber, tal qual um he-rói, uma alta condecoração por seu apoio ao nazismo e à luta antissemita (Hitler tinha uma foto dele em seu gabinete). Na ocasião, Ford disse aos repórteres que a Fordlândia, a desastrada tentativa do americano em estabelecer uma planta-ção de borracha na Amazônia entre 1927 e 1945, estava à disposição para receber judeus “indesejados” pelos alemães, já que “são meus melhores trabalhadores lá na América”.

O “encontro” de Wickham e Ford, ambos ligados aos altos e baixos da economia brasileira da borracha, um

ano antes do conflito que colocaria o colonialismo do primeiro em xeque e revolucionaria o imperialismo do úl-timo, e faria ambos dependentes dessa mesma economia, revela a notável e inusitada associação entre essas duas figuras. Ao “roubar” as sementes e aju-dar na transferência do monopólio da borracha do Brasil para a Inglaterra, Wickham não poderia imaginar que, em 1922, poucas décadas após sua em-preitada, os ingleses abririam mão do discurso liberal e se veriam obrigados a distorcer o mercado da borracha, di-minuindo a produção, superestima-da, para tentar aumentar os preços do produto, antes cotado a peso de ouro. Essa guinada, por sua vez, empurraria os americanos, em particular Ford, cuja imensa produção de automóveis requeria borracha a preços baixos, a entrar na concorrência da produção de seringueiras no Brasil, um desafio à “descortesia” comercial britânica. O resultado dessa aventura ianque seria a Fordlândia, um projeto utópico de recriar, na selva, uma América que, se-gundo Ford, havia sido conspurcada pelo capitalismo que ele próprio ajuda-ra a fortalecer. Ao lado de sua cidade- -irmã, Belterra, ambas próximas ao rio Tapajós, custaram a Ford mais de US$ 20 milhões, em valores da época. O investimento inicial previsto para estabelecer uma plantation eficiente de borracha no Brasil que pudesse abastecer a demanda interna da Ford Company era de menos de US$ 2 mi-lhões. “Em duas décadas, Ford gastou milhões de dólares e acabou sem sua plantation, devastada pela falta de tra-

Carlos Haag

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balhadores e pelo mal das folhas, mas com duas cidades ‘americanas’, hoje abandonadas, com praças centrais, calçadas, chalés estilo suíço, hospitais, lojas, cinemas, campos de golfe, pis-cinas e, é claro, Ford modelos T e A circulando pelas ruas de terra batida”, explica o historiador Greg Grandin, professor associado da New York Uni-versity e autor de Fordlandia: the rise and fall of Ford’s forgotten jungle city, a ser lançado nos EUA em junho. Ironia à parte, acaba de ser lançado The thief at the end of the world, de Joe Jackson, que conta a vida de Wickham.

A final, tudo começou na Amazônia, a partir da descoberta da utilida-de comercial da seringueira, já em

1750, pelos portugueses. Quando, em 1839, Charles Goodyear criou o pro-cesso de vulcanização, que modificava a borracha e permitia que ela fosse uti-lizada em altas temperaturas, o Brasil era o único país em que a matéria-pri-ma era encontrada, ainda que por um “acidente geográfico”. Até a virada do século XX, o país era responsável por 90% da borracha comercializada no globo. “A indústria brasileira consistia de uma estrutura baseada no extrativis-mo direto da floresta, com escassez de mão de obra e ausência total de com-petição. Esse sistema funcionaria bem enquanto a demanda por borracha não crescesse muito e que outra forma de exploração, mais racional, entrasse na competição. Entre 1900 e 1913 essas condições desapareceram”, observam os economistas Zephyr Frank, da Stan-ford University, e Aldo Musacchio, do r

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Ibmec. A popularização mundial da bicicleta deu início ao “boom da bor-racha”, intensificado em muito, a partir de 1900, com o desenvolvimento da in-dústria do automóvel. “O aumento da demanda fez os preços subirem como foguete e isso foi um grande incentivo para a entrada de outros produtores no mercado. O contrabando das sementes por Wickham, ao resolver o dilema de qual seria a fonte da borracha de boa qualidade dos brasileiros (até o sécu-lo XIX, várias expedições científicas tentaram sem êxito localizar a árvore exata e transportar suas sementes com segurança para Londres), fez a balança pender para o lado europeu”, notam. A Ásia era dominada pelo sistema co-lonial inglês e holandês, oferecia mão de obra barata, ao contrário da brasi-leira, cara por ser escassa, e condições ideais para transformar uma atividade extrativista numa indústria eficiente organizada em plantations de baixo custo. “Enquanto a borracha brasileira era coletada na selva, a produção não poderia ir além de 40 mil toneladas por ano por melhor que fosse o preço. Essa quantidade era insignificante em face

das crescentes aplicações industriais da borracha”, escreve Warren Dean em seu A luta pela borracha no Brasil.

O s ingleses demoraram a iniciar suas plantations, mas quando o fizeram foram, sem querer, longe demais.

“A produção dos plantios orientais cresce mais do que as necessidades do mercado, acumulando estoques e fazendo cair a cotação do produto. O governo inglês, então, se vê obrigado a intervir com uma política de restrição da produção para impor preços mais elevados, o chamado Plano Stevenson. Governo e empresas americanas, pegos de surpresa no auge da demanda em face do crescimento das suas indústrias, passam a pregar a doutrina do ‘é neces-sário produzir borracha sob controle dos EUA’”, explica o economista Fran-cisco de Assis Costa, da Universidade do Pará. “Se as oligarquias do café, beneficiadas pelas políticas de valo-rização do governo, têm as portas do financiamento internacional abertas, a oligarquia da borracha, na Amazônia, está em abandono e decadência após o cultivo dos ingleses na Ásia. Quando

sabem dos planos dos EUA, imediata-mente decidem que ‘a Amazônia quer os americanos’. A possibilidade de ter capitais apenas aceitando a ocupação da região remota era, para eles, a oca-sião ímpar de recriar uma Amazônia útil na federação. O que era apenas intenção dos americanos transforma- -se no centro de uma proposta política nacional de ocupação de uma região para a qual não se tinha nenhuma po-lítica”, analisa Costa. Na América, po-rém, a conclamação do então secretário de Comércio (e futuro presidente dos EUA), Herbert Hoover, para que em-presários americanos investissem no cultivo da borracha na América Latina, como forma de fugir ao cartel inglês, inclusive enviando expedições científi-cas ao Brasil com este fim, só encontrou eco em dois empreendedores: Harvey Firestone, que preferiu investiri em plantations na Libéria; e Henry Ford, que, em 1924, havia tentado, sem suces-so, cultivar borracha na Flórida.

“Mas não foi apenas a busca por fontes de matéria-prima mais barata que fez Ford voltar-se para o Brasil. Aos 60 anos, ele estava desiludido com os rumos tomados pela América. Dizia-se frustrado com a política doméstica e abominava a adesão americana à guer-ra, os sindicatos, Wall Street, os mo-nopólios de energia, os judeus, dança moderna, Roosevelt e seu New Deal, cigarros, álcool e a crescente interven-ção do governo nos negócios”, observa Grandin. “Era uma espécie de ‘pastoral americana’ que não via oposição entre natureza e industrialização. Para gente como Ford, era possível reunir agricul-tura e indústria, já que a mecanização marcaria não a conquista, mas a reali-zação dos ‘segredos’ da natureza. A sua pretensão era de que os americanos tivessem como missão recriar o Éden capitalista”, completa. “Não estamos indo para o Brasil para fazer dinheiro, mas para ajudar a desenvolver aquela terra maravilhosa e fértil. Vamos trei-nar os brasileiros e eles vão ser ótimos profissionais como os nossos”, afirmou Ford. Num paradoxo, nota Grandin, o mesmo homem que ajudou a libertar o poder da industrialização e revolucio-nou as relações humanas passou o resto da vida tentando recolocar o gênio na garrafa. “A Fordlândia representa de forma cristalina a utopia que movia

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Vargas visita Belterra em 1940. Ao fundo, o retrato de Ford

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Ford então, e por extensão o ‘america-nismo’. Revela a fé que o movimento em direção a uma maior eficiência pode ser manipulado de forma a que a tec-nologia, sem intromissão do governo, pode resolver qualquer problema so-cial que surja do avanço do progresso”, analisa o historiador. Fordlândia seria então uma parábola de arrogância, mas de outra espécie, apenas uma exibição do poder de Ford em domar a natureza selvagem. “A verdadeira arrogância do empreendimento era que ele acreditava que as forças do capitalismo, uma vez libertadas, poderiam ser controladas por sua vontade”, acredita Grandin.

A pós tentar recriar seu Éden no Meio-Oeste americano, Ford, frus-trado, recebeu a visita, em 1925,

do diplomata brasileiro José Custódio de Lima, que há dois anos cortejava o industrial com ofertas de investimen-to no Brasil, mas, dessa vez, foi com carta branca do governador do Pará oferecendo, ao americano, concessões de terras e isenção de impostos. Des-de 1914, a Ford Company operava no país e, naquele ano, a empresa tinha o monopólio nacional de veículos. Ford era visto pela elite industrial brasileira como o “Moisés do século XX”, como se referiu a ele um importante indus-trial paulistano (talvez desconhecendo o antissemitismo de Ford). Monteiro Lobato, que traduzira a sua biografia para o português, via nele o “Jesus Cristo da indústria”, cuja vida era “o evangelho messiânico do futuro”. Não se pode negar o mérito do homem que, na conversa com Lima, ao saber que um seringueiro ganhava 50 centavos de dólar por dia de trabalho, disse que “era preciso pagar no mínimo US$ 5, pois os brasileiros não devem trabalhar como escravos”. A imprensa amazonense, ao

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ão um cônsul e um membro da comissão

científica enviada em 1923 ao Brasil, para garantir junto ao governo do Pará a opção de compra de uma área de 2,5 milhões de acres no vale do Tapajós. Quando Ford enviou uma equipe pa-ra avaliar o melhor lugar a instalar sua plantação de borracha, conta o histo-riador, mostraram a eles apenas a área sob controle de Villares, que lucrou na negociata US$ 125 mil em terras que as autoridades paraenses pretendiam doar para a empresa americana. Mesmo o avaliador de Ford teria entrado na trama, descrevendo a região em “tin-tas dignas de um romance de Dickens, pronto a despertar em Ford o desejo de intervir e salvar aquela população da degradação, do vício, do álcool e da pobreza”. “Para confirmar que a lógica que empurrava Ford para a Amazônia ia além das leis da oferta e da procura, no momento em que recebeu o relato sobre a região ele já estava ciente de que o cartel inglês estava para ser desmon-tado, porque os holandeses não haviam aderido a ele. Ford foi aconselhado a desistir da ideia da plantation, mas foi adiante, ainda que os preços da borra-cha estivessem em queda”, conta Gran-din. “Vou ver minhas terras de avião com meu amigo Charles Lindbergh”, disse Ford ao revelar para a imprensa seus planos.

E le nunca veio, mas dois navios chegaram em 1927 ao Brasil com material tecnológico de última ge-

ração suficiente para criar uma “cidade americana” na selva. O contrato da cria-ção do empreendimento na Amazônia explicitava que não haveria nenhuma forma de inserção brasileira nas ativi-dades de Ford em território nacional. No ano seguinte, quando se iniciaram de verdade as operações de Ford, mor-

Hospital, plantação e baile tradicional: a cidade de Ford no seu apogeu

Henry Ford: utopia na selva

saber do interesse de Ford, encheu-se de entusiasmo. “Os jornais contrários à sua vinda são classificados como ‘jor-nais vermelhos’. Enquanto a imprensa se rejubilava com a vinda do capital es-trangeiro, ‘esses esquerdistas’, escreveu um editorialista da época, ‘movem essa campanha de descrédito, criminosa e ingrata que reflete a pequenez desses patrioteiros que querem salvar o país; mas não será o ladrido dos rafeiros que há de afastar os dólares de Ford da ubertosa Amazônia’. Há também críti-cas fortes contra os paulistas, em espe-cial os estudantes que teriam, notam os jornais do Pará, lembrado da região não para ajudá-la, mas para protestar contra o capital estrangeiro”, conta a geógrafa Elaine Lourenço, do Centro Universitário Nove de Julho. Não faltou na história o típico espertalhão: Jorge Dumont Villares, sobrinho de Alberto Santos Dumont. Segundo Grandin, ciente do interesse potencial dos ameri-canos na região, Villares teria se aliado a funcionários americanos, incluindo-se

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20 n abril DE 2009 n PESQUISA FAPESP 158

reu Henry Wickham, apelidado, então, de “Henry I”: lembrando a “traição” passada, a imprensa brasileira come-çava a questionar a “invasão ianque” no Amazonas. As coisas não iam mesmo bem: o primeiro diretor da companhia, mal chegado na região, cometeu vários erros, incluindo-se o desflorestamento de uma vasta área para abrigar as insta-lações, destruindo a madeira preciosa que Ford via como forma de recuperar parte do seu investimento. O novo en-carregado foi o comandante dos bar-cos que levaram o material, no espírito fordista de não confiar em especialistas, um engano que se provaria fatal para o empreendimento. “A estruturação da companhia se baseava na utilização de equipamentos avançados, por uma divisão acentuada de trabalho e por relações capitalistas de produção que iam de encontro à mentalidade da mão de obra local. Havia ausência de capital social básico e uma falta de conheci-

mento científico para o plantio e, aci-ma de tudo, pela falta de um mercado de trabalho nas dimensões requeridas pelo empreendimento”, analisa Costa. Dados recolhidos pela companhia indi-cavam um potencial de 30 mil homens, volume razoável para que o negócio prosperasse nas bases fordistas. A rea-lidade, porém, era outra: “Há muita gente sem emprego e solta por aí, mas quando você fala em trabalho para eles retrucam na sua cara que esse tipo de trabalho não interessa a eles. Preferem o trabalho sazonal, seja na agricultura, seja nas seringueiras e poucos se inte-ressam pela Fordlândia”, exasperava-se um executivo americano.

“Tendo acesso relativamente livre à terra e aos recursos da natureza, dis-pondo assim dos meios de subsistência, o trabalhador negou-se a se submeter ao sistema fabril fordista, com horários, uniformes, cartão de ponto, sirenes de fábricas e pelo assalariamento”, explica

Costa. Moralista, Ford proibia o consu-mo de bebidas alcoólicas e prostituição dentro dos portões da fábrica, o que obrigava os trabalhadores a “escapu-lir” para regiões vizinhas, apelidadas de “Ilha dos Inocentes”, que passaram a concentrar criminalidade e violência. Os americanos igualmente não se in-teressavam em aproximar-se dos brasi-leiros. A piada corrente dizia que após um ano na Fordlândia um americano sabia dizer “uma cerveja”; após dois anos, já conseguia falar, em português, “duas cervejas”. As casas, feitas em mol-des americanos, não serviam ao clima nem ao temperamento nacional, com seus telhados baixos e janelas grandes que permitiam a entrada de mosquitos. Ainda assim as moradias eram regular-mente visitadas por agentes da inspeção sanitária que cobravam dos trabalha-dores, em casa e nas ruas, hábitos de higiene. Havia escola para as crianças e os salários, relativamente altos, eram pagos com total pontualidade. Ford preconizava ainda que se plantassem flores diante das soleiras, o que, segun-do ele, era uma forma de embelezar o local de trabalho. O relógio de ponto, porém, era odiado pelos funcionários, cujos horários também eram regulados, nos moldes capitalistas modernos, por apitos e por fiscais. Ford exigia que a comida fosse saudável e os caboclos se viram obrigados a comer aveia no café da manhã, abrindo mão do feijão e da farinha. A mera mudança do sis-tema de alimentação gerou uma crise

Fordlândia fantasma: galpões e a caixa d’água com o apito de fábrica

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que colocou a vida dos americanos em risco. Em vez de serem servidos pelas mulheres, os trabalhadores, certo dia, se depararam com uma cafeteria com bandejões. “Não somos cachorros”, foi o grito geral. A equipe de Ford se viu obrigada a passar a noite num barco no meio do rio, sendo resgatada no dia seguinte por um destacamento policial. Voltaram a comer o bom feijão.

S em mão de obra suficiente, insis-tindo em aplicar métodos fordistas na região e com um parco conhe-

cimento do cultivo da seringueira, o empreendimento não prosperava. “Em 1929, a companhia já havia gasto mais de US$ 1,5 milhão e tinha pou-co a apresentar. Por volta de 95% das sementes plantadas não germinaram ou morreram e metade da madeira retirada foi perdida ao ser queimada. Fordlândia crescia em grandes propor-ções, mas as instalações, elaboradas, nada tinham com o negócio central do projeto: produzir borracha. Apenas em 1933, em desespero, é que a companhia Ford chamou James Weir, um técnico em agricultura que trabalhara com seringueiras na Ásia”, conta Grandin. A proposta de Weir, diante da praga que consumia as árvores, foi radical: abandonar Fordlândia, que se trans-formaria num local de experimentos contra o mal das folhas, e criar uma nova plantação em Belterra. “Num reverso do contrabando das sementes de Wickham, Weir propôs que se im-portassem novos híbridos da Malásia,

“Não se pode fazer a guerra moderna sem borracha”. O esforço internacional e o recrutamento dos chamados “solda-dos da borracha” não mudaram o qua-dro terrível em Fordlândia e Belterra. Em 1937, 1.200 acres foram desfloresta-dos para receber mais de 2,2 milhões de sementes. Em 1941 o número aumen-tou para 3,6 milhões. Em 1942, porém, a produção não conseguiu ir além de meras 750 toneladas de borracha, uma fração das 45 mil toneladas extraídas no auge do boom da borracha. Após gastar US$ 20 milhões, Ford vendeu tudo ao Brasil por US$ 500 mil.

“Em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, as novas possibilidades abertas com a produção da borracha sin-tética, a própria especialização da Ford, que passara a concentrar sua indústria somente nos automóveis, e diante das resistências naturais e humanas, a com-panhia devolveu sua concessão ao go-verno brasileiro, que a indenizou pelas benfeitorias realizadas”, observa Elaine Lourenço. Em 1950 as duas cidades fo-ram abandonadas. “Em maio de 1951 chegou o primeiro carregamento de látex de Cingapura no porto de Santos, produzido das árvores que descendiam diretamente das sementes roubadas por Wickham exatos 75 anos. Desde então o Brasil se viu obrigado a importar látex para fazer frente à sua demanda por borracha”, completa Grandin. Na criação de um império da borracha, o aventureiro colonial Henry I foi mais bem-sucedido do que o empreendedor moderno Henry II. n

Moradia no estilo do Meio-Oeste americano em Fordlândia hoje

justamente aqueles gerados a partir da pirataria do inglês. Para piorar, o novo local escolhido era próximo do sítio onde Wickham havia coletado as sementes 57 anos antes”, revela o his-toriador. Como se não bastasse, o em-preendimento teve problemas com o governo local, que viu na importação a repetição do golpe britânico. Para sorte de Ford, a revolução de 1930 colocou Vargas no poder, cujo nacionalismo sabia compactuar com o capital es-trangeiro, em especial para cumprir sua promessa de recuperar a Amazô-nia. Convidado pela família Ford, Var-gas visitou Belterra em 1940 e saudou o trabalho do americano como um exemplo a ser seguido. “Ainda assim a Companhia Ford do Brasil foi incapaz de se estruturar seja para o lucro, seja para atender às necessidades da Ford Company. E isso em decorrência da incapacidade de formar a massa de meios de produção para obter a bor-racha. Incapaz de subordinar a força de trabalho em volume adequado, não conseguiu atingir níveis de produção que permitissem lucro e muito menos para alcançar escalas maiores de pro-dução”, observa Costa.

A Segunda Guerra Mundial e a ne-cessidade por borracha, já que a Ásia britânica estava em mãos dos japoneses, trouxeram uma tentativa de galvanizar o empreendimento fordista com a chega-da de técnicos americanos, investimento de dinheiro de Washington (para hor-ror do liberal republicano Ford). Afinal, como afirmou o presidente Roosevelt:

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As sementes da discórdia

pesquisas discutem impacto do contrabando de sementes da seringueira por ingleses

O trocadilho é inevitável e, talvez, perdoável: o tempo na história de Henry Wickham sem-pre foi elástico. Ele surrupiou as sementes da seringueira em 1876, mas apenas em 1895 é que os ingleses resolveram iniciar a plantação da borracha na Malásia em bases comerciais e, assim, só no final de sua vida

é que ele ganhou o agradecimento oficial do Império Britânico, virando Sir, a contragosto da rainha Vitória, que o considerava “um homenzinho desagradável”. Por décadas discutiu-se, sem resultados satisfatórios, se ele agiu como um ladrão comum ou era um “ho-mem do seu tempo”, e ele chegou a ganhar o apelido, justo ou injusto, de “pai da biopirataria”. Muito tempo depois, a partir da Eco-92, se começou a discutir com sutilezas essa questão. “Na década anterior prevale-ciam, na legislação internacional, os conceitos deri-vados do farmer’s rights da Organizacão das Nações Unidas para Agricultura e Alimentacão, fundamen-tados no princípio do bem comum da humanidade, e propondo que os recursos naturais fossem acessíveis a todos. A discussão agora é se – o Brasil impondo uma lei de acesso muito rígida – eles irão pesqui-sar em outros países ou então tentarão coletar sem autorização oficial, o que caracteriza a biopirataria. O maior interesse para o desenvolvimento nacional é, na verdade, um grande desafio: transformar toda biopirataria potencial em bioparceria a fim de reforçar as capacidades tecnológicas do país”, avalia Ana Flávia Granja e Barros, professora adjunta da Universidade de Brasília/Instituto de Relações Internacionais. O tempo parece não ter ajudado tanto a recuperar a re-putação de Wickham. Teria sido ele o real responsável pela decadência do ciclo brasileiro da borracha?

“Havia, muito antes desse contrabando, um entusiasmo pela ‘teologia natural’, em especial do Império Britânico. Argumentava-se que, se a uni-dade do Jardim do Éden havia se perdido, o livre comércio permitiria a redescoberta das suas riquezas agrícolas. Daí, em 1851, a Macintosh&Co., a maior manufatureira de borracha britânica, ter presenteado o príncipe Albert, marido da rainha Vitória, com uma

barra de borracha em que estava inscrito o poema Charity, de William Cowper, cujos dizeres afirmavam: ‘O ramo do comércio foi criado para associar todos os ramos da humanidade. Cada clima necessita o que outros climas produzem e, assim, oferecem algo para o uso geral de todos’. Roubar sementes, então, poderia ser uma ‘ação nobre’ pelo ‘bem comum’ da humanidade”, explica a historiadora Emma Reisz, do Jesus College, em Oxford, autora de The political economy of empire in the tropics: rubber in the British Empire, que será lançado no final do ano na Ingla-terra. “Wickham, por essa razão, nunca viu o contra-bando das sementes como um roubo, mas como um ato de patriotismo e salvação pessoal. Muito antes da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), a biopirataria de Henry deu à Inglaterra o primeiro monopólio global de um recurso estra-tégico na história do homem”, completa Joe Jackson, autor do recém-lançado The thief at the end of the world, biografia de Wickham. Se o homem era des-prezado pela nobreza, o fruto de sua aventura encheu de glória o The Royal Botanical Gardens, em Kew (que celebra, este ano, seus 250 anos), uma louvada instituição de pesquisa botânica, que acolheu e in-centivou não apenas o furto das sementes brasileiras, mas de muitas outras, entre as quais, por exemplo, a cinchona ou quinina, surrupiada por pesquisadores ingleses do Peru segundo o espírito do “bem comum da humanidade”. Em verdade, o desejo pelo quinino se devia menos ao altruísmo universalista e mais à necessidade imperialista de combater a malária que atacava os soldados britânicos em países distantes, atrapalhando o comércio colonial.

“A parceria entre governos coloniais e jardins botânicos na transferência e no desenvolvimento de plantas úteis funcionava como um benefício mútuo. O subsídio do Estado a esses centros cresceu quando os governos perceberam o potencial estratégico da botânica. Os institutos, por sua vez, retribuíram o investimento nacional pesquisando e aprimorando sementes para as plantations”, explica a historiado-ra Lucile Brockway, da City University of New York,

capa

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autora de Science and colonial expan­sion. “A monocultura tropical em mãos europeias teve um grande avanço, mas também produziu desequilíbrios po-líticos e ecológicos imensos e com os quais o mundo moderno ainda hoje precisa lidar.” O século XIX, continua a pesquisadora, deu ênfase à “botânica econômica”, ou seja, à “botânica colo-nial”, e instituições como Kew Gardens, de início percebidas pelo governo como “caprichos reais” ou “divertimento das massas”, ganharam status na hierarquia imperial como “câmara de compensa-ção” na troca de informações botânicas e centro de intercâmbio de plantas pelo Império Britânico, enviando espécimes e sementes para onde houvesse poten-cial comercial.

Assim, em 1850, quando Thomas Hancock, dono da Macintosh, expressou publicamente a sua preocupação com o monopólio da borracha pelo Brasil, que, afirmava, não era confiável em termos de oferta e preços, Sir William Hooker, seu amigo e diretor de Kew Gardens, prontificou-se a “oferecer toda e qual-quer ajuda para quem desejar transferir a seringueira do Brasil para o território imperial”. “A ‘mão invisível’ do mercado,

ao que parece, precisava de uma forci-nha. Mas obter as mudas brasileiras exi-giam conhecimento botânico e coragem para enfrentar a floresta diante de um preço de mercado comparativamente baixo, o que não justificava o esforço”, nota Emma. O governo britânico não se interessou e foi apenas a partir de 1870, por pressão das autoridades inglesas na Índia que necessitavam da borracha, que o India Office, em Londres, passou a considerar o assunto com gravidade, nos moldes do que se fizera com a qui-nina. Afinal, um relatório oficial sobre a situação no Brasil alertava do perigo de se perder um “bem da humanidade” pelas mãos de “um seringueiro bêbado que, depois de uma noitada de cachaça, poderia destruir todas as árvores em seu caminho”. “Era uma questão de civilis-mo arrancar a borracha do Brasil e, em 1873, o India Office destinou verba para obter mudas ou sementes da seringuei-ra”, diz Emma.

V árias tentativas foram feitas, mas as sementes não vingavam em Kew, o que abalou o ânimo de

Hooker, mesmo ao receber uma car-ta de Wickham em que prometia ser capaz não apenas de reconhecer a ár-vore correta, como também de enviar milhares de sementes com segurança para Kew Gardens. Típico aventureiro

da época, Henry, aos 27 anos, partiu para a América Central para tentar fi-car rico e acabou em Santarém, onde viu in loco a riqueza do boom da bor-racha. Antes, no Orinoco, aprendera, com índios, a recolher o látex. Seus relatos de viagem, com desenhos das folhas da Hevea, convenceram o India Office de que ele tinha potencial, após deixar seu projeto engavetado por seis meses. Em 1876 Wickham voltou ao Brasil com a mulher, a mãe, o irmão e a cunhada (perdeu aqui boa parte da família, vítima de doenças tropicais), e escreveu a Hooker de Seringal, às mar-gens do Tapajós (não muito distante da futura empresa de Ford) avisando que coletara as sementes. A bordo do na-vio Amazonas, com 70 mil sementes a bordo, declarou na alfândega brasileira que “levava apenas espécimes exóticos e delicados para o jardim botânico”. Para tanto, contou com o auxílio do cônsul inglês e do “barão de S.”, “muito compreensivo”. “Eles agiram não contra os desejos do governo brasileiro, mas exatamente como se este não existisse e as únicas autoridades naquele canto do mundo fossem os cônsules britâni-cos”, observa Warren Dean. As sementes chegaram intactas em Londres e foram enviadas para a Ásia britânica.

“Porém, o desenvolvimento de plan­tations em larga escala naquela região

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Henry Wickham: ladrão ou herói?

O célebre desenho de Wickham da folha da Hevea brasiliensis

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foi lento pela falta de capital e pelo de-sinteresse dos comerciantes ingleses, que só reagiram quando o potencial da borracha estourou com a indústria de carros”, analisa o economista Aldo Musacchio, do Ibmec São Paulo. Em 1900, as plantações asiáticas produziam apenas quatro toneladas de látex ante as 27 mil toneladas obtidas por meio do extrativismo no Brasil. Em 1916, as plantations britânicas iriam produzir Hevea suficiente para abastecer 95% da demanda mundial por borracha de alta qualidade. A Amazônia entrou em parafuso. “Por que os produtores brasi-leiros não reagiram? Ao contrário do que se pensa, não houve um ‘erro fatal’ da oligarquia da borracha, mas uma ação ‘otimizada’ dadas as opções existentes”, analisa o economista Zephyr Frank, da Stanford University. “Incapaz de deter o contrabando de sementes, a única opção para os brasileiros seria um grande in-vestimento na produção que afastasse a concorrência incipiente por meio do au-mento da produtividade, da importação de mão de obra, diminuição de custos de trabalho e com a organização de plan­tations. Mas o país, naquele momento, não tinha capacidade de mobilizar es-ses recursos de capital (nem interesse, por causa do café) e trabalho necessá-rios para virar o jogo”, explica. “Como o mercado da borracha é imprevisível e demorado (acompanha o tempo de crescimento das árvores, entre seis e oito anos), os brasileiros optaram por ‘sentar e esperar’, pois investir em plantations era caro demais e sem garantias; além do mais, o extrativismo era lucrativo a seu modo. A opção era deixar os ingleses invadirem o mercado até o excesso de produção, como ocorreu em 1922.”

O tempo, dessa vez, estava a favor da borracha brasileira. O domínio britânico centrava-se nas relações

coloniais privilegiadas, que propicia-vam mão de obra farta e barata. Com o declínio do Império e a pressão ame-ricana, que demandava mais borracha a custos menores, a vantagem inicial perdeu-se. “A questão da borracha foi, ao mesmo tempo, emblemática do poder colonial e um indicativo de sua

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decadência. Quando quiseram manter o cartel já não tinham mais poder para impedir os americanos de buscar bor-racha em outros lugares, como fez Ford no Brasil”, diz Emma. Havia ainda o fa-tor ecológico. “Os britânicos exaltaram a civilidade das plantations em con-traste com a suposta incivilidade dos seringais, percepção comungada pelas elites cafeicultoras no poder. A política oficial, em especial após a República, comprou essa ideia e promoveu essas plantations, sem dar importância aos conhecimentos locais e às visões dos produtores locais de borracha, que dis-cordavam da promoção da monocultu-ra. Para eles, o extrativismo garantia a perenidade da produção e não destruía a terra e as árvores, ao contrário da op-

ção ‘civilizada’”, analisa a historiadora Rosineide Bentes, da Universidade do Estado do Pará. “A promoção da mo-nocultura colidiu com a concepção ecológica dos seringalistas, para quem preservar a floresta tinha um profundo significado econômico e ecológico. Eles perceberam, antes dos cientistas, que as plantations eram alvo fácil de pragas. A monocultura, assim, não proliferou na Amazônia também porque os produto-res acreditavam que ela destruiria seu principal capital: a floresta nativa de goma elástica. Assim, sem se submeter nem à selva, nem às forças industriali-zantes, por opção própria, eles fizeram história”, acredita a pesquisadora. n

Recolhendo o látex nos dias de hoje: poucas mudanças

Carlos Haag

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26 ■ abril DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 158

Estratégias MUNDO>>

divulgada no site da universidade, o chanceler Gene Block reafirmou que a instituição continuará

O Conselho de Pesquisa Cientí-

fica e Tecnológica na Turquia foi

duramente criticado por haver

censurado uma reportagem de

capa de sua revista de divulgação

científica que tratava dos 200

anos de nascimento de Charles

Darwin – a ação também resultou

no afastamento da editora da pu-

blicação, Cigdem Atakuman, que

acabou reintegrada ao cargo após

a polêmica. De acordo com o relato

de Cigdem, o vice-presidente do

Conselho, Ömer Cebeci, teria dito

que a capa era uma “provocação”

num momento em que o país está

mobilizado numa campanha elei-

toral. Segundo editorial da revis-

ta Nature, o imbróglio revela duas

mazelas da Turquia. Uma delas é

a interferência política no sistema

de ciência e tecnologia. A segunda é a elevada aceitação

do criacionismo entre a população do país, majoritaria-

mente muçulmana. “Na Turquia, como em vários países,

o serviço público espelha a ideologia do partido no poder.

E muitas autoridades, em consonância com a maioria da

população, não acredita na evolução por seleção natural”,

disse a Nature. O ministro da Ciência, Mehmet Aydin, ex-

pressou desconforto com a mudança da capa, mas jogou

combustível na polêmica ao afirmar: “Que tipo de briga

podemos ter com Darwin? Ele está morto”.

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a usar modelos animais, respeitando a legislação, em pesquisas sobre doenças como a Aids, o mal de Alzheimer e o câncer. “Mas faremos de tudo para salvaguardar a vida de nossos pesquisadores e de suas famílias”, disse.

> Pesquisa globalizada

O governo do Chile vai destinar US$ 100 milhões para estimular a instalação

no país de filiais de centros de pesquisa internacionais que atuem em áreas como aquicultura, mineração, biotecnologia, energia e meio ambiente. O poder público custeará a metade de cada projeto, com um teto de investimento de US$ 19,5 milhões por projeto. Os centros selecionados bancarão a outra metade. “Esperamos que se instalem pelo menos cinco centros, atraídos pela possibilidade de fazer ciência em torno dos recursos naturais que possuímos”, disse à agência SciDev.Net. Claudio Maggi, diretor executivo do InnovaChile, órgão responsável pelo programa. “Esses centros deverão desenvolver competência científica e tecnológica em áreas em que ainda somos vulneráveis, criar empregos de alta

> Califórnia em chamas

A Universidade da Califórnia e o FBI estão oferecendo US$ 445 mil de recompensa a quem ajudar a prender os extremistas que praticaram atentados contra pesquisadores da instituição nos últimos três anos. No último ataque, reivindicado na internet por uma organização que combate o uso de animais em pesquisas, uma bomba destruiu o carro de um neurocientista no dia 7 de março. Ninguém saiu ferido. O pesquisador, cuja identidade não foi revelada, investiga tratamentos contra doenças psiquiátricas, como esquizofrenia. Antes dele, outros casos mobilizaram a universidade, como o incêndio na casa do neurobiologista David Feldheim, provocado por um coquetel molotov, e a descoberta de uma bomba, desarmada antes de explodir, sob o carro de Arthur Rosenbaun, pesquisador na área de oftalmologia pediátrica. Em declaração oficial

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em processos para obtenção de licença de comercialização de suas drogas em território norte-americano. A Food and Drug Administration (FDA), agência que regula o comércio de remédios e alimentos nos Estados Unidos, revogou 25 licenças já aprovadas de drogas fabricadas numa das quatro plantas do laboratório, situada em Paonta Sahib, estado de Himachal Pradesh, e suspendeu a análise de outras licenças de fármacos produzidos nessa localidade. De acordo com o jornal Washington Post, o FDA não identificou problemas com a eficiência dos medicamentos, mas considerou que a fábrica em questão não opera nas condições de segurança exigidas. Entre as drogas proibidas há remédios contra o colesterol alto e um anti-histamínico. Uma auditoria da FDA contabilizou 1.676 erros em 15 pedidos de licença aprovados e descobriu, entre outras, fraudes em testes de estabilidade, como o acondicionamento de remédios em geladeira quando eles deveriam ser mantidos em temperatura ambiente. A punição ocorre num momento em que os fabricantes de genéricos vislumbram ganhos extraordinários nos Estados Unidos. É intenção do governo norte-americano aprovar até 2010 um sistema de “via rápida” para aprovação de medicamentos genéricos no país, com o objetivo de reduzir os crescentes custos da saúde pública.

qualificação e transferir para a sociedade os resultados das pesquisas”, afirmou Maggi. De acordo com ele, o Centro de Pesquisa Técnica da Finlândia e a Sociedade Fraunhofer, da Alemanha, já demonstraram interesse em participar do programa. Os centros deverão estabelecer alianças com universidades e empresas chilenas e comprometer-se a permanecer no país por no mínimo dez anos.

> Conselhos sem ruídos

No mesmo dia em que suspendeu as restrições ao financiamento federal de pesquisas com células-tronco embrionárias, o presidente norte-americano Barack Obama assinou um memorando endereçado ao chefe do Escritório de Política Científica e Tecnológica com o objetivo de assegurar a integridade do processo de aconselhamento científico na tomada de decisões do governo. O memorando pede que as agências públicas contratem assessores científicos com base no mérito e na formação e estabeleçam regras de transparência, além de garantir proteção a quem tiver alguma denúncia a fazer. Harold Varmus, do conselho de assessores em ciência e tecnologia do presidente, disse à revista Nature que o memorando busca evitar a repetição de problemas ocorridos na administração Bush, quando funcionários indicados por políticos censuraram o trabalho de cientistas do governo – o caso mais rumoroso envolveu artigos sobre mudanças climáticas

feitos por pesquisadores da Nasa. John Marburger, assessor científico de Bush, sugeriu que o memorando é meramente retórico. “Nunca imaginei que um documento desse tipo fosse necessário. Da perspectiva da administração Obama, responde a um compromisso de campanha”, afirmou.

> O tombo do gigante indiano

O laboratório Ranbaxy, principal indústria farmacêutica da Índia e um dos maiores fabricantes de medicamentos genéricos do planeta, foi punido por falsificar dados

Obama: sem misturarcientistas e políticos

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Estratégias MUNDO>>

> A morte de Allen Debus

Allen G. Debus, um dos principais pesquisadores de história da ciência em todo o mundo, morreu no dia 6 de março, aos 82 anos, em Chicago, nos Estados Unidos, de parada cardíaca. Discípulo do também norte-americano Bernard Cohen e do alemão Walter Pagel, Debus criou e desenvolveu programas de história da ciência e da medicina na Universidade de Chicago por 35 anos (1961-1996). Químico de formação, uma de suas especialidades era

O site Science Watch, da Thomson reuters,

divulgou o ranking dos 13 cientistas que mais

produziram artigos científicos de alto impacto,

os chamados hot papers, no período 2007-

2008. A lista é encabeçada por Kuo-Chen Chou, que trabalha no

Gordon Life Sciences Institute, de San Diego (EUA), e é professor

da Shanghai Jiao Tong University, na China. Pesquisador da área de

bioquímica/bioinformática, com ênfase no estudo de ferramentas

de sequenciamento genético, Chou emplacou 17 artigos em revistas

indexadas pela base de dados Web of Science que foram rotulados

de “quentes”. Um de seus colaboradores, Hong-Bin Shen, também

aparece na lista, com 13 hot papers. Um trabalho é considerado

hot paper quando, menos de dois anos depois de ter sido publica-

do, atinge um índice de citações muito superior ao apresentado

por artigos contemporâneos da mesma área. No segundo lugar do

ranking figura o alemão Rudolf Jaenisch, do Massachusetts Institute

of Technology (MIT), com 13 hot papers na área de bioquímica. Em

seguida aparecem os russos Konstantin Novoselov e Andre K. Geim,

da Universidade de Manchester (Inglaterra), descobridores do grafe-

no, filme formado exclusivamente de átomos de carbono arranjados

em forma hexagonal. Também constam do ranking o chinês Ji-Huan

He, da Donghua University; o alemão Benjamin List, do Max Planck

Institute for Coal Research; Salim Yusuf, da McMaster University

(Canadá); Donald P. Scheider, da Pennsylvania State University;

Zhong Lin Wang, do Georgia Institute of Technology; Virginia M.-Y.

Lee e John Q. Trojanowski, da University of Pennsylvania; e Hiroaki

Ohnishi, do Riken Nishina Center, do Japão.

ArTIgOSQUEnTES

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1.019 dos cerca de 2 mil pesquisadores em atividade no Uruguai. Nos próximos três anos, eles receberão um bônus salarial mensal de US$ 290 a US$ 570 para dedicarem-se à pesquisa, dependendo do nível de formação. O objetivo desse esforço é impulsionar a produção do conhecimento e evitar a evasão de cientistas. De acordo com Edgardo Rubianes, presidente da Agência Nacional de Pesquisa e Inovação, o incentivo equivale à metade dos salários dos pesquisadores mais jovens ou à quarta parte dos vencimentos dos seniores.

No sentido horário, Chou, Shen, Trojanowski e Jaenisch:citações bem acima da média

a história da química e da alquimia, especialmente no século XVI. Escreveu e editou mais de 20 livros, sendo o mais conhecido deles O homem e a natureza no Renascimento (Porto Editora). Foi um dos incentivadores da criação do Centro Simão Mathias de Estudos em História da Ciência (Cesima) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e, posteriormente, seu colaborador. “Debus revolucionou a história da ciência ao defender que o nascimento da ciência moderna não dependeu exclusivamente de mudanças

na cosmologia, mas em campos como a medicina e a química”, diz Ana Maria Alfonso-Goldfarb, coordenadora do Cesima. Uma de suas características era trabalhar com documentos – ele descobriu, por exemplo, vários livros esquecidos dos séculos XVI e XVII.

> Reforço no holerite

O Uruguai vai reforçar o salário da metade dos pesquisadores do país. Foi criado no início de março o Sistema Nacional de Investigação, que reúne

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PESQUISA FAPESP 158 ■ abril DE 2009 ■ 29

Estratégias brasil>>

no Instituto de Estudos Latino-Americanos (Ilas) da Universidade Columbia, em Nova York. O programa é apoiado pela FAPESP, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Universidade Columbia e pela Comissão para o Intercâmbio Educacional entre os Estados Unidos da América e o Brasil – Fulbright. Os candidatos devem ter atuação

empregadas para a obtenção de híbridos comerciais. Suassuna, de 81 anos, dramaturgo, romancista e poeta, é autor de O castigo da soberba (1953), O rico avarento (1954), Auto da compadecida (1955), Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta (1971) e Fernando e Isaura (1956).

>Programa RuthCardoso

Estão abertas até 30 de abril as inscrições do Programa de Bolsa Dra. Ruth Cardoso em Antropologia e Sociologia na Universidade Columbia, que apoiará a participação de um professor/pesquisador brasileiro em atividades de docência e pesquisa, por um ano acadêmico,

O sistema Degrad (Mapeamento da Degradação Florestal

naAmazôniaBrasileira),criadopeloInstitutoNacionalde

PesquisasEspaciais(Inpe)paraidentificaráreasemprocesso

dedesmatamentonaAmazônia,ganhoupáginaprópriana

internet(www.obt.inpe.br/degrad).Olevantamentopreliminar

dosistemaregistrou14.915quilômetrosquadradosdeáreas

degradadasem2007e24.932em2008.ODegradfoidesen-

volvidoparamapearasáreasemprocessodedesmatamento

equenãosãocomputadaspeloProdes,sistemadoInpeque

identificaapenasasáreasemqueacoberturaflorestalfoi

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dar importante subsí-

dio aos órgãos de fis-

calização.Baseadoem

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(DetecçãodeDesmata-

mentoemTempoReal),

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selimitaraocortetotal.

Em2008oaumentoda

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Determotivouacriação

doDegrad.

reconhecida em ciências humanas e sociais. Terão preferência aqueles que trabalhem nas áreas de antropologia de populações urbanas, sociologia e história do Brasil com enfoque em movimentos sociais contemporâneos. No rol dos benefícios há uma bolsa mensal de US$ 5 mil por até nove meses, auxílio instalação de US$ 2 mil, passagens aéreas, seguro saúde e moradia na universidade.

>Osvencedoresdo ConradoWessel

Saiu a lista dos vencedores do Prêmio FCW de Ciência e Cultura 2008, concedido anualmente pela Fundação Conrado Wessel (FCW). Os escolhidos, que receberão R$ 200 mil cada um, foram Leopoldo de Meis (Ciência Geral), Fúlvio Pileggi (Medicina), Ernesto Paterniani (Ciência Aplicada) e Ariano Suassuna (Cultura). De Meis, nascido há 71 anos na Itália e radicado no Rio de Janeiro, é professor de bioquímica médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Suas linhas de pesquisa são o estudo dos mecanismos de transdução de energia em sistemas biológicos, transporte ativo de íons e síntese e hidrólise de ATP (adenosina trifosfato), mas também se notabilizou no campo da difusão da ciência. O cardiologista Fúlvio Pileggi, nascido em 1927, é professor emérito da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Autor de cerca de 500 artigos científicos, dirigiu entre 1981 e 1997 o Instituto do Coração (InCor). Paterniani, de 81 anos, foi diretor do Instituto de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP. Desenvolveu metodologias para identificação das melhores fontes de germoplasma de milho e criou variedades

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30 ■ abril DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 158

Estratégias brasil>>

Foi assinado no dia 2 de março

ocontratodeimplantaçãodo

LaboratóriodePesquisasde

EstruturasLeves(LabPEL),que

funcionaráapartirdejaneiro

de2010noParqueTecnológico

deSãoJosédosCampos(SP).

Com um investimento total

deR$90,5milhõesparasua

implantação,ainiciativaserá

viabilizadaporumaparceria

queenvolveaFAPESP,oIns-

titutodePesquisasTecnológi-

cas(IPT),ogovernopaulista,a

EmbraereoBancoNacionalde

DesenvolvimentoEconômicoe

Social(BNDES).OIPTadminis-

traráolaboratório,cujoobjetivo

éajudaropaísadominartec-

nologiasessenciaisàcompeti-

tividadenosetoraeroespacial,

comoodesenvolvimentodemateriaiscapazesdereduziropeso

dasaeronaves.SegundoopresidentedaFAPESP,CelsoLafer,um

projetodaenvergaduradoLabPELdependenecessariamente

deumaarticulaçãocomplexaqueenvolveváriasinstituições.“A

contribuiçãodaFAPESPnãoselimitouaosrecursosinvestidos.

AFundaçãoteveumpapelativonaarticulaçãodasinstituições

envolvidas.Trata-sedeumprojetofundamentalparaqueoBrasil

tenhacontroledeseuprópriodestino”,disse.

Institute, de Moscou, e veio ao Brasil graças a uma bolsa da FAPESP, é um reconhecido especialista em física teórica. Juntamente com os outros três agraciados com o prêmio, Carlo Becchi, Alian Rouet e Raymond Stora, Tyutin descobriu uma simetria dentro de teorias quânticas, que foi batizada com as iniciais do quarteto: BRST. A contribuição de Tyutin já havia lhe rendido, em 2001, o prêmio I. E. Tamm concedido pela academia de ciências de seu país natal. O Dannie Heineman Prize

>Teórico reconhecido

O professor de física russo Igor Tyutin, que atualmente é pesquisador visitante do Departamento de Física Nuclear do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), foi um dos quatro agraciados com o Dannie Heineman Prize for Mathematical Physics, que reconhece as contribuições notáveis, em forma de publicações científicas, no campo da física matemática. Tyutin, que está vinculado ao Lebedev Physical

foi criado em 1959 pela Fundação Heineman para Pesquisa, Educação, Caridade e Ciência, dos Estados Unidos, e é administrado pela American Physical Society e o American Institute of Physics. Cada agraciado irá receber um prêmio de US$ 10 mil e um certificado.

>Vareladirige AgênciadeInovação

A Universidade Estadual Paulista (Unesp) transformou seu Núcleo de Inovação Tecnológica em Agência de Inovação, a exemplo das que já existem nas universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Campinas (Unicamp). O professor José Arana Varela, do Instituto de Química (IQ), campus

de Araraquara, foi nomeado diretor-executivo da agência. A mudança busca adequar a universidade às leis federal e paulista de inovação. Com a mudança, a agência irá incorporar atribuições como a avaliação do potencial das tecnologias desenvolvidas pela instituição, a criação de uma rede de incubadoras e uma maior interação com as empresas juniores da Unesp. Elas se somarão às tarefas que eram executadas pelo antigo núcleo, como o apoio à pesquisa aplicada e a proteção da propriedade intelectual. “O objetivo é ampliar as competências, integrando todas as iniciativas da Unesp voltadas à inovação”, disse Varela, que é vice-presidente da FAPESP e foi pró-reitor de Pesquisa da Unesp na gestão de Marcos Macari (2005-2008).

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PESQUISA FAPESP 158 ■ abril DE 2009 ■ 31

>Confaptemnovo presidente

O presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), Mario Neto Borges, foi eleito para presidir o Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap). A escolha foi apoiada por todos os 21 representantes das FAPs presentes numa reunião ocorrida em Cuiabá. Borges vai substituir Odenildo Sena, presidente da FAP do Amazonas, que cumpriu dois mandatos consecutivos à frente do conselho. De acordo com o novo presidente, uma

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izO ministro da ciência e Tecnolo-

gia,SergioRezende,eaministrada

EducaçãoePesquisadaAlemanha,

AnetteSchavan,assinaramnodia

12demarçodoisacordosparaodesenvolvimentodepesquisas

naáreaambiental,duranteaaberturadaEcogerma2009–Feira

deNegócioseCongressodeTecnologiasSustentáveis,promovida

pelogovernoalemãonacapitalpaulista.Umdosdocumentos

tratadeumprotocolodeintençãoparaaconstruçãodecinco

torresparaomonitoramentodasmudançasclimáticasnaFloresta

Amazônica.OprojetoserácoordenadopeloInstitutoNacionalde

PesquisasdaAmazônia(Inpa)epeloInstitutoMaxPlanckdeQuí-

mica.Osegundoacordoestabeleceopropósitodosdoisgovernos

emmanterumdiálogoregularparasuporteaestudosepesquisas

nasáreasdeciência,tecnologiaeinovaçãotendocomofocoa

sustentabilidade.“Osacordosreforçampesquisasambientais

queBrasileAlemanhajádesenvolvememconjuntoereafirmam

apreocupaçãodosdoisgovernosembalizarseusprogramasde

desenvolvimentopelasustentabilidade”,disseRezende.

PArcErIAAMbIEnTAl

>Amemóriado cafeicultor A Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) vai receber US$ 17 mil da Universidade Harvard para ajudar na conservação de uma das coleções de sua Unidade Especial Informação e Memória. O acervo contemplado pertencia a Carlos Leôncio Magalhães (1875-1931), um grande cafeicultor da região de São Carlos. Conhecido como Nhonhô Magalhães, teve uma casa comissária e uma empresa financeira. Ainda jovem começou a comprar fazendas em Matão, na região de São Carlos, e enriqueceu vendendo-as com grandes margens de lucro. Seu maior negócio foi a compra, em 1911, da sesmaria de Cambuí, de 605 quilômetros quadrados, na região dos atuais municípios de Matão, Nova Europa e Gavião Peixoto. A propriedade foi vendida a um grupo inglês em 1924 por 20 mil contos de réis, mais de dez vezes o valor

que Nhonhô havia pago. Os documentos reúnem a correspondência, transações comerciais e escrituras. A maior parte deles é das décadas de 1910 e 1920 e mostra o auge dos negócios de Magalhães. Mas há material referente a toda a trajetória das empresas do cafeicultor, num período de quase cem anos. Os recursos para conservação do acervo, repassados pelo Programa de Apoio a Bibliotecas e Arquivos da América Latina da Universidade Harvard, serão usados na compra de estantes e na restauração e digitalização de mapas, que serão disponibilizados na internet.

de suas prioridades será articular programas em conjunto entre as FAPs em torno de temas de interesse comum, como aconteceu recentemente com a Rede Malária, esforço de pesquisa que envolve sete fundações, e o edital conjunto para pesquisas lançado pela Fapemig e a FAPESP no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen). Em maio, outra iniciativa desse tipo será lançada: a Rede Amazônica de Pesquisa em Desenvolvimento de Biocosméticos (RedeBio), com investimentos das FAPs do Amazonas, do Maranhão e do Pará, e do governo do Tocantins. Criado há três anos, o Confap reúne representantes das 23 fundações estaduais de amparo à pesquisa existentes no país e é o sucessor do Fórum Nacional das FAPs, organizado na década de 1990 por Francisco Romeu Landi (1933-2004), que foi diretor presidente do Conselho Técnico- Administrativo da FAPESP.

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32 n abril DE 2009 n PESQUISA FAPESP 158

SenSoriamento remoto

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Nova geração de satélites

promete impulsionar

pesquisa e vigiar melhor

a amazônia

No horizonte dos próximos três anos o Brasil promete colocar em órbita dois satélites que permitirão uma cobertura completa da Terra, com imagens de média resolução, em menos de cinco dias – hoje a cobertura feita pelo Cbers-2B (sigla para satélite sino-brasileiro de recursos terrestres) é de 26 dias. Com previsão para lançamento em meados de 2011, o Cbers-3 substituirá

o Cbers-2B, lançado em 2007, e seguirá fornecendo imagens que vêm sendo utilizadas por pesquisadores, órgãos públicos e vários setores da sociedade. O Cbers-3 está sendo submetido a testes na China, parceira do Brasil desde 1988 no desenvolvi-mento dessa classe de satélites, e disporá de uma nova geração de câmeras que promete uma qualidade mais acurada das ima-gens. Uma dessas câmeras é a AWFI/Cbers-3, que fará imagens da Amazônia a cada cinco dias, mas agora com uma resolução de cerca de 70 metros, em vez dos 260 metros da atual câmera WFI do Cbers-2B. O segundo satélite, com lançamento previsto para 2012, é o Amazônia-1, que promete tornar mais preciso o monitoramento da região amazônica e aperfeiçoar o trabalho do Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Sua câmera óptica AWFI/Amazônia-1 será capaz de operar nas faixas do visível e do infravermelho e terá uma resolução de 40 metros, mais detalhada do que a AWFI do Cbers-3. Um acordo em discussão com o Reino Unido poderá integrar à carga do satélite a câmera inglesa Ralcam-3, com resolução da ordem de 10 metros. Desenvolvido pelo Inpe, o Amazônia-1 será o primeiro satélite construído sobre a Plataforma Multimissão (PMM), uma base genérica com capacidade de abrigar uma carga útil de até 280 quilos, que deverá ser usada em outros projetos, reduzindo seus custos.

As perspectivas com a nova geração de satélites, embora sejam promissoras para a próxima década, podem enfrentar percalços no curto prazo. O cronograma do Cbers-3 já sofreu dois adiamentos – deveria ser lançado em 2009 – devido a res-trições impostas pelo governo norte-americano para a venda ao Brasil de componentes para a fabricação dos equipamentos e sensores. Isso acontece porque, entre outros fatores, a parceria do Brasil é com a China, que sofre certos embargos dos Estados Unidos na área espacial. Graças a tais restrições, o Amazônia-1, que utiliza diversos componentes norte-americanos, não pode-rá ser lançado por um foguete chinês, como acontece com os Cbers. Se ocorrerem novos atrasos, aumentará o risco de inter-rupção do fornecimento de imagens, uma vez que o Cbers-2B já está há quase dois anos em órbita e sua vida útil é estimada em menos de quatro anos. Seu antecessor, o Cbers-2, lançado em 2003, parou de funcionar recentemente, no dia 15 de janeiro, após quase cinco anos de operação. Se houver descontinuidade no fornecimento de imagens, o Brasil se tor-naria dependente das imagens do satélite norte-americano de sensoriamento remoto Landsat-5, que hoje são usadas de forma complementar às do Cbers.

Fabrício Marques

o Laboratório de integração e testes do inpe: dois novos satélites em preparação

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>políticA científicA e tecnológicA

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PESQUISA FAPESP 158 n abril DE 2009 n 33

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34 n abril DE 2009 n PESQUISA FAPESP 158

denador do programa de aplicações do Cbers. “Nossa estratégia de disponibi-lizar as imagens gratuitamente está in-fluenciando outros países. Até mesmo os norte-americanos resolveram tornar acessíveis as imagens do Landsat gra-tuitamente”, afirma.

Um dado que expressa a importân-cia da família de satélites Cbers para a pesquisa brasileira envolve os traba-lhos científicos apresentados no XIV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, que acontece em Natal (RN), entre 25 e 30 deste mês. Nada menos do que 162 artigos, entre os 1.014 apresentados no evento, vinculam-se a pesquisas baseadas em dados obti-dos por esses satélites. Há trabalhos de interesse científico, como a análise do potencial das imagens para extrair linhas de relevo e de drenagem, a avalia-ção de técnicas de fusão de imagens ou o desenvolvimento de algoritmos que ajudem a interpretar as informações. A maioria dos estudos, porém, vincula-se a aplicações práticas, como o uso das imagens para quantificar a expansão do plantio da cana-de-açúcar no país, com o objetivo de traçar estratégias para a produção de alimentos e de etanol, ou para avaliar a influência das chuvas e do tipo de cobertura de vegetação na incidência do mosquito Aedes aegypti no município do Rio de Janeiro, um dos mais afetados pela dengue.

Incêndios florestais – Um desses es-tudos reforça a utilidade das imagens no campo das políticas públicas. As-sinado por peritos da Polícia Federal sediados em Curitiba e Foz do Iguaçu, o artigo mostra três situações em que imagens dos satélites foram decisivas em seu trabalho. Numa delas permitiu constatar que desmatamentos no oes-te paranaense descobertos pela perícia em 2008 haviam ocorrido, na verdade, quatro anos antes, graças à comparação de séries históricas de imagens daquele território. Em outra propiciou desco-brir onde exatamente haviam come-çado extensos incêndios florestais no Parque Nacional da Ilha Grande, no Pa-raná, o que ajudou a orientar o trabalho de campo da perícia. Na terceira deu ferramentas aos peritos para monitorar a distância o cumprimento de uma de-terminação legal para reflorestar uma área desmatada no oeste do estado. “Tal

tecnologia é de grande utilidade nos planejamentos prévios aos trabalhos de campo, permitindo que sejam rea-lizados de maneira objetiva e eficiente”, conclui o estudo, liderado pela perita e engenheira florestal Aiga Jucy Fuchshu-ber da Silva Caldas.

O avanço dos trabalhos científicos baseados nas imagens é resultado dos progressos de um esforço de pesquisa vinculado ao desenvolvimento de saté-lites e de suas aplicações. Um algoritmo para a transformação dos dados dos sa-télites foi criado na década de 1980 por Yosio Shimabukuro, pesquisador do Inpe. Um exemplo mais recente é o ad-vento do Spring, um software livre que conta com funções de processamento de imagens, análise espacial e consulta a bancos de dados e tem sido fundamen-tal para o manuseio e a utilização das imagens dos satélites. Recentemente, uma empresa brasileira, a Opto Ele-trônica, foi convidada a desenvolver uma câmera multiespectral, batizada de MUX, que será instalada no Cbers-3 (ver Pesquisa FAPESP nº 148). Como lembra Petrônio Noronha de Souza, chefe do Laboratório de Integração e Testes (LIT) do Inpe, os satélites Cbers são o resultado de um esforço que re-monta aos anos 1970 para viabilizar a chamada Missão Espacial Comple-ta Brasileira (Mecb), que resultou no lançamento, no início dos anos 1990, de dois satélites de coleta de dados do Inpe em operação até hoje, os SCD-1 e 2 – a segunda parte da missão, que era a construção de um foguete lançador brasileiro, até hoje não se viabilizou. “Apesar da tecnologia diferente, os sa-télites SCD criaram uma competên-cia brasileira que foi importante para o Cbers”, afirma. Com 115 quilos de

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Esse risco, embora ainda hipotético, ganha contornos mais graves quando se observa a importância que as imagens fornecidas pelos satélites Cbers ganha-ram no Brasil. A partir de 2004 o país passou a disponibilizar gratuitamen-te as imagens geradas pelos satélites a qualquer interessado. Isso fez com que a utilização das imagens fosse multi-plicada por dez. O serviço tem mais de 20 mil usuários de cerca de 3.500 instituições. Em média são registrados diariamente 750 downloads no catálogo Cbers. Nos últimos cinco anos, mais de 400 mil imagens foram fornecidas e serviram para avaliar a degradação ambiental, desmatamentos, áreas agrí-colas e o adensamento urbano, entre várias aplicações. Parte significativa do uso é acadêmica. Todas as universida-des públicas e um amplo espectro de institutos de pesquisa abastecem-se das imagens pela internet. Mas também há, entre os usuários, escolas técnicas que recorrem às imagens como material didático, cooperativas agrícolas que avaliam áreas de cultivo por meio das imagens, procuradores públicos am-bientais que obtêm provas de crimes ecológicos por meio de séries históri-cas dos registros, além de empresas que desenvolveram produtos baseados nas informações do Cbers.

Pesquisadores e instituições de ou-tros países, sobretudo da África e da América Latina, também se tornaram clientes do catálogo. “Órgãos do gover-no e meios acadêmicos tinham pouco acesso aos dados dos satélites, pois eles eram difíceis de comprar. O resultado disso é que havia pouca apropriação pela sociedade dos resultados do pro-grama espacial”, diz José Carlos Neves Epiphanio, pesquisador do Inpe e coor-

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PESQUISA FAPESP 158 n abril DE 2009 n 35

peso, os dois satélites tiveram um ele-vado índice de nacionalização: 73% dos equipamentos do SCD-1 e 85% dos do SCD-2 foram feitos no Brasil. A Mecb previa o lançamento dos dois satélites de coleta de dados e outros dois de sen-soriamento remoto. “Foi nesse ponto que certas dificuldades afloraram, le-vando o Inpe a buscar uma parceria com a China, país que na época tinha um nível tecnológico semelhante ao do Brasil, mas dispunha de uma platafor-ma industrial e de recursos humanos que complementavam nossas necessi-dades”, lembra Petrônio.

Investimento – A parceria com a Chi-na vai continuar. Além do Cbers-3, es-tá previsto o lançamento, em 2014, do Cbers-4, para garantir a continuidade do fornecimento de imagens. O acordo de cooperação para o lançamento dos primeiros satélites previa que 70% do custo do programa caberia à China e 30% ao Brasil. Isso significou investi-mento nacional de US$ 118 milhões nos Cbers-1 e 2, e outros US$ 15 mi-lhões no Cbers-2B (o custo foi menor porque foram utilizados equipamentos e peças remanescentes do Cbers-2). O investimento dos dois países chegou a US$ 350 milhões. Em 2002, quando foi assinado o acordo para a continuação do programa, com a construção dos Cbers-3 e 4, estabeleceu-se uma nova divisão de responsabilidades técnicas e financeiras entre o Brasil e a China – 50% para cada país. Nesses satélites o Brasil está investindo cerca de US$ 150 milhões. Os dois parceiros já dis-cutem a eventual continuação do pro-grama e a tecnologia a ser adotada nos Cbers-5 e 6 – uma das possibilidades é a instalação de um sistema de radar que permitiria avaliar o desmatamento independentemente da existência de nuvens. Em outra frente estão previs-tos os lançamentos de outros satélites construídos sobre a plataforma mul-timissão. Segundo o cronograma do Inpe, em 2013 deverá entrar em órbita o satélite científico para pesquisas em física e astrofísica Lattes-1. Já em 2014 será a vez do radar de observação da Terra Mapsar. Também deverá usar a plataforma um satélite meteorológico incumbido de fazer medidas de preci-pitação, o GPM-Br, que ainda não tem prazo para ir ao espaço. n

imagens registradas pelos satélites Cbers: oferta gratuita pela internet multiplicou seu uso

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36 n abril DE 2009 n PESQUISA FAPESP 158

IntercâmbIo

Garotos cheios de fôlegoEstudantes surpreendem em estágios internacionais promovidos por programa da FaPESP e da National Science Foundation

Um programa-piloto da FA-PESP e da National Science Foundation (NSF) que pro-move intercâmbio de alunos de graduação de química de universidades paulistas e nor-te-americanas está obtendo

resultados animadores. Em duas cha-madas de propostas realizadas em 2008, a iniciativa permitiu que 13 bolsistas de iniciação científica (IC) das universi-dades de São Paulo (USP), Estadual de Campinas (Unicamp), Estadual Pau-lista (Unesp) e Federal de São Carlos (UFSCar) passassem temporadas de 12 semanas nos Estados Unidos estagiando em grupos de pesquisa. Nove alunos es-tiveram na Universidade da Flórida, que coordena o programa nos Estados Uni-dos, mas também houve dois estudantes recebidos pela Virginia Commonwealth University, em Richmond, e pela Uni-versidade da Califórnia, Los Angeles. Na terceira chamada, que se encerrou no mês passado, cresceu para 15 o número de universidades que poderão receber os brasileiros. Em contrapartida, nove alunos norte-americanos vieram para o Brasil e integraram-se por três meses ao trabalho de laboratórios das quatro universidades paulistas.

De acordo com Jose Riveros, pro-fessor do Instituto de Química da USP e um dos artífices da iniciativa, o programa permite que os estudantes ganhem uma vivência internacional

num momento ainda precoce de sua trajetória acadêmica. “Os bolsistas de iniciação científica passam 12 semanas totalmente devotados a um estágio de pesquisa. É uma abordagem diferente da dos programas de intercâmbio em que os alunos fazem um semestre no exterior mas, com frequência, demo-ram a se integrar à instituição”, afirma o professor. Randy Duran, professor do Departamento de Química da Uni-versidade da Flórida e coordenador da parceria nos Estados Unidos, se diz bem impressionado com o nível dos bolsis-tas brasileiros. “Os estudantes paulis-tas estavam em pé de igualdade com os franceses e norte-americanos que participaram do nosso programa nos últimos dez anos. A seleção da FAPESP claramente identificou os melhores. Vários artigos já publicados tiveram como coautores estudantes brasileiros do primeiro grupo. Ficamos impressio-nados como eles têm a mente aberta e são flexíveis”, disse Duran.

Mayra Cavallaro, de 21 anos, es-tudante de graduação da Unicamp e bolsista de IC da FAPESP, conta que os três meses que passou na Universidade da Flórida, em meados do ano passado, ampliaram seus horizontes e lhe deram uma nova perspectiva sobre a química orgânica, seu tema de pesquisa. “Me in-tegrei a um grupo que desenvolvia po-límeros para propulsionar jatos. Eu me concentrava na síntese dos polímeros

enquanto outros mediam a elasticida-de e as propriedades físico-químicas”, diz Mayra, que na Unicamp trabalhava com outro tema, a síntese de fármacos. Ela teve a chance de apresentar o pôster de sua pesquisa no Brasil num evento na Universidade Furman, em Greenvil-le, na Carolina do Norte. Já Juliana dos Santos de Souza, de 23 anos, que acaba de se graduar pelo Instituto de Química da Unesp em Araraquara e já iniciou mestrado na Universidade Federal do ABC, diz que a temporada nos Estados Unidos consolidou sua ideia de seguir carreira acadêmica. “Embora o nível da nossa formação não fique devendo à dos Estados Unidos, há uma diferen-ça de escala. Se aqui o meu grupo de pesquisa tinha 5 pessoas, lá eu traba-lhava com um grupo de 40. E, como há uma boa disponibilidade de equi-pe e de material, as coisas acontecem com mais rapidez”, compara Juliana, cuja linha de pesquisa na Flórida era o desenvolvimento de compostos de zinco para sensibilizar células solares. “Trabalhei em parceria com um Ph.D. Enquanto ele sintetizava, eu montava e caracterizava as células”, explica.

Autônomos - Outra vantagem do in-tercâmbio, de acordo com Riveros, é mais prosaica: trata-se da mudança de comportamento promovida pelo con-tato com um ambiente ou com pessoas diferentes. “Os alunos norte-americanos

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PESQUISA FAPESP 158 n abril DE 2009 n 37

O histórico da parceria remonta ao ano 2000, quando John Eyler, tam-bém pesquisador do Departamento de Química da Universidade da Flórida, alertou o professor Riveros, da USP, com quem mantinha uma colabora-ção, sobre a disponibilidade da NSF de patrocinar parcerias com instituições de outros países. Na ocasião, a Uni-versidade da Flórida chegou a mandar quatro alunos para estagiar na capital paulista, mas Riveros não conseguiu apoio para enviar os alunos brasileiros e a ideia acabou engavetada. Em 2007, o grupo da Flórida, encabeçado por Ran-dy Duran, voltou à carga, interessado em promover a parceria com o Brasil – a NSF tem programas semelhantes com vários países. Riveros procurou a FAPESP, que recebeu bem a ideia, mas propôs a ampliação do programa pa-ra bolsistas de iniciação científica de quaisquer universidades paulistas. Foi criada uma articulada engrenagem fi-nanceira para viabilizar o programa. Estabeleceu-se que o programa teria três fontes de financiamento: a própria FAPESP, complementando a bolsa de iniciação científica dos alunos até um limite de US$ 800; as pró-reitorias de

pesquisa das instituições brasileiras e a reserva técnica de projetos de pesquisa-dores que atuassem como supervisores dos alunos – de onde saem as despesas com passagens aéreas e seguro saúde. Já a hospedagem seria bancada pela instituição norte-americana – da mes-ma forma, as universidades brasileiras arcam com os custos de moradia dos alunos que vêm dos Estados Unidos.

Segundo Duran, a NSF destinou um financiamento adicional ao pro-grama e o resultado é que, em maio de 2009, os estudantes norte-americanos irão não somente para a USP e a Uni-camp, mas também para a Unesp em Araraquara, o Instituto Ludwig e a USP de Ribeirão Preto. Em agosto, o professor da Universidade da Flórida deverá visitar São Carlos para avaliar o potencial de expansão do programa na cidade, que abriga um campus da USP e a UFSCar. Na mesma ocasião, a NSF deverá promover um workshop na Unicamp reunindo todos os alunos de iniciação científica que estiveram nos Estados Unidos e os norte-americanos que estarão aqui em agosto. n

Fabrício Marques

costumam ser mais autônomos que os brasileiros. O contato entre eles costu-ma estimulá-los a ser mais ousados e menos dependentes dos orientadores”, explica. Randy Duran ficou especial-mente surpreso ao observar como alu-nos norte-americanos que conheciam apenas o espanhol mas não falavam português adaptaram-se bem ao am-biente brasileiro. Cita como exemplo um estudante chamado Joseph Elias, do Reed College, do estado de Oregon, que trabalhou com o professor Marce-lo Ganzarolli de Oliveira, da Unicamp, numa pesquisa sobre polímeros para uso em corações artificiais. “No final das 12 semanas, ele fez uma apresentação em português que o professor Olivei-ra considerou notável”, afirma Duran. Outro resultado importante, segundo o professor da Universidade da Flórida, foi a elevada produtividade dos alunos. “Da primeira leva de quatro estudantes resultaram pelo menos três publicações em que eles foram coautores”, afirma.

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Biodiversidade

Desafio biota-FaPESP entra em nova fase e busca maior inserção no exterior

Dez anos depois de seu lançamento, o pro-grama Biota-FAPESP inaugura uma nova fa-se. Dando sequência ao esforço que permitiu a descrição de mais de

500 espécies de plantas e animais espalhados pelos 250 mil quilô-metros quadrados do território paulista – produziu 75 projetos de pesquisa, 150 mestrados e 90 doutorados, além de gerar 500 artigos em 170 perió dicos, 16 livros e dois atlas –, o programa agora se ocupará de desafios, como ampliar a visibilidade internacional de sua produção. Uma das metas é aumentar o número de publicações em re-vistas de impacto e incentivar o intercâmbio internacional de pesquisadores e professores visitantes e a participação em eventos no exterior. “Embora a pesquisa rea lizada no âmbito do Biota seja de alta qualidade, ainda não obtivemos um reco-nhecimento internacional equi-valente a essa excelência”, explica Carlos Alfredo Joly, professor do Instituto de Biologia da Univer-sidade Estadual de Campinas (Unicamp) e novo coordenador do programa, função que já ocu-para entre 1999 e 2004.

Joly substitui Ricardo Ribei-ro Rodrigues, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), cuja gestão foi marcada pela disponibilização dos dados sobre a biodiversida-de para a elaboração de políti-cas públicas, a aproximação com iniciativas semelhantes de outros países e a institucionalização do programa – no mês passado, foi assinado um memorando de en-tendimento entre a FAPESP e a

Unicamp, segundo o qual a universidade fornecerá estrutura e pessoal para sediar, desenvolver e administrar os bancos de dados do Biota. “Conseguimos avançar no cumprimento desses desafios, que haviam sido estabelecidos há cinco anos”, diz Ricardo Rodrigues. Desde sua criação, o programa recebeu um investimento médio anual de US$ 2,5 milhões feito pela FAPESP.

Bioprospecção - Os pesquisadores do Biota também irão ampliar o esforço para transformar em produtos os resul-tados da bioprospecção, por meio de uma aproximação maior da Rede Biota de Bioprospecção e Ensaios (BIOpros-pecTA) com a área de farmacologia e com as empresas. “Um país com uma biodiversidade tão rica precisa alcançar produtos de alto impacto”, disse Van-derlan da Silva Bolzani, do Instituto de Química de Araraquara da Universida-de Estadual Paulista (Unesp) e coorde-nadora da rede.

Deverá ser ampliada a ênfase em temas como a mitigação dos impactos causados pela agricultura na biodiver-sidade. “A agricultura é um grande agen-

te modificador do ambiente e essa área envolve conflitos cada vez mais relevan-tes”, diz Luciano Verdade, professor da Esalq-USP e membro da coordenação do Biota. “Mitigar estes impactos signi-fica agregar valor conservacionista à agricultura”, afirma. Também partici-pam da coordenação Célio Haddad, do Instituto de Biociências da Unesp, em Rio Claro, e Mariana Oliveira, do Insti-tuto de Biociências da USP. Todos os membros da coordenação lideram pro-jetos temáticos no âmbito do Biota.

Outra prioridade será a aproxima-ção do Biota com outros programas da FAPESP, como o de Pesquisa em Bioenergia (Bioen) e o de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG). “Estamos planejando uma discussão conjunta entre os três programas para identificar as sobre-posições e estimular a integração de projetos”, afirma Joly. O Biota passará a fazer chamadas para áreas geográficas ou temáticas específicas. “As chamadas são um instrumento importante para preencher lacunas, direcionando a de-manda de participação para determi-nadas áreas”, diz o coordenador. n

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Programa dará ênfase à bioprospecção, aproximando-se de empresas

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Colaboração

Unidos contra o câncerGrupos de pesquisa sobre tumores articulam-se em rede nacional

Uma iniciativa voltada para articular os principais gru-pos de pesquisa do câncer no Brasil foi lançada oficial-mente no início de março. A Rede Brasileira de Pesquisas sobre o Câncer nasce com a

ambição de incentivar estudos básicos e aplicados, como o mapeamento de genes relacionados ao surgimento de tumores e a realização de testes clínicos de novos tratamentos. “Além das ativi-dades de pesquisa básica, de bancada e relacionadas, por exemplo, ao genoma e ao proteoma dos tumores, a ideia da rede é investir em pesquisa aplicada voltada diretamente aos pacientes”, disse Marco Antonio Zago, presiden-te do Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A coordenadora do programa é a pesquisadora Anamaria Camargo, do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer (LICR, na sigla em inglês).

A iniciativa reúne 19 grupos liga-dos a várias instituições, como a Fa-culdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a Fundação Oswaldo Cruz, o Instituto Butantan, o Institu-to Nacional do Câncer, a Universidade de Brasília e as universidades federais de Mato Grosso, do Rio de Janeiro e de Uberlândia, além da empresa Recepta Biopharma. No final de 2008 a rede foi contemplada com R$ 5,38 milhões por meio de um edital conjunto do CNPq e do Ministério da Saúde, que priorizava três linhas de pesquisa: estudos de alte-rações moleculares do câncer de mama, testes preliminares de vacina terapêuti-ca e estudos de epidemiologia clínica do câncer de mama, estômago e próstata. “Novos editais deverão ser lançados nos próximos anos, pois a rede terá fôlego longo”, disse Luiz Eugênio de Souza, diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde.

A princípio os estudos devem con-centrar-se nos tumores mais prevalentes no Brasil. “Como não dá para começar tudo de uma vez, definimos como pri-meiro objeto de estudos da rede o cân-cer de mama”, explicou a coordenadora da rede, Anamaria Camargo. A previsão é que as informações geradas pelos pes-quisadores permitam aumentar o leque de marcadores moleculares disponíveis para esse tipo de tumor, além de levar à identificação de novos alvos terapêu-ticos e à diminuição da mortalidade e morbidade associadas à doença. Para isso, os cientistas trabalharão com base no sequenciamento do genoma de uma linhagem tumoral do câncer de mama, que ocorreu no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), no Rio de Janeiro. O material biológico uti-lizado foi cedido pelo LICR de Nova York. O Instituto Butantan testará, no âmbito da nova rede, uma vacina con-tra o câncer de ovário, um dos tumores mais frequentes e agressivos. O medica-mento, desenvolvido nos Estados Uni-

dos, será usado para evitar que o tumor reapareça após a cirurgia.

Segundo Andrew Simpson, diretor científico do LICR em Nova York, uma parte importante do trabalho da rede está vinculada a avanços em técnicas de diagnóstico. “As tecnologias de sequen-ciamento evoluíram muito nos últimos anos a ponto de, a partir do genoma de um tumor específico, podermos es-timar como um paciente responderá a determinada terapia”, explicou. De acordo com Luiz Eugênio de Souza, a rede deverá integrar pesquisadores que atuam em abordagens epidemiológicas, uma vez que a população brasileira tem características bem específicas compa-radas a outros países. “Com isso, sere-mos capazes de influenciar a formula-ção e implementação de novas políticas para o Sistema Único de Saúde, a partir de dados científicos que indiquem as características predominantes do cân-cer no país”, afirmou. n

Fabrício Marques

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cooperação

Rumo ao sul

da ÁfricaCentro das Nações Unidas abre espaço para pesquisadores brasileiros em câncer e doenças infecciosas

epois de entrar para a história da ciência e tec-nologia com o primeiro transplante de coração, em 1967, e como a terra natal de três ganhadores do Prêmio Nobel, a África do Sul começa a ocu-

par mais espaço. A mais nova unidade de um instituto mantido pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Centro Internacional de Engenharia Genética e Biotecnologia (ICGEB, na sigla em inglês), que entrou em operação em 2008 na Cidade do Cabo, a capital legislativa do país, ganhou em março o reforço de mais três grupos de pesquisa, um deles coordenado por um biomédico brasileiro, Luiz Zerbini.

Depois de trabalhar por nove anos na Universidade Harvard, uma das mais ricas e produtivas do mundo, Zerbini embarcou para lá no final de fevereiro com a família e o desejo de intensificar as colaborações científi-cas com pesquisadores do Brasil e de outros países em desenvolvimento na área de câncer e de doenças de populações negligenciadas, como Aids, tuberculose e malária, que constituem as prioridades do ICGEB. A unidade da Cidade do Cabo conta com um orçamento de cerca de € 3 milhões (cerca de R$ 15 milhões), fornecidos em partes iguais pelos governos da África do Sul e da Itália e por agências internacionais de financiamento à ciência para os próximos quatro anos.

“O Brasil é membro do ICGEB, mas usufruímos muito pou-co”, comenta Zerbini. O Brasil é um dos 59 países que integram o ICGEB, criado pelas Nações Unidas em 1987. De 1988 até o ano passado o ICGEB recebeu 21 brasileiros nos laboratórios da sede, em Trieste, na Itália, ou nas duas unidades, uma em Nova Délhi, na Índia, e a mais nova, inaugurada em 2007, na Cidade do Ca-bo; Cuba e Argentina foram os países da América do Sul que mais enviaram cientistas para lá. “Estou agora selecionando bolsistas e formando minha equipe. Espero receber mais projetos de brasileiros para avaliação”, diz, com um alerta: terá de dar a mesma atenção aos candidatos de outros países para montar uma equipe com seis a dez pesquisadores. Além de bolsas de doutorado ou pós-doutorado, o ICGEB oferece financiamentos de até € 25 mil (R$ 125 mil) para projetos de pesquisa promissores dos países membros que alcancem resultados em no máximo três anos.

O ICGEB não é só espaço para pesquisa básica direcionada às necessidades dos países ou regiões menos desenvolvidas do mundo – as prioridades do centro na Índia são tuberculose, doenças virais e biologia molecular de plantas; as da nova unidade da África do Sul são doenças infecciosas como malária e Aids e câncer. “Há também compromisso com a geração de produtos e com transferência de tecnologia”, afirma Zerbini, que fez doutorado na USP com bolsa da FAPESP de 1995 a 1999. Em 2008 a Fundação Gates anunciou

Carlos Fioravanti

esboço da Terra, Atlas, autor anônimo, cerca de 1560

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atendia a toda a co-munidade cien-tífica de Harvard, com-parou a atividade de 4 mil genes em três grupos de pessoas: 19 praticavam meditação diariamente há muito tempo, 20 praticaram meditação du-rante dois meses e 20 eram o contro-le. Publicado em 2008 na PLoS ONE, esse estudo indicou que o relaxamen-to, caracterizado pela redução do consumo de oxigênio e do estresse, havia alterado a atividade de 2.209 genes no grupo dos veteranos, com-parado com o controle; 1.561 genes, principalmente os que evitam a for-mação de resíduos químicos, foram ativados no organismo dos que pra-ticavam meditação.

“Vou mudar um pouco, aos pou-cos”, comenta Zerbini. Sua pesquisa, que tratava antes da expressão dos genes GADD45 em câncer de prós-tata, rins e ovário, mais comuns nos Estados Unidos, deve agora se voltar para o câncer de fígado, mama e esô-fago, de maior incidência na África. Ao menos no início, ele sabe que a produtividade deve desacelerar e que os reagentes químicos talvez não

c h e g u e m no mesmo dia,

como em Harvard. No novo centro, que fun-

cionará dentro da Universidade da Cidade do Cabo até as instalações próprias tomarem forma, tudo está em construção: três equipes (biolo-gia celular e molecular de câncer; citocinas e doenças; e transferência e desenvolvimento de biotecnolo-gia) começaram a funcionar no ano passado e outras duas (genômica de câncer, com Zerbini; e imunologia celular, com o norte-americano Jef-frey Dorfman) começam a trabalhar este ano.

Além do desafio profissional de montar um laboratório e organizar equipes de trabalho, da oportunida-de de oferecer novas experiências de vida à mulher, Maria Beatriz, e aos filhos Luiz Otávio, de 5 anos, e Maria Stella, de 2, ele confessa outra razão pela qual se inscreveu para o cargo, em abril do ano passado: “A Cidade do Cabo é uma cidade muito agra-dável, com praias de areia branca e montanhas; lembra o Rio de Janeiro”, diz o paulista de 41 anos. “E a Copa do Mundo em 2010 será lá!” n

que doará US$ 3 milhões para financiar pesquisas e desenvol-ver cursos e campanhas edu-cativas da unidade africana do instituto que possam melhorar a saúde pública no continente afri-cano. A empresa de biotecnologia norte-americana Genzyme também anunciou um acordo de valores não revelados para acelerar a pesquisa de uma vacina contra a malária nos la-boratórios do ICGEG na Índia.

erbini pretende expan-dir na África do Sul a caça a genes relevantes que começou nos Estados Unidos. Em 2004, depois de um ano em Harvard como professor, ele descobriu que uma família de genes, a GADD45, antes associada somente ao controle do ciclo celular, poderia também, quan-do ativados além do habitual, induzir a morte celular programada e inibir a formação de tumores. Publicado em 2004 na PNAS, esse trabalho levantava possibilidades de novos medicamentos e inspirou outras equipes a buscar deta-lhes sobre o mecanismo de ação desses genes. Em paralelo, ele trabalhou du-rante três anos com Towia Libermann, professor associado da Universidade Harvard, na construção de dois centros de proteoma e genoma, o do Dana Far-ber Harvard Cancer Center (DFHCC) e o da Escola de Medicina Harvard. Dirigidos por Libermann e Zerbini, os centros permitiram também a identifi-cação de moléculas que interagem com o GADD45 para induzir a morte celular ou a parada do ciclo celular.

Um dos estudos do centro de ge-noma, que, como o de proteoma,

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42 ■ abril DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 158

laboratório mundo>>

descobertas, publicadas na edição de 19 de março da revista Nature, ajudam a entender a formação do magma e as colisões continentais e a formação de montanhas. A maior parte da crosta derretida vinha de intrusões de magma basáltico

quente do manto, uma camada mais profunda. Os geólogos não entendiam por que não encontravam magma basáltico na crosta continental, mas agora sabem: a crosta derrete mais facilmente do que se pensava.

>Fériasnapraia ounaserra?

Uma pessoa escolhe passar as férias numa praia deserta porque prefere o mar, a areia branca e o sol ao ar fresco da montanha ou ao burburinho das cidades. Mas psicólogos acham que o contrário também acontece – escolhas influenciam preferências –, como mostra o estudo feito por uma equipe do University College London e publicado no Journal of Neuroscience. No experimento, 13 voluntários examinaram uma série de destinos de viagem e definiam quão satisfeitos ficariam com cada um deles, enquanto um aparelho media sua atividade cerebral. Depois, fora do aparelho, escolhiam entre

>Calorderrete acrosta

O calor gerado pelo quase imperceptível movimento das placas tectônicas durante a formação de cadeias de montanhas como os Himalaias, ao longo de milhões de anos, já é o bastante para fazer a crosta – a camada mais superficial da Terra – começar a fundir-se, concluíram geólogos das universidades de Missouri e de Washington, nos Estados Unidos, por meio de uma técnica baseada no uso de raios laser para determinar o tempo que diferentes amostras de rochas levam para se aquecer. Quanto mais quentes ficam, as rochas da crosta se tornam melhores isolantes e piores condutores de calor. Essas

Os homens da esquadra de Cris-

tóvão Colombo não foram os

únicosmoradoresdeLaIsabela,

aprimeiracidadeeuropeiana

América,nailhadeHispaniola,hojeRepúblicaDominicana.Com

análisesdoesmaltededentesde20esqueletos,pesquisadores

daUniversidadedeWisconsin-Madison,EstadosUnidos,eda

UniversidadeAutônomadeYucatán,México,concluíramque

entreoseuropeushavianativostaínos,principalmentemulheres

ecrianças,epossivelmentetrêsafricanos–emboraColombo

tivessetrazidoapenasumescravoàAmérica.Seconfirmada,

adescobertaporiaafricanosnoNovoMundodécadasantesde

quandoseacreditavaquechegaramàAmérica.Osisótoposde

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seforma.Pessoasquecomemmilho,emcomparaçãocomas

queconsomemtrigoouarroz,têmperfisisotópicosdiferentes.

NessaépocaomilhoeraencontradosomentenoNovoMundoe

omilhetonaÁfrica,masnãonaEuropa.Outroindíciodequeos

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PESQUISA FAPESP 158 ■ abril DE 2009 ■ 43

substituída durante o tempo de vida de uma pessoa, achado que fundamenta a busca por terapias que estimulem a multiplicação celular como tratamento para danos ao coração.

lugares a que tinham dado notas iguais. Preferiam sempre aqueles que tinham gerado mais atividade em uma região específica do cérebro, o núcleo caudado – o que reforça a ideia de que as preferências são inerentes às pessoas. Mas ao escolher uma segunda vez o núcleo caudado se mostrou ainda mais ativo em relação aos lugares eleitos na primeira fase. As escolhas também alteram o cérebro das pessoas (ScienceNow).

>Corações renovados

Ao contrário do que se pensava, as células do coração se dividem constantemente, embora devagar. Um estudo publicado na edição de 3 de abril da Science mostrou que aos 25 anos cerca de 1% das células cardíacas são substituídas a cada ano, taxa que cai para 0,45% aos 75 anos. Os pesquisadores usaram poluição radioativa na atmosfera, que decresceu

aos poucos depois dos anos 1950, quando foram proibidos testes nucleares, como marcadores de quando as células se formaram. O grupo calcula que menos de metade dessas células é

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As esferas verdes debaixo de

umacapatransparentesão

os olhos de um peixe raro

dasprofundezasmarinhas,

o Macropinna microstoma

(Copeia).Pormeioderobôs

comumacâmeraquefilmou

opeixe800metrosabaixoda

superfície,biólogosdoInsti-

tutodePesquisadoAquário

daBaíadeMonterey,naCa-

lifórnia,descobriramqueas

narinasnãoeramolhoseque

osolhosreaispodemgirare

mudardeposiçãocomoum

telescópio,voltando-separa

afrentequandonecessário.A

espéciefoidescritaem1939,

massemofrágilescudogela-

tinosoqueprotegeosolhos–

provavelmentedestruídopela

rededepesca.Ospesquisa-

doresconseguiramtrazerumdessespeixesàsuperfíciee

omanteremumaquárioosuficienteparaconfirmarosmo-

vimentoshorizontaiseverticaisdosolhosregistradospela

câmera.Ospigmentosverdesdosolhosajudamafiltraraluz

dosol,auxiliandoalocalizaráguas-vivaseoutrosanimaisde

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muitoprecisoeseletivoemcapturarsuaspresas.

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Ondeestãoosolhos?Nafrentedacabeçaestãoasnarinas

danifique uma folha, e a planta inteira logo

seráinformada.Éoquemostrarampesqui-

sadoresdaUniversidadeJustus-Liebigedo

InstitutoMaxPlanckparaEcologiaQuímica,

naAlemanha.Depoisdefazerumcorteemumafolhadefava(Vicia

faba)oudecevada(Hordeum vulgare),elescausaramalterações

elétricasnopontolesionadoaplicandoumasériedecátions(átomos

decálcio,potássio,magnésioousódiocomcargapositiva)quenão

existemnaplanta,ouoaminoácidoglutamato.Commicroeletrodos,

conseguiramdetectarumsinalelétricoemumafolhadistante,como

mostramemartigopublicadonarevistaespecializadaPlant Physio-

logy.Ospesquisadoresacreditamqueessademonstraçãodeum

novotipodesinaladistânciaquesepropagapordentrodaplanta

podeestarportrásdecomoasplantassedefendemdeherbivoria

porinsetos,talvezproduzindosubstânciastóxicas.Ogrupocontinua

apesquisaparaconfirmaressahipótese.

IntErFOnE vEgEtAl

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> LABORATÓRIO BRASIL

<C Nuvens pouco espessas e

o superficiais cobrem as ter-- ras da Amazônia despidas ~

~:::> de matas, enquanto sobre a

(/) floresta formam-se nuvens

o gordas, densas e profundas.

z Uma equipe coordenada por

l&J Jingfeng Wang, do Inst ituto

~ de Tecnologia de Massachu-

<C setts, Estados Unidos, desce-

z briu uma das possíveis razões desse fenômeno, examinando

<O imagens de satélite e obser-N <C vações di retas de uma região

~ de pastagem em Rondônia. As

<C análises, detalhadas na revis-ta PNAS de 10 de março, in-dicam que a umidade sobre a floresta, por influência da pró-pria floresta, é mais intensa,

Bruma ao amanhecer: água e carbono estão associados na floresta favorecendo a forma ção de

> A genética da hipertensão

Um único gene é responsável por 90% da capacidade de dilatação dos vasos sanguíneos em pessoas. É o que mostra o doutorado de Rodrigo Gonçalves Dias, premiado como o melhor trabalho no último Congresso Brasileiro de Cardiologia. Ele caracterizou os genes de 287 voluntários e em 33 deles avaliou a vasodilatação induzida por exercício. Descobriu que pessoas com uma mutação específica nas duas cópias do gene da enzima óxido nítrico sintase endotelial (eNOS) têm a vasodilatação reduzida em torno de 90%, condição encontrada em 8% da população analisada. "Esse resultado pode explicar por

que algumas pessoas são mais suscetíveis a doenças cardíacas como hipertensão, além de responderem de forma diferente a anti-hipertensivos", explica Dias. Ele foi orientado por Marta Krieger, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), mas desenvolveu o trabalho no Instituto do Coração (InCor), sob supervisão de Carlos Eduardo Negrão e com a colaboração de José Eduardo Krieger. O achado, publicado na Physiological Genomics, ressalta a importância das mutações genéticas para explicar a variabilidade entre indivíduos. No futuro, o resultado poderá aj udar no desenvolvimento de terapias gênicas para suprir deficiências na enzima mutante.

44 • ABRIL DE 2009 • PESQUISA FAPESP 158

nuvens densas. Já o corte e a queima da vegetação natu-

ral interferem nesse mecanismo natural, formando nuvens ralas, que por sua vez retardam a recuperação das matas e empobrecem a circulação atmosférica. Situações climáticas extremas, como a intensa seca de 2005, também ajudam a entender o comportamento da natureza amazônica. Na Science d,e 6 de março, Oliver Phill ips, da Universidade de Leeds, Inglaterra, ao lado de outros pesquisadores, mostrou que a floresta perdeu biomassa e capacidade de absorver gás

carbônico em resposta a essa seca, acompanhada por repre­sentar um episódio climático extremo similar aos previstos por modelos computacionais para as próximas décadas.

> Outras visões do cérebro

O físico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Covolan começa a obter, com sua equipe, os primeiros resultados experimentais de uma nova técnica de análise da atividade cerebral chamada Nirs ( near infrared spectroscopy

ou espectroscopia no infravermelho próximo). "Esse tipo de exame pode ser mais prático, embora menos detalhado, que um exame de ressonância magnética, porque permite a monitoração do paciente ao lado do leito", diz ele. É também menos caro: o aparelho instalado para testes no Instituto de Física custou cerca de US$ 200 mil, enquanto um

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equipamento de ressonância magnética sai por US$ 2 milhões. O aparelho de Nirs utiliza feixes de laser que penetram até 2 centímetros abaixo da superfície do crânio e indicam a atividade cerebral sem grande detalhamento espacial, mas com alta resolução temporal (na faixa de milissegundo), enquanto a ressonância mapeia com precisão as áreas do cérebro em intervalos de tempos maiores (cerca de 2 segundos). De acordo com Covolan, caminham bem os testes para aproximar essas duas técnicas, a ressonância magnética e a Nirs, de modo a obter exames mais completos em menos tempo. Essa equipe pesquisa também a possibilidade de registro simultâneo da Nirs e do EEG ( eletroencefalograma), associando a atividade elétrica dos neurônios, obtida pelo EEG, como o fluxo sanguineo cerebral, revelado pela Nirs.

>Olho vivo na hora da caça

Ativos em vegetação aberta de quase todo o Brasil,

Basta ver a imagem de uma barra de chocolate ou de uma

pizza para lançar a imaginação

ao sabor e atiçar o apetite. O

PARA ENTENDER CHEIROS E GOSTOS

paladar e o olfato, sentidos praticamente indissociáveis, têm posição de

destaque na vida da maior parte das pessoas. Cientificamente, porém,

custaram mais a ser conhecidos do que outros sentidos como a visão.

Em busca de sanar deficiências nesse conhecimento, Cincinato Rodri­

gues Silva Netto, da Faculdade de Odontologia da USP de Ribeirão

Preto, escreveu o livro Paladar: gosto, o/fato, tato e temperatura - fi­

siologia e fisiopatologia (Editora Funpec). Partindo de considerações

gerais sobre paladar e olfato, o autor mergulha em informações deta­

lhadas sobre a fisiologia, anatomia e neurologia de como esses sentidos

funcionam, examina patologias ligadas a eles e sugere tratamentos.

Uma boa refeição com aromas inebriantes é uma fonte inegável de

prazer e, Silva Netto mostra, esse prazer estimula o sistema digestivo

e por isso é responsável pelo bom funcionamento do organismo. Para

o autor, bons fundamentos em pesquisa básica, que informam sobre os

mecanismos bioquímicos e celulares, são preciosos para diagnosticar

e tratar com sucesso as alterações de gosto e olfato.

passar ou frutos que avista em ramos próximos.

três pássaros de cada espécie. Os resultados mostram que

a guaracava-de-barriga­·amarela e o bagageiro são pássaros aparentados com hábitos alimentares bastante diferentes. Quando animada, a guaracava (Elaenia flavogaster) eriça seu topete e caça nos ramos das árvores dando voos curtos para alcançar insetos que vê

O bagageiro (Phaeomyias murina) é mais especializado: alcança insetos ou frutos entre as folhagens sempre com pequenos saltos para cima. O biólogo João Paulo Coimbra, da Universidade Federal do Pará, encontrou aí uma boa oportunidade para verificar como a visão se adapta a diferentes necessidades ecológicas e analisou a retina de

a topografia geral dos neurônios da retina é bastante parecida entre as duas aves (Journal of Compara tive Neurology). As diferenças estão nas células gigantes, que nas guaracavas aparecem em mais regiões da retina. A diferença lhes permite perceber movimento em partes diferentes do campo visual, uma vantagem para sua maneira de se alimentar.

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P or um fioMais atenção e alguns telefonemas reduzem em dez vezes as novas tentativas de suicídio

Ricardo Zorzetto e Carlos Fioravanti | ilustrações Hélio de Almeida

Uma sessão de aconselhamento, seguida de uma chamada telefônica a interva-los de algumas semanas durante um ano e meio, bastou para reduzir em dez vezes a taxa de suicídio entre pessoas que já haviam tentado pôr fim à vida. Esse resultado chama a atenção por

demonstrar que uma estratégia simples e praticamente sem custos pode salvar vidas ao criar laços entre um pro-fissional de saúde disposto a ouvir, de um lado da linha, e, do outro, alguém com necessidade de falar sobre um sofrimento psíquico tão intenso que não lhe deixa ver alternativa a não ser a extinção da própria vida.

“Depois do contato inicial, feito ainda no hospital, foi preciso apenas ter um psicólogo e uma linha telefônica à disposição”, conta o psiquiatra Neury Botega, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Bo-tega coordenou o grupo que testou no Brasil a eficácia dessa estratégia de intervenção, parte de uma iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) destinada a diminuir a mortalidade por suicídio, em especial nos países mais pobres, que concentram 85% dos casos de morte autoinfligida.

De janeiro de 2000 a abril de 2004 especialistas em saúde mental de cinco países reuniram informações so-bre 1.867 pessoas que haviam tentado o suicídio e foram atendidas em oito hospitais do Brasil, da Índia, do Irã, da China e do Sri Lanka. Depois de tratados os eventu-ais ferimentos causados pela tentativa de suicídio, cada indivíduo passou por uma entrevista com um profissio-nal de saúde mental (psiquiatra, psicólogo e enfermeiro psiquiátrico) e foi convidado a participar do estudo.

Quem aceitou entrou em um de dois grupos. Os 945 integrantes do primeiro grupo foram avaliados e enca-minhados para um serviço apropriado da rede de saúde. No segundo grupo, além disso cada pessoa era informada

>ciência

Saúde mental

sobre os fatores psicológicos e sociais que levam alguém a tentar o suicídio e sobre aqueles que protegem. Também aprenderam sobre os índices de suicídio na população e sobre a probabilidade de quem já tentou se matar voltar repetir o ato, além de serem orientadas sobre a disponi-bilidade de serviços públicos de saúde mental.

Uma semana depois de deixar o hospital, cada um dos 922 pacientes do segundo grupo recebeu uma pri-meira ligação de um membro da equipe que o atendeu. Quando não havia telefone, os pesquisadores visitavam as pessoas em suas casas – no Vietnã, por exemplo, ti-veram de usar bicicletas para chegar aos participantes. Os contatos, num total de nove, seguiram a intervalos cada vez maiores e funcionavam de modo semelhante ao trabalho feito pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), entidade filantrópica criada em 1962 em São Paulo em que voluntários ouvem as pessoas que ligam para um número telefônico – uma das diferenças é que a equipe do CVV não faz aconselhamento. Em cada conversa o pesquisador da OMS perguntava como a pessoa estava se sentindo e tentava estimulá-la a seguir um tratamento médico e a buscar forças para superar as adversidades.

Dezoito meses depois da internação os pesquisadores voltaram a procurar as pessoas que haviam atendido. Dos 827 integrantes do primeiro grupo que puderam ser localizados, 18 ou 2,2% morreram por suicídio, enquanto apenas 2 das 872 pessoas do segundo grupo (0,2%) se mataram, relatam os pesquisadores em um artigo pu-blicado no final de 2008 no Bulletin of the World Health Organization. “Os contatos regulares indicavam aos pa-cientes que alguém se preocupava com eles”, explica Bo-tega. “O mecanismo de ação dessa estratégia é semelhante ao do aconselhamento psicossocial: funciona como uma rede de apoio emocional de emergência para quem não tem uma rede de apoio eficiente”, escreveram os pesqui-sadores no artigo em que detalham o trabalho.

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saúde que trabalhavam na subprefei-tura da Sé, na região central da capital paulista, onde vivem 415 mil pessoas, e na subprefeitura do Jabaquara, na zona Sul, com população de 210 mil habitan-tes. “Quem era atendido nos hospitais dessas duas subprefeituras saía com ho-rário marcado para retorno e o nome do profissional que o atenderia”, conta Botega. Os psicólogos ligavam para a casa de quem não comparecia à con-sulta e, se não o encontrassem, pediam a um agente do Programa de Saúde da Família que fosse visitá-lo em casa.

Meses depois do treinamento, o psi-quiatra da Unicamp, que há quase duas décadas investiga as razões que levam as pessoas a tentarem a autoaniquilação, surpreendeu-se ao saber que o grupo por ele treinado continuava se reunin-do para acompanhar as pessoas com risco de tentar se matar. Desde 2008 Botega e sua equipe já prepararam cer-ca de 300 profissionais da rede de saúde de Campinas para identificar, atender e prevenir tentativas de suicídio. Ele aguarda agora a liberação de verba do Ministério da Saúde para iniciar um projeto aprovado em 2008: preparar 700 profissionais de saúde de diferentes municípios que deverão disseminar o conhecimento sobre como lidar com pessoas sob risco de suicídio.

No curso são apresentadas infor-mações sobre as taxas de suicídio e os grupos considerados de maior risco. Ensina técnicas para lidar com quem se encontra em desamparo profundo a ponto de pensar em se matar e também a prestar atenção aos sinais de alerta que essas pessoas emitem. “Elas podem dar indícios mais diretos e dizer ‘Não quero mais viver’, ‘Um dia eu vou sumir’ ou ‘Vocês ainda vão sentir minha fal-ta’, ou dar pistas indiretas como alterar hábitos, começar a distribuir objetos pessoais ou visitar amigos e familiares que há muito tempo não vê”, conta a psicóloga Blanca Guevara Werlang, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), que com Bo-tega integra o grupo do Ministério da Saúde que desenvolve uma estratégia nacional de prevenção ao suicídio.

Um dos desafios do psiquiatra da Unicamp é desfazer os preconceitos e as ideias erradas que muitos profissio-nais de saúde têm a respeito do sucídio. Segundo ele, é comum se imaginar que

O resultado impressionante dessa iniciativa, conhecida pela sigla Supre-Miss (Estudo de Intervenção sobre o Comportamento Suicida em Múltiplos Locais, em inglês), deixa claro que, com um mínimo de estrutura e preparo téc-nico, é possível evitar a morte de quem não deseja de fato morrer. Antes mes-mo de concluir a etapa brasileira do trabalho, em que foram acompanhadas cerca de 120 pessoas que haviam tenta-do o suicídio em Campinas, a segunda maior cidade do estado de São Paulo, Botega vinha mostrando ser viável im-plantar essa estratégia, ainda que com adaptações, na rede pública de saúde.

Em 2003, a convite da prefeitura de São Paulo, Botega e sua equipe treina-ram por seis meses 90 profissionais de

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quem ameaça se matar não o faz ou que falar do assunto com quem se encontra em estado de desesperança e desam-paro profundos pode induzir ao auto-extermínio. É possível que essa crença venha de caso histórico: uma sequência de suicídios ocorridos na Europa em fins do século XVIII após a publicação em 1774 do romance Os sofrimentos do Jovem Werther, do escritor alemão Johann von Goethe, no qual a persona-gem principal se mata por causa de um amor não correspondido. Para Botega, porém, falar sobre planos de suicídio pode ajudar o paciente a procurar ou-tras saídas para seu sofrimento.

“Por isso trabalhamos para mudar a maneira como os profissionais de saúde veem o problema, para que percam o medo de se aproximar de quem está em risco”, conta Botega. “Quanto mais abertamente a pessoa fala sobre per-da, isolamento e desvalorização, menos confusas suas emoções se tornam. A pessoa, então, se torna reflexiva, o que é crucial, porque ninguém, senão o pró-prio indivíduo, pode revogar a decisão de morrer”, explica o pesquisador da Unicamp, que auxiliou o Ministério da Saúde a elaborar a Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, lançada em 2006, e um manual sobre o assunto pa-ra profissionais de saúde mental.

Ainda que não sejam impossíveis, ra-ros casos de suicídio são fruto de uma decisão racional ou de convicção polí-tica, ideológica ou moral – a exemplo dos atentados cometidos por homens-bomba, da autoimolação de monges budistas ou do ato voluntário de rasgar o abdome com uma espada (harakiri ou seppuku) adotado pelos samurais no Japão feudal como forma de resgatar a honra. “O suicídio racional ou filosó-fico, fruto de um ato livre e pensado e sem influência exagerada de algum transtorno mental, é raro”, diz Botega.

Tolerado por algumas sociedades e condenado por outras, o suicídio é considerado um problema de saúde pú-blica mundial, responsável pela morte de quase 1 milhão de pessoas por ano. Hoje 17 pessoas se matam em cada gru-po de 100 mil, segundo dados da OMS. De 1950 para cá, o índice de suicídio entre os homens subiu 49%, chegando a quase 30 casos por 100 mil habitantes,

e entre mulheres aumentou 33% para 7 por 100 mil. Nesse período o perfil da população que tira a própria vida também sofreu alterações. Diminuiu o número de idosos que se matam e aumentou o de jovens. Até meados do século passado 60% das pessoas que cometiam suicídio tinham mais de 45 anos. Hoje 55% têm menos de 45.

Por razões não totalmente com-preendidas, o Brasil e a maior parte dos países da América Latina registram índices de suicídio considerados baixos. Mas não há motivo para acomodação. Em apenas uma década a proporção de brasileiros que se matam cresceu em média 15%: subiu de 3,9 casos por 100 mil habitantes em 1994 para 4,5 por 100 mil em 2004 – os homens costumam usar formas mais violentas, como en-forcamento ou armas de fogo, enquan-to as mulheres se intoxicam. Também por aqui essa atitude vem se tornando mais comum entre os mais jovens, em especial na faixa dos 20 aos 40 anos, que em geral consomem medicamentos e drogas na tentativa de se matar.

Os índices brasileiros seguem dis-tantes dos observados em países do Les-te Europeu como Lituânia (38,6 por 100 mil), Rússia (32,2 por 100 mil) ou Hungria (26 por 100 mil), ou mesmo de países com taxas moderadas, a exem-plo dos Estados Unidos e do Canadá, onde 11 em cada 100 mil pessoas se matam. Mas o tamanho da nossa po-pulação coloca o Brasil entre os dez países com maior número de suicidas. Segundo o Ministério da Saúde, 8.550 pessoas se mataram no país em 2005 – uma a cada hora.

Mas esses são apenas os casos co-nhecidos. Para cada pessoa que mor-re, muitas outras tentam e não conse-guem – ou nem chegam a tentar, mas já pensaram seriamente no assunto. Em 2003 a equipe de Botega entrevistou 515 moradores de Campinas com mais de 14 anos que haviam sido sorteados aleatoriamente de modo que repre-sentassem a população do município. Descobriram que, de cada 100 pessoas, 17 já pensaram algum dia em se ma-tar, 5 chegaram a elaborar um plano e 3 tentaram de fato. Segundo artigo publicado em 2005 na Revista Brasi-leira de Psiquiatria, de três pessoas que põem o plano em ação, uma acaba no pronto-socorro.

Se as tentativas são menos comuns entre os adolescentes, há ao menos si-nais de que uma proporção bastante elevada deles já pensou em suicídio. Há cerca de cinco anos Blanca Werlang e a psicóloga Viviane Roxo Borges entre-vistaram 730 adolescentes com idade entre 13 e 19 anos de Porto Alegre, a ca-pital gaúcha, e de Erechim, uma cidade de médio porte no norte do Rio Grande do Sul. Descobriram que 35% deles já haviam pensado em suicídio, a maioria garotas, muitas das quais apresentavam sinais de depressão.

Curiosamente os estados do Sul do país concentram os índices mais elevados de suicídio, em especial o Rio Grande do Sul, onde essa taxa é de 11 por 100 mil, duas vezes e meia superior à média na-cional. Atrás de respostas para números tão elevados, a médica Stela Meneghel, da Universidade do Vale do Rio dos Si-nos (Unisinos), em São Leopoldo, ava-liou os índices de morte por suicídio no Rio Grande do Sul de 1980 a 1999 e notou que nesses 20 anos cresceu 50% a taxa de suicídio entre os homens, che-gando a 20 para cada 100 mil. É o dobro da média de suicídios registrados no estado, que também cresceu, descreve Stela em estudo publicado em 2004 na Revista de Saúde Pública. Em números absolutos, os casos de morte provocada – geralmente por enforcamento – pas-saram de 642 para 1.093 por ano.

Inicialmente, Stela atribuiu a maior incidência de suicídios no Rio Grande do Sul à crise econômica do país que en-tre o início da década de 1980 e meados da de 1990, que resultou em taxas cres-centes de desemprego e, no Rio Gran-de do Sul, um estado essencialmente agrícola, à perda das terras de pequenos produtores proprietários rurais, ao en-dividamento e à desagregação social, quando os pais e os filhos se separam, normalmente migrando para as cidades maiores tentando sobreviver. “Houve um empobrecimento do Rio Grande do Sul”, comenta Stela, que trabalhou com pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, da Universidade Federal de Pelotas e da Agência Nacio-nal de Vigilância Sanitária.

Aprofundando as análises em busca de explicações mais consistentes, porém, essa equipe verificou que não era nas regiões

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À formação protestante, marcada pela extrema valorização do esforço in-dividual e do trabalho, o grupo coor-denado por Stela somou a rigidez da cultura alemã. Então se tornou claro que o empobrecimento poderia ser o gatilho para levar adiante a ideia de se matar, mas nessa decisão havia também uma forte influência da religião e da etnia. “Para um brasileiro de qualquer outra origem, perder tudo não é o fim do mundo”, diz Stela, cujas conclusões contaram com o apoio da Federação das Paróquias Luteranas. “Mas os alemães ou os descendentes de alemães não re-sistem porque têm um código moral bastante rígido. Para eles, ver-se desem-pregado ou hipotecar a terra para pagar dívidas é extremamente doloroso.”

Os especialistas não duvidam de que os fatores sociais, culturais e até econô-micos influenciem as taxas de suicídio. Mas sabem que esses fatores estão longe de explicá-las completamente. “O sucí-dio é um problema de causas múltiplas e complexas”, diz Botega.

Nos últimos tempos têm crescido as evidências de que por trás do suicídio há quase sempre um problema de saúde mental – muitas vezes não tratado. Al-guns anos atrás o psiquiatra brasileiro José Manoel Bertolote, do Departa-mento de Saúde Mental da OMS, anali-sou informações sobre 15.629 suicídios ocorridos em diferentes regiões, prin-cipalmente na Europa e nos Estados Unidos. Em 97% dos casos de que se dispunha de dados completos, quem se

suicidou apresentava algum transtorno psiquiátrico. “As doenças psiquiátricas são um fator de risco importante que aumenta a probabilidade de uma pes-soa cometer suicídio”, explica Botega.

A mais comum dessas enfermida-des é a depressão, marcada por uma tristeza profunda que dura a maior parte do tempo e aparece associada à perda de interesse por atividades antes prazerosas. Ao longo da vida, de 5% a 12% dos homens e de 10% a 25% das mulheres desenvolvem depressão e, entre os gravemente deprimidos, 15% se matam. O segundo problema mais frequente é o consumo de álcool e dro-gas. Em quase 23% dos casos, quem se matou estava alcoolizado ou sob efeito de outras substâncias. Outros dois pro-blemas comuns entre os que cometem suicídio são a esquizofrenia, que atinge 1% da população e provoca sintomas graves como delírios e alucinações, e o transtorno bipolar do humor, em que oscilam períodos de euforia e depressão. Em um trabalho publicado em 2003 no British Journal of Psychiatry, Bertolote calculou que, ainda que os medicamen-tos não funcionem em todos os casos, se esses transtornos psiquiátricos fossem devidamente tratados evitariam 165 mil mortes por suicídio a cada ano.

Além dos problemas psiquiátricos, outro fator que aumenta a probabili-dade de alguém desistir de seguir ba-talhando são as características de per-sonalidade. Durante seu doutoramento na Unicamp, sob orientação de Neury Botega, Blanca Werlang traçou o perfil psicológico de quem havia cometido suicídio, usando uma estratégia cha-mada autópsia psicológica. Desenvol-vida na década de 1950 pelo psicólogo norte-americano Edwin Schneidman, consiste em um verdadeiro trabalho de detetive: reconstruir a personalidade do morto a partir de pistas que deixou e de informações obtidas com amigos e parentes vivos.

Entre 1999 e 2001, Blanca identificou 100 casos de suicídio no departamento médico legal de Porto Alegre e procurou as delegacias em que haviam sido regis-trados. Acompanhando os inquéritos instaurados para apurar as mortes, con-seguiu contato com parentes e amigos de 21 pessoas que haviam se matado. A leitura de cartas e bilhetes e a conversa com familiares e pessoas próximas de

“Vocês ainda vão sentir

minha falta” é um dos

alertas dados por quem

pensa em se suicidar

mais pobres que mais viviam gaúchos de-sesperançados a ponto de passarem ao re-dor do pescoço a corda que antes usavam para trabalhar. Os suicídios se concentra-vam em áreas de pequenas propriedades, a sul, leste e norte do estado, ocupadas por descendentes de alemães adeptos de religiões marcadas pelo rigor moral. Onde havia mais protestantes, especialmente luteranos e evangélicos adventistas, como em Santa Cruz, Três Passos, Gramado, Canela, Lageado e Estrela, as taxas de sui-cídio eram até duas vezes mais altas que nas cidades ocupadas por seguidores do catolicismo, do espiritismo ou de religiões de origem africana.

Em um estudo clássico de 1897, o sociólogo francês Émile Durkheim já havia verificado que a taxa de suicídio era muito mais elevada nos países pro-testantes do que nos de maioria cató-lica. Vários estudos confirmaram essa ideia, encontrando uma baixa taxa de suicidas também entre muçulmanos e judeus, embora outros, feitos principal-mente nos Estados Unidos, não consi-derem o catolicismo fator de proteção contra o suicídio. Com base em um levantamento de 1999 da OMS, apa-rentemente a tradição religiosa ajuda a deter os ímpetos suicidas. A taxa de suicídio situa-se próxima a zero em paí-ses muçulmanos como o Kuwait, já que o islamismo proíbe o suicídio. É maior em países católicos como a Itália (11,2 suicídios por 100 mil habitantes) ou budistas (Japão, 17,9 por 100 mil habi-tantes). E bem mais alta em países com população formada principalmente por cidadãos ateus, como a Rússia.

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quem cometera suicídio levaram Blan-ca a concluir que o fato imediato que havia induzido o suicídio variava mui-to – da perda do emprego a uma briga familiar. Por trás desse fato havia um histórico de transtornos psiquiátricos (uso abusivo de álcool, inclusive) e de relacionamentos complicados entre os membros da família que alimentavam o desenvolvimento de uma personalidade com dificuldade de enfrentar os proble-mas corriqueiros da vida. “Essas pessoas em geral incorporam características da família e apresentam um estreitamento psicológico que não lhes permite enxer-gar saídas para determinados proble-mas”, diz Blanca. “Sentindo-se incapazes de reagir, optam pela morte como forma de se livrar do sofrimento intolerável por que estão passando.”

Quem comete suicídio costuma ser mais agressivo e agir de modo irrefle-tido, por impulso. “A decisão de dizer ‘chega’ é mais facilmente tomada por pessoas impulsivas”, diz o psiquiatra brasileiro Gustavo Turecki. Coorde-nador do grupo multidisciplinar de estudos do suicídio da Universidade McGill, no Canadá, Turecki acredita que o desenvolvimento desse traço de personalidade depende das condições vividas na infância.

Depois de analisar cerca de 200 tra-balhos sobre suicídio, Turecki e Alexan-der McGirr sugerem em um estudo de 2007 na Current Psychiatry Reports que a rejeição dos pais e os abusos físicos ou sexuais na infância funcionariam como um fermento, favorecendo o desenvol-vimento de personalidade impulsiva. “Ainda que a personalidade se consoli-de depois da adolescência, intervenções em períodos sensíveis de seu desenvol-vimento poderiam produzir efeitos du-ráveis e diminuir a vulnerabilidade ao suicídio”, comentam no artigo.

O acompanhamento de um grupo de 4.488 crianças canadenses da infância até o final da adolescência permitiu à equipe de Turecki constatar que o com-portamento impulsivo aparece associado a maior risco de suicídio, independen-temente do surgimento de transtornos psiquiátricos. Comparando o nível de atividade de genes no cérebro de pes-soas que cometeram suicídio com o de pessoas que morreram em acidentes, os

pesquisadores da McGill identificaram algumas vias bioquímicas do cérebro que poderiam se encontrar alteradas, reduzindo a atividade da região frontal, responsável pelo controle da impulsivi-dade. Parte das pessoas que se mataram apresentava uma versão alterada de um gene fundamental para a atividade dos astrócitos, células cerebrais responsáveis pela nutrição dos neurônios, segundo artigo publicado em janeiro nos Archives of General Psychiatry. O resultado mais recente, anunciado na edição de março da Nature Neuroscience, reforça a ideia de que a propensão ao suicídio é de-terminada durante o desenvolvimento ao mostrar que os suicidas vítimas de abuso na infância apresentavam redu-ção da atividade do sistema que regula a resposta ao estresse.

Enquanto equipes ao redor do mun-do trabalham para entender o que le-va algumas pessoas a abrirem mão da vida, a saída possível é preparar pro-fissionais da saúde e de outras áreas para identificar quem está em risco e orientar a buscar ajuda. Blanca defende inclusive que a discussão sobre suicí-dio seja aberta para a população. “Falar de morte é difícil, ainda mais quando autoinfligida”, afirma. “Mas, se não se falar, como as pessoas vão saber onde procurar ajuda?” n

1. Estudo multicêntrico de intervenção no comportamento suicida (SUPRE-MISS), da Organização Mundial da Saúde2. Plano de prevenção do comportamento suicida

modAlIdAdE

1. auxílio regular a Projeto de Pesquisa2. Programa Políticas Públicas 1

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Neury José Botega - Unicamp

InvEStImEnto

r$ 44.260,55 (FaPESP)r$ 16.038,82 (FaPESP)

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52 n abril DE 2009 n PESQUISA FAPESP 158

Oscilação da atividade cerebral em rato antes (esq.) e após estimulação da medula espinhal

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PESQUISA FAPESP 158 n abril DE 2009 n 53

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Quando as drogas capazes de estimular a produção do neurotransmissor do-pamina deixam de fazer efeito, os pacientes com mal de Parkinson contam hoje com um último re-

curso terapêutico para reduzir seus tremores persistentes e disfunções motoras: submeter-se a uma cara e delicada cirurgia para implantar um neuroestimulador no cérebro. Os médicos fazem um orifício no crâ-nio e instalam eletrodos na região cerebral associada ao controle dos movimentos. Dos eletrodos saem fios conectados ao neuroestimula-dor propriamente dito, aparelho que funciona como “bateria” do siste-ma e é normalmente implantado na região da clavícula, no peito ou até no abdome. Todo esse pequeno aparato fica escondido sob a pele do paciente. Estima-se que cerca de 55 mil pessoas com Parkinson ou ou-tros problemas motores em todo o mundo já recorreram à cirurgia para introduzir essa espécie de marca- -passo cerebral, conhecida no jargão médico como deep brain stimulation (DBS, na sigla em inglês).

A estimulação profunda do cére-bro é um avanço da medicina, mas seu emprego pode se tornar ainda mais seletivo no futuro próximo se a pesquisa neurológica mostrar que é possível obter resultados se-melhantes sem a necessidade de abrir o crânio e introduzir eletro-dos no cérebro das pessoas. No mês passado, um trabalho coordenado por um neurocientista brasileiro, Miguel Nicolelis, da Universidade Duke (EUA) e fundador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), deu um importante passo nessa direção e obteve grande reper-cussão internacional. Por meio de pequenos eletrodos instalados num ponto da medula espinhal de ratos e camundongos que apresentavam distúrbios de movimento similares

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Estímulo elétrico na medula espinhal reduz sintomas da doença em roedores

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aos enfrentados pelas pessoas com Parkinson, os cientistas estimula-ram eletricamente a coluna dorsal da medula espinhal dos animais e, dessa forma, restituíram-lhes a capacidade normal de locomoção. “Os roedores responderam à esti-mulação elétrica de forma quase instantânea”, diz Nicolelis. “O pro-cedimento cirúrgico dura apenas 20 minutos e é seguro. É só abrir a pele e colocar os eletrodos na su-perfície da medula espinhal.”

Trata-se da primeira candidata a te-rapia contra Parkinson que atua não so-bre o cérebro, onde a doença se origina devido à morte ou mau funcionamento dos neurônios que produzem o neuro-transmissor dopamina, imprescindível ao pleno controle dos movimentos, mas sobre outro ponto do sistema nervoso. Os promissores resultados do estudo com roedores foram relatados num artigo que ganhou a capa da edição de 20 de março da Science, uma das revistas científicas de maior prestígio internacional. Nicolelis acredita que a nova abordagem poderá ser uma boa alternativa à estimulação profunda do cérebro. “A DBS é uma cirurgia com um certo risco e que só pode benefi-ciar uma parcela dos pacientes, os casos mais graves”, comenta o neurocientista. “Nosso procedimento é mais simples e poderia ser útil para pessoas em qual-quer estágio da doença.”

As pesquisas precisam vencer algu-mas etapas antes de o novo procedimen-to ser testado em pacientes com Parkin-son. Ainda neste ano estudos com dois tipos de primata, saguis no instituto de Natal e macacos rhesus na Universidade Duke, deverão ter início. Se os experi-mentos com os símios também confir-marem os benefícios quase imediatos da nova abordagem, a equipe de Nicolelis espera começar os estudos clínicos com seres humanos daqui a um ano.

Não há cura para o Parkinson, doença neurológica progressiva cujas vítimas mais frequentes são pessoas com mais

de 65 anos. Estima-se que 1% da po-pulação mundial dessa faixa etária – algo equivalente a 200 mil pessoas no Brasil – tenha o distúrbio, caracteriza-do clinicamente por tremores, rigidez muscular, lentidão de movimentos e problemas na fala e na escrita. A doen-ça também pode causar comprome-timento da capacidade intelectual em diferentes níveis, desde um leve declí-nio cognitivo até a demência. Os tra-tamentos hoje disponíveis se destinam a minorar os sintomas do Parkinson e melhorar a qualidade de vida dos pa-cientes. “As causas da maioria dos casos da doença de Parkinson ainda não são conhecidas”, comenta o neurocientis-ta Koichi Sameshima, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). “A grande contribuição do trabalho de Nicolelis não seria somen-te apresentar uma terapia alternativa ao DBS, mas eventualmente produzir um conhecimento que pode ajudar na melhor compreensão do Parkinson. O estudo vê o organismo como um todo e indica que o Parkinson pode ser um problema sistêmico.”

Parkinson e epilepsia - A heterodo-xa abordagem proposta pela equipe de Nicolelis sugere que é possível explorar as múltiplas conexões existentes entre o sistema nervoso central e o sistema nervoso periférico na busca por trata-mentos mais seguros e eficientes contra algumas doenças neurológicas. Ou seja, pode-se estimular eletricamente uma

ponta da circuitaria nervosa (no caso, a medula espinhal) e produ-zir resultados em outra região do sistema (o cérebro). Por essa lógi-ca, não seria necessário interferir forçosamente na área do sistema onde se origina o problema neuro-nal. Talvez seja possível combater uma desordem originada no cére-bro, como o Parkinson, acessando outras vias da circuitaria nervosa, como parece demonstrar o expe-rimento com os roedores.

A ideia de testar a estimulação elé trica na medula espinhal contra o Parkinson surgiu depois de Nicolelis ter observado, há alguns anos, que o procedimento aliviava as crises de epi-lepsia. Em certa medida, a situação do paciente com Parkinson avançado pode ser comparada à de uma pessoa com epilepsia permanente, diz o neurocien-tista. Em ambos os casos os neurônios motores disparam sinais de forma sincronizada, criando uma disfunção elétrica que dificulta o controle dos movimentos. Na epilepsia a sincronia de disparos é ocasional, ocorre nos mo-mentos de crise. No Parkinson avança-do ela é perene e sua gravidade tende a aumentar com o tempo. A estimulação elétrica de fibras nervosas da medula espinhal parece quebrar esse ritmo de disparo, restabelecendo uma saudável dessincronia na atividade elétrica dos neurônios. Dessa forma, o cérebro apa-rentemente se torna novamente senhor das faculdades motoras. “Fizemos uma conexão entre duas áreas de estudo, epilepsia e Parkinson, que ninguém tinha feito”, diz o neurocientista chi-leno Romulo Fuentes, outro autor do estudo publicado na Science.

Os experimentos com camundongos e ratos foram feitos por Fuentes, hoje concluindo o pós-doutorado na Uni-versidade Duke e de mudança prevista até o final do ano para Natal, onde vai dar aulas na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e con-tinuar suas pesquisas no instituto de

Science de 20 de março:

estudo de brasileiro é capa

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neurociên cias ali instalado. Depois que induziu nos animais um estado seme-lhante ao Parkinson avançado, caracte-rizado pelo enrijecimento muscular e dificuldade de locomoção decorrente da diminuição na produção de dopamina, Fuentes observava os efeitos da baixa estimulação elétrica na medula espinhal dos bichos. O dispositivo com os eletro-dos é do tamanho de uma unha, fino como se fosse uma folha de papel, só que feito de metal. Nos testes, a estimulação elétrica na frequência de 300 hertz, as-sociada a pequenas doses de drogas que induzem a produção de dopamina, deu os melhores resultados. “O procedimen-to na medula espinhal permitiria que o paciente usasse dosagens muito menores dessas drogas para minorar os sintomas da doença”, comenta Nicolelis. “Dessa forma, ele deverá demorar muito mais tempo para adquirir resistência à ação dos remédios.” Os efeitos da terapia são praticamente instantâneos. Assim que o estímulo elétrico é ligado, os roedores retomam os seus movimentos (ver vídeo em www.revistapesquisa.fapesp.br).

Há muitas questões em aberto sobre a nova abordagem terapêutica, embo-ra esses pontos obscuros não sejam exclusivos da estimulação na medula espinhal. Até hoje ainda não são to-talmente conhecidos os mecanismos por trás da ação benéfica do próprio DBS, procedimento cirúrgico adota-do há anos. “Nosso método funciona”, comenta Fuentes. “Quando eu estiver em Natal, vou me dedicar a tentar en-tender por que ele funciona.” Mas al-guns pesquisadores ainda se mostram reticentes quanto às perspectivas de uso em seres humanos do tratamento testado em roedores. Argumentam que camundongos e ratos não constituem um bom modelo clínico do que é o Parkinson e preferem reservar seu oti-mismo para quando – e se – a terapia alternativa obtiver os mesmos resulta-dos em macacos. Como o homem, esses primatas têm um sistema nervoso mais sofisticado e sofrem naturalmente da

doença neurodegenerativa, enquanto nos roedores os sintomas do Parkinson são emulados artificialmente.

O neurocirurgião Manoel Jacobsen Teixeira, da FMUSP, alinha-se entre os pesquisadores que adotam uma postura de cautela com relação ao emprego da estimulação elétrica na medula espinhal para tratar o Parkinson. “Vamos espe-rar os primeiros resultados dos estudos com os primatas”, afirma Jacobsen. “O modelo animal com roedores não tem muito a ver com o ser humano.” O ceti-cismo do neurocirurgião também é ba-seado em outra constatação. Segundo Jacobsen, a estimulação elétrica na me-dula espinhal já foi testada contra um outro tipo de distúrbio do movimento – as distonias, um grupo de doen ças caracterizadas por espasmos muscu-lares involuntários – e os resultados não foram bons. “Desde os anos 1970 usamos a estimulação elétrica na me-dula espinhal apenas para tratar a dor

de ori gem neuropática e para reduzir o desconforto causado por amputações de membros”, diz o neurocirurgião. A corrente elétrica da estimulação empre-gada contra a dor fica em torno dos 100 hertz (nos roedores parkinsonianos os melhores resultados foram obtidos com a frequência de 300 hertz).

A postura crítica de Jacobsen é es-tritamente técnica. Ele não tem nada contra a equipe da Duke. Ao contrário. O neurocirurgião, que também traba-lha no Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, é parceiro de Nicolelis em vários estudos. Apesar de questionar, por ora, o potencial de uso da nova abordagem terapêutica contra o Parkinson, Jaco-bsen está preparado para testá-la em pacientes caso os experimentos com primatas sejam um sucesso. No Bra-sil, a eficácia da estimulação elétrica na medula espinhal poderá ser submetida à prova em dez indivíduos que sofrem da doença neurodegenerativa. n

Pequenos choques contra o Parkinsonuma unidade externa de estimulação gera corrente elétrica até os eletrodos instalados na medula espinhal do roedor

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56 n abril DE 2009 n PESQUISA FAPESP 158

Pneumologia

Quando concluiu a residência mé-dica em pneumologia Rogério de Souza decidiu se dedicar a uma área até então pouco explorada no país, que estuda as interações entre os órgãos que obtêm do ar o oxigênio necessário à vida, os

pulmões, e o órgão responsável pela distri-buição do oxigênio por todo o organismo, o coração. Em pouco mais de uma década de trabalho esse médico de apenas 37 anos, professor do Institu-to do Coração (InCor) da Universidade de São Paulo, vem ajudando a compreender melhor como surge e se desenvolve a hipertensão arterial pulmonar, o aumento brutal da pressão no interior dos vasos que conduzem o sangue do coração aos pulmões. Mais recentemen-te Souza e sua equipe verificaram que esse problema, considerado raro em boa parte do mundo, não é tão raro assim – ao menos não no Brasil e possivelmente em outros países em desenvolvimento, por sua relação com a esquistossomose.

Até bem pouco tempo atrás se acreditava que a hiper-tensão pulmonar atingisse apenas 15 pessoas em cada grupo de 1 milhão. Agora o grupo do InCor mostra que essa es-timativa, baseada em levantamentos realizados na França, pode ser válida nos países economicamente mais desenvol-

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Sem fôlego

Hipertensão

pulmonar é

mais comum

do que se

imaginava

vidos, mas não em nações com condições mais precárias de saúde como o Brasil. Por aqui, esse problema é pelo menos duas vezes mais comum do que se calculava.

A diferença entre a proporção de ca-sos observada na Europa e a verificada no Brasil se deve principalmente à esquistos-somose. Nos países desenvolvidos a forma mais comum da doença é a hipertensão

arterial pulmonar idiopática, de origem desconhecida, enquanto aqui – e possivelmente em boa parte das na-ções em que a população não tem acesso à água limpa e a esgoto tratado – a maior parte dos casos surge em decorrência de uma enfermidade bem mais comum: a esquistossomose, que atinge cerca de 200 milhões de pessoas no mundo (6 milhões só no Brasil). De janeiro de 2006 a agosto de 2007, Souza e sua equipe avaliaram a saúde vascular de 65 pessoas com uma forma grave de esquistossomose – a esquistossomose hepato-esplênica, em que os ovos do verme Schistosoma mansoni geram uma grave inflamação no fígado e no baço – e consta-taram que 4,6% delas haviam desenvolvido hipertensão arterial pulmonar, segundo artigo publicado em março deste ano na revista Circulation.

Com base nos números apresentados nesse trabalho, feito em colaboração com pesquisadores franceses da

inc

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bem mais elevada, com valores entre 80 mmHg e 120 mmHg.

Essa pressão elevada é sinal de que o coração enfrenta mais resistência para levar o sangue até os pulmões, onde é oxigenado. O esforço extra faz o músculo cardíaco crescer e o cora-ção aumentar de tamanho até se tornar incapaz de continuar a bater. Se não for tratada, pode matar metade dos portadores do problema em 2,5 anos. “Felizmente esse cenário vem mudando com o uso de medicamentos que auxi-liam no controle da hipertensão arterial pulmonar”, afirma Souza.

Ainda não se sabe ao certo como a esquistossomose leva ao espessamento dos vasos sanguíneos pulmonares. Se-gundo Souza, há sinais de que ovos de Schistosoma se instalem nos pulmões dis-parando uma inflamação que estimula a

multiplicação das células da parede das veias e artérias, e a consequente redução do espaço para o sangue passar. Indepen-dentemente do mecanismo que causa a proliferação celular – seja alterações no gene do receptor tipo 2 da proteína mor-fogenética do osso (BMPR2), seja o uso do redutor de apetite fenfluramina, re-tirado do mercado por aumentar o risco de problemas cardíacos –, os efeitos são os mesmos sobre a circulação pulmonar. Os vasos tornam-se mais espessos, altera-ção chamada pelos médicos de remode-lação vascular, a pressão sanguínea sobe e o coração cresce, causando cansaço ao menor esforço, como observaram Souza e os pesquisadores do InCor.

Em todos os casos o tratamento consiste em controlar o problema e impedir seu avanço, já que ainda não há cura para a hipertensão arterial pul-monar. Os remédios mais adotados são os compostos que promovem o relaxa-mento dos vasos sanguíneos e dimi-nuem a remodelação vascular, como os prostanoides, os antagonistas dos receptores de endotelina e os inibidores da enzima fosfodiesterase – deste últi-mo grupo, o mais usado é o sildenafil, o Viagra, usado para tratar impotência sexual masculina. O uso desses medi-camentos tem permitido aumentar a sobrevida e melhorar a qualidade de vida dos pacientes, segundo estudos conduzidos pela equipe do InCor.

Na opinião de Souza, a saída mais eficiente seria combater de modo mais eficaz a esquistossomose. “Mesmo que se eliminem essa e outras enfermidades que originam a hipertensão pulmonar nos próximos anos, suas conse quências

continuarão sendo sentidas pe-las próximas décadas”, afirma o pneumologista, que participou da definição das diretrizes in-ternacionais de tratamento da doença, a serem divulgadas em breve. É que a hipertensão pul-monar decorrente da esquis-tossomose e de outras doenças associadas se desenvolve lenta-mente, ao longo de até 20 anos, e de modo ainda não comple-tamente conhecido. n

Universidade Paris-Sud, em Clamart, os pesquisadores do InCor estimam que quase 13 mil brasileiros tenham hipertensão arterial pulmonar decor-rente da esquistossomose, número de casos algumas vezes maior do que o esperado para a forma idiopática da doença. Se esses dados também forem válidos para outros países em que a es-quistossomose representa um proble-ma de saúde pública, no mundo todo pode haver cerca de 400 mil pessoas com hipertensão arterial pulmonar, um problema que se instala lentamente e começa a se manifestar a partir dos 40 anos de idade na forma de um cansaço extremo e falta de ar ao realizar esforços físicos moderados, como andar rápido alguns quarteirões, e nos estágios mais avançados impede a realização de ati-vidades corriqueiras como caminhar do quarto até a sala, escovar os dentes ou pentear os cabelos. “Essa forma de hipertensão atinge uma população jo-vem, em idade produtiva, e pode gerar um impacto importante do ponto de vista social, econômico e de qualidade de vida para os portadores da doença e seus familiares”, comenta o pneumo-logista brasileiro, que criou o grupo de hipertensão pulmonar no Serviço de Pneumologia do InCor em 1997.

Sob pressão – Provocada pelo estreita-mento dos vasos sanguíneos que saem do lado direito do coração, passam pe-los pulmões e chegam ao lado esquerdo, a hipertensão pulmonar é bem menos comum do que forma mais conhecida de hipertensão, a hipertensão arterial sistêmica, uma das principais causas de morte no mundo ocidental. Mas não é menos grave. Nas pessoas com hipertensão pul-monar a pressão média no in-terior da artéria que transporta sangue rico em gás carbônico para os pulmões geralmen-te é superior a 25 milímetros de mercúrio (mmHg) e pode atingir valores superiores a 100 mmHg, enquanto a normal é inferior a 15 – só para se ter uma ideia, a pressão sanguí-nea do restante do corpo (sis-têmica) considerada normal é

1. Resposta cardiovascular ao exercício na hipertensão arterial pulmonar2. Avaliação da musculatura de membros inferiores na limitação funcional por hipertensão arterial pulmonar

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auxílio regular a Projeto de Pesquisa

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1. r$ 116.602,74 (FaPESP)2. r$ 44.315,20 (FaPESP)

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58 n nononnon DE 2009 n PESQUISA FAPESP 1XX

epidemiologia

Noites

Carlos Fioravanti

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maldormidasMarcada por breves interrupções na respiração, apneia prejudica o sono de milhões de paulistanos

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Um terço dos moradores da cidade de São Paulo – mais precisamente 32,9% – convi­ve com um problema respira­tório crônico que prejudica o sono e piora a qualidade de vida. Esse problema é a cha­

mada síndrome da apneia obstrutiva do sono, uma série de breves interrup­ções na respiração que geralmente le­vam a um despertar momentâneo. Por acordar, ainda que sem perceber, toda vez que falta o ar, quem tem apneia e sofre ao menos cinco pausas de até dez segundos na respiração a cada hora não descansa como deveria. As conse­quências aparecem já no dia seguinte: sonolência, cochilos fora de hora, irri­tação e queda do rendimento. Se não for tratada, a apneia aumenta o risco de problemas cardiovasculares.

A constatação de que um em cada três paulistanos sofre de apneia – e mui­tos nem sabem – é um dos resultados mais impressionantes do mais amplo e detalhado levantamento já feito sobre a qualidade do sono dos habitantes da capital paulista. A proporção de casos identificados nessa pesquisa é tão ele­vada que inquietou até mesmo os coor­denadores do estudo, conduzido por uma equipe da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Eles esperavam encontrar um índice de apneia um pou­co superior ao observado em trabalhos anteriores conduzidos no Brasil e no ex­terior – a prevalência varia de 2% a 7% entre os adultos –, mas nada próximo do que observaram em São Paulo.

Outros resultados desse estudo, que avaliou a qualidade do sono de 1.101 pessoas sorteadas aleatoriamente entre os 11 milhões de moradores da capital, são mais próximos aos encontrados em outras pesquisas. E também indicam que dormir mal parece ser a sina de quem vive em São Paulo: 25% dos mo­radores da cidade têm dificuldade para dormir; 42% roncam, muitas vezes em razão da apneia; 24% têm pesadelos ao menos uma vez por mês; e 13,2% sofrem de insônia crônica.

As mulheres têm menos apneia e roncam menos que os homens – a proporção de casos de apneia evolui de

tada em seis meses, de julho ao final de dezembro de 2007. Dos 1.101 seleciona­dos que aceitaram participar do estudo e responderam a questionários sobre o padrão e a qualidade do sono, 1.042 fo­ram levados para dormir uma noite no Instituto do Sono, onde passaram pelo exame de polissonografia – teste que registra a atividade elétrica cerebral, os movimentos corporais, os batimentos cardíacos e a respiração durante o sono – e fizeram exames de sangue, que ava­liavam o estado geral de saúde. Silva e Roberta Siufi acompanhavam quase 60 pessoas que entrevistavam, transporta­vam e examinavam os participantes do estudo. “Em muitas noites ocupamos todos os 16 leitos do instituto cedidos para esse estudo”, conta Silva. Com es­sas informações, o grupo da Unifesp construiu uma base de dados com cerca de 900 variáveis que deve ainda contar muito mais sobre a metrópole de 10 milhões de habitantes.

Além da abrangência e do esmero metodológico, a taxa elevada de apneia pode ser explicada com a prevalência também acima do esperado de uma de suas causas: o peso acima do consi­derado saudável pelas autoridades de saúde. “Eu esperava algo próximo da média nacional de 30%, mas não 60% de pessoas com sobrepeso e obesida­de”, diz José Augusto Taddei, um dos pesquisadores da Unifesp que esteve à frente desse estudo. “Por causa da ca­pacidade de comprar mais alimentos e do sedentarismo mais acentuado, São Paulo é diferente do Brasil.” Em Geografia da fome, estudo pioneiro sobre a nutrição no Brasil publicado em 1946, o médico Josué de Castro observava que os moradores do Su­deste, a região economicamente mais rica do país, de fato comiam mais que os de outras regiões do país. Mas nem sempre melhor.

Nesse levantamento da Unifesp apenas 40% dos homens estão com o peso dentro dos padrões considerados desejáveis, 36% apresentam sobrepeso, 17,2% são obesos e 6,65% enquadram­ ­se na categoria obesidade mórbida. Entre as mulheres, 37% estão com o peso considerado normal, 34% com

modo diferente entre os dois grupos, crescendo gradualmente à medida que os homens envelhecem e aumentando subitamente entre as mulheres depois da menopausa. Mas elas relatam mais dificuldade para dormir. Os pesadelos perturbam o sono de 30% delas e de apenas 17% dos homens. A proporção de mulheres que sofrem de insônia crô­nica (16,5%) é duas vezes maior que a de homens (9,2%) e a sonolência diurna também é mais comum entre elas (10% das mulheres sentem sono durante o dia, ante 7% da população masculina).

Há razões para crer que esses da­dos representem melhor a realidade da população de São Paulo e de ou­tras metrópoles do que os conhecidos até então. “Por causa de limitações materiais ou financeiras, os estudos anteriores foram feitos com amostras que não representavam o conjunto da população, como os trabalhadores de fábricas, nem incluíam a população de baixa renda ou a que tem tendência a obesidade”, explica Rogério Santos Silva, coordenador da pesquisa.

Representantes da cidade - O fôle­go e a motivação para um estudo mais amplo vieram com o médico Sérgio Tufik, diretor do Instituto do Sono, ligado à Unifesp, e do Centro de Pes­quisa, Inovação e Difusão (Cepid) do Sono, financiado pela FAPESP. Além de participar do planejamento, com a experiência de quem trabalha há três décadas nessa área, Tufik liberou 16 dos 80 leitos do instituto e R$ 2,4 milhões do Cepid para esse levantamento.

Os pesquisadores da Unifesp con­trataram uma estatística e entrevis­tadores de empresas especializadas para analisar os mapas de população do IBGE e sortear em cada bairro da cidade os potenciais entrevistados: pessoas com idade entre 20 e 80 anos que representassem a distribuição por idade, gênero e classe social da popu­lação da capital paulista.

Para evitar influências sobre os resultados – as estações do ano, por exemplo, tendem a ampliar ou reduzir as horas de sono –, a pesquisa foi execu­r

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24%. Os pesquisadores da Unifesp não avaliaram, mas sabem – e veem todo dia – que a cidade se tornou mais hostil, com mais trânsito, barulho e violência. “Quando piora a qualidade de vida”, diz Taddei, “a qualidade do sono cai”.

Por causa dessa abrangência, Tad­dei acredita que esse estudo pode mudar a percepção dos distúrbios do sono nas metrópoles do mundo. “Não temos por que achar que os resultados, quando avaliados com o mesmo rigor metodológico, sejam muito diferen­tes em Nova York ou em Bangladesh.” Ainda não há como comparar porque os estudos feitos em metrópoles não são tão amplos e estudos amplos são feitos em cidades menores. Um dos mais abrangentes avaliou a qualidade de sono dos moradores de Dauphin e de Lebanon, duas cidades do sul da

Pensilvânia, nos Estados Unidos, hoje com quase 300 mil e 30 mil habitantes. Edward Bixler e outros pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvâ­nia entrevistaram por telefone 12.219 mulheres e 4.364 homens com idade entre 20 e 100 anos dessas duas cida­des. Depois avaliaram a qualidade do sono, por meio de polissonografias de mil mulheres e 741 homens entrevis­tados. Detectaram 3,9% de apneia nos homens e 1,2% nas mulheres.

A equipe da Unifesp enfrenta agora duas batalhas. Uma delas é para pu­blicar resultados que destoam muito dos de outras pesquisas. As duas pri­meiras revistas que receberam esse estudo o recusaram alegando que a prevalência de apneia era alta demais. “Um dos editores sugeriu que refizés­semos o estudo”, conta Silva. Taddei cogita: “Há um preconceito sério sobre a credibilidade dos dados que vêm do Brasil, principalmente em um trabalho como esse, que não tem coautores dos Estados Unidos”. Uma terceira revista ainda não respondeu se aceita ou não o estudo sobre apneia em São Paulo.

A outra batalha é para mostrar às pessoas como dormir melhor e perder peso. Isso implica mudar hábitos que prejudicam o sono, como comer muito, trabalhar na cama ou tomar bebidas al­coólicas antes de dormir. “Quem bebe antes de dormir vai roncar mais e per­der uma parte do sono mais profundo”, afirma Silva. No livro Counting sheep – The science and pleasures of sleep and dreams, o biólogo inglês Paul Martin oferece mais algumas sugestões, como cochilar sem culpa, considerar a cama o móvel mais importante da casa e o quarto um ambiente acolhedor, não um depósito de coisas inúteis.

Taddei empenha­se há duas décadas em motivar as pessoas a se alimentarem melhor e a perderem peso. “O fato de duas em cada três pessoas apresentarem sobrepeso quer dizer que já estamos no pico da curva da obesidade, como já registrado nos Estados Unidos”, alerta. “Temos de começar a reverter esse qua­dro.” Em busca de novas possibilidades de ação, com o apoio da Unifesp ele criou uma página na internet (Estilo de Vida Saudável, www.saude.br) com recomendações para perder peso e vi­ver melhores dias e noites – não só nas grandes cidades. n

sobrepeso, 20,3% com obesidade e 8,65% com obesidade mórbida.

As análises dos pesquisadores es­tabeleceram uma relação direta entre apneia e excesso de peso: o risco de de­senvolver o problema respiratório é 2,6 vezes maior em pessoas com sobrepe­so e 10,5 vezes maior nos indivíduos obesos do que entre aqueles com peso saudável. “Ninguém morre de apneia”, comenta Silva, “mas das consequên­cias da apneia, que aumenta os riscos de infarto, acidente vascular cerebral, hipertensão e envolvimento em aci­dentes automobilísticos e de trabalho, devido à sonolência diurna”.

Vinte anos de sono - A apneia, que nesse estudo se mostrou mais comum entre pessoas de renda mais baixa e de idade mais avançada, em consonância com outros levantamentos, é um dos distúrbios do sono de tratamento di­fícil. Quem tem apneia e quer respirar melhor durante a noite precisa perder peso, se estiver com alguns quilos a mais, e usar um aparelho conhecido pela sigla CPAP, uma máscara de silico­ne conectada a um pequeno compres­sor que facilita a passagem de ar pela laringe. Um dos fatores que restringe o acesso ao CPAP é o preço, entre R$ 500 e R$ 1 mil. “Uma alternativa é uma ci­rurgia realizada pelo otorrinolaringo­logista, que o serviço público de saúde subsidia, mas que geralmente não é o melhor tratamento”, observa Silva.

Dormir mal – e passar o dia seguin­te com sonolência, irritação, cansaço, atenção baixa e memória curta – é um problema que se agravou nos últimos 20 anos na cidade de São Paulo, cons­tataram os pesquisadores ao comparar os dados do levantamento atual com os de dois outros realizados antes pelo mesmo grupo da Unifesp. Os dois tra­balhos anteriores, um de 1987 e o outro de 1995, avaliaram apenas por meio de questionários – os mesmos adotados nesse estudo mais recente – a qualida­de do sono de cerca de mil pessoas. Os relatos sobre dificuldade para dormir em mais de três noites por semana praticamente dobraram. Passaram de 13,9% em 1987 para 25% em 2007. A frequência de relatos sobre sonolência diurna quase dobrou (3,8% em 1987 e 8,6% em 2007) e a de pesadelos mais de uma vez por mês subiu de 11% para

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Genética

Queda de braçoEstudo procura genes que evitam os sintomas de um tipo de distrofia muscular

Maria Guimarães

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A melhor forma de fazer frente a doenças genéticas para as quais hoje não há cura, como distrofias musculares, pode estar dentro dos próprios portadores. É o que sugere o trabalho de Patricia Arashiro,

da Universidade de São Paulo (USP), a ser publicado na revista PNAS, que identificou diferenças na atividade de genes entre pacientes com distrofia e pessoas que têm as alterações genéticas mas não desenvolvem a doença. Para a geneticista Mayana Zatz, coordenadora do estudo, o resultado mostra que nem tudo são células-tronco na busca por terapias – até agora as esperanças esta-vam depositadas nessas células capazes de dar origem a diversos tecidos.

Patricia estudou a distrofia fácio-es-cápulo-humeral (FSH), que afeta uma em cada 20 mil pessoas na população caucasoide do mundo todo e começa com uma fraqueza nos músculos fa-ciais que torna difícil fazer bico com os lábios e fechar os olhos. Em seguida a doença progride para os músculos dos ombros, do abdome, dos braços e da bacia. Em alguns casos o paciente pode acabar preso à cadeira de rodas e os sin-tomas podem ser acompanhados por depressão, dores musculares e sensação de cansaço. O que chama a atenção na doença são os quadros clínicos muito variáveis, incluindo até pacientes sem sintomas, apesar de terem o mesmo de-feito genético. Aí está o mistério: o que protege algumas pessoas dos efeitos no-civos das alterações genéticas? “Não tí-nhamos nada que pudesse explicar essa variabilidade”, conta Patricia.

Para entender de onde vêm essas di-ferenças na manifestação da distrofia, uma das linhas de pesquisa do Centro de Estudos do Genoma Humano – um dos 11 Centros de Pesquisa, Inovação e di-fusão (Cepids) apoiados pela FAPESP –,

Patricia coletou biópsias musculares de cinco famílias afetadas por distrofia FSH. Em cada família ela selecionou uma pes-soa sem a mutação que causa a doença, outra com a mutação mas sem sintomas, e uma terceira realmente afetada pela distrofia. Desse material ela extraiu o ácido ribonucleico, o RNA, que indica quais genes estão ativos no músculo amostrado. Por exigência da Sociedade para Pesquisa Fácio-escápulo-humeral dos Estados Unidos, que financiou parte do trabalho, Patricia analisou os níveis de expressão dos genes de todos os 15 pacientes no laboratório do geneticista Louis Kunkel no Children’s Hospital da Universidade Harvard, nos Estados Uni-dos. Nessa análise, o nível de atividade dos genes aparece em cores diferentes em um chip de RNA, como representado no alto da página.

Variabilidade oculta - “O nosso estu-do é o primeiro no mundo a comparar o perfil de expressão gênica entre por-tadores sintomáticos e assintomáticos de FSH”, afirma Patricia. Ela encontrou um grupo de 11 genes mais ativos nos portadores sem sintomas – genes que poderiam de alguma forma protegê- -los das manifestações da doença. Três deles chamaram a atenção: são qui-miocinas, proteínas que normalmente ajudam a recrutar células do sistema imunológico para focos de inflamação. Foi uma surpresa, até então nenhum trabalho tinha mostrado que essas quimiocinas fossem produzidas em maior abundância em qualquer tipo de distrofia muscular. Até agora o gru-po da USP ainda não sabe como essas moléculas estariam interferindo nos sintomas da doença. “Precisamos fazer mais estudos”, frisa e repete Patricia.

Além de sugerir genes candidatos a proteger os portadores da mutação que causa a doença, a geneticista encontrou

também alterações que dão pistas pa-ra entender como a FSH progride. Os pacientes afetados por essa distrofia que foram analisados parecem ter uma produção deficiente de moléculas de no-me quase impronunciável – âncoras de glicosilfosfatidilinositol – que se ligam a proteínas logo que são produzidas den-tro das células e as conduzem à mem-brana celular. “É possível que isso afete os mecanismos de sinalização entre as células”, explica Patricia. Os resultados também indicam uma possível alteração na conformação das histonas, proteínas essenciais no empacotamento do mate-rial genético dentro das células. O achado indica uma possível fonte de mudanças na expressão dos genes, já que a maneira como o DNA está enovelado tem efeito direto sobre quais partes estão expostas aos mecanismos de tradução dos genes em proteínas. Por fim o estudo mostrou também que uma maior quantidade de pequenas moléculas de RNA – os micro RNAs – parece impedir o funcionamen-to normal de genes que conduzem aos sintomas da distrofia.

Os resultados estão longe das res-postas definitivas. Eles servirão como base para novos estudos que buscarão entender como o corpo pode compen-sar esses defeitos genéticos e, quem sa-be, poderão até indicar possibilidades terapêuticas. Patricia e Mayana veem uma longa caminhada adiante, mas com rumos já mais promissores. n

> Artigo científico

ARASHIRO, P. et al. Transcriptional regulation differs in affected facioscapulohumeral muscu-lar distrophy patients compared to asympto-matic related carriers. PNAS. 2009

PESQUISA FAPESP 158 n Abril DE 2009 n 61

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62 n abril DE 2009 n PESQUISA FAPESP 158

Meteorologia

Um rio que flui pelo arVentos da Região Norte aumentam umidade no Sudeste e no Sul do país

Em alguns dias do ano um rio com as dimensões do Amazo-nas atravessa os céus do Brasil. Ele nasce sobre o Atlântico pró-ximo à linha do Equador, ganha corpo sobre a Floresta Amazô-nica e segue para oeste até os

Andes, onde o encontro com a impo-nente muralha rochosa o faz desviar para o sul. Dali esse imenso volume de água flutua sobre a Bolívia, o Paraguai e os estados brasileiros de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo. Às vezes, alcança Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul antes de retornar para o oceano. Apesar de sua extensão, ninguém o vê. É que esse rio não tem margens nem peixes. É um rio metafórico – mas não inexistente – for-mado por uma coluna de vapor d’água

com cerca de 3 quilômetros de altura, algumas centenas de quilômetros de largura e milhares de extensão.

Os especialistas em meteorologia e hidrologia sabiam desse rio voador – na realidade, correntes de ventos úmidos que recebem o nome técnico de jatos de baixos níveis – desde o início dos anos 1960, mas só agora começam a conhecer melhor a origem de sua água e a forma como ele interage com a super-fície do planeta ou como ajuda na for-mação de nuvens gigantes que sobem a 15 quilômetros acima do solo.

Os primeiros dados do projeto Rios Voadores, divulgados no dia 19 de mar-ço em São Paulo, confirmam as altera-ções de composição que essa corrente de ventos úmidos sofre em seu longo trajeto sobre o Brasil. A maior parte

do vapor d’água vem do oceano, trans-portada para o continente pelos ventos alíseos, que sopram de leste para oeste – uma pequena porção dessa umida-de se condensa em nuvens e cai como chuva sobre a Amazônia. Mas boa parte do vapor que forma esse rio invisível vem da própria floresta. É que, ao passar sobre a maior floresta tropical do pla-neta, ele incorpora a água que evapora diretamente do solo e também aquela retirada pelas plantas da terra e lançadas na forma de vapor na atmosfera. Uma parte da água da Amazônia chega ao sul do país e possivelmente vira chuva.

Identificar de onde vem a água desse rio voador, um dos muitos que cortam os céus brasileiros, exigiu uma parceria pouco comum no mundo científico. Uniu pesquisadores, com conhecimen-

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Ricardo Zorzetto

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to teórico sobre os fenômenos hidroló-gicos e atmosféricos, e um engenheiro- -explorador, habituado a vivê-los em seus voos ao redor do mundo. Com patrocínio da Petrobras, Gérard Moss, o engenheiro, realizou de 2007 ao iní-cio deste ano 12 voos sobre diferentes regiões do país planejados em colabo-ração com equipes da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto Nacio-nal de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Fundação Brasileira para o Desenvol-vimento Sustentável (FBDS).

A cada viagem, Moss, suíço natura-lizado brasileiro, e seu companheiro de voos, Tiago Iatesta, coletavam a bordo de um avião monomotor amostras de

vapor d’água que se condensavam em um tubo resfriado por gelo-seco. Em um desses voos, sob condições atmos-féricas extremamente favoráveis, Moss acompanhou o rio voador da Amazônia até São Paulo e calculou que, em deter-minado trecho, a quantidade de água que fluía nessa corrente era de 3.200 metros cúbicos por segundo, mais do que a vazão do rio São Francisco. Toda a água carregada por essa corrente de ar em 24 horas equivaleria a 115 dias de consumo de São Paulo, uma metrópole com 11 milhões de habitantes.

Assinatura química - Em pouco me-nos de dois anos Moss e Iatesta colecio-naram cerca de 500 amostras de água obtidas de 500 metros a 2 mil metros de altitude que estão sendo examinadas no Laboratório de Ecologia Isotópica da USP em Piracicaba pela equipe de Reynaldo Victoria. A análise de uma espécie de assinatura química (a pro-porção de átomos de hidrogênio e oxi-gênio radiativos) das amostras de água e a comparação dessa assinatura com a de amostras de água da chuva e de rios de todo o país permitirão aos pes-quisadores conhecer como se altera a composição dessa massa de ar à medida que ela avança pelo continente. Tam-bém devem tornar clara a colaboração da umidade que evapora da Amazônia para as chuvas do Sul e do Sudeste.

“Esses dados preenchem uma lacu-na importante no conhecimento dessas correntes úmidas e permitem verificar a validade dos modelos climáticos desen-volvidos para o país”, afirma Pedro Leite da Silva Dias, pesquisador do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências At-mosféricas (IAG) da USP e diretor do LNCC, integrante do projeto.

Anos atrás grupos do IAG e do Inpe haviam participado de um estudo feito em colaboração com Bolívia, Paraguai e Argentina que mediu por meio de equipamentos lançados em balões a temperatura, a umidade, a pressão e a velocidade dessas correntes de ar úmi-do apelidadas de rios voadores pelo cli-matologista José Marengo, do Inpe (ver Pesquisa FAPESP nº 114). “Na época

um avião coletou amostras de vapor de água apenas nos outros países porque não conseguimos autorização para voar no Brasil”, conta Dias.

Serão necessários anos para analisar os dados coletados mais recentes. Mas uma avaliação preliminar indica não ser nada desprezível a contribuição da Amazônia para a umidade que chega ao Sudeste e ao Sul do país. No Inpe, Demerval Moreira e Wagner Soares usa-ram modelos matemáticos de previsão do tempo para fazer uma estimativa de quanta água da Amazônia essas cor-rentes de ar levam para outras regiões. Concluíram que nos dias que esse rio voador passa sobre a Amazônia – isso acontece apenas em cerca de 35 dias por ano – mais umidade chega ao Centro-oeste, ao Sudeste e ao Sul, aumentando a probabilidade de chuvas.

“Quando esses ventos passam sobre a Amazônia elevam em média em 20% a 30% a umidade do ar em Ribeirão Preto, por exemplo, aumentando o potencial de chuvas”, conta Dias. Em algumas ocasiões, esse acréscimo pode chegar a 60%. “Agora estamos tentando calcular quanto dessa umidade vinda da Amazônia de fato precipita na forma de chuva”, explica.

Moss se preocupa com o ritmo do desmatamento que observa de seu avião – e que pode modificar o clima da Ama-zônia, com efeitos capazes de atingir o restante do país. “A floresta funciona como um tampão: as plantas e o solo retêm água da chuva, que depois pene-tra no solo e fica armazenada antes de evaporar”, explica Dias. Sem a floresta, os ventos úmidos vindos do oceano que penetram no continente podem chegar mais rapidamente, em dois ou três dias, ao sul do país, aumentando o risco de tempestades. “A retirada da floresta di-minuiria em 15% a 30% as chuvas na Amazônia, segundo vários modelos cli-máticos, e aumentaria as chuvas no Sul e na bacia do Prata”, conta Dias.

“As informações disponíveis hoje no Brasil”, afirma Eneas Salati, criador do Laboratório de Ecologia de Isóto-pos na USP em Piracicaba e um dos idealizadores desse projeto, “são mais do que suficientes para que se adote uma política de parar o desmatamento e iniciar o reflorestamento”. n

reciclagem: na amazônia evaporação devolve à atmosfera parte da água das chuvas

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Bioenergia

O projeto da superplanta

Maria Guimarães

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A cana-de-açúcar do futuro deverá produzir o dobro, ar-mazenar mais açúcar numa estrutura mais facilmente de-gradável, resistir a doenças e herbicidas, precisar de menos água para crescer e ser adap-

tada a um clima mais quente e a um ar com mais gás carbônico (CO2). Possi-velmente, também servirá como uma fábrica de substâncias que não produz normalmente. Pelo menos no que de-pender dos pesquisadores que se reuni-ram em março na sede da FAPESP, em São Paulo, durante o workshop Bioen on Sugarcane Improvement (apresen-tações disponíveis em www.fapesp.br/bioen). “O futuro parece empolgante e as perspectivas luminosas”, disse oti-mista o norte-americano Paul Moore, radicado há 42 anos no Havaí e um dos ícones da ciência da cana-de-açúcar. A realidade, porém, indica que há um longo caminho a percorrer antes de chegar à cana-de-açúcar ideal.

Os prognósticos desse pesquisa-dor do Centro de Pesquisa Agrícola do Havaí, caso se concretizem, têm consequên cias de peso. Para os espe-cialistas, uma cana mais eficiente é uma contribuição importante para a luta contra o aquecimento global, o des-matamento e a poluição atmosférica. Também poderá fazer frente à crise energética causada por limitações ao uso de derivados de petróleo e pelo aumento da população no planeta.

Moore contou que hoje vários fa-tores limitam a produtividade da ca-na-de-açúcar: características do solo, doenças, insetos e clima. Se todas as condições estiverem perfeitas, o que estabelece um limite para a produtivi-dade da planta é sua própria fisiologia: a cana só consegue armazenar cerca de 6% da energia solar que incide sobre ela. Mesmo assim, a produtividade em condições experimentais não passa de

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metade desse potencial teórico, o que indica que seria possível aumentar a capacidade de produção melhorando as condições de cultivo. Para ele, o ideal é ir além: pensar simultaneamente nos parâmetros ambientais e nos limites intrínsecos da planta, entender como ela funciona desde os genes até as relações com o ambiente externo e, quem sabe, aumentar inclusive a produtividade máxima. Uma tarefa gigantesca, mas ele se diz otimista porque acompanhou os avanços científicos das últimas décadas. “Quando comecei minha carreira no Havaí, há 42 anos, não se sabia nada sobre os genes da cana. Não se sabia nem como estudar um genoma tão complexo. Demos muitos passos desde então”, afirmou.

Rosanne Casu, da Organização Australiana de Pesquisa Científica e Industrial (Csiro), e Derek Watt, do Instituto de Pesquisa para o Açúcar da África do Sul (Sasri), concordam. Eles participaram de alguns dos primeiros esforços para des-vendar o DNA da cana, cujos resultados foram incluídos num banco internacional de dados genéticos (GenBank) entre 1996 e 1998 pela África do Sul, e pela Austrália e pelo Brasil (com o projeto Sucest, financiado pela FAPESP) em 2003.

Passados alguns anos dos projetos de sequenciamento dos genes expressos da cana-de-açúcar, ainda está longe de ser possível dizer que se conhece a genética dessa planta. “Ainda estamos encontrando genes e tentando descobrir a função de cada um deles”, conta Rosanne. Os pesquisadores usam genomas mais conhecidos de plantas aparentadas, como o do arroz e do sorgo, como base. Mas a cana tem um genoma bem mais complicado, com cerca de dez cópias de cada gene em vez das duas habituais na maior parte dos organismos

Especialistas

discutem caminhos

para o melhoramento

da cana-de-açúcar

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‘multicelulares. “E alguns genes da cana não têm similares em outras plantas”, completa.

Descrever o genoma não é um ob-jetivo em si. A pesquisadora australiana usa essa informação para entender por que a planta jovem de cana-de-açúcar armazena pouco açúcar. Rosanne des-cobriu que genes relacionados ao trans-porte de açúcar para dentro das células são mais ativos nas partes maduras do talo do que na parte jovem, o que ex-plica o maior teor de açúcar na base da planta. Entender em detalhes esse aspecto do metabolismo pode algum dia permitir manipular esses genes para induzir a planta a armazenar açúcar em uma porção mais ampla do talo.

Mas armazenar mais açúcar na planta inteira pode ser inviável. Derek Watt tenta desvendar a relação entre a fotossíntese, com que as folhas trans-formam energia solar em biomassa ve-getal, e o acúmulo de açúcar: por que a cana armazena menos nas partes jo-vens da planta? Em um experimento, seu grupo impediu que o açúcar pro-duzido nas folhas fosse transportado

para outras regiões da planta, criando ali uma concentração artificial de açú-car. O resultado foi uma inibição dos genes responsáveis pela fotossíntese – que Watt, em colaboração com vários colegas, agora busca mapear com mais detalhe. Por enquanto, o geneticista sul- -africano não pensa em como aplicar esse conhecimento: para ele, trata-se de pesquisa básica do mais alto nível e interessante por si só.

Entender esse equilíbrio fisiológico entre açúcar e fotossíntese é impres-cindível antes que se possa pensar em manipulações. Dada a complexidade genética, bioquímica e fisiológica da maior parte das características da plan-ta, Rosanne e Watt concordam que o primeiro avanço no melhoramento da cana-de-açúcar será na resistência – a doenças, aposta ela, ou a herbicidas, de acordo com ele. Uma dificuldade em desenvolver novas variedades está no tempo que o processo demora. Se-gundo Glaucia Souza, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Programa Bioen da FAPESP, as ferramentas gené-

ticas podem reduzir o prazo de seleção de novas características nas plantas, que agora demora por volta de 12 anos.

Mesmo assim, não será simples. Os programas de melhoramento inserem alterações genéticas em plantas de cana, mas não há como conduzir essas altera-ções para genes específicos. Em seguida é preciso cultivar as plantas e esperar que se desenvolvam e as características se tornem aparentes. Conhecer os ge-nes responsáveis pelas transformações desejadas na cana – como resistência a doenças ou à seca – pode permitir a seleção de plantas antes mesmo que cresçam. Glaucia está justamente des-crevendo as diferenças na atividade genética – o chamado transcriptoma, mapa dos genes ativos – entre plantas que crescem em canaviais irrigados e outras submetidas à falta de água, ou estresse hídrico. Segundo ela, produzir plantas resistentes à seca é essencial no Brasil, onde 65% das terras disponíveis para plantar cana são pastagens onde há uma estação seca prolongada. Quan-do a intenção é produzir energia, não basta se limitar a entender a reação da planta à falta de água. Glaucia pretende integrar a rede de genes ligados ao uso da água e ao acúmulo de açúcar, um es-tudo de grandes dimensões que exigirá muito tempo (e dinheiro) até produzir resultados. Terá ajuda do Consórcio In-ternacional para o Sequenciamento do Genoma da Cana, de que participam Brasil, Austrália, Estados Unidos, África do Sul e França.

Transgênica - Boa parte da mani-pulação genética do Programa Bioen acontece no laboratório da engenheira agrônoma Helaine Carrer, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Quei-roz (Esalq) da USP. Para obter cana transgênica, sua equipe bombardeia as células da cana-de-açúcar com mi-núsculas esferas de ouro revestidas de fragmentos de DNA ou as infecta com bactérias capazes de inserir genes de interesse na cana. Uma das alterações

Jovens brilhantes vão conseguir proporcionar um diálogo entre

geneticistas e fisiologistas, e fazer

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’em que vem trabalhando é inserir um gene que interfere na morte celular pro-gramada, a apoptose, em situação de estresse. Já conseguiu produzir plantas com raízes fortes e mais tolerantes a condições de estresse; agora está ana-lisando se as plantas continuam vigo-rosas mesmo quando há pouca água. Falta tornar o processo mais eficiente para ver se funciona nos canaviais. He-laine vai além em seus planos de con-trolar os genes da cana. A planta cresce depressa, é eficiente em fixar carbono atmosférico, produz grandes quanti-dades de biomassa e tem um sistema desenvolvido para armazenar substân-cias. Tudo isso a torna uma promissora biofábrica, que pode produzir plásticos biodegradáveis ou outras substâncias. “Mas ainda não conseguimos fazer com que produza uma quantidade satisfató-ria desses compostos”, conta.

Por mais que pesquisadores domi-nem técnicas de alterar o material ge-nético, até agora a cana os tem vencido nessa batalha: de alguma maneira, no campo a planta consegue inibir a ativi-dade dos genes inseridos. Os genes po-dem estar inseridos no genoma da cana, mas é como se estivessem amarrados e amordaçados. Por isso o engenhei-ro agrônomo João Carlos Bespalhok, da Universidade Federal do Paraná, acredita que em menos de cinco anos não se chegará a uma cana transgênica comercial. Ele faz parte da Rede Inte-runiversitária para o Desenvolvimento Sucroalcooleiro, a Ridesa, que reúne 11 universidades federais no país todo e tem metade da área dos canaviais brasi-leiros à sua disposição para estudos.

“Já foram produzidos milhares de linhagens transgênicas, mas nenhuma se tornou comercial”, contou o austra-liano Robert Birch, da Universidade de Queensland. Ele tem estudado os artifícios da cana para silenciar genes estranhos, e diz ter chegado a regras de desenho de genes que superam essa dificuldade. Mas, por questões de pa-tentes, não contou quais são as regras.

“Não acredito que eu seja o único a ter obtido esse tipo de sucesso; provavel-mente outros pesquisadores também conseguiram mas ainda não podem contar”, disse. De toda maneira, ele es-pera em breve publicar o seu método, que poderá ser usado em qualquer la-boratório de biotecnologia. As técnicas de Birch, uma sumidade mundial no que diz respeito à engenharia genética em cana-de-açúcar, já lhe permitem sugerir uma maneira interessante de aumentar a quantidade de açúcar ar-mazenado pela planta: introduzir um gene que transforma a sacarose, açúcar natural da cana, em um tipo de açúcar que a planta não reconhece – e assim continua a produzir e armazenar além do limite normal.

Adaptada - Não se trata só de inven-tar uma cana-de-açúcar diferente da natural. O canadense Rowan Sage, da Universidade de Toronto, mostrou que é preciso entender os processos bio-químicos que limitam a fotossíntese no ambiente de interesse. Em cada lu-gar a planta se comporta de maneira diferente, e além disso o clima está se alterando depressa demais para que a seleção natural possa agir. Ele desco-briu que a enzima rubisco, essencial na fotossíntese, é produzida em excesso quando as temperaturas são mais al-tas e as concentrações de gás carbôni-co maiores – condições que estão se tornando mais comuns em diferentes partes do mundo em consequência das mudanças climáticas globais. Por isso, nessas condições, ele sugere usar engenharia genética para limitar a produção de rubisco, economizando nitrogênio que poderia ser direcio-nado para outras funções da planta, como aumentar a produtividade de biomassa. “E aumentar a produção de cana sem alterar a área plantada é um grande serviço prestado à preservação do ambiente”, completa Sage.

O aumento de fotossíntese diante dos crescentes teores de gás carbônico

na atmosfera é um dos assuntos favo-ritos do biólogo Marcos Buckeridge, professor da USP e um dos coorde-nadores do Bioen, que verificou que a fotossíntese da cana é mais eficiente em altas concentrações de CO2 (ver Pesquisa FAPESP nº 157). Desta vez ele falou sobre outro aspecto da fi-siologia da cana: os efeitos do hormô-nio giberelina nas células da planta. Buckeridge mostrou que a giberelina estimula a multiplicação e depois o alongamento das células da cana, que ganham com isso mais espaço para armazenar a sacarose.

O britânico Graham Bonnet, da Csiro, mostrou que conforme as con-dições ambientais a planta adota es-tratégias diferentes na distribuição do carbono que absorve. Ao limitar a irrigação de plantas numa estufa, ele criou uma cana 41% menor, mas que consegue manter boa parte da fotos-síntese (81%). Nessas plantas, ele ob-servou que a massa de folhas era 37% menor e a sacarose armazenada 27% maior do que nas plantas de tamanho normal. Ele descobriu também que a cana pode ter um potencial genético para armazenar mais sacarose, e isso pode ser detectado nas folhas quando a planta é ainda bem pequena.

Os dois dias de apresentações cien-tíficas se encerraram com o australia-no Robert Henry, da Southern Cross University, e Augusto Garcia, da Esalq. O primeiro mostrou como obter um imenso volume de dados genéticos e o segundo apresentou um software que desenvolveu para produzir mapas ge-néticos. Ficou evidente a magnitude da empreitada a que o grupo se propõe ao explorar a genética e a fisiologia da cana-de-açúcar, além das relações entre planta e ambiente. Paul Moore mesmo assim se mostrou otimista: “Há muitos jovens brilhantes que vão conseguir proporcionar um diálogo entre geneticistas e fisiologistas e fa-zer com que esse campo de pesquisa avance depressa”. n

com que esse campo de pesquisa avance bastante depressa

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Nas próximas décadas, as dunas que acompanham as praias ao longo dos quase 500 quilômetros (km) do litoral gaúcho devem diminuir muito em extensão. Podem até mes-mo desaparecer, recobertas por uma camada de solo e plantas que não

deixem areia nua à mostra. A previsão é da geóloga Caroline Martinho, da Universidade de Brasília (UnB), que há cinco anos estu-da mudanças geológicas que ocorreram na planície costeira do Rio Grande do Sul nos últimos 4 mil anos. Ela detectou ciclos de aproximadamente mil anos em que as dunas se espraiam continente adentro nos períodos mais secos e praticamente somem quando as chuvas são mais frequentes. Nessas épocas mais úmidas – como a atual – as touceiras de capim, petúnias cor de maravilha, flores amarelas da família das margaridas e outras plantas rasteiras típicas dali estendem seus ra-mos e acabam por revestir a areia. De acordo com a pesquisadora, o nível do mar, que não oscilou mais do que 2 metros nos últimos 6.500 anos, não teve o papel mais importante nesse processo.

Durante o doutorado, que terminou em 2008 pela Universidade Federal do Rio Gran-de do Sul (UFRGS), Caroline analisou nove campos de dunas ao longo dos 250 km que vão de Torres, na fronteira com Santa Cata-rina, a Mostardas, junto à lagoa dos Patos, no centro do litoral gaúcho. Nos pontos de coleta – com os nomes ora poéticos, ora gran-diosos que caracterizam as praias da região: Rondinha, Capão Novo, Atlântida Sul, Jardim do Éden, Magistério, Dunas Altas, Solidão, São Simão e Mostardas –, a geóloga fez furos de até 5 metros de profundidade e coletou solo que em outras épocas esteve na superfície e depois foi recoberto por areia. “O solo só se forma quando há vegetação”, explica. Por isso sua presença é indicadora de todo um cenário ecológico. Ela em seguida estimou a idade dessas amostras usando carbono 14 e

GeoloGia

Tapete sobre a areia

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Com o clima úmido, vegetação cobre as dunas gaúchas

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identificou três períodos principais nos últimos 5 mil anos em que as dunas se transformaram em campos revestidos de plantas: entre 4.820 e 3.970, entre 2.760 e 2.460 e entre 1.570 e 710 anos atrás – momentos que outros estudos já sugeriram terem sido mais úmidos, segundo expõe em artigo na revista Marine Geology. O trabalho reconstrói processos ecológicos que acon-tecem ao longo de milhares de anos, mas cuja história fica oculta metros abaixo da superfície e só pode ser recuperada por um enfoque geológico.

Em outra parte, ainda não publicada, de sua te-se, Caroline analisou as alterações mais recentes nos campos de dunas, nos últimos 50 anos. Ela comparou fotografias aéreas representativas de diversos momentos nesse período e as cotejou com informações sobre as chuvas e ventos, confirmando o que havia inferido para tempos mais antigos. “Quando chove mais, os campos de dunas vão ficando menos extensos e a tendência é sumirem”, descreve. É o que está acontecendo, já que entre 1948 e 2003 a precipitação média aumentou em 20 milímetros. Os ventos são também importantes porque transportam a areia da praia para a zona mais interna. Quando são fracos, deixam de alimentar as dunas, que dessa maneira não resistem à invasão das plantas. E entre 1964 e 1988 a força do vento diminuiu continuamente, o que Caroline acredita ter sido crucial para a configuração atual das dunas.

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(Ctenomys flamarioni), que só existem nas dunas gaúchas e são considerados ameaçados de extinção no Livro verme-lho publicado em 2008 pelo Ministério do Meio Ambiente. Para eles, a tendên-cia de desaparecimento desses campos arenosos é má notícia. São roedores cor de areia que passam a vida em túneis que escavam nas dunas. “Muita vegeta-ção ou nenhuma exclui a ocorrência da espécie”, diz a bióloga Gabriela Fernán-dez, da UFRGS. Os estudos que desen-volveu durante seu doutorado, defendi-do em 2007, mostram uma diversidade genética baixa nos 500 quilômetros de planície costeira onde eles vivem, em comparação com outras espécies de tu-co-tucos. “Isso pode ser explicado pela alta instabilidade da região costeira, que se deve tanto a processos climáticos e humanos atuais quanto a processos em escala geológica”, conclui.

Nas últimas décadas, a intervenção humana vem a reboque das mudanças naturais – e as intensificam. “As dunas

estabilizadas estimulam a urbanização”, relata Caroline, que viu loteamentos se espraiarem junto com a vegetação. As ca-sas de veraneio funcionam como barreiras para a areia carregada pelo vento e fixam o solo de maneira ainda mais permanente do que as raízes dos capins, reforçando o sumiço das dunas. Se tudo permane-cer como está, mesmo que as oscilações climáticas continuem como foram e em alguns séculos o clima volte a ser mais se-co naquela região, a geóloga acredita que as dunas não voltarão a se estender nos longos campos onde os tuco-tucos ainda espiam de suas tocas. n

Maria Guimarães

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A costa gaúcha não é uniforme e as dunas estão desaparecendo mais de-pressa na parte norte, o trecho entre Torres e Atlântida Sul. Ali a serra Ge-ral se debruça sobre o mar, bloqueia os ventos e concentra chuvas na faixa de dunas que não chega a 2 quilômetros de largura. O clima mais úmido é prato cheio para a vegetação repleta de carra-pichos (rosetas, no dizer gaúcho), que espetam os pés de quem tenta chegar à praia. “Mesmo assim ali existiam dunas bem desenvolvidas, como mostram as fotos aéreas de 1948”, conta Caroline. Hoje, diz ela, nessa região só há dunas vegetadas, em processo de fixação. Já na parte sul da área as dunas chegam a adentrar 6 quilômetros no continente. Nessa região ainda há montes de areia nua, separados por reentrâncias mais úmidas que podem abrigar alguma ve-getação e até pequenos banhados.

As oscilações na extensão das dunas também estão registradas no patrimô-nio genético dos tuco-tucos-das-dunas

Plantas e tuco-tucos (esquerda) fazem parte da paisagem costeira sulina

> Artigo científico

MARTINHO, C.T. et al. Mid to late Holocene evolution of transgressive dunefields from Rio Grande do Sul coast, Southern Brazil. Marine Geology. v. 256, n. 1/4, p. 49-64. dez. 2008.

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Química e física

Eletricidade

Doze anos atrás o químico Fernando Galem-beck encontrou cargas elétricas espalhadas na superfície e no interior de partículas e filmes de látex naturais e sintéticos. As car-gas não deveriam estar lá, mas estavam, contrariando a suposta verdade de que materiais plásticos como aqueles, usados

em móveis e computadores, seriam eletricamente neutros. Reunindo resultados similares, Galembeck e sua equipe no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveram um conjunto de conhecimentos com hipóteses, descobertas e demonstrações – um modelo cientí-fico – sobre a assiduidade e as interações das cargas elétricas positivas ou negativas que habitam corpos supostamente neutros.

Os conceitos que emergem na Unicamp e em universidades nos Estados Unidos ampliam as pos-sibilidades de estudo da interação de materiais entre si e com o ambiente – já que o ar e a simples umidade do ar também podem carregar cargas elétricas – ex-plicando a formação de relâmpagos, por exemplo. Também inspiram a construção de novos equipamen-tos. Em 2007, descobertas do físico norte-americano Lawrence Schein, ex-pesquisador da Xerox e da IBM, sobre partículas com cargas elétricas motivaram a criação de uma empresa em Taiwan para desenvolver uma tecnologia de impressão colorida a laser – as impressoras coloridas hoje são até três vezes mais caras que as preto-e-branco.

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No ar, na água, por toda parte

Além das impressoras a laser, a eletricidade es-tática – ou eletrostática – está por trás do funciona-mento de máquinas copiadoras e um tipo de pintura que protege geladeiras e fogões contra os efeitos de variações constantes de temperatura. As descargas eletrostáticas podem destruir chips de computado-res, atrapalhar transmissões de televisão ou causar incêndios e explosões de fábricas, balões dirigíveis ou foguetes como o veículo lançador de satélite brasileiro em 2003. Ou causar sustos como o choque que po-demos tomar ao encostar em uma maçaneta em um dia seco. Ao induzir a passagem da eletricidade de um raio por um fio de um papagaio de papel, Benjamin Franklin não só entrou para a história como inventor (mais tarde entraria também como presidente da Pensilvânia e um dos founding fathers dos Estados Unidos), mas também apresentou ao mundo uma forma de energia que agora se amplia muito mais.

Dois séculos depois, por caminhos paralelos, al-guns cientistas como Galembeck e o químico George Whitesides, que coordena um grupo de pesquisa na Universidade Harvard, Estados Unidos, estão chegan-do à mesma conclusão: não existe nada eletricamente neutro. Em 2007 Whitesides era um dos autores de um artigo publicado na Journal of American Chemical Society que convidava a rever o princípio da eletro-neutralidade, ensinado nos colégios e faculdades aos estudantes de química, física e engenharias. Em 2008, em outro estudo, Whitesides assinava também a se-guinte declaração: “Qualquer material que tem íons m

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de polietileno ou com polipropileno: esses materiais podem causar coágu-los e bloquear a passagem do sangue. “Talvez esses polímeros, normalmente negativos, atraiam partículas de carga positiva que circulam no sangue”, pro-põe Galembeck. “Se for essa a causa e se conseguirmos controlar a carga elétrica, talvez possam surgir materiais novos e melhores, para muitas finalidades.”

Doze anos de análises de compos-tos orgânicos como polímeros (látex) e celulose ou inorgânicos como os mi-nerais indicaram que a distribuição es-pacial de cargas fixas sempre é muito irregular. “As cargas elétricas salpicam a superfície dos materiais, formando manchas como as de uma onça-pinta-da”, compara Galembeck. “Antes pen-sávamos que todos os materiais fossem uniformes como a pele da onça-parda.” Sob o microscópio, a superfície desses materiais parece as paisagens amare-ladas da superfície de Marte enviadas pela sonda Phoenix em 2008, com re-giões mais claras, que correspondem às cargas positivas, entremeadas de ou-tras mais escuras, de cargas negativas. O óxido de titânio depositado sobre mica é uma exceção entre formas tão irregulares: é quase todo escuro, com raras manchas claras.

Um plástico chamado poliestireno metacrilato de hidroxietila (PS-Hema) é outra exceção, dessa vez por causa de uma estrutura das partículas em forma de colmeia. Examinando esse material, André Herzog, André Galembeck, Car-los Costa e Camila Rezende, químicos da equipe de Galembeck, viram col-meias dentro dessas colmeias com va-

riações de carga elétrica até mesmo em uma área de 1 mícron por 1 mícron (1 milésimo de milímetro). “O fato de uma área ser negativa não significa que toda a amostra seja negativa”, diz Cami-la. O microscópio revela detalhes dos chamados mapas elétricos, enquanto um macroscópio, instalado em uma caixa de alumínio com um sensor em forma de uma caneta – tudo criação dos próprios pesquisadores – fornece a identidade elétrica dos materiais. Em potencial de equilíbrio, depois que as cargas elétricas se acomodam, o po-lipropileno exibe 7 volts negativos, o poliestireno 5 volts negativos.

Excessos - Os estudos feitos até agora na Unicamp indicam que no látex sin-tético as cargas negativas resultam do excesso de íons cloreto (Cl-) ou sulfato (-SO4

-, nesse caso com apenas uma car-ga negativa, em vez de duas, porque está ligado a uma molécula à qual se li-gam outras formando a longa cadeia que caracteriza um látex) e fosfato (PO4

-, com uma só carga negativa pela mesma razão que o sulfato), enquanto as posi-tivas expressam o excesso de íons potás-sio (K+) ou sódio (Na+). Segundo Ga-lembeck, os íons positivos são restos das substâncias iniciadoras da formação do látex, que permaneceram sozinhos, sem se fixarem nas partículas de látex. Já a borracha natural, de acordo com a tese de doutorado da química Márcia Maria Rippel, concluída em 2005, pode apre-sentar regiões com um excesso de cargas positivas, resultante da abundância local de cálcio, sódio e potássio (Ca2+, Na+ e K+), ou negativas, com proteínas e fos-

[partículas com cargas elétricas predo-minantemente positivas ou negativas] na superfície ou no interior pode se tor-nar um eletreto iônico” [eletretos são materiais com um campo elétrico per-manente na superfície, que funcionam para a eletrostática como os ímãs para o eletromagnetismo]. “Quando esse mate-rial entra em contato com outro, os íons podem sair de um para outro.”

Novas ideias - “Somos elétricos, tu-do é elétrico”, sintetiza Galembeck. No laboratório, para demonstrar como as cargas elétricas circulam de modo imperceptível, ele encosta o dedo em uma placa de silicone com uma carga elétrica que gera um potencial, medido por um voltímetro, de 267 volts. “Não morri eletrocutado porque as cargas estão paradas”, comemora. “Mas teria sido eletrocutado se encostasse nesse eletrodo aqui, que mede a eletricidade da placa gerando um potencial elétri-co da mesma intensidade.” As cargas elétricas estão paradas, explicando por que não levamos choques a todo mo-mento ao tocar coisas antes vistas como neutras, mas nem sempre tão paradas: podem mergulhar para o interior dos materiais ou atrair cargas opostas, co-mo ele e sua equipe demonstraram exa-minando quase 50 materiais diferentes sob um microscópio de força atômica modificado, que identifica a variação da carga elétrica ao longo da superfície.

Aos poucos os resultados levaram a novas ideias e a hipóteses para fenô-menos pouco explicados. Quem sofreu infarto, por exemplo, não pode usar nada no coração ou nas artérias feito

modelo sobre cargas elétricas desenvolvido na unicamp indica que não há materiais neutros

PESQUISA FAPESP 158 n abril DE 2009 n 71

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72 n abril DE 2009 n PESQUISA FAPESP 158

folipídeos (que são substâncias seme-lhantes à lecitina do leite e da soja).

A suposta neutralidade elétrica do ar e da água também se foi. De acordo com um estudo de revisão escrito por Camila, Rúbia Gouveia, Marcelo Silva e Galembeck, íons positivos e negativos podem se formar no ar, como resultado da emissão radioativa vinda de minerais como o radônio, do Sol ou do espaço e também do campo elétrico que existe entre a superfície da Terra (negativa) e a ionosfera (positiva). Seguindo este raciocínio, a água deixa de ser um aglo-merado de moléculas neutras de H2O e se torna uma mistura de H2O e de íons positivos hidrônio (H3O+) e negativos hidroxila (OH-). O líquido mais abun-dante do planeta ganha assim um papel de armazenador de eletricidade.

Uma consequência é que a água se torna, também, coesiva. “Com um

eletretos (captadores de cargas elétricas) com poliestireno na Journal of American Chemistry Society em fevereiro de 2007; agora, em fevereiro deste ano, as equipes da Unicamp e da universidade inglesa de Sheffield descrevem na Langmuir partículas formadas por sílica e polies-tireno fortemente coesos, formadas na presença de água.

Água elétrica - A água revelou outra propriedade: além de portadora de car-gas elétricas de outros materiais, pode ser uma fonte de cargas elétricas. Na Universidade de Washington em Seattle, Estados Unidos, Gerald Pollock e Kate Ovchinnikova examinaram a capacidade de a água ser momentaneamente elétrica em um artigo publicado em novembro de 2008 na Langmuir, uma das princi-pais revistas científicas internacionais em físico-química, com um título inter-rogativo: “Can water store charge?” (pode a água armazenar cargas elétricas?). Eles viram que a corrente elétrica na água persistia por dez minutos após os polos negativos e positivos da corrente elétrica – os eletrodos – serem desligados. Os pesquisadores concluíram que a água “parece ter” a capacidade de armaze-nar e distribuir carga elétrica. A cautela dos autores é que parece excessiva, já que eles dizem ter recolhido com um equipamento a maioria da carga elétrica separada na água.

Tomar a água como fonte de ele-tricidade ajuda a entender fenômenos atmosféricos como a formação de relâmpagos, que são disparados por cargas elétricas liberadas pelas pró-prias nuvens. “Se a gente conseguisse controlar essa eletricidade estática a ponto de evitar o relâmpago...”, imagi-na Galembeck. “Tudo o que consegui-mos hoje é tentar atrair os raios para os para-raios.” Nas próprias nuvens há um acúmulo e uma separação de cargas elétricas, mais fácil de entender vendo o líquido mais abundante no planeta como uma sopa rala de íons – os posi-tivos normalmente em altitudes mais elevadas que os negativos.

“Existe um campo elétrico na at-mosfera”, diz ele, em busca de expli-cações para a separação de cargas elé-tricas nas nuvens. “A ionosfera [uma das camadas mais altas da atmosfera] é predominantemente positiva e a Ter-ra, negativa.” Um dos experimentos de

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pouco de íons, a água pode grudar qualquer coisa em qualquer coisa”, diz Galembeck.

Leonardo Valadares, químico de sua equipe, coordenou um experimento que evidenciou algumas dessas possi-bilidades. Materiais que normalmente não se misturam – sílica, um polímero, um mineral rico em cálcio e dióxido de titânio – apresentaram-se misturados depois de serem dispersos em água, se-cos e examinados sob um microscópio eletrônico, de acordo um estudo pu-blicado em 2008 na Journal of Physical Chemistry. O grupo da Unicamp ana-lisa as possibilidades de interação dos íons positivos e negativos da água com outros materiais, enquanto o de White-sides concentra-se no OH-. Ambos ex-ploram as possibilidades de construção de dispositivos a partir desses conceitos: Whitesides mostrou como fazer novos

microscópio usado para analisar cargas elétricas em materiais

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PESQUISA FAPESP 158 n abril DE 2009 n 73

seu grupo demonstrou que a água da atmosfera tem um papel importante na eletrização dos materiais, por transferir íons: o simples fato de uma folha de pa-pel sair de uma umidade mais alta para uma de umidade mais baixa é o bastante para mudar o estado de eletrização. “Os corpos podem interagir com o espaço que os cercam, ganhando ou cedendo cargas elétricas”, observa Galembeck.

Emergem explicações também para o fato de pós normalmente inó-cuos como açúcar e farinha de trigo explodirem por causa de eletrização descontrolada – um dos maiores aci-dentes industriais nos Estados Unidos, em 2003, em uma fábrica de material cirúrgico, com 16 mortes, foi causado por pó de polietileno que acumulou nos dutos de ar-condicionado, eletrizou e explodiu. “Pós podem explodir mais facilmente do que outros materiais por-que têm maior área para interagir com os íons da água da atmosfera.” Não é o bastante, porém, porque as lacunas de conhecimento ainda são vastas. “Este plástico”, diz Galembeck indicando a placa de fórmica que reveste o armário ao lado do qual está agora sentado, “ab-sorve mais OH- ou H+ da umidade do ar? E o que vai acontecer, interagindo com um íon ou outro? Estou partindo do pressuposto de que não absorve na mesma proporção. Absorve água tam-bém, mas deve fazer uma partição, uma separação dos íons”.

un

ica

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Carlos Fioravanti

Mesmo perguntas básicas conti-nuam sem respostas satisfatórias: por que aparecem as cargas? Por que um corpo se eletriza? O que faz uma carga normalmente parada ter efeito? “Por-tadores de cargas não são só os elé-trons”, suspeita Camila. Para Galem-beck, a eletrostática gerou empresas e o milionário negócio das copiadoras e impressoras, mas o seu progresso tem dependido de novos conceitos e ideias. “Precisamos sair da situação atual, que é a pior possível: alguém não sa-ber e achar que sabe.” Em um artigo de 2007 na Science, com a autoridade de quem trabalhou em empresas inova-doras, Schein ampliou para além dos círculos acadêmicos o desejo de outras respostas: “Precisamos entender como as cargas surgem e como as forças ele-tromagnéticas se comportam.”

Nuvens - Depois de anos em silêncio em busca de explicações para os re-sultados fora da lei que colecionava, Galembeck pode agora celebrar uma estratégia de trabalho que deu cer-to: acompanhar temas científicos do momento, mas também apostar em caminhos pouco trilhados. “Não tive estímulo, nem verba específica para os estudos sobre eletrostática, mas ti-ve autonomia”, ele conta. “Aproveitei informação e sobras de equipamentos de outros projetos.” Com resultados experimentais, artigos e ideias novas à

mão, agora ele se sente à vontade pa-ra explicar situações que o intrigavam há muito tempo. “Por que a forma das nuvens de água e as das queimadas é tão diferente? Talvez por causa da se-paração dos íons.”

Ele não hesita em sair das nuvens para um experimento que o professor de física Walter Lewin costuma exibir aos estudantes do Instituto de Tecno-logia de Massachusetts (MIT) (a expe-riência pode ser vista pelo YouTube). De duas torneiras caem gotas de água que passam por um cilindro metálico e caem em latas separadas. De cada la-ta sai um fio rígido que termina com uma esfera. As esferas das pontas dos fios quase se tocam. Depois de alguns segundos que a água começa a gotejar, as esferas disparam uma faísca elétri-ca. Como explicar? “Segundo a aula do professor Lewin, que está na internet, a água que se acumula lá embaixo é uma água eletrizada, capaz de provocar uma descarga elétrica no ar. Esse fenômeno, tão simples e conhecido desde os tem-pos de Kelvin, poderia ser uma fonte de energia elétrica, mas não é, porque não é bem compreendido. Como surge essa eletricidade?” Galembeck propõe uma nova explicação: “A água, ao gotejar, evapora parcialmente, retendo mais íons positivos ou negativos”. Alguém mais arrisca uma explicação? n

estrutura de um tipo de poliestireno exibe colmeias dentro de colmeias

Page 74: Capitalismo selvagem

o Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org

Notícias

• Economia

Contas do setor público

O objetivo da pesquisa resumida a seguir é permitir um conhecimento acurado das contas do setor público brasileiro. O artigo "18 anos de política fiscal no Brasil: 1991/2008'; de Fabio Giambiagi, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, apresenta a trajetória da política fiscal brasileira desde quando existem indicadores "acima da li­nha': desenvolvidos para acompanhar receitas e despesas em 1991. Em quase 20 anos, o gasto primário do governo central passou de menos de 14% do Produto Interno Bruto em 1991 para uma estimativa de mais de 22% do PIB em 2008. Nesse mesmo período, a receita do governo central pulou de menos de 15% do PIB para 25% do PIB e a carga tributária de 24% para aproximadamente 36% do PIB. Apesar disso, o investimento público tem sido inferior ao que era nos anos 1980. O artigo apresenta uma gama de indicadores fiscais, com o fim de documentar um período de transformações importantes; esmiúça a evolução detalhada das variáveis; sintetiza as grandes tendências do período; e apresenta um diagnóstico das mudanças ocorridas e dos problemas que devem ser enfrentados nos próximos anos. O autor conclui que os gastos públicos que mais aumentaram no período 1991/2008 foram aqueles considerados como "gastos sociais': e que tanto a tese acerca da irrelevância de novas reformas como a de que poderemos assistir no futuro próximo a uma grande crise fiscal podem se revelar equivocadas, se a econo­mia tiver um crescimento da ordem de 4% a 5% a.a.

EcoNOMIA APLICADA- v. 12- N° 4- RIBEIRÃO PRETO­

OUT./DEZ. 2008

• Engenharia ambiental

A eficácia da avaliação de risco

A verificação da viabilidade ambiental de empreendi­mentos e atividades previamente à sua implantação é a finalidade do licenciamento ambiental como instrumen­to de política e gestão do meio ambiente. Tal pressuposto deve ser aplicado a todos os tipos de empreendimentos potencialmente impactantes, notadamente àqueles que oferecem risco à população. O trabalho "A viabilidade ambiental no licenciamento de empreendimentos pe­rigosos no estado de São Pa ulo", de Marcelo Montafío e Marcelo Pereira de So uza, da Esco la de Engenharia

74 • ABRIL DE 2009 • PESQUISA FAPESP 158

de São Carlos da Universidade de São Paulo, apresenta uma discussão dos principais aspectos relacionados à viabilidade ambiental de empreendimentos perigosos. A partir da descrição de dois processos distintos de li­cenciamento ambiental para sistemas de distribuição de gás natural, questiona-se a eficácia do instrumento e da avaliação de risco ambiental na análise de viabilidade ambiental desse tipo de empreendimento.

ENGENHARIA 5ANIT ÁRIA E AMBIENTAL- V. 13-N° 4- RIO DE

JANEIRO- OUT./DEZ. 2008

• Política internacional

Etanol e biocombustíveis

O trabalho "Etanol e biodiesel como recursos energé­ticos alternativos: perspectivas da América Latina e da Ásia", de Gilmar Masiero e Heloisa Lopes, da Universida­

de de Brasília, apre­senta as perspectivas latino-americanas e asiáticas na emer­gente indústria dos biocombustíveis. As possibilidades brasileiras de par­ticipação na indús-tria e no comércio

internacional de etanol e de biodiesel são discutidas. Uma questão sobre os possíveis parceiros "estratégicos" do Brasil nesse setor é levantada: os enormes mercados consumidores de países desenvolvidos ou os emergentes e também famintos consumidores asiáticos de energia?

REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICA INTERNACIONAL -

V. 51- N° 2- BRASÍLIA- )UL./DEZ. 2008

• Psiquiatria

Depressão pós-parto

A depressão pós-parto é o transtorno afetivo mais pre­valente no puerpério. O seu quadro clínico apresenta algumas peculiaridades sintomatológicas, podendo uma delas ser a presença mais frequente de obsessões e com­pulsões. No estudo "Sintomas obsessivo-compulsivos na

Page 75: Capitalismo selvagem

depressão pós-parto: relatos de casos", de Carla Fonseca Zambaldi, Amaury Cantilino e Everton Botelho Sougey, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), são re­latados seis casos identificados pela análise de prontuários de parturientes atendidas no Programa de Saúde Men­tal da Mulher do Hospital das Clínicas da UFPE. Todas elas tinham diagnóstico de depressão e apresentavam concomitantemente sintomas obsessivo-compulsivos. Nos relatos, os autores abordam o período de apareci­mento dos sintomas nas mulheres deprimidas, assim como o seu conteúdo, duração e resposta ao tratamento. Em duas mulheres, os sintomas obsessivo-compulsivos precederam os depressivos, e em outras duas deu-se o inverso. Houve exacerbação de obsessões e compulsões preexistentes em duas parturientes. O conteúdo mais frequente foi de pensamentos agressivos contra o bebê. Os sintomas tenderam a diminuir juntamente com a melhora da depressão.

REVISTA DE PsiQUIATRIA DO Rw GRANDE DO SuL- v. 30 - N° 2- PORTO ALEGRE- MAIO/ AGO. 2008

• Cirurgia vascular

Complicações do aneurisma

Os aneurismas venosos são entidades raras, porém com potencialidade de causar complicações tromboembólicas. Na maioria das vezes, são encontrados incidentalmente, em exame físico ou de imagem. Os aneurismas sintomáticos de veia poplítea são obrigatoriamente tratados por reparo cirúrgico, em razão do alto risco de recorrência de embolia pulmonar. A técnica mais utilizada é a aneurismectomia tangencial com venorrafia lateral. Na impossibilidade de se empregar essa técnica, faz-se a ressecção com reconstrução venosa. Os autores do estudo "Aneurisma de veia poplítea: relato de caso e revisão de literatura", Fernando Thomazi­nho, Jose Antonio Morselli Diniz, Ramzi Abdallah E! Hosni Junior, Carlos Alberto Morselli Diniz e lgor Schincariol Perozin, do Hospital Evangélico de Londrina, contam de uma paciente com aneurisma de veia poplítea, cujo diâmetro era de 47 mm, submetida a aneurismectomia tangencial e venorrafia lateral com sucesso.

]ORNA L VASCULAR BRASILEIRO- V.7- N° 3-PORTO ALEGRE­

SET. 2008

• Educação

Ciência em desenho animado

Dada a grande influência da televisão na vida dos jo­vens, a pesquisa "Visões de ciência em desenhos anima­dos: uma alternativa para o debate sobre a construção do conhecimento científico em sala de aula", de Nyuara Araújo da Silva Mesquita e Márlon Herbert Flora Barbosa Soares, da Universidade Federal de Goiás, investigou um dos gêneros televisivos que se destinam ao público infanto-juvenil. A investigação consiste em uma análise

documental com base em alguns episódios dos desenhos ]immy Nêutron e O Laboratório de Dexter, com a inten­ção de detectar quais visões de ciência são veiculadas por meio desses episódios. Ta l análise realiza-se sob a ótica das ideias de alguns pensadores representativos da filosofia das ciências, por serem essas ideias importantes para a compreensão de como se desenvolveu e tem se de­senvolvido o pensamento científico em nossa sociedade. O presente artigo sugere o uso de desenhos animados como alternativa para motivar debates que privilegiem a construção do conhecimento científico com base em um universo familiar ao estudante.

CIÊNCIA & EDUCAÇÃO (BAURU)- V. 14- N° 3- BAURU- 2008

• História

Florence e Daguerre

O estudo "O 'homem de inven-ções' e as 'recompensas nacio­nais': notas sobre H. Florence e L. J. M. Daguerre", de Ma­

. ria Inez Turazzi, do Centre d'Histoire des Techniques et de l'Environnement (Paris), apresenta e contextualiza uma correspondência iné­dita, encontrada no Centre des Archives Diploma tiques de Nantes (França), sobre a inven-

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~.. ' "' ' . ..,... . .·

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ção da "polygraphia" pelo francês Antoine Hercule Romuald Florence (1804-1879). Florence t1

residia no Brasil, na vila de São Carlos, atual Campinas, ~ ~ quando encaminhou ao Ministério do Interior da França, o

'l em 1831, um pedido de recompensa por ter inventado um 5 processo de impressão multi funcional. Ele jamais recebeu ~

resposta do governo francês. Mesmo assim dedicou o resto ~

de sua vida a outras invenções e experimentos, entre os !:'i quais a fotografia, legando à posteridade o relato dessas ~ iniciativas e a frustração de não ter sido reconhecido em 8 seu país de origem como o primeiro a concebê-las. Cele­brado em sua época como o inventor do primeiro processo fotográfico mundialmente conhecido, Louis Jacques Man-dé Daguerre (1787-1851) também sofreu variadas formas de desprestígio em seu país e só mais tarde foi reabilitado. Florence é hoje reconhecido no Brasil e no exterior como um dos múltiplos inventores de processos fotográficos, ao lado de Daguerre. Observando-se as biografias de ambos, podem ser confrontadas as redes de sociabilidade, as es­tratégias de valorização e as formas de reconhecimento de dois "homens de invenções" do século XJX, situados em contextos distintos e, ao mesmo tempo, interligados.

ANAIS DO MUSEU PAULISTA: HISTÓRIA E CULTURA MATE­

RIAL- v. 16- N° 2- SÃo PAULO- JUL.!DEZ. 2008

> O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão dispo· níveis no si te de Pesquisa FAPESP, www.revistapesquisa.fapesp.br

PESQUISA FAPESP 158 • ABRIL DE 2009 • 75

Page 76: Capitalismo selvagem

> LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO

No solo e no ar, o Transition passa por t estes

>Óxido de ferro para avaliar o sangue

Uma nova técnica de diagnóstico por imagem em três dimensões, que utiliza nanopartículas de óxido de ferro injetadas na corrente sanguínea para avaliar em tempo real o fluxo arterial e os movimentos cardíacos, foi desenvolvida por pesquisadores da Philips e está em fase experimental. Chamado de MPI, sigla de Magnetic Particle Imaging, o método usa as propriedades magnéticas das nanopartículas para medir sua concentração no sangue. Pelas variações da concentração é possível, por exemplo, avaliar o fluxo de sangue coronário e o movimento das paredes cardíacas. Essas informações, aliadas aos dados anatômicos obtidos pela tomografia computadorizada e ressonância magnética,

CARRO VOADOR RETRAI AS ASAS

A vida nas cidades seria

bem diferente se os carros

pudessem voar como no de-

senho animado da famíl ia

futur ista Jetsons. Esse sonho, que até bem pouco tempo

só fazia parte de f ilmes infantis e de f icção cient ífica, pode

vi rar realidade. A empresa Terrafugia, dos Estados Unidos,

real izou em março, depois de seis meses de testes, o voo

inaugural do Transition, o protótipo de um carro voador.

Com capacidade para dois ocupantes, decola e pousa de aeroportos e roda em qualquer tipo de via. Ele recolhe as

asas dobráveis e transforma-se de avião em automóvel

em apenas 30 segundos, mas para conduzi-lo é preciso

ter a licença de piloto. No ar, o Transition se desloca a 185

km/h e em terra sua veloc idade máxima é de 130 km/h.

Compacto, o carro voador cabe na garagem de casa e utiliza

gasol ina comum, comercializada em postos de combustível.

Os inventores do Transition são ex-alunos do Instituto de

Tecnologia de Massachusetts (MIT), que pretendem fazer

novos testes ant es de inic iar sua produção comercial.

poderão auxiliar no diagnóstico de doenças como arteriosclerose e defeitos cardíacos congênitos. A edição de 10 de fevereiro da Physics in Medicine and Biology publicou resultados de testes pré­-clínicos feitos com o MPI.

> Recarga em alta velocidade

Uma descoberta feita por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), dos Estados Unidos, pode reduzir de algumas horas

76 • ABRIL DE 2009 • PESQUISA FAPESP 15B

para poucos segundos o tempo de recarga das baterias usadas em telefones celulares e outros aparelhos eletrônicos. A nova bateria é um aprimoramento das existentes, de lítio, e tem como diferencial um tipo de via rápida para escoamento dos íons de lítio, o que acelera o processo de carga. Durante os trabalhos, cujos resultados foram divulgados na edição de 12 de março da revista Nature, os pesquisadores construíram uma pequena bateria com a nova técnica e conseguiram carregá-la completamente em 10 a 20 segundos- uma bateria convencional do mesmo porte demandaria seis minutos. Otimistas, os pesquisadores do MIT acreditam que uma nova geração de baterias poderá chegar ao mercado dentro de, no máximo, três anos. O dispositivo também poderá ser usado em carros elétricos.

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Page 77: Capitalismo selvagem

> Alumínio na água gera hidrogênio

Em busca de fontes energéticas mais eficientes e "limpas", pesquisadores das universidades estaduais da Pensilvânia e da Virgínia, ambas nos Estados Unidos, anunciaram uma nova forma de produzir hidrogênio puro sem gastar energia. Considerado uma das formas de energia mais promissoras, por ser capaz de gerar eletricidade em células a combustível sem emitir poluentes, o hidrogênio é hoje produzido a partir do gás natural. O novo método utiliza como matéria-prima aglomerados de alumínio, que, ao serem mergulhados em água, quebram as moléculas do líquido, produzindo hidrogênio e oxigênio. Segundo o pesquisador Albert Welford Castleman Júnior, um dos líderes do grupo, pesquisas anteriores sugeriam que as propriedades elétricas governavam tudo sobre esses aglomerados de alumínio, mas esse novo estudo revelou que é o arranjo dos átomos dentro dos aglomerados que permite que eles quebrem as moléculas de água. O próximo desafio é descobrir como reciclar

os aglomerados de alumínio para que eles possam ser empregados continuamente na reação.

> Voto pela internet

Votar sem sair de casa, usando apenas seu computador pessoal, pode ser uma situação perfeitamente factível dentro de alguns anos. A expectativa foi delineada por pesquisadores de computação da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, que conseguiram desenvolver, em parceria com pesquisadores da

(/) Uma levíssima fiação de na-

o notubos de carbono, com m apenas 25 micrômetros de :;:)

diâmetro, mostrou em tes-1-o tes que pode substituir com

z eficiência as antenas de cobre

<( comuns em várias aplicações

z eletrônicas. Acoplada a uma

LIJ fita adesiva, a nanoantena

c foi testada pelos pesquisado-

<( res da Universidade de Cin-

z cinatti, nos Estados Unidos, LIJ na transmissão de sinais de 1- rádio de uma estação local z <( e em um telefone celular.

Ela poderá ser usada para <( transmitir dados em equipa-~ mentes superminiaturizados, ::> como implantes médicos, e

em etiquetas inteligentes,

e também em atividades ae-

roespaciais. A antena de nanotubos funciona bem porque os

elétrons estão sempre tentando ir para a superfície do mate­

rial por onde transitam. Como os nanotubos são ocos, a área

superficial disponível para os elétrons fica ainda maior.

Universidade Harvard, nos Estados Unidos, o primeiro software de votação pela internet, segundo eles, totalmente seguro e verificável. Com o programa, batizado de Helios,.o eleitor pode verificar se seu voto foi contabilizado corretamente e assegurar-se de que não houve fraude na votação. A segurança do sistema é garantida por uma avançada técnica, conhecida como criptografia de chave

homomórfica, que utiliza uma chave pública para criptografar uma mensagem. Na hora da votação, o eleitor recebe um número de rastreamento para seu voto e, com esse número, pode verificar se ele foi capturado corretamente. O resultado da eleição, de acordo com os inventores do sistema, contém uma prova matemática da contagem incapaz de ser fraudada até mesmo por supercomputadores.

PESQUISA FAPESP 158 • ABRIL DE 2009 • 77

Page 78: Capitalismo selvagem

> LINHA DE PRODUÇÃO BRASIL

o c <C u ...J D. <C o c <C N c z LaJ Q: D. <C

Das sementes do urucum, de

onde se extrai um pigmento

vermelho usado pelos índios

como corante e proteção da

pele, o estudante Bruno de

Oliveira Buzzo criou um creme

que em associação com o óxido

de zinco mostrou em testes ser

um eficiente protetor solar. A

pesquisa fe ita pelo estudan­

te quando cursava o terceiro

coleg ial em Rio Claro, interior

paulista, com orientação do

professor José Eduardo Diot­

to, foi uma das nove escolhidas

para representar o Brasil na

Feira Internacional de Ciências

e Engenharia (lsef), que será

realizada de 10 a 15 de maio nos

Estados Unidos. Promovida pe­

la empresa Intel, a feira reúne

estudantes pré-universitários

de cerca de 50 países. A esco­

lha dos projetes brasileiros foi

feita por um comitê de avalia­

ção composto por mais de cem

professores universitários vo­

luntários, durante a Feira Brasi­

leira de Ciências e Engenharia

(Febrace) 2009, promovida

Extrato de urucum como proteção solar

pelo Laboratório de Sistemas

Integráveis (LSI) da Escola Politécnica (Poli) da Universidade

de São Paulo, entre os dias 17 e 19 de março. "Realizada pelo

sét imo ano consecutivo, a feira foi criada com o objetivo de

estimular a cultura investigativa, de inovação e empreendedo­

rismo na educação básica brasileira", diz a professora Roseli de

Deus Lopes, do LSI da Poli, coordenadora da Febrace. Bruno,

que hoje cursa medicina na Pontifícia Universidade Católica de

Campinas e prossegue com as pesquisas sobre o protetor solar

de urucum, conta que descobriu que poderia fazer e gostar de

ciência quando conheceu o trabalho da Febrace, no segundo

colegial. A feira, montada em uma tenda gigantesca ao lado

das instalações da Poli, abrigou 282 trabalhos científicos, es­

colhidos entre mais de mil inscritos, nas áreas de engenharia,

ciências exatas e da terra, biológicas, saúde, agrárias, sociais e

humanas de todo o Brasil. Entre os projetes selecionados para

a competição internacional estão um dispositivo eletrônico que

mede a umidade do solo e aciona o sistema de irrigação, de São

João dei-Rei (MG), e o uso da fibra do buriti como alternativa

ao isopor, de Imperatriz (MA).

78 • ABRIL DE 2009 • PESQUISA FAPESP 158

> lnteratividade na telinha

A possibilidade de acessar informações sobre a programação e a publicidade, além de interagir com programas televisivos, está presente no novo terminal de acesso da TV digital, também chamado de set-top-box, que está em fase final de elaboração no Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), em Santa Rita do Sapucaí, em Minas Gerais. A interatividade e a participação em programas

oferecidos pela emissora, aliado ao acesso à internet na tela da TV, deve proporcionar uma nova forma de ver televisão. Os primeiros equipamentos desse tipo fazem apenas a conversão dos sinais da TV digital para os aparelhos analógicos. O novo deverá chegar ao mercado no segundo semestre deste ano. Ele está preparado para receber a plataforma Ginga aprovada para o sistema brasileiro de TV digital que tem a função de gerenciar a interatividade com as emissoras e o telespectador. O projeto foi desenvolvido em parceria com a Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Fucapi), de Manaus, Amazonas, que ficou responsável em produzir um software para o funcionamento do aparelho. Os pesquisadores do Inatel desenvolveram a placa de circuito interno e agora realizam os últimos testes de integração e funcionamento dos sistemas.

Page 79: Capitalismo selvagem

> Feijão para plantio orgânico

Um experimento feito com seis variedades de feijão cultivadas em um sistema de produção orgânico mostrou um alto desempenho, com média de 3.500 quilos por hectare. A obtenção de 2.500 quilos por hectare em um plantio tradicional já é considerada uma boa produção. A pesquisa, que teve como objetivo avaliar a adaptação de cultivares para o sistema orgânico, considerado uma boa alternativa para pequenos produtores, foi feita pela agrônoma Jacqueline Camolese de Araújo durante sua dissertação de mestrado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo de Piracicaba, no interior paulista. Todas as variedades pesquisadas­quatro do grupo carioca e duas do grupo preto­responderam bem ao cultivo orgânico. Para controlar o besouro vaquinha (Diabrotica speciosa), praga que ataca as plantações de feijão, foi usado o óleo de nim (Azadirachta indica), extraído da planta de origem indiana. Os resultados do experimento, realizado na época do inverno com irrigação, são válidos para as condições naturais da região de Piracicaba, com pouca chuva entre julho e setembro.

> Safra com menos riscos

Programar a safra da cana-de-açúcar em detalhes, com informações que incluem desde as receitas até os custos de logística e de

A Novozymes Latin Ame- o rica, fabricante de enzimas O> industriais de Araucária , <(

no Paraná, em parceria (!)

com a Universidade de <(

Lund, na Suécia, a Univer-m

sidade Federal do Paraná o e o Centro de Tecnologia z Canavieira, de Piracicaba, <(

interior paulista, fechou :E um contrato de dois anos N com a União Europeia, pelo z qual receberá € 1,6 milhão LIJ para desenvolvimento de

tecnologia que permita a Enzimas para produção de etanol

conversão do bagaço de

cana-de-açúcar em etanol

com boa relação custo-benefício. A Novozymes, com sede

na Dinamarca, já anunciou que até 2010 vai colocar no mer­

cado enzimas para fazer a conversão da biomassa obtida

de resíduos agrícolas em etanol. Com o aperte recebido, a

empresa vai trabalhar para obter mais etanol usando menos

enzimas. No Brasil, o projeto, apoiado por 160 usinas sucro­

alcooleiras, tem como objetivo desenvolver um processo

integrado às plantas industriais em funcionamento.

produção, é a proposta do software VCane l.O (Value Chain of Cane ou Cadeia de Valores da Cana) desenvolvido pela empresa OP2B, incubada no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas ( Cietec) da Universidade de São Paulo, para o setor sucroenergético. O software, que teve apoio da FAPESP por meio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) no valor de R$ 419 mil, tem como objetivo mostrar para o gestor o cenário ideal em termos de lucratividade, para que ele possa tomar decisões com base em uma análise de risco dos cenários futuros . O sistema abriga um banco de dados com as informações necessárias aos usuários, que podem ser consultadas em uma interface interativa.

> Caroço aproveitável

Quimicamente semelhante ao azeite de oliva, o óleo de caroço do abacate pode ser usado como matéria-prima industrial. Depoi~ de extrair, refinar e analisar o óleo de abacate, uma equipe da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba, coordenada pela professora Jocelem Mastrodi Salgado,

Óleo de abacate para uso comestível

do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição, concluiu que esse óleo de um verde intenso poderia substituir, por exemplo, o extraído de soja nos óleos mistos, possivelmente resultando em um produto de qualidade superior e custo menor. Outras possibilidades: empregar o óleo de abacate para uso comestível ou produzir uma mistura de óleo de abacate e óleo de oliva. As análises desse trabalho, publicadas em dezembro na revista Ciência e Tecnologia de Alimentos, mostram que o óleo do f ruto do abacateiro (Persea americana) apresenta concentrações elevadas de ácido oleico e de outras substâncias capazes de prevenir e controlar doenças cardiovasculares.

PESQUISA FAPESP 158 • ABRIL DE 2009 • 79

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AgropecuáriA

180 milhões de cabeças. Os outros animais de criação são responsáveis por 3,2% do total. Se o foco do CO2 está nas queimadas, o problema do metano está ligado ao pro-cesso digestivo dos herbívoros ruminantes, que inclui bovinos, búfalos, ovelhas, cabras e camelos. É a chamada fermentação en-térica que ocorre no rúmen, a primeira parte do estômago desses animais, quando o material vegetal ingerido é metabolizado por uma população de microrganismos anaeróbicos que vive sem oxigênio e inclui bactérias, fungos e protozoários. Estima-se a emissão de 8 milhões de toneladas de metano liberados pelos bovinos no Brasil por ano. Isso representa 10% do metano ruminal do mundo e 3% do total pro-duzido pelas atividades humanas. Ao ser comparado ao CO2, embora seja emitido em nível mundial em menor quantidade, o metano é 25 vezes mais potente em reter calor na atmosfera.

Primavesi colaborou num amplo estu-do sobre a quantificação da emissão de me-tano emitido pela agropecuária que deverá ser editado pela Embrapa até meados deste ano. “Estoques de carbono e gases de efeito estufa em sistemas agropecuários e flores-tais” é o nome do estudo e provavelmente será o do livro. Nele, além de Primavesi, os pesquisadores Magda de Lima e Rosa Shiraishi Frighetto, da Embrapa Meio Am-biente, e João José Demarchi e Alexandre Berndt, do Centro de Pesquisa e Desenvol-vimento em Nutrição Animal e Pastagens do Instituto de Zootecnia da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, fizeram uma estimativa da emissão de metano em bovinos e mostram soluções possíveis para o abrandamento desse problema. Eles indicam, entre outras alternativas, a integra-ção agricultura-pecuá-ria usando rotação de culturas e pastagens, o que favorece a for-

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Pastos bem-cuidados, além de nu-trir os animais, podem funcionar como um bom absorvedor de dió-xido de carbono (CO2), o prin-cipal gás acusado de promover o efeito estufa do planeta. Melhores cuidados com a alimentação bo-

vina também diminuem a emissão de gás metano (CH4) na atmosfera. O problema – que parece inicialmente uma piada para os menos habituados ao assunto – está re-lacionado à eructação, o popular arroto, de bovinos. O metano é altamente prejudicial para o aquecimento global porque, junto com o CO2 e o óxido nitroso (N2O), im-pede o calor gerado pelos raios solares de deixar a superfície da Terra e as camadas mais baixas da atmosfera. Esses gases, mais o vapor d’água natural gerado nos ocea-nos, formam uma barreira de moléculas que, quando muito espessa, não deixam o calor se dissipar para as camadas mais altas da atmosfera. “Uma pastagem bem- -cuidada é um sumidouro de dióxido de carbono (CO2)”, diz o engenheiro agrô-nomo Odo Primavesi, coordenador da equipe técnica que realizou as primeiras medições de metano de bovinos brasilei-ros em condições de campo e estudou as pastagens e a alimentação desses animais até se aposentar recentemente da Embrapa, unidade Pecuária Sudeste, em São Carlos, no interior paulista.

As pastagens no Brasil representam mais de 60% da área agriculturável e as queimadas são as maiores emissoras de CO2, situação que está relacionada ao avanço da fronteira agrícola sobre as ma-tas nativas, grande parte para a formação de pastos, além da queima de restos de matéria orgânica e de resíduos vegetais de lavouras para “limpar” o terreno. Em relação ao metano, a pecuária bovina é a principal fonte, responsável por 68% do total das atividades relativas à ação huma-na no Brasil, que possui o maior rebanho comercial de gado do mundo, com cerca de

tecnologia>

Marcos Oliveira

Maior variedade de plantas forrageiras e consórcios com lavouras ajudam a diminuir a emissão de metano

Pastagem contra o aquecimento global

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alimentação adequada para o gado pode ajudar a diminuir gases do efeito estufa na atmosfera | Marcos de Oliveira

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Marcos Oliveira

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mação de melhores campos, além da inclusão de suplementos alimentares, como leveduras, cana-de-açúcar despa-lhada e consórcio de plantas forrageiras formadas por gramíneas e leguminosas que contenham mais proteína, um in-grediente capaz de minimizar as emis-sões de metano por meio de uma maior eficiência ruminal.

Conta do gás - A emissão pela eructação, além de colaborar para o aquecimento global, provoca uma perda de energia e consequentemente uma queda na produção de carne ou de leite. “Em situação normal, com boa oferta de alimentos e de água, um boi consegue, em 26 meses, emitir aproximadamente 73 quilos (kg) de metano, ou 445 gramas [do gás metano] por quilo de carne”, diz Primavesi. “Já em um pasto ruim com superpastejo, que é o uso excessivo sem medidas de recuperação ou preservação da pastagem, em que o animal passa fome e fica pronto para o abate em 42 meses, ele pode emitir 115 kg de metano ou mais, ou 736 gramas por quilo de carne.” Para medir a emissão de metano bovino, Primavesi coordenou uma adaptação para o Brasil de um sistema desenvolvido na Universidade de Washington na década de 1990, que utiliza hexafluore-to de enxofre (SF6), um gás acondicionado numa pequena cápsula inserida no rúmen do animal. Ela libera o gás por meio de uma membrana de teflon e aço poroso a taxas de 1 mil a 2 mil nanogramas por minuto que simula o padrão de emissão de metano e funciona como um marcador. Por meio de um tubo capilar ligado ao cabresto e instalado próximo ao nariz e à boca do animal, os gases são coletados num tubo fechado de plástico rígido preso em volta do pescoço do boi durante um período de 24 horas. Mantido sob vácuo, o tubo é transferido para um laboratório onde um cromatógrafo irá medir a concentração do metano e do SF6.

“Uma significativa emis-são de metano pode repre-

sentar perda de energia de até 18%, o que ocorre com forragem de baixa qualidade e com baixo teor de proteí-na”, diz Primavesi. Energia que não será transformada em carne na pecuária de corte e necessitará que o animal fique mais tempo no pasto para completar o peso de abate, em torno de 450 kg, ocasionando mais emissão por um único animal. “O ideal será o animal permanecer apenas 24 meses no pasto”, diz Primavesi. “Falhas na alimentação, em especial durante o período seco do ano, podem levar o boi a perder peso, por exemplo, 15 kg, massa que ele vai precisar recuperar, produzindo meta-no novamente pelo mesmo quilo de carne.” Algumas soluções para o gado não perder peso são simples, como ter boa alimentação suplementar na seca, se a pastagem não for suficiente, e não permitir que o boi ande muito para comer e beber água.

“Existem também estratégias para melhorar a eficiência da digestão bo-vina como o correto balanceamento de alimentos e a adoção de levedu-

ras como a Saccharomyces cerevisiae”, exemplifica João Demarchi. Entre os aditivos que podem reduzir a produção de metano estão produtos à base de an-tibióticos que inibem parte dos micror-ganismos ruminais indesejáveis, como protozoários e bactérias chamadas de metanogênicas. Outro fator apontado pelos pesquisadores é a integração com a agricultura. “Metade das pastagens pode ser melhorada e a integração sil-vi-agro pastoril é vista como uma boa solução tanto para a silvicultura, que é o plantio de áreas de reflorestamento, braquiárias (a principal planta usada em pastagens no Brasil) e plantio, por exemplo, de feijão, soja e ou legumino-sas forrageiras que podem recuperar o solo das pastagens, além da adoção de sistemas de plantio direto em que a terra não é arada nem o solo fica des-coberto”, diz Demarchi.

Uma alternativa de alimentação pa-ra não aumentar os níveis de metano é incluir, como complemento na alimen-tação, a cana-de-acúcar, um alimento volumoso e rico em sacarose, que pode

ter a adição de ureia ou con-centrado proteico, conforme demonstrou outro estudo de Primavesi. Ele também indica a adoção de forrageiras me-nos fibrosas preparadas para serem consumidas quando ainda jovens e não maduras ou passadas. O arsenal de alternativas para diminuir a produção do gás nos ani-mais é grande e precisa de estudos mais aprofundados e sistêmicos, mas já servem de recomendação para ser adotado pelo maior número de criadores.

Um fator que deve mo-bilizar os pecuaristas é a possível adoção das chama-das barreiras não tarifárias, diferentes das que cobram impostos ou sanitárias que impedem a exportação de carne por problemas de doen ças nos animais, mas que igualmente barram o livre comércio ao vincular a compra do produto a uma origem ambientalmente correta do bovino. “O Bra-sil precisa se antecipar a essa

o equipamento de medição de metano fica instalado no focinho e no pescoço durante 24 horas

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cobrança mundial”, diz Demarchi. Consumi-dores internacionais e mesmo no Brasil po-dem, dentro em breve, exigir um certificado da carne dizendo, por exemplo, que ela não foi produzida na Amazônia em área recém- -desmatada, e sim por um sistema de produção sustentável, inclusive levando em conta o CO2. “No Brasil ainda não existem estudos quantita-tivos, com base experimental, sobre o balanço de carbono, integrando a quantificação de gases (metano, dióxido de carbono e óxidos de nitro-gênio) e sumidouros de carbono nos diferentes compartimentos dos sistemas de produção pe-cuária, o que dificulta a comparação entre os diferentes sistemas de produção atualmente uti-lizados quanto ao seu potencial de mitigação”, diz Magda Lima, da Embrapa Meio Ambiente, de Jaguariúna, no interior paulista.

Melhor ocupação - A preocupação mundial com a emissão de metano pelos bovinos im-pulsiona, desde o início da década, estudos na Austrália, para a produção de uma vacina contendo um antígeno derivado de microrga-nismos do rúmen animal que reduz a produção de metano. Também está em estudo uma subs-tância imunogênica que diminui a atividade de protozoários do rúmen. Na Nova Zelândia, produtores, órgãos do governo e institutos de pesquisa e empresas privadas estão estudando o ciclo de vida da produção de leite. Eles que-rem criar um selo de certificação do leite em relação à produção de metano. Quanto menos metano produzido, mais o leite é valioso do ponto de vista ambiental.

Mesmo com muitas experiências e indica-ções científicas e tecnológicas para a mitigação de metano na pecuária, o país deverá ter muita dificuldade em implantar as medidas ambien-tais necessárias. Afinal, são cerca de 172 mi-lhões de hectares de pastagem, ante 76 milhões de lavoura, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com dados de 2006. “Muitas das áreas de pastagem têm uso perdulário até o esgotamento da terra e muitos pecuaristas não recuperam as áreas usadas em superpastoreio e queimadas”, diz Primavesi. “Com boas práticas de manejo, haveria uma ocupação melhor das pastagens diminuindo sua área no país. Seria possível aumentar de 0,6 unidade animal (UA) por hectare (ha) [medi-da média de lotação animal no campo] atual para 1,2 UA/ha em pouco tempo, o que signi-ficaria reduzir pela metade a área de pastagem. Já existe tecnologia inclusive para atingirmos 5 UA/ha, liberando para a agricultura e plantio de cana, por exemplo, mais de 120 milhões de ha, evitando-se a queima de mais mata nativa para pastagem”, diz Primavesi. n

pastos ruins podem fazer o gado perder peso e permanecer mais tempo no campo emitindo mais metano

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urge no horizonte dos combustí-veis renováveis uma alternativa pa-ra substituir parte do óleo diesel e do gás liquefeito de petróleo (GLP) usado em botijões. Conhecido dos químicos pelo nome de éter dime-tílico e pela sigla DME, do inglês di-

methyl ether, esse gás é usado pela indústria desde a década de 1960 como propelente em aerossóis de cosméticos, medicamentos, in-seticidas e tintas. Ele é produzido a partir do metanol, que, por sua vez, é fabricado com gás natural ou carvão mineral. É considerado um bom substituto de combustíveis derivados do petróleo porque polui menos e tem como atrativo o fato de também poder ser produ-zido de biomassa, o BioDME, especialmente com resíduos agrícolas da produção de milho, cana-de-açúcar (palha e bagaço) e casca de arroz, além de restos da fabricação de papel.

Para transformar biomassa em DME é preciso converter os resíduos vegetais em gás num processo chamado de gaseificação realizado num reator aquecido. O resultado é o gás de síntese, uma mistura de monó-xido de carbono (CO) e hidrogênio, que serve de matéria-prima para a produção do metanol, passo intermediário para se atingir a produção do éter dimetílico. Mais difundido na China, onde é utilizado puro e misturado ao GLP, o DME começa também a merecer atenção no Brasil, como demons-tra um estudo realizado no Rio de Janeiro sob a coordenação do Instituto Nacional de Tecnologia (INT), do Ministério de Ciên-cia e Tecnologia, e do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (Cenpes) da Petrobras. A pesquisa resultou num processo de produção de DME que elimina a etapa do metanol,

passando direto do gás de síntese para o éter dimetílico. Para realizar essa modificação, os pesquisadores escolheram e adicionaram ao processo dois catalisadores, que são substân-cias promotoras da reação. “Com a mistu-ra física desses dois catalisadores ao gás de síntese num reator conseguimos eliminar a etapa do metanol”, diz a engenheira quími-ca Lucia Gorenstin Appel, pesquisadora do INT e coordenadora do projeto. A nova rota tecnológica já foi transformada em pedido de patente depositado no Instituto Nacio-nal de Propriedade Industrial. Falta agora uma avaliação econômica da viabilidade de produção de BioDME no país, estudo que provavelmente será realizado neste ano pelo mesmo grupo de pesquisadores.

“O BioDME feito de rejeitos da agricultura é uma alternativa para o Brasil também por-que ele não gera particulados [fuligem] e tem índice de emissão de enxofre zero, o que é uma vantagem ambiental em relação ao diesel”, diz o engenheiro químico Eduardo Falabella Sou za- -Aguiar, coordenador da célula GTL, sigla de gas to liquids, ou combustíveis de gás para lí-quido, da Petrobras. Falabella também é pro-fessor da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o principal idealizador da produção de DME no Brasil. Ele gerencia na empresa a área que desenvolve tecnologia para transformar, por exemplo, gás natural em diesel, um projeto para 2012 ou 2013. “Nesse momento estudamos a melhor forma de fazer a gaseificação da biomassa para gerar o DME”, diz Falabella.

Com a vantagem de ser produzido a partir de várias matérias-primas e por dife-rentes processos, o DME também apresenta, além da inexistência do óxido de enxofre e

>

Alternativa verdeA partir de resíduos agrícolas transforma-se o gás de síntese em metanol no processo convencional ou, de forma direta no novo processo, em éter dimetílico

BiomassaGás de síntese

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riências são positivas. Na forma isolada para cozimento de alimentos não foram relatados problemas com segurança ou corrosão nos fogões que passaram por pequenas adaptações técnicas. Em outra situação também utilizada pelos chine-ses, a mistura de 20% de DME ao GLP, o uso não requer modificações técnicas nos fogões. Na substituição ao diesel, o motor também passa por adaptações, como foi demonstrado em outra ex-periência chinesa. Em fevereiro, dez ônibus movidos exclusivamente com DME passaram a circular na cidade de Xangai. Eles não expelem fumaça e fazem parte de um teste conjunto com outros combustíveis alternativos. Japão, Irã, Coreia, Rússia e Suécia têm projetos de estudo e utilização do éter dimetíli-co, além de empresas como a Volvo e a Nissan que já construíram caminhões com motores para esse gás.

Novo uso - O éter dimetílico começou a ser divulgado como combustível a partir de 1995, em um congresso pro-movido pela Sociedade de Engenheiros da Mobilidade, a SAE, da Society of Au-tomotive Engineers, em Detroit, Estados Unidos, quando foram apresentadas as primeiras iniciativas que indicavam um

futuro energético promissor para esse gás. Atualmente a pesquisa mundial em relação ao DME ainda considera o uso do éter dimetílico em turbinas a gás para gerar eletricidade e para ser um futuro provedor de células a combustível, equi-pamento que transforma hidrogênio em energia elétrica. A geração do hidrogênio a partir do DME poderá ser feita a baixas temperaturas por meio de uma técnica chamada reforma a vapor, com vantagens sobre o gás natural que exige processos industriais com altas temperaturas.

No estudo brasileiro coordenado por Lucia também participaram mais dez pesquisadores do Instituto Militar de Engenharia (IME), Pontifícia Uni-versidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e UFRJ, além do Cenpes e do INT. O trabalho teve financiamento da Petrobras e do Fundo Setorial do Petróleo, por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) num valor de R$ 895 mil, e foi objeto de premia-ção no Prêmio Nacional de Tecnologia 2008 da Associação Brasileira da Indús-tria Química (Abiquim). O vencedor na categoria Pesquisador foi Eduardo Falabella, da Petrobras. n

Marcos de Oliveira

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fuligem, baixos índices de emissões de dióxido de carbono (CO

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nitrogênio (NOx) em até 90% menor que o encontrado no diesel. Esses gases contribuem de forma significativa para a poluição das grandes cidades e para o aquecimento global. Análises toxico-lógicas e ambientais realizadas pelas empresas Akzo Nobel, da Holanda, e a norte-americana Du Pont, maiores fa-bricantes de DME para aerossóis, junto com a Mitsubishi, do Japão, mostraram que ele não afeta a atmosfera do planeta, podendo ser usado como substituto dos clorofluorcarbonos ( CFCs), substâncias que destroem a camada de ozônio.

Outra facilidade do éter dimetílico é a possibilidade de ser transformado em líquido. “Com uma pressão em torno de 6 atmosferas, que é baixa, é possível liquefazer o DME”, diz Lucia. “Isso pode trazer mais uma opção para o trans-porte de gás natural de regiões remotas como, por exemplo, a Amazônia, trans-formando esse gás em DME e podendo transportá-lo por caminhão ou navio.” O uso mais imediato e utilizado do DME é na substituição do GLP. Embora tenha menor poder calorífico e produza energia em quantidade inferior ao GLP, em torno de 18%, na China as expe-

Queimadores de fogão poderão ter chamas de éter dimetílico (DME) produzido com biomassa

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Veneno

colaque

Enzima substitui sutura tradicional sem deixar cicatrizes

Dinorah Ereno

SAÚDE>

Do veneno de serpentes como a jararaca e a cascavel, composto por uma com-plexa mistura de enzimas, toxinas e aminoácidos com diversas atividades biológicas, pesquisadores brasileiros obtiveram um adesivo cirúrgico tes-tado com sucesso em aplicações co-

mo colagem de pele, de nervos, gengivas e na cicatrização de úlceras venosas, entre outras. A cola é baseada no mesmo princípio natural da coagulação do sangue. “Após um corte na pele o sangramento é estancado porque o fibrinogê-nio, uma proteína que participa da coagulação do sangue, é quebrado em moléculas de fibrina, a principal componente dos coágulos sanguí-neos, formando uma rede adesiva”, explica o professor Benedito Barraviera, do Departa-mento de Doenças Tropicais da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu e diretor do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap), vinculado à universidade.

O adesivo cirúrgico desenvolvido no Cevap contém tanto fibrinogênio extraído do sangue de búfalos que apresentou melhor resultado em comparação com o de outros animais estu-dados, como a enzima trombina-símile isolada do veneno da cascavel, que tem atividade coa-gulante. No mercado existem produtos comer-ciais que mimetizam a coagulação do sangue humano, mas são compostos de fibrinogênio humano e trombina bovina. “Esses produtos são eficientes, mas como o fibrinogênio é reti-rado do sangue humano ele pode estar contami-nado com diversos vírus, como o da hepatite”, diz Barraviera. “Por conta desses riscos é que a Food and Drug Administration, agência norte-americana que regula fármacos e alimentos, não aprovou até hoje essa cola cirúrgica para uso nos Estados Unidos”, ressalta.

A substituição da trombina bovina pela de cascavel mostrou em testes ser uma escolha altamente eficaz na cicatri-zação de tecidos. Isso se deve à maneira como as molécu-las da giroxina, enzima de onde foi obtida a trombina, se associam com o fibrino-

Fração do veneno da jararaca tem atividade coagulante

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Barraviera. Ele se refere a uma pes-quisa realizada com 25 pacientes pelo professor Hamilton Ometo Stolf, do Departamento de Dermatologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp, que estudou a retirada de tumores de pele localizados no nariz com posterior enxerto para a sua te-se de doutorado defendida em 1999. No local foi colocado um pedaço de pele retirado do sulco nasolabial (re-gião entre a porção inferior do nariz e parte superior da boca). Em outro estudo, conduzido pela enfermeira Márcia Gatti como parte de sua tese de doutorado apresentada neste ano no Programa de Doenças Tropicais da Faculdade de Medicina de Botucatu, com orientação da professora Silvia Regina Sartori Barraviera, foram avaliados 22 pacientes com úlceras venosas, originadas em disfunções do sistema circulatório nos membros inferiores. Metade deles seguiu o tra-tamento convencional, que consiste de uma bandagem impregnada com óxido de zinco, chamada de bota de Unna, colocada na perna como prote-ção. A outra metade recebeu primeiro

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angênio animal para formar uma rede

polimérica com atividade coagulante. Entre os usos indicados para a cola estão principalmente órgãos sólidos como pele, nervos, fígado e coração. “Em artérias, no entanto, ela deve ser usada com muito cuidado, porque os componentes utilizados podem entupi-las”, ressalta o pesquisador. O preparo do adesivo, que se constitui de poucas gotas da trombina de serpen-te e do fibrinogênio de búfalos, é feito apenas no momento da aplicação. “Os dois componentes são colocados em uma seringa com abertura dupla e só se misturam no final”, diz Barraviera. Se forem misturados antes, o efeito cola entra em ação imediatamente, inutili-zando o produto.

Colagem de nervos - Desde 1989 pesquisadores do Cevap se dedicam ao estudo de um novo selante de fibri-na a partir de veneno de serpentes do gênero Bothrops, do qual fazem parte as jararacas, e Crotalus, como a casca-vel. O primeiro a se debruçar sobre o desenvolvimento de um adesivo que não transmitisse doenças infecciosas foi o professor Fausto Viterbo, que trabalhava em uma linha de pesquisa sobre colagem de nervos. Atualmente o projeto envolve vários parceiros da própria Unesp e de instituições como a Faculdade de Ciências Farmacêuti-cas e de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e o Instituto de Genética e Bioquímica da Univer-sidade Federal de Uberlândia. Testes realizados mostram que a aplicação da cola derivada do veneno de serpentes, que já teve um pedido de depósito de patente efetuado, resulta em uma cica-trização perfeita, esteticamente melhor do que a sutura convencional.

“Em casos de enxerto de pele após a retirada de câncer, não ficou nenhum resquício de cicatriz”, relata

Isolamento de serino-proteases coagulantes dos venenos de bothrops neuwiedi pauloensis e Crotalus durissus terrificus: caracterização funcional e estrutural

modAlIdAdE

auxílio regular a Projeto de Pesquisa

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Benedito Barraviera – unesp

InvEStImEnto

r$ 173.168,94 (FaPESP)

O PrOjetO>

> Artigos científicos

1. THOMAZINI-SANTOS, I.A. et al. Surgical adhesives. Journal of Venomous Animals and Toxins. v. 7, n. 2, p.159-171, 2001.2. BARBOSA, M.D. et al. Fibrin adhesive derived from snake venom in periodontal surgery. Journal of Periodontology. v. 78, n. 10, p. 2.026-2.031, out. 2007.

PESQUISA FAPESP 158 n abril DE 2009 n 87

a aplicação da cola de fibrina derivada do veneno de serpente nas feridas e posteriormente a mesma bandagem de proteção. “Os pacientes que usaram a cola e a bota tiveram uma cicatrização muito mais rápida”, disse Barraviera.

Os excelentes resultados obtidos nesses casos e em cirurgias de gengiva levaram outros grupos de pesquisa a se interessar pelo novo adesivo cirúr-gico para aplicações ainda não testa-das, como o uso em células-tronco e em neurocirurgia. Mas para que esses grupos possam ser atendidos é preci-so primeiro montar um laboratório semi-industrial com capacidade para produzir uma quantidade maior de fibrinogênio e trombina de serpente para pesquisas. A sintetização em gran-de quantidade da molécula derivada do veneno, suficiente para o emprego comercial, necessita de estudos com-plementares da sua estrutura molecu-lar. Essa é uma das etapas a que os pes-quisadores têm se dedicado enquanto estudam vários venenos de diferentes serpentes com o objetivo de encontrar outras enzimas que apresentem me-lhor rendimento do que os já obtidos até agora. “Pode ser que algum veneno tenha mais porcentagem de trombina- -símile do que as estudadas e testadas até agora”, diz o pesquisador. Ele lem-bra que, além de funcionar como solda biológica, a fração não pode ser tóxica. Os planos são cumprir todas as etapas até chegar à fabricação e comercializa-ção do adesivo cirúrgico brasileiro com apoio de uma fundação, nos moldes, por exemplo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). n

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ODONTOLOGIA

Inovação dentalGrupos acadêmicos dão origem a três empresas que produzem material para dentistas

Aquela dor na arcada dentária provocada por líquidos ou ali-mentos quentes ou frios é um problema frequente em todo o mundo, conhecido entre os dentistas como hipersensibi-lidade da dentina, um tecido

vivo ligado ao nervo por microtubos que fica exposto quando o esmalte do dente apresenta falhas por desgaste natural ou por fatores relacionados a dietas ácidas, refluxo estomacal ou retração da gengi-va. O tratamento realizado pelos den-tistas deverá ganhar em breve um novo aliado com o lançamento de um material que promete combater a dor local com a reconstituição da dentina. A empresa Vi-trovita Bio que está sendo formada por um grupo de pesquisadores da Univer-sidade Federal de São Carlos (UFSCar) deverá produzir o Biosilicato, nome do produto registrado pela empresa. Ele é bioativo, formado por silício, sódio, po-tássio, cálcio e fósforo, na forma de pó, e capaz de se ligar ao esmalte dentário. Essa é uma das três empresas formadas a partir de projetos formulados em duas universidades paulistas.

As outras duas são a ProtMat Mate-riais Avançados, instalada na Incubado-ra para Inovação e Empreendedorismo (Inove) em Guaratinguetá, no interior paulista, especializada na fabricação de blocos cerâmicos usados na produção de próteses dentárias com projeto origina-do na Escola de Engenharia de Lorena, da Universidade de São Paulo (USP), e a Binderware, outra spin-off da UFSCar e da USP que tem foco na produção de um cimento reparador para aplicação na endodontia, especialidade da odon-tologia ligada às enfermidades na polpa e nos nervos dentais.

Yuri Vasconcelos

O Biosilicato da Vitrovita é um ma-terial depositado na abertura dos mi-crotubos da dentina, formando uma ca-mada contra a movimentação de fluidos quentes ou gelados até o nervo, situa-ção que provoca a hipersensibilidade. A grande vantagem desse novo material em comparação aos usados nos trata-mentos convencionais é sua capacidade de reagir e se fixar no esmalte dentário, o que possibilita um tratamento rápido e de longa duração. “Poucos minutos de-pois de sua aplicação, o Biosilicato induz a formação no local de uma camada de hidroxiapatita, substância que possui a mesma composição química e estrutura do tecido mineral dos dentes e ossos”, diz o engenheiro de materiais Edgar Dutra Zanotto, professor do Laboratório de Materiais Vítreos do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar e um dos sócios da empresa. O Biosilica-to não possui nenhum efeito tóxico e, segundo Zanotto, pode ser usado tam-

bém para a remineralização do esmalte após tratamento de clareamento dental, recomposição da massa óssea em perio-dontia (tratamento da gengiva) e prote-ção pulpar, no caso de nervo exposto.

Os estudos que deram origem ao Biosilicato tiveram início em 2001 e fi-zeram parte da dissertação de mestrado do engenheiro de materiais Christian Ravagnani, sócio da Vitrovita, orienta-do por Zanotto e pelo professor Oscar Peitl. Também participaram do projeto pesquisadores da Faculdade de Odon-tologia e de Ciências Farmacêuticas da USP de Ribeirão Preto. O desenvolvi-mento recebeu financiamento dos pro-gramas Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) e Apoio à Propriedade Intelectual, ambos da FAPESP.

Barreira mineral - Também sediada em São Carlos, a Binderware espera colocar no mercado ainda este ano o cimento reparador chamado de alumi-noso e desenvolvido sob a coordenação do professor Victor Carlos Pandolfelli, da UFSCar. O produto, que teve a paten-te licenciada pela universidade, foi bati-zado de EndoBinder. Ele é formado por uma composição à base de cimento de aluminato de cálcio (óxidos de alumí-nio e cálcio) com alta pureza misturado a aditivos que permitem aplicações na área da endodontia. “Até o momento, nosso cimento tem sido usado com su-cesso em três casos clínicos: tratamentos de perfurações das paredes do canal da raiz do dente, obturação da ponta da raiz dentária e como selador em qua-dros que o dente passa a ser absorvido pelo próprio organismo. Nesse caso, o cimento cria uma barreira de proteção na região da absorção”, explica o enge-nheiro Hebert Rossetto, um dos sócios da Binderware.

“O EndoBinder é um agregado mi-neral que representa uma nova geração desse tipo de material ”, diz a engenhei-ra Tathiana Moreira, diretora da Bin-derware. Segundo ela, o produto tem menor tempo de endurecimento do que o material usado no tratamento convencional, sua coloração é natu-ralmente branca, próxima à da estru-tura dental, tem porosidade reduzida e possui boa resistência a compressão. A empresa começou a operar no início

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do ano passado na incubadora ParqTec, de São Carlos, e em dezembro último instalou-se em sede própria.

Criada em dezembro de 2007, a ProtMat aguarda o aval da Anvisa para comercialização de seus blocos cerâmi-cos usados para fabricação de pilares intermediários e próteses dentárias. Pi-lares são conectores entre implantes – os pinos introduzidos no osso – e a pró-tese. Os materiais cerâmicos escolhidos têm compostos de zircônia estabilizada com ítria ou alumina. A zircônia é uma cerâmica sintética fabricada a partir do minério zirconita. “A zircônia estabi-lizada com ítria é uma das cerâmicas com maior resistência à fratura. Além disso, ela possui boas características para sua aplicação como componentes de próteses dentárias, boa adesão com cerâmicas de recobrimento de próte-ses, porcelanas e excelente transluci-dez”, destaca o engenheiro Claudinei dos Santos, professor do programa de pós-graduação da Escola de Engenharia de Lorena da USP e sócio da ProtMat junto com o professor Carlos Elias, do Instituto Militar de Engenharia (IME), do Rio de Janeiro.

1. Desenvolvimento e caracterização de pilares cerâmicos biocompatíveis à base de compósitos ZrO2-Al2O3

2. Desenvolvimento de processo otimizado e economicamente viável para a produção de biosilicato para tratamento da hipersensibilidade dentinária

modAlIdAdES

1. Programa Jovens Pesquisadores2. Pesquisa inovativa na Pequena e micro Empresa (Pipe)

Co or dE nA dorES

1. Claudinei dos santos – USP 2. Christian ravagnani – Vitrovita

InvEStImEnto

1. r$ 233.935,00 e us$ 1.280,00 (faPEsP)2. r$ 416.231,85 e us$ 121,64 (faPEsP)

Os PrOjetOs>

Cimento reparador, à esquerda, e bloco cerâmico para próteses e sistemas de implantes

O desenvolvimento desse novo ma-terial cerâmico ocorreu durante o pro-jeto Jovens Pesquisadores, da FAPESP, finalizado em setembro de 2008. “O ob-jetivo do projeto era criar no país pilares intermediários de material cerâmico pa-ra serem utilizados em sistemas de im-plantes dentários”, explica Santos. “Esses pilares são usualmente metálicos, o que traz o inconveniente de reduzir a quali-dade estética das próteses, pois escure-cem quando observadas contra a luz. A ideia foi substituir esses pilares metálicos por cerâmicas de alta resistência mecâni-ca que tivessem boa aparência. Criamos, então, os blocos cerâmicos de zircônia que são usinados e transformados em pilares ou nas próprias próteses.”

A partir das imagens digitalizadas de modelos de um dente, por exemplo, um software determina todos os parâ-metros necessários para fabricação da peça. “Nossa empresa verificou que num futuro próximo vários centros de usina-gem protéticos irão se instalar no Brasil. Assim poderemos fornecer materiais ce-râmicos com propriedades mecânicas e preços competitivos para suprir o con-sumo desses centros”, diz Santos. n

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O voo de Patativa do Assaré

O grande poeta popular do Nordeste, cujo centenário se celebra este ano, vira tese de doutorado

foi cinco vezes nomeado doutor honoris causa. O Brasil ouviu falar de Patativa graças ao poema A triste partida, que ele mesmo musicou e Luiz Gonzaga gravou em 1964. A letra falava da saga de uma família que, depois de perder todas as crenças, troca a seca por São Paulo “para viver ou morrer”, mas com uma certeza: de um dia voltar.

A canção se tornou um marco da música popular brasileira pelas muitas ousadias de sua gravação. Como, por exemplo, conter 19 estrofes, cantadas no decorrer de oito minutos – quando as canções nunca passavam de três minu-tos e só eram gravadas num único canal, o que significava gravar todos os instru-mentos e vozes ao mesmo tempo, como se fosse ao vivo. Conta-se que Gonzaga a ouviu pela primeira vez de um cantador numa feira do Crato. Ficou impressio-nado com a letra – fora composta em 1958 e era cantada em vários estados da região. Mandou que buscassem o autor e teria feito a proposta de comprar letra e música para que assinasse como único autor. Patativa não concordou mas lhe deu a parceria.

Essa gravação inspirou Claudio Henrique Sales de Andrade a defen-der na USP o doutorado Aspectos e impasses da poesia de Patativa do Assa-ré, orientado por Valentim Aparecido Facioli. “Eu sempre ouvi essa música com grande comoção”, recorda Andra-de. Em 1978 ele ganhou de presente de uma tia um exemplar do livro Cante lá que eu canto cá, da autoria de Patati-

va, que acabara de ser publicado pela Editora Vozes. Cinco anos depois, con-cursado do Banco do Brasil, aconteceu uma grande coincidência: sua vaga de funcionário público era na cidade de Assaré. “Conheci Patativa e nos tor-namos grandes amigos.” Durante dois anos, o pesquisador frequentou sua casa quase diariamente e fundou um centro de cultura na cidade que adotou o nome do poeta.

Depois de se mudar para São Paulo na década de 1980 e ingressar no cur-so de Letras da USP, Andrade decidiu estudar a obra de Patativa como tema de mestrado. O pesquisador procurou estabelecer no doutorado as fontes da poética de Patativa do Assaré e acom-panhar os desdobramentos que essas fontes receberam em sua produção. “Patativa é um poeta singular no pa-norama da poesia brasileira do século XX, ele mantém viva e atualizada uma poesia de raízes populares, nutrida no regime da oralidade, mas amplifica os limites temáticos e formais dessas tra-dições ao acrescentar um forte compo-nente autoral e um refinado lirismo, além de uma atitude reflexiva pouco usual nesse contexto”, explica o autor. Seu trabalho avança no sentido de cir-cunscrever essa produção. Para isso, fez um mapeamento formal de sua obra. Em seguida, estabeleceu pistas que permitam demonstrar a diferen-ça de sua poesia para com a tradição que o formou. “Sempre me moveu o sentimento da diferença e meu desejo

Gonçalo Junior

A vida prometia ser injusta para o pequeno lavrador Antônio Gonçalves da Silva, morador da pequena Assaré, no Cea-rá. Do mesmo modo que para milhares ou milhões de moradores do sertão ári-

do do Nordeste. Ainda menino, uma doença lhe tirou a visão de um dos olhos. Aos 8, viu-se obrigado a pegar na enxada para ajudar no sustento da mãe e dos irmãos, após a morte pre-matura do seu pai. Somente aos 12, durante alguns meses, frequentou a escola local. Foi o suficiente, porém, para alfabetizá-lo. Antônio tinha um dom raro, daqueles que não se expli-cam à luz da razão: começou a fazer repentes e a se apresentar em festas e ocasiões importantes. Por fim, aos 20 anos, ganhou o pseudônimo de Pata-tiva porque sua poesia era comparável à beleza do canto dessa ave.

Surgia Patativa do Assaré (1909-2002), poeta popular, compositor, cantor e improvisador brasileiro. Se-ria o mais importante no século XX de uma nação e um quase país chamado Nordeste. Dono de uma memória pro-digiosa, era capaz de recitar sem pesta-nejar longos e incontáveis poemas de sua autoria. Eram frases rimadas que traziam a sabedoria de quem aprendeu a viver nas adversidades e a superar as privações. Vê-lo falar era quase sempre aprender lições de sabedoria e filosofia popular. Não por acaso, recebeu diver-sas premiações, títulos e homenagens –

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foi realizar uma descrição que revele e clarifique essa diferença.”

Andrade elaborou uma lista com todos os poemas publicados dispostos em ordem alfabética e registrou ainda o tipo de estrofe em que cada um foi composto e o livro onde foi publicado originalmente. Nesse processo detectou inúmeros erros em todas as edições das obras do poeta – alguns que vêm se perpetuando e outros inéditos que fo-ram cometidos nas edições mais recen-tes. “Creio que essa parte do trabalho venha a ser útil a outros estudiosos, que poderão se valer do levantamento feito, interessados talvez em investigar algu-mas questões que coloco e que ainda ficaram em aberto. Ou que, talvez, seja de alguma serventia para uma futura edição crítica dessa obra.” Na etapa se-guinte investigou as vertentes culta e popular em diversas análises de texto. Finalmente buscou compreender o que chamou de “a dialética entre moderni-zação e tradicionalismo” em Patativa, com ênfase num núcleo de poemas que discutem e encenam as consequências do progresso sobre a vida do trabalha-dor rural.

O pesquisador acredita que, dessa forma, se revela toda a riqueza do ponto de vista do poeta. Crítico das formas de dominação paternalistas, afirma An-drade, Patativa do Assaré é, ao mesmo tempo, capaz de resgatar e divulgar a poesia e o humanismo inerentes aos modos de vida arcaico e tradicional e,

ao fazê-lo, identifica com penetração toda a negatividade de um progresso que é ele próprio uma imposição e ou-tra forma de dominação. “E nesse passo tudo é contraditório e complexo, e o poeta percorre soberba e belamente as trilhas dessas contradições. Há, pois, ao lado de um anseio por um progresso civilizador e libertador uma visão des-mistificadora do progresso que, às ve-zes, apenas substitui e renova as formas de dominação.” Tudo isso, prossegue o pesquisador, contribui para o argu-mento de que sua obra descortina uma perspectiva diferenciada que, por um lado, vai além da narratividade rente do cordel e, por outro, resulta de uma perspectiva visceralmente popular.

Cordel - Em seu estudo, Andrade procura descrever características que singularizam Patativa no universo da literatura brasileira. O poeta, afirma ele, tem sido apressadamente considerado por alguns como um autor de cordel. “Mas ele não faz literatura de cordel no sentido rigoroso da expressão. Sal-vo dois ou três poemas em que incur-sionou por este tipo de poesia como variação, exercício ou tributo.” O autor explica que sua obra se divide em três vertentes: lírica, narrativa e reflexiva. “Sua poesia é, em certo sentido, bicul-tural, pois trabalha em dois registros linguísticos: escreve na língua cabocla, num português popular que é uma es-tilização da fala do matuto sertanejo,

realizada com mais conhecimento da causa e de forma mais sistemática do que vemos na obra de Catulo da Paixão Cearense (1863-1946), por exemplo. E escreve também dentro da norma culta. Nessa parte da obra, admiro a riqueza do seu léxico e a complexidade de al-guns torneios sintáticos.”

Patativa, portanto, foi um atuali-zador do esquema dualista da peleja poética dos desafios de cantadores, co-mo escreve Andrade. De acordo com ele, o poeta internalizou esse dualismo e o correspondente espírito do desafio criando vários poemas em que dá voz a dois pontos de vista distintos e em opo-sição, e põe essas vozes a debater tiran-do efeitos muito interessantes desses desafios de um só autor. “Ao lado dessas produções nutridas no húmus popular tradicional, ele foi um excelente sone-tista. Musicou também alguns de seus poemas, sendo Vaca Estrela, Boi Fubá e A triste partida os mais conhecidos. O autor estudou três sonetos porque seu objetivo era apreender a singularidade da produção de Patativa, compreender a natureza e delimitar os contornos de sua poética. Para isso, foi preciso con-templar todas as vertentes que sua obra comporta – a culta e a popular. Para o estudo da primeira, selecionou Minha serra, O pau-d’arco e Minha cinza. “São sonetos muito bem realizados. Trazem temas, imagens, recursos estilísticos que atestam o domínio e a familiari-dade de Patativa com valores de uma poesia cultivada para além do cânon da poesia sertaneja.”

Patativa, explica o pesquisador, além de uma formação fundamentada nas poéticas da oralidade – o cordel e a cantoria dos repentes –, foi também um apreciador e um curioso da obra de poe tas cultos: Camões, Castro Alves, Casimiro de Abreu, Olavo Bilac estavam entre suas leituras. “Numa de nossas úl-timas conversas, ele me fez perguntas sobre o poeta baiano Gregório de Ma-tos (1636-1696). Lera alguma coisa dele e ficou muito interessado. Essa empatia é muito natural nesse caso, pois, além do espírito de sátira, comum aos dois poetas, Gregório usava a mesma estrofe de dez versos, com a métrica e o esque-ma de rimas que são adotados até hoje nos desafios de cantadores e que tam-bém encontramos na obra de Patativa. Quando Gregório glosava motes sem-

Patativa do Assaré é capaz de resgatar e divulgar a poesia e o humanismo inerentes aos modos de vida arcaico e tradicional

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pre o fazia nesse tipo de estrofe e que é o mesmo que Patativa emprega em seus motes e glosas. Vem da tradição, desde o tempo do Brasil Colônia e perdura no Nordeste até hoje. Aproxima e põe em contato um poeta de extração culta e outro de extração popular, separados por três séculos.”

Andrade aponta como erudito na obra de Patativa o gosto pelo soneto e sua métrica decassílaba. “Há também um apuramento do pendor lírico na proporção em que ocorre uma atenua-ção da epicidade, muito acentuada na poesia sertaneja mais tradicional; abertura para temas universais e mais abstratos (direitos humanos, os mis-térios da condição humana: o tempo e a morte).” Pode-se dizer que existe ainda uma poesia mais reflexiva, não narrativa, em que o poeta toma distân-cia e enuncia avaliações e juízos críticos sobre as questões sociais. “Isso coexiste com poemas narrativos que discutem as mesmas questões segundo uma es-tratégia de crítica mais tradicional.”

Ao comentar a escolha do tema de sua pesquisa, Claudio Henrique Sales de Andrade concorda que a obra de Pa-tativa ainda espera por reconhecimento nos grandes centros do Sudeste brasi-leiro. Mas o interesse tem aumentado significativamente. Como professor universitário, ele tem visto crescer o interesse pela obra de Patativa entre estudantes de letras, assim como por outras manifestações literárias da esfera da cultura popular. Observa também um reconhecimento do valor de sua obra entre muitos estudiosos de grande cacife na universidade. “Então, eu diria que existem resistência e preconceito em relação à sua obra, mas também expressivo reconhecimento.” n

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resenha

....

A té assumir a prefeitura de São Paulo, em 1975, nos tempos em que os pre-feitos da capital eram nomeados e

passavam por uma votação simbólica nas Assembleias Legislativas, o engenheiro politécnico (pela USP) já era um empre-sário bem-sucedido, audacioso e inova-dor. O convite do governador também Paulo Egydio (nenhum parentesco) Mar-tins para gerir a então já caótica capital paulista pegou Olavo comandando uma grande instituição financeira e um con-glomerado industrial por ele construídos do nada (caso da Deca) ou de pequenas empresas (caso da Duratex e o próprio Itaú). Sua e seu destino, julgava ele até essa época.

Esta já é uma história que justifica uma biografia alentada num país tão pouco dado a preservar sua memória e seus feitos – principalmente as histórias de empresários e de banqueiros. O Brasil, talvez por herança conta da formação ibérica, de um catolicismo conservador, parece ter medo do sucesso e um pouco de vergonha de coisas como o empreen-dedorismo, do lucro. Mentalidade car-torial, de funcionalismo público, que somente nos últimos anos começamos a vencer, mesmo assim com constantes ameaças de retrocesso.

O que está no livro de sua vida – Desvirando a página – A vida de Olavo Setubal, do jornalista Jorge Okubaro e do escritor Ignácio de Loyola Brandão, além de sua vida famíliar, seus peque-nos e grandes dramas, suas pequenas e grandes comédias, é a história desta outra dimensão do dr. Olavo, como o chamavam muitos de seus colaboradores – a descoberta do homem público, muito além do político que ocupou a prefeitura, o Ministério das Relações Exteriores (es-colhido por Tancredo Neves e trabalhan-do com José Sarney) e foi cotado para o Banco Central, o Ministério da Fazenda e o governo de São Paulo.

O engenheiro racional, pragmático, de emoções externas e pessoais contidas, por assim dizer, humanizou-se em contato com a realidade da vida na periferia de São Paulo, descrita para ele pelo jornalista Oliveiros Ferreira, do jornal O Estado de S. Paulo como um “barril de pólvora”. Olavo acrescentou a seu arsenal, relembrando as aulas de sociologia que teve na Escola Politécnica (bons tempos aqueles em que ainda se ensinavam humanidades nos cursos técnicos!), incorporou uma dimensão social no seu arsenal de preocupações.

E tomou gosto pela política (nada com a nossa micropo-lítica, cada vez mais brava) e pela atividade na administração pública, vista por ele, numa entrevista quando estava para completar um ano de prefeitura, como uma obrigação: “A gente não pode, quando tem um mínimo de condições, passar a vida em brancas nuvens, dentro de um interesse limitado. Já que eu tinha tido na vida particular o suficiente sucesso para assegurar a mim e a minha família uma vida tranquila, eu achava que era minha obrigação aceitar o desafio que me foi proposto pelo governador Paulo Egydio”.

Levou para a prefeitura e depois para o Itamaraty, dentro do possível em estruturas burocráticas tão segmentadas, os métodos administrativos com que inovou, por exemplo, o sistema bancário. Sua fixação foi gerar recursos para aplicar em programas e projetos para melhorar a vida da população mais sofrida da cidade. Olhou mais para a periferia do que para o Centro e a zona Sul. Ousou, por exemplo, quando defendeu a teoria de desvincular o direito de propriedade do direito de construir. Perdeu na tentativa de criar o cha-mado “solo criado”. Mas deixou a raiz nas hoje operações urbanas casadas.

Em Brasília, sempre enfrentando a má vontade dos “de carreira” com os que vêm de fora dos quadros de carreira, plantou a semente do Mercosul, infelizmente hoje tão per-dido. E deu uma guinada nas prioridades da Casa de Rio Branco, trocando a ênfase nos aspectos políticos de nossa diplomacia para encaminhá-la rumo ao futuro: “O Itamaraty tem de atacar principalmente o problema do protecionismo, os problemas da restrição no mercado externo e no Gatt”. Nossa agenda até, apenas trocando o velho Gatt pelo seu sucedâneo, OMC.

O dr. Olavo saiu da vida pública desencantado com a política dos políticos. É um livro que se lê com prazer e com um travo amargo na alma: dá para ver como já fomos bem mais servidos em matéria de homens públicos.

Um homem públicobiografia recupera caráter empreendedor de Olavo Setubal

José Márcio Mendonça é jornalista.

José Márcio Mendonça

Desvirando a página - A vida de Olavo Setubal

Jorge Okubaro e ignácio de loyola brandão

Global Editora

525 páginas r$ 65,00

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A Idade Média no cinema José Rivair Macedo, Lênia Márcia Mongelli (Orgs.) Ateliê Editorial I FAPESP 272 páginas, R$ 38,00

Será que a Idade Média foi realmente co­mo conhecemos nos filmes sobre a época? Essa é a pergunta-chave que serve para nos guiar em questões levantadas pelo livro, on­de são analisados exemplos como: o perfil cinematográfico de Joana d'Arc esculpido por Dreyer e o retrato grotesco da Cavalaria Medieval em O incrível exército de Branca­leone. Assim, reflexões são suscitadas acerca dos limites entre realidade e ficção ou entre história e fantasia.

Ateliê Editorial (11 ) 4612-9666 www.atelie.com.br

Dicionário do movimento operário: Rio de Janeiro do sécu lo XIX aos anos 1920, militantes e organ izações Claudio H. M. Batalha (Coord.) Editora Fundação Perseu Abramo I FAPESP 302 páginas, R$ 40,00

Este Dicionário reúne, sob a forma de verbe­tes, informações biográficas sobre militantes e históricos de organizações da cidade do Rio de Janeiro durante quase um século, a partir de 1830. O livro é o primeiro volume de uma série que serve como instrumento de auxílio aos pesquisadores.

Editora Fundação Perseu Abramo (11) 5571-4299 www.fpabramo.org.br

Safo Novella Silvana Ruffier Scarinci Algol Editora I Edusp I FAPESP 292 páginas, R$ 102,00

Silvana Scarinci analisa a vida e a produção da compositora e cantora barroca Barbara Strozzi, tendo como pano de fundo as conven­ções musicais, poéticas e de gênero na Itália do século XVII. O livro, que ainda traz um CD, contém apreciações de suas composições, um perfil das mulheres venezianas da época e reproduz textos originais e traduzidos, além de recuperar seis partituras da compositora.

Editora Edusp (11) 3091-4008 www.edusp.com.br

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Profissão art ista:

•• •• LIVROS

pintoras e escu ltoras acadêmicas brasileiras Ana Paula Cavalcanti Simioni Editora Edusp I FAPESP 360 páginas, R$ 80,00

Ana Paula Simioni centra sua pesquisa em cinco trajetórias paradigmáticas de pintoras e escultoras acadêmicas- Abigail de Andrade, Berthe Worms, Julieta de França, Nicolina Vaz de Assis Pinto do Couto, Georgina de Albu­querque. Profissão artista revela a crescente inserção feminina no campo artístico brasi­leiro no período que vai da metade do século XIX até 1922.

Editora Edusp (11 ) 3091-4008 www.edusp.com.br

Cidadania, cor e disciplina na revolta dos marinheiros de 1910 Álvaro Pereira do Nascimento Mauad X Editora I Faperj 264 páginas, R$ 39,00

A Revolta da Chibata não foi uma simples luta contra as chibatadas em marinheiros após o fim da escravidão como o nome induz. As reivin­dicações eram por melhoria das condições de trabalho e de carreira. Contudo conhecemos apenas a parte mais polêmica dessa história, daí que o autor foca sua análise nas relações de bordo e no papel do castigo corporal desses trabalhadores.

Mauad X Editora (21) 3479-7422 www.mauad.com.br

Fascismos: conceitos e experiências Maurício Parada (Org.) Mauad X Editora 272 páginas, R$ 42,00

Será possível um conceito unificado de fas­cismo? Ou cada país desenvolveu uma forma de autoritarismo conjuntural e específico? Os relatos publicados em português sobre a Se­gunda Guerra Mundial e sobre o fascismo têm se multiplicado nos últimos anos, irrompendo um debate sobre o assunto. O livro discute e aprofunda esses estudos, abrindo espaço para reflexões sobre suas diferentes formas.

Mauad X Editora (21) 3479-7422 www.mauad.com.br

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••• FICÇÃO

Visita à nascente

D e quinze em quinze dias, tem de subir à nascente. Tem de limpar a nascente, retirar a lama com a mão, bem de leve, com os dedos meio abertos. Tirar as folhas e os

galhos que caem em cima. Desentupir as mangueiras, liberar os respiros. São mangueiras pretas, de borracha grossa, você vai ver. Tem a de uma polegada e meia e tem outras, de três, de quatro polegadas.

Antes era só uma nascente e às vezes faltava água. No meio da noite, iam lá em casa me acordar. Duas, três horas da madrugada. Não queriam nem saber. Eu calçava a bota, apanhava o facão, pegava a minha lanterna e vinha para cá. Uma hora subindo no meio da mata. E aí, já pensou, quando eu estava bem aqui, tendo de pisar nestas pedras cheias de musgo, a bota metida até a canela na terra encharcada, e com os galhos batendo na minha cara - e vinha aranha na testa, e vinha morcego rasante pertinho da orelha - e aí, de repente, acabava a pilha da lanterna.

Sozinho no escuro, bem aqui, eu tinha de achar o caminho até a nascente, encontrar o problema, achar um cipó e enfiar na mangueira até desentupir. E depois voltar no escuro. Essa trilha toda que a gente andou agora. Quando eu chegava lá embaixo, eles já estavam dormindo, de banho tomado.

Na verdade, o olho acostuma um pouco, depois de uns cinco minutos no escuro. Só um pouco. Também, a gente vira meio bicho, com o tempo, e de tanto andar na mata enquanto vai anoitecendo e a sombra vai baixando em volta, a gente, sem perceber, acaba enxergando mais. Cada dia um pouco mais. Enxerga um pedaço e completa o resto na cabeça. Parece que está vendo o que nem vê.

Tem outra coisa: eu não me perco. Dentro da cabeça, é que nem uma bússola. Mesmo no escuro, a direção está ali: a gente acha um sinal, reconhece um ponto de um lado e

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RUBENS FIGUEIREDO

aí todos os outros se encaixam também no lugar. Só tem uma coisa que faz um homem se perder do mundo: um bosque de taquaraçu bem fechado. Não sabe o que é? Aqueles bambus altos, grossos. Isso. Um lugar assim não tem jeito. É linha demais para todo lado, parece que você caiu numa rede. Não ri, não.

Confesso que andei relaxando: não subo à nascente já faz um tempo. Olha ... faz uns três meses. Mas deixei tudo muito arrumado, muito protegido. Uso uns cacos de telha para cobrir as nascêntes. É, caco de telha. As nascentes mesmo são só isto aqui, quase nada, um olhinho assim, num vão debaixo de uma pedra. Você vai ver.

Fiz umas emendas nos respiros para, quando a manguei­ra entupir de um lado, a água poder correr pelo outro. Uns desvios, sabe? Fiz um esquema em que a água até sobe para aproveitar melhor. Como é? Olha, emendo uma mangueira menor na maior e, se não dá vazão por ali, a água sobe e aí, mais em cima, tem uma emenda só para ela descer do outro lado e ir para uma outra caixa, onde ela fica guardada.

Com tudo isso, faz tempo que não dá problema. O pro­blema é essa turma lá embaixo que joga água fora. Deixa uma torneira pingando para ver só como um reservatório de vinte mil litros não esvazia todinho num instante. Depois eles vêm reclamar comigo. Quero ver.

Quero ver se um dia eu for embora. Não vai ter quem saiba mexer nisto aqui. Não vai ter nem quem queira subir aqui feito eu, nem de noite, nem de dia. Porque fui eu que montei todo esse negócio, liguei as três nascentes novas num reservatório menor. O novo compensa o antigo, tudo traba­lha junto. Olha, a gente chegou. O reservatório da nascente antiga está ali. Está vendo? Do tamanho de uma casa. Eu e meus primos construímos. Quer dizer, tinha um reservatório

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velho, do tempo da fazenda. Mas a gente reformou demais, ampliou, deu um jeito bom.

Agora, imagina construir isto aqui no meio da mata, no alto dessa montanha. Subir carregando cimento, pedra, vergalhão nas costas, quando o caminhão não podia subir por causa da lama. Um sofrimento. Foi a gente que abriu o caminho para o caminhão passar, até dinamite a gente usou. Dava um horror ver os pedaços de pedra voando. Uns quarenta quilos cada um. Depois, com o tempo, a mata foi fechando o caminho de novo, a chuva foi abrindo umas valas fundas, a terra foi roendo nas beiradas, agora não passa nem carroça com burro.

Nossa, que água é essa que a gente está pisando? Tem alguma coisa entupida. Já estou ouvindo o barulho. Olha lá. Não disse? Está subindo pelo respiro. Então a encrenca é mais para baixo. Cuidado, segura aqui. Pronto, agora me dá esse cipó que está ali. Não, tem mais, tem uns três me­tros e meio. Vamos enfiar aqui nessa boca de cano que está muda, sequinha. Entrou muito. O entupimento é bem lá no fundo. Agora a gente dá umas batidas. Pronto, lá vem ela, já está saindo. Primeiro vem escura de barro. Agora é a areia, clareia um pouco. Pronto, ficou limpa. Sente só como é gelada. Toma. Boa de beber demais.

Está vendo as mangueiras no chão? Levei tempo para montar o esquema. Isso aí? É um buraco de paca. Não, eu só fiquei dois anos na escola. Meu pai me batia muito. Vara, sarrafo. Batia demais nos filhos, batia até na minha mãe grávida. Acho que nem era um homem ruim. Mas tinha uma coisa dentro dele, ficava vermelho. Um ódio de alguém, coisa antiga, que ninguém podia entender. Fui embora de casa pequeno. Andei para lá, andei para cá, até vir parar aqui. Fui ficando. Eu gosto. Minhas filhas nasceram aqui.

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Olha, não é brincadeira. Sei consertar de tudo, e se não souber, aprendo num instante. Cortador de grama, motor de bomba, motor de carro, brinquedo, tudo quanto é má­quina. Vivem me chamando. Ver um negócio quebrado me dá uma coisa por dentro, nem sei explicar. Eu olho, viro, e acabo consertando. É até engraçado. Desmonto e monto de novo só para ver como é. Mas gosto de limpeza, deixo tudo arrumado e no lugar.

E acha que dão valor? Dão nada. Tem juiz, médico, engenheiro, tem jornalista que fala outras línguas. Eu conserto o que efes nem sabem como vai começar a mexer. Ficam tontos, a mão na cabeça, e depois ainda choram para me pagar a mesma coisa que gastam no ingresso de um cinema, lá na cidade deles. Eu gosto é de subir aqui para a mata. A gente se sente bem, se sente grato, e nem sabe por quê.

Opa, espera aí. Não vou deixar. Esse pé de lima fui eu que limpei todinho, cuidei, e agora você quer acabar com ele?

Debruça o corpo para a frente, estende a lâmina de meio metro do facão na direção de uma folha. Bem na ponta de aço, recolhe uma lagarta gorda e da mesma cor da folha, mas listrada de preto no meio. Com um balanço do facão no ar, joga o inseto para cima e, com outro gesto, golpeia a lagarta contra o chão - uma, duas, três vezes. Faz a lagarta em pedaços. Levanta a cabeça, recupera aos poucos o ritmo da respiração e fica olhando, em silêncio, para o pequeno pé de Iima-da-pérsia, no meio da mata.

RuBENS FIGUEIREDO é um dos mais importantes tradutores brasileiros e autor do livro de contos Contos de Pedro e do ro­mance Barco a seco.

PESQUISA F"APESP 158 • ABRIL DE 2009 • 97

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Jeff Boyles, Chief Editor

• CNPJ: 07.107.658/0001-46 • [email protected] • Tel: (11) 30812627

DEPARTAMENTO DE RECURSOS HUMANOS ITSSY CONCURSOS I PROFESSORES

Os dados abaixo destinam-se exclusivamente à divulgação, não constituindo texto oficial, o qual se encontra publicado no Diário Oficial do Estado indicado. Informações detalhadas poderão ser obtidas nos e-mails descritos.

Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - EERP [email protected]

01 Professor Doutor, referência MS-3, em RDIDP (dedicação ex­clusiva), junto ao Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública. Inscrições abertas pelo período de 20.03 a 18.05.2009. Diário Ofi­cial de 30.03.2009. Edital 010/2009

Escola Politécnica - EP [email protected]

04 Professores Doutores, referência MS-3, em RDIDP (dedicação exclusiva), junto ao Departamento de Engenharia Química, espe­cialidade "Fundamentos de Engenharia Química". Inscrições abertas pelo prazo de 90 dias, no período de 1°.04 a 29.06.2009. Diário Oficial de 24.03.2009. Edita l 18/2009

Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" - ESALQ [email protected]

01 Professor Titular, referência MS-6, em RDIDP (dedicação exclu­siva), junto ao Departamento de Ciência do Solo. Inscrições abertas pelo prazo de 180 dias, no período de 02.02 a 31.07.2009. Diário Oficial de 22.01.2009. Edital 003/2009

98 • ABRIL DE 2009 • PESQUISA FAPESP 158

Comitê de Busca para diretoria do LNLS e do CeBiME

O Conselho de Administração da Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron (ABTLuS) anuncia que, após a aprovação do nome do professor Michal Gartenkraut para o cargo de Diretor Geral da Associação, o Comitê ABTLuS

de Busca continuará ativo, agora objetivando encontrar profissionais para as posições de Diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e de Diretor do Centro de Biologia Molecular Estrutural (CeBiME). Após a definição dos nomes, o CeBiME, que hoje é vinculado ao LNLS, se tornará um centro associado à ABTLuS, assim como são o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron e o Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE).

O Comitê de Busca é formado por:

Rogério Cezar de Cerqueira Leite Presidente do Conselho de Administração da ABll.uS e do Comitê de Busca

Eduardo Chaves Montenegro Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

José Ell is Ripper Filho Cientista e Empresário

Lúcia Ca rvalho Pinto de Melo Presidente do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE) e ex-membro do Conselho de Administração da ABll.uS

Pedro Wongtschowski Membro do Conselho de Administração da ABll.uS

Com sede em Campinas, São Paulo, a ABTLuS é uma Organi­zação Social que administra seus centros associados para o Ministério da Cjência e Tecnologia (MCT) e para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) via contrato de gestão.

Informações adicionais com: Rui Henrique Pereira Leite de Albuquerque Secretário Executivo do Comitê de Busca Email: [email protected] Telefone: (19) 3512-1033

Ministério cM otnct. • TecnobJia

Page 99: Capitalismo selvagem

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Page 100: Capitalismo selvagem

MCT- PUCRS Av lplnnp, 6681 · Pred10 40 POA · RS· Tel (SI) 331:0 3597

-mct.pucl"$,br

Prêmio Fundação Banco do B-rasil de Tecnologia Social 2009

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Em todo o Brasil , instituições sem fins lucrativos

implementam soluções efetivas para problemas

relacionados à água, alimentação, educação,

energia, habitáção, saúde, renda e ao meio

ambiente, que podem ser transferidas para outras

• comunidades. São as chamadas tecnologias

sociais. O Prêmio Fundação Banco do Brasil de

Tecnologia Social tem como objetivo identificar,

reconhecer e difundir estas soluções. As tecnologias

que são certificadas passam a compor o Banco de

Tecnologias Sociais, disponível no slte da Fundação

Banco do Brasil , e poderão ser reaplicadas em

futuras parcerias. As 8 melhores tecnologias

sociais receberão um prêmio de R$ 50 mil para

seu aperfeiçoamento ou expansão, totalizando

R$ 400 mil em premiação. Vamos fazer um Brasil melhor!

Compartilhe sua solução com todo o país!

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