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Paulo Victorino
CAPÍTULO OITO
VALSA DA DESPEDIDA
A ÚLTIMA ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE
Após a cerimônia formal de posse na presidência da República,
ocorrida uma parte no Supremo Tribunal Federal e outra no
Congresso, o novo presidente, Jânio Quadros atravessa a praça
dos Três Poderes e sobe à tribuna ao lado do Palácio do Planalto
para, diante de uma multidão entusiasmada, receber a faixa
presidencial das mãos de Juscelino Kubitschek. Os aplausos
efusivos são para ambos. Se Jânio representa a esperança do
futuro, JK é a realidade do presente, concretizada não só pela
construção de Brasília, onde se dava a cerimônia, como pelo
desenvolvimento incontestável do país nos seus cinco anos de
governo.
Em 3 de outubro de 1960, com a mesma festa de sempre, realizam-se as
eleições para a escolha do novo presidente da República, que será sucessor de
Juscelino Kubitschek e o primeiro a tomar posse em Brasília, a nova capital do
país. O que muitos não sabem, mas alguns já pressentem naquele instante, é
que estas seriam as últimas eleições livres na Terceira República. Desta data,
até 1990, em um lapso de exatos 30 anos, o eleitor é impedido de escolher seu
Presidente.
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Com efeito, cassados os direitos de cidadania à nação brasileira pelo golpe
de estado que implantou o regime militar no Brasil em 1964, o Presidente passou
a ser escolhido pelo Sistema Militar que, de fato mas não de direito, governava
o país. O nome escolhido por ele, era em seguida levado protocolarmente ao
Congresso Nacional numa bandeja de prata, para homologação.
Mas neste dia 3 de outubro de 1960 tudo ainda é festa, o eleitor volta às
urnas em busca de uma esperança e, com ardor messiânico, espera ter,
finalmente, encontrado aquele que iria redimir a população esquecida deste
imenso Brasil.
O eleitorado vai ao pleito com três candidatos: Ademar Pereira de Barros,
do PSP, desta vez apoiado por Plínio Salgado que, após sucessivas derrotas,
desistiu de candidatar-se; o general Henrique Duffles Teixeira Lott, do PSD,
apoiado também pelo PTB, que lhe deu o vice, na pessoa de João Belchior
Goulart (Jango); finalmente, Jânio da Silva Quadros, lançado pelo PTN do lider
marmiteiro Hugo Borghi, mas recebendo apoio também da UDN, do PDC e do
PR.
Pelos arranjos estranhos que se fizeram durante a campanha e pelos reflexos
que esta eleição teve nos destinos do país nas décadas seguintes, bem que ela
justifica um capítulo em separado. E é o que estamos fazendo.
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O mundo em 1960
Independentemente de qual fosse a conjuntura do país em 1960, é importante
conhecermos também o panorama político mundial nesse mesmo ano, o qual
influiu na campanha eleitoral, nas eleições e, depois, no próprio relacionamento
do governo brasileiro com os demais países.
Registre-se que aquele período glorioso estava repleto de heróis que, para o
bem ou para o mal, deixaram marcada sua passagem na história universal.
John Fitzgerard Kennedy tomava posse como 35º presidente dos Estados
Unidos. Do outro lado do oceano, Nikita Krutchev era o chefe da União
Soviética. Desde há muito, vinha sendo travada uma guerra fria entre as duas
potências, dentro da qual a revolução cubana, recém-inaugurada, se
transformou em um novo complicador nas relações internacionais.
Há menos de dois anos, o jovem advogado Fidel Castro e seus guerrilheiros
de Sierra Maestra haviam tomado o poder em Cuba, depondo o sargento
Fulgêncio Batista e implantando naquela ilha um regime, a princípio socialista,
depois declarado abertamente como comunista, patrocinado pelo governo de
Moscou.
Tratava-se apenas de uma troca na área de influência, já que o governo
anterior do sargento Fulgêncio Batista estava de tal maneira sujeito a
Washington que Cuba era chamada de quintal dos Estados Unidos. Passou a
ser, a partir deste momento, quintal da União Soviética e não foi ainda desta vez
que o país adquiriu sua plena soberania.
Cuba tornava-se o primeiro enclave comunista na América Latina, a partir do
qual a União Soviética tencionava exportar suas doutrinas revolucionárias para
o continente.
Àquela altura, já era possível encontrar nas mãos de estudantes brasileiros
revistas impressas na língua espanhola, vindas de Cuba, fazendo apologia do
comunismo. E o mesmo acontecia nos outros países latino-americanos, criando
um clima de apreensão e vigilância em todo o continente.
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Na Europa, algumas ditaduras conseguiam se sustentar, mesmo após a
Segunda Guerra, que foi a grande luta em busca da liberdade.
Antônio de Oliveira Salazar, em Portugal, e o generalíssimo Francisco
Franco, na Espanha, dominavam em seus respectivos países, mas já surgiam
alguns sinais de contestação ao regime. E, em face da aproximação política e
cultural do Brasil com ambos países, não é de estranhar que os problemas da
península Ibérica viessem a ter suas repercussões aqui.
Na França, o general Charles de Gaulle havia renunciado em 1956, para
voltar dois anos depois, espetacularmente, apontado como o único capaz de
resolver os graves problemas do país, envolvido nos conflitos da Argélia e
ameaçado de uma guerra civil. E voltou impondo severas condições, pedindo
poderes especiais e reformulando a constituição. Era o início da 5ª República
francesa, que perdura até hoje. Não estranhe que ele tenha se tornado o ídolo
de um dos candidatos à Presidência, Jânio da Silva Quadros.
A África era, também, um enorme caldeirão a fervilhar.
Ao Norte, uma luta sangrenta entre a Argélia, colônia francesa em busca da
liberdade, e os exércitos da Legião Estrangeira, que a França mantinha naquele
território para sufocar qualquer movimento de rebeldia.
Ao Sul, o Congo Belga, sob a liderança de Patrice Lumumba, acabara de
conseguir a independência, mas seu opositor, Moisés Tshombe levou o país
nascente a uma guerra civil, ocasionando sua divisão em dois territórios distintos:
O Congo, dirigido por Lumumba, que se apoiou na União Soviética, e o Zaire,
que recebeu franco apoio da Bélgica e do mundo capitalista. Era mais uma face
da guerra fria.
As duas colônias portuguesas no sul da África, Angola e Moçambique
também queriam autonomia, mas Salazar, cinicamente, enviou um recado de
que somente dali a quinhentos anos elas estariam em condições de cuidar de
seus próprios destinos. A forte pressão portuguesa sobre essas colônias
facilitou, na contra-mão, a infiltração comunista, que desestabilizou ambos os
territórios.
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No Oriente Médio, afora a luta milenar entre árabes e judeus, a questão
imediata era a do Canal do Suez, nacionalizado pelo presidente do Egito, Gamal
Abdel Nasser, que pretendia, assim, arrecadar pedágio para construir a represa
de Assuã, obra estratégica para o desenvolvimento de seu país.
Isso originou um pesado conflito com a França e a Inglaterra, envolvendo de
permeio os Estados Unidos e, mais tarde, a própria ONU. O Brasil chegou a
enviar tropas de paz para garantir a internacionalização do canal.
E a União Soviética aproveitou-se do episódio para garantir maior
aproximação com o mundo árabe, enquanto os Estados Unidos davam
sustentação a Israel. Era a ampliação das áreas de influência dos dois blocos
envolvidos na guerra fria.
No extremo asiático, a guerra da Coréia (1950) foi o ponto de partida para a
divisão do continente em áreas de influência bem definidas: A Coréia do Norte e
o Vietnã do Norte, comunistas; a Coréia do Sul e o Vietnã do Sul capitalistas;
entre eles, a imensa China Continental, comunista, e a pequena ilha de
Formosa (Taiwan), nacionalista, sob a proteção dos Estados Unidos; e os
países restantes da região, sofrendo na carne as lutas internas para se definir
em um ou outro bloco.
Estados Unidos e países ricos formavam o que se designou como Primeiro
Mundo; a União Soviética e seus satélites compuseram o Segundo Mundo; O
presidente egípcio Gamal Abdel Nasser procurou liderar os países sub-
desenvolvidos ou em desenvolvimento em um bloco de não alinhados. Era o
chamado Terceiro Mundo.
Em tal clima, governar o Brasil significava fazer uma opção por uma das duas
potências dominantes. Ou então, procurar a imparcialidade, sofrendo as
consequências da reação diplomática dos Estados Unidos, que se traduzia
obviamente por pressões políticas, comerciais, financeiras e, se preciso, por uma
sutil pressão armada.
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O candidato Ademar de Barros
Ademar Pereira de Barros nasceu em Piracicaba-SP, em 22 de abril de
1901. Em 1923, formou-se médico e foi a Berlim fazer um curso de pós-
graduação de quatro anos. Quando de sua estada na Alemanha, Hitler ainda não
era aquela força que levou o país à própria desgraça, pelo contrário, acabava de
ser preso e, na prisão escreveu Minha Luta, o livro que continha sua profissão
de fé.
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Ademar tinha tudo para seguir a carreira médica e nada para fazer sucesso
na carreira política. Envolvendo-se na revolução de 1932, teve de ficar exilado,
primeiro no Paraguai e depois na Argentina, onde era mais fácil encontrar
emprego.
Beneficiado pela anistia, em 1934, elegeu-se para a Assembleia Legislativa
de São Paulo que, naquele tempo, funcionava em um velho casarão da Praça
João Mendes, atrás da atual Catedral. E aí teria encerrado suas atividades
políticas, pois, três anos depois, Getúlio Vargas instituiu o Estado Novo,
fechando todas as casas legislativas e nomeando interventores para substituir
os governadores.
Foi aí que a sorte lhe sorriu. Em 1939, Getúlio pretendia substituir o
interventor de São Paulo, Cardoso de Melo, por alguém menos conhecido e de
menor influência política, que não viesse a lhe atrapalhar os passos. São Paulo
era para ele um ninho de serpentes, nascedouro do putch integralista de 1938,
que quase custou a vida do ditador e era de todo conveniente cavalgar de rédeas
curtas. O nome de Ademar caiu, então, como uma luva.
Com uma carta de nomeação no bolso, foi o próprio Ademar de Barros que
se dirigiu ao Palácio dos Campos Elíseos, sem audiência marcada, mas com a
missão de destituir o interventor em exercício e assumir seu lugar.
Os efeitos da mudança não tardaram em surgir. Com uma vocação nata para
a administração pública, Ademar revolucionou o governo, realizando obras como
ninguém havia feito antes e, já que o prefeito da Capital era nomeado pelo
interventor, não tardou em anunciar como obras suas também as realizações da
Prefeitura.
O novo interventor ficou conhecido, sobretudo, pela construção do Hospital
das Clínicas, uma obra espetacular para a época, e que acabou tornando-se o
maior complexo hospitalar da América Latina.
Ao seu lado, durante toda carreira política, estava a figura exemplar de dona
Leonor Mendes de Barros e de seu filho, o Ademarzinho, ambos sempre exibidos
em recepções públicas como exemplo de uma família feliz..
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Vivendo numa sociedade conservadora, ao apresentar-se como um
respeitável chefe de família ele impressionava a todos e ganhava popularidade.
E, quando caiu o Estado Novo, rendeu também um caminhão de votos.
Dono de forte máquina política e senhor do próprio partido, Ademar julgava-
se, agora, em condições de disputar a Presidência. Sua fraqueza estava em que
era um político regional e nunca trabalhou para desenvolver o PSP em outros
Estados.
Mário Beni, biógrafo de Ademar de Barros, aponta o maior defeito de seu
líder:
"Um dos grandes erros de Ademar, aliás próprio dos absolutistas,
era o de não permitir lideranças demasiadamente pronunciadas
dentro do partido. Admitia-as, sim, prestigiava-as até, apenas
quando tais lideranças tinham um único objetivo: servi-lo."
O candidato Teixeira Lott
Henrique Batista Duffles Teixeira Lott nasceu em Antônio Carlos-MG em
16 de novembro de 1894. Estudou na Escola Militar do Realengo (Rio de Janeiro)
tornando-se aspirante a oficial em 1914.
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Era um soldado bem-comportado, defendendo o respeito à legalidade e, por
essa razão, nunca teve destaque junto à jovem oficialidade, envolvida em
frequentes manifestações de rebeldia. Não se envolvendo também nas tramas
políticas, tão comuns na Primeira e Segunda Repúblicas, seu nome era
desconhecido do grande público, embora respeitado entre seus companheiros.
De temperamento forte, nunca deixava as coisas para serem resolvidas
depois e isso criava atritos com seus pares e, algumas vezes, com superiores
hierárquicos.
Um incidente de peso no início da Segunda Guerra Mundial, quando Lott era
coronel, acabou afetando sua carreira. Ainda no Brasil, em fase de treinamento,
Lott teve uma forte discussão com o comandante da 1ª Divisão Expedicionária,
general Mascarenhas de Morais.
Mascarenhas seguiu para a Itália com a FEB no primeiro navio, enquanto
que Lott foi embarcado mais tarde, com o segundo escalão.
Amigo e protegido do general Cordeiro de Farias, a quem conhecera de
calças curtas, Lott esperava ter seus serviços aproveitados no campo de batalha,
mas tudo lhe saiu errado. Já na Itália, precisando requisitar um jipe para seu uso,
foi recebido com frieza pelos oficiais (alguns subalternos) e encaminhado de
repartição em repartição, até chegar ao coronel Brayner que, por sua vez, o
enviou diretamente ao general Mascarenhas de Morais.
Pior para ele. Mascarenhas lhe pergunta de supetão: O que está fazendo
aquí? Resposta: Fui mandado para cá.. E Mascarenhas encerrou o assunto: Está
bem. Pode voltar.
Um ou dois dias depois, chega à Itália o ministro da Guerra, general Eurico
Gaspar Dutra, a quem Lott reclama do tratamento recebido. Dutra simplesmente
o convida para voltar ao Rio de Janeiro em seu avião, o que acabou
acontecendo. Em 1944, já de volta ao Brasil, Lott era promovido a general, mas
teve frustrada sua participação na Força Expedicionária Brasileira.
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O episódio que tornou o general conhecido do Brasil inteiro foi, entretanto, a
novembrada de 1955, quando, para cortar no nascedouro um golpe que
pretendia impedir a posse de Juscelino, o general Teixeira Lott, em companhia
do general Odilio Dennys, depôs, em dez dias, dois presidentes da República,
Carlos Luz e Café Filho. Era um ato de incontestável poder junto ao Exército.
O general Lott, que fora ministro da Guerra dos dois presidentes depostos,
permaneceu no governo provisório de Nereu Ramos e, depois, nos cinco anos
do governo de Juscelino Kubitschek, de onde só saiu para candidatar-se à
sucessão presidencial.
O grande trunfo de sua candidatura, patrocinada pelo PSD, era sua grande
ascendência sobre as Forças Armadas, o que garantiu a estabilidade do governo
JK e poderia, por extensão, garantir seu próprio governo, se eleito.
De temperamento militar, avesso ao marketing, jamais envolveu sua família
na campanha eleitoral, preferindo apresentar-se como garantidor da democracia,
ao lado das Forças Armadas. Isso tudo sem revelar a intimidade familiar.
O candidato Jânio Quadros
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Jânio da Silva Quadros nasceu em 25 de janeiro de 1917. Era o mais jovem
dos três candidatos. Sua origem é Mato Grosso do Sul (Campo Grande), mas
sua família logo transferiu-se para o Paraná, onde ele prosseguiu seus estudos.
Mudou-se mais tarde para São Paulo, bacharelando-se na Faculdade de
Direito do largo de São Francisco. Logo após, passou a dar aulas em um colégio
de classe média alta. Seus alunos logo se impressionaram com a brilhante
oratória e com as ideias revolucionárias do novo professor, incentivando-o a
candidatar-se a vereador. Meninos ainda, tornaram-se cabos eleitorais do
mestre e colaboraram para que Jânio fosse eleito.
Começou aí o carreirismo do jovem político, então com apenas trinta anos.
Assumindo como vereador em 1947, não chega a terminar o mandato, elegendo-
se deputado estadual. Em 1953, deixa a Assembleia Legislativa para assumir,
por expressiva votação, a Prefeitura de São Paulo, que acabara de conquistar
sua autonomia política.
Foi um momento que marcou a carreira de Jânio. Sem recursos financeiros
para tocar a campanha, apoiado por dois pequenos partidos, o PDC e o PSB,
teve como adversário Francisco Antônio Cardoso, apoiado por uma máquina
milionária de 11 partidos políticos, entre eles o PSP de Ademar de Barros, que
dominava o governo do Estado e a Prefeitura; o PTB e o PSD de Getúlio Vargas,
então presidente da República e todo um sistema posto a serviço do candidato
oficial.
Jânio e seu companheiro de chapa, o coronel Porfírio da Paz, desenvolveram
a campanha transformando em força sua própria fraqueza. O eleitorado
identificou-se com a campanha do tostão contra o milhão e descarregou sua
votação maciçamente no candidato dos pobres elegendo Jânio contra Cardoso,
na proporção de 3 a 1. Foi a chamada revolução branca.
Um ano depois, Jânio renunciava à Prefeitura, levando a tiracolo seu vice-
prefeito, para candidatarem-se, ambos, a Governador e vice, respectivamente.
Foi o caos para a Prefeitura, que teve três outros prefeitos em menos de três
anos.
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Eleito Governador em 1954, quase renuncia em 1955 para candidatar-se a
Presidente, numa jogada do presidente Café Filho, que pretendia bloquear a
candidatura de JK. Jânio teve o bom senso de permanecer no governo do Estado
(o único posto que levou até o fim) e isso lhe foi proveitoso por mostrar sua
capacidade administrativa e por projetar pelo restante do país o marketing de
suas ideias e realizações.
Em 1958, elege-se deputado federal pelo Paraná, mas raramente comparece
à Câmara Federal, perdendo a grande oportunidade de estabelecer contato e
amizade com políticos dos demais Estados. E, diga-se de passagem, também
não concluiu este mandato.
Perdeu também a oportunidade de utilizar a grande tribuna da Câmara para
divulgar suas ideias em nível nacional, vindo a tornar-se um gigante com pés de
barro, ou seja, com muita fama e pouca sustentação política.
Jânio era um mito, seu nome tinha projeção pelo Brasil afora, mas continuava
um político regional, com seu apoio circunscrito a São Paulo e Paraná.
Em 1960 tem sua candidatura lançada pelo Partido Trabalhista Nacional
(centro), depois homologada também pelo PDC (esquerda), pela UDN e PR
(direita), uma salada ideológica que só não lhe fez estragos porque Jânio era
personalista, firmando-se em seu próprio carisma e usando os partidos políticos,
em vez de ser usado por eles. Jânio achava que, tendo apoio maciço da
população, não precisava de partidos, nem de políticos, e esse erro lhe foi fatal,
mais tarde.
Havendo começado a carreira política na democracia cristã, em breve Jânio
começou a abraçar ideias conservadoras, tornando-se mais radical que a própria
União Democrática Nacional, onde passou a contar com apoio incondicional até
do extremista Carlos Lacerda, o grande defensor de sua candidatura à
presidência da República.
Ao seu lado, a todo momento, os familiares. O pai, o médico Gabriel
Quadros, elegeu-se vereador, tornando-se mais tarde o maior adversário do
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próprio filho. A mãe, dona Leonor da Silva Quadros, era, desde o início, sua fã
de carteirinha. Com o mesmo sotaque fortemente silabado do filho (não era
afetação), podia ser encontrada desde a campanha a prefeito, no comitê da rua
Tabatinguera, mantendo contatos, dando sugestões e instruções, enfim,
participando dos negócios políticos como se fosse ela a própria candidata.
A esposa, dona Eloá, era a doce Amélia. Assim como Leonor Mendes de
Barros, também não se envolvia na vida política, apresentando-se só como a
companheira fiel a acompanhar o esposo, onde quer que fosse e em qualquer
situação.
Jânio Quadros, ladeado por sua esposa Eloá e por sua filha Dirce Maria
A filha, Dirce Quadros, deixava aos poucos de ser a moleca travessa que
corria pelos salões do Palácio Campos Elíseos, para o encanto dos jornalistas
credenciados (chegou a casar-se com um deles).
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Voluntariosa como o pai, começou, aos poucos, a tornar-se um problema
político, por tocar em diapasão diferente do restante da orquestra. Nos anos
oitenta, quando já era deputada federal, veio a criar um sério incidente com
entrevista de página inteira concedida a um jornal de São Paulo. Mas esse é
outro assunto, que não cabe nesta matéria.
Quem apoiava quem
Durante muito tempo a União Democrática Nacional (UDN) se apresentou
como artífice da candidatura Jânio Quadros e base de apoio que o levou à
presidência da República. Nada mais falso. O lançamento da candidatura foi
iniciativa do Partido Trabalhista Nacional (PTN) e o candidato era apoiado por
uma coligação de quatro partidos. O nome da UDN se sobressaiu durante a
campanha, por ser um partido conservador, tão conservador como a maioria da
imprensa brasileira, que lhe dava apoio e sustentação.
Dentro da própria UDN havia um bloco de oposição, liderado pelo governador
da Bahia, Juraci Magalhães, que pretendia ser, ele mesmo, o candidato à
Presidência.
Juracy Magalhães, o dissidente da UDN
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Derrotado na Convenção, Juraci formalizou seu apoio ao vencedor e
permaneceu fiel, mas não se integrou à campanha e recusou-se a participar da
chapa como vice. Ademar de Barros tentou atrai-lo para sua própria campanha,
porém sem resultado.
Pelo menos duas vezes, Jânio renunciou à candidatura e, depois, renunciou
à renúncia. Na primeira, o assunto ficou a quatro paredes, entre ele e Afonso
Arinos: o bilhete foi recolhido de volta e destruído. Na segunda, o assunto veio
a público e causou pânico entre seus correligionários.
O motivo alegado era a dualidade de candidatos à vice-Presidência. O PDC
lançara Fernando Ferrari, enquanto a UDN sustentava o nome de Leandro
Maciel, governador de Sergipe. Jânio recusava-se a subir no palanque com dois
vices ao seu lado. Por fim, Ferrari concordou em fazer carreira solo, sem
participar dos comícios. O candidato oficial passou a ser Leandro Maciel, que
não conseguiu sustentar-se, sendo substituído pelo mineiro Milton Campos.
Afinal, qual foi o partido que elegeu Jânio Quadros presidente da República?
Nenhum dos quatro. A tomar como base as eleições legislativas que se
realizaram em 1958, portanto, dois anos antes, a soma dos votos do PTN, UDN,
PDC e PR não chegou a 30 por cento, um peso insuficiente para eleger um
Presidente.
Quem elegeu Jânio foi o próprio Jânio. Líder pela própria natureza, ele
desenvolveu toda a campanha firmado no apoio popular que lhe era dado
individualmente. Os partidos políticos é que o seguiam, pautando-se pelos seus
caprichos, aceitando-lhe as afetações, tolerando-lhe as manifestações
autoritárias. Jânio conduzia a campanha e os partidos o seguiam, convencidos
de que, longe dele, não havia como chegar ao poder.
Um destaque especial para o jornalista Carlos Lacerda, proprietário da
Tribuna de Imprensa, que deu apoio irrestrito à candidatura Jânio Quadros.
Ambos autoritários, um e outro foram atraídos por um processo de polarização
e estiveram unidos somente até a posse, quando um e outro retornaram às
posições originais. Jânio de um lado e Lacerda de outro, tão adversários quanto
antes.
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Cuba é o primeiro desafio
Como já dissemos anteriormente, Cuba passou a ser o pivô da guerra fria
entre Estados Unidos e União Soviética na América Latina. Os primeiros
buscavam um isolamento da ilha no continente, enquanto que a segunda
utilizava seu novo satélite político com o objetivo de exportar a revolução pelo
restante das Américas.
Foi nesse processo que Fidel Castro interferiu na campanha presidencial
brasileira convidando os candidatos Teixeira Lott e Jânio Quadros para, em
separado, fazerem uma visita a Cuba.
Ademar de Barros nem foi convidado, seja pela inexpressividade da
candidatura, seja por sua posição de ultra-direita, com forte apoio dos
integralistas.
A resposta do general Teixeira Lott foi imediata. Não iria. Além de causar-
lhe problemas junto às Forças Armadas, essa visita poderia tornar-se um
complicador da campanha eleitoral que, a essa altura, já não lhe era muito
favorável.
Não deixa de ser uma decisão ao menos curiosa, pois seu companheiro de
chapa era João Goulart, com trânsito livre junto às esquerdas. O mesmo Jango
que se elegeu vice com JK, cuja posse o general Lott garantiu, derrubando dois
presidentes da República, em 1955.
Além do que, a candidatura Lott recebeu apoio formal do próprio secretário
do Partido Comunista Brasileiro, Luís Carlos Prestes, um e outro fora da lei.
Assim, ao que se via, Lott já estava por demais comprometido com as esquerdas
e sua ida a Cuba poderia até ter resultado em um golpe publicitário de bom efeito.
Jânio Quadros aceitou o convite, acontecendo então coisas que só se
explicam na estranha e complicada política brasileira. A conservadora União
Democrática Nacional não só deu apoio à visita como também permitiu que, da
comitiva, fizesse parte um de seus líderes mais radicais, Afonso Arinos de Melo
Franco, porta-voz de Jânio em assuntos internacionais.
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Arinos ficou lado a lado com Francisco Julião que, pouco tempo depois,
viria a ser o líder das Ligas Camponesas no Nordeste. Os dois extremos se
tocam.
A visita, embora distorcida por seus inimigos políticos, trouxe dividendos a
Jânio Quadros, sendo considerada não como um apoio a Cuba, mas como visita
de um futuro chefe de Estado a um país que continuava mantendo relações
diplomáticas com o Brasil.
Um batalhão de jornalistas acompanhou a comitiva e noticiou fartamente os
encontros, trazendo uma reação favorável da opinião pública, até mesmo
quando o noticiário era distorcido.
Eleição e posse
Como já era esperado, os resultados das eleições de 3 de outubro de 1960
deram uma larga vitória ao candidato Jânio Quadros. O eleitorado ignorou suas
preferências partidárias, descarregando a votação sobre um nome, alheio às
legendas.
Foi subvertido o processo. Os quatro partidos que apoiavam Jânio,
representando 30 por cento do eleitorado, arrebataram quase 6 milhões de
votos, enquanto os dois maiores partidos do Brasil (PSD e PTB), apoiando Lott,
não conseguiram sequer 2 milhões.
Para isso contribuiu, além do prestígio individual de Jânio, também um
estratagema usado por ele. Apoiando formalmente seu companheiro a vice,
Milton Campos, que subia no mesmo palanque, Jânio Quadros, paralelamente,
incentivava uma campanha anônima e apartidária que se desenvolvia pelo país,
fazendo publicidade da dobradinha Jan-Jan (Jânio-Jango). Como a legislação
eleitoral permitia votar em candidatos de partidos diferentes, o eleitorado
descarregou sua votação em Jânio Quadros para Presidente, e em João Goulart
(vice de Lott) para vice-Presidente. Ambos foram eleitos.
Desta vez não houve ameaças de golpe, nem tentativas para impedir a posse.
Afinal, a UDN conseguia, finalmente alcançar o poder mais alto, após quinze
anos de sucessivas derrotas. Era uma vitória momentânea, mas, pelo menos
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naquele momento, era uma realidade palpável. Dali para diante, bastava
administrar os acontecimentos até consolidar-se no poder. É o que pensavam.
Foi assim que Jânio da Silva Quadros e João Belchior Goulart tomaram
posse, em cerimônia celebrada pelo presidente do Superior Tribunal Eleitoral,
ministro Ari Franco. Cerimônia convencional, com um rápido discurso e nada
mais.
Às 11 horas, ambos são introduzidos no plenário do Congresso Nacional pelo
presidente da casa, senador Filinto Müller (o mesmo que durante a guerra
colaborou com o nazismo.
Aqui, sim, a cerimônia é de pompa. Estavam presentes, além de
parlamentares, as mais altas autoridades do país, os governadores de Estados,
etc., etc.
Em seguida, atravessando a praça dos Três Poderes, Jânio Quadros sobe à
tribuna pública e, diante de uma multidão entusiasmada, recebe a faixa
presidencial das mãos de Juscelino Kubitschek.
Os aplausos são para ambos. Se Jânio representa a esperança do futuro,
Juscelino é a realidade do presente, representada não só pela nova capital, onde
se dava a cerimônia, como pelo desenvolvimento incontestável do país nos seus
cinco anos de governo.
Fecha-se, com este ato, um capítulo da História do Brasil, iniciando-se outro,
bem mais conturbado do que se imaginava, em que as esperanças do povo
brasileiro, grandes e coloridas como uma bolha de sabão, explodem
repentinamente, fazendo o país escorregar em direção a um despenhadeiro.