Capítulo 1 – Enquadramento das relações externas da UE
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Universidade Técnica de Lisboa
Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG)
Mestrado em Economia Internacional
A Parceria entre a União Europeia e os Países Mediterrânicos depois da Conferência de
Barcelona até 2005
Paula Cristina Cravina de Sousa
Orientadores: Doutores Joaquim Alexandre dos Ramos Silva e Maria Antonina do
Espírito Santo Lima*
Júri:
Presidente: Doutor Joaquim Alexandre dos Ramos Silva, professor associado com
agregação do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de
Lisboa
Vogais: Doutora Maria Helena Almeida Silva Guimarães, professora associada da
escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho;
Doutor Horácio Crespo Pedrosa Faustino, professor auxiliar do Instituto Superior de
Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa.
Outubro/2009
* Falecimento em 16/12/2008
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Glossário
ACP (África Caraíbas e Pacífico) – Antigua; Angola; Barbados; Burkina Faso; Burundi;
Benin; Bahamas; Botswana; Belize; República Democrática do Congo; República da
África central; Congo; Côte d‟Ivoire; Lesoto; Madagáscar; Ilhas Marshal; Mali;
Mauritânia; Maurícias; Malawi; Moçambique; Namíbia; Níger; Nigéria; Nauru; Ilhas
Cook; Camarões; Cabo Verde; Djibouti; Dominica; República Dominicana; Eritreia;
Etiópia; Fiji; Estados Federado da Micronésia; Gabão; Grenada; Gana; Gâmbia; Guiné;
Guiné Equatorial; Guiné-Bissau; Guiana; Haiti; Jamaica; Quénia; Kiribati; Comoros; St
Kitts e Nevis; St Lúcia; Libéria; Papua Nova Guiné; Palau; Ruanda; Ilhas Salomão;
Seicheles; Sudão; Serra Leoa; Senegal; Somália; Suriname; São Tomé e Príncipe;
Suazilândia; Chade; Togo; Timor-Leste; Trinidad e Tobago; Tuvalu; Tanzânia; Uganda;
São Vicente e Grenadines; Vanuatu; Samoa; África do Sul; Zâmbia, Zimbabué
ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) – Brunei; Indonésia; Cambodja;
República Democrática do Lao; Myanmar; Malásia; Filipinas; Singapura; Tailândia;
Vietname
BFTA (Zona de Comércio Livre dos Bálticos) – Estónia; Letónia; Lituânia
BRIC – Brasil; Rússia; Índia; China
CCG (Conselho de Cooperação do Golfo) – Bahrein; Kowait; Oman; Qatar; Arábia
Saudita; Emirados Árabes Unidos
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CEFTA (Zona de Comércio Livre da Europa Central) - Albânia; Bósnia Herzegovina;
Croácia; Macedónia; Moldávia; Montenegro; Sérvia, Kosovo
EEE (Espaço Económico Europeu) – Islândia; Liechtenstein; Noruega; UE
EFTA (Associação de Europeia de Comércio Livre) – Suíça; Islândia; Liechtenstein,
Noruega
MED (Países Mediterrânicos) – Argélia; Egipto; Israel; Jordânia; Líbano; Marrocos;
Autoridade Palestiniana; Síria; Tunísia
Mercosul (Mercado Comum da América do Sul) – Argentina; Brasil; Paraguai; Uruguai
NAFTA (Acordo Norte-Americano de Livre Comércio) – EUA; Canadá; México
PECO (Países da Europa Central e Oriental) - Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia,
República Checa, Eslováquia, Hungria, Eslovénia, Malta e Chipre
SADCC (Comissão para a Cooperação e Desenvolvimento da África Austral) – Angola;
Botswana; Lesoto; Moçambique; Malawi; Namíbia; Suazilândia, Tanzânia; Zâmbia e
Zimbabué
UAM (União Árabe do Magrebe) - Argélia; Tunísia; Líbia; Marrocos; Mauritânia
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UE-27 (União Europeia a 27) – Áustria; Bélgica; Bulgária; Alemanha; Dinamarca;
Espanha; Finlândia; França, Reino Unido; Grécia, Irlanda; Itália; Luxemburgo;
Holanda; Portugal; Suécia; República Checa; Hungria; Estónia; Chipre; Lituânia;
Letónia; Malta; Polónia; Eslovénia, Eslováquia; Roménia;
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Resumo
O trabalho tem como objectivo caracterizar as relações entre a União Europeia (UE) e
os países mediterrânicos num contexto mais actual, entre 1995 – desde o Processo de
Barcelona - e 2005 no contexto do multilateralismo e do regionalismo. Pretende-se
descrever os avanços conseguidos em termos de política mediterrânica da UE ao nível
comercial e os entraves ao aprofundar das relações entre as duas regiões, bem como
fazer um balanço dos dez anos de Barcelona. Os esforços para relançar a Parceria feitos
a partir de 2005 também serão tratados. O trabalho fará também uma abordagem às
relações entre Portugal e os países mediterrânicos.
Palavras-chave: União Europeia, países mediterrânicos, Processo Barcelona, comércio,
integração regional, multilateralismo
This paper pretends to characterize the relationship between the European Union and
the Mediterranean partners between 1995, year of the Barcelona Process, to 2005 in the
context of multilateralism and regionalism. The objective is to describe the evolution of
the trade relations and to make a balance of the ten years of the Barcelona Process. The
EU‟s new strategies to re-launch the partnership will also be treated. The paper will
show the differences between the two regions and between the Mediterranean countries
themselves. The relations between Portugal and the Mediterranean countries will also be
treated.
Keywords: European Union; Mediterranean countries; Barcelona Process; trade;
regional integration; multilateralism
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Índice
Introdução 10
1. Regionalismo europeu no contexto mundial 11
1.1 Multilateralismo e regionalismo 13
1.2 GATT/OMC 24
1.2.1 Cláusula de Habilitação 26
1.2.2 Sistema Generalizado de Preferências 27
1.2.3 Artigo XXIV do GATT e artigo V do GATS 30
1.3 Panorama actual de proliferação dos Acordos de Comércio Regional 32
1.4 Evolução da UE enquanto bloco mundial 37
1.4.1 Acordos de Associação e de Cooperação 39
2. Breve abordagem histórica das relações UE/PTM 42
2.1 A política comercial europeia e relações com países terceiros 42
2.1.1 A pirâmide de preferências 42
2.1.2 Regras de origem e sistema pan-euromediterrânico 44
2.1.2.1 Regras de origem preferenciais 48
2.2 Política comercial comum e evolução das relações com os PTM 51
2.2.1 Antes de Barcelona 51
2.2.2 Processo Barcelona 52
2.2.2.1 As três componentes do Processo Barcelona 53
2.2.3 A União para o Mediterrâneo 59
3. Relações comerciais entre a UE e os PTM (1995-2005) 63
3.1 Caracterização do Mediterrâneo 63
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3.2 Relações comerciais entre a UE e os países mediterrânicos 67
3.3 Integração sul-sul e as relações comerciais entre os países do sul do
Mediterrâneo 83
3.3.1 O Acordo de Agadir 84
3.3.2 Motivos para a fraca integração Sul-Sul 87
3.3.3 O impacto dos países emergentes 93
3.4 Relações comerciais entre Portugal e os países mediterrânicos 94
4. Repensando a parceria à luz da nova estratégia da UE de 2006 98
5. Conclusão 103
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Lista de quadros, gráficos e mapas
Quadros
Quadro 1. Evolução da pirâmide de preferências 43
Quadro 2. Ranking Doing Business 2008/2009 65
Quadro 3. Diferença de tarifas entre os países mediterrânicos 66
Quadro 4. Exportações para os países do Mediterrâneo 85
Quadro 5. Importações dos países do Mediterrâneo 86
Quadro 6. Evolução do comércio entre Portugal e os MED entre 1995 e 2004 94
Gráficos
Gráfico 1. Acordos de comércio regional notificados por tipo de acordo (Dezembro de
2006) 31
Gráfico 2. Acordos de Comércio Regional em vigor por data 33
Gráfico 3. Evolução das trocas entre a UE e a Argélia entre 1995 e 2005 68
Gráfico 4. Evolução das trocas entre a UE e o Egipto entre 1995 e 2005 71
Gráfico 5. Evolução das trocas entre a UE e Israel entre 1995 e 2005 73
Gráfico 6. Evolução das trocas entre a UE e a Jordânia entre 1995 e 2005 74
Gráfico 7. Evolução das trocas entre a UE e o Líbano entre 1995 e 2005 76
Gráfico 8. Evolução das trocas entre a UE e o Marrocos entre 1995 e 2005 77
Gráfico 9. Evolução das trocas entre a UE e a Síria entre 1995 e 2005 80
Gráfico 10. Evolução das trocas entre a UE e a Tunísia entre 1995 e 2005 81
Mapas
Mapa 1. Rede de acordos regionais da UE 36
9
Agradeço aos meus professores, Antonina Lima e Joaquim Ramos Silva, pelo incentivo
e compreensão e à minha família e amigos pela paciência e motivação.
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Introdução
Numa altura em que se fala num novo fôlego do Processo de Barcelona, através do
lançamento da União Para o Mediterrânico em 2008, é importante perceber o que foi
conseguido em termos do processo iniciado em 2005 e o que faltou para que os
objectivos económicos, políticos e sociais e culturais se concretizassem. As trocas entre
as duas regiões aumentaram, mas não se está ainda perante uma zona de comércio livre
e há um longo caminho a percorrer para se conseguir atingir a estabilidade entre as duas
regiões.
Do lado do sul do mar Mediterrâneo, falhou a integração sul-sul e uma abertura maior
por parte dos países (Argélia, Egipto, Israel, Jordânia, Líbano, Marrocos, Síria, Tunísia,
Autoridade Palestiniana), no sentido de conseguirem seguir as regras do comércio
regional e multilateral, com tarifas efectivamente mais baixas e com um ambiente
económico e político mais friendly para os investidores. Do lado norte do Mediterrâneo,
isto é, da União Europeia, falta um compromisso por parte de todos os países e uma
vontade política efectiva para que as relações entre as duas regiões se tornem uma
realidade.
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Capítulo I – Enquadramento das relações externas da União Europeia
1. Regionalismo europeu no contexto mundial
O sistema de relações da União Europeia (UE) contém em si um vasto conjunto de
estratégias, de diferentes características, duração, interesses e condições. As relações
externas da UE pautam-se por vários tipos de abordagem: multilateral, bilateral e
regional. Apesar do compromisso com a Organização Mundial de Comércio (OMC) no
sentido de promover o multilateralismo, a União Europeia desenvolve também uma
rede de relações continentais, regionais e bilaterais. A estratégia continental
consubstancia-se na sua própria formação, com os vários alargamentos e a regional
reflecte-se nos acordos que a UE contratualizou ao longo do tempo com outras regiões,
como sejam os estabelecidos com a região do sul do Mediterrâneo, com o Mercosul, o
ASEAN, PECO, etc.
Esta complexidade de relações foi-se estabelecendo ao longo dos anos de formação da
UE. Durante os anos 60, período de formação da UE (1957), era já possível perceber a
coexistência das três abordagens. Nesta altura, a União afirma, pela primeira vez, a
posição comunitária na cena internacional durante a Ronda Kennedy e assina-se a
primeira Convenção de Iaoundé, com 18 países africanos e os acordos de associação
com a Grécia e a Turquia.
Nos anos 70, esta tendência mantém-se, com a implantação do Sistema Generalizado de
Preferências (SGP), como excepção à Cláusula da Nação Mais Favorecida (NMF), a
assinatura da primeira Convenção de Lomé, com 46 países das regiões da Ásia,
Caraíbas e Pacífico (ACP) e o alargamento ao Reino Unido, Dinamarca e Irlanda.
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Durante os anos 80, é lançada uma nova ronda de negociações, para eliminar as
barreiras não tarifárias ao comércio e para estender a disciplina do GATT não só aos
produtos manufacturados, como os têxteis e vestuário, e produtos agrícolas, até agora
fora do âmbito do GATT, mas também ao sector dos serviços (GATS) e aos direitos de
propriedade intelectual (TRIPS). Nos anos 90 e depois da queda do muro de Berlim e da
União Soviética abre-se a perspectiva de um alargamento a Leste e decide-se a
implementação da moeda única europeia. A Convenção de Lomé foi renovada, mantêm-
se o SGP e os acordos bilaterais e regionais, com a Turquia, o Espaço Económico
Europeu (EEE), a parceria euro-mediterrânica em 1995, acordo com o ASEAN, com o
Mercosul, etc. Este percurso demonstra a já referida coexistência das três abordagens no
relacionamento da UE no plano internacional.
A Europa é a região que mais acordos regionais e inter-regionais tem, representando
cerca de metade do total de acordos notificados à OMC e em vigor em finais de 2007. O
acordo estabelecido entre a União Europeia e os países mediterrânicos em 1995 no
Processo de Barcelona com o objectivo de formar uma zona de comércio livre até 2010
insere-se na tendência de formação de blocos regionais de comércio através de acordos
de associação.
A União Europeia é o maior parceiro comercial daqueles países tanto em comércio de
bens como de serviços. De acordo com a Comissão Europeia, mais de metade do
comércio da região realiza-se com a UE, constituindo o destino de mais de 70% das
suas exportações. A Europa é ainda o maior investidor (representa 36% do investimento
directo estrangeiro) e é a região que proporciona a maior ajuda financeira, com uma
média de três mil milhões de euros por ano em empréstimos e garantias.
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Os acordos começaram a ser estabelecidos em 1995 e arrastaram-se pelos anos 2000, o
que mostra a heterogeneidade da área. Assim, a Tunísia e Marrocos foram os primeiros
a aderir, em 1995 e 1996, respectivamente. Seguiram-se a Jordânia que assinou o acordo
em 1997, depois o Egipto em 2001 e em 2002 foi a vez do Líbano. A Argélia assinou
em 2001. O acordo com a Síria estava, em 2005, numa fase inicial.
1.1 Multilateralismo e regionalismo
A história da liberalização testemunhou duas ondas de regionalização. A primeira
durante os anos 60 sob a formação da União Europeia fez com que a onda de
regionalismo se espalhasse pelos países em desenvolvimento de África, América Latina
e outros. Neste cenário, os Estados Unidos surgiam como um forte apoiante do
multilateralismo. Esta postura mudou na segunda onda do regionalismo, durante os anos
80, em que foi mesmo um dos actores principais na celebração de vários acordos
regionais, como com Israel, com o Canadá e mais tarde, formando a NAFTA, com o
Canadá e com o México. Ao mesmo tempo davam-se os alargamentos da UE à Grécia
(1980), a Portugal e Espanha (1986), à Áustria, Finlândia e Suécia (1995).
Na primeira vaga, entre os anos 50 e 70, a formação da Comunidade Económica
Europeia (CEE), em 1957 é emblemática. No entanto, nasceram outros organismos
como a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) em 1960 e a Associação das
Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) em 1967, entre outros. A segunda vaga, entre os
anos 80 e 90, caracterizou-se pelo aparecimento da União Árabe do Magrebe (UAM),
em 1989, do Mercado Comum da América do Sul (Mercosul) em 1991, do Espaço
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Económico Europeu (EEE), em 1992 e da União Europeia, na sequência do Tratado de
Maastricht, em 1993.
As vagas de regionalismo são muito diferentes entre si. A formação de blocos regionais
nos anos 60 baseou-se num conjunto de expectativas. Em primeiro lugar, havia
esperança de que os acordos entre países disciplinaria a procura de matérias-primas e de
bens alimentares e de que, com o tempo, as exportações de bens manufacturados entre
países em desenvolvimento diminuiria a dependência económica e tecnológica. Em
segundo lugar, esperava-se que o poder negocial aumentasse face aos países
desenvolvidos, devido à sua posição como potenciais importadores ou fornecedores de
produtos essenciais (matérias-primas). Em terceiro lugar, acreditava-se que a formação
de um bloco regional permitiria o surgimento das economias de escala, como resultado
do alargamento dos mercados, a redução dos custos de produção e aumento da
eficiência económica. Por outro lado, com as trocas concentradas no Norte, as relações
Sul-Sul eram vistas como um instrumento importante e poderoso para reduzir a
dependência dos países em desenvolvimento da economia global. É natural, portanto,
que durante os anos 60, tenham surgido tantas tentativas de formação de blocos
regionais, como os ASEAN ou a Conferência de Coordenação para o Desenvolvimento
do Sul de África (SADCC), em 1979, por exemplo.
Contudo, há vários motivos que explicam o fracasso desta primeira vaga de
regionalismo. Entre os países em desenvolvimento, a maioria dos grupos era formada
por países pobres com mercados muito limitados. Mesmo quando os grupos regionais
eram formados por um grande número de países, os baixos rendimentos per capita e o
fraco poder de compra, limitavam o poder do mercado e, portanto, as relações intra-
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grupos. Por um lado, Bhalla e Bhalla (1997) consideram que pelo menos um dos países-
membro na relação Sul-Sul deverá ter uma dimensão considerável. Mesmo quando está
assegurada a dimensão mínima do mercado, é necessário que algumas pré-condições
sejam satisfeitas. Estas passam pela harmonização da legislação referente ao
investimento estrangeiro, boas relações entre Governos, empresas e indústrias,
mecanismos de financiamento, entre outras. A coesão política é também uma pré-
condição importante para o sucesso dos blocos regionais, factor que não esteve presente
em muitos dos casos.
Por outro lado, na ausência de mecanismos que garantam uma compensação
relativamente à perda de produção ou perda de receita em virtude da redução de tarifas,
a cooperação entre parceiros regionais com um mercado potencial diferente potencia
uma distribuição desigual dos ganhos conseguidos com a liberalização económica e
comercial. Segundo o mesmo autor, para que a integração entre países tenha sucesso é
necessário que todos os membros, ricos e pobres, beneficiem dela de forma adequada.
A maioria dos grupos formada nos anos 60 era constituída por países com estruturas
produtivas semelhantes, em lugar de existir uma complementaridade entre elas.
Estruturas de produção diversificadas são, por isso, outra das pré-condições para a
expansão do comércio intraregional, bem como do comércio com o resto do mundo.
Bhalla e Bhalla (1997) referem também que a cooperação Sul-Sul requer um período de
adaptação maior, uma vez que terá de ultrapassar problemas sócio-económicos que os
blocos Norte-Norte não têm, onde a integração comercial pré-união é, em geral,
considerável.
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O regionalismo dos anos 80 e 90 difere substancialmente do verificado na primeira
vaga. Este facto deve-se sobretudo a um contexto político e económico diferente. Entre
os anos 50 e 70, os novos países independentes e em desenvolvimento viam a
independência do Norte através da cooperação Sul-Sul. Porém, os novos grupos já
nascem sob o paradigma da liberalização económica e da desregulamentação do
mercado. A abordagem dos novos grupos é também diferente. Enquanto no „velho
regionalismo‟ se via a protecção tarifária como um meio de defesa, estes olham agora
para o comércio intra e inter-regional como o motor do crescimento. No „novo
regionalismo‟, a integração regional está a ser desenvolvida no sentido Norte-Sul, o que
implica uma maior diversidade e países em diferentes estados de desenvolvimento. A
NAFTA em 1992, a proposta para formar uma zona de comércio livre entre a UE e os
países mediterrâneos em 1995, com o Processo de Barcelona e a negociação actual para
o estabelecimento de uma Zona de Comércio Livre entre a UE e o Mercosul são
exemplos deste tipo de cooperação, independentemente dos resultados finais destes
processos.
O objectivo dos países em desenvolvimento que procuram um acordo regional com um
grande mercado como a União Europeia ou os EUA é assegurar o acesso a estes
mercados. No entanto, há que notar que os países em desenvolvimento, especialmente
os países menos desenvolvidos já têm acesso preferencial a estes mercados, para a
maioria dos produtos manufacturados – seja através de programas preferenciais
unilaterais, seja porque as tarifas da Cláusula Nação Mais Favorecida já eram muito
baixas. Os acordos regionais excluem na maioria das vezes o sector agrícola e outros
produtos politicamente sensíveis. Outro dos objectivos é reforçar as reformas internas
através de compromissos políticos visíveis. Entrar para um bloco regional pode também
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reflectir o desejo de resolver conjuntamente problemas específicos dessa região: água,
energia, migrações.
Bhagwatti (1993) considera que a segunda onda de regionalismo é mais duradoura que a
primeira, já que conta agora com o apoio dos Estados Unidos desapontados com o
desenvolvimento do GATT, ao mesmo tempo que a Europa aprofunda o seu nível de
integração. Krugman (1991) justifica este abrandamento no desenrolar das negociações
do GATT com o aumento do número de participantes - o que dificulta as negociações –
com a mudança nas formas de proteccionismo – a existência da possibilidade de colocar
limitações voluntárias às exportações e os mecanismos anti-dumping fazem com que as
negociações sejam mais complicadas e morosas. Por outro lado, a quebra da influência
dos Estados Unidos e as diferenças institucionais entre os maiores países contribuem
também para este efeito.
Contudo, Baldwin (1996) apresenta um motivo diferente: afirma que a proliferação de
acordos regionais não representa o falhanço do GATT e defende que as negociações
daquele organismo sempre foram difíceis e longas. Baldwin argumenta que a
proliferação dos acordos regionais se deve ao efeito dominó que foi despoletado por
dois acontecimentos marcantes, um no continente americano e outro na Europa. O
primeiro foi a formação da ZCL entre os EUA e o México que colocou em causa o
equilíbrio das relações nas Américas com o acesso preferencial que o México iria ter em
relação ao mercado norte-americano. Este acontecimento fez com que o Chile, o Brasil,
a Argentina e outros quisessem também eles formar ZCL com os EUA. Mas estes
sugeriram a formação de blocos entre eles antes de se candidatarem a acordos com os
EUA.
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Na Europa deu-se um processo semelhante, com a formação do mercado único que
criou um efeito dominó, com os países da EFTA a sentirem-se pressionados a aderir no
final dos anos 80 e início da década de 90. Baldwin explica que a integração e a
perspectiva de maior actividade desperta os exportadores para o bloco regional. Caso o
governo estivesse num ponto de relativa indiferença no tocante à participação no bloco,
a perspectiva de actividade extra pode convencê-lo a integrar o grupo. À medida que o
bloco aumenta, o custo para os não-membros vai aumentando, já que perdem
competitividade para um grande número de países.
Promfet (2006) identifica ainda uma terceira vaga de regionalismo nos anos 2000, desta
feita conduzida pela Ásia e pelo crescimento económico chinês. O colapso das reuniões
da OMC em 1999, em Seattle, estimulou novos acordos de liberalização de comércio na
região da Ásia-Pacífico. Em 1999, tiveram início as negociações bilaterais entre o Japão
e Singapura bem como negociações entre a China e os ASEAN. Singapura, Tailândia e
Coreia do Sul celebraram acordos bilaterais. Por sua vez, os Estados Unidos também
negociaram acordos com Marrocos, a Jordânia e a Austrália. Em 2004, a UE passou a
contar com 25 membros e em 2007 com 27.
Há ainda outro aspecto a considerar: existem diferenças consideráveis entre os acordos
bilaterais Norte-Sul e a cooperação Sul-Sul. Os primeiros são consideravelmente mais
ambiciosos em termos de conteúdo e de amplitude que a cooperação Sul-Sul e vão mais
longe no que se refere à profundidade das relações criadas, estendendo-se ao sector dos
serviços e aos direitos de propriedade.
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Resta saber se o regionalismo leva ao multilateralismo ou se pelo contrário o impede.
Esta tem sido, aliás, uma das questões mais discutidas ao longo dos anos. Bhagwati
(1993) coloca a questão em termos de „building blocks ou stumbling blocks‟. Para
avaliar os blocos é necessário encontrar respostas para as seguintes perguntas:
Este tipo de acordos (uniões aduaneiras ou zonas de comércio livre) reduz
ou não as trocas comerciais mundiais?
Será o regionalismo um dos meios para se alcançar o comércio livre, não
discriminatório e multilateral, ou seja, será que a expansão dos blocos
regionais conduzirá ao comércio livre mundial; ou, pelo contrário, irá
fragmentar a economia mundial?
As respostas a estas duas questões variam de autor para autor. De um lado Bhagwati
(1993) com uma visão mais negativa do regionalismo e, do outro, autores como
Lawrence (1996), Summers (1991), Deardorff and Stern (1994), entre outros são mais
optimistas.
Bhalla e Bhalla (1997) consideram que para que o regionalismo seja visto como um
building block tem de satisfazer três condições: deverá criar comércio em lugar de o
desviar e, além de o fazer, deverá induzir ao crescimento, além de facilitar as
negociações para conseguir resultados positivos em termos de comércio mulilateral.
Já Krugman (1991) considera que tal depende do número de blocos criados entre os
vários países. Num dos extremos há tantos países quantos blocos e nenhum tem poder
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de mercado, pelo que as tarifas são zero e a competitividade maximiza o bem-estar
mundial. No extremo oposto existe apenas um bloco no qual as tarifas são zero e sem
restrições às trocas comerciais. Qualquer situação intermédia é negativa, sendo a mais
penalizadora aquela que se caracteriza pela existência de três blocos. Quando existem
dois blocos, cada um tem o monopólio dos seus produtos e aplica uma taxa às
importações do bloco rival. Se existirem três blocos com dimensão comercial
equivalente, tal leva a que apenas um terço, em vez de metade dos bens, estejam sob o
livre comércio, pelo que há um efeito de desvio de comércio tal como concebido por
Viner. Contudo, Krugman admite também que os países que celebrem acordos de livre
comércio entre si têm, em geral, mais em comum do que com os restantes países. Estes
países são os chamados parceiros comerciais naturais com os quais as trocas comerciais
já eram intensas.
Por outro lado, Bhagwati (1993) considera que os países de maior dimensão e de maior
influência tendem a olhar mais para si próprios que os mais pequenos. Uma vez que o
país é grande o suficiente, a necessidade de se abrir a outros países ou blocos é reduzida.
Como referi acima, Bhagwati considera que o revivalismo do regionalismo não é bem-
vindo, mas reconhece que esta segunda onda será mais duradoura. Assim, defende
medidas de controlo para que aqueles acordos sejam o mais benéfico possível e
consonantes com o objectivo do comércio livre a nível global.
Elenca de seguida um conjunto de medidas para evitar o desvio de comércio como, por
exemplo, a proibição de ZCL no artigo XXIV: “Uma solução seria modificar o artigo
XXIV, para excluir as ZCL, com várias tarifas por membro e permitir apenas as UA
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com tarifas externas comuns”1. Quanto mais profunda a forma de integração, mais
próximo se está do comércio livre. Além disso, Bhagwati sugere também a
obrigatoriedade de incluir na união a tarifa mais baixa de qualquer membro da UA sobre
qualquer produto em vigor antes da mesma. Por outro lado, considera que o
regionalismo implica uma maior necessidade de um GATT forte e de reformas que
possam limitar a utilização dos mecanismos de anti-dumping e de restrições voluntárias
das exportações como medidas proteccionistas. Como alternativa é ainda proposta a
análise caso-a-caso dos acordos regionais, em que o GATT analise um a um a
aprovação ou não de cada ZCL e UA, consoante o seu resultado seja a criação ou o
desvio de comércio. Resta saber se isto é exequível à priori.
Para Bhagwati e Panagariya (1996), o desenvolvimento de acordos preferenciais só é
desejável se se estiver perante a construção de um mercado único com integração plena
dos factores de mercado e harmonização política ou quando as negociações multilaterais
não estão a funcionar. Para os autores nenhuma destas situações se coloca. A
proliferação dos acordos preferenciais torna mais real a possibilidade de um „spaghetti
bowl‟, em que as barreiras comerciais vão depender da origem do produto. “Os acordos
preferenciais são apenas um e gigantesco passo atrás desta realidade: a necessidade é,
hoje, de se intensificar o compromisso para com os princípios básicos da não-
discriminação que os arquitectos do GATT viram como a sua principal virtude, e não
destruí-la”2, afirmam os autores.
Já Lawrence (1996) vê os acordos regionais como building blocks. “Estes acordos estão
a ser assinados por países desenvolvidos e em desenvolvimento, que estão a liberalizar
1 Bhagwati, J. (1993), Regionalism and Multilateralism: An overview in Trading Blocks: Alternative
Approaches to Analizing Preferential Trading Agreements (1999), p. 16. 2 Bhagwati e Panagariya (1996), Preferential Trading Areas and Multilateralism, in idem, p.78.
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o comércio unilateralmente e através da OMC”3. O autor exemplifica com os casos da
UE e do México: os membros da UE baixaram as barreiras comerciais externas e
internas e o México tornou-se mais atractivo para a captação de IDE quando garantiu o
acesso ao mercado norte-americano aos seus produtores. Por outro lado, o autor realça
que os acordos são abertos a alargamentos. A experiência de outros acordos indica que
os acordos regionais de sucesso representam um grande pólo de atracção nos países
fronteiriços e criam incentivos à expansão do acordo, como aconteceu, por exemplo
com a UE, que começou com seis membros. Os países competem com os vizinhos e há,
por isso, uma forte necessidade para os não membros de igualar as vantagens dadas
pelos membros de um acordo. Lawrence afirma que “o regionalismo veio para ficar”4 e
que é essencial manter os acordos abertos ao alargamento e defende que a OMC deve
desempenhar um papel importante em garantir que assim acontece.
O autor reconhece, no entanto, que o maior risco no desenvolvimento dos acordos
regionais é o aparecimento de novas formas de protecção como a implementação de
regras de origem e de direitos anti-dumping que têm efeitos proteccionistas. Assim,
defende que as regras do GATT devem ser reforçadas. Os membros não devem poder
aplicar regras de origem específicas para determinados sectores e as regras anti-
dumping devem ser reformuladas.
Por sua vez, Summers (1991) argumenta que, dada a actual estrutura do comércio, os
efeitos de criação de comércio dos acordos regionais deverão exceder os de desvio de
comércio e que há boas probabilidades de que, mesmo quando o desvio de comércio
domina, os acordos regionais aumentem o bem-estar. Summers refere ainda os parceiros
3 Lawrence, R. (1996), Regionalism, Multilateralism and Deeper Integration, p. 109. 4 Idem, p.110.
23
naturais e considera que os blocos criados entre países que já registavam grandes níveis
de comércio entre si, antes da formação do bloco, reduzem o risco de desvio de
comércio. Bhagwati (1993) contesta esta teoria e afirma que as trocas, por exemplo
entre a Índia e o Paquistão são muito incipientes, ao contrário do que acontece por
exemplo entre os EUA e Israel.
Na mesma linha, Deardorff e Stern (1994) têm uma visão mais optimista em relação ao
regionalismo. Discordam de Krugman (1991) e não consideram que os acordos
preferenciais tenham um cariz tão negativo. Pelo contrário, é provável que um mundo
de blocos comerciais, cada um formando uma área de comércio livre, leve o bem-estar
mundial para próximo do comércio livre. Assim, o regionalismo seria superior ao
multilateralismo.
Sugerem, ainda, que o GATT deveria reconhecer os acordos bilaterais como parte
intrínseca de qualquer sistema multilateral e não tratá-los como excepções.
Simultaneamente dever-se-ia reforçar a regra do artigo XXIV segundo a qual os acordos
preferenciais não devem conduzir a um aumento do nível de protecção. O GATT deve,
também, incentivar a formação de acordos entre países com grandes diferenças entre si
e assegurar que os acordos regionais estejam dispostos a receber novos membros. “Os
desenvolvimentos na Europa e nos EUA mostram uma vontade surpreendente em
estender o acesso preferencial além fronteiras do mundo desenvolvido”5. Porém,
reconhecem que esta vontade pode acabar assim que se crie uma distância confortável
5 Deardorff, A. e Stern, R., (1994), Multilateral Trade Negotiations and Preferential Trading
Arrangements in Trading Blocks: Alternative Approaches to Analyzing Preferential Trading Agreements
(1999), p.421.
24
entre eles e os países em desenvolvimento. “O GATT pode e deve desempenhar um
papel importante em evitar que isto aconteça”6, alertam.
Baldwin (2006) considera que os acordos regionais representam um caminho para a
liberalização do comércio mundial. Para o autor, em 2010 a maior parte do comércio
mundial estará liberalizado, ou perto disso, embora este fenómeno ocorra sobretudo
através de acordos regionais e não da OMC.
1.2 GATT/OMC
O quadro do sistema comercial multilateral foi delineado no pós-Segunda Guerra
Mundial através do Acordo Geral de Comércio e Tarifas (GATT). O GATT permaneceu
o único documento regulador das trocas comerciais mundiais até ao surgimento de
Organização Mundial de Comércio (OMC).
A OMC foi criada em 1995, no entanto, o actual sistema de comércio, nas suas linhas
fundamentais, tem cerca de sessenta anos. Na verdade, desde 1948, o GATT regulou o
sistema. Ao longo dos anos, o GATT desenvolveu-se através de várias rondas de
negociação. A última ronda concluída foi a Ronda Uruguai, que durou oito anos, entre
1986 e 1994 e conduziu à criação da OMC. Enquanto o GATT regulou apenas as trocas
comerciais de bens, a OMC tem um carácter mais abrangente, já que regula também as
trocas de serviços e a propriedade intelectual.
6 Idem.
25
Desde a criação do GATT, em 1947-48, foram concluídas oito rondas de negociação
sobre as trocas internacionais. A nona ronda de negociações, que teve início em 2001, –
Ronda de Doha – está ainda a decorrer. No início, as negociações tinham como
principal objectivo reduzir as tarifas aduaneiras nos bens importados, de forma a
liberalizar o comércio e a incentivar as trocas mundiais. Como resultado destes esforços,
em meados da década de 90, as taxas aduaneiras dos países industrializados para bens
industriais tinham sido reduzidas para níveis médios abaixo dos 3%. Mais de três
quartos dos países da OMC são países em desenvolvimento e países em transição para
economias de mercado. Durante os sete anos e meio que durou a Ronda Uruguai, mais
de 60 destes países implementaram programas de liberalização de comércio de forma
autónoma. Ao mesmo tempo, os países em desenvolvimento tiveram uma voz muito
mais activa na Ronda Uruguai do que nas negociações anteriores e também a têm agora
na Ronda de Doha.
O GATT baseia-se na Cláusula da Nação Mais Favorecida (NMF) - que tem como pilar
o princípio da não-discriminação -, na redução generalizada e progressiva dos direitos
aduaneiros, a proibição das restrições quantitativas bem como o princípio de
regulamentação do dumping e dos subsídios à exportação.
Uma das regras base é, portanto, a Cláusula da Nação Mais Favorecida, que impede
determinados países de ter um tratamento discriminatório para com outros países. Se um
país conceder um tratamento especial a outro, terá de concedê-lo também aos restantes
membros da OMC. Este é o primeiro princípio do GATT e está também presente no
Acordo Geral de Comércio de Serviços (GATTS) e no Acordo de Comércio de
Propriedade Intelectual (TRIPS).
26
Outra das regras chave é o princípio do tratamento nacional, que define que os produtos
importados e os domésticos devem ter um tratamento idêntico. O mesmo deve aplicar-
se aos serviços, às patentes e aos direitos de autor. Este princípio pode, à semelhança da
Cláusula Nação Mais Favorecida, ser encontrado nos outros acordos, GATS e TRIPS. O
tratamento nacional apenas se aplica aos bens, serviços ou patentes a partir do momento
em que entram no mercado de determinado país. Por isso, as taxas aduaneiras impostas
às importações não constituem uma violação daquele princípio.
No entanto, os diversos acordos regionais colocam em causa o princípio da NMF, que
estipula que as concessões que um país faz a outro são automaticamente extensíveis a
outros países membros. Contudo, o artigo XXIV do GATT prevê excepções a este
princípio e reconhece as uniões aduaneiras e as zonas de comércio livre mediante duas
condições: os acordos devem eliminar os obstáculos às trocas entre os países membros
para “o essencial das trocas comerciais” e não devem aumentar os direitos aduaneiros
ou possuir regulamentações mais restritivas para os países terceiros.
1.2.1 Cláusula de Habilitação
A Enabling Clause ou Cláusula de Habilitação foi adoptada em 1979 sob a égide do
GATT e permite que os países desenvolvidos ofereçam um tratamento diferenciado e
preferencial aos países em desenvolvimento. A Enabling Clause é a base legal para o
Sistema Geral de Preferências (SGP) da OMC. Com o SGP, os países desenvolvidos
oferecem tratamento preferencial e não recíproco (como tarifas baixas ou mesmo nulas
nas importações) para produtos originários dos países em desenvolvimento. No entanto,
27
são os países desenvolvidos que escolhem os produtos e também os países a beneficiar.
A Enabling Clause serve também de base legal aos acordos regionais entre países em
desenvolvimento e ao Sistema Global de Trocas Preferenciais, sob o qual os países em
desenvolvimento trocam concessões comerciais entre eles.
De acordo com o ponto três da lei – “Differential and more favourable treatment
reciprocity and fuller participation of developing countries” –, qualquer tratamento
concedido sob esta cláusula deve promover o comércio dos países em desenvolvimento
e não deverá contribuir para aumentar as barreiras ou criar entraves ao comércio. Do
mesmo modo, não deverá contribuir para criar entraves à redução ou eliminação das
tarifas e outras restrições às trocas numa base de nação mais favorecida. Deverá também
ser modificada para responder de forma positiva às necessidades de desenvolvimento,
financeiras e comerciais dos países em desenvolvimento. Por sua vez, o ponto cinco
estabelece que os países desenvolvidos não esperam qualquer reciprocidade nos
compromissos comerciais feitos com os países em desenvolvimento para reduzir ou
remover tarifas e outras barreiras, isto é, não esperam que os países em
desenvolvimento façam contributos inconsistentes com as suas necessidades individuais
financeiras e comerciais.
1.2.2 Sistema Generalizado de Preferências
Segundo o SGP, determinados produtos originários de países em desenvolvimento têm
tarifas reduzidas ou nulas. Os países menos desenvolvidos terão reduções mais
significativas para um leque mais alargado de produtos. A ideia de garantir aos países
em desenvolvimento um tratamento preferencial ao nível das tarifas na entrada nos
28
mercados industrializados partiu de Raul Prebish, o primeiro secretário-geral da
UNCTAD, na sua primeira reunião em 1964. O SGP foi adoptado quatro anos mais
tarde, na reunião seguinte, em 1968, em Nova Deli.
Actualmente há 13 SGP nacionais notificados à UNCTAD. Os países seguintes
garantem condições preferenciais: Austrália, Bielo-Rússia, Bulgária, Canadá, Estónia, a
União Europeia, Japão, Suíça, Nova Zelândia, Noruega, Estados Unidos, Rússia e
Turquia. Entre os países beneficiários do SGP da União Europeia há alguns
mediterrânicos como a Argélia, Marrocos e o Líbano. Outros são o Afeganistão,
Angola, a Argentina, a Geórgia, a Gâmbia, o Iraque e a África do Sul.
A UE foi a primeira a implementar o SGP em 1971. Desde então tem sofrido várias
alterações. Começou por conter regras diferentes para os produtos industrializados,
têxteis e agrícolas. Hoje em dia, há apenas um regulamento para todos os produtos, para
todos os acordos e por um período de três anos. No início, o sistema baseava-se em
quotas e tectos para produtos e países. Mas desde 1995, as preferências baseiam-se
antes em tarifas preferenciais que variam consoante a „sensibilidade‟ dos produtos para
o mercado europeu, e já não têm a ver com limitações quantitativas (Artigo XI). Os
beneficiários que conseguem desenvolver a sua economia podem ser retirados do SGP.
Há vários tipos de acordos dentro do SGP:
Os acordos gerais;
Os acordos que prevêem incentivos especiais para a protecção laboral;
29
Incentivos para a protecção do ambiente;
Acordos especiais para os países menos desenvolvidos;
Acordos para combater a produção e tráfico de droga.
Os acordos para os países menos desenvolvidos estão disponíveis para os 49 países
reconhecidos pelas Nações Unidas como tal e são conhecidos como os acordos
„Everything but arms‟ (EBA). A regulamentação do EBA foi adoptada pela UE em
2001, garantindo acesso livre de impostos e sem restrições quantitativas às importações
dos países menos desenvolvidos, exceptuando armas e munições. Apenas as
exportações de bananas, açúcar e arroz não foram totalmente liberalizadas.
Segundo as regras do EBA, os acordos celebrados com os países menos desenvolvidos
podem ser mantidos por um período ilimitado de tempo, pelo que o prazo aplicado aos
restantes países em desenvolvimento não é aplicado para os menos desenvolvidos.
Quanto às preferências, estas podem ser retiradas, assim que os países atinjam níveis
satisfatórios de desenvolvimento e podem ser reforçados noutros e o mesmo se aplica a
sectores.
O SGP da UE combina estas duas formas. As preferências podem ser retiradas aos
países – a exclusão – ou a sectores de actividade específicos – graduação. Todos os
acordos do SGP oferecem um determinado tratamento preferencial. Este inclui 7000
produtos, sendo que, do total, 3300 estão classificados como „não-sensíveis‟ e 3700 são
considerados „sensíveis‟. Os não-sensíveis têm acesso directo sem quaisquer tarifas,
30
enquanto os sensíveis têm uma redução tarifária, mas não a isenção total. A
sensibilidade do produto é determinada pela situação do sector manufactureiro do
mesmo produto na Comunidade. São, no fundo, aqueles que necessitam de uma maior
protecção na fronteira, enquanto os não-sensíveis são aqueles que podem já competir
com importações isentas de tributação dos países em desenvolvimento.
Uma vez que o tratamento preferencial é garantido sem quaisquer limitações
quantitativas, a UE tem algumas medidas de salvaguarda, já que o aumento das
importações dos países em desenvolvimento pode causar algumas dificuldades aos
produtores europeus. O SGP permite a reintrodução de algumas taxas e impostos
quando essas dificuldades se colocam. Estas medidas aplicam-se a produtos específicos
com origem nos países beneficiários.
1.2.3 Artigo XXIV do GATT e Artigo V do GATS
Como se disse, o artigo XXIV do GATT permite a formação de acordos regionais de
comércio como as zonas de comércio livre e a união aduaneira, como particular
excepção, mas desde que sejam cumpridos determinados critérios. Se uma zona de
comércio livre ou uma união aduaneira for criada, as barreiras ao comércio devem ser
removidas ou reduzidas para parte substancial dos sectores de comércio do grupo. Após
a concretização do acordo, as taxas e barreiras não devem ser aumentadas para os não-
membros. Da mesma forma o Artigo V do GATS permite acordos de integração
económica nos serviços.
31
A 6 de Fevereiro de 1996, a OMC criou Comité dos Acordos Regionais de Comércio. O
objectivo é examinar os grupos regionais e perceber se são, ou não, consistentes com a
OMC. No entanto, a noção de “o essencial das trocas comerciais” como é dito no artigo
referido, é muito subjectiva. Há muitos autores que criticam precisamente a
subjectividade inerente a este conceito e advogam que a elaboração de acordos regionais
e a constituição de blocos regionais se incompatibilizam com as negociações
multilaterais.
Há essencialmente dois tipos de acordos regionais: as zonas de comércio livre (ZCL) e
as uniões aduaneiras. Segundo Fiorentino, Verdeja, Toqueboeuf (2006), as ZCL
representam 84% dos acordos notificados e em vigor, como mostra o gráfico abaixo.
Aquela percentagem sobe para 92% quando se consideram os acordos assinados, em
negociação e propostos. Já a percentagem de uniões aduaneiras desce para 1% e os
acordos de alcance limitado ficam-se pelos 7%.
Gráfico 1. Acordos de comércio regional notificados por tipo de acordo (Dezembro
de 2006)
Fonte: Fiorentino, Verdeja, Toqueboeuf (2006)
32
Os números levam a concluir que as ZCL são o tipo de acordo regional que representam
uma facilidade maior na sua implementação, já que implicam um envolvimento político
menor: por um lado, permite a existência de um tratamento preferencial, mas, por outro,
permite manter a soberania na política comercial, face a países terceiros. Trata-se,
geralmente, de um processo mais rápido e flexível, mais adaptado às estratégias dos
países e permite, mais facilmente, o acesso a mercados distantes geograficamente. A
união aduaneira implica a harmonização das políticas de comércio externo e tarifas
externas comuns, sendo por isso um processo mais complexo.
Mukunoki e Tachi (2006) consideram que a criação de zonas de comércio livre é mais
eficiente que a criação de uniões aduaneiras. Os autores concluem, por isso, que “as
zonas de comércio livre são melhores que as uniões aduaneiras para a liberalização
multilateral devido à flexibilidade associada à condução da política comercial para
países não membro”7. Quando se trata de uma zona de comércio livre, cada membro
pode negociar individualmente com países de fora da ZCL e formar novos blocos que,
se sobrepõem a outros já existentes, mas que contribuem para criar trocas. Assim, se um
deles concluir um acordo torna-se no elemento central de uma rede com vários eixos (os
novos e os antigos). Exemplo é o México que é membro da NAFTA e tem acordos de
comércio livre com a UE, a EFTA, o Chile, Israel e com o Japão.
1.3 Panorama actual de proliferação de Acordos de Comércio Regional
Mais de metade do comércio mundial desenvolve-se através de blocos de comércio e
quase todos os países do mundo fazem parte de um acordo regional (Hoekman, 2002).
7 Mukunoki, H. e Tachi, K. (2006), Multilateralism and Hub-and-Spoke Bilateralism in Review of
International Economics, p. 670.
33
O número de acordos regionais tem vindo a aumentar. Segundo a OMC, entre 1948-
1994, o GATT recebeu 124 notificações de acordos de comércio regional (para o
comércio de bens), mas desde a criação da OMC, em 1995, foram notificados mais de
240 acordos, cobrindo tanto as trocas de bens como de serviços. Actualmente (a 15 de
Dezembro de 2008), estão em vigor 230 acordos de comércio regional notificados,
como mostra o gráfico seguinte.
Gráfico 2. Acordos de Comércio Regional em vigor por data
RTAs in force by date of entry into force
0
50
100
150
200
250
1948
1952
1956
1960
1964
1968
1972
1976
1980
1984
1988
1992
1996
2000
2004
2008
Year
No
. o
f R
TA
s
Fonte: OMC
Este acréscimo justifica-se, em parte, porque houve um aumento do número de
membros da OMC. Por outro lado, há ainda que contar com os acordos estabelecidos,
mas que não foram ainda notificados à OMC, os que já foram assinados, mas que ainda
não entraram em vigor, os acordos regionais que estão actualmente em negociação e os
que estão ainda em fase de proposta. Segundo a mesma fonte, se todos estes acordos
estiverem em vigor em 2010, estaremos perante cerca de 400 acordos regionais.
34
Os acordos regionais envolvem cada vez mais países além das fronteiras regionais.
Exemplos são precisamente os acordos entre a UE e os países mediterrânicos. Segundo
Fiorentino, Verdeja, Toqueboeuf (2006), enquanto o número de acordos notificados que
envolvem países de regiões diferentes chega apenas aos 12%, este valor sobe para os
43% se forem considerados os acordos em negociação e assinados e aos 52%, se incluir
os que ainda estão em fase de negociação.
Um dos factores que está em mudança é a natureza das relações Norte-Sul, que está a
evoluir para um quadro de reciprocidade e um âmbito político mais alargado e
ambicioso. Cerca de metade dos acordos regionais Norte-Sul incluem cada vez mais as
trocas de serviços, como acontece com os acordos com os países mediterrânicos que, no
ano passado, começaram as negociações para incluir nos acordos de associação o sector
dos serviços.
Porém, Promfet (2006) refuta que a contagem dos acordos de comércio regional
notificados à OMC sejam uma prova irrefutável do crescimento do regionalismo. O
autor refere que, citando Crawford and Fiorentino (2005), entre Janeiro de 2004 e
Fevereiro de 2005, foram notificados 43 acordos de comércio regional, fazendo deste
período o mais profícuo em termos de acordos regionais modificados. Esta contagem
inclui os acordos notificados sob o artigo XXIV do GATT, o artigo V do GATS e a
Enabling Clause.
Promfet defende que o principal problema em associar o crescimento do número de
acordos notificados ao crescimento do regionalismo é que os acordos assinados não têm
todos o mesmo peso. Além disso a contagem é muitas vezes duplicada. Os números
35
estão inflacionados porque muitos acordos estão notificados tanto sob o GATT como
sob o GATS, dando origem a uma duplicação na contagem. Como tal, o autor
argumenta que este tipo de contagem pode levar a conclusões erradas sobre as
tendências da economia global. A principal razão para o aumento do número de acordos
regionais durante os anos 90 foi a proliferação dos acordos bilaterais entre países da ex-
URSS e do Bloco de Leste (PECO). Para o autor, o multilateralismo está mais forte que
nunca, já que praticamente todas as nações fazem parte da OMC.
36
Mapa 1. Rede de acordos regionais da UE
Fonte: Fiorentino, Verdeja, Toqueboeuf (2006)
37
1.4 Evolução da União Europeia enquanto bloco mundial
A União Europeia, a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) e o Conselho
para a Assistência Económica Mútua (COMECON) são três exemplos de cooperação
económica regional na Europa.
A criação da Comunidade Económica Europeia (CEE) pelo Tratado de Roma em 1957
foi motivada por factores de ordem política e económica. Política numa tentativa de se
munir e proteger dos avanços do comunismo e económica no sentido de aumentar o
comércio e o investimento no seio da comunidade. Mas foi apenas em 1968 que os seis
membros originais – França, Alemanha, Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Itália –
conseguiram eliminar todas as barreiras e quotas ao comércio de produtos
manufacturados e introduzir uma tarifa externa comum, tornando-se efectivamente
numa união aduaneira. O comércio regional foi alargado à agricultura e a mobilidade do
factor trabalho foi instituído na comunidade.
Nos anos 70 e 80, verificaram-se três alargamentos. O primeiro em 1973, com a adesão
do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca; em 1981 da Grécia e em 1986 de Portugal
e Espanha. A adesão da Áustria, Suécia e Finlândia em 1995 elevou o número de países
para 15. Esta integração foi motivada pelo desejo de reforçar a democracia, de alargar o
campo de actuação dos mercados e aumentar o tamanho do mercado europeu e a
necessidade de competir no âmbito do comércio e investimento mundiais.
38
Estes sucessivos alargamentos contribuíram para a diversidade política da União, mas
também para diluir a coesão do grupo, com o Reino Unido e a Dinamarca preferiram
uma integração mais tímida.
Os anos 90 testemunharam também o acelerar do processo de integração com o
Programa para o Mercado Único Europeu e o Tratado da União Europeia, também
conhecido por Tratado de Maastricht, em que a Comunidade passou a União Europeia.
Introduzido em 1993, o mercado único tem como objectivo conduzir à livre circulação
de capitais, bens e serviços, bem como de pessoas através da eliminação de toda e
qualquer barreira não tarifária. De facto subsistiam no seio da UE vários tipos de
barreiras que constituíam um entrave à verdadeira livre circulação de factores como
diferenças legislativas, sistemas de compensação da produção agrícola, quotas de
produção ou restrições aos direitos ao estabelecimento.
O Tratado de Maastricht que entrou em vigor em Novembro de 1993 propôs-se dar mais
um passo no aprofundar da integração do Mercado Único ao propor o estabelecimento
da união monetária, conduzindo à adopção da moeda única em 1999. Esta medida tinha
como objectivo eliminar as flutuações dos câmbios monetários, dando mais segurança e
estabilidade ao investimento das empresas na região. A união monetária foi um tema
difícil no seio da UE. Os países foram pressionados a cumprir determinados critérios
(por exemplo, o défice abaixo dos 3% do Produto Interno Bruto e dívida abaixo dos
60% do PIB), para poder aderir à união monetária, o que representou para muitos países
esforços significativos na sua realidade fiscal. Por outro lado, os países viam esta união
com alguma desconfiança, uma vez que representa perda de soberania e autonomia,
sobretudo para países de moedas fortes como o Reino Unido, que optou por não aderir à
39
zona euro. Em termos políticos, o Tratado propôs uma política de defesa e de segurança
externa comum e a cooperação na Justiça e nos assuntos sociais.
No que se refere ao comércio internacional, a União Europeia teve efeitos nefastos para
os países em desenvolvimento que, não fazendo parte do mercado único e sujeitos às
barreiras externas desta, têm dificuldade em competir e em penetrar no mercado
europeu. Verificou-se, aliás, uma queda relativa no comércio com estes países durante
as primeiras décadas pós Tratado de Roma.
O Tratado de Roma limitava a acção externa da UE, uma vez que consagrava apenas
algumas disposições sobre relações externas e limitava-as a duas áreas. O Tratado
previa a conclusão de acordos no âmbito da política comercial comum e de acordos de
associação. Ora estas limitações criaram polémica sobre os poderes da UE. Alguns
autores afirmavam que a Comunidade tinha poderes para firmar acordos no plano
internacional, dado ser dotada de personalidade jurídica, e outros defendiam que a
União tinha apenas os poderes expressos no Tratado de Roma. Foi apenas com o
Tratado de Amesterdão, em 1997, que os Estados-membros decidiram dotar a UE de
uma capacidade explícita para concluir acordos internacionais.
1.4.1 Acordos de Associação e de Cooperação
Nas suas relações externas, a UE tem concluído dois tipos de acordos internacionais: os
acordos de associação e os acordos de cooperação. Estes distinguem-se dos primeiros
porque prevêem normalmente um período definido de tempo. Por sua vez os acordos de
associação podem abranger, além da cooperação comercial, áreas como a cooperação
40
social, financeira, técnica e cultural. Os acordos de associação estão previstos no artigo
CCCX do Tratado da Comunidade Europeia (TCE), segundo o qual a comunidade pode
celebrar com um ou mais Estados, ou organizações internacionais acordos que criem
uma associação caracterizada por direitos e obrigações recíprocos, acções comuns e
procedimentos especiais.
Os acordos de associação distinguem-se dos outros acordos realizados pela Comunidade
através de quatro características:
Implicam uma relação estreita entre as partes, incluindo uma associação do
país terceiro aos objectivos do TCE;
Além de incluir a componente comercial, abrange outras áreas como sejam
as já referidas cooperação social, financeira, cultural, entre outras;
As instituições criadas no âmbito destes acordos possuem órgãos com poder
deliberativo;
As relações criadas são duradouras, concluídas por períodos de tempo
indefinidos.
O mais conhecido acordo de associação concluído pela Comunidade é o Acordo de
Cotonou, celebrado com os países ACP. Cotonou estabelece o livre acesso dos produtos
ACP ao mercado comunitário, sem exigência de reciprocidade em relação aos produtos
comunitários. Outro exemplo são os acordos de associação assinados pela UE com os
países mediterrânicos.
41
Conclusão
O sistema de relações da União Europeia contém em si um vasto conjunto de
abordagens: multilateral, bilateral e regional. Apesar do compromisso com a
Organização Mundial de Comércio (OMC) no sentido de promover o multilateralismo,
a União Europeia tem desenvolvido paralelamente uma rede de relações continentais,
regionais e bilaterais. De facto, a UE, além das negociações no seio da OMC, tem
assinado outros acordos e estabelecido uniões aduaneiras e zonas de comércio livre com
outros países e regiões como com os países mediterrânicos, por exemplo. Estas
abordagens estão inseridas numa discussão mais lata relacionada com o
multilateralismo e com o regionalismo. Há muitos autores como Bhagwati (1993) que
criticam a expansão do comércio mundial através da celebração de acordos regionais e
defendem medidas para limitar a celebração daqueles acordos e para tornar os existentes
mais consonantes com o multilateralismo. Já Lawrence (1996), Deardorff e Stern
(1994), Summers (1991) têm uma visão mais optimista em relação ao regionalismo.
42
Capítulo II – Breve abordagem histórica das relações UE/PTM
2.1 A política comercial europeia e relações com países terceiros
A desintegração da União Soviética provocou o colapso do crescimento da Europa e
Ásia Central e obrigou a profundas reestruturações das economias da região e uma
redefinição das trocas comerciais. A União Europeia mostrou abertura política para
acolher os países do leste europeu como membros. A combinação de vários factores
como a conjuntura política, comercial, de investimento e assistência técnica levou à
adesão dos dez novos membros em 2004. Com os olhos postos no mercado europeu, os
países da Europa central e dos Estados Bálticos conseguiram uma integração bem
sucedida e o crescimento de IDE. Nos últimos anos, a economia das várias regiões tem
vindo a desacelerar.
2.1.1 A pirâmide de preferências
A União Europeia sempre teve um sistema de relações preferenciais e diferenciadas
consoante o grupo de países, naquela que foi chamada de pirâmide de preferências da
União Europeia.
43
Quadro 1. Evolução da pirâmide de preferências
Anos 70/80 A partir de 2002
1º EFTA PECO
2º ACP EEA; Turquia
3º Países mediterrânicos Suíça, México, África do Sul; Chile, Israel
4º SGP Mediterrânicos, ACP e Balcãs
5º OCDE com NMF
Mercosul e Conselho de Cooperação do
Golfo (CCG)
6º
Países de planificação
central
Países em desenvolvimento (extra ACP)
e os 48 países menos desenvolvidos
7º
Países da OCDE (não europeus e
excepto o México).
Nos anos 70 e 80, os países mediterrânicos ocupavam o terceiro lugar na pirâmide de
preferências da União Europeia como demonstra o quadro, mas em 1989 dá-se uma
viragem, com a queda do muro de Berlim. A base da pirâmide colapsa, os PECOs
desintegram-se e constrói-se uma nova pirâmide. Dá-se então um upgrading dos PECOs
e uma deterioração das posições de outros países, como os ACP, MED e SGP.
Este facto levou vários países mediterrânicos a procurar acordos bilaterais com a União
Europeia. Em 1995, a União Europeia prometeu mais acordos bilaterais, através do
Processo de Barcelona. A Turquia formou uma união aduaneira com a União Europeia
em 1995, no mesmo ano em que a Tunísia e Israel assinaram os seus acordos. Mas
depressa outros se seguiram: Marrocos (1996), Jordânia (1997); Autoridade Palestiniana
(1997); Egipto (2001); Argélia (2002); Líbano (2002) e a Síria (2004). E esta
proliferação de acordos fez com que alguns países celebrassem acordos também entre
44
eles como por exemplo a União Árabe do Magrebe (Marrocos, Argélia, Tunísia,
Mauritânia e Líbia) e o Acordo de Agadir (Marrocos, Tunísia, Egipto, e Jordânia).
2.1.2 Regras de origem e sistema pan-euromediterrânico
Uma das consequências mais importantes do crescimento do número de acordos
regionais de comércio é o aumento de acordos que se sobrepõem num spaghetti bowl
devido à subida do número de acordos bilaterais com as mais variadas regras de origem
(que serão mais desenvolvidas no segundo capítulo). As mais variadas regras restringem
e penalizam as empresas, aumentando os chamados custos de contexto.
Muitos acordos realizados entre determinados países são duplicados por outros feitos
com países onde aqueles também participam. Baldwin (2006) argumenta que os
defensores do spaghetti bowl passaram a vítimas com a especialização da produção e
passaram a pressionar as autoridades para harmonizar as regras de origem.
Com o proliferar dos acordos bilaterais entre a União Europeia e vários países como os
países mediterrânicos, por exemplo, e, uma vez que estes previam apenas a acumulação
bilateral, as regras de origem começaram a ter algum peso. Para amenizar os efeitos do
spaghetti bowl, a UE elaborou o sistema pan-europeu de regras de origem em 1997.
O spaghetti bowl desenvolveu-se aquando da queda do muro de Berlim em 1989 e com
a desintegração da União Soviética em 1991 em várias repúblicas de leste. A União
Europeia prontificou-se a ajudar os países de Leste e celebrou acordos bilaterais com
eles. Quase ao mesmo tempo que celebravam acordos com a UE, os países de Leste
45
começaram a celebrar acordos entre si: a ZCL central europeia (CEFTA) - a Albânia,
Bósnia Herzegovina, Croácia, Macedónia, Moldávia, Montenegro, Sérvia e Kosovo - ,
em 1992 e a ZCL báltica (BFTA) entre a Estónia, Letónia e Lituânia, em 1994. Estes
dois acordos poderiam ter levado à constituição de uma ZCL entre a CEFTA, BFTA e
UE, mas isso não foi conseguido.
Segundo Messerlin (2001), as reduções tarifárias entre os CEFTA foram seguidas por
reacções proteccionistas para um largo leque de produtos, desde o tabaco, bebidas
alcoólicas, automóveis, combustíveis, etc., sob a forma de taxas de importação e a
inexistência de acumulação de regras de origem entre a EFTA e a BFTA. Estava assim
criada uma verdadeira teia de acordos bilaterais com inúmeras regras de origem que
diferiam entre si. Mais recentemente as queixas de vários governos de leste tornaram-se
mais audíveis quanto às perdas de receitas fiscais – que resultam mais da liberalização
das trocas entre os próprios países de leste do que as que resultavam dos acordos
europeus.
Para atenuar os efeitos do spaghetti bowl, a União Europeia delineou um sistema pan-
europeu de regras de origem em 1997. A União decidiu fazer uma pausa na política de
acordos bilaterais e abandonou os planos para celebrar novos, decidindo concluir apenas
as negociações já iniciadas como foi o caso do México e do Chile. Foi um sinal de
“perigo de o „spaghetti bowl‟ se tornar numa colisão de electrões, onde existem tantos
acordos bilaterais que se sobrepõem e colidem uns contra os outros”8, afirma Messerlin
(2007).
8 Messerlin, P. (2007), Assessing the EC Trade Policy in Goods, p.8.
46
Em 1997 foi criado um sistema de acumulação "diagonal" de origem entre a UE, a
Bulgária, a Polónia, a Hungria, a República Checa, a Eslováquia, a Roménia, a Lituânia,
a Letónia, a Estónia, a Eslovénia, a Islândia, a Noruega, a Suíça e o Liechtenstein, que
foi alargado à Turquia em 1999. Assim, o valor pode ser acrescentado entre diferentes
países sem que isso afecte a sua origem.
Em 2003, na reunião ministerial de Valência, os ministros do Comércio Euromed
subscreveram um novo protocolo relativo às regras de origem, que prevê o alargamento
do sistema pan-europeu de acumulação da origem aos países mediterrânicos. A
conclusão de acordos de comércio livre entre países mediterrânicos tornará possível a
implementação da acumulação de origem pan-euromed. Como afirma Maur (2005), “a
lógica parece ser a de condicionar a possibilidade de acumulação de regras de origem à
realização de acordos regionais de comércio entre os países”9. Este sistema pressupõe a
existência de relações preferenciais, e deverá trazer benefícios significativos aos
parceiros, na óptica da concretização de uma zona de comércio inteiramente livre na
região Euromed até à data-limite de 2010. Este sistema permite aos produtores
abastecerem-se de peças em vários países da região para produzirem um determinado
bem beneficiando de um tratamento comercial preferencial em toda a região pan-
euromediterrânica. Uma evolução que permitirá aumentar os investimentos e fortalecer
a integração económica regional entre os vários países da parceria mediterrânica.
Em 2005, o Conselho Europeu, no Luxemburgo, aprovou um conjunto de projectos
tendo em vista incorporar o sistema pan-euro-mediterrânico de acumulação de origem
nos acordos com países terceiros. A fim de incorporar a nova acumulação pan-euro-
9 Maur, J-C. (2005), Exporting Europe‟s Trade Policy, p. 1571.
47
mediterrânica de origem, a UE tem de substituir os protocolos relativos às regras de
origem anexos aos acordos de comércio livre com os seguintes países: Bulgária,
Roménia, Islândia, Noruega, Suíça (incluindo o Liechtenstein), Ilhas Faroé, Turquia,
Argélia, Egipto, Israel, Jordânia, Líbano, Marrocos, Tunísia e Autoridade Palestiniana
da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, bem como o protocolo relativo às regras de origem
anexo ao acordo com o Espaço Económico Europeu.
As principais operações necessárias para actualizar os protocolos são:
A reformulação dos artigos sobre cumulação;
A introdução de novas disposições em matéria de certificação de origem;
A harmonização das disposições relativas à isenção de direitos aduaneiros;
A harmonização dos requisitos em matéria de transformação estabelecidos nos
protocolos para que as matérias não originárias adquiram a qualidade de produto
originário;
A introdução de alterações destinadas a tornar idênticas as disposições de todos os
protocolos.
As decisões permitirão que os produtos agrícolas originários da Turquia beneficiem do
novo sistema pan-euromediterrânico de acumulação de origem, uma vez que deixaram
de existir diferenças entre as preferências pautais concedidas pela UE à Turquia, por um
lado, e aos outros parceiros comerciais europeus, por outro. Permitirão também que as
Ilhas Faroé sejam incluídas no sistema.
48
2.1.2.1 Regras de origem preferenciais
Como se viu pelo exemplo acima descrito, os acordos de comércio regionais, como as
zonas de comércio livre e a uniões aduaneiras podem ter as suas próprias regras de
origem. Estas regras são utilizadas para distinguir os produtos que têm direito a um
tratamento preferencial em termos tarifários no âmbito do acordo regional. Assim, estas
regras impedem que países terceiros entrem na zona de comércio livre ou na união
aduaneira com produtos sujeitos a uma tarifa externa mais baixa.
Uma das principais críticas feitas a estes acordos é o facto de contribuírem para a
proliferação de regras de origem e consequentemente para a complexidade do sistema
comercial internacional e, logo, para dificultar a harmonização das regras. Por um lado,
é comum um país ter regras de origem diferentes consoante a região preferencial a que
pertence. Por exemplo, determinados produtos no México, membro da NAFTA e
parceiro no acordo com a União Europeia-México, podem estar sujeitos a regras de
determinação de origem diferentes consoante se destinam aos EUA e Canadá ou à
Europa. A decisão de investimento das empresas pode variar consoante os acordos e as
regras existentes. Um dos maiores inconvenientes é o aumento dos custos de transacção
envolvidos. Por outro lado, são utilizados os mesmos mecanismos básicos em todos os
acordos regionais de comércio, embora variem nas suas combinações. Um pequeno
número de modelos, concebido pelas grandes potências como os EUA e a União
Europeia, é replicado quando são concluídos acordos entre eles e outros países.
Para os países não participantes a questão não se coloca apenas em termos de custos de
transacção, mas também em termos das barreiras que podem ser criadas no que respeita
49
a desencorajar o fornecimento externo. A maior parte dos membros de acordos
regionais deve garantir que as regras de origem serão divulgadas de forma clara, porque
se o não forem podem representar uma barreira ao comércio. Além de criar barreiras ao
comércio, também podem incentivar potenciais investidores a fixar-se dentro da região
em vez de na sua periferia.
A maioria dos acordos contém a regra de minimes, que permite que seja utilizada uma
determinada percentagem de materiais não-originários da zona de comércio livre ou
união aduaneira sem que isso afecte a origem do produto. No caso, da União Europeia a
percentagem é de 5%. Por outro lado, as regras também podem conter listas de
operações que são insuficientes para que se considere que determinado produto é
originário de determinado país como é o caso da salga de determinados produtos, por
exemplo.
No caso da União Europeia, as regras servem para distinguir entre produtos de origem
não comunitária. No caso das regras não-preferenciais, estas consideram que a
transformação do produto é substancial se for „economicamente justificada‟ e resultem
num novo produto ou se tiver um peso significativo na produção. A cobertura de regras
de origem é muito generalizada. São excepções os sectores têxtil e de vestuário,
calçado, certos produtos electrónicos, componentes automóvel e determinados sectores
alimentares (que incluem vinho e carne). Para estes sectores aplicam-se regras de
origem não preferenciais específicas baseadas em listas de requerimentos, como o
mínimo de valor acrescentado (por exemplo 60% para automóveis e produtos
electrónicos) ou processos de manufactura. Os requerimentos são muito precisos, mas
as críticas afirmam que trazem um grande grau de complexidade que torna difícil a
50
qualificação dos produtos. O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias já
aconselhou as autoridades europeias a aplicar as regras de origem não-preferenciais de
forma mais alargada e consistente do que no caso das preferenciais. O objectivo é o de
garantir que as indústrias dos países em desenvolvimento possam ser beneficiárias.
A acumulação de origem permite aos produtores utilizar materiais vindos de outros
países sem perder o estatuto preferencial no final. A forma mais básica de acumulação é
a bilateral – aplicada a materiais que não são originários do país preferencial mas sim de
outro país, parte do acordo regional. Já a acumulação diagonal permite que os materiais
vindos de um país que não faça parte de um determinado acordo regional possam ser
considerados como domésticos.
No contexto do sistema pan-euro-med, a acumulação diagonal significa que os produtos
que tenham origem num dos 42 países (UE, países mediterrânicos, países da EFTA -
Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein - Turquia e Ilhas Faroé) podem ser
acrescentados aos produtos com origem noutro dos 42 países sem perder a sua origem
no seio da região pan-euro-mediterrânica. Contudo, aqueles países só podem acumular a
origem dos produtos se os acordos regionais entre estes países incluírem o protocolo
pan-euro-mediterrânico. Assim, um país da região que não esteja ligado aos outros por
acordos regionais não beneficia da acumulação de origem. Paralelamente, a acumulação
total está operativa entre o Espaço Económico Europeu e entre a Argélia, Marrocos e a
Tunísia. Estes países aplicam a acumulação entre eles e a acumulação diagonal com os
restantes países euro-mediterrânicos.
51
2.2 Política comercial comum e evolução das relações com os PTM
2.2.1 Antes de Barcelona
A primeira fase de cooperação europeia com os países mediterrânicos desenrolou-se nas
décadas de 50 e 60. No entanto, as relações entre as duas regiões não eram sistemáticas,
baseavam-se numa abordagem caso-a-caso, em função de necessidades pontuais.
Em 1975, a Comunidade reforça os laços de cooperação com o Mediterrâneo. A adesão
do Reino Unido, em 73, à UE tornou necessária a instituição de um quadro de
cooperação mais consentâneo com um conjunto mais vasto de parceiros. É neste
contexto que é assinada a primeira Convenção de Lomé em 75 e os laços com o
Mediterrâneo são reforçados. Havia uma vontade de sair do âmbito do comércio e
alargar a cooperação ao âmbito político e social. Ainda no que respeita ao comércio, já
se previa nesta altura a criação de uma zona de comércio livre.
No entanto, o aprofundar das relações entre as duas regiões não se concretizou. As
pressões exercidas pelos EUA que viam com maus olhos a parceria euro-meditarrânica
e a relutância por parte da UE em dar preferência às exportações agrícolas dos países
mediterrânicos deitaram por terra as tentativas de conseguir uma abordagem mais global
para a cooperação entre regiões. A relação contratual continuou a basear-se em acordos
bilaterais com cada um dos países mediterrânicos.
Em 1992, as relações são retomadas com novo fôlego. O Conselho Europeu de Lisboa
declarou dois anos mais tarde que “as costas meridional e oriental do Mediterrâneo e o
52
Médio Oriente são áreas geográficas em que a União tem grandes interesses, quer em
termos de segurança, quer de estabilidade social”10
. Nesta perspectiva, as conclusões do
Conselho Europeu de Corfu conferiram mandato ao Conselho e Comissão Europeus
para avaliar a política global da UE na zona do Mediterrâneo destinadas a reforçar essa
mesma política a curto e médio prazos. Também se avançou com a possibilidade de
convocar uma conferência para debate destas questões, com a participação da UE e dos
seus parceiros mediterrânicos. Foi neste sentido que se realizou então a Conferência de
Barcelona em 1995, com o objectivo de promover as relações entre UE e países
mediterrânicos de forma mais estreita.
2.2.2 Processo de Barcelona
A Conferência de Barcelona pretendeu dar à parceria euro-mediterrânica um novo
fôlego a nível político, na vontade de promover uma zona de paz e estabilidade. Ao
nível económico, o objectivo era o desenvolvimento de uma zona de comércio livre e o
desenvolvimento sustentável. No âmbito cultural, que está estreitamente relacionado
com o político, a Conferência pretendia promover o diálogo cultural e o respeito e
reconhecimento religioso. Reuniu os 15 ministros dos Negócios Estrangeiros dos
Estados-Membros da UE e dos 12 países terceiros mediterrânicos (PTM): Argélia,
Chipre, Egipto, Israel, Jordânia, Líbano, Malta, Marrocos, Síria, Tunísia, Turquia e
Autoridade Palestiniana. Foram convidadas a assistir à conferência a Liga dos Estados
Árabes e a União Árabe do Magrebe (UAM), bem como a Mauritânia (na sua qualidade
de membro da UAM).
10 Comunicação da Comissão ao Conselho e Parlamento Europeu sobre o reforço da politica
mediterrânica da UE: Estabelecimento da parceria Euro-med (1994).
53
A Conferência representou a vontade de ultrapassar o bilateralismo clássico que
marcava as relações euro-mediterrânicas e criou as bases do processo que deve conduzir
à edificação de um quadro multilateral de diálogo e de cooperação entre a UE e os
países terceiros mediterrânicos.
Como a própria Comissão reconheceu em 1994 “todos os Estados-membros poderão
retirar benefícios de uma região mediterrânica estável e próspera na medida em que se
multiplicarão as possibilidades de investimento e de trocas comerciais, reforçando as
bases para a cooperação política e económica”11
. Por outro lado, num momento de
globalização e de reforço dos regionalismos nos EUA e na Ásia, a Comunidade não
pode desperdiçar as oportunidades resultantes da integração dos seus vizinhos
mediterrânicos num sistema de regras aceite por todos.
2.2.2.1 As três componentes do Processo de Barcelona
A parceria global euro-mediterrânica baseia-se em três componentes:
A componente política e de segurança, cujo objectivo é a definição de um
espaço comum de paz e de estabilidade;
A componente económica e financeira, que deve permitir a construção de
uma zona de prosperidade partilhada;
A componente social, cultural e humana, que visa desenvolver os recursos
humanos, favorecer a compreensão entre as culturas e os intercâmbios entre
as sociedades civis.
a) A parceria política e de segurança
11 Idem.
54
Os participantes na Conferência de Barcelona decidiram realizar um diálogo político
global e regular que completa o diálogo bilateral previsto nos acordos de associação.
Além disso, a declaração define alguns objectivos comuns em matéria de estabilidade
interna e externa. As partes comprometeram-se a agir em conformidade com a Carta das
Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos do Homem. O respeito pelos
direitos humanos e pelas liberdades fundamentais (incluindo as liberdades de expressão,
de associação, de pensamento, de consciência e de credo) é reafirmado. As partes
comprometeram-se a desenvolver o Estado de Direito e a democracia no seu sistema
político reconhecendo, simultaneamente, neste quadro, o direito de cada um escolher e
desenvolver livremente o seu sistema político, sócio-cultural, económico e judicial.
O respeito pela integridade territorial, os princípios de não inferência nos assuntos
internos e a resolução pacífica dos diferendos foram também afirmados como devendo
reger as relações entre os participantes na conferência. As partes acordaram igualmente
na luta contra o terrorismo, o crime organizado e a droga. Comprometeram-se, ainda, a
promover a segurança regional e a agir em favor da não proliferação nuclear, química e
biológica, o que significava uma adesão e actuação conforme aos regimes internacionais
e regionais de não proliferação e com os diferentes acordos de limitação de armamento
e de desarmamento. Outro dos objectivos é fazer do Médio Oriente uma zona isenta de
armas de destruição maciça. Para atingir este objectivo, a parceria euro-mediterrânica
concordou em desenvolver uma rede de comunicação para uma cooperação mais
intensiva no domínio da política da defesa e segurança.
b) A parceria económica e financeira
A construção de uma zona de prosperidade partilhada no Mediterrâneo implica um
desenvolvimento sócio-económico duradouro e equilibrado, a melhoria das condições
55
de vida das populações, o aumento do nível de emprego bem como a promoção da
cooperação e da integração regionais. A prossecução deste objectivo passa pela
instituição progressiva de uma zona de comércio livre e pelo aumento substancial da
assistência financeira da União Europeia aos seus parceiros.
A zona de comércio livre deve realizar-se através de novos acordos euro-mediterrânicos
e acordos de comércio livre a celebrar entre os próprios PTM. Até 2010, os entraves
pautais e não pautais ao comércio dos produtos devem ser progressivamente eliminados.
Está igualmente prevista a liberalização progressiva do comércio dos produtos agrícolas
e dos serviços. Para facilitar a realização da zona de comércio livre euro-mediterrânica,
a UE e os PTM definiram quatro domínios prioritários:
A aprovação de disposições adequadas em matéria de regras de origem, de
certificação, de protecção dos direitos de propriedade intelectual e industrial
e de concorrência;
A prossecução e o desenvolvimento de políticas baseadas nos princípios da
economia de mercado e da integração das respectivas economias, tendo em
conta as necessidades e níveis de desenvolvimento respectivos;
A adaptação e a modernização das estruturas económicas e sociais, sendo
dada prioridade à promoção e ao desenvolvimento do sector privado, à
nivelação do sector produtivo e à criação de um quadro institucional e
regulamentar adequado a uma economia de mercado. Do mesmo modo, as
partes contratantes esforçar-se-ão por atenuar as consequências negativas
que essa adaptação possa ter a nível social, incentivando a realização de
programas a favor das populações mais desfavorecidas;
56
A promoção de mecanismos que visam desenvolver as transferências de
tecnologias.
Assim, a realização do objectivo de criação de uma zona de comércio livre implica a
remoção dos entraves ao comércio entre a União Europeia e cada um dos seus parceiros,
bem como entre esses países. “Este processo será fundamental para garantir, a longo
prazo, um desenvolvimento equilibrado desses países e para reduzir a sua dependência
da Europa e dos mercados europeus devido ao facto de as decisões mais importantes em
relação ao comércio serem tomadas sem que esses países possam controlá-las”12
,
reconheceu a Comissão Europeia em 1998.
O programa de trabalho previa algumas medidas concretas que visavam favorecer o
comércio livre, como a harmonização das regras e dos procedimentos aduaneiros, a
harmonização das normas e a eliminação dos entraves técnicos injustificados ao
comércio dos produtos agrícolas. O sector agrícola é, aliás, um dos sectores alvo de
maior proteccionismo por parte da União Europeia contra os países em
desenvolvimento e não, apenas no que diz respeito aos países mediterrâneos. É um dos
pontos que gera mais polémica em torno das negociações multilaterais.
A intensificação da cooperação e da concertação a nível económico entre a UE e os
PTM incide prioritariamente em determinados pontos importantes:
O investimento e a poupança privada;
Trata-se, para os PTM, de eliminar progressivamente os entraves ao IDE e de estimular
a poupança interna, a fim de estimular o desenvolvimento económico. A criação de um
12 Comunicação da Comissão ao Conselho e Parlamento Europeu sobre a parceria Euro-mediterrânica no
sector dos transportes (1998).
57
ambiente favorável aos investimentos poderá, segundo a declaração, conduzir às
transferências de tecnologias e aumentar a produção e as exportações.
A cooperação regional enquanto factor-chave para facilitar a criação de uma
zona de comércio livre;
A cooperação industrial e a ajuda às pequenas e médias empresas (PME);
O reforço da cooperação em matéria ambiental;
A promoção do papel da mulher no desenvolvimento;
A criação de instrumentos comuns em matéria de conservação e de gestão
racional de recursos haliêuticos;
O desenvolvimento do diálogo e da cooperação em matéria energética;
O desenvolvimento da cooperação em matéria de gestão de recursos
hídricos;
A modernização e a restruturação da agricultura.
A União Europeia deu ainda assistência financeira, para o período decorrente de 1995 a
1999, dotações no montante de 4.685 milhões de euros, sob a forma de fundos
orçamentais comunitários. A estes acrescenta-se a intervenção do Banco Europeu de
Investimento (BEI) sob a forma de concessão de empréstimos num montante
equiparável e as ajudas bilaterais dos Estados-Membros.
c) A parceria social, cultural e humana
O objectivo é a aproximação e a compreensão entre os respectivos povos. A parceria
baseia-se no compromisso entre, por um lado, o reconhecimento e o respeito mútuo das
tradições, das culturas e das civilizações de uma e de outra partes do Mediterrâneo e,
por outro, a valorização das raízes comuns.
58
A este propósito, a Declaração de Barcelona e o seu programa de trabalho colocam a
tónica:
Na importância do diálogo inter-cultural e inter-religioso;
Na importância do papel dos meios de comunicação social para o
conhecimento e a compreensão recíprocos das culturas;
No desenvolvimento dos recursos humanos no domínio cultural:
intercâmbios culturais, aprendizagem de línguas, execução de programas
educativos e culturais respeitadores das identidades culturais;
Na importância do domínio da saúde e do desenvolvimento social, bem
como do respeito pelos direitos sociais fundamentais;
Na necessidade da participação da sociedade civil na parceria euro-
mediterrânica e do reforço dos instrumentos da cooperação descentralizada,
a fim de favorecer os intercâmbios entre os diferentes actores do
desenvolvimento;
Na cooperação, no domínio da imigração clandestina, na luta contra o
terrorismo, o tráfico de drogas e a criminalidade.
Outro dos resultados da parceria foi a assinatura de vários acordos de associação com
cada um dos parceiros mediterrânicos, excepto com Israel, que já tinha um acordo de
livre comércio, e com a Turquia, com a qual já tinha formado uma união aduaneira. Os
acordos bilaterais são de duração ilimitada e têm o objectivo de promover o
desenvolvimento económico daqueles países através do livre comércio. Todos os
acordos prevêem o princípio da reciprocidade nas trocas de bens industriais, com um
período de transição de 12 anos, durante os quais as tarifas aduaneiras devem ser
removidas; instituem o diálogo no âmbito social e encorajam os países a dar prioridade
59
ao papel da mulher na sociedade; prevêem o diálogo regular sobre as políticas macro-
económicas entre as partes do acordo e o respeito pela democracia e pelos direitos do
homem.
Assim, até agora, foram assinados sob a égide do Processo de Barcelona acordos entre a
UE e a Tunísia e Israel, como já foi referido, com Marrocos, Egipto, Autoridade
Palestiniana, Jordânia, Síria, Líbano e Argélia. Apenas a Líbia permanece de fora destes
acordos porque tem o estatuto de observador do Processo de Barcelona, a convite da
União, não sendo ainda um membro.
No entanto, as iniciativas de integração regional Sul-Sul só começaram a materializar-se
a partir de 2001 com o Acordo de Agadir, que liberaliza as trocas entre Marrocos, a
Tunísia, a Jordânia e o Egipto.
2.2.3 A União para o Mediterrâneo
Em Julho de 2008 foi lançada uma União para o Mediterrâneo como resultado de uma
proposta do presidente francês Nicolas Sarkozy. Esta União foi acolhida pela Comissão
Europeia como uma nova fase do Processo de Barcelona. A França propôs reanimar as
relações entre a UE e os países mediterrânicos e que a parceria tenha um financiamento
misto público-privado, para desenvolver projectos concretos, a começar pela
despoluição do Mediterrâneo.
A Comissão Europeia adoptou a 20 de Maio de 2008 as propostas para intensificar as
relações entre as partes. A Comissária Ferrero-Waldner apresentou uma síntese das
60
estruturas da União para o Mediterrâneo, destinadas a conferir uma nova vitalidade às
relações entre a UE e os MED. Entre as estruturas figuram a criação de um secretariado
e a instituição de uma co-presidência com representantes euro-mediterrânicos.
O documento apresenta também sugestões quanto ao tipo de projectos susceptíveis de
constituírem acções visíveis no sentido de melhorar as condições de vida dos cidadãos
da região. As propostas incluídas na comunicação foram apresentadas na cimeira
inaugural do Processo de Barcelona: União para o Mediterrâneo, que se realizou em
Paris a 13 de Julho de 2008. O presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso
afirmou que o investimento da UE na região do Mediterrâneo é quase idêntico ao da
Europa Central e de Leste, mas a capacidade de absorção por parte dos países do Sul do
Mediterrâneo é bastante menor.
O documento dá resposta ao pedido do Conselho Europeu de 13 e 14 de Março, que
aprovou o princípio da União para o Mediterrâneo e convidou a Comissão a apresentar
propostas para definir as suas modalidades. Contudo, o desenvolvimento das relações
políticas implica um alargamento e o reforço do nível político e do quadro da
cooperação. Assim estão previstos:
A realização de cimeiras bianuais de Chefes de Governo;
A criação de uma co-Presidência para gerir as cimeiras;
A criação de um secretariado conjunto para promover e acompanhar os
projectos;
A instituição de um comité permanente de representantes euro-mediterrânicos.
61
A Comissão identificou possíveis áreas para o desenvolvimento de projectos destinados
a promover o crescimento, o emprego, a coesão regional e a integração económica.
Entre estas áreas figuram a energia e a segurança energética, o ambiente, a protecção
civil e os transportes. A execução destes projectos dependerá de financiamentos
adicionais, além das dotações orçamentais existentes. Prevê-se que os recursos
financeiros provenham do sector privado, de instituições financeiras internacionais, da
cooperação bilateral e de contribuições dos Estados-Membros da UE e dos parceiros
mediterrânicos.
Conclusão
A política comercial sempre foi o principal instrumento da política externa europeia.
Um dos objectivos dos países em desenvolvimento quando procuram fazer um acordo
com um mercado de grande importância, é o de garantir o acesso ao mercado. Um
segundo objectivo é o de reforçar as reformas internas através das obrigações impostas
pelos tratados externos e pelos compromissos políticos.
A política comercial tem vindo a sofrer alterações. Se nos anos 60 a UE estava mais
ligada às ex-colónias, a partir dos anos 70 e 80 o comércio mundial começa a redefinir-
se. No final dos anos 80 e início dos anos 90, a Ásia e o leste europeu entram em cena,
redefinindo as relações da UE. Os países mediterrânicos têm agora que enfrentar nova
concorrência. Em 1995, a Conferência de Barcelona dá à parceria um novo fôlego tanto
ao nível político como económico e social e propõe-se criar uma zona de comércio livre
até 2010 através da assinatura de acordos comerciais entre a UE e cada um dos países,
fomentando também as relações entre os países do sul do Mediterrâneo.
62
Mais de dez anos depois, e perante os avanços morosos do Processo, o presidente
francês Nicolas Sarkozy propôs uma União para o Mediterrâneo. Esta União foi
acolhida pela Comissão Europeia como uma nova fase do Processo de Barcelona.
França propôs que a parceria tenha um financiamento misto público-privado, para
desenvolver projectos concretos, a começar pela despoluição do Mediterrâneo.
63
Capítulo III - Relações comerciais entre a UE e os PTM (1995-2005)
3.1 Caracterização do Mediterrâneo
A região do mediterrâneo é de extrema importância para a União Europeia tanto em
termo económicos como políticos. A região é caracterizada pelo clima de tensão do
Médio Oriente, pelos atentados terroristas que surgem periodicamente, pela guerra no
Iraque e pela falta de abertura política que existe nalguns países. Este aspecto político
tem, desde 2001, uma importância maior, sobretudo no que se refere à segurança, ao
controlo de fronteiras e à luta contra o terrorismo.
Ao nível económico, a região é caracterizada por diferentes níveis de crescimento
económico. Em 2007, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) a
economia cresceu a ritmos diferentes nos vários países entre os 7,1% do Egipto e 6,3%
da Tunísia aos 2,2% de Marrocos ou 3,8% da Síria, por exemplo. Desde o Processo de
Barcelona a região tem crescido a um ritmo anual de 3,9%, mas actualmente a região
debate-se com alguns problemas como o desemprego ou as poucas condições de fixação
de empresas e de atracção de IDE.
A região continua muito exposta ao exterior e tem sido afectada por vários choques
externos. Por um lado, os altos preços do petróleo, que beneficiaram os exportadores de
petróleo e de gás como a Argélia e a Síria, mas que aumentaram os custos dos
importadores. Por outro lado, a guerra do Iraque, que levou muitos refugiados aos
países vizinhos, a Jordânia e a Síria, além do conflito israelo-palestiniano que continua a
ter impactos negativos na região.
64
Ao nível social há constrangimentos que se colocam. Nomeadamente em termos do
papel da mulher na sociedade ou o acesso à educação. Segundo um estudo da
EUROMED – European Neighbourhood and Partnership Instrument (ENPI), a região
gasta uma percentagem maior do PIB em educação do que muitos outros países em
desenvolvimento. Apesar dos avanços conseguidos, em que a iliteracia nos adultos
desceu de 60% em 1980, para menos de 40% em 2002, a taxa de iliteracia é ainda
demasiado alta.
Segundo um relatório do Femise (2005), nos anos 90, a situação dos países
mediterrânicos era caracterizada por: convergência macroeconómica devido aos
programas de ajustamento estrutural em vigor desde os anos 80, mas também por um
aumento da vulnerabilidade a choques externos, como o abrandamento do crescimento
económico nos países desenvolvidos e os preços do petróleo; sistemas económicos
ainda relativamente fechados apesar de alguns sinais de liberalização como zonas livres
de impostos e uma taxa de desemprego muito elevada.
Muitos destes problemas continuam a colocar-se. As reformas do Sul do Mediterrâneo
têm sido mais lentas que as conseguidas noutras regiões. Uma das principais
dificuldades encontradas é a falta de condições para a instalação de empresas e a fraca
atractividade de investimento. Os governos têm feito um esforço no sentido de diminuir
o peso do Estado na economia, mas o sector privado tem sentido algumas dificuldades
em estabelecer-se nesta região.
Segundo o relatório Doing Business de 2008/2009, o Egipto e a Síria destacam-se pelas
reformas que têm feito no sentido de facilitar a fixação de empresas estrangeiras. No
65
entanto, os países mediterrânicos são ainda pouco atractivos. De acordo com o relatório,
apenas Israel, o Líbano, a Tunísia e o Egipto apresentam alguma competitividade,
situando-se em lugares mais favoráveis no ranking que inclui 181 países. Os restantes
situam-se, para quase todos os indicadores, na segunda metade da tabela.
Quadro 2. Ranking Doing Business 2008/2009
Facilidade Começar Empregar Crédito Protecção Trocas Fechar
Argélia 132 141 118 131 70 118 49
Egipto 114 41 107 84 70 24 128
Israel 30 24 92 5 5 9 39
Jordânia 101 131 52 123 113 74 93
Líbano 99 98 58 84 88 83 121
Marrocos 128 62 168 131 164 64 64
Síria 137 132 122 178 113 111 84
Tunísia 73 37 113 84 142 38 32
Autoridade
Palestiniana 131 166 109 163 38 85 181
Fonte: Doing Business 2008/2009
Em termos de competitividade, há que ter em conta as tarifas. Estes países têm tarifas
ainda elevadas, não só por motivos de arrecadação de receitas fiscais, mas também por
motivos que se prendem com o proteccionismo. Segundo o Femise (2005), neste âmbito
há que considerar três aspectos: o primeiro é que quando o Processo de Barcelona teve
início, as tarifas aduaneiras eram muito díspares entre si, variando entre os 8% de Israel
e os 64% de Marrocos.
66
Em segundo lugar, há que ter em conta que os países têm ritmos de desmantelamento de
tarifas diferentes. Entre os que têm as tarifas mais altas:
Marrocos diminuiu as tarifas médias em 57% e a taxa máxima em 65% entre
1993 e 2003;
Já a Argélia, a Tunísia e o Egipto optaram por um desmantelamento mais lento e
durante o mesmo período as tarifas caíram 20% para a Argélia e Tunísia e 30%
para o Egipto;
Na Jordânia, as tarifas caíram 43% entre 2000 e 2003.
Os países com tarifas mais baixas como o Líbano e Israel, reduziram a sua tarifa média
para 5% em Israel (1999) e 4% no Líbano (em 2002).
Em terceiro lugar, há diferenças significativas entre países, embora a discrepância entre
taxas tenha diminuído. Há um grupo de cinco países (Argélia, Tunísia, Egipto, Síria e
Marrocos) que continua a ter tarifas aduaneiras elevadas. Temos depois a Jordânia numa
posição intermédia e um grupo de três países (Turquia, Líbano e Israel), que tem as
taxas mais baixas.
Quadro 3. Diferença de tarifas entre os países mediterrânicos
Taxa
média
Taxa
máxima
Tarifas altas
Argélia 18% 30%
Egipto 19,50% 135%
Marrocos 27,30% 50%
Síria 19,50% 200%
67
Tunísia 22,40% 43%
Tarifas
intermédias
Jordânia 12% 30%
Tarifas baixas
Líbano 4% 75%
Israel 5% 83%
Fonte: Femise 2005
Estas diferenças mostram bem a heterogeneidade dos países da região e das diferentes
condições de acesso, o que dificulta as relações entre si e o que explica os diferentes
níveis de desenvolvimento.
3.2 Relações comerciais entre a UE e os países mediterrânicos
Segundo a Comissão Europeia, o Processo Barcelona contribuiu para aumentar as trocas
entre as regiões. As exportações dos países mediterrânicos cresceram 10% ao ano entre
2000 e 2006 – com o melhor comportamento da Argélia e Egipto, com 17%, mas
também da Tunísia, Síria e Jordânia com 6%. As importações dos países mediterrânicos
também cresceram, mas a um ritmo anual mais lento, apenas 4% entre 2000 e 2006. O
total das trocas entre mediterrânicos e UE (excluindo a Turquia) atingiu os 120 mil
milhões de euros em 2006, o que representa cerca de 5% do total de trocas com o
exterior da UE. No entanto, segundo um relatório do Femise (2005), as relações entre as
duas regiões têm-se desenvolvido a um ritmo muito lento e isso reflecte-se na assinatura
dos acordos de associação, processo que tem sido demasiado moroso: cerca de nove
68
anos separam a assinatura do primeiro acordo com a Tunísia e o último, com a Síria, em
19 de Outubro de 2004.
Argélia
Desde o início do Processo Barcelona o comércio entre a Argélia e a UE foi o que mais
cresceu quando comparado com o gerado com os restantes países mediterrânicos, em
225,7%, para os 31,2 mil milhões de euros em 2005. Segundo dados do Eurostat, só as
exportações da Argélia tiveram um acréscimo de 328,6%, para os 20,8 mil milhões de
euros entre 1995 e 2005.
Gráfico 3. Evolução das trocas entre a UE e a Argélia entre 1995 e 2005 (em
milhões de euros)
Argélia
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
35000
1995 2001 2002 2003 2004 2005
Fonte: Eurostat
Com a entrada em vigor do acordo de associação entre a Argélia e a UE em Setembro
de 2005, a Argélia assumiu a parceria com um total de 34 mil milhões de euros em
trocas em 2006, principalmente devido às exportações de petróleo e gás para a UE. A
Argélia é um dos maiores parceiros da UE na região Euromed e estava em 17º lugar
69
como maior parceiro comercial da UE em 2006. A UE é o maior parceiro da Argélia,
sendo que pouco menos de dois terços das trocas é feita com a UE. Setenta e um por
cento das exportações pertencem ao sector energético e é o sexto maior fornecedor da
UE neste sector. O volume de trocas bilaterais aumentou 8% entre 2000 e 2005 devido à
subida das exportações de petróleo da Argélia para a UE.
Assim, segundo a Comissão Europeia, as exportações da Argélia consistem sobretudo
em energia e combustíveis minerais. De acordo com o AICEP, relativamente aos
principais países clientes, os últimos anos mostram uma troca de posições nos lugares
cimeiros, tendo os EUA ultrapassado a Itália em 2004 e mantido a liderança em 2005. O
aumento da quota dos EUA reflecte o acréscimo das vendas de crude e de gás natural
liquefeito para aquele país.
Quanto aos principais fornecedores, também se observaram algumas oscilações. França
é líder nos fornecimentos à Argélia, com uma quota de 28% em 2005, seguida da Itália,
que apesar de manter o segundo lugar tem vindo a perder quota para Espanha. De
acordo com a Comissão Europeia, em 2006, o país importou da UE sobretudo
maquinaria (28,3%), produtos agrícolas (14,8%), equipamentos de transporte (14,6%), e
produtos químicos (13,5%). As trocas em serviços representaram 30% do PIB da
Argélia em 2005.
A composição das exportações é reveladora de uma economia centrada na produção de
produtos energéticos. Os hidrocarbonetos são tradicionalmente a grande fatia das
exportações tendo representado 87% do total em 2005. A Argélia investiu fortemente
nas infra-estruturas do seu sector energético, particularmente na produção de gás.
70
O investimento directo estrangeiro (IDE) na Argélia começou a ter valores mais
significativos a partir de 1996, após ter sido criada, em 1995, a agência oficial de
promoção do investimento. Os fluxos anuais de IDE na Argélia ultrapassaram os 718
mil milhões de euros, em 2005. Se se considerar apenas a região do Norte de África, a
Argélia absorveu 8,5% do total do IDE canalizado para esta região, em 2005. Os
sectores que mais oportunidades oferecem aos investidores estrangeiros voltam a ser o
da electricidade, das minas e de hidrocarbonetos e gás.
Egipto
As trocas aumentaram significativamente entre a UE e o Egipto entre 1995 e 2005. As
trocas cresceram 85,6%, atingindo os 13,4 mil milhões de euros. O aumento deu-se
sobretudo depois do acordo de associação em 2004: de acordo com o Eurostat, depois
de uma média de trocas bilaterais de 10 mil milhões de euros, têm sido atingidos
recordes sucessivos em 2004 (11,6 mil milhões), 2005 (13,4). Dados mais recentes, da
Comissão Europeia revelam que, em 2006, o comércio atingia os 16,3 mil milhões de
euros. A UE representa cerca de 35% do comércio total egípcio, seguido dos EUA, com
os 12%. O país é o 35º maior parceiro comercial da UE e esta é o principal parceiro do
Egipto.
71
Gráfico 4. Evolução das trocas entre a UE e o Egipto entre 1995 e 2005 (em
milhões de euros)
Egipto
0
5000
10000
15000
1995 2001 2002 2003 2004 2005
Fonte: Eurostat
Segundo a Comissão Europeia, actualmente, a UE representa 43% das importações do
Egipto e 31% das exportações, sendo que a balança comercial ainda pende
favoravelmente para o lado da Europa. A composição das exportações alterou-se
significativamente nas últimas décadas. Entre 1994 e 2004, o peso dos produtos
agrícolas caiu de 71% para 9%, ultrapassado pelos hidrocarbonetos, minerais, metais e
bens manufacturados, reflectindo o processo de industrialização e desenvolvimento da
indústria petrolífera. As principais exportações são a energia (56%), vestuário (9%),
produtos agrícolas e químicos, cada um com 6%. A maioria das importações refere-se a
maquinaria e equipamentos de transporte (43%), químicos (17%) e produtos
manufacturados (14%). O sector dos serviços representava metade o PIB egípcio em
2006, com o sector do turismo a ser o principal „produto‟ exportado (54%). O país
importava da UE sobretudo serviços ligados aos negócios (52%).
72
Em termos de IDE, verificou-se um aumento em 2005, depois de terem sido
empreendidas várias reformas na economia e de várias privatizações. A UE investiu mil
milhões de euros, de um total de 5,3 mil milhões de euros investidos. Individualmente, a
Itália e os EUA são os principais clientes do Egipto, enquanto os EUA, a Alemanha e a
Itália são os maiores fornecedores. Historicamente o sector petrolífero tem absorvido a
maior parte do investimento directo estrangeiro, embora o processo de privatizações
conduzido no início da década de 90 tenha originado uma abertura dos fluxos de
capitais estrangeiros a outros sectores da economia, tais como o cimenteiro, das
telecomunicações e do turismo. De acordo com dados do Banco Central do Egipto, os
principais investidores no Egipto no ano fiscal 2004/2005 foram os EUA (49,3% do
total), a UE (19,7%) e os países árabes (5,2%).
Israel
Os acordos de livre comércio estabelecidos com a UE e com os EUA facilitaram o
crescimento das exportações israelitas de bens e serviços, fazendo destas regiões os
principais mercados de destino das suas exportações. Israel está a esforçar-se no sentido
de diversificação de mercados, esperando-se um forte aumento da procura dos seus
produtos, nomeadamente por parte dos países asiáticos e dos mercados da UE. O
comércio com a UE tem vindo a aumentar desde 1995, tendo passado de 14,3 mil
milhões de euros, para 22,9 mil milhões em 2005, o que representa um aumento de
60,4%.
73
Gráfico 5. Evolução das trocas entre a UE e Israel entre 1995 e 2005 (em milhões
de euros)
Israel
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
1995 2001 2002 2003 2004 2005
Fonte: Eurostat
Segundo a CE, Israel tinha, em 2005, como principal parceiro comercial os EUA, que
representavam cerca de 42% e 20% das exportações e importações, respectivamente.
Porém, em 2006 esta posição era ocupada pela UE, com as trocas entre os dois parceiros
a chegar aos 23,5 mil milhões de euros. De acordo com dados do AICEP, destaca-se
ainda o posicionamento de Hong Kong enquanto cliente, ocupando o terceiro lugar
desde 2004. Por outro lado, o bom posicionamento da Bélgica (segundo lugar), quer
como cliente quer como fornecedor, deve-se ao comércio de diamantes, que são
importados em bruto por Israel e exportados já polidos. Portugal ocupa um lugar
irrelevante enquanto parceiro comercial de Israel.
Os produtos mais exportados por Israel foram em 2005, os diamantes polidos (30%),
químicos (17%) e equipamento médico, científico e de comunicação electrónica (15%).
Já os mais importados foram diamantes em bruto (22%), combustíveis (15%) e
máquinas e equipamentos (12%).
74
Jordânia
O comércio com a Jordânia é pouco significativo, tendo chegado apenas aos 2,7 mil
milhões em 2005 e aos três mil milhões de euros em 2006. Ainda assim, foi um dos
países onde o comércio mais cresceu entre 1995 e 2005, em 127,4%. A UE é o maior
parceiro comercial da Jordânia, sendo este o 67º maior parceiro comercial da UE.
Gráfico 6. Evolução das trocas entre a UE e a Jordânia entre 1995 e 2005 (em
milhões de euros)
Jordânia
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
1995 2001 2002 2003 2004 2005
Fonte: Eurostat
As importações da Jordânia vêm, na sua maioria, da UE, seguindo-se a Arábia Saudita e
a China. As exportações da UE para a Jordânia consistem sobretudo em maquinaria e
equipamento eléctrico (34%), equipamentos de transporte (20%) e produtos químicos
(11%). Por sua vez, as exportações para a UE concentram-se em produtos químicos
(27%), maquinaria (10%) e minerais (8%). São sectores em desenvolvimento a
farmacêutica, produtos derivados do Mar Morto e produtos de engenharia. Os serviços
75
têm um peso elevado no PIB; representando 65% da economia. Os transportes e o
turismo são dois dos sectores líder.
Em 2006, a Jordânia beneficiou de IDE em sectores como o imobiliário, o sector
financeiro, mineiro e de telecomunicações em anos recentes. O IDE atingiu 1,02 mil
milhões de euros, o que equivale a 53% do PIB.
O Acordo de Associação foi assinado com a Jordânia a 24 de Novembro de 1997 e
entrou em vigor a 1 de Maio de 2002, substituindo o Acordo de Cooperação de 1977.
São importados bens industriais com origem na Jordânia para a UE, livres de taxas.
Paralelamente, a Jordânia aboliu taxas de um grande número de produtos com origem
na UE. Foi conseguida ainda uma liberalização mais profunda ao nível de produtos
agrícolas e pescas em 2005, que entrou em vigor em 2006. O acordo prevê a
liberalização total do mercado europeu aos produtos agrícolas jordanos, com algumas
excepções - como o azeite, citrinos, batatas novas, entre outros - que beneficiam de
quotas tarifárias, que deverão ser extintas até 2010. Do outro lado, a Jordânia deverá a
abrir o seu mercado de forma mais gradual. A Jordânia é parte integrante do sistema
pan-euro-mediterrânico de regras de origem. O acordo de associação prevê ainda o
alargamento do seu âmbito até à liberalização dos serviços.
Líbano
As trocas com a UE totalizaram os 3,2 mil milhões de euros em 2005 e a região é a sua
principal parceira. Os dados do Eurostat mostram que o Líbano foi o país onde as trocas
menos cresceram, apenas 24,7% em dez anos. Trata-se de um país essencialmente
importador e tem um défice comercial muito significativo. A título de exemplo,
76
segundo a Comissão Europeia, as exportações da UE para aquele país foram de três mil
milhões de euros em 2006. A UE fornece 38% das importações libanesas e absorve 11%
das exportações, seguindo-se a Síria e os EUA.
Gráfico 7. Evolução das trocas entre a UE e o Líbano entre 1995 e 2005 (em
milhões de euros)
Líbano
0
1000
2000
3000
4000
1995 2001 2002 2003 2004 2005
Fonte: Eurostat
Segundo a CE, em 2006, as principais importações do Líbano vindas da UE consistiram
em maquinaria e equipamentos de transporte (25%), artigos manufacturados (25%) e
combustíveis minerais (21,5%). Já as exportações consistem sobretudo em bens
manufacturados (25%), produtos petrolíferos (19%) e maquinaria (13%).
A economia do Líbano baseia-se sobretudo nos serviços, representando 71% do PIB em
2005. Comércio, turismo e serviços financeiros são as principais exportações para a UE
e os dois últimos sectores representam 11% da economia libanesa. O IDE chegou aos
1,8 mil milhões de euros em 2005, com investimentos substanciais no sector
imobiliário, sobretudo vindos de investidores privados árabes.
77
O Acordo de Associação com o Líbano foi adoptado em 2002 e entrou em vigor um ano
depois. Os produtos industriais e a maioria dos agrícolas, apesar de sujeitos a quotas
aduaneiras, podem entrar livremente no mercado europeu, enquanto o país deverá
proceder à eliminação progressiva das quotas e tarifas entre 2008 e 2014. O acordo
prevê também o alargamento ao livre estabelecimento de serviços.
Marrocos
O comércio entre Marrocos e a UE mais que duplicou entre 1995 e 2005 – cresceu
137,4% - com as importações da UE a duplicar e as exportações a revelarem o mesmo
comportamento. Com trocas de 20,8 mil milhões de euros em 2005 e de 17,5 mil
milhões em 2006, Marrocos surgiu como o 31º parceiro da UE.
Gráfico 8. Evolução das trocas entre a UE e o Marrocos entre 1995 e 2005 (em
milhões de euros)
Marrocos
0
5000
10000
15000
20000
25000
1995 2001 2002 2003 2004 2005
Fonte: Eurostat
De facto, as trocas com a UE representam 60% do total do comércio marroquino,
absorvendo cerca de 70% das suas exportações e assegurando perto de 55% das suas
78
importações. A posição de Portugal tem-se caracterizado por uma relativa estabilidade,
ocupando o 11.º lugar desde 2005 no ranking dos clientes marroquinos.
A economia marroquina depende largamente das exportações de têxteis e de produtos
agrícolas para a UE e que no seu todo representaram 59% do total em 2006. De facto, os
têxteis e vestuário (35%), os produtos agrícolas (24%), a maquinaria (15,4%), produtos
químicos (4%) e energia (4%) são as principais exportações com destino à UE. As
importações consistem em maquinaria (26,4%), têxteis e vestuário (14%), materiais de
transporte (10%), entre outros. Em 2006, os serviços pesavam 55% do PIB do país, com
um crescimento médio anual do sector de 3,5%. Em 2005, as importações da UE
referiram-se sobretudo ao turismo (51%) e transportes (27%), num total de três mil
milhões de euros. Os serviços que a UE exporta para Marrocos são sobretudo serviços
de negócios e transportes. Quanto ao IDE, a UE é o maior investidor seguido dos EUA.
Em 2005, a UE investiu mil milhões de euros.
A União Europeia absorve cerca de três quartos das exportações de Marrocos, com a
França à frente dos clientes com um terço do total. Seguem-se Espanha, Reino Unido e
Itália. Portugal, com uma posição relativamente reduzida, chegou aos 1% em 2004.
Refira-se que a dependência das exportações marroquinas do mercado europeu torna o
país vulnerável aos abrandamentos económicos da UE. Esta predominância da Europa
no mercado marroquino deverá permanecer nos próximos anos, tendo em conta o
Acordo de Associação, que teve início em Março de 2000, apesar dos acordos de livre
comércio com os EUA.
79
Nas importações, os países fornecedores são quase todos semelhantes aos clientes, com
França a surgir como primeiro fornecedor. Mais recentemente e quanto aos
fornecedores, a UE é claramente o principal fornecedor, mas a China tem vindo a
aumentar o seu peso (+1,2% entre 2004 e 2006) e a melhorar a sua posição de
fornecedor do mercado marroquino.
Autoridade Palestiniana
As relações bilaterais entre a UE e a Autoridade Palestiniana baseiam-se no Acordo de
Associação em vigor desde 1997. Mas devido à instabilidade política e económica, as
trocas com a UE são muito incipientes. Segundo a Comissão Europeia, em 2006, as
trocas com a UE chegaram aos 52 milhões de euros, entre as quais 39 milhões em
importações e 13 milhões em exportações. Desde a Intifada e a restrição de
movimentos, as exportações da UE para a Palestina caíram significativamente, enquanto
as importações se mantiveram estáveis. Cerca de metade das exportações para a UE
consistem em produtos agrícolas, sobretudo morangos e flores, enquanto as importações
vindas da UE são maquinaria, químicos e equipamentos de transportes. O Eurostat não
tem dados disponíveis que ilustrem a evolução das trocas entre as regiões no período
analisado.
O Acordo de Associação possibilita a livre entrada de bens industriais palestinianos e
um phase out das exportações da UE para a Palestina nos próximos cinco anos. O
acordo também prevê uma liberalização gradual das trocas de bens agrícolas e pescas.
Os produtos originários da Faixa de Gaza, Leste e Jerusalém não têm direito ao
tratamento preferencial previsto no acordo de associação entre a UE e Israel.
80
Síria
A Síria é o único país mediterrânico que não tem ainda um acordo de associação com a
União Europeia. No entanto, já está em negociações, desde 2004. Apesar de não ter
acordo, as trocas cresceram 82,7% no período analisado e atingiram os 5,7 mil milhões
de euros em 2005. A UE é o maior parceiro comercial da Síria, representando mais de
40% do total das trocas em 2003 e 2004.
Gráfico 9. Evolução das trocas entre a UE e a Síria entre 1995 e 2005 (em milhões
de euros)
Síria
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
1995 2001 2002 2003 2004 2005
Fonte: Eurostat
Do total de exportações, 86% referem-se ao sector energético, tornando o país no nono
fornecedor de energia da UE. Mas em 2004, a redução na procura de produtos
energéticos fez com que o excedente comercial caísse para os 331 milhões em 2004. Os
restantes 14% das exportações concentram-se em têxteis e produtos agrícolas. Já as
importações, consistem sobretudo em maquinaria e equipamento de transporte – 38%,
combustíveis minerais – 16% - e produtos químicos – 13%.
81
No que respeita à integração Sul- Sul um dos maiores desafios que a Síria enfrenta é a
falta de diversidade económica. Além disso um dos passos importantes está ainda por
concretizar, que é a adopção do sistema pan-euro-mediterrânico de regras de origem.
Um sinal da integração, foi a conclusão da zona de comércio livre com a Turquia. Além
disso, a Síria candidatou-se em Outubro de 2001 à OMC e em 2005 renovou essa
candidatura.
Tunísia
A Tunísia é um dos parceiros comerciais da União Europeia mais estáveis e registou um
total de 16,2 mil milhões de euros em trocas com a UE em 2006, segundo a Comissão
Europeia. O comércio entre aquele país e a UE tem vindo a aumentar desde 1995, para o
dobro, com as exportações a duplicar e as importações a terem um crescimento muito
significativo.
Gráfico 10. Evolução das trocas entre a UE e a Tunísia entre 1995 e 2005 (em
milhões de euros)
Tunísia
0
5000
10000
15000
20000
1995 2001 2002 2003 2004 2005
Fonte: Eurostat
82
A região representa 76,8% do total das trocas da Tunísia, logo seguida pela Líbia, com
4,3%. A Tunísia é o 36º maior parceiro da UE. A UE representa 73,5% das importações
tunisinas e 31% das exportações, com a balança comercial a revelar-se favorável à UE.
Os principais parceiros comerciais da Tunísia são tradicionalmente os países da UE15 e
os que estão geograficamente mais próximos, nomeadamente a Líbia. Em 2005, os
principais fornecedores foram França e Itália, segundo as estatísticas da AICEP.
Os principais produtos exportados são manufacturas (77,5%), dos quais 21,3% são
maquinaria, 35,6%, têxteis e vestuário, 10,7%, energia e 9,6% são produtos agrícolas.
As exportações de equipamento mecânico e eléctrico têm-se tornado cada vez mais
importantes, tendo representado cerca de 23,1% do total em 2005. O petróleo e
derivados, o calçado e acessórios de couro, os produtos químicos, fertilizantes e azeite
são igualmente significativos como exportações. A maioria das importações concentra-
se em maquinaria e equipamento de transportes (33,5%) e bens manufacturados
(27,7%). No que respeita aos serviços, este sector representava 59,2% do PIB tunisino
em 2005. Os principais sectores são o turismo (54,6%) e os transportes (29,4%).
Quanto ao IDE, os fluxos para a Tunísia chegaram aos 782 milhões em 2005, sendo a
UE o maior investidor na região. Os investimentos estão concentrados no
desenvolvimento de infra-estruturas, têxteis e vestuário. Os principais investidores são
europeus, nomeadamente de França, Reino Unido, Alemanha e Itália. Fora da Europa
surgem os EUA e a Líbia. Os fluxos de investimento são tradicionalmente canalizados
para o sector energético, mas em 2005 assistiu-se a uma diversificação em favor dos
serviços, que foram responsáveis pela absorção de cerca de 25% do total. O
investimento dirigido à indústria transformadora registou um abrandamento, mas
83
continua a representar cerca de 40% do total, com a indústria mecânica a ser aquela que
canalizou mais investimentos.
A Tunísia foi o primeiro país mediterrânico a assinar o Acordo de Associação com a
UE, em Julho de 1995. O acordo entrou em vigor em Julho de 1998.
3.3 Integração sul-sul e as relações comerciais entre os países do sul do
Mediterrâneo
A integração Sul-Sul é considerada como um elemento chave da política euro-
mediterrânica. Mas os acordos de liberalização das trocas sul-sul são ainda um
fenómeno relativamente novo e, segundo dados da Comissão Europeia, têm um peso
pouco significativo no total de trocas, já que apenas 5% das trocas se fazem entre eles.
Paralelamente à integração com a UE, muitos países mediterrânicos estão a construir
relações mais sólidas uns com os outros. É o caso do Acordo de Agadir entre a Tunísia,
a Jordânia, Marrocos e o Egipto e mantém-se aberto a outros países da região. O Acordo
de Agadir prevê o protocolo pan-euro-mediterrânico de cumulação de origem e este
protocolo está presente nas ZCL que a Jordânia estabeleceu com o Egipto em 2006 e
com os países da EFTA em 2007.
Além do Acordo de Agadir, o Egipto, Israel, Marrocos e a Tunísia assinaram acordos
bilaterais com a Turquia e estão negociações a decorrer para que este tipo de acordo seja
seguido por outros países.
84
A natureza das relações entre a Autoridade Palestiniana e Israel complica as relações
externas da Palestina. Estas relações são regidas pelo Protocolo de Paris desde 1994 que
define que a Palestina pode ter relações com países terceiros desde que os acordos não
se desviem da política de importação de Israel. A Palestina só pode desviar-se daquela
norma para um número limitado de produtos. A Autoridade Palestiniana já fez saber
que quer fazer parte do sistema pan-euro-mediterrânico de cumulação de regras de
origem e ainda não faz parte da OMC, embora tenha o estatuto de observador desde
Dezembro de 2005.
3.3.1 O Acordo de Agadir
O Acordo de Agadir foi uma iniciativa da UE para impulsionar o comércio intra-
regional entre os quatro países contratantes para aumentar o nível de integração Sul-Sul.
A iniciativa foi acordada em 2001, depois da quarta conferência dos ministros dos
Negócios Estrangeiros Euro-med.
Contudo, vários problemas atrasaram a assinatura do acordo. O principal esteve
relacionado com a relutância de Marrocos e da Tunísia em ajustar as suas regras de
origem ao novo sistema que lhes permitiria beneficiar da acumulação de origem. Esta
era uma das condições para o estabelecimento do acordo, além do estabelecimento de
uma zona de comércio livre entre os quatro países. A Jordânia e o Egipto já tinham
regras de origem com a UE que seguiam os parâmetros do sistema pan-europeu e a
decisão foi no sentido de adoptar o sistema de regras de origem euro-med que era muito
similar ao sistema pan-europeu adoptados de forma bilateral entre a UE e o Egipto e
entre a UE e a Jordânia. Tendo em conta o fraco nível de integração entre Marrocos e a
85
Tunísia e entre a Jordânia e o Egipto, os dois primeiros países estavam muito relutantes
em adaptar as suas regras de origem, já que os custos de mudar o sistema de regras de
origem seriam maiores que os benefícios ao permitir a acumulação. Só em 2004 é que o
acordo foi assinado.
Até 2003, os países de Agadir eram os que menos trocavam entre si, mas a tendência é
de aumento. No caso do Egipto, por exemplo, as importações vindas dos três restantes
países mantiveram-se nos 8% entre 1995 e 2003 do total das importações não-
petrolíferas intra-regionais, com um declínio da Tunísia e um aumento da Jordânia. Este
último apresenta um grau de integração maior, com as importações de produtos não-
petrolíferos vindas dos outros três países a chegar aos 17% em 1995 e a atingir os 24%
em 2003. Por sua vez, a percentagem de Marrocos era de 18% em 1995 e chegou aos
37% em 2003. Já a Tunísia registou a tendência contrária, com as importações a
descerem de 30%, para 24% no mesmo período, com a maior descida a vir de Marrocos.
Apesar de ser o menos integrado do lado das importações, o Egipto é o mais integrado
quando se fala de exportações. Neste caso, a Jordânia ocupa o último lugar.
Quadro 4. Exportações entre países do Mediterrâneo (em milhões de euros)
1995 2003
Variação
percentual
Egipto 440807 890932 102,1
Líbano 99840 267104 167,5
Marrocos 184874 209040 13,1
Tunísia 244672 283491 15,9
Argélia 747894 1636816 118,9
86
Síria 793268 1034534 30,4
Jordânia 90407 210168 132,5
Fonte: Femise 2005
Quadro 5. Importações entre países do Mediterrâneo (em milhões de euros)
1995 2003
Variação
percentual
Egiptoª 572348
Líbano* 628057 769990 22,6
Marrocos 369948 665472 79,9
Tunísia 633541 500943 -20,9
Argélia 608654 875557 43,9
Síriaª 572348
Jordânia 319191 474655 48,7
*Dados relativos a 1997
ª Não havia dados disponíveis para o Egipto e para a Síria
Fonte: Femise (2005)
No entanto, o Femise alerta para o facto de, perante a grande concentração das trocas de
Marrocos e da Tunísia com a UE, não será fácil de mudar esta orientação para a
Jordânia e para o Egipto. Por outro lado, a entrada destes países noutros acordos que
venham a ser estabelecidos ou já estabelecidos como o assinado entre Marrocos e os
Estados Unidos poderá diluir o efeito que se pretende de Agadir, que é o de aumentar as
trocas entre aqueles quatro países. Além disso, o acordo não prevê a liberalização do
movimento do trabalho nem a liberalização de serviços.
87
3.3.2 Motivos para a fraca integração Sul-Sul
Há motivos económicos, políticos e institucionais para a fraca integração:
Entre as razões económicas estão a similaridade entre a estrutura de produção e
de exportações dos países árabes, o peso do Estado na economia e a protecção
tarifária elevada;
Entre os motivos políticos estão a falta de vontade no sentido de se fazer uma
integração efectiva;
Quanto às razões institucionais, a principal prende-se com a falta de
objectividade das normas que regulam as fronteiras, além da falta de infra-
estruturas eficientes, por exemplo no que respeita aos transportes.
No que respeita aos motivos económicos, segundo o Femise, entre 1992 e 2003, a
maioria das taxas aduaneiras desceu, mas há ainda países que praticam tarifas muito
elevadas. A generalidade dos países mediterrânicos tem tarifas elevadas em quatro
sectores: o alimentar, tabaco, têxteis e pele. Em determinados países há ainda outros
produtos sujeitos a tarifas elevadas como a construção automóvel no Egipto, Jordânia e
Síria, ou a produção de mobiliário na Argélia, Egipto, Jordânia, Síria e Tunísia, por
exemplo.
A maior queda nas tarifas deu-se nos bens vindos dos Estados Unidos - que caíram mais
de 12% e a média era de 14,3% em 2003. Quanto às importações da UE, as tarifas
88
caíram 11% entre 1992 e 2003. Além disso, é entre os próprios países mediterrânicos
que as taxas menos desceram (9,7% entre 1995 e 2003) e a média era de 19,4% em
2003, o que assinala a pouca integração entre estes países. Em Setembro de 2004, o
Egipto conseguiu reduzir a média tarifária para 9,1% graças a uma reforma. Isto fez
com que apenas três países se encontrem agora no grupo com a média tarifárias mais
alta (Argélia, Tunísia e Marrocos). A reforma egípcia fez-se sobretudo através de uma
redução significativa das tarifas aduaneiras, com excepção de bebidas alcoólicas, carros
e tabaco que continuaram a ser sujeitos a uma taxa de 135% e através da simplificação
das estruturas tributárias, com o número de escalões foi reduzido de 27 para seis.
De facto, o Femise defende que os acordos regionais e bilaterais Sul-Sul não tiveram
como resultado uma redução das tarifas porque: por um lado, a aplicação é demasiado
recente, como é o caso do Acordo de Agadir assinado em 2004 e os acordos assinados
por exemplo, entre Marrocos e a Turquia em 2005. Por outro lado, o âmbito de
aplicação é muito restrito, o que leva à persistência de barreiras tarifárias e não
tarifárias. É provavelmente o caso do Acordo de Comércio Livre da Liga Árabe
(GAFTA), aplicado desde 1998, que foi acompanhado por um conjunto de acordos
bilaterais que deveriam estar em funcionamento desde 1999 (Egipto/Tunísia;
Egipto/Marrocos; Egipto/Líbano; Egipto/Jordânia; Jordânia/Marrocos;
Jordânia/Tunísia; Líbano/Síria; Marrocos/Tunísia). Porém, até agora apenas um destes
acordos teve um impacto significativo que foi o celebrado entre Israel e a Turquia em
1997 e que fez aumentar as trocas entre estes países. A Turquia dá tarifas preferenciais
aos parceiros mediterrânicos devido à união aduaneira celebrada com a UE.
89
Para o Femise, tanto os motivos económicos como políticos podem ser ultrapassados. A
principal dificuldade da integração intra-regional encontra-se na falta de instituições.
Um trabalho de campo realizado pela Arab League em 2004, citado pelo Femise, afirma
que os problemas concentram-se sobretudo em três áreas: O abuso de barreiras técnicas
ao comércio e de medidas sanitárias e fitosanitárias, regulamentos vagos sobretudo no
que se refere à autenticação da origem dos produtos e procedimentos aduaneiros. Desta
forma, o acordo de Agadir deveria ser alargado, tanto em termos de permitir a adesão de
mais membros, como no seu âmbito, incluindo a liberalização dos serviços e criando
normas aduaneiras mais eficientes.
No que respeita ao pilar económico e ao comércio livre de bens industriais, o Processo
de Barcelona esperava que a liberalização comercial estimulasse as reformas e
modernizasse os países, que a integração Sul-Sul fosse uma consequência natural e que
o IDE aumentasse. No entanto, a concretização destes objectivos ainda está por ser
atingida e a competição com os mercados europeus não provocou reformas naqueles
países.
Assim, o futuro da parceria euro-mediterrânica deverá basear-se, segundo relatório do
Femise, no superar as diferenças no desenvolvimento económico e no aprofundar de
reformas como reduzir as tarifas, mas também as barreiras não tarifárias, formalidades e
burocracia aduaneira bem como melhorar as infra-estruturas dos transportes como
estradas, portos, etc. Brenton, Baroncelli e Malouche (2006) do Banco Mundial
identificaram também estes factores como fulcrais para a parceria.
90
Paralelamente, a UE, que agora apenas permite a acumulação diagonal de regras de
origem, deveria caminhar no sentido da acumulação total de regras de origem e deveria
também rever o acesso ao mercado agrícola europeu pelos países mediterrânicos.
Deveria ainda existir uma aposta nas instituições que fizessem uma ponte entre o
governo, o sector privado e a sociedade civil. Deveria também haver um reforço e uma
melhoria do ambiente económico de forma a captar mais IDE e a fixar mais empresas
na região. Além de aumentar o emprego, a captação de mais empresas seria um
importante motor ao serviço do desenvolvimento económico. Desta forma é
fundamental criar um ambiente friendly para o investidor, ao facilitar a entrada e saída
das empresas do mercado, minimizar os custos das transacções, sistemas fiscais mais
simples, normas mais transparentes, sistemas judiciais céleres e eficientes e menos
burocracia.
Segundo, os autores, a região do Magrebe confronta-se com três problemas
fundamentais:
O crescimento da população activa, já com uma alta taxa de desemprego;
A dependência de poucas indústrias exportadoras. De facto, tanto Marrocos
como a Tunísia dependem largamente das exportações de têxteis e a Argélia é
dominada pelos produtos petrolíferos. Os autores prevêem grandes dificuldades
sobretudo no caso dos dois primeiros, caso aquele sector não seja alvo de uma
reforma, devido à concorrência da Ásia e do fim do Acordo Multifibras;
A adesão de dez novos membros que criou uma concorrência maior em termos
da „luta‟ pelo IDE europeu.
91
A acrescentar a esta situação, a região do Magrebe é a menos integrada em termos
regionais e em termos globais. Por exemplo, a fronteira entre Marrocos e a Argélia está
fechada. De facto, as exportações dos países do Magrebe permanecem concentradas
num número limitado de produtos e são menos diversificados do que acontece com
outros países da periferia europeia. Por exemplo, os dez produtos mais exportados de
Marrocos representam 78% das suas exportações em 2003. Isto significa que Marrocos
tem a maioria das suas exportações dependente de dez produtos. Esta percentagem é de
70% na Tunísia e desce para 49 e 58%, na Bulgária e na Roménia, respectivamente.
Além desta falta de diversidade de produtos para exportação, a sua produção baseia-se
em fracas infra-estruturas, com poucas empresas a cumprir as normas de qualidade, o
que também acaba por limitar o investimento de multinacionais.
Há ainda que contar com as barreiras não tarifárias. Um dos aspectos mais importantes é
a sobreposição de acordos dos países do Magrebe, que coexistem com a estrutura em
estrela -„hub and spoke‟ - com a UE. A estrutura existente, com a sobreposição de
todos os acordos, resulta numa estrutura pesada e complexa ao nível administrativo que
vai contra as tentativas de simplificação e aumenta os custos das empresas. Assim, os
autores sugerem que os acordos que se sobrepõem devem ser racionalizados e
simplificados.
Para Brenton, Baroncelli e Malouche (2006), a falta de coordenação regional significa
que os acordos bilaterais com a UE resultaram num sistema comercial em estrela, entre
o centro e os eixos, no qual os eixos têm pouca comunicação e poucas relações entre si.
“Este tipo de estrutura contribui para marginalizar os eixos, já que as condições de
92
acesso ao mercado são, normalmente, menos vantajosas que no centro, que „goza‟ de
acesso privilegiado a todos os eixos”13
, explicam. Assim, este tipo de estrutura “tende a
oferecer ganhos mais limitados”14
. O sistema „hub and spoke‟ tende a atrair IDE para o
centro, limitando os fluxos de investimento para os eixos.
Além da complexidade dos acordos regionais do Magrebe, estes sofrem ainda de falta
de transparência, já que as empresas têm de despender muitos recursos e tempo para
obter informações sobre se determinado produto é elegível ou não para o acesso
preferencial ou que medidas administrativas é que têm de ser tomadas para que a
empresa possa garantir taxas reduzidas no acesso a outro mercado. A complexidade
também se faz sentir ao nível das excepções e isenções de produtos, seja em termos de
discriminação positiva, seja negativa, e à obtenção de licenças, que muitos acordos
exigem além da obtenção do certificado de origem. As regras de origem também podem
constituir um entrave importante, já que podem diferir de acordo para acordo. Assim, é
possível que determinado produto possa ter acesso preferencial num acordo e ser
excluído noutro, o que dificulta a vida às empresas.
Os autores fazem, por isso, um conjunto de sugestões, que servem também de alerta:
reduzir a complexidade criada pela sobreposição de acordos e limitar o impacto da
estrutura de „hub and spoke‟ com a UE, por exemplo, através de um acordo regional
efectivo entre os países do Magrebe que aumentaria o poder negocial daqueles países
perante a UE. Aumentar a transparência, para que as empresas tenham um acesso fácil e
rápido à informação; reduzir a protecção externa para aumentar a produtividade
doméstica e incentivar as exportações; limitar as excepções aos produtos e incluir de
13 Brenton, P.; Baroncelli, E. e Malouche, M. (2006), Trade and Investment Integration of the Maghreb,
p.14 14 Idem.
93
forma activa o sector dos serviços nos acordos são algumas das sugestões. Reduzir os
custos administrativos através da remoção de licenças e da redução dos custos da
obtenção de certificados de origem são também medidas aconselhadas.
Um relatório do Banco Mundial (2003) identifica três reformas fundamentais a
empreender na economia dos países do Médio Oriente e do Norte de África: mudar de
uma economia dominada pelo sector público para o sector privado, para uma economia
mais aberta e menos dependente do petróleo e com uma produção mais variada.
3.3.3 O impacto dos países emergentes
Os países mediterrânicos estão a enfrentar uma concorrência cada vez maior vinda dos
países emergentes como a China e a Índia e outros países do leste, sobretudo no que
respeita aos têxteis. Primeiro, com o desmantelamento das barreiras da UE face às
importações chinesas e o fim do Acordo Multifibras em 2005. Em segundo lugar, a
concorrência do leste como a Ucrânia e a Rússia. Segundo Brenton, Baroncelli e
Malouche (2006), estes são aliás a maior ameaça, já que a sua estrutura de exportações é
muito semelhante à do Magrebe.
No que se refere ao Acordo Multibras, Dasgupta, Nabli, Srinivasan e Varoudakis
(2004), referem que a abolição do acordo em 2005 traz inúmeros desafios, já que o
sector dos têxteis tem um peso significativo nos países mediterrâneos. Com a
implementação do phase-out, estes países têm visto as quotas de mercado estagnar e o
crescimento a abrandar. O desafio será aumentar a competitividade e a eficiência
daquele sector.
94
3.4 Relações comerciais entre Portugal e os países mediterrânicos
O comércio entre Portugal e os países mediterrânicos não é muito expressivo no total
das trocas do nosso país. A Argélia é o país com o qual as trocas são mais significativas,
sendo que entre 1995 e 2004 (como ilustra o quadro) o comércio cresceu 3,5 vezes,
segundo dados do Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia e
Inovação.
Quadro 6. Evolução do comércio entre Portugal e os Med entre 1995 e 2004 (em
milhões)
1995 2004 % 95-04
Argélia 188,6 663,6 251,9
Egipto 131 87,6 -33,1
Israel 159 149 -6,3
Jordânia 21,1 16,4 -22,3
Líbano 17,6 13,9 -21
Marrocos 141,1 250,4 77,5
Síria 30,4 68,7 125,9
Tunísia 80 97,9 22,4
Fonte: Ministério da Economia e Inovação (Gabinete de Estratégia e Estudos)
De acordo com a AICEP, entre 2003 e 2004, Portugal esteve entre os 10 primeiros
clientes argelinos. A importância como fornecedor tem sido bastante evidente desde
95
2000, com os hidrocarbonetos a pesar nas compras portuguesas à Argélia. De facto,
enquanto as exportações cresceram em termos médios no período 2001-2005 quase 6%,
as importações subiram exponencialmente, resultando uma taxa média de crescimento
no mesmo período de 74%. Desta situação, resulta um saldo negativo para Portugal na
balança comercial, que se tem vindo a agravar nos últimos anos, muito por força do
aumento da factura energética.
Na estrutura das exportações portuguesas para a Argélia em 2005, três grupos de
produtos surgem em destaque: as máquinas e aparelhos mecânicos, as pastas celulósicas
e papel e os produtos alimentares, que no conjunto totalizaram 73% do total das vendas
portuguesas a este mercado. Ao nível dos produtos mais importados por Portugal da
Argélia o domínio dos produtos energéticos tem sido bastante significativo, com o
último ano a registar um crescimento de cerca de 126% nas compras de combustíveis
minerais àquele país. Em 2004 foram 20 as empresas portuguesas que importaram da
Argélia, ou seja, uma quebra de cerca de 26% face ao ano anterior.
No âmbito do investimento estrangeiro e apesar de existir um número bastante elevado
de empresas portuguesas que já estabeleceram um relacionamento com a Argélia, as que
se instalaram no mercado são ainda em número reduzido. Entre 2001-2005, o Banco de
Portugal só registou valores de investimento português na Argélia nos últimos três anos,
que são bastante reduzidos e além disso, apresentam uma tendência decrescente, de 570
milhões de euros em 2003, para 157 milhões em 2005. Do conjunto de empresas
portuguesas já instaladas no mercado argelino importa destacar a Coba, Abrantina,
Protelecom, Ferconsult, Efacec, Mota-Engil, Teixeira Duarte, Topecal, Amorim,
Visabeira e Zagope.
96
Portugal tem também presença na Tunísia, um dos principais parceiros de Portugal no
conjunto dos países mediterrânicos. Segundo a AICEP, o crescimento de empresas
tunisinas com capitais portugueses tem-se verificado a bom ritmo, tendo passado de 17
para cerca de 40 nos últimos três anos, em sectores tão diversificados como: têxtil e
vestuário (o mais representativo com cerca de 25 empresas), cimentos e derivados,
cortiça, electricidade, electromecânica e metalomecânica, componentes auto,
embalagem, moldes e agro-indústria. O sector da energia continua a ser aquele que
apresenta as maiores oportunidades devido ao aumento da procura, acrescido agora pela
preocupação em se avançar com propostas no âmbito das energias renováveis. A Efacec
mantém uma boa posição no mercado energético tradicional, mas já se mostrou
interessada, assim como outras empresas portuguesas do sector, nas energias
renováveis.
Conclusão
De forma geral, as trocas entre a UE e os países mediterrânicos cresceram entre o início
do Processo Barcelona, em 1995, e 2005. As trocas com a Argélia, Marrocos e Jordânia
foram as que mais cresceram no período analisado, em 225,7%, 137,4% e 127,4%,
respectivamente. Outro aspecto positivo é o peso do sector dos serviços nalguns países
mediterrânicos como no Líbano, na Jordânia ou na Tunísia.
No entanto, aponta o Femise, as trocas Sul-Sul evoluíram de forma marginal, depois do
Processo de Barcelona, crescendo de 4,4% das trocas totais com o estrangeiro em 1995
para 5% em 2003. Os países mais próximos da UE, como Marrocos, Tunísia e a
Turquia, estabeleceram relações comerciais limitadas com os seus vizinhos. E os do
97
leste mediterrânico, com os quais as trocas com a UE caíram, são os que estão mais
envolvidos nas trocas Sul-Sul. Exemplo é a Síria, cujas trocas com o Sul representam
14% do total, o Líbano, a Jordânia e até o Egipto. Com Portugal, as trocas comerciais
apresentam ainda valores residuais, com a Argélia e a Tunísia a serem os parceiros
privilegiados.
98
Capítulo IV. Repensando a parceria à luz da nova estratégia da UE de 2006
A nova estratégia da UE surgiu da necessidade de adaptação das políticas europeias
perante a reestruturação da ordem mundial. Enquanto na segunda metade do séc. XX, o
comércio mundial era dominado pela Europa, Estados Unidos e Japão, hoje surgem
outros personagens na economia mundial, como o Brasil, a Rússia, a Índia, e a China
(BRIC). Juntos representam mais de 15% do total das trocas comerciais. A China é já o
primeiro exportador de bens e tem crescido a um taxa de 9% por ano, graças ao
crescimento das exportações, que ronda os 25%. No mesmo período, a Índia pode
tornar-se no sexto maior exportador.
A UE define no documento Global Europe, Competing in the world – A contribution to
the EU‟s Growth and Jobs Strategy (2006) uma nova estratégia de desenvolvimento
apoiada em novos acordos bilaterais, com o objectivo de tornar as empresas europeias
mais competitivas e de gerar mais emprego.
O crescimento e a criação de emprego são as prioridades da UE definidas na Estratégia
de Lisboa. A Estratégia de Lisboa considera que regras internas claras e objectivas em
áreas como a competitividade, inovação, educação, investigação e desenvolvimento,
emprego e políticas sociais e de coesão são essenciais para que as empresas europeias
possam ser competitivas. No documento, a UE reforça o compromisso com a OMC:
“Não vai haver qualquer retirada por parte da UE do mulilateralismo”, garante, e
reconhece que “a suspensão das negociações da ronda de Doha é uma oportunidade
perdida para o crescimento e desenvolvimento globais”15
.
15 Comissão Europeia (2006), Global Europe: Competing in the World – A Contribution to the EU‟s
Growth and Jobs Strategy.
99
No entanto, acrescenta que as principais funções da UE continuam a ser perseguir os
objectivos externos de política de vizinhança e desenvolvimento e afirma que os
acordos de comércio livre são um contributo importante para uma integração e abertura
mais rápidas dos mercados e de uma descida das tarifas mais eficaz. Muitas das
questões centrais actualmente, como a propriedade intelectual, o investimento ou a
competitividade podem ser tratadas através daqueles acordos. A UE relembra que os
acordos de comércio livre não são tema novo, como os realizados com os ACP, mas
afirma que os principais interesses da Europa na Ásia ainda estão por assegurar.
A União Europeia prepara-se dessa forma para lançar um novo conjunto de acordos
bilaterais com novos mercados segundo alguns critérios económicos. Os novos acordos
vão basear-se na dimensão e crescimento económico de determinado país, bem como
nas relações que esses países já estabeleceram com as economias concorrentes da
Europa e no impacto que estas relações terão no comércio europeu. Com base nestes
critérios, os países ASEAN, a Coreia e o Mercosul surgem como prioridades. Estas
regiões combinam elevados níveis de proteccionismo com um enorme potencial de
mercado, além do facto de estarem muito activos na conclusão de acordos com
concorrentes da UE. A Índia, a Rússia e o Conselho de Cooperação do Golfo
apresentam também níveis de proteccionismo que fazem deles um interesse para a UE.
A China é também uma prioridade, mas requer uma atenção especial devido às
oportunidades e riscos que envolve.
Perante a centralização da UE nas economias emergentes e na vontade política de
celebrar acordos de liberalização do comércio com países como o Brasil, a Rússia, a
Índia ou a China, os parceiros mediterrânicos têm de focalizar-se e de empreender
100
mudanças significativas na sua economia e no tecido empresarial. Esta necessidade é
cada vez mais urgente sob pena de serem „engolidos‟ pelas estruturas produtivas e pelas
economias emergentes que representam cada vez mais uma concorrência feroz. Deverão
começar a delinear-se as condições que vão facilitar, por um lado, o acesso das
empresas europeias aos mercados emergentes e, por outro, a entrada de produtos vindos
dos BRIC na UE.
Resultado: mais players no mercado que vão competir com os parceiros mediterrânicos,
com preços mais atractivos e custos de produção mais baixos provocando uma luta
pelas importações europeias e pelo investimento directo europeu. Os países
mediterrânicos enfrentam assim a possibilidade de perderem terreno no que respeita ao
acesso à UE como aconteceu com a adesão dos dez novos membros. As reformas
fiscais, o desmantelamento de barreiras tarifárias e não tarifárias, o aprofundamento de
reformas económicas, com mais privatizações e com uma redução do papel do Estado
na economia, a redução dos níveis de corrupção e de burocracia bem como a
complementaridade e o estreitar de relações sul-sul são, por isso, essenciais. E estas
reformas deverão ser empreendidas em paralelo com o reforço das relações com a UE.
Será que esta abordagem representa uma viragem da política europeia e a desistência do
multilateralismo enquanto forma de liberalizar as trocas comerciais? O director-geral da
OMC, Pascal Lamy, assegurou numa conferência de imprensa que “não haverá qualquer
retirada da União Europeia do multilateralismo”, acrescentando que “as políticas
bilaterais e regionais servem de complemento ao sistema multilateral”.
101
No entanto, há autores que mantêm a este respeito uma postura mais pessimista.
Messerlin (2007), por exemplo refere que a recente mudança na política comercial da
UE no sentido das negociações bilaterais coloca a Europa em águas bastante turvas e
perigosas. Ao contrário dos acordos celebrados entre o Chile, o Japão, a Coreia,
Singapura e os EUA, os acordos bilaterais considerados pela UE são caracterizados por
elevados níveis tarifários e barreiras não tarifárias na troca de bens e por regras
restritivas no que se refere aos serviços e investimento.
Por outro lado, Messerlin considera que a União Europeia deve posicionar-se como
membro da OMC e ter uma visão de longo prazo do comércio mundial. O autor dita o
falhanço de alguns acordos dos novos acordos bilaterais, como aqueles que pretende
celebrar com os BRIC. Este falhanço “torna-se mais plausível já que nenhum destes
quatro parceiros são especialmente conhecidos pela facilidade nas negociações”16
. Por
outro lado, questiona o facto de a UE acreditar que consegue o acesso aos mercados
daqueles países bilateralmente, quando não o conseguiu sob a égide da OMC. Messerlin
considera que os acordos bilaterais em negociação são caracterizados pelo acesso
preferencial a mercados, criando sérios riscos ao sistema de comércio mundial. Um dos
mais significativos é espoletar uma corrida aos acordos bilaterais, induzindo os Estados
Unidos, a China e o Japão a acompanhar a Europa nos acordos celebrados. E a
assinatura do acordo comercial EUA-Coreia pode ser um sinal desta corrida aos
bilaterais, referidos pelo autor.
Messerlin considera esta nova abordagem comercial da Europa ainda mais “estranha”17
,
já que a UE foi o único país da OMC a registar uma má experiência devido à existência
16 Messerlin, P. (2007), Assessing the EC Trade Policy in Goods, p.7. 17 Idem, p.8.
102
de muitos acordos bilaterais (basta recordar os acontecimentos da pausa pós 97, já
abordados no trabalho). No mesmo sentido, Avelino de Jesus num artigo de opinião
publicado no Jornal de Negócios, intitulado A Nova Política Comercial da União
Europeia: Novo Bilateralismo, afirma que “o empenhamento nesta nova política de
acordos bilaterais prejudicará a retoma das negociações de Doha e poderá representar
uma real viragem de consequências negativas” e considera que “não é um complemento
mas um substituto do multilateralismo”18
.
Conclusão
Em 2006, a UE encetou uma nova política baseada na realização de novos acordos
bilaterais, embora tenha reafirmado o seu compromisso com as negociações
multilaterais da Ronda de Doha. No entanto, a prioridade vai agora para os países
emergentes, Brasil, Rússia, Índia e China. Pela sua dimensão e crescimento económico
e pelas relações que já estabeleceram com as economias concorrentes, a realização de
negociações e de acordo com estes países é fundamental. No entanto, para os países
mediterrânicos trata-se de superar mais um desafio e de reformarem as suas economias
sob pena de perderem terreno para os chamados BRIC como aconteceu com os PECO.
18 Jesus, A. (14 de Junho de 2007), A Nova Política Comercial da União Europeia: Novo Bilateralismo in
Jornal de Negócios.
103
5. Conclusão
A União Europeia sempre desenvolveu relações com os países mediterrânicos desde os
anos 50 e 60. No entanto, foram sempre relações pontuais, sem um fio condutor e uma
meta comum. Foi apenas a partir de 1995 com o Processo Barcelona que foi delineada
uma estratégia mais concreta com desafios em termos económicos, políticos e culturais.
Os objectivos são a constituição de uma zona de comércio livre até 2010, a paz e
estabilidade política e a compreensão entre povos e religiões.
Mas passados mais de dez anos, qual o balanço do processo?
No período analisado, as trocas comerciais entre a UE e os países mediterrânicos
aumentaram significativamente, mas de forma desigual, o que mostra a heterogeneidade
da região e constitui uma das maiores dificuldades em atingir as metas propostas. O
próprio ritmo de assinatura dos acordos de associação tem sido muito moroso, com a
Tunísia a assinar o acordo em 1995 e a Síria a assinar apenas em 2004.
Em termos de trocas comerciais, na Argélia, por exemplo, o comércio entre regiões foi
o que mais cresceu, subindo 225,7%, para os 31,2 mil milhões de euros em 2005,
segundo dados do Eurostat. Em Marrocos, o crescimento também foi expressivo – de
137,4% para os 20,8 mil milhões de euros. No entanto, houve países que ficaram mais
aquém como o Líbano, onde as trocas aumentaram apenas 24,7% em dez anos, para os
3,2 mil milhões de euros.
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Há ainda que ter em atenção que as estruturas produtivas destes países são pouco
desenvolvidas e semelhantes entre si e as exportações concentram-se ainda em poucos
sectores. É o caso de Marrocos que tem as suas exportações dependentes de dez
produtos, representando 73% das exportações em 2003 e da Tunísia cuja percentagem
era de 70%.
Além disso, as relações entre as duas regiões não podem ser avaliadas apenas pelos
fluxos de trocas comerciais. Há outros factores que devem ser analisados como as
tarifas e a estabilidade política e social, por exemplo. No que respeita às tarifas, houve
uma redução significativa: enquanto Marrocos desceu as tarifas médias em 57%, a
Argélia, a Tunísia e o Egipto reduziram em 20% para os dois primeiros e em 30% para
o último entre 1993 e 2003, segundo o Femise (2005). No entanto, há ainda diferenças
muito significativas entre as tarifas dos vários países, com Marrocos a apresentar uma
tarifa média de 27,3% e a Tunísia de 22,4%. No ponto oposto está o Líbano com 4%,
segundo o mesmo organismo. A generalidade dos países mediterrânicos tem tarifas
elevadas em quatro sectores essenciais: alimentar, tabaco, têxtil e pele. Outros sectores
são o automóvel e o de produção de mobiliário. A acrescentar a estas diferenças está o
facto de ter sido entre os países mediterrânicos que as taxas menos desceram, quando
comparadas com as reduções com os EUA e com a UE. Entre 1995 e 2003 as tarifas
desceram 9,7% entre os MED, 11% para a UE e 12% para os EUA.
Muitos dos problemas com que os países mediterrâneos se deparavam ainda subsistem.
As reformas do Sul do Mediterrâneo continuam a ser muito lentas e as empresas
continuam a ter grandes dificuldades em encontrar incentivos e condições para se
instalarem na região. As economias continuam muito dependentes da UE, sendo que o
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abrandamento económico de 2008, que se deverá prolongar por 2009, deverá afectar as
economias mediterrânicas. Aqueles países continuam também a ter de lidar com altas
taxas de desemprego, que levam a grandes fluxos migratórios para a UE, sobretudo para
França e Espanha. Por sua vez, a iliteracia continua em níveis muito elevados, embora
tenham sido feitos grandes avanços e a taxa tenha descido significativamente. A paz e
estabilidade política continuam a não estar cimentadas na região. O objectivo de
resolução pacífica dos diferendos previsto no Processo Barcelona não foi atingido, basta
relembrar os ataques esporádicos no Egipto e a ocupação da Faixa de Gaza por Israel
em Janeiro de 2009.
Por outro lado, as relações Sul-Sul são ainda muito incipientes e muito recentes e
representam apenas 5% do total das trocas, segundo a Comissão Europeia. Em 2004 foi
dado um novo fôlego com o Acordo Agadir, mas o desafio está em mudar a orientação
dos países mediterrânicos para os seus parceiros do Sul, em lugar de concentrar as
trocas na UE e nos EUA. A abrangência de Agadir é também limitada, já que exclui a
livre circulação de pessoas e serviços, pelo que se impõe o alargamento não só das
disposições do acordo mas também do número de países integrantes. A semelhança
entre estruturas produtivas, já referida, a instabilidade política, a complexidade das
normas e falta de infra-estruturas eficientes são alguns dos motivos que explicam a falta
de integração entre os países do sul do mediterrâneo.
A nova política comercial da UE definida em 2006 pode representar um reforço das
relações com os países mediterrâneos, mas pode também representar uma ameaça, já
que as prioridades passam pela negociação com os BRIC, que estão a ganhar cada vez
mais protagonismo no cenário internacional. É, por isso, essencial que os mediterrâneos
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empreendam reformas significativas de forma a fortalecer a sua economia e a atrair
mais empresas para o seu território. Entre as reformas mais urgentes estão o esforço
para uma maior transparência nas regras que regem os mercados, uma redução do papel
do Estado na economia, reformas fiscais, a redução dos níveis de burocracia e
corrupção, entre outras.
Com a União para o Mediterrâneo, a Europa prepara-se para relançar o Processo de
Barcelona. Foram criadas novas figuras como uma co-presidência e foram identificadas
novas áreas de actuação como o emprego, a coesão regional ou o ambiente. Neste
âmbito está já previsto um projecto de despoluição do Mediterrâneo.
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