CAPITULO II - Francisco Amaral

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CAPITULO II O Direito e sua Realização. O Raciocínio Jurídico. Sumário: l . A norma jurídica. Conceito. Razão de ser. Objeto. Destinatários. Aspectos formal e material. 2. Natureza da norma jurídica. A norma como comando, como juízo e como proposição lingüística. 3. Características da norma jurídica. Bilateralidade e coercitividade. 4. Sanção. Natureza. Finalidade. Espécies. 5. Estrutura da norma jurídica. Condição de aplicação e dispositivo. 6. Classificação das normas jurídicas. 7. Normas de direito público e normas de direito privado. Critérios distintivos. 8. Crítica à dicotomia direito público-direito privado. 9. Normas privadas e normas públicas. 10. Normas gerais e normas singulares, l L Normas abstratas e normas concretas. 12. Normas rígidas e normas elásticas. 13. Normas cogentes e normas não-cogentes. 14. Normas interpretativas e normas integrativas. 15. Normas perfeitas e normas imperfeitas. 16. Normas de direito comum, normas de direito especial e normas de direito excepcional. 17. Fontes das normas jurídicas ou fontes do direito. 18. A realização do direito. O raciocínio jurídico. 19. Crítica ao silogismo de subsunção. 20. Interpretação da norma jurídica. 21. Espécies de interpretação. 22. A interpretação no Código Civil Brasileiro. 23. A integração da norma jurídica. A analogia e suas espécies. 24. Os costumes e os princípios gerais do direito. 25.Os Princípios Jurídicos do Código Civil de 2002. 26. A vigência da norma jurídica. Princípios da obrigatoriedade e da continuidade. O erro de direito. 27. A vigência temporal da norma. Princípios fundamentais. O direito adquirido. Regras fundamentais. 28. A vigência espacial da norma. Conflitos de normas no espaço. Princípios diretores. l. A norma jurídica. Conceito. Razão de ser. Objeto. Destinatários. Aspectos formal e material. As normas jurídicas são normas de comportamento ou de organização que emanam do Estado ou por ele têm sua aplicação garantida. Pertencem, portanto, à ordem ética, que estabelece as leis do dever ser. Sua existência prende-se à necessidade de se estabelecer uma ordem que permita a vida em sociedade, evitando ou solucionando conflitos, garantindo a segurança nas relações sociais e jurídicas, promovendo a justiça, a segurança, o bem comum, com o que também garante a realização da liberdade, da igualdade e da paz social, os chamados valores fundamentais e consecutivos da axiologia jurídica. Seu objeto é, em suma, o comportamento das pessoas, que se visa disciplinar ou orientar de acordo com os valores fundamentais de cada grupo social 1 . Seus destinatários são aqueles a quem disserem respeito, isto é, aqueles para quem a norma se torna eficaz, os que forem por ela afetados em suas relações jurídicas. No tocante ao seu aspecto formal (formal no sentido de independente do seu conteúdo), as normas jurídicas apresentam-se como proposições, grupos de palavras com significado próprio e específico que prescrevem um determinado tipo de comportamento ou de organização social, reconhecendo direitos e deveres e orientando o comportamento dos indivíduos ou dos grupos. Vêm expressas nas disposições da lei, um texto que as apresenta, depois de elaboradas pelo poder competente. Norma jurídica não é sinônimo de lei. Esta pode conter inúmeras normas, como ocorre com o Código Civil. Não se confundem, também, as normas jurídicas com os dispositivos de lei que as expressam. Esses dispositivos, ou proposições, são os sinais lingüísticos, conjunto de palavras que as revelam. Daí dizer-se que a ciência do direito é uma ciência de palavras, sendo a proposição jurídica a forma lógico-gramatical da norma 2 . Apresenta-se essa nos Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer

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CAPITULO II

O Direito e sua Realização. O Raciocínio Jurídico.

Sumário: l. A norma jurídica. Conceito. Razão de ser. Objeto. Destinatários. Aspectosformal e material. 2. Natureza da norma jurídica. A norma como comando, como juízoe como proposição lingüística. 3. Características da norma jurídica. Bilateralidade ecoercitividade. 4. Sanção. Natureza. Finalidade. Espécies. 5. Estrutura da normajurídica. Condição de aplicação e dispositivo. 6. Classificação das normas jurídicas. 7.Normas de direito público e normas de direito privado. Critérios distintivos. 8. Críticaà dicotomia direito público-direito privado. 9. Normas privadas e normas públicas. 10.Normas gerais e normas singulares, l L Normas abstratas e normas concretas. 12.Normas rígidas e normas elásticas. 13. Normas cogentes e normas não-cogentes. 14.Normas interpretativas e normas integrativas. 15. Normas perfeitas e normasimperfeitas. 16. Normas de direito comum, normas de direito especial e normas dedireito excepcional. 17. Fontes das normas jurídicas ou fontes do direito. 18. Arealização do direito. O raciocínio jurídico. 19. Crítica ao silogismo de subsunção. 20.Interpretação da norma jurídica. 21. Espécies de interpretação. 22. A interpretação noCódigo Civil Brasileiro. 23. A integração da norma jurídica. A analogia e suasespécies. 24. Os costumes e os princípios gerais do direito. 25.Os PrincípiosJurídicos do Código Civil de 2002. 26. A vigência da norma jurídica. Princípios daobrigatoriedade e da continuidade. O erro de direito. 27. A vigência temporal danorma. Princípios fundamentais. O direito adquirido. Regras fundamentais. 28. Avigência espacial da norma. Conflitos de normas no espaço. Princípios diretores.

l. A norma jurídica. Conceito. Razão de ser. Objeto. Destinatários. Aspectos formal ematerial.

As normas jurídicas são normas de comportamento ou de organização queemanam do Estado ou por ele têm sua aplicação garantida. Pertencem, portanto, àordem ética, que estabelece as leis do dever ser.

Sua existência prende-se à necessidade de se estabelecer uma ordem quepermita a vida em sociedade, evitando ou solucionando conflitos, garantindo asegurança nas relações sociais e jurídicas, promovendo a justiça, a segurança, o bemcomum, com o que também garante a realização da liberdade, da igualdade e da pazsocial, os chamados valores fundamentais e consecutivos da axiologia jurídica. Seuobjeto é, em suma, o comportamento das pessoas, que se visa disciplinar ou orientar deacordo com os valores fundamentais de cada grupo social1.

Seus destinatários são aqueles a quem disserem respeito, isto é, aqueles paraquem a norma se torna eficaz, os que forem por ela afetados em suas relações jurídicas.

No tocante ao seu aspecto formal (formal no sentido de independente do seuconteúdo), as normas jurídicas apresentam-se como proposições, grupos de palavrascom significado próprio e específico que prescrevem um determinado tipo decomportamento ou de organização social, reconhecendo direitos e deveres e orientandoo comportamento dos indivíduos ou dos grupos. Vêm expressas nas disposições da lei,um texto que as apresenta, depois de elaboradas pelo poder competente. Norma jurídicanão é sinônimo de lei. Esta pode conter inúmeras normas, como ocorre com o CódigoCivil. Não se confundem, também, as normas jurídicas com os dispositivos de lei que asexpressam. Esses dispositivos, ou proposições, são os sinais lingüísticos, conjunto depalavras que as revelam. Daí dizer-se que a ciência do direito é uma ciência de palavras,sendo a proposição jurídica a forma lógico-gramatical da norma2. Apresenta-se essa nos

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textos legais sob a forma de artigos, subdivididos em itens e estes em alíneas. Os artigospodem ter parágrafos, subdivididos do mesmo modo.

Os dispositivos são a expressão lingüística e formal das normas jurídicas, masa cada um não corresponde, necessariamente, uma norma, sendo às vezes necessáriobuscarem-se vários no texto legal para encontrar-se a norma necessária, o que se faz pormeio da interpretação jurídica.

Quanto à sua matéria, ou aspecto material, a proposição jurídica contémordens, diretrizes, autorizações, definições, conforme se apresente como proposiçãoimperativa, permissiva, atributiva, ou meramente auxiliadora.

Exemplos de proposições jurídicas do Código Civil, onde se podem verificar osaspectos formal e material acima descritos:

Art. 2- "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, masa lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro."

Art. 91. "Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas,de uma pessoa, dotadas de valor econômico.

Art. 186. "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ouimprudência, violar direito, e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,comete ato ilícito."

Art. 1.566. "São deveres de ambos os cônjuges:I — fidelidade recíproca;II — vida em comum, no domicílio conjugai;III — mútua assistência;IV — sustento, guarda e educação dos filhos;V — respeito e consideração mútuos."Art. 1277. "O proprietário ou inquilino de um prédio tem o direito de impedir

que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúdedos que o habitam."

Art. 389. "Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo eno tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos."

Art. 1784. "Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se,desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários."

2. Natureza da norma jurídica. A norma como comando, como juízo e comoproposição lingüística.

Quanto à natureza, vale dizer, quanto à essência da norma jurídica, diversassão as concepções3.

Para uns, a norma jurídica é comando ou imperativo. Para outros é juízo.Para os primeiros, as normas de direito são comandos ou imperativos

emanados do Estado. Tal concepção corresponde à crença de que direito é produtoexclusivo do Estado, ou de quem detém o poder soberano4, o que implica a idéia de umvínculo de subordinação entre os titulares do poder e os destinatários da norma, assimcomo na existência de sanções para o caso da inobservância do preceito normativo. Paraesses, a regra jurídica vale porque imposta pelo Estado, pela autoridade soberana, fonteexclusiva do direito. É chamada doutrina da estatalidade, segundo a qual o Estado tem omonopólio da produção jurídica por ser o titular exclusivo da soberania, "poderoriginário e exclusivo de produzir direito positivo5". É um monismo jurídico, pois sóconsidera direito positivo o que for criado pelo Estado, e liga-se a uma determinada faseda história político-jurídica, a dos séculos XVII e XVIII, quando surgiu a idéia deEstado Nacional. Além do vínculo de subordinação, essa tese pressupõe sanções para otransgressor da norma, como conseqüência do descumprimento do dever jurídico.

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Existem normas, porém, que não exprimem comandos, pois não apresentamvínculo de subordinação intersubjetiva como, por exemplo, as de direito internacional,as de direito costumeiro e, no âmbito do direito civil, as que formam o vasto domínio daautonomia privada, o direito dos particulares, que surge entre as pessoas ligadas porlaços de coordenação, de igualdade, não de dependência, e onde se pressupõe aigualdade das partes a que se aplicam. Há ainda, normas sem sanção, somentepermissivas, cujo conteúdo é apenas autoriza-tivo, sem estabelecer deveres ouobrigações, normas simplesmente atributivas do poder de modificar a esfera jurídica deoutrem, e normas que apenas contêm definições legais, que ajudam na efetivação deoutras normas.

Concepções mais modernas rejeitam a idéia da norma como comando ouimperativo, preferindo vê-la como expressão de um juízo hipotético, juízo de valor,juízo disjuntivo6. Para a tese da norma como juízo hipotético, "se é A (fato hipotéticoprevisto), deve ser B (conseqüência ligada a esse fato)". A norma não seria comando,mas juízo objetivo de natureza hipotética, que estabelece um nexo de causalidade entreuma condição de aplicação, ou hipótese de um fato (um ilícito, por exemplo), e umaconseqüência (a sanção). Para os que consideram a norma como juízo de valor ou juízovalorativo, o que é conexo ou idêntico ao juízo hipotético, a norma, para a hipótese deverificar-se determinado fato, estabelece como devido um comportamento humano. Epara os que consideram a norma como juízo disjuntivo, "dado um fato, deve ser umaprestação, ou dada a não-prestação, deve ser a sanção (dado A deve ser P, ou dado não— P deve ser S).

Para terceira concepção, a norma jurídica tem, simultaneamente, caráterhipotético e categórico. Hipotético porque a realização do preceito jurídico depende deverificar-se uma determinada hipótese de fato nele prevista. Categórico, no sentido deque prescreve um determinado comportamento de modo incondicional7. Exemplo depreceito categórico é aquele que ordena o cumprimento de obrigações decorrentes dedeclaração de vontade, como ocorre nos contratos.

Concepção mais recente ainda vê a norma jurídica como proposiçãolingüística, de função prescritiva ou normativa, o que ressalta a importância dalinguagem no direito. A norma jurídica seria uma proposição prescritiva que,aconselhando, comandando ou advertindo, influi no comportamento das pessoas.

Qualquer que seja o entendimento acerca da natureza da regra jurídica, certo éque ela traduz uma prescrição, um modelo de comportamento ou de organização que,por sua vez, representa valores ou fins a atingir, podendo ser considerada uma regra demotivação social indireta por sua influência no comportamento social.Melhor seria considerar a norma jurídica como regra de comportamento socialmentegarantida, no sentido de ser um fenômeno da sociedade humana que representa ouexprime um "princípio de ordem garantidor de uma estrutura social".8

3. Características da norma jurídica. Bilateralidade e coercitividade.

O que distingue as normas jurídicas das demais regras de comportamentosocial é uma diferença específica, que consiste em particulares aspectos, como abilateralidade e a coercitividade.

Bilateralidade significa que a aplicação da norma jurídica pressupõe umapessoa em relação com outra, atribuindo poderes a uma e deveres a outra, com ou semreciprocidade. Veja-se o art. 1566 do Código Civil que, enunciando os efeitos jurídicosdo casamento, estabelece, para ambos os cônjuges, poderes e deveres recíprocos. Aregra moral estabelece apenas deveres e para um só sujeito. É autônoma9.

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A coercitividade, e não coercibilidade, consiste na possibilidade de coação^para se compelir o devedor a cumprir seu dever ou obrigação. É a possibilidade derecurso à sanção, para se fazer cumprir o preceito da norma jurídica, se não cumpridoespontaneamente.

Outros aspectos que a doutrina comumente vê nas normas jurídicas, como ageneralidade e a abstração, não são características, mas simples atributos, requisitos quea norma deve ter, juntamente com a impessoalidade, como garantia de valoresfundamentais do direito, a imparcialidade, a igualdade, a certeza10.

A generalidade ou universalidade consiste na indeterminação dos sujeitos a quea norma se destina (lex est commune praeceptum], como se verifica, por exemplo, noart. \- do Código Civil: "Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil". Visagarantir a igualdade na realização do direito.

A abstração é atributo que faz com que a norma se aplique a casosindeterminados, como, por exemplo, o art. 481 do Código Civil, que estabelece ahipótese de um gênero de atos, a compra e venda. Garante a imparcialidade narealização do direito. Tanto a abstração quanto a generalidade são atributos quedecorrem do princípio da igualdade formal, próprio do modelo jurídico do liberalismo eda ideologia do Estado de Direito.

4. Sanção. Natureza. Finalidade. Espécies.

Sanção é a pena que se impõe ao infrator da norma pelo des-cumprimento dodever nela contido.

Não é elemento essencial nem característico da norma jurídica, pois existemnormas sem sanção, como ocorre no direito constitucional, no administrativo, noprocessual, em que a função básica é a organizativa, tanto dos poderes públicos quantoda administração judiciária. A sanção consiste, sim, em um meio criado pelo poderjurídico para motivar o respeito à lei, punindo a infração. Note-se que a grande maioriadas pessoas observa, espontaneamente, as diretrizes da norma, sendo inconcebível que aeficiência do direito decorra apenas do receio às sanções. Estas consistem, sim, em umagarantia do cumprimento da norma, embora sejam efeito da sua inobservância.

Sanção não é coação. Esta é a aplicação forçada da sanção11, que no direitoprivado não opera, de regra, diretamente. Quando o juiz condena, estabelece umasanção. Se o réu não a cumpre, pode o autor pedir que ela seja imposta pela força,coativamente. O arresto

cie bens e a hasta pública são formas de coação. Conseqüentemente,coatividade é a possibilidade de coagir, não consistindo em característica essencial dodireito12. Não se confunde com a coercibilidade, que é a possibilidade de alguém sercoagido. Quem coage é o lesado, não a norma jurídica13.

A sanção tem finalidade preventiva, garantindo o respeito à lei, e restauradora,no sentido de que, violado o preceito contido na norma e configurado o dano, o infratoré obrigado a restabelecer a situação anterior (sanção direta) ou indenizar o lesado(sanção indireta)14. Significa isso que a sanção se põe à disposição de uma pessoa, olesado, ou da coletividade, para que ela a exija, se o desejar.

Conforme a sua finalidade específica, encontram-se no direito civil diversasmodalidades de sanção: preventivas, restauradoras, indenizatórias, coativas epunitivas15.

A preventiva visa garantir o respeito ao mandamento contido na norma.Configurando-se a possibilidade de lesão de um direito subjetivo, permite oordenamento jurídico que se tomem medidas cautelares para afastar tal possibilidade,

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como ocorre, por exemplo, com a guarda judicial de pessoas e de bens (CPC, art. 822),a prestação de caução (CPC, art. 826), a busca e apreensão (CPC, art. 839), a prestaçãode alimentos provisionais (CPC, art. 852), o afastamento temporário de um doscônjuges da morada do casal (CPC,. art. 888, VI).

A restauradora destina-se a reconstituir o estado anterior ao fato lesivo, comoocorre, por exemplo, com a reintegração na posse de determinado bem, em caso deesbulho (CC, art, 1.210, e CPC, art. 926), ou com a busca e apreensão de coisa no casode descumprimento da obrigação de devolvê-la.

A indenizatória tem o objetivo de recompor a situação patrimonial existenteantes do ato danoso, realizando-se por meio do instituto da responsabilidade civil. Todoaquele que não cumprir suas obrigações, ou deixar de cumpri-las pelo modo e no tempodevido (ilícito contratual), responde por perdas e danos (CC, art. 389), ou ainda, aqueleque, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito oucausar prejuízo a outrem (ilícito extracon-tratual), fica obrigado a reparar o dano (CC,art. 186). A sanção indenizatória consiste, sempre, no ressarcimento pelos danossofridos de ordem material ou moral.

As sanções coativas destinam-se a compelir o devedor a praticar o ato devido.Em princípio, ninguém pode ser obrigado a fazer algo contra sua vontade (nemo adfactum praecise cogi potesf), mas o direito dispõe de instrumentos para tal fim. É o quese verifica com as únicas hipóteses de prisão do devedor em direito civil (CF, art. 5-,LXVII), a do depositário infiel, que é aquele que se recusa a devolver o objeto de quetem a guarda (CC, arts. 638 e 652; CPC, art. 904, parág. único), e a do devedor deprestação de alimentos (CPC, art. 733, § l2). Ainda como sanção coativa podemosconsiderar o direito de retenção, pelo qual o locatário pode recusar-se a devolver a coisalocada enquanto o locador não o indenizar dos gastos feitos com a manutenção oumelhoramento da coisa, na forma da lei (CC,art. 578).

Como sanção punitiva, aquela que se traduz efetivamente em pena decorrenteda violação de um dever legal, temos a exclusão do herdeiro declarado indigno, naforma que a lei estabelece (CC, art. 1.814), a declaração da invalidade de um atojurídico, compreendendo a sua nulidade ou anulabilidade (CC, arts. 166 e 171), odesfazimento de um contrato (resolução), a expulsão de um membro da sociedade, adestituição do pátrio poder (CC, art. 1.638), da tutela ou da curatela (CC, arts. 1.766 e1.774), o suprimento da declaração de vontade do devedor no caso de ele recusar-se acumprir obrigação de fazer, como no caso de contrato preliminar (CPC, art. 639).

5. Estrutura da norma jurídica. Condição de aplicação e dispositivo.

A estrutura da norma jurídica forma-se de dois elementos, a condição deaplicação, ou hipótese de fato, que a doutrina italiana chama de fattispecie, a alemã deTatbestand e a inglesa de operative facts, significando previsão de ocorrência de fatohipoteticamente previsto, e o dispositivo ou preceito, disposizione, Rechtsfolg, que é aconseqüência jurídica estabelecida para o caso de verificar-se a hipótese. Se ocorre A,verifica-se B.16

Nem todas as normas têm essa estrutura. Algumas têm apenas dispositivocomo, no direito constitucional, campo das normas gerais programáticas, o art. 170 daConstituição, que estabelece os princípios da ordem econômica e financeira.

A condição de aplicação pode consistir:a) em uma previsão de acontecimento natural, por exemplo, a morte ou o

decurso do tempo. Verificando-se tal evento, o domínio e a posse da herançatransmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (CC, art. 1.784),

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ou ainda, atingindo uma pessoa os dezoito anos completos, acaba a menoridade,ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil (CC, art. 52);

b) em um ato jurídico, uma manifestação de vontade, por exemplo, o sinaldado por um dos contraentes firma a presunção de acordo final e torna obrigatório ocontrato, devendo ser restituído ou computado no preço, em caso de execução docontrato (CC, art. 417);

c) em uma situação jurídica, um estado pessoal, por exemplo, o de cônjuge,caso em que ele não pode praticar determinados atos, como a venda ou a doação deum imóvel, salvo no regime de separação absoluta de bens, sem o consentimento dooutro (CC, arts. 1.647).

O dispositivo pode estabelecer: a) obrigações, como acontece quando se praticaum ato ilícito (CC, art. 186); b) poderes jurídicos, como no caso dos contratos bilateraisem que a parte que deve pagar em primeiro lugar pode recusar-se a fazê-lo sem que aoutra pague ou dê garantias, se ocorrer diminuição no seu patrimônio capaz decomprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou (CC, art. 476); c)proibições, como se verifica, por exemplo, no caso de alguém ser nomeado tutor (CC,art. 1.749).

Verbos típicos do dispositivo são: dever, poder, ser obrigado, que exprimem asações necessárias como decorrência de se ter verificado a respectiva condição deaplicação.17

A hipótese de fato é marcada por grande abstração e generalidade. Abstração,no sentido de compreender um grande número de acontecimentos, e generalidade, umgrande número de pessoas que podem participar desses eventos. E uma realidade futuraque antecipadamente se prefigura com base em experiências anteriores e refere-se a umfato eventual, não a um acontecimento real.

A conseqüência jurídica é a resposta do direito à ocorrência de determinadofato, previsto na hipótese normativa, e traduz a valo-ração que o grupo social dá a essefato. Não se confunda, porém, a conseqüência jurídica com o efeito realmenteverificado. Este situa-se no campo do ser, enquanto aquela pertence ao mundo do deverser. A norma jurídica não corresponde, necessariamente, a um artigo da lei, que podeconter várias disposições, como o art. 1.538 do Código Civil, que prevê três casos desuspensão de cerimônia do casamento. Pode formar-se com vários dispositivos, como osque contêm definições, por exemplo, os artigos 79, 80, 82 e 83 do Código Civil, que,discriminando os bens imóveis e móveis, constituem condições de aplicação que levama determinadas conseqüências jurídicas. Se se considera imóvel o direito à sucessãoaberta (CC, art. 80, II), a alienação desse direito deve obedecer à forma legalestabelecida (CC, art. 108). Pode ainda a norma jurídica conter simples remissão, comoa do art. 533 do Código Civil, que manda aplicar ao contrato de troca as disposiçõesreferentes à compra e venda.

6. Classificação das normas jurídicas.

Classificar é distribuir em classes ou grupos, de acordo com determinadoscritérios de ordem teórica ou prática.

Existem vários critérios para a classificação das normas jurídicas como, porexemplo, o sistema a que pertencem, a fonte de que emanam, o âmbito especial,temporal, material e pessoal de validade, a sua hierarquia, a sua sanção, a sua qualidade,e sua relação com a vontade dos particulares18. Outro critério são os elementosestruturais da norma jurídica, a hipótese de fato e o efeito jurídico19.

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Respeitando os critérios estabelecidos, selecionamos as espécies que maisimportantes nos parecem para o estudo do direito civil, iniciando com a tradicionaldistinção entre as normas de direito público e as de direito privado.

7. Normas de direito público e normas de direito privado. Critérios distintivos.

A distinção entre as normas de direito público e as de direito privado étradicional, clássica, e tem utilidade didática para o estudo e compreensão dos sistemasjurídicos de base romana, européia e continental, como é a do nosso direito. O direitocomum de origem inglesa não conhece tal distinção.

Inexiste critério único para essa dicotomia. Os mais aceitos pela doutrina são odo interesse dominante na relação jurídica, o da natureza dos sujeitos, o do vínculo desubordinação entre eles e o da finalidade ou função do direito.

Pelo critério do interesse dominante, a norma jurídica é de direito público ou dedireito privado conforme seu objetivo seja proteger os interesses da sociedade ou dosindivíduos20. Com efeito, o direito privado visa assegurar, ao máximo, a satisfação dosinteresses individuais, enquanto o direito público, proteger os interesses da sociedade.

Tal critério é insuficiente. As normas jurídicas destinam-se, em suageneralidade, à proteção de todos os interesses, sendo que os dos particulares sãotambém de natureza pública, tendo em vista o bem comum. Talvez se possa dizer que odireito público protege, de modo imediato e direto, os interesses gerais, enquanto que odireito privado o faz de modo indireto. Quando a lei determina a escritura pública para avenda de imóveis acima de certo valor (CC, art. 108) ou impõe uma forma para ocasamento (CC, art. 1.533), a adoção (CC, art. 1.623), o testamento (CC, art. 1.862) etc.,por meio de norma de direito privado, visa também proteger o interesse geral, que é asegurança das relações jurídicas.

Segundo a natureza dos sujeitos, o direito público disciplina a atividade doEstado, e o direito privado, a dos particulares.

Esse critério é, também, insuficiente, pois nem sempre o Estado atua comotitular do poder público. Coloca-se, muitas vezes, em plano de igualdade com osparticulares, principalmente nos atos de gestão patrimonial, isto é, nos atos normais deadministração, quando se submete às normas de direito privado. Basear-se nesse critérioseria conferir à vontade estatal valor jurídico superior à dos demais sujeitos, o que, emum Estado de direito, é inadmissível.

Pelo critério da relação de coordenação ou de subordinação em que os agentesse coloquem, as normas de direito privado dirigem-se a pessoas no mesmo plano derelação jurídica, enquanto as de direito público pressupõem um vínculo desubordinação. É a teoria do ius imperium, para a qual o direito público regula asrelações do Estado e de outras entidades com poder de autoridade, enquanto o direitoprivado disciplina as relações particulares entre si, com base na igualdade jurídica e nopoder de autodeterminação. Ocorre que, perante o direito, todos são iguais, particularese Estado, como já assinalado. Além disso, se adotado o critério da autoridade, veríamosque no direito privado também existem relações de subordinação, como acontece nodireito de família, entre pai e filhos, tutor e tutelado, curador e curatelado, e no direitosocietário, nas relações entre sociedades ou associações e seus membros.

Finalmente, para o critério da função, o direito privado teria o objetivo de"permitir a coexistência de interesses individuais divergentes, por meio de regras quetornem menos freqüentes os conflitos", enquanto ao direito público caberia a lunção dedirigir interesses divergentes para um fim comum, por meio de regras imperativas egeralmente restritivas.21 E, segundo as mais recentes concepções da teoria do direito e

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da sociologia jurídica, as funções do direito seriam as de reprimir os comportamentossocialmente perigosos, promover a justa distribuição dos bens e organizar os poderes doEstado e da administração pública.

De qualquer modo, a distinção é difícil e de pouca nitidez, pela inexistência decritérios absolutos. A doutrina dominante, porém, inclina-se pela teoria do iusimperium. Direito público seria o que regula as relações em que o Estado intervém compoder de autoridade, enquanto direito privado seria o que regula as relações dosparticulares entre si ou com o Estado, com base na igualdade jurídica e no seu poder deautodeterminação.

A conclusão a que se chega é a de que nessa matéria, como em qualquer outrade natureza social, confrontam-se dois pólos opostos, da sociedade como um todo e dosindivíduos entre si, o social e o individual, cada um a sobressair em sua importânciaconforme o enfoque ideológico da análise jurídica. Quando, por exemplo, Kelsendefende que o direito é uma técnica de organização social, cuja função é promover apaz, situa-se no ponto de vista da sociedade como um todo. Quando Ihering afirma ser odireito a garantia das condições de existência em sociedade, põe-se no ponto de vistados indivíduos.22 Ora, o fim primordial do direito deve ser a realização da justiça comoforma específica de garantir a segurança existencial.23

A importância dessa distinção manifesta-se em alguns aspectos práticos: a) nasnormas de direito privado, sua aplicação é deixada à iniciativa individual, cabendo aointeressado pedir a tutela do Estado, enquanto nas de direito público, esse impõe, por sisó, a respectiva observância, além do privilégio de poder tomar decisões unilateraisobrigatórias para os administradores (desapropriação, servidão pública, ocupaçãotemporária, requisição de bens etc.); b) os contratos de que o Estado participa (contratosadministrativos) contêm, muitas vezes, regras derrogatórias do direito comum; c) apropriedade dos bens do Estado constitui domínio público, e tais bens são inalienáveis einsuscetíveis de aquisição pela usucapião; d) a responsabilidade civil do Estado édisciplinada por normas especiais; e) a competência para julgar conflitos em que oEstado intervém é privativa de órgãos especiais (Justiça Federal no âmbito federal,Varas de Fazenda Pública, no âmbito estadual).

8. Crítica à dicotomia direito público-direito privado.

Uma perspectiva histórica facilita a compreensão da origem e significado dadicotomia direito público-direito privado. Essa distinção foi um dos postulados básicosdo Estado liberal, assim como o da divisão dos poderes (executivo, legislativo ejudiciário) e o do caráter abstrato e geral das normas jurídicas. O direito público era oconjunto de normas com que o Estado se organizava e regulava as relações entre si e osparticulares, visando proteger os indivíduos, não a coletividade. A separação dos doisramos correspondia à existente entre os sistemas da política e da economia, com outracaracterística, a da abstenção do Estado em intervir na segunda. Contrapunha-se, dessemodo, a sociedade civil, que era a natural, dirigida pelas suas próprias leis, emanadas danatureza ou da razão, ao Estado, que era o organismo mantenedor da ordem econômicae social.24

Tal distinção já existia em Roma, sendo certo que os seus termos ius publicume ius privatum não correspondiam à divisão atual25. Ius publicum era o direito derivadodo Estado, obrigatório para a comunidade, incluindo setores hoje considerados comodireito privado. Ao contrário, o ius privatum representava as relações que os indivíduosestabeleciam entre si, no exercício de sua autonomia. Essa diferença perde sentido naIdade Média, ressurgindo com a revolução comercial do século XV e reafirmando-se

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com o direito da revolução francesa, correspondendo, na época moderna, à separaçãoEstado-sociedade civil, representando esta o conjunto das relações econômicas.

Posteriormente, a interferência do Estado na economia contemporânea, causadapela concentração capitalista dos meios de produção26, conduz a uma interpenetração deambas as esferas e a uma superação da tradicional dicotomia. E uma das provas maisconsistentes desse processo é o surgimento de um novo direito, o direito da economia,que combina processos jurídicos, institutos e conceitos de direito público e de direitoprivado. Com ele, o Estado intervém na economia, órbita tradicional do direito privado,utilizando-se do instrumental jurídico deste ramo, como a técnica de constituição daspessoas jurídicas e os atos jurídicos. Com o direito público ficaria assim a função deorganizar atividades políticas e sociais do Estado, e com o direito privado, as atividadeseconômicas, quaisquer que fossem27, correspondendo isso à passagem do Estado liberalpara o Estado social, do Estado da ordem pública para o Estado promotor do bem-estarsocial. A distinção, a dicotomia direito público-direito privado, tem, assim, carátermanifestantemente ideológico28.

O direito privado permanece, portanto, como direito comum das pessoas e daeconomia, disciplinando as relações jurídicas comuns de ordem pessoal e patrimonial,enquanto o direito público disciplina relações jurídicas especiais e autoritárias, criadasem função de uma atividade dirigida a fins de interesse geral.

9. Normas privadas e normas públicas.

As normas de direito privado, quanto à sua fonte de produção, vale dizer,quanto ao poder que as cria, dividem-se em normas privadas e normas públicas. Asprimeiras são produto da autonomia privada, poder que os particulares têm deestabelecer por si só, embora respeitando os critérios de sua validade e eficácia,estabelecidos por normas públicas superiores (como as que estabelecem os elementos erequisitos do ato jurídico), as regras disciplinadoras de sua própria atividade, de seusinteresses. A autonomia privada é a mais importante manifestação do princípio daliberdade jurídica, um dos princípios fundamentais do direito civil. Seu instrumento derealização é o negócio jurídico. As normas privadas são autônomas no sentido de quesão os próprios particulares, interessados, que as estabelecem.29

As normas públicas, ou heterônomas, são as que se contêm nas leis, elaboradaspelos órgãos legislativos competentes para a disciplina e organização da vida emsociedade, como as de organização e funcionamento das pessoas jurídicas de direitoprivado.

Normas privadas e normas públicas não se confundem com normas de direitoprivado e normas de direito público pelos critérios já apontados. Além disso, as normasprivadas são, geralmente, individuais e concretas como as que nascem dos contratos,enquanto as normas públicas são gerais e abstratas como as contidas nas leis.

10. Normas gerais e normas singulares.

As normas gerais prevêem, como agente da ação prevista na hipótese de fato,uma classe de sujeitos (por exemplo, o art. 186 do Código Civil refere-se à generalidadedas pessoas), enquanto as normas singulares indicam determinadas pessoas, comoocorre nas autorizações, nas concessões, nos privilégios, nas sentenças, nos tratadosinternacionais, nos contratos. As normas de direito singular não devem produzir outrosefeitos além dos que especificamente visados.

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As normas singulares podem ser privadas e públicas, conforme derivem davontade particular (contratos, testamentos), ou da atividade das autoridades (decisõesjudiciais e administrativas).

11. Normas abstratas e normas concretas.

As normas abstratas são as que prevêem, como hipótese de aplicação, umacategoria de fatos (por exemplo, o ato ilícito, em geral CC, art. 186). São universaiscom respeito à ação. Normas concretas são as que prevêem um determinado fato(compra e venda de objeto determinado).30 É no campo do direito civil que seencontram, por excelência, as normas jurídicas individuais e concretas, como as quenascem, por exemplo, dos negócios jurídicos.

12. Normas rígidas e normas elásticas.

Normas rígidas são aquelas em que a hipótese de fato é bem determinada pelolegislador, não permitindo maior amplitude na apreciação dos fatos e na determinaçãode suas conseqüências, como ocorre, por exemplo, com o que se dispõe sobre o estado ea capacidade das pessoas (CC, arts. 32 e 42), os prazos de prescrição (CC, art. 206), afixação dos juros de mora (CC, art. 591) Quando a lei estabelece os requisitos dotestamento (CC, arts. 1.864, 1.868, 1.876), a validade desse ato depende da estreitaobservância dessas disposições legais.

Normas elásticas são as que permitem maior liberdade ao intérprete naavaliação dos fatos, por utilizarem conceitos de conteúdo variável, como os deeqüidade, dolo, culpa, fraude, boa-fé, ilicitude, ordem pública, bons costumes,diligência de bom pai de família, abuso de direito, justo preço, justa indenização etc.São os chamados standards jurídicos ou conceitos em branco, que servem para adequara generalidade da norma à singularidade dos casos distintos e individuais.31

13. Normas cogentes e normas não-cogentes.

As normas cogentes são as que se impõem de modo absoluto, não sendopossível a sua derrogação pela vontade das partes. São imperativas (determinam umaação) ou proibitivas (impõem uma abstenção). Regulam matéria de ordem pública e debons costumes, entendendo-se como ordem pública o conjunto de normas que reguiamos interesses fundamentais do Estado ou que estabelecem, no direito privado, as basesjurídicas da ordem econômica ou social32. A ordem pública compreende o que éindispensável à organização social, isto é, as normas referentes à liberdade e à igualdadedos cidadãos, ao direito de associação, à liberdade de trabalho, à responsabilidade civil,ao estado e capacidade das pessoas, aos efeitos do casamento, ao pátrio poder, àproteção dos incapazes, à obrigação alimentar, ao estado civil, à propriedade, àssucessões, à proibição de anatocismo, à prescrição e decadência. Ordem pública não seconfunde com direito público. Bons costumes são o aspecto moral da ordem pública,são o conjunto de regras morais de um povo.

As normas não-cogentes, ou permissivas, são aquelas que permitem o livreexercício da vontade individual na disciplina dos interesses particulares. Distinguem-seem dispositivas, quando permitem que os sujeitos disponham como lhes aprouver, esupletivas, quando se aplicam na falta de regulamentação privada, preenchendo, noexercício de uma função integradora as lacunas por ela deixadas.

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As normas cogentes predominam, em matéria privada, no direito de família, nodas sucessões e nos direitos reais. As normas supletivas aplicam-se, principalmente, nocampo das obrigações, na ausência de manifestação de vontade das partes.

As normas cogentes aplicam-se em qualquer hipótese, enquanto que as não-cogentes só se aplicam na ausência da regulamentação privada.

A distinção das normas em cogentes e não-cogentes baseia-se, portanto, naeficácia da vontade particular em face das normas jurídicas que emanam do Estado,tendo grande importância nos países de direito codificado, pois não existem nos paísesde Common Law. Importância prática dessa distinção está no fato de que amanifestação da vontade privada contrária à norma cogente é nula, não produzindoefeitos, em princípio.

Também os direitos reconhecidos pelas normas imperativas são, no mais dasvezes, irrenunciáveis, por exemplo, os efeitos do casamento (CC, art. 1.566), o direito aalimentos (CC, art. 1.694).

Poderíamos ainda referirmo-nos à norma semi-imperativa, própria dalegislação de direito social, a qual, para proteger a parte considerada mais fraca nocontrato, estabelece a sua inderrogabili-clade, salvo no caso de beneficiar essa parte,como se encontra na lei do inquilinato e na legislação trabalhista33.

14. Normas interpretativas e normas integrativas.

As normas interpretativas estabelecem os critérios a seguir na pesquisa dosentido da norma (CC, art. 112) ou fixam-lhe previamente o sentido. Normasintegrativas são as que se compõem com outras normas, preenchendo-lhes as lacunas.Por exemplo, nos contratos, deixando os contratantes de fixar o local de pagamento,aplica-se a norma do art. 327 do Código Civil, que dispõe: "Efe-tuar-se-á o pagamentono domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou secontrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias."

15. Normas perfeitas e normas imperfeitas.

Quanto à sanção, a norma pode ser perfeita, mais-que perfeita, menos-que-perfeita e imperfeita (lex perfecta, lexplus quam perfecta, lex minus quam perfecta, leximperfecta). A norma perfeita estabelece, como sanção, a inexistência ou a nulidade doato (exemplos: CC, arts. 1.548, 1.749); a mais-que-perfeita estabelece duas sanções,como, por exemplo, a Lei n2 5.478, de 25.07.68 (Lei de Alimentos), no art. 19 e seu §l2. A menos-que-perfeita estabelece sanção diversa da nulidade, permitindo a eficáciado ato (CC, art. 1.641). A imperfeita não tem sanção (ex.: obrigação natural aquela emque o credor não dispõe de ação para compelir o devedor ao pagamento), sendo maisfreqüente no direito público, nas leis de organização e no direito internacional.

16. Normas de direito comum, normas de direito especial e normas de direitoexcepcional.

Relativamente aos princípios do sistema jurídico, as normas ainda se dividemem comuns, especiais e excepcionais.

Normas comuns ou gerais são as que se aplicam a um determinado sistema derelações, como as de direito privado. Normas especiais, as que se aplicam a certasrelações jurídicas de direito comum, regulando-as diversamente, como ocorre com as dedireito comercial ou da previdência social.

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O direito especial afasta-se das regras de direito comum e destina-se a classesespeciais de pessoas, coisas e relações. Enquanto o direito comum destina-se a regular arealidade jurídica e social considerada em sua totalidade, o direito especial forma-se denormas que se destinam a determinadas relações. São normas especiais as que formam oCódigo Comercial, a lei dos registros públicos, a lei do condomínio, a lei do inquilinato,a lei da propriedade intelectual etc. Direito comum e direito especial não são contrários.Este desenvolve os princípios daquele, sendo o direito comum supletivo do especial. Odireito civil, por exemplo, é o direito privado comum, supletivo do comercial, que édireito especial.

O direito excepcional aparece como contrário aos princípios que informam osistema jurídico. Suas normas regulam de modo diverso ao estabelecido no direitocomum, fatos ou relações jurídicas que, por sua natureza, estariam nele compreendidos.O direito excepcional não produz mais efeitos do que os estabelecidos na lei, nãoadmitindo, por isso, interpretação extensiva nem aplicação por analogia. São exemplosde normas excepcionais as que consagram a responsabilidade civil objetiva,contrariamente ao princípio geral e secular da culpa, e as que se inserem no CC, arts.1.647, 1.749, 497.

17. Fontes das normas jurídicas ou fontes de direito.

A compreensão da natureza e eficácia das normas jurídicas pressupõe oconhecimento da sua origem ou fonte, isto é, dos mecanismos institucionais que fixam omodo como se produzem e manifestam as regras de direito. E uma questão política esociológica, na medida em que envolve o reconhecimento de um âmbito de poder emque se confrontam grupos sociais diversos, na defesa de seus interesses.

A expressão fonte de direito tanto significa o poder de criar normas jurídicasquanto a forma de expressão dessas normas. No primeiro caso, as fontes dizem-se deprodução e, segundo a estrutura de poder que representam, são o poder legislativo, opoder judiciário, o poder social (os usos e costumes) e o poder dos particulares.

A fonte de direito consiste assim em um ato de vontade, da sociedade, por seuspoderes de natureza executiva, legislativa e judiciária, ou de grupos sociais ouinstituições, ou até dos próprios indivíduos no exercício de um poder que lhes éreconhecido pela ordem jurídica, que é a chamada autonomia privada.34

Em todos esses poderes existe um fator comum, que é a vontade, social ouindividual, exercitável na forma e nos limites que o sistema jurídico estabelece,obedecendo à escala de competências instituídas, e também a uma identidade depropósitos, que é a eficácia jurídica, a produção de efeitos jurídicos. É por isso que adoutrina realista de Duguit, Jéze, Bonnard, unifica as diversas fontes de produçãojurídica em uma só manifestação, o ato jurídico, distinguindo-o em quatro espécies: ato-regra, ato subjetivo, ato-condição e ato jurisdi-cional, de acordo com a origem davontade e os efeitos produzidos. O ato-regra é o gênero que reúne todas as espécies delei, em sentido amplo, a lei, o decreto, as resoluções. O ato subjetivo seria amanifestação de vontade individual, apta a produzir efeitos juridicamente reconhecidos.Constitui a espécie de maior interesse para o direito civil, que estabelece a respectivadisciplina legal de sua existência, validade e eficácia e que tem no negócio jurídico asua mais relevante espécie. O ato-condição é manifestação de vontade de órgão públicoou de particular, destinada a inserir um indivíduo em uma situação jurídica própria,como ocorre, por exemplo, com a naturalização, a nomeação de funcionário público, ocasamento, a separação judicial, a admissão de pessoa como empregado35. O atojurisdicional compreende as decisões dos juizes e tribunais.

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No segundo caso, isto é, a idéia de fonte de direito como forma de revelaçãodesse direito, as fontes dizem-se de cognição, constituindo-se no modo de expressão dasnormas jurídicas, e são a lei, compreendendo a Constituição e suas leis complementares,as leis ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos legislativos e asresoluções (CF, art 59), o estatuto social, o negócio jurídico, o costume, os princípiosjurídicos e a sentença judicial.

A lei é um conjunto ordenado de regras que se apresenta como um textoescrito. Caracteriza-se por ser estatal, obrigatória, geral e permanente. Estatal, nosentido de ato do Estado, pelo seu poder legislativo; obrigatória, porque se impõe àvontade dos destinatários, que a devem observar e respeitar, sob pena de sanção; geral,porque se dirige a todos e a cada um indeterminadamente; permanente porque dispõepara o futuro, em princípio sem limitações de tempo. A lei é, assim, um ato do poderlegislativo que estabelece normas de comportamento social. Para entrar em vigor, deveser promulgada e publicada no Diário Oficial.

Em matéria de direito civil, a lei básica, geral, é o Código Civil, que secomplementa com leis e decretos de natureza especial, referentes a institutos que, porsua importância, têm merecido particular atenção do legislador, como a locação, oparcelamento do solo urbano, o condomínio, os direitos autorais, a separação judicial eo divórcio, os registros públicos etc.

A autonomia privada é o poder que a pessoa tem de regular seus interesses,estabelecendo as normas de seu próprio comportamento. Seu instrumento é o negóciojurídico, declaração de vontade destinada a produzir efeitos que os declarantespretendem e o direito protege36. O negócio jurídico é, assim, modo de expressão dasregras jurídicas criadas pela vontade dos particulares. Suas normas têm as mesmascaracterísticas das que emanam do Estado, a saber, a bila-teralidade e a coatividade. Nomais das vezes, são individuais e concretas (eventualmente gerais e abstratas, como oestatuto das grandes associações, empresas, clubes etc.).

Do mesmo modo que as estatais, as normas particulares estabelecem direitos edeveres (bilateralidade), apresentam-se como juízos hipotéticos (abstração) eestabelecem sanções (coatividade).

O poder judiciário realiza o direito nos casos concretos, solucionando osconflitos de interesses e concretizando a justiça. Por meio de suas decisões, assentenças, estabelecem normas individuais e concretas. A reiteração desses julgados nomesmo sentido, criando uma orientação geral para os tribunais, forma a jurisprudência.As fontes do direito civil brasileiro são assim, basicamente, o Código Civil e alegislação complementar, os negócios jurídicos, as decisões que formam ajurisprudência uniforme, expressa nas súmulas, e os costumes. Quanto a estes o próprioCódigo permite a sua aplicação em determinadas matérias (arts. 1.297, § 1°, 372, 569,II, 596, 597, 615, 965, I), como também dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil, art.4°.

Há que se considerar, porém, a incidência da Constituição no direito civil. OCódigo Civil, por força das transformações políticas, jurídicas e sociais que vêemmarcando a sociedade contemporânea, perdeu a posição central que ocupava no sistemade fontes do direito moderno em favor da Constituição Federal, que passou a ser a fontesuprema do processo de criação e de cognição jurídica. A Constituição incorporou aoseu texto os valores, princípios e institutos básicos do direito civil, como a liberdade, asegurança, a igualdade (no Preâmbulo), a dignidade humana e a livre iniciativa (no seuart. l2), os direitos da personalidade (art. 52, X, XI, XII, XIIX), o direito de propriedade(art. XXII], o direito da herança (art. 5°, XXX), a proteção à família (arts. 203 e 226),dotados, não obstante o seu caráter prograrnático, própria de sua naureza constitucional,

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de eficácia imediata e direta. A constitucionalização desses princípios e institutos dedireito civil deu azo à defesa de um novel Direito Civil Constitucional,37 que ématerialmente direito civil e formalmente direito constitucional, sistematizado em trêsblocos, o direito civil constitucional da pessoa, o da família e o do patrimônio. Em facedisso, pode reconhecer-se que as normas constitucionais têm uma função de produçãojurídica e de transformação dos institutos tradicionais do direito civil38 e devemconstituir o ponto de partida para o seu estudo e aplicação, já que, embora dirigidas aolegislador, têm aplicação direta e imediata, pelo menos em matéria de direitosfundamentais (C.F., art. 5°, par. 1°). A aprovação do Código Civil de 2002 (Lei 10.406de 10 de janeiro de 2002), que incorpora, desenvolve e regulamenta as disposiçõesconstitucionais de natureza civil, isto é, os princípios e institutos supra mencionados,permite reconhecer, porém, nesse diploma uma nova posição central do Código Civil noordenamento jurídico brasileiro, "como lei básica, mas não global, do direito privado", apar das leis especiais vigentes não incluídas na sistemática do código.

18. A realização do direito. O raciocínio jurídico.

O direito existe para realizar-se39, o que se obtém por meio de uma série deatos que, em seu conjunto, constitui a realização do direito.

A finalidade da lei é permitir a elaboração de uma norma, e é para isso que elase cria40. Pensada como simples regra geral, não passa de mera abstração.

O direito é geralmente cumprido por seus destinatários. Quando impossível acomposição privada dos interesses em conflito, intervém os órgãos qualificados doEstado (juizes e tribunais) que relizam o direito no exercício da chamada funçãojurisdicional do Estado, ou jurisdição.

As normas jurídicas apresentam-se como já assinalado (p. 56) sob a forma deproposições, gerais e abstratas, enquanto que na realidade social surgem problemasespeciais e concretos. Torna-se, portanto, necessário estabelecer uma relação lógicaentre o preceito e o caso particular, inferindo-se a norma adequada à solução doproblema. A realização do direito é, assim, um processo técnico de elaboração, a partirdo sistema jurídico, da norma adequada ao problema concreto.

Para a perspectiva normativista e lógico-formal do direito, a realização desteconsiste em uma atividade lógica, a subsunção do caso concreto da vida à lei, por meiode um silogismo em que a premissa maior é a regra, a menor é o fato e a conclusão, asentença do juiz.

A realização do direito seria, assim, o procedimento técnico com que seconectam os fatos concretos da vida real com a regra jurídica adequada à solução doproblema. Como diz Larenz, o direito só se realiza quando aplicado ao caso econvertido em sentença.41

Acerca de tal matéria confrontam-se duas concepções teóricas. Para a teoriaclássica, própria do modelo de interpretação jurídica surgido com a RevoluçãoFrancesa, distingue-se a criação da aplicação do direito. A primeira seria dacompetência do poder legislativo, a segunda, do poder judiciário, que utilizaria umprocedimento lógico de subsunção, um silogismo no qual a premissa maior seria a regralegal, e a premissa menor, o fato fixado pelo juiz ou intérprete. A conclusão seriaautomática. E a posição do formalismo jurídico. O juiz seria apenas a boca quepronunciasse as palavras da lei. Para outra teoria, contemporânea, mais desenvolvida eadotada nos países de Commom Law, inexiste oposição entre criação e aplicação dodireito. Esta seria necessariamente uma criação jurídica ou judiciária, de acordo com ostextos legais.

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A realização do direito pressupõe o raciocínio jurídico, pois é por meio desteque aquela se realiza.

Podemos definir o raciocínio como a operação intelectual pela qual passamosde uma coisa conhecida para outra desconhecida. Consiste em um processo por meio doqual de uns juízos ou proposições (antecedentes, premissas) dadas, inferimos outro juízo(conclusão). O raciocínio pode ser dedutivo e indutivo. O raciocínio dedutivo é aqueleem que se parte de juízos gerais ou universais para descobrir outros mais particulares ouindividuais. Seu instrumento técnico é o silogismo, que se exprime ou manifesta peloargumento, utilizado no diálogo ou no debate jurídico para convencer. A arte do diálogochama-se dialética. O raciocínio indutivo ou empírico é aquele que se desenvolve apartir do conhecimento das coisas, fatos ou fenômenos, para alcançar os princípios ouconstruir teorias. Liga-se às práticas jurídicas de natureza sociológica, como as que severificam, por exemplo, no processo de elaboração das leis ou das regras jurídicas. Acontraposição entre os raciocínios dedutivo e indutivo, na determinação do direito, nãotem hoje, porém, maior sentido, em face do pluralismo metodológico que domina aciência jurídica atual.

Nos casos de realização do direito, o raciocínio dedutivo desenvolve-se pormeio do silogismo jurídico, que permite passar da norma geral e abstrata ao casoindividual e concreto.

O conhecimento da estrutura da norma jurídica ajuda a compreender o seumecanismo de aplicação, que consiste, basicamente, no seguinte:

a) verificando-se determinado fato, por exemplo, um atropelamento, umacidente, uma agressão etc., que configure a hipótese de ato ilícito, como descrito no art.186 do Código Civil (ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, de queresulte dano);

b) surge determinada conseqüência, que é a obrigação de reparar esse dano.Esse esquema lógico caracteriza assim o silogismo jurídico ou judiciário, que

é, na sua forma mais simples, um raciocínio de subsunção,42 em que a premissa maior éa questão de direito (a condição de aplicação da regra), a premissa menor é a questão defato (o caso da vida real), e a conseqüência, o preceito contido no art. 186 referido,como se pode exemplificar:

a) aquele que, por ação ou omissão voluntária, ou negligência, ouimprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano(questão de direito);

b) A causou prejuízo a B, na forma do art. 186 (questão de fato);c) A fica obrigado a reparar o dano causado (conseqüência). Para a

concepção tradicional, aplicar a norma jurídica seria,portanto, transportar para o caso particular a decisão que o dispositivo contém

em abstrato, o que depende de se verificar a circunstância para a qual o legislador crioua norma43. Aplicar o direito seria, assim, encaixar o caso da vida real na hipótese, nofigurino, na previsão que a norma contém, o que se faz por meio de uma série demedidas que em conjunto caracterizam a técnica jurídica.44

Este processo decorre do entendimento de que qualquer problema jurídicoapresenta uma questão de fato (quaestio facti), que é um acontecimento da vida real, porexemplo, um acidente, o descumprimento de um contrato, uma infração dos deveresconjugais, um desrespeito à propriedade etc., e uma questão de direito (quaestio iuris),que consiste no problema de se escolher a norma jurídica aplicável ao caso. Naprimeira, indaga-se o que e como efetivamente aconteceu, e, na segunda, qual a normaadequada à solução do problema e como aplicá-la. Na primeira fase fixam-se os fatosque constituem o fato concreto, por meio de um relato. Diz-se, por isso, que todo caso

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jurídico é uma história que se conta ao advogado, ao promotor, ao juiz, ao juristaenfim.45

Aplicar a norma jurídica é, assim, enquadrar o fato concreto na hipótese legal(Tatbestand, fattispecie), o que se chama de qualificação, do que logicamente decorre aconseqüência jurídica. Transporta-se para o caso particular a decisão que abstratamentea norma contém.

Deve advertir-se, porém, que essa operação lógica, o silogismo de subsunção,funciona apenas nas questões mais simples, em que se pode facilmente precisar aquestão de fato e a questão de direito, combinando-se em um simples raciocínio delógica formal. A concepção silogística do raciocínio jurídico serve apenas para asexposições mais elementares: por exemplo, se o art. 5- do Código Civil dispõe que amaioridade se atinge aos dezoito anos completos, e Antônio completou essa idade, essapessoa é, logicamente, maior de idade. É muito raro, porém, que o raciocínio jurídicopossa conduzir-se, assim, de modo tão simples, como nas demonstrações mate-máticas.46 Predomina, hoje, o pluralismo metodológico, (diferentes métodos deraciocínio jurídico) segundo o qual, no raciocínio da determinação do direito, conjugar-se-iam as diversas dimensões das normas, a jurídica (validade), a sociológica (eficácia)e a filosófica (legitimidade), em uma "dialética concreta de dedução-indução, isto é,uma dialética entre a norma, o fato-social e o valor.47 Contesta-se, assim, a concepçãotradicional segundo a qual "existe ao nosso dispor uma ordem jurídica pronta e acabada,e que o juiz não teria mais do que aplicar ao caso concreto, para dela deduzir, porsubsunção, a decisão concreta".

19. Crítica ao silogismo de subsunção.

O raciocínio jurídico não costuma ser assim tão simples, (se B é C e A é B,logo A é C), pois a vida real é muito mais complexa do que o direito pode prever,exigindo uma lógica específica, a chamada lógica dialética ou lógica da argumentação,que opõe ao pensamento baseado na idéia de sistema o pensamento problemático, outópica, que é uma técnica de pensamento por problemas. Contesta-se, assim, que asentença seja um mero silogismo.48

O raciocínio dedutivo da lógica jurídica tradicional nasce com o positivismo,que acentuou o aspecto sistemático e o pensamento axiomático-dedutivo do direito noraciocínio judicial.49 "As regras de direito seriam deduzidas dos princípios gerais dossistemas juríclicos e as decisões judiciárias seriam deduzidas das regras jurídicas poruma série de silogismos sucessivos." Os abusos e os limites da lógica formal,denunciados, porém, desde o começo do século por Geny, levaram à tendência, hojedominante, de ver no raciocínio jurídico um produto da lógica dialética ou daargumentação, em que a lógica é utilizada, não para demonstrar, mas para convencer. Alógica desempenha, assim, importante papel na decisão judiciária, que surge comoproduto de um raciocínio, permitindo conhecer como o juiz chega à sua decisão.50

Na lógica jurídica a lógica formal é útil mas não é absoluta, pois a aplicação dodireito e a passagem da regra abstrata ao caso concreto não é um simples processodedutivo, senão uma adaptação constante das disposições legais aos valores em conflitona controvérsia judicial, razão por que se constata a presença de fatores irracionais noraciocínio jurídico e se afirma serem "escolhas ideológicas fundamentais quedeterminam não somente a legislação mas também sua aplicação às situaçõesparticulares".51

Em conclusão, a tendência atual, embora reconheça a importância da lógicaformal no raciocínio jurídico, é para combater "a concepção mecânica do silogismo",

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aceitando a contribuição da lógica dialética ou lógica de argumentação, que contestauma aplicação rígida e inflexível das leis, respeitando a dupla exigência do direito, umade ordem sistemática, que é a criação de uma ordem coerente e unitária, e outra deordem pragmática, que é a busca de soluções ideologicamente aceitáveis e socialmentejustas.52

20. Interpretação da norma jurídica.

A complexidade da vida social e a necessidade de sua disciplina e organizaçãofazem com que o direito seja constantemente realizado pelas pessoas nos atos de suaexistência diária, prevenindo ou solucionando conflitos, ou organizando sua própriavida, aplicação essa de modo imperceptível e até inconsciente.

É, porém, na solução das controvérsias que a atuação do direito se faz presentede modo mais evidente. E o advogado, o juiz, o promotor, o defensor, enfim, ointeressado na realização do direito terá de criar a norma ou as normas jurídicas para ocaso concreto. Tal escolha pressupõe conhecer o sentido e o alcance da norma jurídicaadequada, que se apresenta em uma ou várias proposições lingüísticas, cujo texto podecomportar vários significados. A atividade que se desenvolve para compreender-se oexato significado da norma legal escolhida chama-se interpretação.53

Interpretar é descobrir o sentido e o alcance da regra jurídica. Com o termosentido, queremos nos referir ao significado dos conceitos, das fórmulas verbaisconstantes da norma, e com o termo alcance, queremos dizer o âmbito de aplicação, aextensão, os casos individuais abrangidos pelo conceito.54 Para realizar-se o direito énecessária prévia interpretação de suas normas, pois sua concretização depende do seuexato sentido e significado. Aplicar e interpretar o direito são atividades de íntimaconexão, pois só pode ser aplicado o que é compreendido. É por isso que se considera ainterpretação o problema central da metodologia jurídica, não tendo mais sentido a tesede sua exclusão quando o texto for claro e inequívoco (in claris nonfit interpretatio). Adeterminação do direito exige sempre interpretação.

Sendo a matéria tão importante, foi necessário estabelecerem-se critériosorientadores da atividade do intérprete, garantindo uma certa uniformidade nassoluções, indispensável à segurança jurídica. A ciência que estuda e sistematiza osprocessos interpretativos chama-se hermenêutica jurídica.55

O problema da interpretação "reflete a concepção fundamental do direito decada época e pressupõe o contexto cultural" em que o direito se situa.56 Seu objeto (oque se interpreta) é não só o texto da lei, como a doutrina tradicional defendia, e erapróprio do positivismo jurídico, mas principalmente a regra que esse texto contém. Masseu objetivo (o fim que, com a interpretação, se procura alcançar) suscita trêsorientações distintas, a da interpretação subjetiva, a da interpretação objetiva e a da livrepesquisa do direito.

Para os adeptos da interpretação subjetiva, historicamente a primeira, o que sepesquisa é a vontade do legislador (voluntas legislatoris] expressa na lei. Sendo estauma obra do poder legislativo, o sentido é o que o autor pretendeu dar-lhe.57 Nesse caso,teriam grande importância os trabalhos preliminares à promulgação da lei. Talconcepção tem graves inconvenientes. Quando a norma aplicável é antiga, conservadapela tradição, a vontade do legislador originário está, normalmente, superada. Quando olegislador da norma é um colegiado, o Congresso Nacional, por exemplo, a vontade dolegislador é uma ficção.

Para os seguidores da interpretação objetiva, cada vez mais aceita, não é avontade do legislador que se visa, mas a vontade da lei (voluntas legis]. Na verdade, não

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a vontade, pois a lei não tem vontade, mas o sentido da norma. A lei, promulgada,separa-se de seu autor e alcança uma existência objetiva.58

Para outra concepção, a da escola da livre pesquisa do direito (Freirecht), o juizdeve ter função criadora na aplicação da norma, que deve ser interpretada em funçãodas concepções jurídicas, morais e sociais de cada época.59 A interpretação jurídica éuma atividade criadora da norma, critério ou diretiva para a solução do caso. O trabalhodo jurista, dirigido à solução de problemas concretos, não é uma tarefa mecânica, masum raciocínio prático vinculado a um marco normativo.60 A interpretação jurídica não é,assim, de natureza hermenêutica, mas sim normativa.

21. Espécies de interpretação.

A interpretação pode classificar-se em várias espécies, de acordo com osagentes e os elementos que utiliza, segundo o modelo tradicional elaborado porSavigny.

Quanto aos agentes da interpretação, ela se diz autêntica, se realizada pelopróprio legislador, o que é raro; judicial, quando feita pelos tribunais; e doutrinária, sefeita pelos cientistas do direito. As duas primeiras têm caráter oficial.

Quanto aos elementos de que se utiliza, a interpretação pode ser gramatical,lógica, sistemática, histórica e teleológica.

Interpretação gramatical ou literal é a que se processa apenas no campolingüístico, procurando o sentido e o alcance das palavras, dos conceitos da norma.Seria a primeira fase do processo interpre-tativo.

A interpretação lógica utiliza as regras do raciocínio para compreender osignificado da norma, procurando a coerência, a conexão com outros preceitos. Com elaafasta-se a interpretação que leva a um "resultado contraditório" com o disposto emoutras normas. Diretamente ligado à interpretação lógica temos a interpretaçãosistemática, com que se relaciona a norma visada com as que compõem o mesmoinstituto jurídico, levando-se em conta o contexto legal em que a norma se inscreve,considerando-se o livro, o título, o capítulo, a seção, o parágrafo. Nesse sentido, diz-seque as palavras da lei devem relacionar-se com o contexto em que se situam, pelo quemuitos juristas preferem denominá-la de interpretação lógico-sistemática.61

A interpretação histórica vê a norma na dimensão temporal em que ela seformou, pesquisando a occasio legis, as circunstâncias que presidiram à sua elaboração,de ordem econômica, política e social, o que se reflete particularmente no direito civil,um direito de formação histórica e jurisprudência!, profundamente influenciado por taiselementos.

Temos ainda a interpretação teleológica, que investiga a finalidade social dalei, isto é, os interesses predominantes ou os valores que, com ela, se pretende realizar: ajustiça, a segurança, o bem comum, a liberdade, a igualdade, a paz social, como aliásdispõe o art. 52 da Lei de Introdução ao Código Civil.

Tais processos, indissociáveis, são, porém, gradativos. O intérprete procura,inicialmente, compreender o significado das palavras que formam o enunciado daproposição, dando-lhe sentido jurídico, não vulgar. Se necessário, passa à pesquisa doespírito da lei, identificando a relação de autonomia ou subordinação com as diversasnormas do mesmo ordenamento. Aplica as regras da lógica jurídica, recusando ainterpretação que leve a resultado contrário a outras normas ou ao próprio sistema, ouque conduza à conseqüência absurda, levando em conta o contexto histórico de suaelaboração e os fins sociais a que se destina.

Quanto aos resultados, a interpretação é declarativa, extensiva e restritiva.

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Interpretação declarativa é aquela em que o texto legal corresponde ou coincidecom a mens legis, o espírito da lei. Interpretação extensiva, ou ampliativa, quando afórmula legal, a letra, é menos ampla que o espírito, a mens legis. Interpretaçãorestritiva, quando a letra da lei é mais ampla que o espírito, o sentido da norma.62

As regras jurídicas de direito excepcional, as que impõem sanções ouconcedem privilégios, as limitadoras da capacidade, não são suscetíveis de interpretaçãoextensiva, exigindo, de regra, uma restritiva.

A interpretação declarativa ainda se diz estrita ou lata, conforme dê sentidolimitado ou amplo à expressão que tem vários significados. Por exemplo, o parentescopode significar apenas consangüinidade, como também abranger a afinidade e a adoção(Código Civil, art. 1.591 e segs.) em uma concepção lata.

A interpretação extensiva e a restritiva implicam uma correção do texto legalpara modificar-lhe o alcance, ampliando-o ou restringindo-o.

Alguns critérios interpretativos têm sido tradicionalmente observados peladoutrina e jurisprudência.63

22. A interpretação no Código Civil brasileiro.

O Código Civil brasileiro não dispõe de normas gerais sobre a interpretaçãolegal, contendo disposições apenas quanto à interpretação das normas decorrentes daautonomia privada (arts. 112, 114 e 1.899), com o predomínio de critérios objetivos,pois dispõe no art. 112, que nas declarações de vontade se atenderá mais à intençãonelas consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem. Tratando-se detestamento, prevalece o critério subjetivo (art. 1.899)."

Ainda em matéria de autonomia privada dispões o Código que os negóciosjurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de suacelebração (CC. art. 113).

A Lei de Introdução ao Código Civil dispõe, todavia, como já referido, no art.5- o seguinte: "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais do direito e àsexigências do bem comum". Não obstante a referência à aplicação, tal dispositivocompreende também a interpretação, inserida esta no conjunto de processos pelos quaiso direito se aplica. Consigna-se, então, de modo expresso, o recurso ao critérioteológico, ao referir-se o dispositivo aos fins sociais do direito e às exigências do bemcomum, valores que o legislador considerou primordiais e que representam opredomínio do social sobre o individual.

23. Integração da norma jurídica. A analogia e suas espécies.

Quando o intérprete não encontra no sistema jurídico a norma aplicável àquestão de fato, verifica-se na lacuna um vazio, melhor seria dizer, uma imperfeição oufalta de regra específica. A lacuna é a ausência de norma jurídica adequada ao acasoconcreto. E como o juiz não pode eximir-se de proferir decisão quando chamado aintervir (CPC, art. 126),64 constatando esse vazio deve recorrer à integração, processo datécnica jurídica com o qual se preenchem as lacunas mediante a aplicação de outrasnormas ou dos princípios do sistema jurídico. A própria lei, prevendo a possibilidade deomissão, indica ao juiz o meio de supri-la, prescrevendo o recurso à analogia, aoscostumes e aos princípios gerais do direito.65

Acerca das lacunas de direito existem duas concepções doutri-natárias: a quereconhece existirem lacunas em todos os sistemas jurídicos, pela impossibilidade de seprever a totalidade das situações de fato que a vida oferece, e a que defende a

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inexistência de tais vazios, em face da plenitude de ordem jurídica. Se existem lacunasna lei, no direito não podem existir, e por isso, para os juristas que contestam aexistência de lacunas, o direito, concebido como sistema, dispõe de princípios geraisdos quais sempre se poderá deduzir uma solução.66

A integração realiza-se pela analogia, que consiste em aplicar a caso nãoprevisto a norma legal concernente a uma hipótese prevista e, por isso mesmo,tipificada.67 Seu fundamento jurídico-filosófico é o princípio da igualdade detratamento, segundo o qual fatos de igual natureza devem julgar-se de igual maneira, ese um desses fatos já tem no sistema jurídico a sua regra, é essa que se aplica. "Ubieadem est legis ratio, ibi eadem legis dispositio."68 Há limites, porém, para o recurso àanalogia, não podendo aplicar-se analogicamente normas criadas para determinadahipótese excepcional, aos casos que não apresentem tal característica (singularia nonsunt extendenda)69

Há duas espécies de analogia: a legal e a jurídica. A primeira consiste em obtera norma adequada à disciplina do caso, de outro dispositivo legal; na segunda, infere-sea norma de todo o sistema jurídico, utilizando-se a doutrina, a jurisprudência e osprincípios que disciplinam a matéria semelhante ou até os princípios gerais de direito.Na analogia legal, parte-se de norma jurídica isolada para aplicá-la a casos idênticos. Háuma conexão lógica do particular para o particular. Na analogia jurídica, parte-se deuma pluralidade de normas jurídicas e com base nelas, por indução, chega-se a umprincípio aplicável ao caso, não-previsto em nenhuma hipótese legal. A diferença é degrau.

São pressupostos da analogia legal: a) o caso deve ser absolutamente nãoprevisto em lei; b) deve existir, pelo menos, um elemento de identidade entre o casoprevisto e o não previsto; c) a identidade entre os dois casos deve atender à ratio legis.70

Quanto aos seus limites de aplicabilidade no direito brasileiro, não se admiteanalogia nas leis penais, salvo na hipótese de beneficiar o réu, nas normas excepcionaise nas fiscais que impõem tributos.71

A analogia difere da interpretação extensiva. A primeira implica no recurso àsnormas do sistema jurídico, em face da inexistência de norma adequada à solução docaso concreto, enquanto a segunda realiza-se no âmbito de aplicação da mesma norma.Poderíamos dizer que, na interpretação extensiva, estende-se a aplicação da norma acasos não previstos na sua fórmula legal mas compreendidos pelo seu espírito, enquantona analogia, ou aplicação analógica, aplica-se a norma a situações não-compreendidasem seu espírito.Não há, porém, limites, nem solução de continuidade, entre interpretação jurídica eintegração.

24. Os costumes e os princípios gerais do direito. Características. Natureza. Validade.Funções.

Fontes extralegais do direito são os costumes e os princípios jurídicos.O costume é a prática reiterada e uniforme de um comportamento (elemento

material) que gera a convicção de sua obrigatoriedade, a "opinio júris et necessitatis"(elemento psicológico). Difere da lei no fato de que esta nasce de um processolegislativo tendo origem certa e determinada, enquanto o costume tem origem incerta eimprevista. Também quanto à forma, a lei apresenta-se sempre como texto escritoenquanto o costume é direito não-escrito, salvo no caso de sua consolidação, comoocorre, por exemplo, com os usos reconhecidos pelas juntas comerciais.

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Os princípios jurídicos são pensamentos diretores de uma regulamentaçãojurídica72. São critérios para a ação e para a constituição de normas e modelos jurídicos.Como diretrizes gerais e básicas, fundamentam e dão unidade a um sistema ou a umainstituição. O direito, como sistema, seria assim um conjunto ordenado segundoprincípios.

Dado o seu caráter indeterminado, os princípios são de difícil conceituação,donde a necessária referência às suas concretizações, como, por exemplo, o princípio daautonomia privada, o da boa-fé, o da confiança, o do consensualismo, o da forçaobrigatória do contrato etc.

Os princípios diferem dos valores pelo fato destes apresentarem maior grau degeneralidade, enquanto aqueles, "por conterem um pensamento jurídico diretor oucondutor", já indicam a direção em que se situará a regra que se há de encontrar. Porexemplo, a Constituição Federal, no seu art. 227, p. 6-, ao estabelecer a igualdade dosfilhos, já se constitui no "primeiro passo para a criação da norma jurídica adequada aeventual questão envolvendo pretensões de filhos havidos dentro e fora do matrimônio".Diferem também das normas jurídicas porque não têm a estrutura típica delas, ahipótese de fato e o dispositivo ou conseqüência jurídica. Não podem, assim, constituir-se em premissa maior de um silogismo de subsunção. Podem, todavia, adquirir naturezanormativa, se expressos em texto legal ou reconhecidos pela jurisprudênica.

Os princípios têm função positiva, por influenciarem decisões jurídicas,constituindo-se em critérios orientadores para a criação das normas jurídicas, e funçãonegativa, no sentido de excluírem decisões contrárias. Como precisam serconcretizados, a função positiva é indeterminada, o que não ocorre na função negativa.É, assim, mais fácil dizer-se que isto ou aquilo é injusto, inadequado, desproporcional,do que dizer que é precisamente justo, adequado ou proporcional.

Os princípios ocupam um posto intermediário entre o valor e o conceito, aquelemais genérico e abstrato, este já uma definição.

Os princípios jurídicos positivos distinguem-se em princípios constitucionaisou superiores, e princípios institucionais, que fundamentam e sistematizamdeterminados institutos ou instituições jurídicas. No direito brasileiro são princípiosconstitucionais, superiores, fundamentais, os referidos no art. l2 da ConstituiçãoFederal: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais dotrabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político. Têm força normativa, sãoConstituição, tendo aplicação preferencial sobre qualquer norma ordinária que se lhesoponha ou contradiga. São princípios institucionais, ou legislativos, no direito defamília, o princípio da igualdade dos cônjuges (C.F. art. 226, par. S2-}, o princípio daigualdade dos filhos (C.F. art. 227, par. 6-}. Nos direitos reais, o princípio da funçãosocial da propriedade (C.F. art. 170, III). No direito contratual, os princípios daautonomia da vontade, da boa-fé, da força obrigatória dos contratos, do consensualismo,da relatividade dos efeitos.

Os princípios classificam-se ainda, quanto ao direito positivo, em princípiosgerais do direito e em princípios gerais do ordenamento jurídico. Os primeiros são osgrandes princípios, como o da justiça, o da liberdade, o da igualdade, o da dignidade dapessoa humana, "aqueles sobre os quais a ordem jurídica se constrói". O adjetivo geralsignifica que não têm "um campo de aplicação definitiva a priori", e que dizem respeitoa todo o direito. Os segundos são os princípios jurídicos positivados na legislaçãovigente, de modo constitucional, ou superior, e de modo institucional, se pertinentes àlegislação específica, como os princípios de direito de família, ou o da autonomia davontade, ou o do enriquecimento sem causa. O Código Civil de 2002 elaborou-se sob a

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égida de três princípios fundamentais, o da sociabilidade, o da eticidade e o daoperabilidade (v. adiante, item n° 25).

Introduziu também, de modo expresso, o princípio da boa-fé, nos arts. 113 e422 (v. adiante p. 424).

Os princípios gerais de direito são diretivas básicas e gerais que orientam ointérprete ao criar o direito no caso de omissão do texto legal.73 São valores nãoexpressos em lei, nem sob a forma de costumes, que se utilizam para o preenchimentode lacunas, e dos quais nos servimos para realizar integralmente a tarefa de interpretar odireito.

Constituem-se, em critérios de conduta de observância variável que se impõepor sua própria importância sem referência a pressupostos concretos de aplicação. Estãopresentes em todos os setores do direito, desde o direito constitucional, como oprincípio da soberania popular, o da democracia parlamentar, o do Estado social naConstituição alemã, o do laicismo na Constituição francesa até o direito civil, como o daautonomia da vontade, que traduz o da liberdade individual e do respeito à pessoahumana, ou, ainda, o princípio da legalidade que expressa a "idéia da submissão doEstado ao direito".

Os princípios gerais de direito constituem-se em recurso último para o caso deo ordenamento jurídico ser incompleto, lacunoso, não dispondo da norma jurídicaaplicável ao caso material surgido.

Sua utilização caracteriza então a chamada analogia iuris quando, "esgotado oimpério da lei, e na falta de costume se passa a outra norma de direito supletório, osprincípios gerais de sistema de direito vigente". Nesse particular são autênticas normasde direito. Tendo sido acolhidos, expressa e formalmente, pela primeira vez no Códigoaustríaco de 1811, por inspiração do jusnaturalismo, têm sido reconhecidos naslegislações subseqüentes, como se observa no texto dos Códigos Civis em vigor.74

Quanto às suas características, os princípios gerais de direito distinguem-se portrês notas específicas: a principalidade, a generalidade e a juridicidade.75 Principalidadecomo símbolo de fundamento, causa final, tendo-se em vista que a sua realizaçãoconstituiria a finalidade do sistema jurídico e, nesse caso, estaríamos muito próximosdos valores ou a eles eqüivaleriam. Generalidade no sentido de variedade e pluralidade,uma vez que os princípios gerais do direito são múltiplos, próprios dos diversos ramosdo direito, e em escala variável de importância. Juridicidade no sentido de que sãoreconhecidamente direito aplicável, como fonte supletória, nos casos de omissão da leiou do costume.

Quanto à sua natureza, duas concepções doutrinárias têm marcado uma disputatão acadêmica quanto inútil. Para a primeira, filosófica ou jusnaturalista, os princípiossão de direito natural, um direito superior a todas as ordens jurídicas, sem "formalizaçãopositiva" nem sanção estatal, mas de inequívoca vigência, validade e obrigatoriedade.76

A segunda, positivista ou histórica, considera-os específicos de cada ordenamentojurídico, resultando de um processo gradativo de generalização e abstração, chegando aser princípios científicos ou sistemáticos dos quais se deduziriam as normas jurídicas domesmo sistema. Seriam, assim, os "antecedentes do ordenamento positivo", inspiraçãodo próprio legislador. É a concepção adotada pelo Código Civil italiano.77

Tais concepções, contraditórias, não se excluem, são comple-mentares. Adoutrina moderna vê nos princípios gerais de direito uma fórmula que, por suaamplitude, abrange tanto os princípios superiores de justiça, como os que informam oordenamento jurídico do País. Não sendo normas jurídicas, apresentam-se comoorientadores da política legislativa com valor de critérios ou diretrizes para a criação do

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direito, como, por exemplo a proibição de enriquecimento ilícito, ou de prejudicarterceiros (neminem laedere).

Quanto à sua validade, os princípios gerais de direito valem na medida em queservem de fundamento e inspiração para a decisão do juiz, relacionando-a com oespírito de ordenamento jurídico, fixando, também, um limite para o seu arbítrio.Podem constituir-se, sim, na ratio legis de um possível direito positivo, através doexercício das funções legislativas ou judicial.

Por tudo isso pode se dizer, com Bobbio, que os princípios gerais do direitotêm múltiplas funções: a interpretativa, à medida que forneçam os critérios para asolução de dúvidas quanto à interpretação da norma de direito positivo, como, porexemplo, os princípios de natureza constitucional; a integrativa, no sentido do art. 4- daLei de Introdução ao Código Civil, quando se utilizam no preenchimento de lacunas dalei; a diretiva ou programática, como a dos princípios de organização constitucional doPaís,78 ou ainda os que decorrem do sistema constitucional brasileiro, como do sistemafederativo, o do estado de direito, o do sistema democrático, o do sistema econômico esocial, e os que têm uma função construtiva, no sentido de garantir certa unidadesistemática ao direito, ordenando-o segundo orientações fundamentais e impedindo-o detransformar-se em um "mosaico de textos legais incoerentes e de decisões judiciáriasesparsas".79 Poder-se-ia também dizer que os princípios jurídicos têm uma funçãometodológica, quando se usam para orientar o conhecimento, interpretação e aplicaçãodas normas; uma função antológica quando se constituem em fonte de direito (LICC, art4°), e uma função axiológica quando exprimem valores fundamentais que inspiram elegitimam o direito positivo (justiça, segurança, bem comum etc.

Para finalizar, cumpre dizer que os princípios gerais de direito não seconfundem com as máximas jurídicas, os adágios ou brocardos reunidos pelos juristasromanos no livro do Digesto De diversis regulis iuris antiqui (D. 50. 17. 1), que nadamais são do que fórmulas concisas representativas de uma experiência secular, semvalor jurídico próprio, mas dotados de valor pedagógicos. Algumas dessas máximaspodem conter princípios gerais de direito, como por exemplo:

Ninguém pode transferir a outrem mais direito do que tenha;80

Não obra com dolo quem usa de seu direito;81

Ninguém pode receber um benefício contra sua vontade;82

A negligência se equipara à culpa;83

No todo está contida a parte;84

No direito civil, toda definição é perigosa porque é difícil que não possa seralterada;85

A ninguém é dado desconhecer o direito;86

O direito extremado pode extremar a injustiça;87

É pai o que demonstra as justas núpcias;88

A afinidade não gera afinidade;89

O acessório segue o principal;90

A propriedade nada tem de comum com a posse;91

A indivisão é a mãe das desavenças;92

Os pactos, por mais que sejam simples, são de observar-se;93

Uma só testemunha não é nenhuma;94

O que é anterior no tempo é preferido no direito.95

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25. Os Princípios Jurídicos do Código Civil de 2002

Se o Código Civil de 2002 foi fiel ao sistema lógico-formal do Código de1916, mantendo, sempre que possível, as suas disposições e enriquecendo-o com ascontribuições da doutrina e da jurisprudência nacionais ao longo de oito décadas, o queo torna legítima expressão da experiência jurídica brasileira no campo do direito civil,sua principal característica é constituir-se em um sistema aberto, no sentido de ser umaordem axiológica ou teleológica de princípios jurídicos gerais^. Esses princípioscompreendem, além dos princípios de direito civil, como o da liberdade, o da igualdadee o da dignidade da pessoa humana, os critérios com que o legislador quer orientar ointérprete na tarefa de construir a norma jurídica adequada ao caso concreto queporventura se lhe apresente. Esses critérios, que dão flexibilidade ao sistema e exigemdo jurista, advogado e magistrado, preparo e responsabilidade na construção da norma,são os princípios da socialidade, da eticidade e o da operabilidade.

O princípio da socialidade orientou o legislador no sentido de superar oindividualismo que marcava o Código de 1916, fazendo prevalecer os valores coletivossobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundante da pessoa humana97. Comesse sentido, superou-se o patriarcalismo dominante na sociedade doméstica, expressono absolutismo do poder marital e do pátrio poder, já revogados pelo princípio daigualdade dos cônjuges e dos filhos, estabelecido na Constituição Federal art. 226, par.5° e art. 227, par. 6°, passando o pátrio poder a denominar-se poder familiar. Ainfluência do princípio da socialidade fez também surgir um novo conceito de posse, aposse-trabalho, em virtude do qual o prazo de usucapião de um imóvel é reduzido, de 15para 10 anos, se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ounele realizado obras ou serviços de caracter produtivo (C.C. art.1238, parágrafo único).

O princípio da socialidade ainda se concretiza nos limites intrínsecos que oCódigo de 2002 estabelece para o exercício de direitos subjetivos, particularmente osdireitos absolutos, entre os quais a propriedade. Sendo esta um dos elementosfundamentais dos sistema de direito civil patrimonial, o direito subjetivo por excelência,o mais complexo e absoluto, a pedra de toque dos códigos civis da modernidade, é nassuas disposições gerais que o código mais enfatiza esse princípio, ao dispor que odireito de propriedade deve ser exercido com as suas finalidades econômicas e sociais, ede modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, oambiente, o equilíbrio ecológico e o patrimônio artístico, bem como evitada a poluiçãodo ar e das água (C.C. art. 1.228, par. 1°). E mais se enfatiza ainda ao dispor que oproprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir emextensa área, na posse ininterrupta e de boa fé, por mais de 5 anos, de considerávelnúmero de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente,obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante (C.C.art. 1.228, par.4°).

O princípio da eticidade privilegia os critérios éticos-jurídicos aos critérioslógico-formais no processo de realização do direito, a chamada concreção jurídica^.Implica isso um maior conhecimento teórico do direito, na medida em que uma dasfunções da doutrina é precisamente auxiliar o juiz e o legislador na criação normativa,etambém um maior grau de poder e de responsabilidade do juiz, chamado não a aplicar odireito, mas a criar o direito para o caso concreto. Desse modo, o novo código confereao juiz não só poder para suprir lacunas, mas também para resolver, onde e quandoprevisto,de conformidade com valores éticos.

A referência a este princípio pelo legislador demonstra a sua não aceitação dodogma da plenitude da ordem jurídica, vendo-a como um sistema aberto, flexível e

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lacunoso, donde a necessidade de recurso à integração e a conseqüente importância dosprincípios jurídicos.

Mas o significado desse princípio jurídico é mais extenso, não se limita àcrítica da sistematicidade lógico-formal do positivismo.

Represente ele também a crença de que o equilíbrio econômico dos contratos éa base ética de todo o direito obrigacional" o que o aproxima do princípio da boa-fé, (v.p. 424) no seu sentido ético, objetivo. Aplicações do princípio da eticidade encontram-se, por exemplo, no art.157 do Código Civil que, inovando relativamente ao Código de1916, introduz a lesão no elenco dos defeitos do negócio jurídico, tornando-o anulável.A lesão como prejuízo econômico resultante da desproporção entre as prestações deuma relação contratual, recebendo uma das partes mais do que efetivamente dá. Institutojá conhecido no direito romano, que previa uma ação de rescisão no caso de venda deimóvel em que o vendedor recebesse menos da metade do preço justo (laesio enormis),não foi acolhido no código de 1916, mas sim na legislação especial que se lhe seguiu,particularmente em matéria de locação, usura, tabela-mento de mercadorias etc, com afinalidade de proteger a parte contratual mais fraca. Nesse sentido, dispõe o CódigoCivil que ocorre a lesão, quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou porinexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor daprestação oposta (C.C. art. 157). Ainda no campo dos defeitos do negócio jurídico,também o estado de perigo, que se configura quando alguém, premido da necessidadede salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte,assume obrigação excessivamente onerosa (C.C. art.156), se constitui em exemplo daaplicação do princípio da eticidade.

Também de modo coerente com tal princípio, no sentido de um equilíbrioeconômico contratual, prevê o código a possibilidade de resolução contratual poronerosidade excessiva, dispondo que, nos contratos de execução continuada ou diferida,se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extremavantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis,poderá o devedor pedir a resolução do contrato(C.C. art. 478).

Ainda em matéria contratual, outro limite que o mesmo princípio estabelecepara o exercício dos direitos subjetivos patrimoniais, é a função social do contratoprevista no art.421, assim como as disposições pertinentes ao contrato de adesão,segundo as quais deve adotar-se interpretação mais favorável à parte aderente no casode cláusula ambígua ou contraditória, e também que são nulas as cláusulas queestipulem a renúncia antecipada de direito resultante da natureza do negócio (C.C. arts.423 e 424).

Finalmente, o terceiro princípio enunciado pelo legislador100, é o princípio daoperabilidade ou se quisermos, o princípio da con-cretitude ou concretudem ,que éessencialmente um princípio de hermenêutica filosófica e jurídica, mais propriamentede metodologia cie realização do direito. Sendo uma das tarefas da metodologia jurídicaexplicitar a estrutura de concretização da norma no caso particular, o princípio daoperabilidade, ou da concretude, traduz o critério metodológico que o legislador apontaao intérprete do Código Civil: a interpretação jurídica não tem por objetivo descobrir osentido e o alcance da regra jurídica, mas sim, constituir-se na primeira fase de umprocesso de construção ou concretização da norma jurídica adequada ao caso concreto.Enquanto que as regras jurídicas se apresentam como proposições lingüísticas decaracter geral, a partir do seu texto deve o intérprete construir uma norma-decisãoconcreta e específica para o caso em tela102. De igual modo, deve o legislador ter emvista o ser humano in concreto, situado, não o sujeito de direito in abstracto, próprio dodireito liberal da modernidade.

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Dessa opção metodológica, resulta conceder-se larga margem de criação aointérprete para, por meio de princípios, cláusulas gerais, usos do lugar, costumes etc,criar a norma jurídica adequada ao caso concreto, lastreado em sólido embasamentodoutrinário, pois doutrina e prática se influenciam e enriquecem reciprocamente.

26. A vigência da norma jurídica. Princípios da obrigatoriedade e da continuidade. Oerro de direito.

A principal forma de expressão das normas jurídicas é a lei, cuja vigência eobrigatoriedade começam a partir de sua publicação oficial, pois, sem tal providência,não se poderia pretender que todos a conhecessem e cumprissem. O termo inicial davigência está expresso no próprio texto legal e pode ser a data da publicação ou outraposterior. Nesse caso, a lei fixa o prazo entre a publicação e o começo de vigência,prazo que se denomina vacatio legis, destinado a facilitar a divulgação e a respectivaaplicação. Na falta de indicação, a Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-Lei n-.4.657, de 4 de setembro de 1942, no art. l2, fixa em quarenta e cinco dias o prazo para oinício da vigência no País, e em três meses para os Estados estrangeiros, nos casos emque se admitir a obrigatoriedade da lei brasileira como, por exemplo, quando aplicávelaos atos e negócios praticados fora do território brasileiro por particulares e porfuncionários das representações diplomáticas. Quanto ao termo final, "não se destinandoa vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue". Acercadessa matéria dois princípios são cardeais, o da obrigatoriedade e o da continuidade.103

Pelo princípio da obrigatoriedade, ninguém pode escusar-se de cumprir a lei,alegando não a conhecer (ignorantia iuris neminem excusat et nemo ius ignorarecensetur),104 o que torna desnecessária a prova judicial da norma aplicável à espécie,pois os juizes conhecem a lei nacional (iuria novit cúria).105 Tal princípio leva àconhecida presunção de fato e de direito (praesumptio júris et de jure), segundo a qual,publicada a lei, todos a conhecem, não admitindo prova em contrário. Fundamento detal presunção é a necessidade da certeza jurídica quanto à generalidade e eficácia da lei.

O princípio da obrigatoriedade não é absoluto, porém, distinguindo a doutrina aquestão da obrigatoriedade da ignorância da lei como causa de erro.

A ignorância (ausência de conhecimento) ou má interpretação da lei nãojustificam a falta do seu cumprimento nem isentam as pessoas das sanções nelaestabelecidas. Tal disposição não afasta, contudo, a relevância do erro de direito(conhecimento falso da lei) como causa de anulação de negócios jurídicos, "ou comoconstitutivo do estado de boa-fé, como estado psicológico, ao qual podem ser atribuídosvários efeitos".106 Defende-se, atualmente, a tese de que "o erro de direito é escusávelnos mesmos termos em que o é o de fato". Pode-se assim dizer que "os indivíduos nãopodem eximir-se do cumprimento das obrigações imperativamente impostas pelodireito, alegando a ignorância da lei, mas não se tratando da questão do cumprimento deobrigações desse tipo, nada impede, em princípio, que a ignorância da lei possarealmente aproveitar aos particulares". Dispõe o Código Civil, a propósito, ser anulávelo negócio jurídico quando a declaração de vontade emanar de erro substancial,considerando-se como tal, também o erro de direito, quando este não implique recusa àaplicação de lei e for o motivo único ou principal do negócio jurídico (CC. art. 138 e139.107 Alguns casos são esclarecedores. Cita o Prof. Ferrer Correia, em sua obra Erro eInterpretação na Teoria do Negócio Jurídico, o seguinte exemplo: "A institui no seutestamento a B, herdeiro da metade dos seus bens, afirmando que só não o instituiherdeiro universal porque a lei lhe impõe o dever de guardar para os irmãos (únicosparentes próximos que de fato lhe sobrevivem) a outra metade do seu patrimônio".108

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Também Eduardo Espínola, no Manual do Código Civil Brasileiro, de Paulo Lacerda,no volume dedicado aos fatos jurídicos (vol. III, p. 281), citando Colin et Capitant, dá oseguinte exemplo: "Paulo, menor de 16 anos, morre, depois de fazer testamento. Eu, quesou seu herdeiro, satisfaço os legados, ignorando que o menor de 16 anos não podefazer testamento." Trata-se de erro de direito capaz de anular tais atos, pois o que severifica não é a intenção de1 descumprir a lei, mas a circunstância de que1 sendesconhecimento é que levou à prática de ato normalmente não-realizável109

IVIo princípio da continuidade, a lei vige até que outra a modifique ourevogue.110 A cessação da vigência pode ser prevista no próprio texto legal ou dependerde lei nova. Está na lei quando ela mesma limita o prazo de sua vigência, ou quando atemporariedade resulta da própria natureza da lei, como ocorre com as leisorçamentárias anuais, ou quando se destina a fins determinados, como, por exemplo,mandar fazer uma certa obra e conceder favores fiscais a empresas por períodosdeterminados. A publicação de lei nova revoga a anterior, denominando-se ab-rogação,quando total, e derrogação, se parcial.111

A revogação por lei nova é expressa ou tácita, neste caso, quando asdisposições novas forem imcompatíveis com as já existentes, ou regularem inteiramentea matéria de que tratava a lei anterior. A incompatibilidade pode ocorrer entre lei geral elei especial e vice-versa. Não ocorrendo, prevalecem as disposições de ambas, nãohavendo revogação, vale dizer, "a disposição especial não revoga a geral, nem a geralrevoga a especial, senão quando a ela ou ao seu assunto se referir, alterando-a explícitaou implicitamente". É possível a coexistência de normas gerais com especiais, versandoa mesma matéria, desde que não se contradigam. Havendo incompatibilidade, tanto a leigeral pode revogar a especial, como esta, aquela.112

O direito brasileiro não aceita a repristinação, que é a restauração da leirevogada pelo fato da lei revogadora ter perdido a sua vigência."3

27. A vigência temporal da norma. Princípios fundamentais. O direito adquirido.Regras fundamentais.

A vigência da norma jurídica manifesta-se no tempo (dimensão temporal) e noespaço (dimensão espacial). Quando surge a questão de saber qual a norma aplicável adeterminado fato, a revogada ou a vigente, configura-se o conflito de normas no tempo.Quando se indaga qual a norma aplicável em termos espaciais, surge o conflito denormas no espaço. O primeiro é objeto do Direito Intertemporal ou Direito Transitório;o segundo, do Direito Internacional Privado.

No Direito Intertemporal vigem dois princípios fundamentais: a) o do efeitoimediato da lei, pelo qual a lei nova se aplica a todos os fatos que ocorrerem durante asua vigência; e b) o da irretroati-vidade, pelo qual os fatos verificados sob o império dalei antiga continuam regidos por ela, respeitando-se o ato jurídico perfeito, o direitoadquirido e a coisa julgada, tudo isso em favor da segurança jurídica. Esses doisprincípios correspondem a duas concepções teóricas fundamentais: a objetiva deRoubier, que distingue o efeito retroativo do efeito imediato da lei, e a subjetiva, deGabba, que estabelece, como limite à vigência da lei nova, o direito adquirido.114

Direito adquirido é a conseqüência de uma lei, por via direta ou por intermédiode fato idôneo que, tendo passado a integrar o patrimônio do adquirente, não se fezvaler antes da vigência da lei nova sobre o mesmo objetivo.113

O sistema jurídico brasileiro contém as seguintes regras sobre essa matéria: a)são de ordem constitucional os princípios da irre-troatividade da lei nova e do respeitoao direito adquirido;116 b) esses dois princípios obrigam ao legislador e ao jui/; c) a

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regra, no silêncio da lei, é a irretroatividade; d) pode haver retroatividade expressa,desde que não atinja direito adquirido; e) a lei nova tem efeito imediato, não seaplicando aos fatos anteriores.

28. A vigência espacial da norma. Conflitos de normas no espaço. Princípios diretores.

O Direito Internacional Privado tem por objetivo a solução de conflitos denormas jurídicas no espaço, indicando os critérios que determinam a vigência territorialou extraterritorial de certa norma.

Esses critérios são os seguintes, no direito brasileiro:a) aplica-se a lei do domicílio da pessoa nas questões sobre o começo e fim da

personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família;117

b) aplica-se a lei do lugar da situação dos imóveis para qualificá-los (se nãomóveis ou imóveis) e reger as relações que lhe forem pertinentes;118

c) aplica-se a lei do lugar de constituição à qualificação e disciplina dasobrigações, sendo que a obrigação resultante de contrato reputa-se constituída no lugarem que residir o proponente;119

d) aplica-se a lei do domicílio do defunto ou desaparecido à sucessão pormorte ou ausência. Quanto à capacidade para suceder, aplica-se a lei do domicílio doherdeiro ou legatário. Todavia, no caso de a sucessão incidir sobre bens de estrangeirosituado no Brasil, aplicar-se-á a lei brasileira em favor do cônjuge brasileiro e dos filhosdo casal, sempre que não lhes for mais favorável a lei do domicílio do falecido.120

------------1 Hans Kelsen. Allgemeine. Theorie der Normen, p. 113: Norberto Bobbio. Teoriadelia, norma giuridica, p. 142.2 Kantorowicz, apud José Puig Brutau. Introducción ai Derecho Civil, p. 2; NatalinoIrti, Introduzione alio studio dei diritto privato, p. 125 e segs.3 Arnaldo Vasconcelos. Teoria da Norma Jurídica, p. 47 e segs.; Wilson de SouzaCampos Batalha. Introdução ao Estudo do Direito, p. 365 e segs.; Tércio SampaioFerraz Jr. Introdução ao Estudo do Direito, p. 97 e segs.4 Ângelo Falzea. Introduzione alie scienze giuridiche. II conceito dei diritto, p. 78 esegs.; François Gèny. "Methode d'interprétation et sources en droit prive positif", I, p.264 e segs. Cf ainda André-Vicent. Gênesis y Desarrolo dei Volun-tarismo Jurídico.5 Miguel Reale, Teoria do Direito e do Estado; Mario Aliara, Lê nozione fonda-mentali dei diritto civile, p. 23.6 Goffredo Telles Júnior, Iniciação na Ciência do Direito, p. 26. Natalino Irti, op.cit., p. 31; A. L. Machado Neto. Teoria Geral do Direito, p. 41: Franco Modugno.Norma giuridica, in Enciclopédia dei Diritto, vol. XXVIII, p. 329; Bobbio. op. cit., p.106; Irti, op. cit., p. 35: Carlos Cossio. La teoria egológica dei derecho, ps. 333 e660/674.7 Karl Engish. Introdução ao Pensamento Jurídico, p. 52.8 Miguel Reale, Lições preliminares de Direito, p. 295Franco Modungo, op. cit., p.338; Irti, op. cit, p. 40 e segs.; Bianca, Diritto civile, p. 5. Ramon Soriano, Compêndiode Teoria General dei Derecho, p. 7.9 Certo é, todavia, que na sociedade de massas contemporânea, com a inevitávelmassificação dos instrumentos (leis, contratos, sentenças), a bilateralidade trans-muta-seem multilateralidade, com o anonimato e até a despersonalização de certas relaçõesjurídicas. Cf. Luiz Diez-Picazo, Derecho e massificacion social, p. 85.

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10 Bobbio. Norma giuridica, in Novíssimo digesto italiano, vol. XI p. 334. Na verdade,a nota específica da norma jurídica é a bilateralidade, a relação poder-dover, direito-obrigação (jus et obligatio sunt correlata}. Cf. Karl Engish, op. cit.,p. 23; Wilson de Souza Campos Batalha, op. cit., p. 38; Paulo Dourado de Gusmão, op.cit., p. 108: Arnaldo Vasconcelos, op. cit., 133; Goffredo Telles Júnior, Norma jurídica,in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 54, p. 384. 11 . Miguel Reale, op. cit. p. 72;Eduardo Garcia Maynez. Introducción ai Estúdio dei Derecho, p. 289; Goffredo TellesJúnior. Filosofia do Direito, p. 430; Machado Neto, op. cit. p. 167.12 Goffredo Telles Júnior. Norma jurídica, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol.54. p. 380.13 A sanção é direta quando visa restabelecer a situação anterior e indireta quando,impossível aquela, consiste na reparação do dano causado, ou na perda de direitos oupoderes específicos. São exemplos de sanção direta a execução forçada de um serviço, aexpulsão do locatário da casa alugada, a adjudicação compulsória, a hasta pública aprisão do devedor pelo descumprimento de obrigação alimentar ou do depositário infielpelo descumprimento da obrigação de devolver a coisa. Sanção indireta é aresponsabilidade civil, a obrigação de reparar o dano causado, são as nulidades dos atosjurídicos, o desfazimento dos contratos, o divórcio, a perda do pátrio poder, adeclaração de indignidade no direito sucessório etc.14 José de Oliveira Ascensão. O Direito. Introdução e Teoria Geral, p. 46; PauloDourado de Gusmão, op. cit., p. 133 e segs.15 Do Autor. Responsabilidade civil, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 65. p.356.16 Miguel Reale, op. cit. p. 100 e segs.;Kelsen, p. 113; Diez-Picazo. Experiênciasjurídicas y teoria dei derecho, p. 26; José Puig Brutau, Introducción ai derecho civil, p.10 e segs. O termo fattispecie, do latim medieval factispecies, a figura do fato,corresponde ao grego hypothesis e traduz um modelo de acontecimentos concretos davida diária que, verificados, levam a determinadas conseqüências jurídicas, maispropriamente, os efeitos estabelecidos pela norma jurídica e que consistem na criaçãoou modificação de relações jurídicas. Usado primeiro no direito penal, foi transpostopara o direito civil por Thol. Einleitung in das deutschenPrivatrecht, p. 6. apud GiovanniTatarano. Incertezza, autonomiaprivata e modello condizionale, p. 4. A condição ouhipótese de aplicação é, assim, uma "previsão de fatos específicos", não devendoconfundir-se, porém, com a figura do tipo legal, que tem um sentido técnico específico.Cf. José de Oliveira Ascenção. Tipo, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 73, pp.290 e 291.17 Diez-Picazo, op. cit., p. 62; Irti, op. cit., p. 45.18 Eduardo Garcia Maynez. op. cit., p. 78; Tércio Sampaio Ferraz Jr., p. 118 e segs.;Paulo Dourado de Gusmão, p. 118 e segs.; Paulo Nader, Introdução ao Estudo doDireito, p. 106 e segs.; Carlos Santiago Nino, op. cit., cap. II.19 Irti, op. cit., pp. 161/171; De Los Mozos, op. cit., p. 393 e segs.20 Diziam os romanos que Publicum jus est quod ad statum rei romana spectat;privatum, quod ad singulorum utilitatem, Ulpiano, Digesto, l, l, l, p. 2 Cf. Anacleto deOliveira Faria, Direito público e direito privado, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol.28, pp. 40/47.21 Bobbio. Dalla strutura alia funzione, p. 118.22 Bobbio, op. cit., p. 112.23 Sérgio Cotta. Prospettive di filosofia dei dirítto, p. 14.24 Pietro Barcelona. Dirítto privato e processo econômico, p. 38; FrancescoCialgano Publico e privato nella regolazione dei rapponi economici, in Trattato di diritto

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commerciale e di diritto publico deli economia, volume primo, La costi-tuzioneeconômica, p. 60.25 Max Kazer. Derecho Romano Privado, p. 27. Álvaro D'Ors, De Ia "Privata Lex" aiderecho privado e ai derecho civil, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidadede Coimbra, vol. 24, 1949, pp. 29/46.26 Gérard Farjat. Droit économique, p. 143.27 Galgano, op. cit., p. 123.28 Bobbio, op. cit., p. 154; Stefano Rodotà. H diritto privato nella società moderna, p.9.29 Miguel Reale, op. cit. p. 137 e 179.;Manuel Garcia Amigo, op. cit., p. 58. O Códigode Processo Civil referia-se expressamente, no art. 1.100, V, a normas contratuais, namatéria referente ao juízo arbitrai, hoje revogada pela lei da arbitragem (Lei 9.307, de23.9.96).30 V. nota 11.31 Gerd Willi Rothmann. Standard jurídico, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol.70. pp. 487/501.32 Henri de Page. Traité élémentaire de droit civil belge, I. p.s Ghestin. Traité de droitcivil, La formation du contrai, p. 104.33 Cfr. Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, que dispõe sobre a locação dos imóveisurbanos.34 Miguel Reale. Lições Preliminares de Direito, p. 141 e O Direito comoExperiência, p. 167 e segs. "Fontes do direito é uma expressão metafórica devida aCícero (De Legibus I, 5-6) e utilizada com maior insistência a partir do século XVI",Castabheira Neves in Digesta, volume 2°, p. 935 Caio Mário da Silva Pereira, op. cit., n2 9; Orlando Gomes, op. cit., n£ 34.36 Do Autor. A autonomia privada como poder jurídico, in Estudos Jurídicos emHomenagem ao Professor Caio Mário da Silva Pereira, pp. 286-313.37 Cf. Maria Celina Bodin de Moraes, A caminho de um direito civil constitucional,in Direito, Estado e Sociedade, n° l, 1991, p. 59 e segs.38 Pietro Perlingieri, H diritto civile nella legalità costituzionale, p. 189 e segs.;Joaquim Arce y Flórez-Valdés, El derecho civil constitucional, p. 173 e segs. GuidoAlpa. Introduzione alio studio crítico dei diritto privato, p. 10.39 Rudolf von Ihering, Uesprit du droit romain, Tome Troisième, p. 17.40 Paul Orianne, in Xavier a Interessen jurisprudenz, apud Menezes Cordeiro. DaBoa-Fé no Direito Civil, p. 360.42 Larenz, op. cit., p. 279, para quem subsunção é o "silogismo de determinação daconseqüência jurídica", que se traduz na "passagem mecância, passiva, do fato para aprevisão normativa, de modo a integrar a premissa menor do silogismo judiciário";Ludwig Enneccerus-Hans Carl Nipperdey, Allgemeiner Teil dês Bür-gerlichen Rechts,p. 191. Todavia, "a vida é tão complicada que não é possível, apenas pela subsunção,resolver todos os problemas que apareçam. Em duas situações a subsunção torna-se-iaimpossível: quando o legislador utilize expressões gerais, corno boa-fé, bons costumesou fundamento importante, e quando a ordem jurídica compreenda, em uma áreacarecida de regulamentação, uma lacuna", Philip Heck Begriffsbildung una Interessenjurisprudenz, apud Menezes Cordeiro. Da Boa-Fé no Direito Civil, p. 360.43 Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 6.44 Entende-se tradicionalmente como técnica jurídica o conjunto de meios e deprocedimentos que tornam possível a realização do direito em casos concretos. Asquestões preliminares e fundamentais que enfrenta são: a interpretação, a integração e avigência temporal e espacial das normas jurídicas. Cfr. Paulo Nader, op. cit. p. 261 e

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Garcia Maynez, Introduccion ai estúdio dei derecho, p. 317. Czaba Varga, Tecniquejuridique in Dictionnaire enciclopédique de théorie et de socio-logie du droit, p. 605.45 Diez-Picazo, op. cit., p. 215. Para uma crítica à distinção questio facti — questioiuris, cfr. Castanheira Neves, Questão de Facto — Questão de Direito, ou o O ProblemaMetodológico da Juridicidade, Coimbra, Levraria Almedina, 1967.46 Moacyr Amaral Santos. Comentários ao Código Civil de Processo Civil, vol. IV,p. 458. Binder, apud Larenz, p. 133; Jacques Ghestin et Giles Goubeaux. Traitê de droitcivil, introduction generale, p. 39 e segs.; João Batista Machado. Prefácio a Karl Engish,op. cit., p. 11; Chaim Perelman. Logique juridique, p. 17.47 Miguel Reale, Fontes e Modelos do Direito, p. 108 e segs. Elias Diaz, op. cit., p.124.48 Wilson de Souza Campos Batalha, op. cit. p. 318.49 Jacques Ghestin, op. cit., p. 25. Atribui-se a Kant a teoria da aplicação do direitopor meio da subsunção do caso concreto da vida à norma jurídica, por meio dosilogismo, cuja premissa maior é a lei, a menor o fato, e a conclusão, a sentença judicial.A realização do direito é, porém, operação muito mais complexa. José Castan Tobenas.Teoria de Ia aplicacion y investigación dei derecho, pp. 12/13; José Luiz de los Mozos.Derecho civil espanol, I, p. 543; Luiz Fernando Coelho. Lógica Jurídica e Interpretaçãodas Leis, 1981.50 Ghestin, op. cit, p. 43.51 Perelman, op. cit., pp. 114, 115, 129 e 228.52 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 52.53 Interpretar, de inter e pars, entre as partes. Intérprete é o que se põe entre as partespara facilitar o entendimento. José Puig Brutau, op. cit., p. 302 e segs. A concepçãotradicional, que vê a interpretação jurídica como um simples processo semântico, passahoje por uma radical revisão, no sentido de considerá-la não mais como simples análisede textos legais, mas como decisivo ato de criação normativa. Cfr. Castanheira Neves,O Atual Problema Metodológico da Interpretação Jurídica, I, p. 6 e segs.54 Engish, op. cit., p. 99.55 Carlos Maximiliano. Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, p. 9: RubensLimongi França. Formas e Aplicação do Direito Positivo, p. 41.56 Castanheira Neves, Interpretação jurídica, in Polis-Enciclopédia Verbo daSociedade e do Estado, vol. 3. p. 651.57 É a teoria da escola tradicional, a Escola da Exegese, para a qual o direito estátodo na lei escrita, cabendo ao jurista extraí-lo pesquisando a vontade do legislador. Cf.Jacques Ghestin et Gilles Goubeaux, op. cit., p. 108. É a escola de Savigny,Windscheid, Regelsberg, Enneccerus.58 Diez-Picazo, op. cit., p. 185.59 Ghestin, op. cit., p. 115; Castanheira Neves, op. cit., p. 682. Hoje em dia, "todainterpretação jurídica é de natureza teleológica (finalística), fundada na consistênciaaxiológica (valorativaj do direito". Reale, op. cit., p. 293.60 Ricardo Guastini, in Interprétation et Droit, p. 101.61 Castan Tobenas, op. cit., p. 247; Miguel Reale, op. cit., p. 375; Engish, op. cit., p.111. Exemplos de interpretação lógico-sistemática estão nas afirmações tradicionais deque "a lei que permite o mais, permite o menos; a que proíbe o menos proíbe o mais; aque permite o fim, permite os meios necessários à sua consecução; a que proíbe os fins,proíbe os meios que necessariamente a eles conduzem; a que permite os meios, permiteos fins a que eles necessariamente conduzem"; Tércio Sampaio Ferraz Jr., op. cit., p.262.

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62 Exemplo de interpretação ampliativa é a do art. 1.911 do Código Civil, em que acláusula de inalienabilidade compreende também a incomunicabilidade e aimpenhorabilidade (CPC, art. 649-1). Nela se pode utilizar o argumento a fortiori,segundo o qual quem pode fazer o mais, pode fazer o menos. Exemplo de interpretaçãorestritiva é a que se faz no caso do art. 1.700 do Código Civil, em que a obrigação deprestar alimentos refere-se apenas a decorrente vínculo de parentesco (CC, art. 1.694),ou ainda no caso do art. 932, I, quando por filhos menores se deve entender os menoresde 16 anos.63 a) na interpretação deve sempre preferir-se a inteligência que faz sentido à que nãofaz: b) deve preferir-se a inteligência que melhor atenda à tradição do direito: c) deveser afastada a exegese que conduza ao vago, ao inexplicável, ao contraditório e aoabsurdo: d) há de se ter em vista o quod plerumque fit, isto é aquilo que ordinariamentesucede no meio social: e) onde a lei não distingue, o intérprete não deve igualmentedistinguir: f) todas as leis excepcionais ou especiais devem ser interpretadasrestritivamente: g) tratando-se, porém de interpretar leis sociais, preciso será temperar oespírito do jurista adicionando-lhe certa dose de espírito social, sob pena de sacrificar-sea verdade à lógica: h) em matéria fiscal a interpretação se fará restritivamente: i) urge seconsidere o lugar onde estará colocado o dispositivo, cujo sentido deve ser fixado, apudWashington de Barros Monteiro. Curso de Direito Civil. Parte Geral, p. 37.64 Os juizes são os homens condenados a saber o direito que a lei todavia não soubeformular. Puig Brutau, op. cit., p. 237.65 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4°.66 Wilson de Souza Campos Batalha, op. cit., pp. 407/409; Engish, op. cit., p. 277 esegs.; Larenz, op. cit., pp. 286 a 333; Roberto Vernengo, op. cit., p. 354 e segs.; CarlosCossio. La plenitud dei Qrdenamiento Jurídico, p. 19 e segs.67 Carlos Maxmiliano, op. cit., n- 238; Tércio Sampaio Ferraz Jr., Analogia inEnciclopédia Saraiva do Direito, vol. 6,p.363; Rubens Limongi França, Aplicação doDireito Positivo, vol. 7, p. 201; Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil, I, p. 53.68 "Quando se verifica a mesma razão da lei, deve haver a mesma disposição legal."69 "As leis restritivas de direito e garantias não podem receber ampliação da parte dosintérpretes" — RT 152/666. "Tratando-se de lei excepcional a interpretação de seusdispositivos deve ser a mais restrita possível, no sentido de somente compreender o queespecificou de modo positivo. Assim não se lhe pode alargar o âmbito de aplicação dosseus provimentos" — RT 148/42.70 Maria Helena Diniz, p. 54. Ratio legis é a razão da lei, o seu espírito. Exemplo deaplicação analógica de normas jurídicas: na hipótese de responsabilidade pré-contratual,inexistindo no Código Civil brasileiro disposição expressa, poderão aplica-se os art. 186e 187 que estabelece a regra básica da responsabilidade civil.71 Código Tributário Nacional, art. 108, I, § l2.72 Florez-Valdés, op. cit. p. 119; Karl Larenz, Richtiges Recht. Grundzüge einerRechtsethik, (Derecho justo. Fundamentos de ética jurídica), p. 92 e 33; Claus-WilhemCanaris, Systemdenkenundsystembegriffinderjurisprudenz. (Pensamento sistemático econceito de sistema na ciência do direito), p. 86.73 Rubens Limongi França. Princípios Gerais de Direito, 1971, p. 135 e segs.; BobbioPríncipi generali di diritto, in Novíssimo digesto italiano, vol.XIII, p. 887 e segs. JoséPuig Brutau p. 217 e segs.; Diez-Picazo, Experiências Jurídicas y Teoria dei Derecho, p.196 e segs.; J.Mans Puigarnau, Los Princípios Generales dei Derecho (Repertório deRegias, máximas y aforismos jurídicos), p. XVIII e segs,: Karl Engish, p. 240 e segs.;Karl Larenz, pp. 482 e segs. e 569 e segs.; Sérgio Bartole, Príncipi dei diritto, in

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Enciclopédia dei diritto, vol. XXXV, 1986, p. 529. Cuido Alpa, /principi generali, p.105 e segs. Ricardo Guastini, Príncipi di diritto, Digesto, XIV, p. 351.74 Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, art. 4S; Código Civil italiano, art.12, n2 2; Código Civil egípcio, art. l2, § 2£; Código Civil espanhol, art. l2.75 Puigarnau. op. cit., p. XXVII.76 Diez-Picazo y Gullon, op. cit., p. 161.77 Código Civil italiano, art. 12, n- 2.78 Constituição Federal, arts. \- a 4S.79 Bobbio, op. cit, p. 889.80 Nemo plus iuris ad alium transferre potest, quam ipse haberet. Ulpiano, D. 50, 17,54.81 Nullus videtur dolo facere, qui suo iure utitur. Galo, D. 50, 17, 55.82 Invito beneficium non datur. Paulo, D. 50, 17, 69.83 Imperitia culpae adnumemtur. Gaio D. 50, 17, 132.84 In totó et pars continetur. Gaio D. 50, 17, 113.85 Omnis definitio in iure civili periculosa est, rarum est enim ut non subverti posset.Jovoleno, D. 50, 17, 202.86 Nemo ius ignorare censetur.87 Summum ius, summa iniuria. Cícero, De officis. I. 10.88 Pater est, quem iustae nuptiae demonstrant. Paulo. D. 2,4,5.89 Affinitas non parit affinitatem.90 Acessorium sequitur principale.91 Nihil commune habet proprietas cum possessione. Ulpiano. D. 41, 2, 12, p. 1.92 Communio est mater rixarum.93 Pactum, quantum cumque nuda servanda sunt.94 Testis unius, testis nullus.95 Prior tempore, potior iure.96 Claus-Wilhelm Canaris, op.cit. p. 280.

97 Miguel Reale, op. cit. p. 7.98 Reale, op. cit. p.8.99 Reale, op. cit. p. 9100 Reale, op. cit. p. 9 e segs.101 Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Rio de Janeiro, 2001, Editora Objetiva,p. 789102 Friedrich Muller, Discours de Ia Méthode Juridique, tradução francesa dehiristisches Methodik, Berlin, 1993, por Olivier Jouanjan, Paris, P.U.F., 1996, p.223103 Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil, I, §§ 23 e 24.104 Ninguém pode ignorar o direito. V. Lei de Introdução, art. 32. Esse princípiodecorre do valor jurídico que é a segurança.105 "O tribunal conhece o direito." V. Código de Processo Civil, art. 126.106 Vicente Ráo. O Direito e a Vida dos Direitos, vol. 5, parte II, p. 246; EduardoEspínola e Eduardo Espínola Filho. Tratado de Direito Civil Brasileiro, vol. II, p. 87 esegs.; Wilson de Souza Campos Batalha, Lei de Introdução ao Código Civil, vol. I,1957, p. 134 e segs. A doutrina tradicional identifica o erro e a ignorância cie direitopara o fim de sua indesculpabilidade. Teixeira de Freitas, nos arts. 452/454 do Esboço,distinguia, porém, as duas figuras.107 Antunes Varela. Código Civil Anotado, vol. I, p. 13. "O erro de direito podeconsistir na ignorância de uma norma jurídica ou numa falsa interpretação do seuconteúdo." Antunes Varela. Noções Fundamentais de Direito Civil, p. 114.

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108 Silvio Rodrigues. Erro de direito (direito civil), in Enciclopédia Saraiva doDireito, vol. 32, p. 501 e segs.; Ferrer Correia. Erro e Interpretação na Teoria doNegócio Jurídico, p. 26.109 Antunes Varela. Noções Fundamentais do Direito Civil, p. 114; Vicente Ráo, p.291.110 Lei de Introdução, art. 2°.111 Lei de Introdução, art. 2-, ps. l e 2. Exemplo de revogação parcial, ou derrogação,é a que sofreu o Decreto-Lei 58/37, com o advento da lei 6766, de 19 de dezembro de1979, que revogou as disposições do primeiro quanto ao loteamento e desmembramentodo solo urbano, permanecendo as disposições referentes aos loteamentos rurais e àexecução dos contratos no seu art. 22. (Dec. Lei 58/37).112 Rubens Limongi França. O Direito, a Lei, a Jurisprudência, p. 111. A lei revoga-sepor outra lei, o decreto por decreto, e assim sucessivamente. Mas a lei hierarquicamentesuperior, como a Constituição, revoga todas as inferiores. Cf. Lei de Introdução, art. 2-,§ 2°.113 Lei de Introdução, art. 2-, § 32.114 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 6-, R. Limongi França, Direito Inter-lamporal Brasileiro, p. 420 e segs.; Paulo Roubier. Lê Droit transitoire, p. 293 e segs.;C. F. Gabba. Teoria delia retroatività delle leggi, pp. 190-191.115 Limongi França, op. cit., p. 432. A idéia de direito adquirido é válida para todos osramos do direito: Caio Mário, op. cit., p. 152.116 Constituição Federal, art. 5S, n- XXXVI.117 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 1-.118 Lei de Introdução ao Código Civil, art. S-.119 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 9-, p. 2.120 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 10 e §§ l- e 2°.

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