Capítulo 1 - Manual de Sintaxe0001

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Este Manual de Sintaxe é desti- nado aos alunos de graduação em Letras e aos interessados em sin- taxe e lingüística de um modo geral. Trata-se de uma introdução compreensiva à gramática gerativa em seu modelo Teoria de Regência e Vinculação, com a preocupação maior de trabalhar a teoria sempre com exemplos do português brasileiro. :leram versões preliminares cercícios: Fabíola Sucupira .des Prado Bonorino, Sanir ) Nascimento; Sandra Mara visão fmal. Também alguns ;C nos ajudaram no primei- vlarques e Prof Dr. Marco dos evitou muitos erros que tecem muitos erros, espera- nero. lioto istina Figueiredo Silva .abeth Vasconcellos Lopes , o ESTUDO DA GRAMÁTICA 1. Introdução: o que é fazer ciência da linguagem? 2. Conceito de gramática 3. O programa gerativista 4. O formato do modelo 5. Observações sobre a aquisição da linguagem e a mu- dança lingüística 5.1. Aquisição da linguagem 5.2. A mudança lingüística 6. Bibliografia adicional 7.; Exercícios 1. Introdução: o que é fazer ciência da linguagem? , Talvez ninguém duvide de que a física ou a química sejam ciências; já a afirmação de qué a sociologia ou a lingüística são ciências não goza de tamanha unanimidade e sempre exige alguma estratégia de convencimento. É provável que essa questão não, tenha nada a ver com a física ou a lingüística, mas com o que 11

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Este Manual de Sintaxe é desti-nado aos alunos de graduação emLetras e aos interessados em sin-taxe e lingüística de um modogeral. Trata-se de uma introduçãocompreensiva à gramáticagerativa em seu modelo Teoria deRegência e Vinculação, com apreocupação maior de trabalhara teoria sempre com exemplos doportuguês brasileiro.

:leram versões preliminarescercícios: Fabíola Sucupira.des Prado Bonorino, Sanir)Nascimento; Sandra Maravisão fmal. Também alguns;C nos ajudaram no primei-vlarques e Prof Dr. Marcodos evitou muitos erros quetecem muitos erros, espera-nero.

liotoistina Figueiredo Silva.abeth Vasconcellos Lopes

,o ESTUDO DA GRAMÁTICA

1. Introdução: o que é fazer ciência da linguagem?

2. Conceito de gramática

3. O programa gerativista

4. O formato do modelo

5. Observações sobre a aquisição da linguagem e a mu-dança lingüística

5.1. Aquisição da linguagem

5.2. A mudança lingüística

6. Bibliografia adicional

7.; Exercícios

1. Introdução: o que é fazer ciência da linguagem?

, Talvez ninguém duvide de que a física ou a química sejamciências; já a afirmação de qué a sociologia ou a lingüística sãociências não goza de tamanha unanimidade e sempre exige algumaestratégia de convencimento. É provável que essa questão não,tenha nada a ver com a física ou a lingüística, mas com o que

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imaginamos ser a investigação científica. Se este for o caso, acomparação com a física, uma disciplina bem assentada comociência, pode elucidar e muito a nossa discussão. Nosso objetivoaqui não é discutir os inúmeros problemas que o próprio conceitomesmo de ciência coloca para" a epistemologia, mas antes,ancorados no modelo clássico de ciência (também chamadonomológico-dedutivo), procurar mostrar como um programa deinvestigação da linguagem pode se caracterizar como científico.Evidentemente, a abordagem apresentada aqui não precisa serexaustiva, já que esse não é o tópico central deste livro.

Se não é nada simples responder a pergunta do título _nem mesmo para a fisica! -, existe uma outra pergunta que podeser mais confortável de responder e nos levar a compreender me-lhor o que é o fazer científico. A pergunta que temos em mente é:o que é que um fisico faz?

Em primeiro lugar,o fisico- ou qualquer outro pesquisador-' precisade um objetode estudo,isto é, de algumacoisapara estudar.Uma teoria sejustifica na relaçãoque tem com o objetode estudoqueelaaborda.Mas observeque "algumacoisa"é muitovagocomo objetoe é necessárioque se façaaí uma delimitaçãomuito maisprecisa

Digamos que o fisico se ocupa de fenômenos do mundonatural. Claramente, ele não pode se ocupar de todos os fenôme-nos do mundo natural, mesmo porque nem todos os fenômenos domundo natural têm a ver com a fisica. E, ainda que esteja em causaum fenômeno típico da física, nem todos os aspectos envolvidosnesse fenômeno são relevantes; por exemplo, um fisico que estáestudando os raios e os trovões não está comprometido com aexplicação do ataque de pânico que a vizinha tem toda vez quecomeça a chover, por mais que o ataque da vizinha pareça ser de-sencadeado pelos raios e trovões. Portanto, ele deve delimitar seuobjeto. E isso deve acontecer mesmo dentro da fisica. Assim; en-contramos fisicos que trabalham com os fenômenos mecânicos,Outros que estudam os fenômenos elétricos, outros que preferem

os magnéticos. E todos esses fenômenos serão estudados dentrode limites que devem estar claramente formulados.

Com a lingüística ocorre coisa semelhante: a qúantidade defenômenos que o termo linguagem abarca é muito grande - comoo termo mundo natural da física - e será necessário restringirdrasticamente o seu objeto de estudo. Esse ponto deve ficar maisclaro no decorrer do livro, uma vez que estaremos trabalhandoespecificamente com uma das facetas da linguagem, a saber, a cons-

"~,' tituição sintática das sentenças das línguas naturais. (Por isso, nãoç ,~:deve causar espanto que nesta seção não tenhamos a preocupação

~=:" ,de distinguir lingüística de sintaxe). Por agora, o que podemos di-z; - '. zer é que estamos interessados em explicar a estruturação sintática

--~_::.~de uma sentença como "você sabe que horas são?". O fato interes-sante de ela poder significar uma repreensão ao aluno que entrouatrasado na aula representa para o sintaticista o mesmo que o ata-que de pânico da vizinha para o físico: não faz parte do objeto deestudo delimitado.

Mas voltemos ao físico. Suponhamos que ele esteja que-rendo explicar o que são os raios e os trovões, fenômenos físicosdo mundo natural. Parece claro que o físico deve observar atentae acuradamente esses fenômenos, não uma única vez, mas diver-sas vezes. E neve procurar observá-losda maneira mais objetivae imparcial possível. Esses não são conceitos muito fáceis de de-finir, mas intuitivamente sabemos o que eles querem dizer: o pró-prio físico não pode ter um ataque de pânico quando estiver ob-servando os trovões e os raios, pois isso introduziria elementosalheios ao fenômeno no estudo que ele está tentando fazer. Tam-bém é esperado que o fisico não deixe que interfiram em suasobservações uma série de idéias que fazem parte do senso co-mum - é pouco provável que o físico chegue a uma explicaçãorazoável do que são trovões se ele se deixar levar pela crença deque São Pedro está lavando o céu e deixou cair um grande baldecheio de água...

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Também na lingüística esperamos ser capazes de fazer ob-servações atentas e acuradas de maneira tão objetiva e imparcialquanto possível. Talvez seja um pouco cedo para tentar explicar oque exatamente quer dizer tudo isso, mas pelo menos um ponto jápode ficar claro: se estamos querendo construir uma teoria cientí-fica da organização sintática das sentenças, devemos antes de maisnada observar as que efetivamente são próprias da língua sem ig-norar nenhuma delas. E daí não vale ser parcial e tirar as sentenças"feias" da parada! A importância dessa observação será avaliadacom mais vagar na próxima seção, quando discutirem~s um poucoa Gramática Tradicional (doravante, GT).

, Porém, a observação cuidadosa dos fenômenos não basta,porque parece inútil (e mesmo impossível, porque há raios e trovõesque ainda não aconteceram) descrever com muitos detalhes todos osraios e trovões do mundo se o fisico não se perguntar por que elessão como são, porque eles acontecem dessa maneira e não de outra.O que estamos querendo dizer é que os raios e os trovões que exis-tem efetivamente não são exatamente o objeto de estudo dos fisicos;é a realização de fenômenos abstratos que é o foco da atenção deles.Repare que não é só uma questão de retirar dos fenômenos particu-lares o que eles têm de comum; muito mais do que isso, é necessárioque o fisico relegue as características dos fenômenos concretos parapoder formular princípios que estão na base desses mesmos fenôme-nos, princípios esses responsáveis pela explicação do que eles são.Só observando os trovões, o fisico não será capaz de prever inteira-mente o que acontecerá no próximo trovão.

O lingüista defronta-se com o mesmo tipo de problema: ape-nas observando as sentenças que efetivamente existem na língua, elenão será capaz de prever o formato da próxima sentença que vai lheaparecer pela frente. É necessário passar por cima de uma série decaracterísticas das sentenças que efetivamente existem para poderformular um padrão para elas, que deve ser necessariamente abstra-to. E é esse padrão que deve ser explicado, porque só assim chega-

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remos a prever o formato que as sentenças podem ou não ter. Ouseja, os lingüistas estão interessados na formulação de princípiosque estejam na base de todo fenômeno sintático existente.

Para que a formulação desses princípios seja possível, sabe-mos que muitas vezes o fisico tem que supor a existência de entida-des que não são diretamente perceptíveis nos fenômenos que eleestá estudando. Por exemplo, o fisico lida com conceitos como áto-mo e elétron, que não são visíveis nem a olho nu nem em nenhumdos aparelhos desenvolvidos até agora; no entanto, supondo que taisentidades existem efetivamente, o fisico chega a explicar fenômenospresentes no cotidiano de qualquer um, como a eletricidade, os raiose os trovões. A esse conjunto de postulações básicas e de afirmaçõesconseqüentes chamamos um modelo teórico.

Claro é que os fisicos devem ser cuidadosos no que postu-lam como base para a sua teoria. Sobretudo, eles devem estar sem-pre dispostos a mudar um postulado se este for contrariado por al-gum fato do mundo natural. Um bom exemplo disso é um dos pri-meiros modelos do átomo, proposto por Lord Kelvin no início doséculo, o tal do "pudim com passas": o átomo era uma massa carre-gada positivamente (os prótons) com pequenos "grãos" negativos(os elétrons) grudados nela. Ora, um modelo de átomo desse tipofaz a previsão de que, se com uma pistola fossem disparados elé-trons sobre um átomo e houvesse um anteparo atrás, muitos elétronsdisparados ficariam grudados na massa positiva, alguns voltariam(quando esses elétrons disparados encontrassem os elétrons do "pu-dim") e poucos seriam encontrados depois do anteparo colocadoatrás do átomo. Entretanto, o que efetivamente se observou foi queinúmeros elétrons foram encontrados no anteparo, que pouquíssimosgrudaram no que se supunha fosse o "pudim" e que alguns de fatovoltaram. Assim, esse modelo se mostrou inadequado para descre-ver e explicar os fatos do mundo. A saída, implementada por um dosdiscípulos de Lord Kelvin, um cientista chamado Thomson, foi o -abandono dessa postulação e a adoção de um outro modelo, aquele

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que supõe que o átomo possui um núcleo positivo, muito pequeno(onde ficaram grudados os poucos elétrons), e que os elétrons giramem volta desse núcleo de tal modo que existe uma enorme regiãovazia entre eles (por onde passaram os elétrons que foram se instalarno anteparo).

Do mesmo modo que o físico postula a existência de enti-dades que não são diretamente perceptíveis nos fenômenos que eleestá estudando, é legítimo que o lingüista se utilize de categorias econceitos que não aparecem diretamente na produção lingüística,mas cuja existência pode explicar por que a produção lingüística sedá de uma maneira e não de outra. Evidentemente, o lingüista tam-bém vai ter que rever um postulado cada vez que os dados daslínguas naturais mostrarem que ele não é adequado nem pata adescrição nem para a explicação de um certo fenômeno.

Observe que os físicos adotam uma linguagem COmtermosbastante especializados para enunciar os princípios gerais que elesalcançaram; muitas vezes, o que eles dizem é incompreensível paranós que não estudamos física. Adicionalmente, eles se utilizam deuma linguagem artificial, a matemática, que parece capaz de garantirque um determinado resultado seja interpretado de maneira inequí-voca. Não se sustentaria uma física que dissesse coisas que podemser entendidas dessa ou daquela maneira, porque uma das razõespara a formulação desses princípios gerais é a predição de novosfenômenos e o poder de predição de uma física formulada de modoimpreciso estaria seriamente comprometido.

Também o lingüista deve ter à disposição uma metalin-guagem suficientemente acurada - não necessariamente mate-mática, mas igualmente rigorosa - para poder garantir que osprincípios formulados sejam interpretados de maneira inequívo-ca. Seria facilmente rejeitada e demolida uma teoria lingüísticaque dissesse coisas que podem ser interpretadas dessa ou daque-la maneira: como os físicos,os lingüistas estão igualmente inte-ressados no poder de predição de suas generalizações que, se

estiverem formuladas de modo vago, impossibilitarão que se ex-traia delas as predições pretendidas.

Será que os lingüistas, no estudo da linguagem, podem teruma postura semelhante à que os físicos têm ao estudar o mundonatural? Este livro responde afirmativamente a pergunta, apresen,tando um modelo teórico conhecido como gramática gerativa,que se dispõe a fazer um percurso semelhante ao dos físicos no seufazer científico. Para tanto, propomos uma série de reflexões quedevem nos levar à conclusão de que umtal tipo de postura é não sópossível e desejável como altamente instigador.

2. Conceito de gramática

Para alcançar os objetivos deste capítulo precisamosestabelecer o conceito de gramática. Normalmente, o termogramática nos leva a pensar em um livro grosso e chato, cheio deregras que jamais conseguimos decorar e que, na melhor dashipóteses, tem uma conexão distante coma língua que falamos."Gramática pode ser. entendida, nesse sentido, como o conjuntodas regras "do bem falar e do bem escrever". Repare que, nestaacepção, apenas uma variedade da língua está em jogo: a normaculta ou padrão; e é esse "padrão" que guiará os julgamentos doque é "certo" ou "errado" na língua. Conseqüentemente, se umasentença se conforma ao padrão, ela é considerada "certa", casocontrário é "errada". Isso implica conceitos quase estéticos: .se aestrutura está "certa", é considerada "bonita", se não é "feia".

A GT pode ser entendida, então, como o grande exemplo dessadefinição de gramática, o que explica inclusive o seu caráter prescritivo:não fale/escreva assim, porque é errado ... Observe que a exemplificaçãodas regras da GT é sempre feita com base em textos literários, em grandeparte antigos, que figuram como o padrão de "correção", de "beleza" e·que nós deveríamos seguir mesmo no falar espontâneo. Se não o fazemos,

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além de estarmos falando errado, estamos "empobrecendo a língua","maltratando o idioma", "fazendo doer o ouvido" ... Note que a GTtrabalhará com as noções de certo e errado segundo as construções seconformem ou não a esse ideal de correção lingüística: é um receituáriode um pretenso bem falar/escrever.

Contudo, mesmo como receituário, ou seja, enquanto des-crição de uma norma dita padrão, a GT tem a deficiência de não serexplícita. Qualquer teoria, quer ela reivindique ou não para si o esta-tuto de teoria, implementa uma metalinguagem para que seja possí-vel falar em termos abstratos dos fenômenos que ela quer estudar. AGT não é exceção: preposição, sujeito, hipérbato e tantos outrossão usados como termos técnicos, e como tal deveriam ter definição .precisa. Você já deve ter comprovado nos seus anos de estudo deportuguês na escola que nem sempre é este o caso. Adicionalmente,as definições normalmente são inadequadas não se aplicando a to-dos os casos a que em princípio deveriam se aplicar. Para ilustrar oque estamos querendo dizer, tomemos como um dos inúmeros exem-plos a definição de advérbio dada por Celso Cunha em sua Gramá-tica do Português Contemporâneo: "estas palavras que se juntam averbos para exprimir circunstâncias em que se desenvolve o proces-so verbal, e a adjetivos, para intensificar uma qualidade, chamam-seadvérbios." Na seção dedicada à classificação dos advérbios, encon-tramos provavelmente classificado como "advérbio de dúvida". Es-peramos assim que provavelmente seja encontrado junto a verbos ea adjetivos, esperando igualmente encontrá-lo somente nestes con-textos sintáticos.

Observemos então o seguinte conjunto de sentenças:

I,··r..:;...

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- .•.- '

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(1) a. [Provavelmente o João] doou os jornais para abiblioteca (não a Maria)

b. O João [provavelmente doou] os jornais para a biblioteca(não vendeu)

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c. O João doou [provavelmente os jornais] para abiblioteca (não as revistas)

d. O João doou os jornais [provavelmente para abiblioteca] (não para o bar)

Notemos em primeiro lugar que estamos falando desentenças absolutamente bem construídas em português. É claroque provavelmente pode aparecer em diferentes lugares dasentença, com a esperada alteração do seu significado. O que écrucial, no entanto, é a possibilidade de este advérbio "modificar"constituintes diversos, não somente o verbo ou o adjetivo. O usodos colchetes nas sentenças de (1) serve para deixar claro a que oadvérbio focaliza: a o João em (1a), a doou em (1b), a os jornaisem (1c) e apara a biblioteca em (ld). A definição de Celso Cunha,portanto não define muita coisa e, na verdade, implica queprovavelmente não é sempre advérbio ou que advérbio não é aquiloque a definição enuncia. A conclusão que queremos tirar é simples:a GT, ao contrário do que nos fizeram crer na escola, não seconstitui em um corpo coeso de conhecimentos; e ampliando a

. crítica: o conjunto de observações que a- GT faz não dá contanem de longe da riqueza da língua, nem mesmo do registro queela se propõe a descrever.

Neste livro, temos em mente uma outra definição de gramática,não determinada por um padrão de correção. Com base na discussãoda seção anterior, vamos colocar o lingüista na mesma posição dofísico: este, para entender os fenômenos metereológicos, precisaprimeiramente separar o que é fenômeno meteoro lógico do que não é;do mesmo modo, o lingüista/sintaticista começará separando o que éfenômeno sintático do que não é. Depois, o físico deve observar comrigor as ocorrências do fenômeno em estudo para descreveracuradamente o que está acontecendo; nosso sintaticista fará O mesmo:descreverá acuradamente o fenômeno sintático que está sendo

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observado. Finalmente, o fisico desenvolve uma hipótese explicativapara o fenômeno; faremos o mesmo: desenvolveremos uma hipóteseque explique o fenômeno lingüístico que está em estudo.

Vamos começar construindo nossa definição de gramáticaobservando um fato que é bastante banal até, mas que temimplicações imediatas para o que estamos discutindo: do que sesabe até hoje dos reinos animal, vegetal e mineral, só os homensfalam. Não estamos dizendo que outros seres não disponham desistemas até bastante sofisticados de comunicação, mas afirmandoque só os seres humanos falam de uma certa maneira. Só os sereshumanos são capazes de combinar itens de um conjunto deelementos segurido certos princípios básicos, que são em númerofinito, de modo a gerar um número infinito de sentenças novas:isto corresponde ao que chamamos de "aspecto criativo dalinguagem" dentro do programa de estudos que desenvolveremosaqui. E mais: à parte verdadeiras exceções, isto é, casos de distúrbiosneurológicos graves, todos e apenas os seres humanos falam umalíngua natural, o que quer dizer que as línguas naturais têm umaligação estreita com o que é definidor da natureza humana:chamemos a esse dote da espécie "racional idade humana".

Dizer que as línguas naturais estão relacionadasestreitamente com a racional idade humana equivale a dizer quenós não falamos combinando elementos quaisquer de maneiraaleatória, chamando a isso de sentença. Ao contrário do que quernos fazer crer a gramática.normativa, quando falamos, mesmo quenão estejainos obedecendo às regras dadas como as únicas possíveis,estamos fazendo uso de regras que são, em última instância, ditadaspela racionalidade humana.

Um exemplo pode ajudar a esclarecer o que estamosquerendo dizer aqui. A GT não reconhece a forma pronominal vocêcomo pro~ome de segunda pessoa do singular de vários dialetosdo português brasileiro; no máximo, esta forma recebe alguma notade rodapé nos livros de gramática. É claro que para 'cê, que é a

forma reduzida de você, não existe nem mesmo uma mísera menção.No entanto, qualquer falante nativo do português brasileiro (isto é,qualquer pessoa que aprendeu o português brasileiro na infância) écapaz de reconhecer as sentenças em (2) abaixo como sentençaspertencentes a esta língua:

(2) a.a' ..

'Cê viu a Maria saindoVocê viu a Maria saindo

b. Quem que 'cê viu saindo?b'. Quem que você viu saindo?

c. A Maria disse que 'cê foi viajarc'. A Maria disse que você foi viajar

Por outro lado, mesmo os falantes que não utilizam essasformas sabem que as sentenças em (3a,b,c) são claramente estranhasnessa língua e nenhum de nós teria qualquer dúvida em dizer queelas não pertencem ao português do Brasil (o que será representadopor meio de um asterisco na frente das sentenças):

(3) a. * A Maria viu 'cêA Maria viu vocêa' .

b. * A Maria comprou o livro pra 'cêb'. A Maria comprou o livro pra você

c' .* A Maria e 'cê vão comprar o livroA Maria e você vão comprar o livro

:...}c.

Porque os falantes sabem que a situação apresentada em _. -::(3) é própria do português brasileiro sem que ninguém lhes tenhaensinado isso, dizemos que eles dispõem de uma gramática ,"'-,

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internalizada, isto é, de um conjunto de regras que rege adistribuição de formas como 'cê e você.

Introduzindo um pouco da linguagem técnica que usaremosneste livro, as sentenças em (2) são gramaticais, pois elas são forma-das segundo a gramática do português brasileiro, enquanto as senten-ças (3a,b,c) são agramaticais. Evidentemente, estamos abandonandoa palavra gramática na acepção da GT, pois esta certamente baniriaalgumas sentenças de (2) que não queremos nem podemos banir.Estamos pensando naquela outra definição de gramática, que tem aver com o conhecimento que o falante tem de sua língua materna,independentemente de ter tido aulas de português na escola ou deconhecer a Nomenclatura Gramatical Brasileira. Nesta concepção degramática, como conhecimento inconsciente, então, não há lugar paraos conceitos de "certo" e "errado", baseados exclusivamente em umanorma que, particularmente no caso do português do Brasil, até pode-mos questionar que seja ainda utilizada por algum falante; há tão so-mente os conceitos de gramaticalidade e agramaticalidade, ou seja,sentenças que pertencem ou não a uma dada língua. Quem sabe deci-dir se uma sentença pertence ou não a uma dada língua é o falantenativo daquela língua, escolarizado ou não. Portanto, os conceitos degramaticalidade/agramaticalidade não recobrem de forma alguma osconceitos de certo/errado da GT. Senão vejamos:

(4) a.b.

o José viu ele no cinemaO José viu-o no cinema

De acordo com a GT, a sentença em (4a) estaria errada, poisnão pertence à norma culta (segundo a norma, o objeto direto só podeser realizado por um pronome oblíquo átono, como em (4b)); no en-tanto, esta sentença é gramatical - faz parte das estruturas possíveisno portuguê,s brasileiro. E por isso deve ser descrita e analisada.

O que permite ao falante decidir, então, se uma sentença égramatical ou não, é o conhecimento que ele tem e que tem o nome

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técnico de competência. Quando o falante põe em uso a compe-tência para produzir as sentenças que ele fala, o resultado é o quechamamos tecnicamente de performance (ou desempenho). Opapel da nossa teoria, tal qual a concebemos, é descrever e expli-car a competência lingüística do falante, explicitando os mecanis-mos gramaticais que subj azem a ela. Logicamente, a performancetem o seu papel nesse nosso estudo: como o físico deve observaros raios e trovões, o lingüista tem que observar as sentenças pro-duzidas. Mas, sem dúvida, não pode se ater a elas. A nossa teoriadeve ser capaz de lidar também com sentenças que ainda não acon-teceram e, muito mais, com seqüências de palavras (não-senten-"ças) que nunca ocorrerão, isto é, com a evidência negativa que>discutiremos na próxima seção. Estudando só a performance, nos-',)sa teoria lingüística seria deficiente pois jamais alcançaria o nívelde predição que uma teoria deve alcançar. ";

Para exemplificar esta história, consideremos uma proprie- .:.:.dade das línguas naturais que é a recursividade. O que é.:.recursividade fica claro se tomamos como exemplo a coordenação'"de constituintes. Sabemos que para fazer uma coordenação deve-mos combinar constituintes da mesma natureza em vários aspec-tos, como mostra (5):

(5) O Paulo e a Maria vão sairO Paulo, a Maria e a Joana vão sairO Paulo, a Maria, a Joana e a Ana vão sairO Paulo, a Maria, a Joana, a Ana e o Pedro vão sair

a.b.c.d.

Notamos que os elementos coordenados são todos damesma natureza, ou seja, sintagmas nominais. Usando este processopodem-se construir sentenças curtas como (5a) e muito mais longasdo que (5d), por meio de aplicações recursivas do mesmo processo.Como deveria reagir o lingüista frente a uma longa sentença com254 sintagmas nominais coordenados de modo adequado?

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Que a sentença monstruosa apavore o falante é a expectativa.Que se considere que uma tal sentença é uma criação artificial de umlingüista que pode acabar incomodando um outro colega lingüista éadmitido muitas vezes. Mas que é uma sentença que deve ser submetidaao crivo de uma teoria não se pode negar. A nossa sentença monstruosacertamente é gramatical, pois é formada de acordo com os princípiosque regem a coordenação. O falante sabe disso implicitamente porcausa do conhecimento que tem da sua língua. Que ele não produzauma sentença como essa é questão de performance. Para a nossa teorianão resta outra saída a não ser explicar o que acontece. No nível dacompetência a nossa sentença monstruosa é possível. No nível dáperformance a chance de ela ocorrer é mínima, pois neste momentointerferem questões como Iirnitação de memória, atenção e outrosfatores de ordem não lingüística. A competência lingüística é acapacidade humana que toma fundamentalmente possível que todoser humano seja capaz de interiorizar um ou vários sistemas lingüísticos,isto é, uma ou várias gramáticas. .

3. O programa gerativísta

Acabamos de notar que as línguas naturais são um dote doser humano, e apenas dele. Nenhum animal fala como nós falamos.Parece bastante plausível supor que a capacidade de falar uma línguatem conexão direta com o aparato genético do homem e que é issoque distingue o homem de todas as outras espécies.

Vamos supor que isso é verdade, isto é, vamos postular queo homem possui em seu aparato genético alguma coisa como umafaculdade da linguagem, alocada no cérebro humano, umahipótese plausível que se presta a marcar a diferença fundamentalentre os homens e os outros seres do planeta.

Observe que não é possível verificar diretamente essahipótese inicial, visto que não se pode abrir a cabeça de alguém e

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ver o que acontece ali quando esse alguém fala. Também não émuito claro que de fato poderíamos ver alguma coisa, porque abiologia ainda não sabe muito sobre a relação entre ofuncionamento neurológico e as habilidades cognitivas humanas.Mas mesmo não sabendo exatamente como a substância física docérebro produz a percepção de formas ou cores, por exemplo,parece claro que a mente humana lida com essas informações demaneira extremamente ágil e eficiente. O mesmo se pode dizerentão sobre a linguagem: apesar de não sabermos muito sobre arelação entre o funcionamento físico do cérebro e as sentençasque produzimos, é plausível supor que algo tem realidade ali detal modo que a mente humana é capaz de processar um sistemacomplexo e sofisticado como uma língua natural.

Essa nossa hipótese inicial pode ir mais longe: sabemos queo corpo humano é composto por órgãos diferentes quedesempenham diferentes funções, cada um deles com funcionamentoespecífico - ou seja, o coração bate para fazer circular o sangue,mas os rins não batem para filtrar a água do corpo; adicionalmente,o tipo de tecido que compõe o fígado é muito diferente do tipo detecido que compõe o estômago, por exemplo. Baseando-nos nestaconhecida estrutura do corpo humano, podemos postular que amente/o cérebro também é modular, isto é, é composta por"módulos" ou "órgãos" responsáveis por diferentes atividades, oque equivale a dizer que a parte do cérebro/da mente que lida coma língua tem especificidades frente àquela que lida, digamos, com amúsica. Estamos afirmando assim que a faculdade da linguagemnão é parte da inteligência como um todo, mas é específica, comum desenho especial para lidar com os elementos presentes naslínguas naturais e não outros quaisquer.

Ir mais longe ainda nesta hipótese inicial será.postular que,mesmo dentro da faculdade da linguagem, temos módulosdiferenciados para lidar com diferentes tipos de informaçãolingüística: da mesma maneira que o ventrículo direito e o aurículo

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esquerdo do coração realizam diferentes tarefas no fenômeno geraldo batimento cardíaco, o módulo que lida por exemplo com adeterminação da referência para os pronomes (temos um exemplode como um pronome pode ter o mesmo referente do nome em(6a) logo abaixo) é diferente do módulo que lida com a estruturaçãodas sentenças das línguas. Alguns módulos são desenvolvidos emforma de subteorias em cada um dos próximos capítulos

Até aqui, tudo o que afirmamos nos levaria a crer que as línguasdo mundo são todas idênticas: todas são fruto do código genéticohumano que é basicamente o mesmo para toda a espécie. No entanto,sabemos que as línguas apresentam diferenças: se você desembarcaramanhã na China, não vai entender nada do que dizem os chineses eserá absolutamente inútil tentar dizer-lhes algo em português. Enão ésó a respeito de diferenças do léxico que estamos falando, isto é, oproblema não será só de você não saber o que significam as palavras;ma., você não saberá também como as palavras se organizam nasentença, que é a verdadeira questão da sintaxe. A pergunta em todo o.caso é esta: como explicar então a diversidade das línguas se estamos 'calcando o nosso modelo no aparato genético humano?

Nosso modelo tem uma solução para este aparente paradoxoarticulada a partir de duas noções: Princípios e Parâmetros. A faculdadeda linguagem é composta por princípios que são leis gerais válidas paratodas as línguas naturais; e por parâmetros que são propriedades queuma língua pode ou não exibir e que são responsáveis pela diferençaentre as línguas. Uma sentença que viola um princípio não é tolerada emnenhuma língua natural; uma sentença que não atende a uma propriedadeparamétrica pode ser gramatical em uma língua e agramatical em outra

Observemos (6), onde interessa considerar somente apossibilidade de ele e o Paúlo serem co-referenciais (o índice isubscrito representa que o referente das duas expressões é o mesmo):

(6) a.b.

O Paulo, disse que elej vai viajar* Ele, disse que o Paulo, vai viajar

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\zCijLi't~:~~~~~.~~~réi~possível ., portugUê~; e tambémcontinuará impossível se traduzi da em qualquer língua natural. Istonos leva a crer que esta é a situação porque está sendo violado umprincípio, a ser enunciado, que estabelece as condições em que umnome pode ou não ser co-referencial com um pronome. ,

, Por outro lado, a sentença em (6a) é possível no portuguêsbrasileiro. Também é possível (7), onde temos um vazio no lugardo pronome ele (e por isso consideramos que o vazio temcaracterísticas de pronome mas não de nome):

(7) O Paulo. disse que -, vai viajar1 1

j,

Por enquanto, marcaremos o tal do "sujeito oculto" da GTpor meio de um travessão, querendo dizer com isso que,. nes,:eespaço, ainda que não pronunciemos nada, supomos a realizaçãode um elemento pronominal.

Se traduzirmos (6a) e (7) para o italiano temos

(6'a) e (7'):

(61)

(7')a. * Paolo. ha detto che lui viaggerà

Paolo, ha detto che -j viaggerà

Com entonação contínua, isto é, se não estamoscolocando nenhum tipo de ênfase ou foco sobre o sujeitoencaixado apenas a segunda sentença se presta a expressar a

, ')co-referência pretendida. A presença do pronome em (ôa'.implica referência disjunta, isto é, que Paolo e lui têm pessoasdiferentes como referentes. Se traduzirmos ainda (6a) e (7) parao inglês, temos (6"a) e (7"):

(6") a.(7")

Paul, has said that he will travel* Paul, has said that -j will travel

27

Page 10: Capítulo 1 - Manual de Sintaxe0001

I~ ,

j·1\:

Agora, só (6"a) é admitida para expressar a co-referênciaentre os dois sujeitos, já que (7") resultaria em uma seqüência depalavras que não constitui uma sentença do inglês.

Para as línguas que serviram de exemplo está em jogo umparâmetro que diz respeito ao fato de o sujeito poder ou não sernulo nas sentenças finitas. Para o parâmetro são considerados doisvalores: o inglês apresenta o valor negativo do parâmetro (nãoapresenta sujeito nulo) e as outras línguas o valor positivo(apresentam sujeito nulo). A sentença em (7") é agramatical porqueostenta o valor positivo do parâmetro do sujeito nulo emdesacordo com o valor do parâmetro para o inglês.

Veremos no decorrer deste livro como o modelo, cujospressupostos estamos começando a esboçar, explica estes fatos.Por ora basta frisar que uma língua é regulada por condições deduas naturezas: (6b) exemplifica uma situação em que umprincípio é violado, o que torna a sentença impossível paraqualquer língua natural; (6a) e (7) exemplificam uma situação

.em que está em jogo um parâmetro e a gramaticalidade dessassentenças dependerá das propriedades que são constitutivas daslínguas particulares.

Introduzimos aqui o conceito de gramática universal (UO,do inglês Universal Grammar) que é o estágio inicial de um falanteque está adquirindo uma língua. A UG se constitui dos princípios edos parâmetros, estes sem valores fixados. À medida que os parâmetrosvão sendo fixados, vão se constituindo as gramáticas das línguas,como veremos com mais vagar na seção sobre aquisição da linguagem.Exemplificando: existe um princípio que enuncia que todas as sentençasfritas têm sujeito (o Princípio da Projeção Estendida, abreviado comoEPP). Associado ao EPP existe o Parâmetro do Sujeito Nuloexemplificado com as sentenças de (6) a (7). Para certas línguas comoo inglês, este sujeito tem que ser pronunciado; para outras como oportuguês nem sempre o sujeito é pronunciado. O inglês apresenta ovalor negativo; o portuguê o valor positivo. No estágio inicial da UG,

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porém, nenhum dos dois valores do Parâmetro do Sujeito Nulo estavafixado. Voltaremos a este assunto na seção 5.1 deixando claro que aintenção aqui é apenas plantar alguns conceitos.

4. O formato do modelo

ftf

Ifi!,I

I

A esta altura devemos pensar no formato que toma a teoria paraanalisar as sentenças das línguas naturais. Para tanto, vamos considerar,no nível mais ingênuo, que uma sentença é uma seqüência de sons, cujarepresentação abstrata é PF (Forma Fonética, do inglês Phonetic Form),que tem determinado sentido estrutural, cuja representação abstrata éLF (Forma Lógica, do inglês Logical Form). Então, a tarefa mínima donosso modelo (como de qualquer modelo lingüístico) é mostrar a relaçãoexistente entre o som de uma sentença, PF, e o seu sentido, LF. Nossomodelo defende que a relação entre PF e LF não é direta, mas mediadapela estrutura sintática SS (Estrutura Superficial, do inglês Superficial-

_ structure), como representado em (8):

(8) DS__L..SS',r;

PF LF

),.,_.'

O que é SS? SS é uma representação sintática da sentença quevai ser interpretada fonologicamente por PF, isto é, PF vai dizer comoaquela estrutura é pronunciada; e vai ser interpretada semanticamentepor LF, isto é, LF vai dizer qual é o sentido da estrutura.

Para entender que a relação entre PF e LF não é direta,vamos considerar uma sentença ambígua como a em (9):

(9) Eu comprei este carro novo

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Page 11: Capítulo 1 - Manual de Sintaxe0001

A sentença é ambígua porque engloba duas estruturassintáticas distintas: uma em que novo faz parte do sintagma nominaleste carro novo, para a qual o sentido grosso modo pode serparafraseado por [Este carro novo foi comprado por mim]; a outraem que este carro novo não constitui um sintagma nominal de modoque novo e um carro são constituintes distintos, caso em que aparáfrase grosseira seria [Quando eu comprei este carro ele era novo].A ambigüidade se forma porque PF interpreta duas estruturas damesma maneira. Mas os dois sentidos se mantêm porque LF interpretaduas SSs distintas. Seria no mínimo complicado sustentar que LFinterpretasse uma única PF de duas maneiras diferentes.

O outro nível não discutido ainda é DS (EstruturaProfunda, do inglês Deep-structure). Este é um nível derepresentação postulado para dar conta de fenômenos como oque observamos em (10):

j;

i,

(10) a.b.

O João comprou o quê?O que o João comprou?

Nas duas sentenças, o que é interrogado é o objeto doverbo comprar. Entretanto, a expressão interrogativa aparece àdireita do verbo em (1Oa)e no início da sentença em (1Ob). Comodar conta do fato de que o que é o objeto do verbo? Postulandoque o que no nível de representação DS está à direita do verbopara as duas sentenças. Mas no nível SS ele pode permanecer insitu e, neste caso, PF vai pronunciar a SS como (10a); ou podeser movido para o início da sentença e, neste caso, PF vaipronunciar a SS como (1Ob).

Para construir a representação de uma sentença em determinadonível é necessário assegurar que certos princípios sejam satisfeitos.Assim, por exemplo, DS supõe que todos os papéis temáticos (vercapítulo llI) éstejam atribuídos: por isso a DS de qualquer das sentençasde (10) supõe que o que está àdireita do verbo porque aquele é o lugar

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onde recebe papel temático. Para construir a SS, todos os movimentosque vão resultar em itens deslocados devem ser realizados: é nessaposição deslocada que PF vai pronunciar o item. As condições quedevem sei"satisfeitas pata a construção de um nível de representaçãoserão explicitadas ao longo do livro.

O que queremos do nosso modelo sintático organizado destamaneira é que ele dê conta do fato de que, para construirmos umasentença, devemos recorrer ao léxico da língua (isto é, ao nosso"dicionário mental", o conjunto de palavras pertencentes à nossalíngua) e, fazendo uso das informações aí presentes, construir umaprimeira estrutura, DS. Na passagem de DS para SS, podemosmovimentar constituintes, de tal modo que então poderemos ter oobjeto direto do verbo na posição inicial da sentença, como em(1Ob). É a representação da sentença em SS que será enviada paraPF para ser pronunciada; é também essa representação que seráenviada para LF para ser interpretada naquilo que a interpretaçãotem de propriamente estrutural.

5. Observações sobre aquisição da linguageme mudança lingüística

5.1. Aquisição da linguagem

Uma das linhas de investigação do processo de aquisição dalinguagem é a do quadro gerativista. Nada mais esperado, já que umdos pilares da Teoria Gerativa, como vimos, é justamente o inatismo ;- a concepção de que há uma dotação genética que nos capacita aadquirir e usar uma língua.

A visão de aquisição, no âmbito da proposta de Princípios eParâmetros, prevê que a tarefa da criança para adquirir uma língua éa de "marcar" de alguma forma aquilo que é específico a sua língua,dadas determinadas possibilidades pré-existentes e, assim, desenvol-

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Page 12: Capítulo 1 - Manual de Sintaxe0001

ver um certo sistema de conhecimento, representado de alguma for-ma em sua mente.

Certamente, ao falarmos em "sistema de conhecimento",estamos considerando uma determinada concepção de linguagem. No

U nosso caso, o objeto a ser investigado é a língua-I, ou seja,a língua-..\"interna" de um determinado falante, algo interno à mente, um saber

. individual inconsciente. Mas como a criança adquire esse conheci-mento? Observando a língua a que é exposta? Já nasce sabendo? Porimitação? Através de mecanismos gerais de aprendizagem?

Imaginem que seja por observação. Pobre criança! Compa-rem o processo com o de ensino de língua estrangeira, por exemplo.Quando aprendemos uma língua estrangeira formalmente (em um cur-so), há sempre uma certa "gradação" do material lingüístico apresen-tado. Os métodos não trazem de cara uma porção de estruturas com-plexas. O grau de dificuldade lingüística a que os alunos são expostosaumenta aos poucos. Se fôssemos fazer um paralelo com a criançaadquirindo sua primeira língua, teríamos uma mãe, por exemplo, quedurante um tempo só usasse verbos regulares no presente. Isso adqui-rido, a mãe passa a usar apenas os verbos regulares no passado, depoisos irregulares, sempre com estruturas simples, depois ela passa a usarestruturas subordinadas, etc. Se fosse esse o caso, todos os responsá-veis por crianças pequenas seriam lingüistas. Mas sabemos que o pro-cesso não funciona assim. A criança é exposta a dados da língua comoqualquer outro interlocutor. São estruturas de toda natureza, truncadas,entremeadas e que não necessariamente incluem todos os tipos dedados disponíveis na língua.

Um outro ponto de diferença entre os processos é que quan-do aprendemos uma língua, em um curso de línguas, somos corrigi-dos o tempo todo por quem a está ensinando. Não fazemos o mes-mo com as crianças. A correção da fala da criança por parte doadulto, quando se dá, não é sistemática e no mais das vezes refere-seao conteúdo do que está sendo dito e não à forma, isso quando oadulto "ouve" a fala da criança.

Vejamos o seguinte diálogo entre uma criança de três anose meio (M.) e sua avó (T.):

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Ir,t

T.: - Ó, um pedacinho de bolo pra você. Toma M.

M.: -Eunumquéio.

T: - Come o bolinho de chocolate, come 'só um pedacinho,você gosta! Você não vai comê o bolo? Olha o bolocomo tá bem gostoso!

M.: - Tá gandi.

T: - Tá grande?

M.: - Eu vô lá pegá minha faca. Faca tazei a minha. É pá cotáo boio.

T.: - Olha o M. comendo de garfo e faca, olha que moçobonito! Só não vai cortá a língua ... I

Como podemos notar, T não reaje à estrutura faca tazei aminha produzida por M. Sequer a flexão imprópria (trouxe vs. t/r/.azei) causa qualquer reação em T. O alvo de sua atenção é o fatode o menino estar usando uma faca.

Essa impermeabilidade também parece ocorrer com a cri-ança: ela também é "surda" à correção da forma. Talvez pudésse-mos ilustrar esse fato com uma piada corrente entre professores deportuguês, embora o fenômeno seja um pouco distinto. Uma cri-ança teria dito à professora que a resposta não cabeu na folha. Aprofessora indignada - aqui no caso com o desvio da norma culta- pede que a criança escreva cem vezes a sentença a resposta nãocoube nafolha. Após um certo tempo a criança retoma chateada ediz Professora, só cabeu 90 vezes.

I Os dados foram extraídos de gravações realizadas por Barbosa, M. F. & A. M.Santos, que as fizeram como exigência da disciplina de Aquisição e Desenvolvimentoda Linguagem Infantil, ministrada na UFSC por Ruth Lopes, em 1997.

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Page 13: Capítulo 1 - Manual de Sintaxe0001

Voltando, pois, à questão da qualidade dos dados de lín-gua a que uma criança é exposta (dados que passaremos a cha-mar de input lingüístico), como vimos acima, trata-se de dadostruncados, não-organizados e não corrigidos. Esse fenômeno éconhecido como "pobreza de estímulo", mas temos que ser cui-dadosos com "pobreza" aqui. Isso nada tem a ver com a varie-dade usada por aqueles que cercam a criança - se norma cultaou não - ou com a "qualidade" da interação em uma perspec-tiva afetiva e/ou cognitiva. Isso, aliás, nos remete a dois pontosimportantes. O primeiro deles diz respeito à imitação que haví-amos mencionado no início da discussão. Certamente o proces-so de aquisição não depende disso, pois equivaleria a dizer quefalamos em função de algum estímulo externo. Se fosse esse ocaso, teríamos um trabalhão para adquirir linguagem, repetindo- como um papagaio - tudo que ouvíssemos. Os pais seriamlevados à loucura! Além disso, cada vez que víssemos um cami-nhão cruzando a rua, diríamos caminhão e, felizmente, não é oque ocorre. Para que esse processo funcionasse, dependería-mos também de reforços positivos e negativos. Quemjá tentoutreinar um cachorro para desempenhar uma determinada tarefatem uma idéia de como a coisa se dá. Não fazemos o mesmocom nossas crianças.

O segundo ponto a ser levantado é decorrente da visão "pla-tônica" de linguagem, como algo que é da ordem do "ser". Como,em contato com um mundo tão fragmentado e de forma tão rápida,adquirimos conhecimento? Através da dotação genética que noscapacita a adquirir uma língua e usá-Ia, salvo sérias complicaçõespatológicas. A não ser que seja deliberadamente negado acesso dacriança ao input no período da infância, ela vai adquirir uma lín-gua, independentemente de sua condição social, qualidade afetivae intelectual da interação com o adulto, e, para além disso, esseprocesso vai se dar aproximadamente no mesmo período de tempopara todas as crianças.

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v

.:t! Essa é a pedra de toque do modelo: como podem as cri-. ± anças adquirir uma língua de forma tão rápida e homogênea dian-

~ te de um input tão imperfeito? Parte-se, então, daí para, atravésdo argumento da "pobreza de estímulo", estabelecer uma funçãodireta (mas contrária à visão do senso comum) entre a experiên-cia lingüística que a criança recebe e sua capacidade de adquirira gramática de um falante adulto: quanto mais pobre e degenera-da a experiência, maior a capacidade inata a se prever. A teoriadesse estágio inicial da criança é a UO - uma previsão daquiloque é comum a todas as possíveis línguas naturais (propriedadesdescritas no modelo através dos princípios), além da variaçãoque pode ser encontrada entre elas (os parâmetros). A associa-ção dos princípios da UO com certos valores paramétricos geraum sistema gramatical particular, ou seja, uma dada língua. Tem-se que a UO deve refletir de maneira universal a estrutura ouorganização da mente humana.

Tais princípios são geneticamente determinados, passando aaquisição de linguagem a ser vista como a "formatação" da faculdadeda linguagem através da fixação dos valores dos parâmetrosprevistosnaIfG. Como dissemos acima, a UO é, nesse sentido, um quadro doestágio inicial da aquisição (conhecido como So)e o seu produto seriao estágio [mal da aquisição; em outras palavras, o estágio em que acriança atinge a gramática adulta de sua língua (S.) (do inglês stablestage). Em termos lingüísticos é bastante complicado falar em produ-to ou estágio [mal do conhecimento. Assim, é mais plausível admitir-se que a gramática atinja um estágio de estabilização que seria consi-derado, então, como o estágio em que a criança apresenta uma gramá-tica próxima a do adulto. Vale, contudo, lembrar que esse conheci-mento é'a Língua-I e sua medida é individual, ou seja, não há a pres-suposição de que a gramática da criança seja igual àquela dos adultosde quemrecebeu o input,

Teríamos, então:

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(11) input ~ UG ~ Língua-I~ ~

o que ocorre, então, no processo de aquisrçao é uma"filtragem" do input através da UG. Essa "filtragem" serve para"formatá-Ia" através da marcação de um determinado valorparamétrico. Estando todos os valores paramétricos marcados, tem-se uma determinada Língua-I. Certamente essa marcação não é ale-atória, mas determinada pelas evidências - bastante indiretas - doinput e, obviamente, dependente da própria estrutura interna da UG.

Os parâmetros são tidos como binários, possuindo valorespositivo ou negativo; assim, ao acionar um determinado parâmetro, acriança estará imprimindo a ele um dos dois valores, através das evi-dências positivas que receba no input. Há uma discussão acerca danoção de parâmetro e de quais ou mesmo quantos parâmetros existemem UG; mas é inegável que a idéia mesma de parâmetro seja, indiscu-tivelmente, muito interessante e venha apresentando nas últimas déca-das resultados bastante intrigantes. Tomemos um exemplo.

Como vimos na seção 2, acima, há línguas que permitemque a posição de sujeito fique vazia (como o italiano, o português)e línguas que não permitem isso, ou seja, línguas de sujeito obriga-tório (como o inglês). No caso das últimas, mesmo em sentençasque não têm sujeito com valor semântico, haverá um elementoexpletivo. Por exemplo, verbos metereológicos nessas línguas vi-rão precedidos de um pronome expletivo:

(12) a. It rainsChove

b. * rainsTernos, então, variação entre línguas; portanto, algo da

ordem dos parâmetros. Como já vimos, este é o ParâmetrodoSujeito Nulo.

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Caberia à criança decidir qual dos dois valores se aplica asua língua. Podemos esquematizar esse parâmetro como (13):

(13) a. sujeito nulo valor [+] para o parâmetrob. sujeito obrigatório valor [- ] para o parâmetro

Se a criança estiver exposta ao inglês, vai ter várias evidên-cias no input de que sua língua se encaixa em (13 b), dado que vaiestar exposta a estruturas com elementos expletivos (como em(12a)). Se a criança estiver exposta ao português, por outro lado,terá evidências na direção oposta e marcará o valor do parâmetrocomo em (l3a) acima.

Obviamente, a criança não é vista como um "lingüista emminiatura", que fica analisando os dados de sua língua antes detomar uma decisão. Esse processo é natural e inconsciente. Seriamais uma acomodação do sistema aos dados, do que qualquer outracoisa, já que o sistema inicial (a UG) é capaz de dar conta de todoe qualquer dado pertencente às línguas naturais.

5.2. A mudança lingüística J..'

Embora a questão da mudança lingüística não seja o pontocentral da teoria da gramática, assim como também não o é a aqui-sição, todo modelo que se quer explicativo deve dar conta dessesfenômenos. E assim como ocorreu com a área da aquisição da lin-guagem, também vem ocorrendo com a mudança lingüística, ouseja, o modelo de Princípios e Parâmetros trouxe nova luz tambémpara a abordagem de fenômenos diacrônicos.

Nesse modelo, os parâmetros são vistos como o espaço damudança lingüística. Assim, a mudança seria implementada a par-tir do processo de aquisição da linguagem. Como nem tudo o querodeia a criança no input é um dado acionador (um dado primário

37

Page 15: Capítulo 1 - Manual de Sintaxe0001

que sirva como evidência para o acionamento de um certo valor deparâmetro), ainda que exposta a uma determinada estrutura, nemsempre esta vem a ocorrer na gramática que a criança está adqui-rindo. Haveria, assim, determinadas condições que levariam estru-turas a desaparecem de uma língua, não sendo acionadasparametricamente num dado momento de sua história.

Tomemos o exemplo de uma mudança ocorrida no inglês,estudada por Lightfoot (1989, 1991). Segundo Lightfoot atesta,uma estrutura como (14) seria realizada, no inglês medieval, comthe king sendo interpretado como objeto (podendo. inclusive serpronominalizado como acusativo him) e the queen como sujeito.

(14) the king likes the queen/orei/obj. agrada a rainha/suj/

A estrutura acima, no entanto, veio a desaparecer duranteeste período, pois embora fizesse parte da experiência lingüísticade algumas crianças, não foi reproduzida em suas gramáticas ..Aordem em (14) representa a ordem típica do inglês antigo, qualseja, Objeto-Verbo. Segundo o autor, desde o inglês medieval, ascrianças acionaram o parâmetro de ordem (um parâmetro que pre-vê a ordem dos elementos em uma dada língua a partir de um nú-cleo) como Verbo-Objeto, ou seja, passaram de uma marcação [nú-cleo final] - uma ordem que prevê que o verbo esteja depois deseu complemento - para uma [núcleo inicial] - uma ordem queprevê que o verbo venha antes do complemento. Isso bloqueia umainterpretação da estrutura com o objeto anteposto ao verbo e, con-seqüentemente, ele é (re)interpretado como sujeito. Esse fenôme-no teria ocasionado uma mudança de significado do verbo like: de"agradar"( até o inglês medieval) para "gostar" (como no inglêsmoderno). Esse fenômeno teria sido mais pervasivo, ocorrendocom cerca de quarenta outros verbos da língua, no mesmo perío-do, ainda de acordo com Lightfoot.

38

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Na realidade, aqueles que trabalham com mudança dentro domodelo de Princípios & Parâmetros não pressupõem que oreacionamento paramétrico se dê de urna hora para outra, mas sigaalguns "passos". Lightfoot, por exemplo, prevê esse tipo de fenômenocatastrófico ocorrendo como resultado de uma mudança em cadeia nalíngua, sendo gradualmente difundida até atingir um ponto crítico. Esseponto é o de um novo acionamento paramétrico - como no exemplodiscutido, tendo lugar no indivíduo e não na comunidade.

O importante, assim, para aqueles que trabalham com mu-dança, nos. modelos chomskyanos mais recentes, é a discussão dafixação paramétrica como um espaço privilegiado para a mudançalingüística. Assim como ocorre com a área de aquisição, conformeapontamos anteriormente, há problemas de ordem teórica em fun-ção da definição do que sejam os parâmetros e seus valores para asdiferentes línguas; entretanto, assim como também tem ocorrido comos trabalhos de aquisição, as pesquisas sobre mudança lingüísticatêm apresentado resultados e contribuições .para a teoria bastanterelevantes. Basta olharmos para os trabalhos que têm sido desenvol-vidos sobre o Português do Brasil nos últimos anos.

6. Bibliografia adicional

Este capítulo foi escrito com base em alguns livros que valea pena você conhecer: se você lê inglês, o manual de introdução deLiliane Haegeman, intitulado lntroduction to Government & BindingTheory pode ser uma excelente escolha. lan Roberts também têmum manual introdutório, chamado Comparative Syntax, que é tambémmuito bom. Se o seu inglês é claudicante e a leitura de um livro eminglês está longe das suas possibilidades, você pode ler o manual deEduardo Raposo, chamado Teoria da Gramática: a faculdade dalinguagem, notando que a exemplificação se aplica ao portuguêseuropeu. Por enquanto, o mais interessante seria o primeiro capítulo

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do livro de Raposo, que é muito elucidativo. Há também os livros deLúcia Lobato (Sintaxe Gerativa do Português) ou o de Miriam Lemle(Análise Sintática: teoria sintática e descrição do Português). Estesúltimos abordam também a passagem de um modelo anterior ao deRegência e Vinculação. Seria interessante que você consultasse essesmanuais concomitantemente ao estudo deste livro, para complementarseu conhecimento e ver problemas discutidos em outras línguas

Se quiser obter mais informação sobre alguns pontos específicosdiscutidos, você pode consultar as seguintes obras mais especializadas:a) sobre o "fazer ciência" e como se estruturam modelos científicos,

Introdução à Teoria da Ciência, de Luiz Henrique Dutra, é umaexcelente opção;

b) sobre o embate GT/Lingüística, você encontrará farto materialem Lyons, tanto em Introdução à Teoria Lingüística, quantoem Língua(gem) e Lingüística. Aliás, ainda sobre problemascom a GT, há um excelente livrinho de Rosa Virgínia Martos eSilva, intitulado Tradição gramatical e Gramática Tradicional;

c) sobre inatismo, há um livro para leigos (portanto, de fácil leitura)de Pinker, chamado Language Instinct, porém, só o encontramosem inglês; em português, temos um livro de Chomsky intituladoLingüística Cartesiana, de leitura mais difícil e só aconselhadoa quemjá tem alguma formação em filosofia;

d) sobre aquisição de linguagem no quadro de Princípios &Parâmetros, há ótimas introduções em artigos de Galves (1995),Kato (1995), Meisel (1997) e Mioto (1995), todos emportuguês.

e) sobre mudança no Português do Brasil, consultar Roberts &Kato (1993).

f) finalmente, para uma visão geral simplificada do modelo, dadapelo próprio Chomsky, consulte Language and Problems ofKnowledge. The Managua Lectures, mas este está em inglês ...

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7. Exercícios,I:1

I'li

1. Nas primeiras seções deste capítulo, utilizamos a palavrametalinguagem. Você entendeu o que ela significa? Dê exemplos dametalinguagem utilizada pela Gramática Tradicional. Elaé adequada?Isto é, ela é inequívoca, suficientemente precisa para que possamosassociá-Ia a um fazer científico, como definido na seção I destecapítulo?

2. Nell- uma reflexão sobre concepção de linguagem e aquisição:Essa reflexão, infelizmente, só poderá ser feita por aqueles

que viram o filme intitulado "N ell", Para rememorarmos um poucoo filme, faremos uma sinopse.

Nell fora encontrada, ainda jovem - talvez uns 20 anos,morando sozinha e completamente isolada de qualquer vestígio decivilização. Toda a sua vida até então fora assim, circunscrita a suacasa e ao bosque que a rodeava, sem nunca ter tido contato exterior.

Mas Nell não vivera só. Ela teve a companhia de uma irmãgêmea, falecida ainda criança. Por algumas cenas, podemosdepreender que Nell tinha uma relação de enorme proximidade coma irmã. Elas brincavam muito, cantavam e se comunicavam.

Nell teve também a companhia da mãe. Na realidade, todo oisolamento da família (mãe e crianças) se deu em função de um traumasofrido pela mãe. A gravidez das gêmeas fora fruto de um estupro.Daí a mãe proibir e coibir qualquer contato com o mundo exterior.

A convivência de Nell, portanto, restringia-se à companhiade sua mãe - a partir da morte da irmãzinha - até a data em quefoi encontrada, em função da morte da mãe.

Sabe-se que a mãe de N ell sofria de algum tipo de afasia(perda da linguagem), talvez como conseqüência de um derrame.Assim, a mãe falava com ela, mas tinha algumas dificuldades tan-to estruturais, quanto de articulação (que tinha como conseqüên- .cia uma fonologia bastante "estranha" da língua que falava). Apa-

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1,I

re,nt~mente, porém, isso não a impedia de ler longos trechos daBíblia para a filha, por exemplo, ou de, obviamente, comunicar-se com ela.

NelI é encontrada por dois pesquisadores, cujos objetivosem rela~ão e!a não nos interessam aqui. Contudo, ambos percebe-ram de imediato que teriam que descobrir o que NelI falava como~alava, se falava. É uma pena que, pelo que se vê no filme, nãotivessem um~ .boa formação no quadro gerativista, já que se a ti-vesse~, partiriam de uma concepção específica de linguagem epodenam abordar o problema com mais clareza.

Assim, cabe a vocês serem agora os pesquisadores interessadosem NelI. Talvez valh~ a pena rever o filme (ou vê-lo pelo primeira vez).

Tento em VIsta o que se discutiu no capítulo I deste livroquando se falou dos pilares da Teoria Gerativa e, portanto, de suaconcepção de linguagem, pergunta-se: Será que NelI falava umalíngua? Que língua era essa?

,. Tentem sempre justificar suas respostas com argumentossólidos e, se possível, com exemplos. Nesse caso, porém, fica umpouco mais dificil se não entendermos nada de inglês e tivermosque nos valer das legendas, mas dá para tentar!

3. A seguir vocês encontrarão um trecho publicado em um encartecolecionável sobre Língua Portuguesa, do Diário Catarinensede Florianópolis. Leiam-no com atenção e depois respondamàs questões propostas:

. "A Gramática é a disciplina que orienta e regula o uso dalíngua, estabelecendo um padrão de escrita e de fala baseado emdiversos critérios: o exemplo de bons escritores, a lógica, a tradiçãoou o bom senso. A matéria-prima dessa disciplina é o sistema denormas que dá estrutura a uma língua. São essas normas quedefinem a língua padrão, também chamada língua culta ou normaculta. Assim, para falar e escrever corretamente é preciso estudar a

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Gramática. A tarefa não é das mais simples: as regras são muitas enem sempre precisas. Sendo um organismo vivo, a língua está sem-pre evoluindo, o que muitas vezes resulta num distanciamento entreo que se usa efetivamente e o que fixam as normas. Isso não justifica,porém, o descaso com a Gramática. Imprecisa ou não, existe umanorma culta e toda pessoa deve conhecê-Ia e dominá-Ia, mesmo queseja para propor modificações. Quem desconhece a norma culta temum acesso limitado às obras literárias, artigos de jornal, discursospolíticos, obras teóricas e científicas, enfim, a todo um patrimôniocultural acumulado durante séculos pela humanidade." (In: Help!Língua Portuguesa, DC, p. 62)

a. De acordo com o que foi discutido neste capítulo, é plausívelafirmar que é "o sistema de normas que dá estrutura a uma lín-gua"? Justifiquem a resposta com os conceitos apresentados.

b. Há vários trechos no excerto acima em que o autor confunde,equivocadamente, "norma culta" com a metalinguagem utilizadapela GT para descrevê-Ia. Apontem esses trechos.

c. Qual a concepção de linguagem que se depreende do trechoacima? Por que esse tipo de concepção pode ser preconceituosa?

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