Capítulo 05- Fatores de sucesso no planejamento cicloviário da holanda–lições para o brasil

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Fatores de sucesso no planejamento cicloviário da Holanda – lições para o Brasil.

Fatores de sucesso no planejamento cicloviário da Holanda – lições para o Brasil

JEROEN Buis 1(Tradução para o português realizada por Vinicius Feu e Yasmim B. Reck)

1. Contexto e história

Com 26% das viagens realizadas por bicicletas (além de 18% a pé), a Ho-landa é o país número 1 no mundo entre os países cicláveis. Os holandeses pe-dalam mesmo tendo o 10.º maior PIB per capita e uma alta taxa de motorização – 527 carros por mil habitantes, em 2010. Apesar de o uso de bicicletas sempre ter sido alto, entre as décadas de 1940 e 1970 ele declinou devido ao aumento da renda e do uso de automóveis.

Desde os anos 70, políticas promovendo a ciclomobilidade e o desestímu-lo ao uso do automóvel reverteram esse declínio nas cidades.

Atualmente, o uso da bicicleta nas cidades holandesas é maior do que na década de 1970. Por exemplo, os moradores de Amsterdam hoje utilizam a bici-cleta mais vezes do que o automóvel. São 28% de viagens em biciclos contra 27% de viagens em autos. Entre 1986 e 1991, apenas 21% das viagens foram feitas em duas rodas leves contra 29% em carro.

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Então, como é que os holandeses conseguiram reverter o declínio do uso da bicicleta e o aumento do uso do automóvel nas suas cidades? Há muitas ra-zões, mas tudo começa na cabeça das pessoas. Nos anos 60, com a populariza-ção do automóvel crescendo rapidamente, o sonho de muitos era possuir um carro. Os governos, em nível local e nacional, fizeram de tudo para acomodar a crescente demanda da estrutura viária.

Cada vez mais, vias eram construídas e, cada vez mais, carros as utiliza-vam. Na década de 1970, isto resultou em muitos problemas: congestionamen-tos nas cidades e estradas; poluição atmosférica e sonora; perda econômica

1 M. Sc.Eng. Consultor pela ONG I-ce – Interface Cycling Expertise; Consultor do governo da Holanda para países asiáticos e africanos. Consultor convidado em diferentes eventos sobre ciclomobili-dade no Brasil e na América Latina. Atualmente trabalha na Witteveen+Bos Consulting Engineers.

2 MUNICIPALITY OF AMSTERDAM, Dienst Infrastructuur en Verkeer, 2005-2007.

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devido a problemas de acessibilidade; e acidentes de trânsito, com o pico de 3.200 mortes em 1972.

Estes problemas fizeram com que as pessoas começassem a perceber que havia sérios efeitos negativos no uso descontrolado do automóvel privado e no planejamento dele. Organizações de protesto, como a The Dutch Cyclists Union e a Stop the Child Murder, foram criadas. Houve campanhas por um trânsito mais seguro e melhores instalações para os ciclistas. Passo a passo, os políticos e as autoridades locais começaram a perceber que algo precisava mudar, e que o binômio “trânsito x transporte”, onde o carro tem prioridade sobre todos os outros modos de locomoção, não é eficiente, nem seguro, tampouco um sistema sustentável.

Este foi o início de uma quebra de paradigma que levou a diferentes pro-jetos de vias, planos de tráfego integrado, com atenção para a ciclomobilidade e a implementação de mais e melhores infraestruturas para a bicicleta. Isto não só contribuiu para o crescimento deste modal, mas também para a queda do número de acidentes. Em 2012, apenas 650 pessoas foram mortas no trânsito na Holanda, número cinco vezes menor do que em 1972.

A situação nas cidades holandesas na década de 70 é, em muitos aspectos, comparável com a atual situação das cidades brasileiras. Embora em ambos os casos o tráfego de carros tenha sido facilitado à custa de todos os outros modos de transporte, a grande diferença está no fato de que o uso da bicicleta na Ho-landa era muito maior do que é atualmente no Brasil.

2. Fatores de sucesso para a ciclomobilidade na Holanda

Por volta dos anos 70, os holandeses observaram que o sistema que prio-riza o automóvel não funcionava. Era necessário um modo de planejamento e a formulação de políticas que considerassem todos os meios de transporte. Ao longo das décadas seguintes, reformularam seu sistema de transporte, passan-do a incluir a bicicleta e outros modais de locomoção.

2.1 Planejamento e projeto

Um pré-requisito para a mobilidade da bicicleta é que as vias e cidades estejam realmente planejadas e projetadas para seu uso. Mesmo na Holanda, com o aumento do uso do automóvel nas décadas de 60 e 70, este não foi o caso. A seguir, são mostrados os principais fatores que levaram ao aumento do uso da bicicleta e à redução do número de acidentes de trânsito com e sem ciclistas.

I. A bicicleta é um meio de transporte

A bicicleta na Holanda sempre foi um modo de transporte e considerada uma alternativa importante se comparada aos modos de transporte motoriza-dos. Quando se planeja o uso deste veículo isso é importante. Ao contrário do que é feito em muitas cidades brasileiras, onde ciclovias são planejadas ao longo

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de orlas praianas, como rotas turísticas e de lazer, na Holanda o foco principal quando se planejava o uso da bicicleta era a criação de rotas usadas pelas pessoas para ir ao trabalho e à escola.

Tais aspectos não querem dizer que na Holanda não há ciclovias de lazer. Existem várias. Entretanto, quando o planejamento para bicicletas começou, o foco foi voltado para o ciclismo utilitário, não para o ciclismo com o propósito de esporte ou lazer. Este foco fez com que as pessoas na Holanda continuassem a utilizar a bicicleta como meio de transporte.

II. Planejamento cicloviário como parte do tráfego integrado e plane-jamento urbano

As pessoas não só pedalam mais na Holanda do que em qualquer outro lugar, como a Holanda é o lugar mais seguro do mundo para se andar de bi-cicleta. Esses dois indicativos são resultado de uma abordagem integrada do ciclismo. Com o tempo, os holandeses descobriram que para incentivar as pes-soas a utilizar a bicicleta não é suficiente fornecer infraestrutura cicloviária. É necessário adaptar todo o sistema de transporte para os veículos motorizados, de tal maneira que a bicicleta se torne uma alternativa segura e confortável, rápida, direta e atraente, comparada ao automóvel particular. Isto não somente implica na melhoria das instalações para a ciclomobilidade, como significa de-sencorajar o uso do carro, modo menos apropriado ao transporte.

Planejamento de inclusão cicloviária e design para todos os modos de transporte

III. Zonas urbanas sem carro e políticas de estacionamento para eles

Um dos fatores que fizeram da bicicleta um sucesso na Holanda foi o de-senvolvimento de zonas sem carro. Fechando ou limitando severamente o aces-so a essas áreas, menos adequadas para o tráfego de automóveis, foi criada uma situação onde a bicicleta acabou por se tornar uma modalidade mais atraente de transporte para chegar ao centro da cidade. É claro que o fácil acesso dos bici-clos ao centro foi também um dos pré-requisitos. Somado a isto, políticas volta-das a cobrar pelo estacionamento e a oferta de facilidades de estacionamento na orla do centro da cidade, ao invés do coração da cidade, ajudaram a aumentar a competitividade da bicicleta em relação ao automóvel.

IV. O fim das pistas com várias faixas de tráfego com sentido único

Na Holanda, nos anos de 1960, muitas cidades tinham desenvolvido sis-temas de pistas com várias faixas de tráfego e sentido único para veículos mo-torizados. O mais comum eram pistas de três faixas em uma única direção. O desenvolvimento desse sistema gerou alta taxa de acidentes para ciclistas, pedestres e até para motoristas de autos.

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Principais consequências desta ação:

•estradas de sentido único com duas ou mais faixas induzindo velocidades mais altas;

•para conversões à esquerda na pista de sentido único, os ciclistas precisavam desviar mais de uma faixa de tráfego dos veículos motorizados, sendo esta uma manobra muito perigosa;

•nas vias de sentido único, os ciclistas tendiam a andar na contra-mão, aumentando riscos de acidentes;

•estas vias são mais perigosas para atravessar porque não é possível providenciar uma ilha central para dividir a travessia em dois estágios.

Estradas de sentido único, com apenas uma faixa de tráfego, são bem menos problemáticas devido à sua largura limitada. Portanto, quase todas as pistas múltiplas de sentido único na Holanda foram convertidas em vias duplas, com largura reduzida a apenas uma faixa ou desenhada inteiramente para não permitir o tráfego automotivo.

V. Vias estreitas dando espaço para os ciclistas

Estradas largas induzem altas velocidades, atraem grandes volumes de tráfego motorizado e são mais perigosas para atravessar.

É comum ver na cidade de Amsterdã que poucas vias têm mais de duas faixas, com uma faixa por sentido de tráfego. Nas últimas décadas muitas vias foram estreitadas e mais delas ainda serão. Para melhorar a qualidade de vida e segurança viária, nos próximos anos, a movimentada via Prins Hendrikkade, em frente à estação central de Amsterdã, com duas faixas de tráfego, será subs-tituída por uma área livre de carros. A continuação desta via, que atualmente tem quatro faixas de rodagem, será convertida em uma rua de sentido único, com apenas uma pista.

Figura 1: Via de tráfego geral convertida em ciclovia com sentido contrário (Utrecht, Holanda) .FONTE: Acervo do Autor, 2012

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Estas medidas têm um efeito muito maior sobre o conforto e a segurança dos pedestres e ciclistas do que a criação de ciclovias ao longo de vias movimen-tadas. Elas eliminam a principal ameaça para os ciclistas: o tráfego de automó-veis. Outra razão para fazer vias estreitas é dar espaço para ciclovias, como é mostrado na Figura 1.

VI. Segurança viária sustentável: tráfego acalmado e mais

Na década de 1990, os holandeses desenvolveram um conceito, e um pro-grama, chamado Segurança Viária Sustentável. Esta abordagem é baseada na ideia de que um sistema viário deve ser o mais fácil possível de se entender e usar. Assim, quando os usuários cometerem erros, a chance de isso resultar em acidentes é a menor possível. Isto é chamado de “sistema viário perdoável”. A seguir, são listados os elementos de segurança viária sustentável:

•bairros residenciais são concebidos como zonas de 30km/h. Estas zonas são, de preferência, as maiores possíveis. Um tamanho típico de tal área é de 5.000m por 1.000m;

•limite de velocidade urbana de 50 km/h, com exceção das vias arteriais;

•dentro da cidade existem apenas três tipos de vias com projeto muito especial: vias de acesso, de 30km/h; estradas alimentadoras de 50km/h; e vias arteriais de 70km/h. O projeto dessas vias é padronizado para que o usuário sempre saiba o que irá encontrar;

•em vias de acesso os ciclistas compartilham a faixa de rodagem. Em vias alimentadoras elas são demarcadas visualmente (ciclofaixas) ou fisicamente (ciclovias), segregadas do tráfego motorizado. E em vias arteriais são sempre segregadas fisicamente;

•infraestrutura cicloviária de boa qualidade onde quer que isto seja necessário.

A segurança viária sustentável tornou o tráfego ainda mais seguro na Holanda. Atualmente, o país está situada no “Top 5” dos países com a melhor segurança viária em todo o mundo, com apenas 3,9 mortes por 100 mil habitan-tes em 2010, contra 22,5 no Brasil.

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Design e Planejamento Cicloviário

VII. Planejamento da rede cicloviária

Nas décadas de 1970 e 1980, os holandeses descobriram que uma rede que conecta as principais origens e destinos é necessária para aumentar o uso da bicicleta. Proporcionar ligações isoladas de pistas para bicicletas não é sufi

1 World Health Organization, Global status report on road safety 2013.

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ciente. É importante, primeiramente, estudar onde há potencial para circulação de bicicletas e, em seguida, planejar e projetar ciclovias, mas não somente onde é fácil de fornecer infraestrutura cicloviária porque há espaço disponível.

Muitas vezes, a criação de infraestrutura cicloviária é mais necessária onde o espaço disponível é limitado. Em teoria, ter uma rede cicloviária exige mais das vias onde as infraestruturas cicláveis serão incluídas. Isso significa que é necessário negociar o espaço e discutir a função dessa via com representantes dos outros modos de transporte.

VIII. Infraestrutura cicloviária de alta qualidade: levando a ciclomo-bilidade a sério

Planejamento e projeto para o ciclismo não são fáceis. Para promover a ciclomobilidade, uma infraestrutura cicloviária de qualidade é essencial. Na Holanda, na década de 1990, um grupo de trabalho com vinte especialistas dos ministérios nacionais, províncias, municípios, a união dos ciclistas, empresas de consultoria e institutos de pesquisa, trabalharam juntos por vários anos para desenvolver o planejamento nacional e as diretrizes de design para a ciclomobi-lidade. Os instrumentos técnicos até então gerados são atualizados regularmen-te e agora são usados em todo o país para fornecer infraestrutura cicloviária de altíssima qualidade.

Além disso, universidades e escolas técnicas ensinam planejamento e projetos cicloviários, como parte de seus programas de tráfego, planejamento de transportes e engenharia civil. Isto reforça a importância dada à qualidade da infraestrutura de ciclismo na Holanda.

A fim de proporcionar uma boa qualidade de infraestrutura cicloviária, os holandeses avaliam seus projetos e designs em cinco quesitos principais:

•coerência: a infraestrutura cicloviária deve formar uma rede coerente e completa sem “links” soltos;

•objetividade: as rotas devem ser curtas, com o mínimo de desvios e atrasos possíveis;

•segurança: as ciclovias devem proporcionar a melhor segurança viária possível para os ciclistas;

•conforto: a infraestrutura cicloviária deve ser suave e confortável;

•atratividade: a infraestrutura cicloviária deve fornecer rotas atraentes.

Produzir projetos para a infraestrutura cicloviária é um trabalho muito complexo, com diversas variáveis, assim como prover regras de alta qualidade. Porém, é possível lançar algumas diretrizes baseadas em exemplos holandeses com boa infraestrutura cicloviária:

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•realizar infraestrutura cicloviária uniforme, em seções de vias e cruzamentos, sem inclinações, guias rebaixadas ou diferenças de nível;

•criar ciclofaixas ou ciclovias suficientemente largas: entre 2m e 2,5m, para as vias de sentido único, e 3,5m para as ciclovias de sentido duplo – são os padrões técnicos normatizados na Holanda. Isto é importante não só para o conforto ou capacidade das pistas para bicicletas, mas também para a segurança viária. A prática nessa área na Holanda mostra que muitos dos acidentes com ciclistas são acidentes unilaterais (ciclistas caindo sem colidir com outro veículo). Ou seja, as ciclovias de mão única, estreitas (abaixo de 2m), apresentam taxas de acidentes muito maiores do que as ciclovias largas (acima de 2,25m).

Ciclovias suficientemente largas e contínuas é a norma em áreas urbanas. A preferência na Holanda recai sobre ciclovias de mão única, nos dois lados da via, em vez de ciclovia com mão dupla em apenas um único lado da via.

Isto ocorre porque a segurança viária nos cruzamentos é maior com ci-clovias de mão única do que com ciclovias duplas. Somente em casos específi-cos, como ao longo de um canal, ou através de parques, as ciclovias com duas vias devem ser priorizadas.

IX. Estacionamento para bicicletas (Bicicletários)

O fornecimento de instalações adequadas para estacionar bicicletas é parte importante de qualquer política de incentivo à ciclomobilidade.

Figura 2: Ciclovia em Utrecht, Holanda.FONTE: Acervo do Autor, 2012

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Tal medida inclui bicicletários nos destinos mais importantes, tais como ferrovias, áreas comerciais, centros urbanos, escolas e universidades. Também devem ser instalados bicicletários perto de residências. Devido ao fato de várias casas históricas da Holanda não terem depósito ou garagem para bicicletas, ins-talações especiais de bicicletários em vizinhanças são fornecidas, para permitir que os cidadãos possam estacionar com segurança suas bicicletas.

X. Integrando o ciclismo e o transporte público

Na Holanda, 43% de todos os passageiros de trem chegam de bicicleta na estação ferroviária. Com o interesse de permitir que os ciclistas possam esta-cionar suas bicicletas na estação ferroviária, cerca de 380 mil vagas de estacio-namento para bicicletas estão disponíveis nas estações holandesas e isso deve-rá aumentar significativamente nos próximos anos.

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Na Figura 3 é mostrado o chamado “Fietsflat”, na Estação Central de Amsterdã.

O bicicletário apresentado na foto tem vários andares, com capacidade para 2.500 bicicletas. No entanto, esta é apenas uma pequena parte da capaci-dade total necessária na estação, e já se planeja a implantação de mais três áreas de estacionamento, com capacidade total para 10 mil bicicletas.

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XI. Bicicletas públicas

Apesar de a maioria dos holandeses ter uma bicicleta própria, sistemas de bicicletas públicas, como em Paris, Barcelona ou Rio de Janeiro, não existem na

1 http://www.ns.nl/jaarverslag2012/ns-in-2012/deur-tot-deur.html2 http://www.amsterdamcentraal.nu/projecten/fietsprojecten/fietsenstallingen

Figura 3: O “Fietsflat”, em Amsterdã, com espaço para 2.500 bicicletas.FONTE: Acervo do Autor, 2012

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Holanda. Porém, existem situações em que os holandeses não estão com as sua bicicletas: quando saltam do trem na cidade de destino. Para fornecer bicicletas para locomoção entre a saída da estação e o destino final, bicicletas públicas são disponibilizadas nas estações ferroviárias sob o nome de OV-fiets. As bicicletas precisam ser devolvidas para o local onde foram apanhadas. Este sistema pode ser acessado com um cartão inteligente e permite que os passagei-ros de trem possam usar uma bicicleta por €3,20 a diária. Com 240 estações que fornecem este serviço e 1,5 milhões de viagens realizadas em 2012, este sistema é muito bem-sucedido e continua a se expandir.

2.2 Pessoas: usuários, políticas e cooperação

No Item VIII mencionamos a importância dos especialistas envolvidos no planejamento e projeto para a ciclomobilidade. Além dos especialistas, ci-clistas e políticos desempenham papel importante na ciclomobilidade. Abaixo, são descritos alguns fatores de sucesso relacionados às pessoas e às políticas públicas.

XII. Andar de bicicleta é para todos

Na Holanda, todos pedalam: crianças, idosos; homens e mulheres; fun-cionários de fábricas, o primeiro-ministro, o rei e a rainha. É importante ressal-tar que, pedalando ou não, isso não tem nada a ver com o emprego ou a renda do ciclista. É apenas a escolha pessoal de um modal de transporte que é rápido, prático, barato e saudável.

XIII. Especialistas de alta qualidade proporcionam projetos de ciclo-mobilidade inclusiva

O planejamento e os projetos para a ciclomobilidade são levados a sério em universidades, nos municípios, em setores de planejamento de tráfego e nas empresas de engenharia. Apesar dos cicloativistas e voluntários ainda estarem muito envolvidos no planejamento cicloviário, são os servidores municipais e as empresas de consultoria que fazem o planejamento e os desenhos. Na Holanda, os planejadores de trânsito e transporte fazem os planos e projetos cicloviários. Nos municípios, isso muitas vezes significa que as mesmas pessoas responsáveis pelo projeto das vias para o tráfego motorizado também são as responsáveis pelo projeto de infraestrutura cicloviária. Isso ajuda na elaboração de projetos integrados que levam todos os modos de transporte em consideração.

Na maioria dos casos, projetar corretamente o setor cicloviário significa redesenhar todas as vias, não apenas adicionar ciclovias ao longo da via. Em muitos países, entretanto, ciclovias são projetadas pelos arquitetos responsáveis por parques e trilhas. Isso coloca o ciclismo na categoria de caminhadas e lazer. Assim, muitas vezes as ciclovias são desenhadas de modo semelhante a trilhas de parques, uma vez que são focadas no lazer e não no transporte.

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XIV. Respaldo político

É óbvio que o apoio político é importante para implementar planos e políticas para o ciclismo. Apesar de atualmente nenhum político na Holanda ser contra o ciclismo, isso não foi sempre assim. Cabe aos ciclistas e cidadãos cobrarem dos políticos para garantir que a ciclomobilidade faça parte dos pla-nos e políticas de trânsito e transporte.

XV. Projetos-pilotos; experiências e práticas; pesquisas e monitora-mento

Você não aprende sobre planejamento cicloviário sem realizar tentati-vas prévias, sem pesquisar. Na Holanda, muitos projetos-pilotos e experiências, juntamente com extensas pesquisas e estudos, antes e depois da implementação do uso da bicicleta, bem como estudos sobre preferências dos ciclistas, sobre se-gurança viária, e assim por diante, construíram uma riqueza de conhecimento e experiência formidável.

Figura 4: A rede cicloviária, o transporte público e o tráfego em geral na cidade de Nijmegen.FONTE: Acervo do Autor, 2012

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Além disso, a maioria dos municípios monitora o uso da bicicleta e o andamento de suas políticas de ciclomobilidade em suas cidades. Só assim é possível ver se algo funciona ou não.

XVI. Políticas e planos integrados, contínuos

É essencial que os planos de desenvolvimento urbano, planos de trânsito e de transporte, assim como suas políticas, sejam feitos levando a bicicleta em consideração. Desta forma, a ciclomobilidade deixa de ser uma questão isolada, tornando-se integrada a planos e políticas de modos de transporte, envolvendo além do carro, os transportes públicos e o pedestrianismo. A Figura 4 mostra um mapa do tráfego e das políticas de transportes a longo prazo, 2012/2020, para a cidade holandesa de Nijmegen. O mapa mostra as chamadas autociclo-vias, o núcleo da rede de transportes públicos e a rede viária arterial. Ou seja, constitui um planejamento de tráfego integrado para todos os modais.

As políticas de promoção da ciclomobilidade praticadas ao longo de mui-tos anos contribuíram para o sucesso da bicicleta na Holanda. É muito comum que as cidades holandesas tenham metas para a ciclomobilidade para cinco ou dez anos. Isso ajuda a manter o foco.

XVII. Investimentos significativos

Na Holanda, são feitos investimentos significativos para implementar políticas de incentivo à ciclomobilidade. Todos os anos, no orçamento de cada cidade, recursos são reservados para essa área. Não é incomum que as cida-des gastem 25 euros/pessoa, anualmente, com ciclomobilidade. Em uma cidade com 1 milhão de habitantes, isso corresponde a um orçamento de 25 milhões de euros.

XVIII. Cooperação: incluindo todas as partes envolvidas – “stakehol-ders”

Para garantir boa infraestrutura cicloviária, é importante incluir todos os envolvidos que possam contribuir em projetos de ciclomobilidade. Mem-bros das agências locais e nacionais da União Holandesa de Ciclismo contri-buem com sua experiência e conhecimento como ciclistas. Também quando são necessárias grandes reconstruções de vias, os moradores têm suas opiniões ouvidas. Isto cria envolvimento e leva a um maior apoio a projetos de ciclomo-bilidade.

XIX. Educação e promoção

A educação é essencial, seja de especialistas, de ciclistas e de motoristas. Na Holanda, planejadores de tráfego e engenheiros, assim como urbanistas, são treinados para planejar e projetar estruturas cicloviárias em escolas técnicas e universidades. Aos 11 ou 12 anos de idade, as crianças na escola, fazem “exame de direção”, aprendendo tudo sobre andar de bicicleta com segurança no

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trânsito. E, finalmente, os motoristas precisam aprender a lidar com ci-clistas no trânsito. A parte teórica do exame de direção na Holanda dedica aten-ção excepcional para os ciclistas e lhes dá prioridade no trânsito.

Obviamente, há muitas outras lições a aprender com a experiência holan-desa, mas estas apresentadas são algumas das mais importantes que devem ser levadas em consideração.

3. Conclusões e recomendações

Em vez de repetir os muitos assuntos discutidos nas páginas anteriores, é apropriado fazer uma síntese das lições que os holandeses aprenderam, listando as mais relevantes para o Brasil.

Seguem então algumas recomendações importantes para a situação bra-sileira:

•incluir a ciclomobilidade como parte dos planos e projetos gerais de tráfego e vias, em vez de tratá-la como questão isolada;

•quando prover infraestrutura cicloviária, procurar ocupar espaços antes destinados ao tráfego motorizado (estacionamento e vias para automóveis), em vez de calçadas ou áreas verdes;

•certificar-se de que não só os arquitetos, mas também os planejadores de trânsito e engenheiros estejam envolvidos em projetos para a ciclomobilidade. Isto é necessário para integrar corretamente a bicicleta como meio de transporte. E significa, obviamente, também, que os engenheiros precisam ser preparados não só para pensar sobre o fluxo de tráfego de automóveis, mas para proporcionar mobilidade às pessoas, não aos veículos privados sobre quatro e mais rodas, assim como dar mais atenção à segurança viária de todos os usuários;

•transformar ruas de mão única em ruas de dois sentidos de tráfego, ou ruas com sentido único (com uma faixa de rodagem). Isto foi feito na Holanda, em 1970, e atualmente acontece em muitas cidades nos EUA, a fim de tornar o tráfego mais seguro;

•considerar que as ciclovias mais seguras são as de mão única, construídas em cada lado das vias de mão dupla. Deve-se evitar a construção de ciclovias de duplo sentido, em um único lado da via.

•certificar-se de que as ciclovias são suficientemente largas, projetadas de tal forma que pequenos erros não levem a consequências graves;

•levar o planejamento e projeto cicloviários a sério. Isto significa fornecer orçamentos significativos, além de contratar especialistas em ciclomobilidade de países onde isso é avançado, como a Holanda.

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•É importante também investir recursos não somente em projetos, mas nos estudos e na preparação de planos e desenhos.

No final, tudo se resume à profissionalização do planejamento e a projetos para a ciclomobilidade. Isto não é algo que ocorre em curto prazo, mas sim a partir do aprendizado, através de experiências de outros casos. E certamente o período de aprendizagem pode ser encurtado. A ciclomobilidade está crescendo em muitas partes do mundo, e o Brasil tem potencial para ampliar a participação da bicicleta como modal de transporte habitual em suas cidades.

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