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Capítulo 1 O nascimento da lógica É lógico! “É lógico que eu vou!”, “É lógico que ela disse isso!”. Quando dizemos frases como essas, a expressão “é lógico que ” indica, para nós e para a pessoa com quem estamos falando, que se trata de alguma coisa evidente. A expressão aparece como se fosse a conclusão de um raciocínio implícito, compartilhado pelos interlocutores do discurso. Ao dizer “É lógico que eu vou!”, estou supondo que quem me ouve sabe, sem que isso seja dito explicitamente, que também estou afirmando: “Você me conhece, sabe o que penso, gosto ou quero, sabe o que vai acontecer no lugar x e na hora y e,portanto, não há dúvida de que irei até lá”. Ao dizer “É lógico que ela disse isso!”, a situação é semelhante. A expressão seria a conclusão de algo que eu e a outra pessoa sabemos, como se eu estivessedizendo: “Sabendo quem ela é, o que pensa, gosta, quer, o que costuma dizer e fazer, e vendo o que está acontecendo agora,concluo que é evidente que ela disse isso, pois era de se esperar que ela o dissesse”. Nesses casos, estamos tirando uma conclusão que nos parece óbvia, e dizer “é lógico que” seria o mesmo que dizer: “é claro que” ou “não há dúvida de que ”. Em certas ocasiões, ouvimos, lemos, vemos alguma coisa e nossa reação é dizer: “Não. Não pode ser assim. Isso não tem lógica!”. Ou, então: “Isso não é lógico!”.Essas duas expressões indicam uma situação oposta às anteriores, ou seja, agora uma conclusão foi tirada por alguém, mas o que já sabemos (de uma pessoa, de um fato, de uma idéia, de um livro) nos faz julgar que a conclusão é indevida, está errada, deveria ser outra. É possível, também, que as duas expressões estejam indicando que o conhecimento que possuímos sobre alguma coisa, sobre alguém ou sobre um fato não é suficiente para compreendermos o que estamos ouvindo, vendo, lendo e por isso nos parece “não ter lógica”. Nesses vários exemplos, podemos perceber que as palavras lógica e lógico são usadas por nós para significar:

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Captulo 1O nascimento da lgica lgico! lgico que eu vou!, lgico que ela disse isso!. Quando dizemos frasescomo essas, a expresso lgico que indica, para ns e para a pessoa comquem estamos falando, que se trata de alguma coisa evidente. A expressoaparece como se fosse a concluso de um raciocnio implcito, compartilhadopelos interlocutores do discurso. Ao dizer lgico que eu vou!, estou supondoque quem me ouve sabe, sem que isso seja dito explicitamente, que tambmestou afirmando: Voc me conhece, sabe o que penso, gosto ou quero, sabe oque vai acontecer no lugar x e na hora y e,portanto, no h dvida de que ireiat l.Ao dizer lgico que ela disse isso!, a situao semelhante. A expressoseria a concluso de algo que eu e a outra pessoa sabemos, como se eu estivessedizendo: Sabendo quem ela , o que pensa, gosta, quer, o que costuma dizer efazer, e vendo o que est acontecendo agora,concluoque evidente que eladisse isso, pois era de se esperar que ela o dissesse.Nesses casos, estamos tirando uma concluso que nos parece bvia, e dizerlgico que seria o mesmo que dizer: claro que ou no h dvida de que.Em certas ocasies, ouvimos, lemos, vemos alguma coisa e nossa reao dizer:No. No pode ser assim. Isso no tem lgica!. Ou, ento: Isso no lgico!.Essas duas expresses indicam uma situao oposta s anteriores, ou seja, agorauma concluso foi tirada por algum, mas o que j sabemos (de uma pessoa, deum fato, de uma idia, de um livro) nos faz julgar que a concluso indevida,est errada, deveria ser outra. possvel, tambm, que as duas expressesestejam indicando que o conhecimento que possumos sobre alguma coisa, sobrealgum ou sobre um fato no suficiente para compreendermos o que estamosouvindo, vendo, lendo e por isso nos parece no ter lgica.Nesses vrios exemplos, podemos perceber que as palavraslgicaelgicosousadas por ns para significar:1. ou uma inferncia: visto que conheox, disso posso concluirycomoconseqncia;2. ou a exigncia de coerncia: visto quex assim, ento preciso queysejaassim;3. ou a exigncia de que no haja contradio entre o que sabemos dexe aConclusoya que chegamos;4. ou a exigncia de que, para entender a conclusoy, precisamos saber osuficiente sobrexpara conhecer por que se chegou ay.Inferncia, coerncia, concluso sem contradies, concluso a partir deconhecimentos suficientes so algumas noes implicitamente pressupostas porns toda vez que afirmamos que algo lgico ou ilgico.Ao usarmos as palavras lgica e lgico estamos participando de uma tradio depensamento que se origina da Filosofia grega, quando a palavral o g o ssignificando linguagem-discurso e pensamento-conhecimento conduziu osfilsofos a indagar se ol o g o sobedecia ou no a regras, possua ou no normas,princpios e critrios para seu uso e funcionamento. A disciplina filosfica que seocupa com essas questes chama-sel g i c a.

O aparecimento da lgica: Herclito e ParmnidesQuando estudamos o nascimento da Filosofia, vimos que os primeiros filsofosse preocupavam com a origem, a transformao e o desaparecimento de todos osseres. Preocupavam-se com od e v i r. Duas grandes tendncias adotaram posiesopostas a esse respeito, na poca do surgimento da Filosofia: a do filsofoHerclito de feso e a do filsofo Parmnides de Elia.Herclito afirmava que somente o devir ou a mudana real. O dia se torna noite,o inverno se torna primavera, esta se torna vero, o mido seca, o seco umedece,o frio esquenta, o quente esfria, o grande diminui, o pequeno cresce, o doenteganha sade, a treva se faz luz, esta se transforma naquela, a vida cede lugar morte, esta d origem quela.O mundo, dizia Herclito, umfluxo perptuoonde nada permanece idntico asi mesmo, mas tudo se transforma no seu contrrio. A luta a harmonia doscontrrios, responsvel pela ordem racional do universo. Nossa experinciasensorial percebe o mundo como se tudo fosse estvel e permanente, mas opensamento sabe que nada permanece, tudo se torna contrrio de si mesmo. Ologos a mudana e a contradio.Parmnides, porm, afirmava que o devir, o fluxo dos contrrios, umaaparncia, mera opinio que formamos porque confundimos a realidade com asnossas sensaes, percepes e lembranas. O devir dos contrrios umalinguagem ilusria, no existe, irreal, no . oNo - S e r, o nada, impensvel eindizvel. O que existe real e verdadeiramente o que no muda nunca, o que nose torna oposto a si mesmo, mas permanece sempre idntico a si mesmo, semcontrariedades internas. oS e r.Pensar e dizer s so possveis se as coisas que pensamos e dizemos guardarem aidentidade, forem permanentes. S podemos dizer e pensar aquilo que sempreidntico a si mesmo. Por isso somente o Ser pode ser pensado e dito. Nossossentidos nos do a aparncia mutvel e contraditria, o No-Ser; somente opensamento puro pode alcanar e conhecer aquilo que ou existe realmente, oSer, e diz-lo em sua verdade.

Ol o g o s o ser como pensamento e linguagemverdadeiros e, portanto, a verdade a afirmao da permanncia contra amudana, da identidade contra a contradio dos opostos.Assim, Herclito afirmava que a verdade e ol o g o sso a mudana das coisas nosseus contrrios, enquanto Parmnides afirmava que so a identidade do Serimutvel, oposto aparncia sensvel da luta dos contrrios. Parmnides introduza idia de que o que contrrio a si mesmo, ou se torna o contrrio do que era,no pode ser (existir), no pode ser pensado nem dito porque contraditrio, e acontradio o impensvel e o indizvel, uma vez que uma coisa que se torneoposta de si mesma destri-se a si mesma, torna-se nada. Para Herclito, acontradio a lei racional da realidade; para Parmnides, a identidade essa leiracional.A histria da Filosofia grega ser a histria de um gigantesco esforo paraencontrar uma soluo para o problema posto por Herclito e Parmnides, pois,se o primeiro tiver razo, o pensamento dever ser um fluxo perptuo e a verdadeser a perptua contradio dos seres em mudana contnua; mas se Parmnidestiver razo, o mundo em que vivemos no ter sentido, no poder ser conhecido,ser uma aparncia impensvel e viveremos na iluso.Ser preciso, portanto, uma soluo que prove que a mudana e os contrriosexistem e podem ser pensados, mas, ao mesmo tempo, que prove que aidentidade ou permanncia dos seres tambm existe, verdadeira e pode serpensada. Como encontrar essa soluo?O aparecimento da lgica: Plato e AristtelesNo momento de seu apogeu, isto , de Plato e de Aristteles, a Filosofiaoferecer as duas solues mais importantes para o problema da contradio-mudana e identidade-permanncia dos seres. No vamos, aqui, falar dessas duasfilosofias, mas destacar um aspecto de cada uma delas relacionado com o nossoassunto, isto , com o surgimento da lgica.Plato considerou que Herclito tinha razo no que se refere ao mundo materialou fsico, isto , ao mundo dos seres corporais, pois a matria o que est sujeitoa mudanas contnuas e a oposies internas. Herclito est certo no que dizrespeito ao mundo de nossas sensaes, percepes e opinies: o mundo naturalou material (que Plato chama de mundo sensvel) o devir permanente.No entanto, dizia Plato, esse mundo umaa p a r n c i a( o mundo dosprisioneiros da caverna), uma cpia ou sombra do mundo verdadeiro e real e,nesse, Parmnides quem tem razo. O mundo verdadeiro o dase s s n c i a simutveis (que Plato chama de mundo inteligvel), sem contradies nemoposies, sem transformao, onde nenhum ser passa para o seu contraditrio.Mas como conhecer as essncias e abandonar as aparncias? Como sair da caverna? Atravs de um mtodo do pensamento e da linguagem chamadodialtica.Em grego, a palavrad i aquer dizer dois, duplo; o sufixo ltica deriva-se del o g o se do verbol e g i n(cujo sentido estudamos nos captulos dedicados linguagem eao pensamento). A dialtica, como j vimos, um dilogo ou uma conversa emque os interlocutores possuem opinies opostas sobre alguma coisa e devemdiscutir ou argumentar de modo a passar das opinies contrrias mesma idiaou ao mesmo pensamento sobre aquilo que conversam. Devem passar deimagenscontraditrias aconceitosidnticos para todos os pensantes.A dialtica platnica um procedimento intelectual e lingstico que parte dealguma coisa que deve ser separada ou dividida em dois ou duas partes contrriasou opostas, de modo que se conhea sua contradio e se possa determinar qualdos contrrios verdadeiro e qual falso. A cada diviso surge um par decontrrios, que devem ser separados e novamente divididos, at que se chegue aum termo indivisvel, isto , no formado por nenhuma oposio ou contradioe que ser a idia verdadeira ou a essncia da coisa investigada. Partindo desensaes, imagens, opinies contraditrias sobre alguma coisa, a dialtica vaiseparando os opostos em pares, mostrando que um dos termos aparncia eiluso e o outro, verdadeiro ou essncia.A dialtica um debate, uma discusso, um dilogo entre opinies contrrias econtraditrias para que o pensamento e a linguagem passem da contradio entreas aparncias identidade de uma essncia. Superar os contraditrios e chegar aoque sempre idntico a si mesmo a tarefa da discusso dialtica, que revela omundo sensvel como heraclitiano (a luta dos contrrios, a mudana incessante) eo mundo inteligvel como parmenidiano (a identidade perene de cada idiaconsigo mesma).Aristteles, por sua vez, segue uma via diferente da escolhida por Plato.Considera desnecessrio separar realidade e aparncia em dois mundos diferentes h um nico mundo no qual existem essncias e aparncias e no aceita que amudana ou o devir seja mera aparncia ilusria. H seres cuja essncia mudare h seres cuja essncia imutvel. O erro de Herclito foi supor que a mudanase realiza sob a forma da contradio, isto , que as coisas se transformam nosseus opostos, pois a mudana ou transformao a maneira pela qual as coisasrealizam todas as potencialidades contidas em suas essncia e esta no contraditria, mas uma identidade que o pensamento pode conhecer.Assim, por exemplo, quando a criana se torna adulta ou quando a semente setorna rvore, nenhuma delas tornou-se contrria a si mesma, mas desenvolveuuma potencialidade definida pela identidade prpria de sua essncia. Cabe Filosofia conhecer como e por que as coisas, sem mudarem de essncia,transformam-se, assim como cabe Filosofia conhecer como e por que h seresimutveis (como as entidades matemticas e as divinas). Parmnides tem razo: o pensamento e a linguagem exigem a identidade. Herclito tem razo: as coisas mudam. Ambos se enganaram ao supor que identidade e mudana so contraditrias. Tal engano levou Plato desnecessria diviso dos mundos.Em segundo lugar, Aristteles considera que a dialtica no um procedimento seguro para o pensamento e a linguagem da Filosofia e da cincia, pois tem como ponto de partida simples opinies contrrias dos debatedores, e a escolha de uma opinio contra outra no garante chegar essncia da coisa investigada. A dialtica, diz Aristteles, boa para as disputas oratrias da poltica e do teatro, para ar e t r i c a, pois esta tem como finalidade persuadir algum, oferecendo argumentos fortes que convenam o oponente e os ouvintes. adequada para os assuntos sobre os quais s cabe a persuaso, mas no para a Filosofia e a cincia, porque, nestas, interessa a demonstrao e a prova de uma verdade.Substituindo a dialtica por um conjunto de procedimentos de demonstrao e prova, Aristteles criou al g i c apropriamente dita, que ele chamava dea n a l t i c a(a palavra lgica ser empregada, sculos mais tarde, pelos esticos e Alexandre de Afrodsia).

Qual a diferena entre a dialtica platnica e a lgica (ou analtica) aristotlica?Em primeiro lugar, a dialtica platnica o exerccio direto do pensamento e da linguagem, um modo de pensar que opera com os contedos do pensamento e do discurso. A lgica aristotlica um instrumento que antecede o exerccio do pensamento e da linguagem, oferecendo-lhes meios para realizar o conhecimento e o discurso. Para Plato, a dialtica um modo de conhecer. Para Aristteles, a lgica (ou analtica) um instrumento para o conhecer.Em segundo lugar, a dialtica platnica uma atividade intelectual destinada a trabalhar contrrios e contradies para super-los, chegando identidade da essncia ou da idia imutvel. Depurando e purificando as opinies contrrias, a dialtica platnica chega verdade do que idntico e o mesmo para todas as inteligncias. A lgica aristotlica oferece procedimentos que devem ser empregados naqueles raciocnios que se referem a todas as coisas das quais possamos ter um conhecimento universal e necessrio, e seu ponto de partida no so opinies contrrias, mas princpios, regras e leis necessrias e universais do pensamento.Captulo 2Elementos de lgicaPrincipais caractersticas da lgicaAristteles props a primeira classificao geral dos conhecimentos ou dascincias dividindo-as em trs tipos: teorticas, prticas e produtivas. Todos ossaberes referentes a todos os seres, todas as aes e produes humanasencontravam-se distribudos nessa classificao que ia da cincia mais alta afilosofia primeira at o conhecimento das tcnicas criadas pelos homens para afabricao de objetos. No entanto, nessa classificao no encontramos a lgica.Por qu?Para Aristteles, a lgica no era uma cincia teortica, nem prtica ou produtiva,mas umi n s t r u m e n t opara as cincias. Eis por que o conjunto das obras lgicasaristotlicas recebeu o nome de r g a n o n, palavra grega que significainstrumento.

A lgica caracteriza-se como:instrumental: o instrumento do pensamento para pensar corretamente everificar a correo do que est sendo pensado;formal: no se ocupa com os contedos pensados ou com os objetos referidospelo pensamento, mas apenas com a forma pura e geral dos pensamentos,expressa atravs da linguagem;propedutica: o que devemos conhecer antes de iniciar uma investigaocientfica ou filosfica, pois somente ela pode indicar os procedimentos(mtodos, raciocnios, demonstraes) que devemos empregar para cadamodalidade de conhecimento;normativa: fornece princpios, leis, regras e normas que todo pensamento deveseguir se quiser ser verdadeiro;doutrina da prova: estabelece as condies e os fundamentos necessrios detodas as demonstraes. Dada uma hiptese, permite verificar as conseqnciasnecessrias que dela decorrem; dada uma concluso, permite verificar se verdadeira ou falsa;geral e temporal: as formas do pensamento, seus princpios e suas leis nodependem do tempo e do lugar, nem das pessoas e circunstncias, mas souniversais, necessrias e imutveis como a prpria razo.O objeto da lgica ap r o p o s i o, que exprime, atravs da linguagem, os juzos formulados pelo pensamento. A proposio a atribuio de um predicado a um sujeito:S P. O encadeamento dos juzos constitui o raciocnio e este se exprime logicamente atravs da conexo de proposies; essa conexo chama-se silogismo. A lgica estuda os elementos que constituem uma proposio (as categorias), os tipos de proposies e de silogismos e os princpios necessrios a que toda proposio e todo silogismo devem obedecer para serem verdadeiros (princpio da identidade, da no-contradio e do terceiro excludo).A proposioUma proposio constituda por elementos que so seust e r m o s.Aristteles define os termos ouc a t e g o r i a scomo aquilo que serve para designaruma coisa. So palavras no combinadas com outras e que aparecem em tudo quanto pensamos e dizemos. H dez categorias ou termos:1. substncia (por exemplo, homem, Scrates, animal);2. quantidade (por exemplo, dois metros de comprimento);3. qualidade (por exemplo, branco, grego, agradvel);4. relao (por exemplo, o dobro, a metade, maior do que);5. lugar (por exemplo, em casa, na rua, no alto);6. tempo (por exemplo, ontem, hoje, agora);7. posio (por exemplo, sentado, deitado, de p);8. posse (por exemplo, armado, isto , tendo armas);9. ao (por exemplo, corta, fere, derrama);10. paixo ou passividade (por exemplo, est cortado, est ferido).As categorias ou termos indicam o que uma coisa ou faz, ou como est. So aquilo que nossa percepo e nosso pensamento captam imediata e diretamente numa coisa, no precisando de qualquer demonstrao, pois nos do a apreenso direta de uma entidade simples. Possuem duas propriedades lgicas: a extenso e ac o m p r e e n s o.Extenso o conjunto de objetos designados por um termo ou uma categoria.Compreenso o conjunto de propriedades que esse mesmo termo ou essacategoria designa. Por exemplo: uso a palavrah o m e mpara designarPedro,Paulo, Scrates, e uso a palavram e t a lpara designarouro, ferro, prata, cobre.A extenso do termoh o m e mser o conjunto de todos os seres que podem serdesignados por ele e que podem ser chamados dehomens; a extenso do termometalser o conjunto de todos os seres que podem ser designados comometais.Se, porm, tomarmos o termohomeme dissermos que um animal, vertebrado,mamfero, bpede, mortal e racional, essas qualidades formam sua compreenso. Se tomarmos o termom e t a le dissermos que um bom condutor de calor, refletea luz, etc., teremos ac o m p r e e n s odesse termo.Quanto maior a extenso de um termo, menor sua compreenso, e quanto maior a compreenso, menor a extenso. Se, por exemplo, tomarmos o termo S c r a t e s, veremos que sua extenso a menor possvel, pois possui todas as propriedades do termoh o m e me mais suas prprias propriedades enquanto uma pessoa determinada. Essa distino permite classificar os termos ou categorias em trs tipos:1.g n e r o: extenso maior, compreenso menor. Exemplo: animal;2.e s p c i e: extenso mdia e compreenso mdia. Exemplo: homem;3.i n d i v d u o:extenso menor, compreenso maior. Exemplo: Scrates.Na proposio, as categorias ou termos so os predicados atribudos a umsujeito. O sujeito (S) uma substncia; os predicados (P) so as propriedadesatribudas ao sujeito; a atribuio ou predicao se faz por meio do verbo deligao s e r. Por exemplo:Pedro alto.A proposio um discurso declarativo (apofntico), que enuncia ou declara verbalmente o que foi pensado e relacionado pelo juzo. A proposio rene ou separa verbalmente o que o juzo reuniu ou separou mentalmente.A reunio ou separao dos termos recebe o valor de verdade ou de falsidade quando o que foi reunido ou separado em pensamento e linguagem est reunido ou separado na realidade (verdade), ou quando o que foi reunido ou separado em pensamento e linguagem no est reunido ou separado na realidade (falsidade). A reunio se faz pela afirmao: S P. A separao se faz pela negao: S no P.A proposio representa o juzo (coloca o pensamento na linguagem) e arealidade (declara o que est unido e o que est separado).Do ponto de vista dos u j e i t o, existem dois tipos de proposies:1. proposio existencial : declara a existncia, posio, ao ou paixo do sujeito. Por exemplo: Um homem (existe), Um homem anda, Um homem est ferido. E suas negativas: Um homem no (no existe), Um homem no anda, Um homem no est ferido;2. proposiop r e d i c a t i v a: declara a atribuio de alguma coisa a um sujeito pormeio da cpula . Por exemplo: Um homem justo, Um homem no justo.As proposies se classificam segundo a qualidade e quantidade.Do ponto de vista da qualidade, as proposies de dividem em:afirmativas: as que atribuem alguma coisa a um sujeito:S P.negativas: as que separam o sujeito de alguma coisa:S no P.Do ponto de vista da quantidade, as proposies se dividem em:universais: quando o predicado se refere extenso total do sujeito,afirmativamente (Todos os S so P) ou negativamente (Nenhum S P);particulares: quando o predicado atribudo a uma parte da extenso dosujeito, afirmativamente (Alguns S so P) ou negativamente (Alguns S no soP);singulares: quando o predicado atribudo a um nico indivduo,afirmativamente (Este S P) ou negativamente (Este S no P).Alm da distino pela qualidade e pela quantidade, as proposies sedistinguem pelam o d a l i d a d e, sendo classificadas como:

necessrias: quando o predicado est includo necessariamente na essncia do sujeito, fazendo parte dessa essncia. Por exemplo: Todo tringulo uma figura de trs lados, Todo homem mortal;no - necessriasoui m p o s s v e i s: quando o predicado no pode, de modo algum, ser atribudo ao sujeito. Por exemplo: Nenhum tringulo figura de quatro lados, Nenhum planeta um astro com luz prpria;p o s s v e i s: quando o predicado pode ser ou deixar de ser atribudo ao sujeito.Por exemplo: Alguns homens so justos.Como todo pensamento e todo juzo, a proposio est submetida aos trsprincpios lgicos fundamentais, condies de toda verdade:1. princpio da identidade: um ser sempre idntico a si mesmo:A A;2. princpio da no-contradio: impossvel que um ser seja e no seja idntico a si mesmo ao mesmo tempo e na mesma relao. impossvel que A seja A e no-A;3. princpio do terceiro excludo: dadas duas proposies com o mesmo sujeito e o mesmo predicado, uma afirmativa e outra negativa, uma delas necessariamente verdadeira e a outra necessariamente falsa. A x ou no-x, no havendo terceira possibilidade.Graas a esses princpios, obtemos a ltima maneira pela qual as proposies se distinguem. Trata-se da classificao das proposies segundo ar e l a o:contraditrias: quando temos o mesmo sujeito e o mesmo predicado, uma das proposies universal afirmativa (Todos os S so P) e a outra particular negativa (Alguns S no so P); ou quando se tem uma universal negativa (Nenhum S P) e uma particular afirmativa (Alguns S so P);contrrias: quando, tendo o mesmo sujeito e o mesmo predicado, uma das proposies universal afirmativa (Todo S P) e a outra universal negativa (Nenhum S P); ou quando uma das proposies particular afirmativa (Alguns S so P) e a outra particular negativa (Alguns S no so P);subalternas: quando uma universal afirmativa subordina uma particular afirmativa de mesmo sujeito e predicado, ou quando uma universal negativa subordina uma particular negativa de mesmo sujeito e predicado.Quando a proposio universal e necessria (seja afirmativa ou negativa), diz- se que ela declara umjuzo apodtico. Quando a proposio universal ou particular possvel (afirmativa ou negativa), diz-se que ela declara umj u z o h i p o t t i c o, cuja formulao :Se entoQuando a proposio universal ou particular (afirmativa ou negativa) e comporta uma alternativa que depende dos acontecimentos ou das circunstncias, diz-se que ela declara um juzo disjuntivo, cuja formulao :Ou ouAssim, a proposio Todos os homens so mortais e a proposio Nenhum tringulo uma figura de quatro lados so apodticas. A proposio Se a educao for boa, ele ser virtuoso hipottica. A proposio Ou chover amanh ou no chover amanh disjuntiva.O silogismoAristteles elaborou uma teoria do raciocnio como inferncia. Inferir tirar uma proposio como concluso de uma outra ou de vrias outras proposies que a antecedem e so sua explicao ou sua causa. O raciocnio uma operao do pensamento realizada por meio de juzos e enunciada lingstica e logicamente pelas proposies encadeadas, formando ums i l o g i s m o. Raciocnio e silogismo so operaes mediatas de conhecimento, pois a inferncia significa que s conhecemos alguma coisa (a concluso) por meio ou pela mediao de outras coisas. A teoria aristotlica do silogismo o corao da lgica, pois a teoria das demonstraes ou das provas, da qual depende o pensamento cientfico e filosfico.O silogismo possui trs caractersticas principais:1. mediato: exige um percurso de pensamento e de linguagem para que sepossa chegar a uma concluso;2. dedutivo: um movimento de pensamento e de linguagem que parte de certas afirmaes verdadeiras para chegar a outras tambm verdadeiras e que dependem necessariamente das primeiras;3. necessrio:porque dedutivo (as conseqncias a que se chega na concluso resultam necessariamente da verdade do ponto de partida). Por isso, Aristteles considera o silogismo que parte de proposies apodticas superior ao que parte de proposies hipotticas ou possveis, designando-o com o nome de ostensivo, pois ostenta ou mostra claramente a relao necessria e verdadeira entre o ponto de partida e a concluso.O exemplo mais famoso do silogismo ostensivo :Todos os homens so mortais.Scrates homem.Logo, Scrates mortal.Um silogismo constitudo por trs proposies. A primeira chamada depremissa maior; a segunda, depremissa menor; e a terceira, deconcluso,inferida das premissas pela mediao de um termo chamadotermo mdio. Aspremissas possuem termos chamadose x t r e m o se a funo do termo mdio ligar os extremos. Essa ligao a inferncia ou deduo e sem ela no hraciocnio nem demonstrao. Por isso, a arte do silogismo consiste em saberencontrar o termo mdio que ligar os extremos e permitir chegar concluso.O silogismo, para chegar a uma concluso verdadeira, deve obedecer a umconjunto complexo de regras. Dessas regras, apresentaremos as maisimportantes, tomando como referncia o silogismo clssico que oferecemosacima:? a premissa maior deve conter otermo extremo maior(no caso, mortais) e otermo mdio(no caso, homens );? a premissa menor deve conter otermo extremo menor(no caso, Scrates) eotermo mdio(no caso, homem);? a concluso deve conter o maior e o menor ej a m a i sdeve conter o termomdio (no caso, deve conter Scrates e mortal e jamais deve conterhomem). Sendo funo do mdio ligar os extremos, deve estar nas premissas,mas nunca na concluso.A idIdia geral da deduo ou inferncia silogstica :

A verdade de B.B verdade de C.Logo, A verdade de C.A inferncia silogstica tambm feita com negativas:Nenhum anjo mortal. (A verdade de B.)Miguel anjo. (B verdade de C.)Logo, Miguel no mortal. (A verdade de C.)A proposio uma predicao ou atribuio. As premissas fazem a atribuioafirmativa ou negativa do predicado ao sujeito, estabelecendo a incluso ouexcluso do mdio no maior e a incluso ou excluso do menor no mdio. Graasa essa dupla incluso ou excluso, o menor estar includo ou excludo do maior.Por ser um sistema de incluses (ou excluses) entre sujeitos e predicados, osilogismo a declarao dai n e r n c i ado predicado ao sujeito (inernciaafirmativa, quando o predicado est includo no sujeito; inerncia negativa,quando o predicado est excludo do sujeito). A cincia a investigao dessasinerncias, por meio das quais se alcana a essncia do objeto investigado. A inferncia silogstica deve obedecer a oito regras, sem as quais a deduo no ter validade, no sendo possvel dizer se a concluso verdadeira ou falsa:1. um silogismo deve ter um termo maior, um menor e um mdio e somente trs termos, nem mais, nem menos;2. o termo mdio deve aparecer nas duas premissas e jamais aparecer na concluso; deve ser tomado em toda a sua extenso (isto , como um universal) pelo menos uma vez, pois, do contrrio, no se poder ligar o maior e o menor. Por exemplo, se eu disser Os nordestinos so brasileiros e Os paulistas so brasileiros, no poderei tirar concluso alguma, pois o termo mdio brasileiros foi tomado sempre em parte de sua extenso e nenhuma vez no todo de sua extenso;3. nenhum termo pode ser mais extenso na concluso do que nas premissas, pois, nesse caso, concluiremos mais do que seria permitido. Isso significa que uma das premissas sempre dever ser universal (afirmativa ou negativa);4. a concluso no pode conter o termo mdio, j que a funo deste se esgota na ligao entre o maior e o menor, ligao que a concluso;5. de duas premissas negativas nada pode ser concludo, pois o mdio no terligado os extremos;6. de duas premissas particulares nada poder ser concludo, pois o mdio no ter sido tomado em toda a sua extenso pelo menos uma vez e no poder ligar o maior e o menor;7. duas premissas afirmativas devem ter a concluso afirmativa, o que evidente por si mesmo;8. a concluso sempre acompanha a parte mais fraca, isto , se houver uma premissa negativa, a concluso ser negativa; se houver uma premissa particular, a concluso ser particular; se houver uma premissa particular negativa, a concluso ser particular negativa.Essas regras do origem s figuras em o d o s do silogismo. As figuras so quatro e se referem posio ocupada pelo termo mdio nas premissas (sujeito na maior, sujeito na menor, sujeito em ambas, predicado na maior, predicado na menor, predicado em ambas). Os modos se referem aos tipos de proposies que constituem as premissas (universais afirmativas em ambas, universais negativas em ambas, particulares afirmativas em ambas, particulares negativas em ambas, universal afirmativa na maior e particular afirmativa na menor, etc.).Existem 64 modos possveis, mas, desses, apenas dez so considerados vlidos. Combinando-se as quatro figuras e os dez modos tem-se as dezenove formas vlidas de silogismo.Tomemos um exemplo da chamada primeira figura e os modos em que pode se apresentar. Na primeira figura, o termo mdio sujeito na maior e predicado na menor:1 modo todas as proposies so universais afirmativas:Todos os homens so mortais.Todos os atenienses so homens.Todos os atenienses so mortais.2 modo a maior universal negativa, a menor universal afirmativa e aconcluso universal negativa:Nenhum astro perecvel.Todas as estrelas so astros.Nenhuma estrela perecvel.3 modo a maior universal afirmativa, a menor particular afirmativa e aconcluso particular afirmativa:Todos os homens so mortais.Scrates homem.Scrates mortal.4 modo a maior universal negativa, a menor particular afirmativa e aconcluso particular negativa:Nenhum tirano amado.Dionsio tirano.Dionsio no amado.Aristteles considera a primeira figura a mais prpria para o silogismo cientfico, porque nela a inerncia do predicado no sujeito a mais perfeita. A cincia, segundo Aristteles, encontra a essncia das coisas demonstrando a ligao necessria entre um indivduo, a espcie e o gnero, isto , a incluso do indivduo na espcie e desta no gnero. A primeira figura a que melhor evidencia essa incluso (ou a excluso).O silogismo cientficoAristteles distingue dois grandes tipos de silogismos: os dialticos e oscientficos. Os primeiros so aqueles cujas premissas se referem ao que apenas possvel ou provvel, ao que pode ser de uma maneira ou de uma maneira contrria e oposta, ao que pode acontecer ou deixar de acontecer. Suas premissas so hipotticas e por isso sua concluso tambm hipottica.O silogismo cientfico aquele que se refere ao universal e necessrio, ao que de uma maneira e no pode deixar de ser tal como , ao que acontece sempre e sempre da mesma maneira. Suas premissas so apodticas e sua concluso tambm apodtica.O silogismo dialtico o que comporta argumentaes contrrias, porque suas premissas so meras opinies sobre coisas ou fatos possveis ou provveis. As opinies no so objetos de cincia, mas de persuaso. A dialtica uma discusso entre opinies contrrias que oferecem argumentos contrrios, vencendo aquele argumento cuja concluso for mais persuasiva do que a do adversrio. O silogismo dialtico prprio dar e t r i c a, ou arte da persuaso, na qual aquele que fala procura tocar as emoes e paixes dos ouvintes e no no raciocnio ou na inteligncia deles.O silogismo cientfico no admite premissas contraditrias. Suas premissas so universais necessrias e sua concluso no admite discusso ou refutao, mas exige demonstrao. Por esse motivo, o silogismo cientfico deve obedecer a quatro regras, sem as quais sua demonstrao no ter valor:1. as premissas devem ser verdadeiras (no podem ser possveis ou provveis,nem falsas);2. as premissas devem ser primrias ou primeiras, isto , indemonstrveis, pois se tivermos que demonstrar as premissas, teremos que ir de regresso em regresso, indefinidamente, e nada demonstraremos;3. as premissas devem ser mais inteligveis do que a concluso, pois a verdade desta ltima depende inteiramente da absoluta clareza e compreenso que tenhamos das suas condies, isto , das premissas;4. as premissas devem ser causa da concluso, isto , devem estabelecer as coisas ou os fatos que causam a concluso e que a explicam, de tal maneira que, ao conhec-las, estamos obedecendo as causas da concluso. Esta regra da maior importncia porque, para Aristteles, conhecer conhecer as causas ou pelas causas.O que so as premissas de um silogismo cientfico? So verdadesindemonstrveis, evidentes e causais. So de trs tipos:1.a x i o m a s, como, por exemplo, os trs princpios lgicos ou afirmaes do tipo O todo maior do que as partes;2.p o s t u l a d o s, isto , os pressupostos de que se vale uma cincia para iniciar o estudo de seus objetos. Por exemplo, o espao plano, na geometria; o movimento e o repouso, na fsica;3.d e f i n i e s(que, para Aristteles, so as premissas mais importantes de uma cincia) do gnero que o objeto da cincia investigada. A definio deve dizer o que a coisa estudada , como , por que , sob quais condies (a definio deve dar o que, o como, o porqu e os e da coisa investigada, que o sujeito da proposio).A definio est referida ao termo mdio, pois ele que pode preencher as quatro exigncias (que, como, por que, se) e por seu intermdio que o silogismo alcana oc o n c e i t oda coisa investigada. Atravs do termo mdio, a definio oferece o conceito da coisa por meio das categorias (substncia, quantidade, qualidade, relao, lugar, tempo, posio, posse, ao, paixo) e da incluso necessria do indivduo na espcie e no gnero.O conceito nos oferece ae s s n c i ada coisa investigada (suas propriedades necessrias ou essenciais) e o termo mdio o atributo essencial para chegar definio. Por isso, a definio consiste em encontrar para um sujeito (uma substncia) seus atributos essenciais (seus predicados). Um atributo essencial quando faz uma coisa ser o que ela , ou cuja ausncia impediria a coisa de ser tal como (mortal um atributo essencial de Scrates). Um atributo acidental quando sua presena ou sua ausncia no afetam a essncia da coisa (gordo um atributo acidental de Scrates). O silogismo cientfico no lida com os predicados ou atributos acidentais.A cincia um conhecimento que vai de seu gnero mais alto s suas espcies mais singulares. A passagem do gnero espcie singular se faz por uma cadeia dedutiva ou cadeia silogstica, na qual cada espcie funciona como gnero para suas subordinadas e cada uma delas se distingue das outras por uma diferena especfica. Definir encontrar a diferena especfica entre seres do mesmo gnero.A tarefa da definio oferecer a definio do gnero e a diferena especfica essencial que distingue uma espcie da outra. A demonstrao (o silogismo) partir do gnero, oferecer a definio da espcie e incluir o indivduo na espcie e no gnero, de sorte que a essncia ou o conceito do indivduo nada mais do que sua incluso ou sua inerncia espcie e ao gnero. A demonstrao parte da definio do gnero e dos axiomas e postulados referentes a ele; deve provar que o gnero possui realmente os atributos ou predicados que a definio, os axiomas e postulados afirmam que ele possui. O que essa prova? a prova de que as espcies so os atributos ou predicados do gnero e so elas o objeto da concluso do silogismo.Com isso, percebe-se que uma cincia possui trs objetos: os axiomas e postulados, que fundamentam a demonstrao; a definio do gnero, cuja existncia no precisa nem deve ser demonstrada; e os atributos essenciais ou predicados essenciais do gnero, que so suas espcies, s quais chega a concluso. Numa etapa seguinte, a espcie a que se chegou na concluso de um silogismo torna-se gnero, do qual parte uma nova demonstrao, e assim sucessivamente.Para que o silogismo cientfico cumpra sua funo, ele deve respeitar, alm das regras gerais do silogismo, quatro exigncias relativas s suas premissas:1. devem ser premissasv e r d a d e i r a spara todos os casos de seu sujeito;2. devem ser premissase s s e n c i a i s, isto , a relao entre o sujeito e o predicado deve ser sempre necessria, seja porque o predicado est contido na essncia do sujeito (por exemplo, o predicado linha est contido na essncia do sujeito tringulo), seja porque o predicado uma propriedade essencial do sujeito (por exemplo, o predicado curva tem que estar necessariamente referido ao sujeito linha), seja porque existe uma relao causal entre o predicado e o sujeito (por exemplo, o predicado eqidistantes do centro a causa do sujeito crculo, uma vez que esta a figura geomtrica cuja circunferncia tem todos os pontos eqidistantes do centro). Em resumo, as premissas devem estabelecer a inerncia do predicado essncia do sujeito;3. devem ser premissas prprias, isto , referem-se exclusivamente ao sujeito daquela cincia e de nenhuma outra. Por isso, no posso ir buscar premissas da geometria (cujo sujeito so as figuras) na aritmtica (cujo sujeito so os nmeros), nem as da biologia (cujo sujeito so os seres vivos) na astronomia (cujo sujeito so os astros), etc. Em outras palavras, o termo mdio do silogismo cientfico se refere aos atributos essenciais dos sujeitos de uma cincia determinada e de nenhuma outra;4. devem ser premissasg e r a i s, isto , nunca devem referir-se aos indivduos, mas aos gneros e s espcies, pois o indivduo define-se por eles e no eles pelo indivduo.Captulo 3A lgica aps AristtelesA lgica esticaVimos que Aristteles emprega a palavraa n a l t i c apara referir-se ao estudo dasleis ou regras que o pensamento deve seguir para exprimir a verdade. Noemprega a palavra lgica. Esta foi introduzida por uma corrente filosfica doperodo final da Filosofia grega, o estoicismo.Os esticos afirmavam que s existem corpos (mesmo a alma era corporal, sendoum sopro sutil e invisvel, op n e u m a). Afirmavam tambm queh certas coisasque no existempropriamente, mas subsistem por meio de outras,sendoincorporais. Entre os incorporais colocavamoexprimvel, isto , a linguagem ouo discurso, e consideravam o estudo dos discursos ou dosl o g o iuma disciplinafilosfica especial:a lgica.Por afirmarem que somente os corpos existem, os esticos afirmavam, comoconseqncia, que os juzos e as proposies s poderiam referir-se ao particularou ao singular, uma vez que os universais no tm existncia, ou seja, noexistem corpos universais, mas apenas singulares. As coisas singulares seimprimem em ns por meio da percepo ou da representao; sobre elasformulamos os juzos e os exprimimos em proposies verdadeiras ou falsas,cabendo lgica duas tarefas:1. determinar os critrios pelos quais uma proposio pode ser consideradaverdadeira ou falsa; e2. estabelecer as condies para o encadeamento verdadeiro de proposies, isto , o raciocnio como ligao entre proposies singulares.Por meio da percepo temos a representao direta de uma realidade. Nossamemria guarda a recordao dessa representao e de muitas outras, formando aexperincia. Da experincia nascem noes gerais sobre as coisas,noescomuns, que so antecipaes sobre as coisas singulares de que temos outeremos percepes.A lgica se refere relao entre as noes comuns gerais e as representaesparticulares. As noes comuns gerais correspondem ao que Aristteles chamoude categorias, mas reduzidas a apenas quatro:1. o sujeito ou substncia, expresso por um substantivo ou por um pronome;2. a qualidade, expressa por adjetivos;3. a ao e a paixo, expressas pelos verbos;4. a relao, que se estabelece entre as trs primeiras categorias.Uma outra inovao importante trazida pelos esticos refere-se proposio. Esta no , como era para Aristteles, a atribuio de um predicado ao sujeito (S P), mas uma c o n t e c i m e n t oexpresso por palavras: o predicado um verbo que indica algo que acontece ou aconteceu com o sujeito: Pedro morre (e no Pedro mortal); dia, est claro (e no O dia claro); Joo adoece (e no Joo doente).Como conseqncia das inovaes (s h corpos, s h coisas singulares, s h quatro categorias, somente o verbo predicado), os esticos concebem a lgica como uma disciplina que se ocupa doss i g n i f i c a d o s, buscando, por meio deles, aquilo que significa e aquilo que . Por exemplo, se eu disser Scrates, temos nessa palavra aquilo que o significado significa algum chamado Scrates -, e nela temos tambm o prprio Scrates, que aquilo que , ou seja, a coisa real significada pela palavraS c r a t e s.O significado estabelece a relao entre a palavraS c r a t e se o homem real Scrates. O significado , ao mesmo tempo, a representao mental ou o conceito ou a noo que formamos de Scrates e a relao entre essa representao e o ser real de Scrates. Em suma, o significado o que permite estabelecer a relao entre uma palavra e um ser, pela mediao da representao mental que possumos desse ser. o sentido. A lgica estica opera com o sentido ou com o significado.Uma proposio, para os esticos, sempre um enunciado simples sobre um acontecimento referente a um significado (Scrates escreve , Scrates anda, Scrates senta-se). Existem cinco tipos de ligaes entre as proposies, formando cinco tipos de raciocnios:1. raciocnioh i p o t t i c o, que exprime uma relao entre um antecedente e um conseqente, do tipo Se ento Por exemplo: Se h fumaa, ento h fogo; h fumaa, portanto, h fogo; Se noite, ento h trevas; noite, portanto, h trevas;2. raciocnio conjuntivo, que simplesmente justape os acontecimentos. Porexemplo: dia, est claro; ou dia e est claro;3. raciocnio disjuntivo, que separa os enunciados, de modo que somente umdeles seja verdadeiro. Por exemplo: Ou dia ou noite;4. raciocnio causal , que exprime a causa do acontecimento. Por exemplo: Visto que est claro, portanto, dia;5. raciocnio relativo, que exprime o mais (ou maior) e o menos (ou menor). Por exemplo: Est menos escuro quando mais dia.De todos os tipos de raciocnio, o mais importante o hipottico, porque os outros so variantes dele, como se pode observar no exemplo: Este soldado tem sangue no peito; se tem sangue no peito, feriu-se; tem sangue no peito, portanto, feriu-se. Outro exemplo: Ser dia ou noite?; se est claro, ento dia; portanto, no noite.Durante a Idade Mdia, os filsofos se dividiram em duas grandes correntes: os aristotlicos, como santo Toms de Aquino, e os chamados terministas, que adotaram a lgica estica, como foi o caso de Guilherme de Ockham. Os primeiros so considerados racionalistas, enquanto os segundos so considerados empiristas, j que s admitem a existncia e a experincia de coisas singulares de que temos sensao ou percepo, e porque s aceitam a conexo de proposies cuja concluso exprima fatos ou acontecimentos presentes.A lgica contempornea ir buscar nos esticos a idia de relao, contrapondo-a atribuio aristotlica, que estabelece a incluso do predicado no sujeito.

Os medievais e os clssicosPara Plato, a dialtica era o instrumento para alcanar a verdade. Por meio dela, a faculdade de conhecer subi a das opinies contrrias ou opostas at s idias ou essncias universais, a realidade verdadeira. A dialtica era, assim, um mtodo de dilogo que partia da discusso entre interlocutores que, possuindo apenas imagens confusas das coisas, defendiam posies contrrias sobre um assunto ou sobre alguma coisa; as contradies entre as opinies iam sendo discutidas, depuradas, purificadas pelos argumentos racionais da dialtica, que persuadia os interlocutores a alcanar a identidade da idia, a mesma para todos.Para Aristteles, porm, a dialtica no poderia cumprir o papel de instrumento do pensamento verdadeiro, porque este exige procedimentos de prova ou demonstrao, para alm da simples argumentao. Por esse motivo, Aristteles reservava a dialtica para os campos em que a argumentao e a persuaso eram importantes, mas colocava a lgica (a analtica) como instrumento indispensvel do pensamento cientfico e filosfico, isto , do pensamento que demonstra a verdade das suas teses e concluses. A lgica era, assim, o instrumento demonstrativo do pensamento verdadeiro.Os esticos mantiveram a idia aristotlica de que a lgica era um instrumento de prova. No entanto, como sua teoria do conhecimento afirmava que s conhecemos aquilo de que temos experincia direta, a prova era considerada a maneira pela qual se podia chegar a uma concluso partindo de premissas meramente provveis, isto , do raciocnio hipottico. Por esse motivo, a prova possua um carter persuasivo ou argumentativo,levando o estoicismo a identificar lgica e dialtica.Durante a Idade Mdia, embora os filsofos tivessem feito opes diferentes uns optaram pela concepo de Aristteles e outros pela dos esticos -, todostenderam a identificar lgica e dialtica, isto , a considerar que a lgica umaarte racional de demonstrao, mas que essa demonstrao tem a fora de umargumento persuasivo. A lgica oferecia os procedimentos racionais da prova eda dialtica, os meios de persuadir o ouvinte ou o leitor.A principal contribuio dos medievais esteve no esforo para dar um passo almde Aristteles, com a proposta de quantificar tambm o predicado dasproposies. Assim, alm das proposies serem universais ou particulares emfuno do sujeito t o d o sos S,nenhumS,algunsS,e s t eS deveriam sertambm universais ou particulares conforme o predicado -t o d o sos P,nenhumP,algunsP,esteP. Por exemplo: Todosos homens soalgunsmortais (poisos animais e as plantas tambm so mortais); Todosos homens sotodososseres compostos de corpo e esprito (pois os anjos s tm esprito, enquanto osanimais e as plantas s tm corpo).Os medievais tambm contriburam para a lgica, deixando mais clara a relaoentre ela e a linguagem, isto , mostrando que a lgica inseparvel de um usoordenado e regulado da linguagem. Partindo do latim que era a lngua cultausada pela Filosofia, pela cincia, pelas artes e pelo direito -, estabeleceramregras para todas as funes sintticas e semnticas dos signos da lngua latina.Essa concepo da lgica como relao entre o pensamento e uma linguagemperfeitamente ordenada e regulada, capaz de exprimir claramente as idias, foiintensamente desenvolvida no sculo XVII por Leibniz, que props uma ArteCombinatria, inspirada na lgebra.Assim como a lgebra possui smbolos prprios, inconfundveis, universais paratodos os matemticos, assim tambm a lgica deveria ser uma linguagemperfeita, totalmente purificada das ambigidades e contra-sensos da linguagemcotidiana. Leibniz props uma linguagem simblica artificial, isto , construdaespecialmente para garantir ao pensamento plena clareza nas demonstraes enas provas.A relao entre lgica e matemtica tambm foi desenvolvida no sculo XVIIpelo filsofo ingls Hobbes, tendo a geometria como modelo. Hobbesconsiderava o raciocnio umc l c u l o, isto , quando raciocinamos, simplesmentesomamos, subtramos, multiplicamos ou dividimos idias, cabendo lgicaestabelecer as regras universais desse clculo.A linguagem, dizia Hobbes, uma conveno social. por conveno quefazemos determinados sons e determinadas grafias isto , determinadaspalavras corresponderem a certas coisas e no a outras e, conseqentemente, osignificado lingstico e mental resulta dessa conveno social. lgica caberiaorganizar, ordenar e sistematizar as formas corretas do uso das convenes,garantindo que cada palavra e cada idia, cada proposio e cada conceitopudessem corresponder-se, livres de toda confuso e ambigidade.Esse ideal de uma lgica simblica perfeita, inspirada na linguagem matemtica, veio concretizar-se apenas nos meados do sculo XIX, com a publicao de duas obras: Anlise matemtica da lgica, de Boole (em 1847), e Lgica formal, de Morgan (tambm em 1847). Caberia mais tarde ao filsofo alemo Frege e aos filsofos ingleses Bertrand Russell e Alfred Whitehead completar e consolidar a grande transformao da lgica, abandonando as teorias aristotlicas da inferncia por uma nova concepo de proposio lgica.

A lgica matemticaPara os antigos e os medievais aristotlicos, os princpios e as leis da lgica correspondiam estrutura da prpria realidade, pois o pensamento exprime o real e dele participa. Aristteles dizia que a verdade e a falsidade so propriedades do pensamento e no das coisas; que a realidade e a irrealidade (aparncia ilusria) so propriedades das coisas e no do pensamento; mas que um pensamento verdadeiro devia exprimir a realidade da coisa pensada, enquanto um pensamento falso nada podia exprimir.Para os medievais terministas e para os modernos (sculo XVII), a lgica era uma arte de pensar, para bem conduzir a razo nas cincias. Os princpios e as leis da lgica correspondiam estrutura do prprio pensamento, sobretudo do raciocnio dedutivo para os filsofos franceses de Port-Royal e do raciocnio indutivo para o filsofo ingls Francis Bacon. Como arte de pensar, a lgica oferecia ao conhecimento cientfico e filosfico as leis do pensamento verdadeiro e os procedimentos para a avaliao dos conhecimentos adquiridos.Essa lgica antiga e moderna no era plenamente formal, pois no era indiferente aos contedos das proposies, nem s operaes intelectuais do sujeito do conhecimento. A forma lgica recebia o valor de verdade ou falsidade a partir da verdade ou falsidade dos atos de conhecimento do sujeito e da realidade ou irrealidade dos objetos conhecidos. Ao contrrio, a lgica contempornea, procurando tornar-se um puro simbolismo do tipo matemtico e um clculo simblico, preocupa-se cada vez menos com o contedo material das proposies (a realidade dos objetos referidos pela proposio) e com as operaes intelectuais do sujeito do conhecimento (a estrutura do pensamento). Tornou-se plenamente formal.Assim, como o matemtico lida com objetos que foram construdos pelas prprias operaes matemticas, de acordo com princpios e regras prefixados e aceitos por todos, assim tambm o lgico elabora os smbolos e as operaes que constituem o objeto lgico por excelncia, a proposio. O lgico indaga que forma deve possuir uma proposio para que:? seja-lhe atribuda o valor de verdade ou falsidade;? represente a forma do pensamento; e? represente a relao entre pensamento, linguagem e realidade.A lgica descreve as formas, as propriedades e as relaes das proposies, graas construo de um simbolismo regulado e ordenado que permite diferenciar linguagem cotidiana e linguagem lgica formalizada.Boole definiu a lgica como o mtodo que repousa sobre o emprego de smbolos, dos quais se conhecem as leis gerais de combinao e cujos resultados admitem interpretao coerente.A lgica tornou-se cada vez mais uma cincia formal da linguagem, mas de uma linguagem muito especial, que nada tem a ver com a linguagem cotidiana, pois trata-se de uma linguagem inteiramente construda por ela mesma, partindo do modelo da matemtica.Dois aspectos devem ser mencionados para melhor compreendermos a relaoentre a lgica contempornea e a matemtica.1. A mudana no modo de conceber o que seja a matemtica:Durante sculos (na verdade, desde os gregos), considerou-se a matemtica uma cincia baseada na intuio intelectual de verdades absolutas, existentes em si e por si mesmas, sem depender de qualquer interferncia humana. Os axiomas, as figuras geomtricas, os nmeros e as operaes aritmticas, os smbolos e as operaes algbricas eram considerados verdades absolutas, universais, necessrias, que existiriam com ou sem os homens e que permaneceriam existindo mesmo se os humanos desaparecessem (para muitos filsofos, a matemtica chegou a ser considerada a cincia divina por excelncia).No entanto, desde o sculo XIX passou-se a considerar a matemtica uma cincia que resulta de uma construo intelectual , uma inveno do esprito humano, sem que suas entidades sejam existentes em si e por si mesmas. Os entes matemticos so puras idealidades construdas pelo intelecto ou pelo pensamento, que formula um conjunto rigoroso de princpios, regras, normas e operaes, para a criao de figuras, nmeros, smbolos, clculos, etc.No final do sculo XIX, o matemtico italiano Peano realizou um estudo sobre a aritmtica dos nmeros cardinais finitos demonstrando que podia ser derivada de cinco axiomas ou proposies primitivas e de trs termos no definveis z e r o, Nmero e sucessor de.Desta maneira, a matemtica surgia como um ramo da lgica, cabendo ao alemo Frege e aos ingleses Bertrand Russell e Alfred Whitehead prosseguir o trabalho de Peano, oferecendo as definies lgicas dos trs termos que o matemtico italiano julgara indefinveis. Frege ofereceu o primeiro conceito de sistema formal e os primeiros exemplos do clculo de proposies e de predicados.A matemtica uma cincia de formas e clculos puros organizados numa linguagem simblica perfeita, na qual cada signo um algoritmo, isto , um smbolo com um nico sentido. elaborada pelo esprito humano e no um pensamento intuitivo que contemplaria entidades perfeitas e eternas, existentes em si e por si mesmas.2. Mudana no modo de conceber o pensamento, distinguindo psicologia e teoria do conhecimento:Durante muitos sculos, psicologia e teoria do conhecimento estiveram confundidas, constituindo uma s disciplina filosfica, encarregada de estudar os modos como conhecemos as coisas, distinguindo o que puramente pessoal e individual (a vida psquica ou mental de cada um de ns) do que universal e necessrio (vlido em todos os tempos e lugares, para todos os sujeitos do conhecimento).Quando a psicologia se tornou uma cincia (descrio dos fatos psquicos e suas leis) independente da Filosofia e a teoria do conhecimento permaneceu filosfica (por no ser apenas uma descrio da vida mental, mas um estudo das diferenas no contedo e na forma dos conhecimentos), surgiu a pergunta: Onde fica a lgica?. Alguns responderam: Na psicologia. Alegavam que os progressos da cincia psicolgica iriam definir as regras universais a que todo e qualquer pensamento se submete, e a lgica seria apenas um ramo da psicologia, aquele que estuda como funciona o pensamento cientfico.Essa corrente lgica recebeu o nome de psicologismo lgico, mas foi logo refutada pela maioria dos lgicos e particularmente pelo alemo Edmund Husserl, o criador da fenomenologia. pergunta: Onde fica a lgica? os lgicos responderam: Consigo mesma. Em outras palavras, a lgica no parte da psicologia nem da teoria do conhecimento, mas uma disciplina filosfica independente. Essa independncia decorre da complexidade do pensamento, pois quando pensamos, h quatro fatores que nos permitem pensar:

1. o sujeito que pensa (o sujeito do conhecimento estudado pela teoria do conhecimento); 2. o ato de pensar (as operaes mentais estudadas pela psicologia);3. o objeto pensado (estudado pelas cincias); e4. o pensamento decorrente do ato de pensar (esse, o objeto da lgica).A lgica no se confunde com a psicologia, nem com a teoria do conhecimento, porque seu objeto o pensamento enquanto operao demonstrativa, que segue regras orientadas para determinar se a demonstrao verdadeira ou falsa do ponto de vista do prprio pensamento, isto , se a demonstrao obedeceu ou no aos princpios lgicos.Qual o efeito dessas duas mudanas sobre a lgica contempornea?Em primeiro lugar, ao manter a proximidade e a relao com a matemtica, a lgica passou a ser entendida como avaliadora da verdade ou falsidade do pensamento, concebido como uma construo intelectual. Ora, se o pensamento constri seus prprios objetos, em vez de descobri-los ou contempl-los, essa construo, segundo os prprios matemticos, faz com que a matemtica deva ser entendida como umd i s c u r s oou como umal i n g u a g e mque obedece a certos critrios e padres de funcionamento. Assim sendo, a lgica adotou para si o modelo de um discurso ou de uma linguagem que lida com puras formas sem contedo e tais formas so smbolos de tipo matemtico (algoritmos).Em segundo lugar, distinguindo-se da psicologia e da teoria do conhecimento, a lgica passou a dedicar-se menos ao pensamento e muito mais linguagem, seja como traduo, representao ou expresso do pensamento, seja como discurso independente do pensamento. Seu objeto passou a ser o estudo de um tipo determinado de discurso: a proposio e as relaes entre proposies. Sua finalidade tornou-se o projeto de oferecer normas e critrios para uma linguagem perfeita, capaz de avaliar as demais linguagens (cientficas, filosficas, artsticas, cotidianas, etc.).

Linguagem e metalinguagemPara conseguir seu propsito, a lgica distingue dois nveis de linguagem:1. linguagem natural , isto , aquela que usamos em nossa vida cotidiana, nasartes, na poltica, na filosofia;2. linguagem formal , isto , aquela que construda segundo princpios e regras determinados que descrevem um tipo especfico de objeto, o objeto das cincias.Essa distino tambm pode ser apresentada como diferena entre dois tipos de linguagem simblicas:1. a linguagem simblica cultural (a linguagem natural), que usa signos, metforas, analogias, esquemas para exprimir significaes cotidianas, religiosas, artsticas, polticas, filosficas. A principal caracterstica desse simbolismo serconotativo, isto , os smbolos carregam muitos sentidos e referem-se a muitassignificaes. A linguagem cultural polissmica, isto , nela as palavraspossuem inmeros significados;2. a linguagem simblica lgico-cientfica (a linguagem construda), que usa um sistema fechado de signos ou smbolos (o algoritmo), em que cada smbolo smbolo de uma nica coisa e corresponde a uma nica significao. Sua principal caracterstica ser essencialmente um simbolismo denotativo ou indicativo, evitando a polissemia e afirmando a univocidade do sentido simbolizado. Por exemplo: H2O, +, x, =, ,, etc. so smbolos denotativos ou indicativos de um s objeto ou de um s sentido; so algoritmos.A lgica ocupa-se com a linguagem formal ou com a linguagem simblico- cientfica. Por ser um discurso ou uma linguagem que fala de outro discurso ou de outra linguagem, se diz que ela umam e t a l i n g u a g e m.Na vida cotidiana, podemos dizer, por exemplo, uma frase como: O Sol uma estrela. A lgica comear dizendo: A frase O Sol uma estrela uma proposio afirmativa. Prosseguir dizendo: A proposio A frase O Sol uma estrela uma proposio afirmativa uma proposio verdadeira. E assim por diante.A idia da lgica como metalinguagem transparece com clareza quando examinamos, por exemplo, as teses principais do austraco Ludwig Wittgenstein, cuja influncia seria sentida por toda a lgica do sculo passado:1. qualquer proposio que tenha significado composta por proposies elementares, nas quais se encontra a verdade ou falsidade da proposio com significado;2. as proposies elementares adquirem significado porque afiguram (retratam) omundo no como fatos e coisas, mas como estado de coisas;3. as proposies da lgica so verdadeiras independentemente das noes de significado e de estado de coisas, porque, rigorosamente, no falam de nada, pois referem-se a qualquer fato, significado ou estado de coisas que possam ocorrer ou no no Universo. As proposies lgicas so verdades vazias, referidas apenas ao prprio uso das convenes lgicas.Lgica dos predicados e lgica das relaesVimos que alguns filsofos medievais e clssicos julgaram necessrio quantificar, alm do sujeito da proposio, tambm o predicado. No sculo XIX, o lgico ingls Hamilton levou avante a quantificao dos predicados, chegando a oito tipos de proposies:1. afirmativas toto-totais, em que sujeito e predicado so tomados em toda sua extenso (universais): Todo S todo P. Por exemplo: Todo tringulo todo trilateral;2. afirmativas toto-parciais, em que o sujeito tomado universalmente e o predicado particularmente: Todo S algum P. Por exemplo: Todo tringulo alguma figura;3. afirmativas parti-totais, em que o sujeito particular e o predicado tomado universalmente: Alguns S so todo P. Por exemplo: Alguns sul-americanos so todos os brasileiros;4. afirmativas parti-parciais, em que o sujeito e o predicado so tomados como particulares: Algum S algum P. Por exemplo: Algumas figuras eqilaterais so alguns tringulos;5. negativas toto-totais, em que o sujeito em toda a sua extenso excludo de toda a extenso do predicado: Nenhum S nenhum P. Por exemplo: Nenhum tringulo nenhum quadrado;6. negativas toto-parciais, em que todo sujeito excludo de apenas uma parte do predicado: Nenhum S algum P. Por exemplo: Nenhum tringulo algum eqilateral ; 7. negativas parti-totais, em que s uma parte do sujeito excluda da extenso do predicado: Algum S no nenhum P. Por exemplo: Alguma figura eqilateral no nenhum tringulo;8. negativas parti-parciais, em que uma parte da extenso do sujeito excluda de uma parte da extenso do predicado: Alguns no so alguns P. Por exemplo: Algum tringulo no alguma figura eqilateral.As proposies poderiam converter-se simplesmente umas nas outras e, finalmente, uma proposio era apenas uma equao entre um sujeito e um predicado. Com isso, o raciocnio j no consistia em fazer uma noo entrar em outra (a antiga inerncia aristotlica), mas ser capaz de substituir outra equivalente, em proposies dadas, de sorte que proposies usando palavras comoh o m e m,a n i m a l,m o r t a l, etc. poderiam ser tratadas como os raciocnios matemticos que usam smbolos como x, y e z. Estava aberta a porta para que Boole propusesse o clculo lgico.O clculo lgico realizou-se em duas etapas diferentes. Na primeira, com a introduo das noes de c l a s s e e funo, manteve-se a idia de que a proposio a incluso de um sujeito num predicado, ou melhor, a incluso de toda ou parte da extenso do sujeito em toda ou parte da extenso do predicado. Na segunda etapa, com a introduo da idia de relao, passou-se da concepo inclusiva-exclusiva do sujeito e do predicado de sua equivalncia ou substituio de um por outro. medida que se desenvolveu a formalizao e a matematizao da lgica, a noo de predicado recebeu um novo sentido e um novo tratamento. Passou a ser tratado como classe. Esta um conjunto de objetos, que, possuindo algo em comum, vo juntos. Um predicado o que permite reunir determinados objetos em classes: a classe dos azuis, a classe dos esfricos, a classe dos sul-americanos, a classe dos felizes, a classe dos miserveis, a classe dos slidos, etc.Um predicado isolado azul, feliz, slido, miservel, etc. no verdadeiro nem falso. Recebe tal valor apenas a partir da incluso ou excluso do sujeito numa classe. Com a classe, o predicado se torna uma relao entre duas variveis e essa relao chama-se funo. A lgica passa a construir um simbolismo que permite definir as funes do predicado, introduzindo novos quantificadores com os quais a funo calculada. Esse clculo constitui a lgica dos predicados.Por exemplo, a proposio tradicional Scrates homem ser formalizada como F(a), onde F, a funo, significa a quantidade de ser homem e a, a varivel, designa Scrates. Todavia, a varivel poder designar um indivduo qualquer, um sujeito indeterminado, e a proposio ser escrita como F(x). Tal proposio pode ser quantificada:? a universal ser escrita como (x)F(x), devendo ser lida como para todo x, F de x; ? a particular ou existencial ser escrita como (x)F(x), devendo serlida comoexiste um x tal que F de x.Se, em lugar da incluso tradicional do predicado no sujeito, tivermos classes, a relao ser estabelecida entre elemento e classe, ou entre as prprias classes, tornando a proposio muito mais abrangente e complexa. Tomemos, por exemplo, a proposio Os homens so mortais e a proposio Scrates mortal. Para calcul-las, devemos comear pela relao entre a classe dos homens e a dos mortais:A (Classe dos homens)B (Classe dos mortais)AB (A classe dos homens est includa na classe dos mortais.)x (Scrates)A (Classe dos homens)xA (Scrates pertence classe dos homens.)Donde:(x) (xA) (xB), onde significa implica.Lemos:Para todo x, x pertence a A implica que x pertence a B.Portanto, Scrates mortal.So seis as operaes que podem ser realizadas com as classes:1. incluso de uma classe em outra: AB;2. reunio de vrias classes: DMN;3. interseco de vrias classes com elementos comuns: ABC;4. a da classe universal que abrange todos os elementos e cujo smbolo ;5. a da classe vazia, isto , que no contm elemento algum e cujo smbolo ;6. a da classe complementar A de A, formada por todos os elementos que nopertencem a A.

Os lgicos que mais desenvolveram a possibilidade de uma lgica das classes, das funes proposicionais e do clculo dos predicados foram Frege, Whitehead, Bertrand Russell e Wittgenstein.A lgica dos predicados foi enriquecida e modificada com a lgica das relaes, iniciada no sculo XIX pelos filsofos ingleses Morgan (que tambm era matemtico) e Peirce.A lgica das relaes ocupa-se, como o nome indica, com relaes entreconjuntos de objetos: maior do que, menor do que, perto de, longe de, mais velhoque, mais novo que, pai de, me de, irmo de, causa de, finalidade de,semelhana com, diferente de, etc. As relaes podem abranger dois ou maisobjetos, sendo binrias, ternrias, quaternrias, etc., dependendo do nmero deobjetos abrangidos por ela. A relao mais conhecida a binria, expressa nafrmula xRy, que significa: h uma relao entrexey.As relaes possuem propriedades calculveis. Tais propriedades permitemdiferenciar os vrios tipos de relao, como por exemplo:? relaot r a n s i t i v a: dados x, y e z e dadas xRy e yRz, h uma relaox R z. Porexemplo:x maior do que y (xRy),y maior do que z (yRz),x maior do que z(xRz).Ou:(xRy)(yRz)(xRz)?relaon o - t r a n s i t i v a: dados x,y e z, e dadas xRy e yRz, no se pode ter x R z,embora haja uma relao entre x e z. Por exemplo: Pedro pai de Joo (xRy),Joo pai de Antnio (yRz), mas Pedro no pai de Antnio, pois seu av;?relaoi n t r a n s i t i v a: dados x,y ez e dadas xRy e yRz, no possveldeterminar qual seria a relao entre x e z. Por exemplo:x maior do que y(xRy),y menor do que z (yRz), mas no podemos saber se x maior ou menordo que z ;?relao des i m e t r i a: xRy o mesmo que yRx. Por exemplo:a igual ab,bigual aa;Ou:(x)(y)(xRy)(yRx)?relao dea s s i m e t r i a: quando se tem x R y no se pode ter y R x. Por exemplo:a maior do quebe, portanto, no se pode terb maior do quea.Ou:~(x)~(y)(x R y)(y R x)

?relaor e f l e x i v a: estabelece-se entre uma relao transitiva e uma relaosimtrica. Assim, por exemplo, x pode ver y reflexiva num mundo onde hajaespelhos, onde y pode ver x.?relaoi r r e f l e x i v a: estabelece-se entre relaes intransitivas e assimtricas;?relaoi n v e r s a: uma relao inversa (S) a uma outra relao (R), quandopara todos os objetos x,y e z, verifica-se x R y, se e somente se houver y S x. ocaso, por exemplo, da relao pai de e filho de.Tanto a lgica dos predicados quanto a lgica das relaes esto submetidas auma lgica mais ampla, que a das proposies ou doclculo proposicional,pois a proposio o campo da lgica propriamente dita. O clculo dasproposies consiste em estabelecer os procedimentos pelos quais podemosdeterminar a verdade ou a falsidade de uma proposio, de acordo com sua ligao com outra ou com outras. Os casos mais simples de clculos de proposies referem-se conjuno (Pedro canta e Pedro dana), negao (Pedro canta. Pedro no canta), disjuno (Pedro canta ou Pedro dana) e implicao ( Se Pedro canta, ento Pedro dana).O clculo consiste em atribuir o valor verdade a uma das proposies, o valor falsidade outra e inferir o valor dal i g a oentre elas. Para que se perceba que o contedo das proposies irrelevante, s interessando sua forma, vejamos como so simbolizados os vrios clculos das ligaes proposicionais:? clculo da conjunoe(smbolo da conjuno )P q p qV v vV f fF vfF f f? clculo da negaono(smbolo da negao~)P ~pV fF v? clculo da disjunoou(smbolo da disjuno)P q pqV v vV f vF vvF f f? clculo da implicaoimplica que(smbolo da implicao)P q pqV v vV f fF v vF f vUm exemplo poder nos ajudar a compreender como funciona o clculo. Se dissermos: Se Pedro cearense (p) ou catarinense (q), ento brasileiro (r). Ora, Pedro no brasileiro. Portanto, no cearense nem catarinense, teremos:(pqr) r~p~q? clculo da bi-implicao ouequivalncia(smbolo da equivalncia)P q p qV v vV f fF v fF f vEsses clculos constituem asm a t r i z e s, que so como tabelas que apresentam todas as situaes possveis que cada ligao associa a um par de proposies elementarespeq.Captulo 4

Lgica e DialticaVimos a diferena entre Plato e Aristteles a respeito do papel da dialtica noconhecimento. Vimos tambm a maneira como os esticos e os medievaisarticularam lgica e dialtica. Vimos, por fim, que a lgica moderna econtempornea enfatizaram o formalismo lgico e aproximaram ao mximolgica e matemtica. Entretanto, entre o sculo XVII e o sculo XX, houve umaoutra posio filosfica que, procurando superar as diferenas entre Plato eAristteles, de um lado, e recusando a identificao entre lgica e matemtica, deoutro lado, reuniu, mais uma vez, lgica e dialtica. Trata-se da filosofiahegeliana, no sculo XIX.Para compreendermos a posio de Hegel, precisamos levar em consideraodois acontecimentos filosficos alemes muito importantes: o idealismo crticode Kant e o romantismo filosfico.Como j analisamos anteriormente, Kant, ao escrever aCrtica da razo purae aCrtica da razo prtica, havia estabelecido uma distino profunda entre arealidade em si e o conhecimento da realidade. A primeira, dizia ele, inalcanvel por nosso entendimento, embora nossa razo aspire por ela, tendocriado a metafsica como conhecimento racional das coisas em si.Mas a metafsica no possvel: uma iluso (inevitvel) de nossa razo.Conhecemos apenas o modo como a realidade se apresenta a ns (os fenmenos),organizada pela estrutura de nossa prpria capacidade de conhecer, isto ,segundo as formas do espao e do tempo, e segundo os conceitos ou categoriasde nosso entendimento (substncia, qualidade, quantidade, causalidade,atividade, passividade). Embora a realidade em si, isto , a essncia em si deDeus, da alma e do mundo, no possa ser racionalmente conhecida por ns,permanece, porm, como um ideal de nossa razo, que, fazendo dessas essnciasidias puras, as coloca como fundamentos de nossa vida tica ou moral.A separao kantiana entre entendimento e razo, conceitos e idias, fenmenose realidades em si foi interpretada como separao entre sujeito e mundo, sereshumanos e Natureza, esprito e Natureza. Como o sujeito e sua atividade deconhecimento, assim como sua atividade tica e poltica criam o mundo humanoda Cultura, a separao kantiana foi interpretada como separao entre Cultura eNatureza.Os filsofos e artistas romnticos alemes no aceitavam tal separao e buscaram caminhos pelos quais humanos e Natureza pudessem reunir-senovamente, ou, como diziam, pudessem reconciliar-se. Julgavam haver encontrado o caminho para isso nas Artes. Elas seriam o reencontro dos humanos e da Natureza, atravs da beleza e do sentimento esttico ou da imaginao e da sensibilidade.Hegel, porm, recusou a soluo romntica. Dizia ele que, no fundo, no tinha havido reconciliao alguma. Enquanto Kant coloca tudo no sujeito, os romnticos haviam colocado tudo na Natureza, desejando fundir-se com ela por meio da imaginao e da sensibilidade. Os dois termos Cultura e Natureza, sujeito e mundo, esprito e realidade continuavam separados.Como reuni-los verdadeiramente? Como alcanar a verdadeira reconciliao? Respondeu Hegel: compreendendo que s existe o Esprito, que a Natureza uma manifestao do prprio Esprito, uma exteriorizao do Esprito, que a Cultura tambm uma exteriorizao do Esprito, manifestao espiritual, e que ambos sero reunidos e reconciliados na interiorizao do prprio Esprito, quando este se reconhecer como a interioridade que se manifestou externamente como Natureza e Cultura.O movimento pelo qual o Esprito se exterioriza como Natureza e Cultura e pelo qual retorna a si mesmo como interioridade de ambas a Histria, no como seqncia temporal de acontecimentos e de causas e de efeitos, mas como vida do Esprito.O que o Esprito? o verbo divino. Em grego: o logos. O que a vida do logos? (a Histria)? a lgica. Que a lgica como vida do Esprito? o movimento pelo qual o Esprito produz o mundo (Natureza e Cultura), conhece sua produo e se reconhece como produtor , portanto, o movimento da atividade de criao e de autoconhecimento do Esprito. acincia da lgica, entendendo-se por cincia no a descrio e explicao dos fatos e de seus encadeamentos causais, mas a atividade pela qual o Esprito se conhece a si mesmo ao criar-se a si mesmo, manifestando-se ou exteriorizando-se como Natureza e Cultura.Essa cincia da lgica a d i a l t i c a.O que a dialtica?Plato e Aristteles, divergindo quanto ao papel da dialtica no conhecimento, concordavam porm num ponto: a dialtica ol o g o sdividido internamente em predicados opostos ou contrrios, dividido internamente por predicados contraditrios.Ora, que fizeram Plato e Aristteles?Consideraram quea realidade e a verdade obedecem ao princpio de identidade e expulsam a contradio. Esta considerada irreal (do ponto de vista da realidade) e impossvel (do ponto de vista da verdade), pois irreal e impossvel que uma coisa seja e no seja ela mesma ao mesmo tempo e na mesma relao. Em outras palavras, algo real e verdadeiro quando podemos conhecer o conjunto de seus predicados positivos e afastar os predicados negativos contrrios e contraditrios.Em Plato, a funo da dialtica era expulsar a contradio. Em Aristteles, a funo da lgica era garantir o uso correto do princpio de identidade.Ambos se enganaram, julga Hegel. A dialtica a nica maneira pela qual podemos alcanar a realidade e a verdade como movimento interno da contradio, pois Herclito tinha razo ao considerar que a realidade o fluxo eterno dos contraditrios. No entanto, ele tambm se enganou ao julgar que os termos contraditrios eram pares de termos positivos opostos. A verdadeira contradio dialtica possui duas caractersticas principais:1. nela, os termos contraditrios no so dois positivos contrrios ou opostos, mas dois predicados contraditrios do mesmo sujeito, que s existem negando um ao outro. Em vez de dizer quente-frio, doce-amargo, material-espiritual, natural-cultural, devemos compreender que preciso dizer: quente-no quente, frio-no frio, doce-no doce, amargo-no amargo, material-no material, espiritual-no espiritual, natural-no natural, cultural-no cultural;2. o negativo (o no x: no quente, no-doce, no material, no natural, etc.) no um positivo contrrio a outro positivo, mas verdadeiramente negativo. Se eu disser, por exemplo, o caderno no a rvore, essen ono um negativo verdadeiro, pois o caderno e a rvore continuam como dois termos positivos. Esse no, escreve Hegel, mera negao externa. Nesta, qualquer termo pode ser negao de qualquer outro. Assim, por exemplo, posso dizer: o caderno no a rvore, no a porta, no Joo, no a mesa, etc. O verdadeiro negativo uma negao interna, como aquela que surge se eu disser, por exemplo, o caderno a no-rvore, pois, aqui, o ser do caderno, a sua realidade, a negao da realidade da rvore; o caderno a rvore negada como rvore. No tenho uma rvore que virou um caderno, mas uma rvore que deixou de ser rvore porque foi transformada em caderno. A negao interna aquela na qual um ser a supresso deseuoutro, deseunegativo.A contradio dialtica nos revela um sujeito que surge, se manifesta e se transforma graas contradio de seus predicados. Em lugar de a contradio ser o que destri o sujeito (como julgavam todos os filsofos), ela o que movimenta e transforma o sujeito, fazendo-o sntese ativa de todos os predicados postos e negados por ele.Que a lgica, vida do Esprito? o movimento dialtico pelo qual o Esprito, como sujeito vivo, pe ou cria seus predicados, manifesta-se atravs deles, nega- os e os suprime como termos separados dele e diferentes dele, para faz-los coincidirem com ele. Os predicados no so, como na lgica formal e matemtica, termos positivos inertes que atribumos ou recusamos a um sujeito, mas so realidades criadas, negadas, suprimidas e reincorporadas pelo prprio sujeito, isto , pelo Esprito.Se retornarmos agora ao nosso ponto de partida a separao sujeito-mundo, Cultura-Natureza poderemos compreender por que a cincia da lgica, tal como Hegel a concebe, a reconciliao racional dos termos.O Esprito comea como um sujeito que se exterioriza no predicado Natureza, isto , manifestando-se comoc o i s a(substncia, qualidade, quantidade, relaes de causa e efeito, etc.). Ele terra, gua, ar, fogo, cu, astros, mares, minerais, vegetais, animais. Para conservar-se vivo, o ser natural (a coisa) precisa consumir os seres que o rodeiam: o Esprito como Natureza nega-se a si mesmo consumindo-se a si mesmo (os animais consomem gua, plantas, outros animais, ar, calor, luz; as plantas consomem calor, gua, luz; os astros consomem energia e matria, etc.).Essa negao pelo consumo no transformadora, pois ela se realiza paraconservar as coisas. Entretanto, o Esprito se manifesta num outro predicado, aConscincia. Esta tambm busca conservar-se, mas, agora, o faz no pelosimples consumo das coisas naturais mas pela negao da mera naturalidadedelas. O que essa negao?Quando digo Isto uma montanha, tenho a impresso de que me refiro a uma coisa natural, diferente de mim, existente em si mesma e com caractersticas positivas prprias. Entretanto, o simples fato de que chame uma coisa de montanha indica que ela no existe em si, mas existe para mim, isto , possui um sentido em minha experincia.Suponhamos agora que eu pertena a uma comunidade politesta, que acredita que os deuses, superiores aos homens, mas dotados de forma humana, habitem os lugares altos. Para mim, agora, a montanha no mais uma simples coisa, mas a morada sagrada dos deuses. Imaginemos em seguida que somos uma empresa capitalista exploradora de minrios e que haja uma jazida de ferro na montanha. Como empresrios, compramos a montanha para explor-la. Novamente, ela deixou de ser uma simples coisa natural para tornar-se propriedade privada, local de trabalho e capital.Consideremos, por fim, que somos pintores. Nesse caso, a montanha no nem morada dos deuses, nem propriedade privada capitalista, nem local de trabalho, mas forma, cor, volume, linhas, profundidade um campo de visibilidade.Sob essas quatro formas: isto uma montanha, morada dos deuses, jazida de minrio de ferro/propriedade privada/capital e campo de visibilidade, a montanha como coisa natural desapareceu, foi negada como mera coisa pela conscincia e pela ao humanas. Tornou-se no-coisa porque tornou-se montanha-para-ns, significao, ente cultural.Foi consumida-destruda- suprimida-negada pela Cultura. Em termos hegelianos, o Esprito negou-se como Natureza e afirmou-se como Cultura. Negou-se como ser-em-si, tornando-seser-para-si. Deve-se compreender que a negao dialtica no significa a destruio emprica ou material de coisas empricas ou materiais, e sim a destruio de seusentidoimediato que superadopor um sentido novo, posto pelo prprioesprito.Ao reconhecer-se como movimento interno de posio, negao e supresso deseus predicados (S Natureza;S no-Natureza porque Cultura), o Espritoreconhece-se como sujeito que se produz a si mesmo e que o movimento deautoproduo de si mesmo (S NaturezaeCultura porque o Esprito). Nessereconhecimento, reconcilia-se consigo mesmo;, ao mesmo tempo,em sieparasi.Como se observa, em Hegel, a lgica no um instrumento formal para o bomuso do pensamento, mas o n t o l o g i a.