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CAPÍTULO 2 FORMULAÇÃO MATEMÁTICA DA HIDRODINÂMICA E DO TRANSPORTE DE ESCALARES EM ZONAS COSTEIRAS

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CAPÍTULO 2

FORMULAÇÃO MATEMÁTICA DA HIDRODINÂMICA E DO

TRANSPORTE DE ESCALARES EM ZONAS COSTEIRAS

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

13

CAPÍTULO 2

FORMULAÇÃO MATEMÁTICA DA HIDRODINÂMICA E DO TRANSPORTE

DE ESCALARES EM ZONAS COSTEIRAS

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais.

2.1.1 Considerações gerais

Os oceanos desempenham um papel fundamental na regulação do clima do globo.

Ocupando aproximadamente 70% da sua superfície total, apresentam-se como uma das

principais vias de transportes comerciais no mundo (cerca de 70% dos transportes

comerciais são realizados por via marítima). Cerca de 70% da população mundial vive

em regiões litorais sendo ainda nestas regiões que se exploram a maior parte dos

recursos marinhos utilizados pelo homem.

Apesar das regiões costeiras apresentarem extensões relativamente pequenas quando

comparadas com as áreas terrestres, as informações relativas às suas alterações não

foram devidamente registadas no passado. Prevaleceu sempre o conceito de que a linha

de costa apresenta uma variabilidade que justifica a necessidade de intervenções

antropogénicas. Associando-se a estas últimas, o carácter dinâmico dos processos

naturais que ocorrem nas zonas costeiras torna-se muitas vezes difícil identificar as

causas das alterações sofridas por estas regiões.

Nos pontos que se seguem apresentam-se, de forma sintética, conceitos básicos

(passíveis de maior aprofundamento na bibliografia citada), com o objectivo de facilitar

a leitura dos capítulos subsequentes por leitores menos familiarizados com os temas que

são objecto deste trabalho. Para a introdução destes conceitos relacionados com os

Capítulo 2

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processos oceanográficos recorre-se em diversos casos à análise dimensional. Torna-se

assim mais simples a compreensão das equações matemáticas utilizadas na descrição

dos referidos processos, equações que, por vezes, se apresentam com grande

complexidade. No Quadro 2.1 são apresentadas as grandezas básicas fundamentais

utilizadas nas ciências marinhas e as respectivas dimensões.

Quadro 2.1 - Principais grandezas utilizadas no estudo de zonas costeiras

Grandeza Dimensões Unidade Aceleração LT-2 Metro por segundo ao quadrado (m s-2) Aceleração angular T-2 Radiano por segundo ao quadrado (s-2) Área L2 Metro quadrado (m2) Caudal L3T-1 Metro cúbico por segundo (m3s-1) Comprimento L Metro (m) Energia ML2T-2 Joule (J) Força MLT-2 Newton (N) Gradiente de pressão ML-2T-2 Pascal por metro (Pa m-1) Gradiente de temperatura L-1 Grau centígrado por metro (ºC m-1) Massa M Quilograma (kg) Massa volúmica ML-3 Quilograma por metro cúbico (kg m-3) Peso volúmico ML-2T-2 Newton por metro cúbico(N m-3) Potência ML2T-3 Watt (W) Pressão ML-1T-2 Pascal (Pa) Temperatura Adimensional Grau centígrado (ºC) Tempo T Segundo (s) Tensão superficial MT-2 Newton por metro (N m-1) Velocidade LT-1 Metro por segundo (m s-1) Velocidade angular T-1 Radiano por segundo (s-1) Viscosidade cinemática L2T-1 Metro quadrado por segundo (m2 s-1) Viscosidade dinâmica ML-1T-1 Newton segundo por metro quadrado (N s m-2) Volume L3 Metro cúbico (m3) Vorticidade T-1 Radiano por segundo (s-1)

2.1.2 Variáveis físicas

O interesse pelo conhecimento das variáveis e forças físicas nos oceanos, que remonta

aos primórdios da existência humana, adquiriu um especial relevo com o início das

viagens marítimas, sobretudo com as primeiras viagens intercontinentais. Nessa altura

desenvolveram-se técnicas de navegação com meios técnicos escassos, tendo sido

acumulados conhecimentos relativos aos fenómenos que ocorrem à superfície dos

oceanos. A revolução científica do Séc. XVII impulsionou o desenvolvimento das

diversas ciências marinhas, quer devido à intensificação dos transportes marítimos e

exploração de recursos quer devido ao aparecimento de novos instrumentos associados

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

15

à tecnologia marinha, que permitiram responder a diversas questões relacionadas com a

física dos oceanos (Fincham, 1984).

A primeira publicação sobre oceanografia física, abordando questões relativas a

temperatura, salinidade, correntes, sedimentos, flora e fauna no Mediterrâneo, foi

apresentada em 1725 por Marsigli. Uma das primeiras e mais importantes expedições

científicas, com o objectivo de investigar a química, a física e a biologia das zonas mais

profundas dos oceanos, ocorreu 150 anos depois da publicação dos trabalhos de

Marsigli. Esta expedição foi realizada a bordo do navio Challenger entre Dezembro de

1872 e Maio de 1876. A informação então recolhida permitiu a publicação de 50

volumes entre 1880 e 1895. Até aos nossos dias, multiplicaram-se as expedições

assistindo-se à sofisticação crescente dos meios de observação dos oceanos, sendo sem

dúvida, as observações contínuas efectuadas com o auxílio de satélites aquelas que têm

merecido maior atenção da comunidade científica.

2.1.2.1 Temperatura

A variação da temperatura da água dos oceanos com a profundidade apresenta uma

certa regularidade permitindo afirmar que, de uma forma geral, a primeira decresce com

a segunda. Na Figura 2.1 apresentam-se perfis típicos de variação destas grandezas

para diferentes latitudes.

Um perfil típico de temperatura apresenta normalmente um trecho inicial (a partir da

superfície) que poderá atingir algumas dezenas de metros de profundidade e que é

normalmente designado por zona de mistura. Esta designação decorre do facto de a

camada correspondente se manter bem misturada devido à acção do vento, formando

assim uma zona de condições isotérmicas. Abaixo desta camada existe uma região com

variação rápida de temperatura que se designa habitualmente por termoclina. A maiores

profundidades, a variação da temperatura é muito lenta, podendo considerar-se que,

nestas zonas, o oceano apresenta novamente condições quase isotérmicas.

Aproximadamente 75% da água do oceano apresenta uma temperatura que varia entre 0

e 4 ºC conforme se poderá calcular a partir dos dados da Figura 2.2.

Capítulo 2

16

0 5 10 15 20 250

500

1000

1500

2000

2500

3000

Temperatura (ºC)

Prof

undi

dade

(m)

Latitudes elevadas

Latitudes intermédias - Inverno

Latitudes intermédias - Verão

Trópicos

Figura 2.1 - Perfis verticais de temperatura no oceano para diferentes latitudes (adaptado de Fincham, 1984).

6409

57990

40065

11849

60594222

2632 2358 1340 985 685 638 475 426 489 269 20

10000

20000

30000

40000

50000

60000

70000

-2-0 0-2 2-4 4-6 6-8 8-10 10-12 12-14 14-16 16-18 18-20 20-22 22-24 24-26 26-28 28-30 30-32

Temperatura ( ºC)

Volume [km3]

Figura 2.2 - Distribuição da temperatura nos oceanos (adaptado de Montgomery, 1958)

A medição da temperatura oceânica pode ser efectuada a partir de termómetros

reversíveis. Actualmente é mais generalizado o recurso a equipamentos como o CTD

(Conductivity-Temperature-Depth recorder) que permite efectuar medições contínuas

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

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ao longo da coluna de água (Figura 2.3). Este equipamento incorpora instrumentos de

medição que relacionam a resistência eléctrica do meio com a temperatura.

Ultrapassa-se assim uma desvantagem da utilização dos termómetros convencionais que

apenas permitem efectuar um número limitado de medições.

Uma técnica de medição, baseada na radiação infravermelha da superfície oceânica,

utiliza instrumentos de observação colocados a bordo de satélites, permitindo

determinar a temperatura superficial do oceano. Os resultados de medição da radiação

térmica infravermelha (Figura 2.4) obtidos com os referidos instrumentos são

influenciados por alterações da composição da atmosfera, tornando-se mesmo

impossível a realização de medições aquando da existência de nuvens.

Figura 2.3 - CTD (esquerda) e equipamento de amostragem composto por roseta de amostragem e CTD (direita).

Capítulo 2

18

Comprimento de onda Comprimento de onda

Raios-γ

Ultravioletas InfravermelhosMicroondas

TV/Radio

Raios-X

médios e próximos

Infraver.térmicos

ESPECTROVISÍVEL

µ m

UL

TR

AV

IOL

ET

A

VIO

LE

TA

AZ

UL

VE

RD

E

AM

AR

ELO

LA

RA

NJA

VE

RM

EL

HO

INF

RA

VE

RM

EL

HO

PR

ÓX

IMO

Figura 2.4 - Espectro electromagnético.

Dadas as dificuldades anteriormente referidas, os resultados de medições da temperatura

superficial do oceano, através de instrumentos colocados em satélites, necessita de

verificação e validação através de medições efectuadas in situ. A título ilustrativo,

apresenta-se na Figura 2.5 um mapa da temperatura superficial dos oceanos, obtido de

observações efectuadas a partir de um satélite.

ºC

Figura 2.5 - Temperatura superficial oceânica. Resultados obtidos a partir de imagens de satélite.

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

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2.1.2.2 Salinidade

A quantidade total de matéria dissolvida na água do mar designa-se por salinidade. Esta

grandeza é dada em partes por milhar ou gramas de sal por quilograma de água

marinha, tendo sido adoptado na literatura oceanográfica o símbolo (‰). Uma vez que a

determinação directa da salinidade não é fácil de realizar, o recurso a métodos de

medição indirectos, como o da medição da conductividade eléctrica que se pode

relacionar com a salinidade, tornou-se uma prática comum. Neste caso existe um

esforço no sentido de se adoptar como unidade para a salinidade a psu (practical

salinity unit), em substituição do símbolo ‰.

Embora se possam encontrar nos oceanos quase todos os elementos químicos

conhecidos na Terra, 87% dos sais dissolvidos da água dos oceanos correspondem a

cloreto de sódio. A salinidade nos oceanos apresenta um intervalo de variação muito

estreito. Conforme se pode determinar a partir dos dados apresentados no gráfico da

Figura 2.6, 75% da água dos oceanos apresenta uma salinidade que varia entre 34,5 e

35,0 psu.

0

10000

20000

30000

40000

50000

<33.

0

>36.

5

Salinidade (psu)33.0 34.0 35.0 36.0

226

44 28 28 44 80 40 86 97 266

483

1058

1152

1896 41

12 6515

1230

1

4423

5

3276

1

7989

1421

1

2396

1094

870

668

765

539

434

325

362

144

178

199

173

148

192

786

Volume [km3]

Figura 2.6 - Distribuição da salinidade nos oceanos (adaptado de Montgomery, 1958).

Capítulo 2

20

Os valores mais elevados de salinidade ocorrem em bacias oceânicas fechadas (como é

o caso do Mar Vermelho), onde o valor da evaporação é muito elevado. Os valores mais

reduzidos encontram-se nas proximidades de desembocaduras de rios de grande caudal

junto da zona costeira.

Até aos anos 60 quase todas as quantificações da salinidade eram feitas com base em

técnicas de medição essencialmente químicas. A partir daquela data, as observações de

salinidade passaram a ser efectuadas através de instrumentos de medição (Figura 2.3)

da conductividade eléctrica. Saliente-se, no entanto, que as técnicas utilizadas não

conduzem a valores da salinidade reais, o que levanta algumas dificuldades na

uniformização de resultados. Presentemente, a norma aceite internacionalmente consiste

em relacionar a conductividade da água marinha com a conductividade de uma solução

padrão de cloreto de potássio, com uma concentração de 35‰ (medição efectuada

através de técnicas químicas).

2.1.2.3 Massa volúmica

A massa volúmica da água marinha depende da temperatura, da salinidade e da pressão

a que se encontra. A massa volúmica aumenta com a diminuição da temperatura e com

o aumento da salinidade e da pressão. A pressão hidrostática aumenta cerca de 105 Pa

em cada 10 metros de profundidade. A água comprimida a uma profundidade de

4000 m, em condições de igual temperatura e salinidade, apresenta uma massa volúmica

de cerca de 1046 kg m-3 enquanto que, à superfície, o valor da massa volúmica seria de

1028 kg m-3. As pequenas diferenças de massa volúmica observadas (poderemos

classificar os oceanos como um fluido estratificado), apresentam uma importância

significativa em alguns dos processos que ocorrem nos oceanos.

Para a determinação da massa volúmica recorre-se normalmente a expressões analíticas

(equações de estado) que relacionam esta grandeza com a temperatura, a salinidade e a

pressão.

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

21

2.1.3 Circulação oceânica

As correntes oceânicas podem agrupar-se, de acordo com a fonte de energia que está na

sua origem, em correntes induzidas pelo vento, correntes termohalinas e correntes de

maré. As primeiras, tal como a sua designação indica têm origem na acção do vento,

enquanto que as segundas têm como principal fonte de energia o Sol. Todavia, sendo o

Sol a principal fonte de energia no processo de formação dos ventos atmosféricos, pode

afirmar-se que o Sol é a principal fonte de energia na formação das correntes oceânicas

induzidas pelo vento e nas correntes termohalinas. As correntes de maré são induzidas

pelas forças gravíticas astronómicas (incluindo o Sol), desempenhando a Lua uma acção

preponderante.

2.1.3.1 Correntes induzidas pelo vento

A acção dos ventos sobre o oceano resulta na formação de correntes giratórias no

sentido horário no Hemisfério Norte e em sentido inverso no Hemisfério Sul. As

características geométricas das diferentes bacias oceânicas e a variabilidade do vento

nos diferentes oceanos conduzem a alterações relativamente à representação

simplificada apresentada para os giros de correntes apresentados na Figura 2.7.

A forma como se produzem estes tipos de correntes é mais complexa do que a simples

consideração de que elas resultam do atrito entre o vento e água na superfície do

oceano. Se tal fosse verdade, seria de esperar uma relação directa entre a intensidade e

direcção do vento e a corrente resultante. No entanto, constata-se que as correntes que

se verificam a Oeste nas bacias oceânicas são mais intensas e profundas do que as

correntes de Este. Estas variações são devidas ao efeito de rotação da Terra.

2.1.3.2 Correntes termohalinas

As correntes termohalinas resultam do gradiente de massa volúmica nos oceanos, que

por sua vez depende da temperatura e da salinidade (ignorando-se o efeito de

compressibilidade). Estas apresentam variações resultantes de processos que ocorrem

Capítulo 2

22

nas camadas superficiais, e que resultam de interacções água-ar, tais como aquecimento

solar, evaporação e diluição devida à ocorrência de precipitação.

50º N

50º S

25º

25º

VENTOSCORRENTESLATITUDE

Figura 2.7 - Correntes oceânicas induzidas pelo vento. O vento aplica momentos no sentido horário no Hemisfério Norte e no sentido anti-horário no Hemisfério Sul, que

induzem dois giros de correntes.

As massas de água quando deslocadas das camadas superficiais mantêm as suas

características de temperatura e salinidade, sofrendo apenas alterações devido à

ocorrência de mistura com outras massas de água. Na Figura 2.8 representam-se linhas

de igual massa volúmica (isopicnais) ao longo das quais se processa o movimento da

água. Esta imagem simplificada sugere que as águas mais profundas e frias nos oceanos

iniciam o seu movimento nos pólos, enquanto que as águas das camadas de

profundidade intermédia provêm de zonas localizadas a latitudes intermédias. Este

movimento é caracterizado por baixas velocidades o que implica que, mesmo nas

camadas menos profundas, o tempo necessário para que uma determinada massa de

água volte a incorporar a camada superficial seja muito elevado.

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

23

Água superficial fria(maior densidade)

Água superficial fria(maior densidade)

Água superficial fria(maior densidade)

Água superficial quente(menor densidade)

ρ1

ρ2

ρ3

ρ4

Figura 2.8 - Correntes termohalinas. As características de temperatura e salinidade da água marinha são determinadas à superfície. O movimento das massas de água ocorre

segundo linhas de igual densidade.

2.1.3.3 Ondas

O movimento ondulatório forma-se ao longo das interfaces entre fluidos de diferentes

densidades. No caso das ondas de superfície os fluidos em causa são a água e o ar. Na

interface entre camadas de diferentes densidades (por exemplo ao longo da termoclina

num oceano formado por duas camadas de diferentes massas volúmicas) poderá

também ocorrer a formação de ondas internas (Figura 2.9). No caso de uma variação

contínua de densidade com a profundidade, a direcção de propagação das ondas internas

poderá ser variável. Os períodos associados às ondas internas são normalmente muito

mais longos (minutos a horas) do que os correspondentes às ondas na superfície

(segundos).

Se uma onda se propagar num meio em condições de água pouco profunda (com

H/L<<1, sendo H a altura total de água e L um comprimento característico) a sua

velocidade de propagação é dada por:

gHc = (2.1)

onde,

c é a celeridade da onda [m s-1];

REGIÕES EQUATORIAIS

Capítulo 2

24

g é a aceleração da gravidade [m2 s-1];

H é a altura de água total [m].

sendo, por conseguinte, a velocidade de propagação das marés, quando estas se

propagam ao longo da plataforma continental.

Se existir uma variação de massa volúmica com a profundidade, então o fenómeno

torna-se mais complexo. Neste caso, considerando-se um meio formado por duas

camadas, a aceleração da gravidade g é substituída pela aceleração da gravidade

reduzida g' definida pela relação:

gg1

12,

ρρρ −

= (2.2)

onde,

1ρ é a massa volúmica da camada superior [kg m-3];

2ρ é a massa volúmica da camada inferior [kg m-3].

Considerando-se a altura da camada superior H1, em vez da profundidade total, a

velocidade de propagação de uma onda será dada por:

1,' Hgc = (2.3)

Uma vez que os valores de g' são cerca de g/500 (para gradientes de massas volúmicas

habituais nos oceanos) e H1 é menor do que H/2, a velocidade de propagação desta onda

de grande comprimento em meio estratificado é muito menor do que a celeridade

correspondente à propagação em meio homogéneo.

Para valores da celeridade da ordem de 20 m s-1, em meio homogéneo, têm-se valores

correspondentes a cerca de 0.5 m s-1 para a celeridade em meio estratificado. Estas

velocidades, embora baixas, são importantes na dinâmica de ondas internas, as quais

desempenham um papel muito importante em diversas bacias oceânicas.

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

25

Massa volúmica (kg/m3)

Prof

undi

dade

(m)

a)

b) Massa volúmica (kg/m3)

Prof

undi

dade

(m)

Figura 2.9 - Ondas internas formadas a) ao longo de um interface de densidade entre duas camadas b) num oceano com variação contínua da densidade.

2.1.3.4 Marés

As marés pelo facto de apresentarem uma grande importância sob diversos pontos de

vista (físico, biológico e económico) suscitaram sempre o interesse da comunidade

científica. Devido a esta importância, alguns dos cientistas mais brilhantes dos últimos

séculos, como Galileo, Descartes, Kepler, Newton, Euler, Bernoulli, Kant, Laplace,

Airy e Lord Kelvin, entre outros, tentaram compreender, calcular e prever as marés.

Alguns dos primeiros cálculos realizados com o auxílio de computadores foram

desenvolvidos com o objectivo de avaliar os constituintes harmónicos das marés. No

entanto, o cálculo e previsão das características das marés em qualquer ponto do oceano

continuou sem uma resposta precisa, mesmo com a ajuda dos computadores mais

evoluídos. O problema é de difícil resposta dada a complexidade geométrica das bacias

oceânicas e do movimento das massas de água que nelas se deslocam sob a influência

da rotação da Terra.

Capítulo 2

26

No passado, os estudos mais precisos sobre marés restringiram-se a estações pontuais

localizadas próximas da linha de costa. Estes estudos, baseados na observação local e na

teoria das marés, permitiram a previsão da maré para esses locais, para períodos de

tempo significativos. A extrapolação destas previsões para pontos afastados dos pontos

iniciais não permite obter resultados com a mesma precisão dos valores correspondentes

aos dos pontos de observação.

Em termos absolutos todos os astros e em particular os do nosso sistema solar, exercem

a sua influência sobre as águas do mar. No entanto é à Lua e ao Sol que se deve a maior

contribuição, sendo lícito e usual desprezar a contribuição dos restantes. As marés

resultam fundamentalmente da acção das forças astronómicas devidas à atracção

gravitacional entre a Terra e a Lua e, de forma menos intensa, entre a Terra e o Sol.

Estas forças actuam sobre as massas de água à superfície terrestre (a Lua exerce uma

força de atracção sobre as águas do Atlântico que provoca uma elevação de cerca de

meio metro em relação ao seu nível médio, quer quando se encontra sobre ele quer

quando se encontra na posição oposta). Esta maré relativamente fraca e a equivalente

depressão (quando a Lua ocupa posições coincidentes com o horizonte), origina a

propagação de uma onda que acompanha o movimento de rotação da Terra.

Na análise que se segue admitem-se as seguintes hipóteses simplificativas: os astros são

considerados esféricos e as órbitas são circulares; a litosfera não é indeformável sob a

acção das forças de maré; a referida litosfera, é coberta por uma camada de água de

altura uniforme e de espessura considerável mas pequena relativamente ao raio da

Terra; a água desta camada é dotada de inércia e viscosidade desprezáveis, não havendo

que considerar atrito interno, atrito com a litosfera ou atrito com a atmosfera. O estudo

do sistema global constituido pela Terra e restantes astros, é conseguido à custa da

sobreposição dos sistemas isolados constituidos pela Terra e cada um daqueles astros.

Considere-se então o sistema Terra – Lua no espaço, admitindo-se que estes dois astros

estão unicamente sujeitos à sua interacção. Da Lei de Atracção Gravitacional conclui-se

que entre estes se irá desenvolver uma força de atracção cujo módulo (Ftl) é dado por:

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

27

2tllttl dmGmF = (2.4)

em que,

G é a constante de atracção gravitacional universal (6,67x10-11 kg-1 m3 s-2);

mt é massa da Terra (5,97 x 1024 kg);

ml é massa da Lua (7,35 x 1022 kg);

dtl é a distância média entre o centro da Terra e o centro da Lua (38,44x107 m).

A Terra e a Lua poderão, a esta escala, ser assemelhados a pontos materiais, tal como se

representa no esquema apresentado na Figura 2.10.

mt ml1

2 3

1

23

CM

Figura 2.10 – Representação esquemática do sistema Terra – Lua (adaptado de Pugh, 1987)

A posição do centro massa (CM) do sistema em relação ao centro da Terra (dtc), para os

valores das massas e distância entre a Terra e a Lua apresentados anteriormente é de

46,75 x 105 m.

O período de rotação deste sistema, denominado período sideral (Tsd), pode ser

calculado de forma aproximada igualando-se a força centrípeta do sistema Terra – Lua,

Fct, à força de atracção, Ftl, obtendo-se de acordo com os valores apresentados

anteriormente, Tsd ≅ 27,3 dias.

Capítulo 2

28

A Terra e a Lua possuem um movimento de rotação em torno do seu próprio eixo, face

a um referencial absoluto. No entanto, considera-se a seguir que os dois astros não

possuem rotação sobre si mesmos. A influência desta rotação na geração das marés será

introduzida posteriormente.

Nestas condições, os astros executam o seu movimento de translação com um

movimento irrotacional conforme se representa, para o caso da Terra, na Figura 2.11.

3Centro

de massa

1

2

4

Figura 2.11 – Movimento irrotacional da terra (suposto sem rotação em torno do seu próprio eixo) em torno do centro de massa do sistema Terra-Lua. Todas as partículas

terrestres descrevem trajectórias circulares com o mesmo raio. Para facilidade de leitura o centro de massa foi graficamente afastado da Terra (adaptado de Pugh, 1987).

Como se pode concluir, as órbitas das partículas que constituem o astro serão circulares

e todas com o mesmo raio (Pugh, 1987). Este facto, reveste-se de particular importância

dado que permite inferir que é constante, para qualquer ponto da Terra, a força

centrípeta necessária para assegurar o movimento de translação. Esta força (Fcu)

actuando sobre uma partícula de massa unitária é dada por:

( )2/21 sdtccu TdF π××= (2.5)

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

29

ou, por analogia com a Eq. 2.4, por:

2/1 tllcu dmGF ××= (2.6)

apontando para o centro das trajectórias circulares.

Considere-se agora o equilíbrio das partículas fluidas à superfície da Terra. Por

comodidade de interpretação, substitui-se a força centrípeta (força real) pela força

centrífuga (força fictícia), sendo a última simétrica da primeira. Considere-se ainda um

corte do sistema Terra-Lua, segundo o plano definido pelas órbitas descritas pelos

centros dos dois astros. Considerando a representação esquemática apresentada na

Figura 2.12, é possível definir as forças de atracção da Lua sobre as partículas de massa

unitária à superfície da Terra. À semelhança dos esquemas seguintes a distância entre os

dois astros foi graficamente reduzida.

LuaTerra

rt

dtl

P

ϕ

Figura 2.12 – Representação esquemática da posição relativa de um ponto genérico (P) da superfície terrestre face à Lua (adaptado de Pugh, 1987).

O módulo da força de atracção da Lua sobre as partículas de massa unitária à superfície

da Terra é dado por:

( )ϕcos2/ 22rtlttlllu rdrdmGF −+×= (2.6)

Capítulo 2

30

em que,

rt é o raio equatorial da Terra (63,78 x 105 m).

A direcção da força anterior é a da linha que une os centros dos dois astros e o sentido

apontará para a Lua. As resultantes das duas forças actuantes sobre partículas à

superfície da Terra encontram-se representadas, de forma esquemática, na Figura 2.13.

Terra

Terra Lua

Figura 2.13 – Representação esquemática das resultantes das forças centrífuga e de atracção da Lua sobre partículas à superfície da Terra.

As forças resultantes representadas na Figura 2.13 poderão ser decompostas nas

componentes radial e tangencial em qualquer ponto da superfície da Terra. Mostra-se

facilmente que a importância da componente radial na produção da maré é diminuta

uma vez que a sua acção é muito inferior à acção da força de atracção terrestre. Desta

forma, não há variações sensíveis da pressão sobre as camadas fluidas, pelo que,

atendendo à reduzida compressibilidade volumétrica da água, não ocorrem alterações

significativas do nível da superfície livre. Deve-se então atribuir às componentes

tangenciais, que não sofrem a influência da força de atracção terrestre, o papel

primordial na produção das marés. Na Figura 2.14 apresenta-se a forma qualitativa da

deformada da superfície livre induzida pela acção das forças tangenciais.

A acção das componentes tangenciais ao longo das grandes massas oceânicas é

responsável pela acumulação de massa líquida nos pontos P1 e P3 e rarefacção nos

pontos P2 e P4. A extensão desta análise a todos os pontos da superfície terrestre,

conduziria a uma forma global da deformada da superfície livre, semelhante a um

elipsóide de revolução.

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

31

Terra

Terra Lua

P4

P3

P2

P1

Figura 2.14 – Representação esquemática da forma qualitativa da deformada da superfície livre induzida pelas componentes tangenciais das forças resultantes, actuantes

sobre partículas de massa unitária, localizadas à superfície da Terra. Sistema Terra –Lua.

Introduzindo agora o movimento de rotação da Terra, conclui-se que um ponto

localizado à sua superfície passa no decurso de um dia por duas posições em que é

máxima a altura da superfície livre (posições P1 e P3) e duas posições em que é mínima

essa altura (posições P2 e P4), originando-se desta forma uma onda de maré semidiurna

designada por componente semidiurna principal lunar (M2). Na Figura 2.15 apresenta-

se a forma qualitativa da onda de maré assim originada.

0

P4

P3

P2

P1 P1

Figura 2.15 – Exemplo qualitativo da onda de maré semidiurna gerada devido ao efeito conjunto do movimento de rotação da Terra e da deformada da superfície livre

apresentada na Figura 2.14.

O mecanismo de geração da maré no caso do sistema Terra – Sol é em tudo análogo ao

apresentado para o sistema Terra – Lua. No entanto o valor das forças resultantes

Capítulo 2

32

envolvidas na produção da maré é agora de cerca de 46% do valor das correspondentes

forças envolvidas no sistema Terra – Lua ( Pugh, 1987).

Na Figura 2.16, apresenta-se a forma qualitativa da deformada da superfície livre

induzida pela actuação das forças resultantes sobre as partículas de massa unitária à

superfície da Terra, segundo o plano considerado anteriormente.

Terra

Terra Sol

P4

P3

P2

P1

Figura 2.16 – Representação esquemática da forma qualitativa da deformada da superfície livre induzida pelas componentes tangenciais das forças resultantes, actuantes sobre partículas de massa unitária, localizadas à superfície da Terra. Sistema Terra –Sol.

A onda de maré originada é semidiurna, designando-se por componente semidiurna

principal solar (S2).

Considerando o efeito conjunto do Sol e da Lua sobre a Terra pode afirmar-se, como foi

apresentado anteriormente, que a onda de maré possui duas componentes semidiurnas

principais, devidas à rotação da Terra em torno do seu eixo quando sujeita à acção da

Lua e do Sol. Estas componentes são de grande importância, pois determinam o carácter

global semidiurno da maré, em quase todos os pontos da Terra.

A origem das componentes diurnas da maré está intimamente ligada com a declinação

da Lua, isto é, com o ângulo entre o alinhamento Lua Terra e o plano equatorial

terrestre. Este ângulo é, na generalidade dos casos, diferente de zero. Tal é consequência

da inclinação do eixo de rotação da Terra face ao plano que contém as órbitas descritas

pelos centros dos dois planetas. Desta forma, durante um movimento completo de

translação da Lua em torno da Terra, esta passa por uma posição extrema a Norte e

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

33

outra a Sul do equador, retornando à posição inicial. Considere-se então um plano

perpendicular ao plano equatorial contendo o eixo polar, bem como um determinado

ângulo não nulo de declinação da Lua. A Figura 2.17, apresenta a correspondente

forma qualitativa da deformada da superfície livre.

Lua

Norte

Sul

P6

s

DeclinaçãoP5

+ds

-d

Equador

Figura 2.17 – Forma qualitativa da deformada da superfície livre considerando o efeito da declinação da Lua (adaptado de Pugh, 1987).

Como se pode constatar as alturas máximas da maré atingidas nas posições P5 e P6 são

desiguais. Tal é devido à sobreposição de uma onda de maré diurna de amplitude d, a

uma onda de maré semidiurna de amplitude s, tal como se representa na Figura 2.18.

P1

P2P3

P4

P1

P1

P2

P3

P4

P1

P1

P2

+

P4

P1

=

d

s

s+d

s-d

s+dComponente diurna

P3

Figura 2.18 – Exemplo qualitativo da onda de maré diurna gerada pelo efeito conjunto do movimento de rotação da Terra e da deformada da superfície livre devida à

declinação da Lua.

Capítulo 2

34

Esta componente diurna é designada por componente diurna principal lunar. A

declinação do Sol tem um efeito análogo ao da declinação da Lua. A componente diurna

originada, designa-se por componente diurna principal solar.

O efeito conjunto da Lua e do Sol sobre a Terra é distinto, consoante os dois planetas e

o Sol estejam sobre o mesmo alinhamento, ou se o alinhamento Terra – Lua for normal

ao alinhamento Terra – Sol. No caso em que o Sol, a Lua e a Terra estão sobre o mesmo

alinhamento, correspondendo esta situação à ocorrência de Lua Nova ou Lua Cheia,

originam-se quinzenalmente marés de máxima amplitude, designadas por marés vivas.

Na situação em que o alinhamento da Lua com a Terra faz um ângulo recto com a linha

que une o Sol e a Terra, correspondendo à ocorrência de Quarto Crescente ou Quarto

Minguante, originam-se, também quinzenalmente, marés de mínima amplitude

designadas por marés mortas. A componente quinzenal formada desta forma,

denomina-se componente semimensal lunar.

A complexa variação das posições relativas dos três astros considerados, origina ainda

outras componentes semidiurnas e diurnas para além das referidas, bem como

componentes mensais, semianuais, anuais e de maior período.

As ondas de maré, ao atingirem as plataformas continentais, aumentam a sua amplitude,

assim como aumentam também as velocidades das correntes que lhes estão associadas.

O comprimento de onda da maré, que pode ser definido como o desenvolvimento

horizontal entre duas cristas sucessivas para um determinado instante, apresenta valores

típicos de 1000 km (no caso de uma maré semi-diurna que se propaga na plataforma

continental). A altura da maré, correspondendo à diferença entre a crista e a cava de

uma determinada onda, atinge normalmente alguns metros. O quociente entre a

amplitude e o comprimento de onda é uma medida habitualmente utilizada para

caracterizar os movimentos ondulatórios, sendo designada por inclinação ou declive da

onda. Este quociente apresenta valores da ordem de 10-5, significando que as marés

correspondem realmente a ondas de elevado comprimento.

Uma vez que a profundidade sobre a plataforma continental atinge valores máximos na

ordem dos 200 m e sendo o quociente profundidade/comprimento de onda de apenas

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

35

2×10-4, as regiões oceânicas sobre as plataformas continentais podem considerar-se

pouco profundas. Uma das consequências desta constatação é que as correntes

associadas às marés deveriam ser virtualmente independentes da profundidade. Este

pressuposto poderá ser admitido no caso de previsões de níveis da maré. No entanto, na

quantificação das correntes que lhes estão associadas, é necessário considerar o atrito

entre a massa de água e o fundo oceânico.

Considerando-se que a pressão num determinado ponto depende apenas da altura de

água acima desse ponto (aproximação hidrostática), a pressão será neste caso

dependente apenas da elevação da superfície oceânica relativamente ao nível médio

(tomando este último como o nível de referência para a pressão). Desta forma, os

gradientes horizontais de pressão serão proporcionais à inclinação da superfície

oceânica. No equilíbrio dinâmico necessário para modelar o movimento da maré em

águas pouco profundas intervêm a aceleração das partículas de fluido, a aceleração de

Coriolis e o gradiente das forças de pressão, que é traduzido por uma inclinação da

superfície livre.

A resolução das equações que descrevem a propagação da maré em bacias oceânicas

necessita de um conhecimento rigoroso dos movimentos da Terra e da Lua em torno do

Sol, da batimetria do oceano, das características de rugosidade dos fundos oceânicos e

das variações de massa volúmica nos oceanos. Se as duas primeiras são conhecidas de

forma razoável, já as duas últimas características levantam algumas dificuldades de

quantificação.

Uma caracterização das marés à escala do globo passa pela sua medição rigorosa nas

regiões oceânicas mais profundas. Esta tarefa tem vindo a ser desenvolvida com o

auxílio de observações a partir de satélites (Figura 2.19), que permitem a quantificação

das marés com um rigor da ordem de 2 a 3 cm nas regiões oceânicas afastadas da costa

(JPL, 1996).

Capítulo 2

36

Figura 2.19 - Satélite TOPEX/POSEIDON utilizado na caracterização das marés.

a) b)

d)c)

-15 -10 -5 0-5 5 10 15 [cm]

Figura 2.20 - Variações sazonais da altura da superfície oceânica: a) Outono, 09/23/92 – 12/01/92; b) Primavera, 02/28/93 – 05/29/93; c) Inverno 12/01/92 – 02/28/93; d)

Verão, 05/29/93 – 08/26/93 (adaptado de JPL, 1996).

Na Figura 2.20 apresentam-se, a título ilustrativo, os resultados relativos às variações

sazonais da altura da superfície oceânica, durante o primeiro ano de observações

efectuadas através do satélite TOPEX/POSEIDON.

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

37

A formulação mais utilizada na quantificação das marés é a que utiliza uma série de

funções periódicas. No Quadro 2.2 são apresentados os principais harmónicos

constituintes das marés. As elevações da superfície oceânica apresentam desvios

relativamente às alturas de maré devido a efeitos locais como o vento e a pressão

atmosférica. No entanto, as componentes apresentadas são suficientes para a maioria

das utilizações.

Quadro 2.2 - Principais componentes harmónicos das marés.

COMPONENTES SÍMBOLO VELOCIDADE PERÍODO HARMÓNICOS [º /hora] [hora]

Semi-diurnos: M2 28,98410 12,42 S2 30,00000 12,00 N2 28,43973 12,66 K2 30,08214 11,97 T2 29,95893 12,01 L2 29,52848 12,19 2N2 27,89535 12,91 ν2 28,51258 12,63 λ3 29,45563 12,22 µ2 27,96821 12,87

Diurnos: K1 15,04107 23,93 O1 13,94304 25,82 P1 14,95893 24,07 Q1 13,39866 26,87 M1 14,49205 24,84 J1 15,58544 23,10

Longo período: Mf 1,09803 327,67 Mm 0,54437 661,30 Ssa 0,08214 2191,43

2.1.4 Estratificação

Como foi referido anteriormente, a massa volúmica da água marinha depende da sua

temperatura, salinidade e pressão. A consideração de homogeneidade de massa na água

oceânica, embora seja verosímil em muitas situações, não pode ser admitida na análise

de alguns dos processos que ocorrem nos meios marinhos tornando-se necessária nestes

casos uma rigorosa quantificação daquela grandeza. Para tal, a medição não é efectuada

directamente mas sim calculada a partir da equação de estado, que relaciona o valor da

Capítulo 2

38

massa volúmica com os valores da temperatura, salinidade e pressão medidos num

determinado local, como já foi referido anteriormente.

As zonas que separam regiões oceânicas de diferentes massas volúmicas apresentam

diferentes denominações: designa-se picnoclina a interface entre águas marinhas de

diferentes massas volúmicas; a termoclina, já definida anteriormente, é a interface entre

massas de água a diferentes temperaturas e a haloclina é a interface entre massas de

água de diferentes salinidades. Estas interfaces apresentam-se normalmente com

superfícies horizontais dividindo duas massas de água. As interfaces verticais são

normalmente designadas de frentes, podendo obviamente transformar-se numa

picnoclina e vice-versa. Junto destas interfaces surgem fortes variações das

componentes horizontais da velocidade com a profundidade. Conhecidas as variações

de massa volúmica com a profundidade, o respectivo gradiente dividido por um valor

médio ambiente permite obter uma medida daquela variação. O quociente (gradiente de

massa volúmica)/(massa volúmica ambiente) tem dimensões L-1. Considerando-se que o

oceano é formado por duas camadas, sendo a camada superficial a camada de mistura

que se sobrepõe à camada profunda, o quociente anteriormente apresentado toma a

forma: (diferença de massas volúmicas)/(massa volúmica ambiente). Se multiplicarmos

este quociente pela aceleração da gravidade (dimensões LT-2) obtemos uma quantidade

de dimensões T-2, que corresponde ao quadrado de uma frequência. Esta frequência é

proporcional à raiz quadrada do gradiente de massa volúmica, sendo representativa do

grau de estabilidade do oceano, ou seja, da tendência que um determinado volume de

água deslocado da sua posição equilíbrio apresenta para voltar a essa posição. Esta

frequência de estabilidade é usualmente representada pela letra N e é designada de

frequência de Brunt-Väisälä. O gradiente vertical das componentes horizontais da

velocidade (isto é, a forma como variam as correntes horizontais com a profundidade)

também tem dimensões de uma frequência, uma vez que se trata de um quociente entre

velocidade LT-1 e um comprimento L. Note-se que não se faz uma distinção entre as

escalas de comprimento vertical e horizontal, uma vez que se está perante um fenómeno

a que corresponde uma escala de comprimento relativamente pequena quando

comparada com a extensão oceânica. Considerando-se o quociente entre N e o gradiente

vertical das correntes horizontais (perfil vertical) obtemos uma quantidade adimensional

que compara a estabilidade da coluna de água com a grandeza do perfil vertical das

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

39

correntes horizontais. Este quociente, elevado ao quadrado, permite obter um número

adimensional que é normalmente designado de número de Richardson, Ri (mais

correctamente gradiente do número de Richardson, uma vez que existe uma outra

definição ligeiramente diferente para este número obtida a partir de teorias da

turbulência). Salienta-se ainda que se Ri for menor que zero, as variações da massa

volúmica contribuem para o aumento da turbulência e, por outro lado, se Ri for positivo

as variações de massa volúmica terão tendência a reduzir a turbulência. As definições

anteriores serão retomadas mais adiante.

2.1.4.1 Equação de estado linear

Para a quantificação aproximada da massa volúmica pode utilizar-se uma equação linear

da forma:

( ) ( )[ ]pkSSbTTa +−−−=− 000ρρ (2.7)

em que,

ρ é a massa volúmica [kg m-3];

0ρ é a massa volúmica de referência [kg m-3];

a é o coeficiente médio de expansão térmica [kg m-3 ºC-1];

T é a temperatura [ºC];

0T é uma temperatura de referência [ºC];

b é o coeficiente médio de contracção salina [kg m-3 psu-1];

S é a salinidade [psu];

0S é uma salinidade de referência [psu];

k é um coeficiente médio de compressibilidade [kg m-3 dbar-1];

p é a pressão [dbar].

A massa especifica poderá ser calculada com uma precisão de ±0.5 kg m-3,

considerando-se os valores constantes de 0ρ =1027 kg m-3, 0T =10 ºC e 0S =35 psu, e os

Capítulo 2

40

valores dos coeficientes médios iguais a a = -0.15 kg m-3 ºC-1, b =0.78 kg m-3 psu-1 e

k =4.5×10-3 kg m-3 dbar-1.

2.1.4.2 Equação de estado completa

A equação de estado completa, obtida a partir do ajuste efectuado a dados

experimentais, permite quantificar a massa volúmica com uma precisão da ordem de

uma parte por milhão (Mellor, 1991):

ρ = 999.842594+6.793952E-2Θ- 9.095290E-3Θ2+1.001685E-4Θ3-1.120083E-6Θ4+

+6.536332E9Θ5+(0.824493-4.0899E-3Θ+7.6438E-5Θ2-8.2467E-7Θ3+5.3875E-9Θ4) S+

+(-5.72466E-3+1.0227E-4Θ-1.6546E-6Θ2)S1.5+4.8314E-4 S2+1.E5p/CR2(1-2p/CR

2)

(2.8)

onde,

p é a pressão [bar];

Θ é a temperatura potencial [K];

S é a salinidade [psu]

e em que CR é dado por:

CR=1449.1+0.0821p+4.55Θ-.045Θ2+1.34(S-35) (2.9)

2.1.5 Outras grandezas utilizadas em oceanografia

Uma vez que os dois primeiros algarismos significativos dos valores da massa volúmica

da água marinha são constantes, quando expressos em unidades do Sistema

Internacional (SI), é usual utilizarem-se apenas os algarismos correspondentes às

dezenas e unidades, representando-se este valor da massa volúmica pela letra grega

sigma:

1000−= S,T,pρσ (2.10)

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

41

onde ρ é expresso em kg m-3. Quando não se adopta qualquer índice assume-se que σ

corresponde ao valor da massa volúmica in situ. Normalmente a letra σ é afectada de

um índice que indica a pressão (milhares de dbar) a que é quantificada a massa

volúmica.

A caracterização do estado de estratificação de uma massa de água oceânica envolve a

quantificação de outras grandezas para além da massa volúmica. Assim, utiliza-se

frequentemente o inverso da massa volúmica ρα 1= . Tal como a massa volúmica é

substituída frequentemente pela diferença entre o seu valor real e 1000 kg m-3, no caso

do inverso da massa volúmica surgem duas grandezas obtidas a partir desta última: a

diferença dos inversos das massas volúmicas (δ ), que é obtida a partir da diferença

entre o inverso da massa volúmica correspondente a uma determinada salinidade e

temperatura e o inverso da massa volúmica correspondente a uma salinidade de 35 psu e

uma temperatura de 0 ºC e a diferença termoesterética ( TS ,∆ ) que resulta da diferença

entre o inverso da massa volúmica correspondente a uma determinada temperatura e

salinidade à superfície oceânica (pressão nula) e o inverso da massa volúmica

correspondente a uma salinidade de 35 psu, uma temperatura de 0 ºC e pressão nula.

Estas grandezas são dadas por:

ppTS ,0,35,, ααδ −= (2.11)

0,0,350,,, αα −=∆ TSTS (2.12)

Outro conceito frequente em oceanografia é o de temperatura potencial. Esta

distingue-se da temperatura in situ por corresponder à temperatura de um volume de

água que é deslocado da sua posição inicial (a uma determinada profundidade) até à

superfície, sem qualquer troca de energia com o fluido envolvente. Durante este

deslocamento o volume sofre uma expansão devida à diminuição da pressão que resulta

numa diminuição da temperatura. Assim, a temperatura potencial de um determinado

volume de água será sempre igual ou inferior à temperatura correspondente à pressão in

Capítulo 2

42

situ. A temperatura potencial é normalmente representada por θ e a massa volúmica

associada por θσ .

O valor normalizado do gradiente de massa volúmica, tal como já foi apresentado

anteriormente a partir de considerações da análise dimensional, representa uma medida

do trabalho necessário para deslocar um determinado volume de água na coluna de água

(de profundidade z em relação à superfície livre):

∂∂

=z

ρ1

(2.13)

A esta grandeza atribui-se a designação de estabilidade. Uma vez que a massa volúmica

varia com a profundidade, na Eq. 2.13 utiliza-se muitas vezes o gradiente vertical de

massa volúmica potencial, θρ , que depende da salinidade e da temperatura potencial e é

independente da pressão, vindo:

∂∂

=z

E θρρ1

(2.14)

Todavia, uma vez que a compressibilidade depende da temperatura, esta forma de

quantificar a estabilidade E não é exacta. A formulação exacta é dada por:

2

1

scg

zE −

∂∂

ρ

(2.15)

em que,

cs é a velocidade do som na água marinha [m s-1].

O movimento de um volume deslocado da sua posição de equilíbrio na coluna de água é

análogo ao movimento pendular, podendo neste caso determinar-se a frequência e o

período desse movimento oscilatório em função da estabilidade E:

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

43

gEN = (2.16)

NTN

π2=

(2.17)

Nas equações anteriores N é a frequência de Brunt-Väisälä definida anteriormente e NT

é o período do movimento oscilatório. Este apresenta valores da ordem dos minutos

(maior estabilidade) a horas (menor estabilidade associada a águas profundas).

Uma das consequências mais evidente da estratificação no oceano relaciona-se com a

sua influência nos processos de mistura. Quanto mais intensa for a estratificação, maior

é a energia necessária para misturar a água na direcção vertical. O vento intenso permite

normalmente a criação de uma camada superficial bem misturada. Os processos de

mistura na direcção horizontal requerem energias muito inferiores às que são

necessárias para se conseguir misturas na direcção normal à das superfícies isopicnais.

2.1.6 Transferência de calor através da superfície oceânica

A temperatura do oceano resulta essencialmente das trocas de calor realizadas através

da sua superfície (as trocas de calor através do fundo entre a crosta terrestre e a coluna

de água são, em geral, muito inferiores às que ocorrem através da superfície). Os

principais processos de troca de calor são: radiação recebida directamente do Sol, troca

de radiação infra-vermelha entre o oceano e a atmosfera, perdas de calor associadas à

evaporação, e trocas por condução entre a atmosfera e a superfície.

A variação anual da temperatura do oceano pode ser considerada nula, pelo que o calor

absorvido ao longo do ano deverá igualar as perdas através da superfície. A equação de

balanço pode ser escrita da seguinte forma:

cers QQQQ ++= (2.18)

em que,

Capítulo 2

44

sQ energia média recebida directamente do sol [W m-2];

rQ energia média reflectida pelo oceano [W m-2];

eQ energia média libertada por evaporação [W m-2];

cQ energia média libertada por condução para a atmosfera [W m-2].

A equação anterior é válida em termos médios para intervalos de tempo múltiplos do

ano e em termos espaciais corresponde a uma média global. De facto, a energia recebida

na camada superficial durante o Verão, com o consequente aumento de temperatura, é

perdida durante o Inverno e a maior intensidade de energia recebida nas regiões

tropicais é compensada por perdas nas regiões polares.

A quantificação dos diferentes termos da Eq. 2.18 levanta algumas dificuldades apesar

de serem conhecidos os diversos processos físicos que controlam as trocas de energia

entre o oceano e a atmosfera. A energia irradiada pelo Sol é atenuada durante o seu

percurso pela atmosfera através de reflexão e absorção. Apenas cerca de metade da

energia total irradiada pelo Sol efectua o seu percurso através atmosfera sendo

absorvida pela terra ou pelo oceano. Parte desta energia é reflectida pelo oceano. Esta

energia é absorvida pelo ar e vapor de água da atmosfera, sendo posteriormente

irradiada novamente para a superfície oceânica. A energia perdida através da

evaporação corresponde à maior das parcelas presentes na Eq. 2.18. Esta parcela de

energia é a que apresenta maiores dificuldades de quantificação. A evaporação é tanto

mais intensa quanto maior for o gradiente de temperatura entre a camada superficial

oceânica e o ar e depende ainda das características de turbulência da camada de ar em

contacto com o oceano. As estimativas destas perdas variam de acordo com os

pressupostos utilizados para a sua quantificação. Finalmente, as perdas por convecção e

condução de calor são determinadas por processos de turbulência na camada de

fronteira oceano-atmosfera e a formulação utilizada para a sua quantificação é análoga à

utilizada para a quantificação das perdas por evaporação.

2.1.7 Balanços globais

A quantidade de água, a temperatura e a salinidade médias dos oceanos permanecem

constantes ao longo de intervalos de tempo suficientemente longos. A invariabilidade

2.1 Processos físicos em zonas costeiras. Definições e conceitos gerais

45

destas grandezas permite estabelecer as equações de conservação, que se traduzem

normalmente numa igualdade entre as entradas e saídas através das fronteiras.

2.1.7.1 Balanço de calor

Para escalas temporais adequadas a temperatura da Terra pode ser considerada

constante, pelo que a energia total absorvida deverá ser igual à energia que é libertada

para o espaço. Na Figura 2. 21 apresenta-se um esquema relativo ao balanço de calor

na Terra, admitindo-se uma intensidade de energia solar incidente na camada superior

da atmosfera igual a 100 unidades. Os números apresentados permitem avaliar a

importância relativa dos processos com influência nas trocas de calor.

Da análise da Figura 2.21 é interessante constatar que a principal fonte de energia para

o aquecimento da atmosfera é recebida indirectamente do Sol a partir da Terra,

evidenciando o efeito regulador da Terra em geral e dos oceanos em particular. Da

totalidade de energia solar só 20 unidades correspondem a energia absorvida

directamente na atmosfera enquanto que 44 unidades resultam das emissões da

superfície terrestre.

2.1.7.2 Balanços de água e sais

Cerca de 97 % da água do globo encontra-se nos oceanos, 2 % corresponde a água no

estado sólido nos pólos, glaciares e icebergs e menos de 1% corresponde ao somatório

das águas subterrâneas, águas de lagos e rios e água sob a forma de vapor na atmosfera.

A água entra nos oceanos através das descargas de rios e da precipitação e sai através da

evaporação. No Quadro 2.3 apresenta-se o balanço anual de água nos oceanos.

Quadro 2.3 - Balanço de água nos oceanos

Oceano Precipitação

[mm/ano] Evaporação [mm/ano]

Precipitação-Evaporação [mm/ano]

Pacífico 1292 1202 90 Atlântico 761 1133 -372 Índico 1043 1294 -251 Árctico 97 53 44 Global 1066 1176 -110

Capítulo 2

46

O excesso de evaporação relativamente à precipitação nos oceanos é compensado pelas

descargas de água dos rios.

ENTRADA DE RADIAÇÃOSOLAR (100)

SAÍDA DE RADIAÇÃOSOLAR (100)

b)

a)16

c)

50

4

g)

d)

e)

f)

15

227

263864206

i) j)

k) l)

h)

ESPAÇO

ATMOSFERA

SUPERFÍCIETERRESTRE

OCEANOS

Figura 2.21 - Balanço global de calor na Terra, considerando uma intensidade de 100 unidades para a radiação solar incidente. Os processos com influência na absorção e radiação de calor são: a) energia absorvida por vapor de água, poeiras e ozono; b)

energia absorvida por nuvens; c) energia absorvida na superfície terrestre; d) energia difundida pelo ar para o espaço; e) energia reflectida pelas nuvens; f) energia reflectida pela superfície terrestre; g) emissão da superfície terrestre de radiação de ondas longas directamente para o espaço; h) radiação da superfície terrestre absorvida pelo vapor de água e pelo dióxido de carbono; i) radiação emitida pelo vapor de água e pelo dióxido

de carbono; j) emissão das nuvens; k) energia libertada para a atmosfera por convecção e condução; e, l) energia libertada para a atmosfera por evaporação. (Adaptado de

Knauss, 1997)

A salinidade da camada superficial oceânica aumenta quando ocorre a evaporação e

diminui através da diluição provocada pela precipitação e pelas descargas de rios nas

zonas costeiras. O fluxo anual de sais para o oceano é muito reduzido quando

comparado com a quantidade existente no oceano.

2.2 Equações do movimento

47

2.2 Equações de movimento

2.2.1 Considerações gerais

Já decorreram cerca de 300 anos desde que Isaac Newton formulou os princípios

básicos da mecânica. Apesar dos recentes desenvolvimentos da física, que conduziram

ao aparecimento de novas teorias do movimento, quase todos os objectos conhecidos

seguem as leis estabelecidas por Newton. As leis da mecânica podem ser aplicadas em

todas as escalas espaciais e temporais envolvidas nos problemas das ciências marinhas.

A adaptação da 2ª lei de Newton aos fluidos ocorreu no séc. XVIII com os trabalhos de

Euler e Bernoulli. Contudo, a sua reformulação não mudou as equações básicas que

Newton formulou como

força= massa × aceleração (2.19)

no caso dos fluidos

força por unidade de massa = aceleração (2.20)

O contributo de Bernoulli foi o de converter a equação do movimento dos fluidos para a

forma de equação de conservação da energia mecânica.

A aceleração apresenta dimensões LT-2 (metros por segundo ao quadrado). Em ciências

marinhas, particularmente em meteorologia, mas também noutros ramos da

oceanografia, a rotação da Terra tem um papel fundamental. A velocidade angular de

rotação da Terra é de cerca 7.29 x 10-5 radianos por segundo e tem dimensões T-1.

Assim, a velocidade multiplicada pela velocidade angular da Terra apresenta dimensões

LT-1.T-1=LT-2, que coincidem com as dimensões da aceleração. Esta aceleração

resultante da rotação da Terra é designada de aceleração de Coriolis e desempenha um

papel fundamental na dinâmica dos oceanos. Dividindo o quadrado do módulo da

velocidade, U, pelo comprimento obtemos também uma aceleração. De facto U2L-1=LT-

2, já que a velocidade tem dimensões LT-1. A aceleração resultante unicamente da

velocidade e do comprimento pode ser totalmente independente do tempo (se a

Capítulo 2

48

velocidade for constante). Um escoamento em regime permanente num rio constitui um

exemplo ilustrativo da aceleração advectiva, no caso do seu leito apresentar zonas em

curva. À medida que a água percorre o trecho em curva com velocidade constante, terá

que existir uma aceleração já que a posição relativa de quaisquer duas partículas varia

ao longo do tempo. Este é talvez o exemplo mais simples da aceleração advectiva que

está sempre presente no movimento dos fluidos. Um outro exemplo é o de um

escoamento condicionado pela proximidade de uma fronteira sólida, como é o caso de

uma costa ou fundo oceânico. Neste caso, duas quaisquer partículas verão a sua posição

relativa variar ao longo do tempo uma vez que a que estiver mais próxima da fronteira

sólida move-se mais lentamente. O escoamento pode ser considerado permanente sendo

no entanto acelerado sobre a influência da aceleração advectiva. Podemos então definir

aceleração advectiva, como sendo a aceleração devida à variação das posições relativas

das partículas de fluido. A aceleração pontual, ou local, é simplesmente a taxa de

variação temporal da velocidade.

Resumindo, podemos dizer que temos fundamentalmente três tipos de aceleração. A

aceleração total de uma corrente oceânica, maré ou outro escoamento oceânico, é

essencialmente a soma destes três efeitos:

Aceleração=aceleração local+aceleração advectiva+aceleração de Coriolis (2.21)

Em termos dimensionais a forma usual de representar as três parcelas do 2º membro da

expressão anterior é (UT-1)+(U2L-1)+(ΩU), onde U é o módulo da velocidade, L é um

comprimento, T é o tempo e Ω tem o valor de 10-4 rad s-1 (ordem de grandeza da

velocidade angular de rotação da Terra). Uma simples análise das dimensões permite

efectuar algumas deduções. Se considerarmos a aceleração local (UT-1) e a aceleração

de Coriolis (ΩU) verificamos que a sua grandeza será semelhante no caso de

Ω=Τ−1, isto é, no caso de estarmos em presença de escalas temporais da ordem de um

dia. Nesta escala temporal encontram-se as marés; o que permite deduzir que quer a

aceleração pontual quer a aceleração de Coriolis são importantes se pretendermos

modelar as marés. Para fenómenos associados a escalas temporais da ordem de meses

(como por exemplo nas correntes do Golfo), de uma forma geral a aceleração local

2.2 Equações do movimento

49

poderá ser desprezada quando comparada com a aceleração de Coriolis. Por outro lado,

em fenómenos com escalas temporais da ordem dos segundos (ondas de superfície) a

aceleração de Coriolis poderá ser desprezada em relação à aceleração local. Existem no

entanto algumas excepções relativamente às generalizações anteriores. No caso de

ondas de superfície de elevado comprimento de onda, a aceleração de Coriolis poderá

ter um efeito não desprezável; noutras situações, a física do fenómeno poderá conter

factores mais complexos em que existam mais do que uma velocidade característica, o

que poderá acontecer junto de interfaces de massas de água de diferentes densidades.

Considere-se agora a equação relativa ao equilíbrio de forças (conceito Euleriano).

Existem três forças bem distintas que actuam num determinado volume de fluido. A

primeira e mais evidente é a força da gravidade. A gravidade aparente resulta da

combinação da força de gravidade com a força centrípeta devida à rotação da Terra que

tende a afastar o fluido da superfície terrestre. No entanto, a gravidade e a gravidade

aparente são aproximadamente iguais, pelo facto da força centrípeta apresentar uma

grandeza da ordem de um milésimo da força da gravidade. Assim, a gravidade pode ser

considerada constante em oceanografia, com um valor de 9.81 m s-2 dirigida para o

centro da Terra. A segunda força resulta das pressões exercidas pelo fluido vizinho

sobre um determinado volume de controlo. A força de pressão resulta na verdade da

variação da pressão ao longo de um determinado volume de controlo. Quanto maior for

a diferença de pressões maior é a resultante das forças que actua sobre o referido

volume. Esta força é habitualmente designada de força resultante do gradiente de

pressão. Finalmente existe uma força que resulta do atrito entre o volume de controlo e

o fluido vizinho e com as fronteiras de outros meios. Em laboratório estas forças de

atrito podem resultar quer pela acção molecular, designada por efeitos de viscosidade,

quer pelo movimento aleatório designado de turbulência. A turbulência continua a ser

um dos aspectos menos compreendidos do movimento dos fluidos. Corresponde a um

movimento irregular do fluido que proporciona uma mistura contínua entre o fluido de

um determinado volume de controlo e o fluido vizinho, em contraste com o movimento

laminar em que tal mistura não ocorre e em que as linhas de corrente são bem definidas.

Infelizmente, nos oceanos ou na atmosfera, todos os efeitos de atrito resultam da

turbulência uma vez que esta é muito mais importante do que o atrito molecular.

Capítulo 2

50

Resumindo, existem quatro forças que actuam sobre os fluidos: a força da gravidade,

que pode ser sempre considerada como dirigida para o centro da Terra; a força devida

ao gradiente de pressão; a força resultante de efeitos viscosos e a força de atrito do

contacto com fronteiras de outros meios. As dimensões de força por unidade de massa

são LT-2. A gravidade é uma aceleração pelo que tem como dimensões LT-2. À força

resultante do gradiente de pressão correspondem as dimensões ML-2T-2÷ML-3=LT-2. O

termo relativo à turbulência apresenta-se mais complexo. De facto, na sua forma mais

simples, é usual considerar os efeitos da turbulência por um coeficiente global no termo

que representa os efeitos da viscosidade cinemática. As tensões turbulentas resultam da

multiplicação do coeficiente de viscosidade pela massa volúmica e pelo gradiente de

velocidade. As dimensões das tensões turbulentas serão L2T-1.ML-3.LT-1.L-1=ML-1T-2. A

força por unidade de massa resultante destas tensões é igual ao gradiente das tensões

dividido pela massa volúmica. Esta igualdade conduz, como seria de esperar, às

dimensões L-1.ML-1T-2M-1L3=LT-2.

A força associada à turbulência merece mais algumas considerações. A força por

unidade de massa devida à turbulência quando expressa em termos de um coeficiente de

viscosidade turbulenta, νt, e de uma escala de comprimento Lt é dada por νtLt-2.LT-1

(relembre-se que νt tem dimensões L2T-1; o último grupo, LT-1, é interpretado como uma

velocidade típica). Em ciências marinhas existe uma diferença significativa na ordem de

grandeza das quantidades horizontais e verticais. Esta diferença resulta da relação

existente entre a profundidade e o desenvolvimento horizontal (em média a razão entre

estas duas dimensões é da ordem de um milhar). Esta diferença é reduzida em sistemas

como estuários e zonas costeiras. As componentes das forças relativas às tensões

turbulentas são dadas por νtULt-2 ou νtUDt

-2, dependendo da dimensão espacial

(dimensão típica Lt para direcção horizontal e Dt para a direcção vertical) em que se

pretende caracterizar o fenómeno.

Nesta fase pode estabelecer-se o equilíbrio de forças (segunda lei de Newton) em

termos dimensionais. A comparação de vários pares de termos permitirá a apresentação

de números adimensionais utilizados frequentemente em oceanografia.

2.2 Equações do movimento

51

forças de pressão +forças gravíticas + forças de origem viscosa +

+ forças de atrito nas fronteiras entre meios com diferentes características =

= aceleração local + aceleração advectiva + aceleração de Coriolis

(2.22)

Em primeiro lugar analisa-se o balanço entre as aceleração de Coriolis e a turbulência.

Para tal terão que ser definidos os quocientes entre νtULt-2 (ou νtUDt-2 ) e ΩU:

UUD

UUL tttt

ΩΩ

−− 22

ou νν

(2.23)

isto é,

22 ou t

t

t

t

DL ΩΩνν

(2.24)

Os números adimensionais ) (ou 22tttt DL ΩΩ νν são denominados números de Ekman.

O primeiro é o número de Ekman horizontal e o segundo o vertical. Um outro equilíbrio

importante ocorre quando a aceleração de Coriolis (ΩU) apresenta uma grandeza

semelhante à da aceleração advectiva (U2/Lt). Para se compararem estes dois termos terá

que se definir o quociente:

t

t

LU

ULU

=−12

(2.26)

Este número adimensional é designado por número de Rossby. Saliente-se, no entanto,

que a velocidade angular da Terra, Ω, é normalmente substituída por f=2Ωsin(latitude),

o qual é duplo da componente vertical da velocidade angular da Terra e é uma

quantidade de maior utilização na modelação de zonas costeiras. O número de Rossby

será assim definido por tfLU .

Existem outras quantidades, que não sendo adimensionais, são no entanto de grande

importância na caracterização dos processos oceânicos. Considere-se uma bacia

Capítulo 2

52

oceânica ilimitada. Se um determinado corpo flutuante se deslocar com uma velocidade

U, à medida que se move, o corpo sofrerá a influência da aceleração de Coriolis que

tenderá a deslocá-lo para a direita relativamente ao seu movimento inicial (no

hemisfério Sul o deslocamento seria para a esquerda). Se forem desprezados os efeitos

de atrito, então o corpo desloca-se segundo uma trajectória circular. O raio deste circulo

será dado por U/f, onde f é o valor local do parâmetro de Coriolis (2Ωsin(latitude)).

Esta escala de comprimento é fundamental. Trata-se do comprimento característico

associado ao movimento horizontal num mar homogéneo e é designado por raio de

deformação de Rossby ou simplesmente raio de Rossby. O círculo descrito pelo corpo

flutuante fictício é designado por círculo de inércia cujo raio é o raio de Rossby.

Considere-se agora uma corrente oceânica. Admita-se que esta corrente possui uma

escala característica de comprimento Lt a qual é determinada pelo mecanismo que está

na sua origem (por exemplo a tensão induzida pelo vento). Se o raio de Rossby for

comparado com o comprimento Lt obtemos assim por outro processo a quantidade

adimensional (U/f)/Lt: o número de Rossby.

Recorrendo à análise dimensional e à equação de conservação da massa conclui-se que

a velocidade média vertical é dada por UDtLt-1, onde U é uma velocidade média

horizontal, Dt a profundidade e Lt um comprimento característicos. De facto, quando se

considera um volume paralelepipédico cujas dimensões em planta são Lt e com

dimensão vertical Dt o escoamento através das faces laterais é dado por UDt, enquanto

que o escoamento através das faces superior e inferior terá a grandeza WLt (em que W é

a velocidade média vertical). Como UDt é da mesma ordem de grandeza de WLt (pelo

princípio de conservação de massa), então W será igual a UDtLt-1. Nos oceanos, o

quociente DtLt-1 é da ordem de 10-3. Conclui-se portanto que a componente vertical da

velocidade é cerca de um milésimo das componentes horizontais. Isto não significa, no

entanto, que as correntes verticais poderão ser sempre desprezadas. Existem correntes

verticais que desempenham um papel fundamental nos ciclos biológicos e em processos

relacionados com a produção primária nas zonas costeiras.

2.2 Equações do movimento

53

2.2.2 Equações de Navier-Stokes

O movimento de um volume elementar de fluido incompressível e isotérmico, quando

expresso em termos de valores instantâneos das componentes das velocidades u, v e w e

da pressão p, é caracterizado pelas equações de Navier-Stokes a seguir apresentadas e

cuja dedução é desenvolvida no Apêndice I:

ρ∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

ρ∂∂

µ∂∂

∂∂

∂∂

ut

uux

vuy

wuz

Fpx

ux

uy

uzx+ + +

= − + + +

2

2

2

2

2

2 (2.27)

ρ∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

ρ∂∂

µ∂∂

∂∂

∂∂

vt

uvx

vvy

wvz

Fpy

vx

vy

vzy+ + +

= − + + +

2

2

2

2

2

2 (2.28)

ρ∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

ρ∂∂

µ∂∂

∂∂

∂∂

wt

uwx

vwy

wwz

Fpz

wx

wy

wzz+ + +

= − + + +

2

2

2

2

2

2 (2.29)

onde,

Fx, Fy e Fz são as componentes das forças de volume por unidade de massa [N kg-1];

p é a pressão [Pa];

µ é o coeficientes de viscosidade dinâmico [kg m-1 s-1].

2.2.3 Equações de Reynolds

As equações de Reynolds, obtidas a partir das equações de Navier-Stokes apresentadas

no ponto anterior (substituindo-se o valor instantâneo da velocidade pela soma de um

valor médio temporal com uma flutuação aleatória), caracterizam o movimento médio

(média temporal) de uma partícula de fluido. A dedução destas equações apresenta-se

no Apêndice I:

Capítulo 2

54

( ) ( ) ( )

∂∂

+∂∂

+∂∂

+++−=

+++

,,,,,,

2

2

2

2

2

2

1

ˆˆˆˆˆˆˆˆˆˆˆ

wuz

vuy

uux

zu

yu

xu

xp

Fzwu

yvu

xuu

tu

x

ρ

∂∂

∂∂

∂∂

µ∂∂

ρ∂

∂∂

∂∂

∂∂∂

ρ

(2.30)

( ) ( ) ( )

∂∂

+∂∂

+∂∂

+++−=

+++

,,,,,,

2

2

2

2

2

2

1

ˆˆˆˆˆˆˆˆˆˆˆ

wvz

vvy

uvx

zv

yv

xv

yp

Fzwv

yvv

xuv

tv

y

ρ

∂∂

∂∂

∂∂

µ∂∂

ρ∂

∂∂

∂∂

∂∂∂

ρ

(2.31)

( ) ( ) ( )

∂∂

+∂∂

+∂∂

+++−=

+++

,,,,,,

2

2

2

2

2

2

1

ˆˆˆˆˆˆˆˆˆˆˆ

wwz

vwy

uwx

zw

yw

xw

zp

Fzww

yvw

xuw

tw

z

ρ

∂∂

∂∂

∂∂

µ∂∂

ρ∂

∂∂

∂∂

∂∂∂

ρ

(2.32)

onde,

wvu ˆ e ˆ,ˆ são médias temporais das componentes da velocidade [m s-1];

p é a média temporal da pressão [Pa];

,,, e , wvu são flutuações das componentes da velocidade [m s-1].

O sistema de equações anterior poderá ser ampliado com equações de transporte escalar.

O balanço de massa de um constituinte passivo A, misturado num fluido que se

apresenta em escoamento turbulento, é caracterizado pela seguinte equação:

( ) ( ) ( )

+

+

+

+

++=+++

zc

zyc

yxc

x

zxc

yc

xc

zwc

yvc

xuc

tc

tztytx

m

∂∂

ε∂∂

∂∂

ε∂∂

∂∂

ε∂∂

∂∂∂

∂∂

ε∂

∂∂

∂∂

∂∂∂

ˆˆˆ

ˆˆˆˆˆˆˆˆˆˆ2

2

2

2

2

2

(2.33)

onde se admite que:

( ) ( ) ( ) , ˆ

, ˆ

, ˆ ,,,,,, cw

zc

cvyc

cuxc

tztytx =−=−=−∂∂

ε∂∂

ε∂∂

ε (2.34)

2.2 Equações do movimento

55

e em que,

c é a concentração média do constituinte passivo A [mg L-1];

,c é a flutuação da concentração relativamente à média temporal [mg L-1];

εm coeficiente de viscosidade molecular [m2 s-1];

εti coeficiente de viscosidade turbulenta segundo a direcção i [m2 s-1];

A difusividade mássica molecular, que é uma propriedade do fluido, mantém-se

constante, Ctem =ε . A difusividade mássica turbulenta, ( )tztytxt εεεε ,,rr

- aqui um tensor

diagonal - depende das propriedades locais do escoamento sendo o seu valor o mesmo,

tztytx εεε == , no caso da turbulência poder ser considerada isotrópica.

As parcelas que envolvem produtos das flutuações das componentes da velocidade

relativamente à média denominam-se tensões de Reynolds e podem ser identificadas

com a transferência de quantidade de movimento associada a essas mesmas flutuações.

Em escoamentos turbulentos, as tensões de Reynolds são predominantes em

comparação com as tensões relacionadas com a viscosidade cinemática, à excepção das

camadas junto das fronteiras onde o gradiente das velocidades médias é elevado e as

flutuações transversais praticamente se anulam.

Por analogia com as tensões viscosas num escoamento em regime laminar é usual

adoptar-se a hipótese de Boussinesq, que estabelece que as tensões de Reynolds são

proporcionais aos gradientes das velocidades médias, escrevendo-se em notação

tensorial:

3,2,1, ;32,, =−

∂∂

+∂∂

=− jiKxu

xu

uu iji

j

j

itji δν

(2.35)

em que ijδ é o símbolo de Kronecker e ( )2,2,2,21 wvuK ++= é a energia cinética

turbulenta por unidade de massa.

Capítulo 2

56

As equações de Reynolds na forma tridimensional e a equação da continuidade

estabelecidas em termos de valores médios de cpwvu ˆ e ˆ ,ˆ,ˆ,ˆ , são o ponto de partida

para o estudo de escoamentos reais. Em domínios como as zonas costeiras, estas

equações deverão sofrer as adaptações necessárias para a consideração das

particularidades que lhes são inerentes: fundos pouco profundos predominantes e

consideração de outras forças aplicadas, como sejam, forças de Coriolis devidas à

rotação da Terra, variações da pressão atmosférica, atrito na superfície devido ao vento

e a influência de gradientes de massa volúmica provocados pela presença de substâncias

tais como o sal e poluentes.

2.3 Equação de convecção-difusão-reacção de escalares

Na modelação da qualidade da água recorre-se, na generalidade dos casos, à

caracterização da distribuição no meio fluido de grandezas consideradas como

indicativas dessa qualidade. A evolução espaço-temporal da referida distribuição resulta

da combinação de dois efeitos principais: o seu transporte no meio fluido e as reacções a

que está sujeita em função das condições ambientais.

Em muitas situações considera-se que o transporte dos escalares se faz apenas por

advecção. No entanto, verifica-se na prática que, mesmo na ausência de movimento

perceptível nos fluidos, os escalares são transportados. Este transporte, verifica-se a

diferentes escalas espaciais indo desde a escala molecular, em que o processo de

transporte é bem caracterizado, até escalas mais largas em que a sua quantificação

apresenta maiores dificuldades. À escala molecular o transporte é proporcional ao

gradiente da respectiva grandeza escalar e é tanto maior quanto mais acentuado for este

último.

A mistura nos oceanos é favorecida por processos de agitação como a rebentação de

ondas (de superfície e internas), a acção do vento na camada superficial, ou correntes

junto ao fundo irregular. Muitos destes processos que são fonte de energia para a

agitação nos oceanos, são designados genericamente por turbulência.

2.3 Equação de convecção-difusão-reacção de escalares

57

Frequentemente faz-se uma analogia entre o movimento dos turbilhões e o movimento

molecular, quantificando-se o transporte por difusão turbulenta de acordo com

expressões do mesmo tipo que são utilizadas para a difusão molecular. Os movimentos

turbulentos nos oceanos podem ter escalas espaciais que vão desde as dezenas de

centímetros a dezenas de quilómetros. Assim o valor dos coeficientes de difusão

turbulenta nos oceanos apresenta um intervalo de variação bastante largo: os valores dos

coeficientes verticais variam entre 10-4 a 10-3 m2 s-1 e os coeficientes horizontais de 10-1

a 103 m2 s-1. A diferença entre os valores horizontais e verticais dos coeficientes de

difusão deve-se ao facto de, em geral, o oceano apresentar uma estratificação que

favorece a mistura na direcção das superfícies de igual massa volúmica e dificulta o

movimento em direcções normais àquelas superfícies.

No caso do constituinte apresentar variações devidas a reacções físicas, químicas ou

biológicas, deverá ser acrescentado um termo no segundo membro da Eq. 2.33 que

permita quantificar as referidas variações, sendo, neste caso, a equação de

convecção-difusão-reacção expressa em coordenadas cartesianas da seguinte forma:

( )czc

zyc

yxc

x

zxc

yc

xc

zc

wyc

vxc

utc

tztytx

m

β∂∂

ε∂∂

∂∂

ε∂∂

∂∂

ε∂∂

∂∂∂

∂∂

ε∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

+

+

+

+

+

++=+++ 2

2

2

2

2

2

(2.36)

onde,

( )cβ é uma função que representa a parcela de constituinte produzida e/ou

transformada através de reacções [mg L-1 s-1].

A equação anterior serve de base à análise de muitos dos problemas de transporte de

matéria (solúvel) nos cursos de água. A maior dificuldade na sua utilização reside no

facto de as soluções desta equação serem de difícil obtenção. Só em determinadas

condições simplificadas é que é possível obter soluções analíticas. As diferentes formas

da Eq. 2.36 são apresentadas no Apêndice II de acordo com diversas simplificações

consideradas. No Quadro 2.4 apresentam-se algumas das referidas soluções.

Capítulo 2

58

Quadro 2.4 – Soluções analíticas da equação de transporte de escalares1.

CARACTERÍSTICAS EQUAÇÃO SOLUÇÃO

DO PROBLEMA ANALÍTICA

- Difusão pura unidimensional

- Regime laminar

- Fonte instantânea

∂∂

ε∂∂

ct

cxm=2

2

( )

−=

tx

t

Mtxc

mmεπε 4

exp4

,2

1

- Difusão pura unidimensional

- Regime laminar

- Fonte contínua

∂∂

ε∂∂

ct

cxm=2

2 ( )c x t c erfc

xtm

, =

0 4

ε

- Convecção-difusão unidimensional

- Regime laminar

- Fonte instantânea

=+

2

2

xc

xc

utc

m ∂∂

ε∂∂

∂∂

( ) ( )( )

−−=

tUtx

tM

txCmm επε 4

exp4

,2

1

- Convecção-difusão unidimensional

- Regime laminar

- Fonte contínua

=+

2

2

xc

xc

utc

m ∂∂

ε∂∂

∂∂

( )

−+

+

=

t

Utxerfc

t

Utxerfc

UxCtxC

mmm εεε 44exp

2, 0

- Convecção-difusão transversal

- Regime turbulento

- Fonte contínua

- Meio ilimitado

UCx

Cyty

∂∂

ε∂∂

=2

2

CG

h xUy U

xuty ty

= −

02

4 4πε εexp

- Convecção-difusão transversal

- Regime turbulento

- Fonte contínua

- Meio limitado

UCx

Cyty

∂∂

ε∂∂

=2

2

( ) ( )

( ) ( )∑=

±±+−+

++=N

nuu

u

yynBxCyyxC

yyxCyxC

100

0

2,,

,,

(Cu é a solução em meio ilimitado)

Nas Figuras 2.22 a 2.27 são apresentadas soluções particulares das equações constantes

do quadro anterior.

1 Notação utilizada no Apêndice II.

2.3 Equação de convecção-difusão-reacção de escalares

59

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

-5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5x [m]

c(x,t) [g/L]

c(x;0,1 s) c(x;1,0 s) c(x;10,0 s)

Figura 2.22 – Representação gráfica da solução analítica para um problema de difusão pura, devido a uma fonte pontual instantânea: 12 1,0 −= smmε ; M1=1 kg m-3.

0,00

0,20

0,40

0,60

0,80

1,00

1,20

0 5 10 15

x [m]

c(x,t) [g/L]

c (x;100 s) c(x;500 s) c(x;1000 s)

Figura 2.23 - Representação gráfica da solução analítica para um problema de difusão pura, devido a uma fonte pontual contínua em três instantes distintos: 12 01,0 −= smmε ;

c0= 1 g L-1.

Capítulo 2

60

1

c(x;1 s)

c(x;3 s)

c(x;5 s)c(x;8 s)

0,0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

c(x,t)

x [m]

[g/L]

510

15

Figura 2.24 - Representação gráfica da solução analítica para um problema de convecção-difusão- fonte pontual instantânea, em quatro instantes distintos:

12m 2,0 −= smε ; M1= 1 kg m-3; U=1,5 m s-1.

1

c(x;0,5 s)

c(x;1 s)

c(x;3 s)

c(x;5 s)0.0

0.2

0.4

0.6

0.8

1.0c(x,t)

x [m]

[g/L]

1

2

Figura 2.25 - Representação gráfica da solução analítica para um problema de convecção-difusão, devido a uma fonte pontual contínua: 12 1,0 −= smmε ;

c0= 1 g L-1; U=0,1 m s-1.

2.3 Equação de convecção-difusão-reacção de escalares

61

0100

0

100

0,00

0,05

0,10

0,15

0,20

0,25

0,30

x

y

c(x,y,t)[g/L]

Figura 2.26 – Representação gráfica da distribuição da concentração devida a uma fonte pontual contínua num meio ilimitado: 112

ty1

0 1= ; 5,2; 10 −−− == smUsm kg sG ε

0

1 0 0

0

1 0 0

xy a)

0

1 0 0

0

1 0 0

xy b)

c(x,y,t)[g/L]

0,08

c(x,y,t)[g/L]

0,03

0

100

0

0

100

0

Figura 2.27 - Distribuição da concentração devida a uma fonte pontual contínua num meio limitado: a) localizada no centro do canal (G0= 1 kg s-1; h= 1 m; εty= 1 m2 s-1; U=

1,0 m s-1 ; B=100 m) e b) na parede lateral (x=0;y=5) (G0= 1 kg s-1; h= 1 m; εty= 1 m2 s-1; U= 0,5 m s-1 B=100 m).

Capítulo 2

62

2.4 Formulação matemática dos modelos 2DH

Integrando segundo a vertical as equações fundamentais da Mecânica dos Fluidos,

incluindo a equação da continuidade, é possível eliminar os termos em que consta a

componente vertical da velocidade e obter um sistema de equações que poderá ser

resolvido em termos das componentes horizontais da velocidade e dos níveis em cada

ponto.

Para tal é necessário começar por definir as condições de fronteira na superfície livre e

no fundo. Considerando a equação genérica da fronteira dada por ( )B x y z t, , , = 0 , esta

deverá obedecer à seguinte condição em todos os pontos da fronteira:

DBDt

Bt

uBx

vBy

wBz

= + + + =∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

0 (2.37)

Na superfície (Figura 2.28), teremos ( ) ( )tyxztzyxBS ,,,,, η−= e, consequentemente:

0=+−−−= SSSS w

yv

xu

tDtDB

∂∂η

∂∂η

∂∂η

(2.38)

A Eq. 2.38 é a condição cinemática na superfície livre. A correspondente condição para

o fundo, será definida através de:

( ) ( )yxhzzyxBb ,,, += (2.39)

vindo:

DBDt

uhx

vhy

wbb b b= + + =

∂∂

∂∂

0 (2.40)

A Eq. 2.40 traduz que a velocidade é tangencial à superfície do fundo, ou, o que

fisicamente é equivalente, a assumir um fundo impermeável.

2.4 Formulação matemática dos modelos 2DH

63

H (x,y,t)

h(x,y)

(x,y,t) z =

z=-h

B (x,y,z,t)=0S

B (x,y,z)=0b

ηη

Figura 2.28 - Representação esquemática de uma secção de uma zona costeira e notação utilizada

As condições de fronteira, usuais em escoamentos com superfície livre, incluem ainda

as seguintes condições dinâmicas na superfície livre:

( )ηηηη ττ∂∂η

τ∂∂η

τ sxzxyxxx yx=+−− (2.41)

( )ηηηη ττ∂∂η

τ∂∂η

τ syzyyyxy yx=+−− (2.42)

em que,

τsx(η) é a componente da tensão segundo a direcção x na superfície livre [Pa];

τsy(η) é a componente da tensão segundo a direcção y na superfície livre [Pa].

e, no fundo:

( )hbxhzxhyxhxx yh

xh

−−−− =−−− ττ∂∂

τ∂∂

τ (2.43)

( )hbyhzyhyyhxy yh

xh

−−−− =−−− ττ∂∂

τ∂∂

τ (2.44)

Capítulo 2

64

em que,

τbx(-h) é a componente da tensão segundo a direcção x no fundo [Pa];

τby(-h) é a componente da tensão segundo a direcção y no fundo [Pa].

Integrando a equação da continuidade segundo a vertical, obtém-se:

0=++ ∫ ∫∫ − −−

η ηη

∂∂

∂∂

∂∂

h hhdz

zw

dzyv

dzxu

(2.45)

Aplicando a regra de Leibnitz2 aos dois primeiros termos e calculando o terceiro,

poderemos escrever a seguinte equação:

0=−+−−+−− ∫∫ −−

ηη

∂∂

∂∂η

∂∂

∂∂

∂∂η

∂∂

h bsbsbshww

yh

vy

vvdzyx

hu

xuudz

x

(2.46)

ou:

0=

++−

−−++ ∫∫ −− y

hv

xh

uwy

vx

uwvdzy

udzx bbbh sssh ∂

∂∂∂

∂∂η

∂∂η

∂∂

∂∂ ηη

(2.47)

Substituindo as Eq.s 2.38 e 2.40 na Eq. 2.47 resulta:

0=++ ∫∫ −−

ηη

∂∂

∂∂

∂∂η

hhvdz

yudz

xt

(2.48)

Definindo as velocidades médias verticais (U e V) como sendo:

( ) ∫−+=

η

η hudz

hU

1

(2.49)

2 Regra de Leibnitz: ( )( )( )∂

∂∂∂

∂∂

∂∂x

f x x x dxfx

dx fhx

fhxh x x

h x x

h

h

h h1

1 2 3 31

32

1

1

11 1 2

2 1 2

1

2

2 1, ,

,

,

∫ ∫= + −

2.4 Formulação matemática dos modelos 2DH

65

( ) ∫−+=

η

η hvdz

hV

1

(2.50)

A substituição destas igualdades na Eq. 2.48 conduz finalmente a:

( )[ ] ( )[ ]0=

++

++

yVh

xUh

t ∂η∂

∂η∂

∂∂η

(2.51)

Como já foi referido, para os escoamentos típicos de zonas costeiras com águas pouco

profundas e desprezando-se o efeito das ondas de superfície, as componentes verticais

da velocidade média são muito pequenas. As acelerações verticais e as tensões

tangenciais quando comparadas com o efeito da gravidade e com o gradiente vertical de

pressões, poderão ser desprezadas. Assim a equação do movimento na direcção vertical

reduz-se a:

01

=+ gzp

∂∂

ρ

(2.52)

que corresponde a assumir uma lei hidrostática de distribuição de pressões.

Procedendo-se à integração entre um ponto genérico à profundidade z e a superfície,

η=z , obtém-se:

0=+−=+ ∫∫∫ηηη

ρρ∂∂

zzz

dzgpgdzdzzp

(2.53)

A variação horizontal de pressão será dada, por conseguinte, pela seguinte expressão:

∫=η

ρ∂∂

∂∂

zii

dzx

gxp

(2.54)

Aplicando a regra de Leibnitz2 ao último termo da equação anterior, virá:

Capítulo 2

66

∫+=η

∂∂ρ

∂∂η

ρ∂∂

z iii

dzx

gx

gxp

(2.55)

Considerando ρ constante ao longo da profundidade z, pode obter-se a relação:

( )i

zi x

gzdzx

g∂∂ρ

η∂∂ρη

−=∫ (2.56)

Procedendo-se agora à integração segundo a vertical da equação da quantidade de

movimento, segundo a direcção x, vem:

( ) ( ) ( )

( )

01

=

+++

+−−−=

=+++

∫∫∫

∫∫∫

∫∫∫∫

−−−

−−−

−−−−

dzz

dzy

dzx

dzzx

gdz

xgdzfv

dzz

wudz

yvu

dzxuu

dztu

h

zx

h

yx

h

xx

hhh

hhhh

ηηη

ηηη

ηηηη

∂∂τ

∂∂τ

∂∂τ

ρ

η∂∂ρ

ρ∂∂η

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

(2.57)

Resolvendo os integrais, e tendo em consideração as condições fronteira deduzidas

anteriormente, obtém-se para o primeiro membro da Eq. 2.57

( ) ( ) ( )

( )

( )

∫∫∫

∫∫∫

∫ ∫

∫∫∫∫

−−−

−−−

− −

−−−−

++=

=

++−

+−−−+++=

=−+−−+

+−−+−−=

=+++

ηηη

ηηη

η

η η

ηηηη

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂η

∂∂η

∂∂η

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂η

∂∂

∂∂

∂∂η

∂∂

∂∂

∂∂η

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

hhh

bbbb

sssshhh

bbssbbssh

bbssh hbs

hhhh

vudzy

uudzx

udzt

wyh

vxh

uu

wy

vx

ut

uvudzy

uudzx

udzt

uwuwyh

uvy

uvdzvuy

xh

uux

uudzuuxt

hu

tuudz

t

dzz

wudz

yvu

dzxuu

dztu

(2.58)

e para o segundo membro tem-se:

2.4 Formulação matemática dos modelos 2DH

67

( ) ( )hbxsxhyxyxh yx

hxxxxh xx

h

zx

h

yx

h

xx

yh

ydz

y

xh

xdz

x

dzz

dzy

dzx

−−−

−−

−−−

−+−−+

+−−=

=++

∫∫∫

ττ∂∂

τ∂∂η

ττ∂∂

∂∂

τ∂∂η

ττ∂∂

∂∂τ

∂∂τ

∂∂τ

ηη

η

η

η

ηηη

(2.59)

Considerando as condições dinâmicas na superfície livre e no fundo, a Eq. 2.57 pode ser

escrita finalmente como:

( ) ( )

−+++−

−−=++

−−−

−−−−

∫∫

∫∫∫∫

hbxsxh yxh xx

hhhh

dzy

dzx

Hx

g

xgHdzfvdzvu

ydzuu

xdzu

t

τττ∂∂

τ∂∂

ρ∂∂ρ

ρ

∂∂η

∂∂

∂∂

∂∂

η

ηη

ηηηη

12

2

(2.60)

O perfil vertical das velocidades pode ser expresso por funções de distribuição, φu e φv ,

de acordo com as seguintes relações:

( )[ ]u U z tu= +1 φ , (2.61)

e

( )[ ]v V z tv= +1 φ , (2.62)

em que se verificam as seguintes propriedades:

( ) ( ) 0,, == ∫∫ −−

ηηφφ

h vh u dztzdztz (2.63)

( ) ( )( ) ( )( )∫−++=

ηφφα

h jiij dztztzH

t ,1,11

(2.64)

Capítulo 2

68

Introduzindo estas condições na Eq. 2.60, tem-se:

( ) ( ) ( )

( ) ( )

−+++−

−−=++

−−− ∫∫ hbxsxh yxh xx

uvuu

dzy

dzx

Hx

g

xgHfHVHUV

yHUU

xtHU

τττ∂∂

τ∂∂

ρ∂∂ρ

ρ

∂∂η

α∂∂

α∂∂

∂∂

η

ηη12

2

(2.65)

O termo ( )hbx −τ está relacionado com a resistência ao escoamento provocada pelo atrito

no fundo. Em escoamentos permanentes o equilíbrio entre forças de gravidade e forças

de resistência é dado por:

τ ρ= gHI (2.66)

onde,

I representa a inclinação da linha de energia.

Esta expressão constitui ainda uma boa aproximação no estudo de escoamentos

gradualmente variados, como aqueles que se relacionam com a propagação de ondas de

grande comprimento em águas pouco profundas.

Substituindo a Eq. 2.66 na fórmula de Chézy, Q C HI= , obtém-se:

2CQQ

gρτ = (2.67)

em que,

Q representa as componentes da velocidade média segundo a vertical, U ou V [m s-1];

|Q| é o módulo da velocidade média dado por 22 VU + [m s-1];

C é o coeficiente de Chézy [ 121 −sm / ].

Assim,

2.4 Formulação matemática dos modelos 2DH

69

2, CQQ

ghybx ρτ =

(2.68)

Por outro lado, na superfície livre:

( ) ( ) ϕρτϕρτ ηη senkWkW vasyvasx22 cos == (2.69)

onde,

Wv é a velocidade do vento [m s-1];

ρa é a massa volúmica do ar [kg m-3];

k é um coeficiente de forma;

ϕ é a direcção do vento [rad].

A análise de casos empíricos mostra que k cresce com o aumento da velocidade do

vento.

Os termos ∫∫ −−

ηητ

∂∂

τ∂∂

h yxh xx dzy

dzx

e representam o transporte lateral de quantidade de

movimento segundo a vertical. Estes termos poderão ser calculados, admitindo-se a

hipótese de Boussinesq expressa pela Eq. 2.35 (ou uma forma simplificada daquelas

relações). Na prática, é usual considerarem-se coeficientes médios segundo a vertical (εx

e εy), dos coeficientes de viscosidade turbulenta, vindo:

xU

Hdzxu

dz xh th xx ∂∂

ε∂∂

ντηη

== ∫∫ −−

ˆ2

(2.70)

yU

Hdzxv

yu

dz yh th yx ∂∂

ε∂∂

∂∂

ντηη

=

+= ∫∫ −−

ˆˆ

(2.71)

A influência destes termos é em geral reduzida, tendo no entanto a propriedade de

melhorar a estabilidade da solução, quando as equações são resolvidas por métodos

numéricos. Esta influência deve ser tida em consideração, quando se analisam soluções

obtidas numericamente, averiguando-se se não contêm erros numéricos associados a

excessivos coeficientes de viscosidade.

Capítulo 2

70

Podem agora escrever-se as equações dos escoamentos bem misturados de águas pouco

profundas, válidas para correntes e para a propagação de ondas de elevado comprimento

de onda, como é o caso da maré:

( ) ( ) ( )

+

+

+−+−

−−=++

yU

Hyx

UH

xCVUgU

kWH

xg

xgHfHVHUV

yHUU

xtHU

yxva

uvuu

∂∂

ε∂∂

ρ∂∂

ε∂∂

ρϕρ

∂∂ρ

ρ

∂∂η

α∂∂

α∂∂

∂∂

11cos

2 2

222

2

(2.72)

( ) ( ) ( )

+

+

+−+−

−−−=++

yV

Hyx

VH

xCVUgV

kWH

yg

ygHfHUHVV

yHUV

xtHV

yxva

vvuv

∂∂

ε∂∂

ρ∂∂

ε∂∂

ρϕρ

∂∂ρ

ρ

∂∂η

α∂∂

α∂∂

∂∂

11sin

2 2

222

2

(2.73)

( )[ ] ( )[ ]0=

++

++

yVh

xUh

t ∂η∂

∂η∂

∂∂η

(2.74)

Em alguns modelos matemáticos o efeito da distribuição vertical de velocidades (não

uniforme) nas forças de inércia não é considerado, isto é 2,1, ,1 == jiijα . Esta

simplificação pode ser justificada pelo facto dos termos de aceleração convectiva serem

de ordem de grandeza inferior à aceleração local. Na prática mesmo em condições

extremas, os valores de α variam entre 0,5 e 1,5; assim, em média, estes efeitos serão

desprezáveis quando comparados com os valores dos termos da aceleração local.

Os coeficientes médios de viscosidade turbulenta poderão, na generalidade dos casos,

ser considerados invariáveis no espaço e iguais segundo cada uma das direcções. Assim,

considerando-se a equação da continuidade, as equações 2.72 a 2.74 poderão

escrever-se de forma simplificada, do seguinte modo:

2.5 Formulação matemática dos modelos quasi-3D

71

( )

++

++

−+

+

++

−−=++

2

2

2

2

2

222 cos

2

yU

xU

ChVUgU

hkW

hx

gx

gfVyU

VxU

Ut

U

va

∂∂

∂∂

ρε

ηηϕρ

η∂∂ρ

ρ∂∂η

∂∂

∂∂

∂∂

(2.75)

( )

++

++

−+

+

++

−−−=++

2

2

2

2

2

222

2

yV

xV

ChVUgV

hsenkW

hy

gy

gfUyV

VxV

UtV

va

∂∂

∂∂

ρε

ηηϕρ

η∂∂ρ

ρ∂∂η

∂∂

∂∂

∂∂

(2.76)

( )[ ] ( )[ ]0=

++

++

yVh

xUh

t ∂η∂

∂η∂

∂∂η

(2.77)

2.5 Formulação matemática dos modelos quasi-3D

Será introduzida neste ponto a formulação matemática dos modelos hidrodinâmicos

quasi-tridimensionais (quasi-3D) aplicáveis a bacias oceânicas e zonas costeiras.

Apresenta-se a formulação das variáveis termodinâmicas e a formulação de um modelo

de turbulência.

2.5.1 Adaptação das equações fundamentais da Mecânica dos Fluidos

Separando os termos das tensões de Reynolds referentes à direcção vertical dos

relacionados com a direcção horizontal, as equações fundamentais da Mecânica dos

Fluidos podem escrever-se na seguinte forma simplificada:

( ) ( ) ( )∂∂

∂∂

∂∂

∂∂ ρ

∂∂

∂τ∂

∂τ

∂∂∂

∂∂

ut

uux

vuy

wuz

fvpx x y z

Kuz

xx yxM+ + + = + − + +

+

1

0

(2.78)

( ) ( ) ( )∂∂

∂∂

∂∂

∂∂ ρ

∂∂

∂τ

∂τ

∂∂∂

∂∂

vt

uvx

vvy

wvz

fupy x y z

Kvz

xy yyM+ + + = − − + +

+

1

0

(2.79)

Capítulo 2

72

e admitindo válida a hipótese da hidrostaticidade vem:

ρρ ρ

∂∂0 0

1g

pz

= − (2.80)

em que τ τ τxx xy yy, e são as componentes do tensor de tensões de Reynolds no plano

horizontal, sendo neste modelo aproximadas por:

τ∂∂xx MAux

= 2 (2.81)

τ∂∂

∂∂

τxy M yxAuy

vx

= +

=

(2.82)

τ∂∂yy MAvy

= 2 (2.83)

A quantidade AM é o coeficiente de difusão turbulenta horizontal (também designado

por coeficiente de mistura horizontal), enquanto que KM representa o coeficiente de

difusão turbulenta vertical (também designado de coeficiente de mistura vertical).

Ambas as quantidades são determinadas pela mistura turbulenta na coluna de água.

Note-se que a Eq. 2.80 resulta da consideração da aproximação hidrostática e poderá ser

facilmente integrada na vertical para se obter a pressão p para qualquer profundidade.

Note-se ainda que os termos de Coriolis se apresentam na forma geral, não sendo

efectuada nenhuma aproximação como a do plano-f ou plano- β . Na primeira

aproximação ignora-se a variação de f com a latitude, enquanto que na última se

efectua uma aproximação linear f f y= +0 β , onde β é igual a ∂ ∂f y e y é a

coordenada na direcção da latitude igual a Rφ , sendo R é o raio da Terra e φ a latitude.

2.5 Formulação matemática dos modelos quasi-3D

73

2.5.2 Variáveis termodinâmicas

As variações da massa volúmica no oceano são de grande importância na determinação

da circulação oceânica. A massa volúmica ρ é uma função complexa da temperatura T,

da salinidade S e da pressão (ou, de forma equivalente, da profundidade z). É habitual

considerarem-se os efeitos da pressão considerando que ρ é a massa volúmica

potencial, a qual depende apenas da temperatura potencial Θ e da salinidade S. A

temperatura potencial Θ é usualmente referida à pressão atmosférica, significando que

é a temperatura conseguida por uma parcela de fluido à temperatura T e salinidade S (in

situ) deslocada adiabaticamente desde a profundidade z até à superfície. Os termos

correspondentes aos gradientes de pressão baroclínicos nas equações de conservação da

quantidade de movimento e a estabilidade vertical da coluna de água podem ser

avaliados de forma correcta usando-se gradientes horizontais e verticais da massa

volúmica potencial ρ , a qual poderá expressar-se apenas em função de Θ e S:

( )ρ ρ= Θ, S (2.84)

Esta equação de estado é habitualmente expressa em termos de uma série de potências

de Θ e S, podendo ser facilmente quantificada de forma numérica. A mais popular

equação de estado de uso generalizado nos modelos oceânicos é devida a Fofonoff

(1962). Mais recentemente, surgiu uma expressão proposta pela UNESCO que tem

vindo a ser implementada na sua forma original ou em formas ligeiramente alteradas

(Eq. 2.5) em quase todos os modelos.

A temperatura potencial Θ e a salinidade S são governadas por relações de conservação

da forma:

( ) ( ) ( )S

Qz

Kzy

Ayx

Axz

wyv

xu

tS

VHH ∂∂

∂∂

∂∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

+

Θ

+

∂Θ

+

Θ

+Θ (2.85)

( ) ( ) ( )

+

+

=+++

zS

Kzy

SA

yxS

Axz

wSyvS

xuS

tS

VHH ∂∂

∂∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂ (2.86)

Capítulo 2

74

onde KV é a difusividade turbulenta vertical e AH a difusividade turbulenta horizontal

devidas à mistura turbulenta de calor e sal na coluna de água. O último termo da Eq.

2.85 resulta da consideração do aquecimento devido à penetração da radiação solar (de

pequeno comprimento de onda). Enquanto os valores dos coeficientes de difusão

turbulenta horizontal AM e AH poderão ser também influenciados por questões

numéricas resultantes da necessidade de reduzir o “ruído” associado a escalas inferiores

às da discretização do domínio computacional, os coeficientes de difusão turbulenta

verticais KM e KV são principalmente determinados pela mistura turbulenta de pequena

escala na coluna de água. Contudo a parametrização adequada de AM , AH , KM e KV é

uma questão ainda não resolvida, da maior importância na modelação oceânica, uma

vez que os fundamentos teóricos que estão na base da sua quantificação são geralmente

discutíveis.

2.5.3 Modelo de turbulência

Em Carmo (1995) encontra-se uma excelente revisão sobre os tipos de modelos de

turbulência aplicáveis na modelação de escoamentos com superfície livre.

É usual o recurso aos modelos de fecho de zero-equações para a determinação dos

coeficientes de difusão turbulenta. Este procedimento constitui uma aproximação

grosseira, uma vez que, mesmo intuitivamente, é evidente que os seus valores são

função do campo de turbulência do fluido e deveriam ser quantificados a partir das

características da mistura turbulenta. Contudo, fora das camadas de mistura turbulenta

próximas do fundo e da superfície do oceano, pouco é conhecido sobre os processos de

mistura intermitente que ocorre no interior do oceano. Tradicionalmente, AM , AH , KM

e KV são impostos a priori como valores constantes e posteriormente corrigidos de

forma a obterem-se os resultados pretendidos. Todavia, dada a enorme dependência dos

resultados dos modelos em relação aos valores assumidos para as constantes anteriores,

o procedimento indicado revela-se inadequado, tendo vindo a ser substituído por

relações de fecho de ordem superior. Em vários modelos, utiliza-se um fecho de uma-

equação para AM e HA , relacionando-se estas variáveis com as taxas médias de

deformação no fluido, enquanto que KM e KV são obtidos através de uma relação de duas

2.5 Formulação matemática dos modelos quasi-3D

75

equações para a mistura turbulenta de pequena escala, que determina principalmente os

coeficientes de difusão turbulenta verticais nas camadas de mistura superior e inferior.

No interior do oceano, KM e KV continuam ainda a ser considerados constantes, embora

exista uma nítida evidência de que KM e KV devam ser função da estratificação vertical

da coluna de água; por outro lado, o valor de KV para o calor deve ser diferente do valor

considerado para a salinidade.

Os coeficientes de mistura vertical KM e KV poderão ser obtidos pelo modelo de

turbulência de duas-equações proposto por Mellor e Yamada (1974,1982). O modelo

de turbulência é caracterizado por duas quantidades, a energia cinética turbulenta q 2 2

e a macroescala turbulenta l . Este modelo de turbulência é caracterizado pelas duas

seguintes equações:

( ) ( ) ( ) ( )

+

+

+

−+

+

=+++

zq

Kzy

qA

yxq

Ax

lBq

zg

Kzv

zu

Kz

wqy

vqx

uqtq

qHH

VM

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂ρ

ρ∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

222

1

3

0

222222

222

(2.87)

( ) ( ) ( ) ( )

( ) ( ) ( )

+

+

+

+−

+

+

=+++

zlq

Kzy

lqA

yxlq

AxL

lE

Bq

zg

lEKzv

zu

lEKz

lwqy

lvqx

luqt

lq

qHH

VM

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

κ

∂∂ρ

ρ∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

2222

21

3

03

22

1

2222

1

(2.88)

As relações de fecho de duas-equações estabelecem os valores dos coeficientes de

mistura vertical KM, KV e Kq em função das escalas de turbulência q l e :

qqHVMM lqSKlqSKlqSK === e , (2.89)

onde qHM SSS e , são funções de estabilidade determinadas a partir de relações

algébricas deduzidas analiticamente através de simplificações efectuadas no modelo

completo de fecho de duas equações:

Capítulo 2

76

( )( )S A

AB

C A A S G

A A GM

H H

H

=− −

+ +

1

1

11 1 2

1 2

16

3 9 2

1 9

(2.90)

( )( )S A

AB

A G A BH

H

=−

− +

2

1

1

2 1 2

16

1 3 6

(2.91)

Sq = 02. (2.92)

onde Glq

gzH =

2

20ρ

∂ρ∂

; A A B B1 2 1 2 , e , são constantes que permitem quantificar várias

razões entre escalas de comprimento de turbulência e a macroescala de turbulência l . O

fecho de turbulência assume que todas as escalas de comprimento de turbulência são

proporcionais a uma outra.

O termo que multiplica q B31 na Eq. 2.88 é uma função de proximidade de parede

inserido empiricamente para assegurar um comportamento logarítmico perto das

fronteiras sólidas e L é dado por:

( ) 111 −−− ++= zHzL (2.93)

onde H é a profundidade da coluna de água. Os termos C1, E1, E2 e E3 são constantes

empíricas resultantes de trabalhos experimentais laboratoriais em turbulência, tal como

as constantes A1, A2, B1 e B2:

(A1, A2, B1, B2, C1, E1, E2, E3 = (0,92; 0,74; 16,6; 10,1; 0,08; 1,8; 1,33; 1,0) (2.94)

κ é a conhecida constante de von Karman (=0.4) que surge quando se ajusta uma lei

logarítmica ao perfil de velocidade adjacente a uma fronteira de uma camada turbulenta.

2.5 Formulação matemática dos modelos quasi-3D

77

2.5.4 Condições de fronteira

2.5.4.1 Superfície livre

O escoamento deve satisfazer determinadas condições de fronteira na superfície livre

( )z x y= η , . Dado que a superfície livre é uma superfície material, w deverá satisfazer a

relação:

wt

ux

vy

= + +∂η∂

∂η∂

∂η∂

(2.95)

Adicionalmente, os fluxos na superfície livre deverão satisfazer as seguintes relações:

( )Kuz

vzM x y

∂∂

∂∂ ρ

τ τ, ,

=

1

00 0

(2.96)

( )Kz

Sz

Q QM H S

∂∂

∂∂ ρ

Θ, ,

=

1

0

(2.97)

onde τ0x e τ0y são as componentes das tensões devidas ao vento, e QH e QS são os

fluxos de calor e sal na superfície. QH resulta do balanço de energia na superfície

envolvendo a radiação solar incidente (ondas longas e curtas), a radiação que ocorre a

partir do oceano e os fluxos de calor latente e sensível do oceano para a atmosfera:

( ) LSSoWWH HHTLSQ −−−+−= 41 σεαβ (2.98)

onde,

SW é o fluxo de radiação solar de ondas curtas [W m-2];

LW é o fluxo de radiação solar de ondas longas [W m-2];

α é o albedo ou reflectividade da superfície da água para a radiação solar;

Capítulo 2

78

oε é a emissividade da superfície do oceano;

σ é a constante de Stefan-Boltzmann [W m-2 K-4];

TS é a temperatura da superfície do oceano [K];

HS e HL são fluxos de calor sensível e latente [W m-2];

β é a fracção de fluxo de ondas curtas absorvido à superfície.

Se β for considerado igual à unidade, então QS na Eq. 2.85 deverá ser considerado

nulo, implicando que toda a radiação de ondas curtas incidente é absorvida à superfície

e que não existe libertação de calor do oceano. Um cenário mais realista considera a

absorção na superfície das componentes de infravermelhos enquanto que as

componentes de ondas longas são absorvidas no corpo de fluido, numa extensão de

penetração que dependente da claridade óptica das camadas superiores. Esta prescrição

mais geral é fundamental do ponto de vista da produtividade biológica da camada

superior do oceano. Aqui β =0 e

( ) ( )Q S z LH i W ii

N

= −=∑β α1

1exp

(2.99)

onde 11

=∑=

N

iiβ .

Li representa a escala do comprimento de atenuação da componente i de ondas curtas, a

qual contribui na fracção βi do fluxo de ondas curtas incidente. Note-se que a

componente correspondente às ondas de comprimento longo LW é totalmente absorvida

numa espessura muito reduzida da camada superficial do oceano. Normalmente a

consideração de cerca de 5-6 bandas espectrais é adequada para efeitos de modelação,

embora um número mais elevado de N seja necessário para a modelação das

características ópticas e a produtividade biológica da camada superficial do oceano

(Sathyendranath e Platt, 1988). Em muitos casos, a decomposição do fluxo de ondas

curtas em duas componentes, onde uma componente é absorvida próximo da superfície

(pequena escala de atenuação) e a outra a maior profundidade (escala de atenuação da

2.5 Formulação matemática dos modelos quasi-3D

79

ordem das dezenas de metros) revela-se adequada (Dickey e Simpson, 1981). É óbvio

que as escalas de atenuação dependem fortemente da claridade óptica da água. Águas

com elevadas concentrações de sólidos em suspensão junto da costa e/ou águas com

uma elevada produção biológica têm escalas de atenuação mais curtas quando

comparadas com as águas claras nos desertos biológicos dos giros centrais oceânicos.

O fluxo de sal QS na superfície oceânica é dado por:

Q S E PS S= −

• •

(2.100)

onde E•

representa a taxa de evaporação, P•

a taxa de precipitação na superfície e SS a

salinidade à superfície. Como é evidente, E•

está relacionada com o fluxo de calor

latente HL .

Uma alternativa às Eq.s 2.99 e 2.100 é fixar a temperatura e salinidade superficiais,

quando conhecidas:

( ) ( )Θ, ,S T SS S= (2.101)

Uma outra alternativa consiste em considerar os valores de Θ e S superficiais com um

atraso de tempo t l :

( ) ( ) ( )[ ]∂∂t

St

T S Sl

S SΘ Θ, ,= − −1

(2.102)

As condições para q2 e l na superfície livre são:

,0 e 20*

321

2 == luBq (2.103)

onde u*0 é a velocidade de atrito na superfície ( )[ ] 4120

20

20 ρττ yx +=

Capítulo 2

80

Na Eq. 2.103 assume-se que as ondas de superfície não contribuem para a turbulência

junto da superfície livre. Contudo quando a camada de mistura superior é pouco

profunda e os ventos são fracos, as contribuições das ondas de superfície não podem ser

ignoradas e poderão ser incluídas parametrizando-se o fluxo de energia cinética devido

às ondas, sendo este prescrito na superfície livre. Similarmente, l pode ser imposto

como uma função da amplitude das ondas. Todavia, a turbulência induzida pelas ondas

diminui rapidamente com a profundidade.

2.5.4.2 Fundo oceânico

No fundo oceânico, z = -h, não poderá existir qualquer fluxo de calor ou sal:

( )∂∂

∂∂

Θz

Sz b

, ,

= 0 0

(2.104)

Também não deverá existir qualquer fluxo de massa através do fundo conduzindo a

yh

vxh

uw bb ∂∂

∂∂

−−= (2.105)

As restantes condições de fronteira são:

( )

0

,1

,

2*

321

2

0

==

=

luBq

zv

zu

K

b

bybxM ττρ∂

∂∂∂

(2.106)

onde bxτ e byτ são as componentes das tensões de atrito no fundo e

( )[ ] 4120

22* / ρττ bybxbu += é a velocidade de atrito no fundo. As tensões no fundo são

determinadas aproximando-se as velocidades bu , bv do ponto da grelha mais próximo

do fundo, à distância zb , a uma lei de parede logarítmica:

2.5 Formulação matemática dos modelos quasi-3D

81

( ) [ ] ( )bbbbDbybx vuvuC ,,2122

0 += ρττ (2.107)

onde o coeficiente de atrito CD é determinado a partir da lei logarítmica:

2

0

ln1

=

zz

C bD κ

(2.108)

z0 é a escala de rugosidade, sendo a sua grandeza da ordem de um centímetro para um

fundo moderadamente rugoso. O seu valor poderá ser estimado a partir das

características granulométricas do fundo (d50) utilizando-se a expressão:

305.2 50

0d

z ≈ (2.109)

Nas condições 2.107 e 2.108 assume-se que o ponto da malha mais próximo do fundo se

encontra na camada logarítmica. Se a resolução vertical do modelo não for adequada

para satisfazer esta condição, o coeficiente de atrito é considerado igual a 0,0025, pelo

que coincide com a convencional lei de atrito quadrática.

2.5.4.3 Fronteiras laterais

Numa bacia fechada, as condições a impor nas fronteiras laterais são simples. As

condições de fluxos nulos de massa, quantidade de movimento, calor, sal e turbulência

deverão ser satisfeitas nos pontos da fronteira lateral sólida. Contudo, nas fronteiras

abertas, a influência da região exterior ao domínio do modelo terá de ser especificada.

As condições de fronteira lateral aberta são por conseguinte as que envolvem maior

dificuldade no seu estabelecimento, uma vez que as condições exteriores não são

normalmente conhecidas. No caso de existir uma quantidade suficiente de dados

resultantes de observações na fronteira aberta ou de serem conhecidas as condições

resultantes de outros modelos que contenham a região exterior, não haverá dificuldade

em estabelecer as condições de fronteira lateral aberta. No entanto, isto só raras vezes se

Capítulo 2

82

verifica, sendo necessário efectuar várias aproximações, umas mais reais que outras.

Geralmente os resultados obtidos com um determinado modelo são tão fiáveis quanto as

condições impostas nas fronteiras laterais abertas, pelo que deverá ser dada especial

atenção no estabelecimento destas condições de fronteira, por forma a que conduzam a

resultados razoáveis. Todavia é possível estabelecer várias regras gerais. No que se

refere aos escalares Θ, ,S q l2 e , as formas das condições de fronteira laterais são

estabelecidas a partir do sentido do escoamento nessa fronteira. Quando existe uma

entrada através da fronteira os valores de Θ e S terão que ser estabelecidos, enquanto

que, se existir uma saída, Θ e S terão que ser transportados para o exterior:

( ) ( )∂∂

∂∂t

S un

SnΘ Θ, ,+ = 0 (2.110)

onde n representa a normal à fronteira lateral. No que se refere ao q l2 e é suficiente

considerar que não existe qualquer advecção através das fronteiras laterais.

A prescrição da massa e da quantidade de movimento nas fronteiras laterais abertas é

mais difícil dado que estas dependem efectivamente da interacção com o exterior, a qual

é a priori desconhecida quando se modela uma região limitada. No entanto, o

escoamento através das fronteiras tem que ser estabelecido como uma função do tempo.

O requisito mais importante a satisfazer é o balanço de massa. Assim as condições de

fronteira abertas terão que ser especificadas de forma a que não exista nenhuma

alteração de massa durante um determinado intervalo de tempo. Para os cálculos de

maré (barotrópicos), a elevação da superfície livre ( )η t deverá ser imposta na fronteira.

Muitas vezes é utilizada uma condição de radiação de Sommerfeld da forma:

0~ =+n

ct ∂

φ∂∂φ∂

(2.111)

onde φ é qualquer quantidade como ,...,uη e c~ é a velocidade de fase de uma

perturbação que se aproxima da fronteira desde o interior do domínio. A Eq. 2.111 é

definida por forma a não conter perturbações transitórias geradas no interior. Contudo, a

sua aplicação nem sempre é clara, especialmente desde que a velocidade de fase da

2.5 Formulação matemática dos modelos quasi-3D

83

perturbação não seja conhecida a priori, sendo difícil decidir quais as perturbações que

deverão ser propagadas para o exterior. Uma estratégia possível para resolver a primeira

questão é calcular a velocidade de fase na região interior adjacente à fronteira aberta a

partir das soluções do interior e usar o valor calculado na Eq. 2.111. É importante

lembrar que condições como a que é traduzida pela Eq. 2.111 não substituem a

necessidade de se conhecer como a região exterior afecta as condições de fronteira

laterais abertas.

2.5.5 Transformação para coordenadas sigma

Um sistema de coordenadas vertical, conforme topograficamente, tem muitas vantagens

quando se modelam bacias oceânicas ou zonas costeiras com grandes variações de

relevo do seu fundo. Estas apresentam, no entanto, um custo adicional em termos de

agravamento da complexidade das equações a resolver. Procede-se neste ponto à

transformação das equações em coordenadas verticais z para coordenadasσ , com:

ηη

σ+−

=hz

(2.112)

Formalmente, procede-se à transformação das equações de um sistema de coordenadas

( )x y z t, , , para um sistema de coordenadas ( )x y t, , ,σ onde x x= , y y= e t t= . Seja

φ uma variável dependente que representa uma quantidade qualquer relacionada com

uma determinada propriedade oceânica. As derivadas desta quantidade estão

relacionadas nos dois sistemas de coordenadas pelas seguintes expressões:

+−=

=

+−=

+−=

tHtH

Htt

Hz

yHyH

Hyy

xHxH

Hxx

∂∂η

∂∂σ

∂σφ∂

∂φ∂

∂φ∂

∂σφ∂

∂φ∂

∂∂η

∂∂σ

∂σφ∂

∂φ∂

∂φ∂

∂∂η

∂∂σ

∂σφ∂

∂φ∂

∂φ∂

1

1

1

1

(2.113)

(2.114)

(2.115)

(2.116)

Capítulo 2

84

onde η+= hH é a profundidade total da coluna de água. Note-se que σ tal como foi

definido na Eq. 2.112, varia desde 0 na superfície livre z = η até -1 no fundo hz −= (é

também possível definir σ de forma que a sua variação seja entre -1 e +1). Utilizando

as Eq. 2.113 a 2.116 e esquecendo as barras sobre as coordenadas x, y e t para uma

maior clareza, a equação de continuidade, as equações de conservação da quantidade de

movimento, as equações de conservação de temperatura potencial e salinidade e as

equações da energia cinética e da macro escala da turbulência poderão ser escritas na

seguinte forma:

( ) ( ) 0=+++∂σ∂

∂∂

∂∂

∂∂η w

vHy

uHxt

(2.117)

( ) ( ) ( ) ( ) 11 DFu

HK

DPfvHwuy

vuHx

uuHuH

tM +

+−=−+++

∂σ∂

∂σ∂

∂σ∂

∂∂

∂∂

∂∂

(2.118)

( ) ( ) ( ) ( ) 22 DFv

HK

DPfuHwvy

vvHx

uvHvH

tM +

+−=−+++

∂σ∂

∂σ∂

∂σ∂

∂∂

∂∂

∂∂

(2.119)

( ) ( ) ( ) ( ) Θ+

Θ

=Θ+Θ

+Θ DFHK

wy

Hvx

HuH

tV

∂σ∂

∂σ∂

∂σ∂

∂∂

∂∂

∂∂

(2.120)

( ) ( ) ( ) ( ) SV DF

SHK

wSy

vSHx

uSHSH

t+

=+++

∂σ∂

∂σ∂

∂σ∂

∂∂

∂∂

∂∂

(2.121)

( ) ( ) ( ) ( )

qVM

q

DFlBHqg

Kvu

HK

qH

Kwq

yHvq

xHuq

Hqt

+−+

+

+

+

=+++

1

322

22

222

222

∂σ∂ρ

ρ∂σ∂

∂σ∂

∂σ∂

∂σ∂

∂σ∂

∂∂

∂∂

∂∂

(2.122)

e

2.5 Formulação matemática dos modelos quasi-3D

85

( ) ( ) ( ) ( ) ( )

lVM

q

DFLl

EB

HqglEK

vuHl

EK

lqH

Klwq

ylHvq

xlHuq

lHqt

+

+−+

+

+

+

=+++

2

21

3

3

22

1

22

222

1κ∂σ

∂ρρ∂σ

∂∂σ∂

∂σ∂

∂σ∂

∂σ∂

∂∂

∂∂

∂∂

(2.123)

onde lqS DFDFDFDFDFDF e ,,,, 21 Θ representam os termos de difusão horizontal para

a quantidade de movimento e para as grandezas escalares lqqS 22 e ,,Θ

respectivamente, e 21 e DPDP representam os gradientes horizontais de pressão.

Salienta-se que a barra de w não é apresentada nas equações anteriores, a qual

representa uma pseudo-velocidade vertical no novo sistema de coordenadas, dada por:

+−+−+−=

ttH

yv

yH

vx

ux

Huww

∂∂η

∂∂

σ∂∂η

∂∂

σ∂∂η

∂∂

σ (2.124)

esta relação simplifica quer as equações anteriores quer as condições de fronteira a

satisfazer na superfície livre e no fundo:

1 ou 0para 0 −=== σσw (2.125)

Os termos relacionados com o gradiente de pressões DP DP1 2 e são dados por:

σ∂σ∂ρ

σ∂∂

ρ

∂∂η

∂∂σ

ρσρ∂∂

ρ∂∂η

∂∂

ρ

σ

σ

dxHgH

xHxH

Hd

xgH

xgH

xpH

DP a

+−++=

0

''

0

'0

0

2

01

1

(2.126)

'0

''

0

'0

0

2

02

1

σ∂σ∂ρ

σ∂∂

ρ

∂∂η

∂∂σ

ρσρ∂∂

ρ∂∂η

∂∂

ρ

σ

σ

dyHgH

yHyH

Hd

ygH

ygH

ypH

DP a

+−++=

(2.127)

Os termos relativos à viscosidade (difusão) horizontal 21 e DFDF são dados por:

Capítulo 2

86

+−+

+−= yxyxxx

xx

yHyH

HyxHxH

HxDF τ

∂∂η

∂∂σ

∂σ∂

τ∂∂

τ∂∂η

∂∂σ

∂σ∂

∂∂τ 11

1

(2.128)

+−+

+−= yyyyxy

xy

yHyH

HyxHxH

HxDF τ

∂∂η

∂∂σ

∂σ∂

τ∂∂

τ∂∂η

∂∂σ

∂σ∂

∂∂τ 11

2

(2.129)

onde:

( )

( ) ( )

( )

+−=

+−+

+−=

+−=

yyH

vvHx

A

xxH

vvHxyy

HuuH

yA

xxH

uuHx

A

Myy

Mxy

Mxx

∂∂η

∂∂

σ∂σ∂

∂∂

τ

∂∂η

∂∂

σ∂σ∂

∂∂

∂∂η

∂∂

σ∂σ∂

∂∂

τ

∂∂η

∂∂

σ∂σ∂

∂∂

τ

2

2

2

(2.130)

O termo de difusão horizontal ΘDF é dado por:

( ) ( )

+−+

+−=Θ yyxx q

yHyH

Hq

yq

xHxH

Hq

xDF

∂∂η

∂∂σ

∂σ∂

∂∂

∂∂η

∂∂σ

∂σ∂

∂∂ 11

(2.131)

onde:

( )

Θ

+−Θ=

xxH

Hx

Aq Hx ∂∂η

∂∂

σ∂σ∂

∂∂

(2.132)

e

( )

Θ

+−Θ=

yyH

Hy

Aq Hy ∂∂η

∂∂

σ∂σ∂

∂∂

(2.133)

2.5 Formulação matemática dos modelos quasi-3D

87

Os termos de difusão horizontal DFS, DFq e DFl das Eq.s 2.121 a 2.123 são dados por

expressões similares às representadas pelas Eq. 2.118 a 2.119, substituindo-se Θ por

lqqS 22 e , , respectivamente.

As expressões anteriores, para quantidades relativas a difusões horizontais, são

expressões gerais. É possível simplificar estas expressões desprezando-se os termos

∂η∂

∂η∂x y

e , uma vez que em regra yH

<< e xH

<<∂∂

∂∂η

∂∂

∂∂η

yx, com excepção de zonas

costeiras muito pouco profundas, podendo ainda considerar-se hH ≅ .

No entanto, mesmo considerando as simplificações anteriores, as equações apresentadas

para os termos relacionados com a difusão horizontal são ainda complicados e de

cálculo difícil. Existe portanto uma necessidade de se efectuarem mais simplificações.

Por outro lado, existe ainda uma grande incerteza no que se refere à quantificação dos

coeficientes de mistura A AM H e . São mais frequentes os casos em que se considera que

a difusão horizontal aparece como necessidade de controlar o processo numérico,

definindo-se os coeficientes A AM H e de uma forma ad-hoc, do que aqueles em que

estes coeficientes são estabelecidos tendo por base as características físicas do problema

a resolver.