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Paulo Victorino CAPÍTULO OITO VALSA DA DESPEDIDA A ÚLTIMA ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE Após a cerimônia formal de posse na presidência da República, ocorrida uma parte no Supremo Tribunal Federal e outra no Congresso, o novo presidente, Jânio Quadros atravessa a praça dos Três Poderes e sobe à tribuna ao lado do Palácio do Planalto para, diante de uma multidão entusiasmada, receber a faixa presidencial das mãos de Juscelino Kubitschek. Os aplausos efusivos são para ambos. Se Jânio representa a esperança do futuro, JK é a realidade do presente, concretizada não só pela construção de Brasília, onde se dava a cerimônia, como pelo desenvolvimento incontestável do país nos seus cinco anos de governo. Em 3 de outubro de 1960, com a mesma festa de sempre, realizam-se as eleições para a escolha do novo presidente da República, que será sucessor de Juscelino Kubitschek e o primeiro a tomar posse em Brasília, a nova capital do país. O que muitos não sabem, mas alguns já pressentem naquele instante, é que estas seriam as últimas eleições livres na Terceira República. Desta data, até 1990, em um lapso de exatos 30 anos, o eleitor é impedido de escolher seu Presidente.

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Paulo Victorino

CAPÍTULO OITO

VALSA DA DESPEDIDA

A ÚLTIMA ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE

Após a cerimônia formal de posse na presidência da República,

ocorrida uma parte no Supremo Tribunal Federal e outra no

Congresso, o novo presidente, Jânio Quadros atravessa a praça

dos Três Poderes e sobe à tribuna ao lado do Palácio do Planalto

para, diante de uma multidão entusiasmada, receber a faixa

presidencial das mãos de Juscelino Kubitschek. Os aplausos

efusivos são para ambos. Se Jânio representa a esperança do

futuro, JK é a realidade do presente, concretizada não só pela

construção de Brasília, onde se dava a cerimônia, como pelo

desenvolvimento incontestável do país nos seus cinco anos de

governo.

Em 3 de outubro de 1960, com a mesma festa de sempre, realizam-se as

eleições para a escolha do novo presidente da República, que será sucessor de

Juscelino Kubitschek e o primeiro a tomar posse em Brasília, a nova capital do

país. O que muitos não sabem, mas alguns já pressentem naquele instante, é

que estas seriam as últimas eleições livres na Terceira República. Desta data,

até 1990, em um lapso de exatos 30 anos, o eleitor é impedido de escolher seu

Presidente.

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Com efeito, cassados os direitos de cidadania à nação brasileira pelo golpe

de estado que implantou o regime militar no Brasil em 1964, o Presidente passou

a ser escolhido pelo Sistema Militar que, de fato mas não de direito, governava

o país. O nome escolhido por ele, era em seguida levado protocolarmente ao

Congresso Nacional numa bandeja de prata, para homologação.

Mas neste dia 3 de outubro de 1960 tudo ainda é festa, o eleitor volta às

urnas em busca de uma esperança e, com ardor messiânico, espera ter,

finalmente, encontrado aquele que iria redimir a população esquecida deste

imenso Brasil.

O eleitorado vai ao pleito com três candidatos: Ademar Pereira de Barros,

do PSP, desta vez apoiado por Plínio Salgado que, após sucessivas derrotas,

desistiu de candidatar-se; o general Henrique Duffles Teixeira Lott, do PSD,

apoiado também pelo PTB, que lhe deu o vice, na pessoa de João Belchior

Goulart (Jango); finalmente, Jânio da Silva Quadros, lançado pelo PTN do lider

marmiteiro Hugo Borghi, mas recebendo apoio também da UDN, do PDC e do

PR.

Pelos arranjos estranhos que se fizeram durante a campanha e pelos reflexos

que esta eleição teve nos destinos do país nas décadas seguintes, bem que ela

justifica um capítulo em separado. E é o que estamos fazendo.

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O mundo em 1960

Independentemente de qual fosse a conjuntura do país em 1960, é importante

conhecermos também o panorama político mundial nesse mesmo ano, o qual

influiu na campanha eleitoral, nas eleições e, depois, no próprio relacionamento

do governo brasileiro com os demais países.

Registre-se que aquele período glorioso estava repleto de heróis que, para o

bem ou para o mal, deixaram marcada sua passagem na história universal.

John Fitzgerard Kennedy tomava posse como 35º presidente dos Estados

Unidos. Do outro lado do oceano, Nikita Krutchev era o chefe da União

Soviética. Desde há muito, vinha sendo travada uma guerra fria entre as duas

potências, dentro da qual a revolução cubana, recém-inaugurada, se

transformou em um novo complicador nas relações internacionais.

Há menos de dois anos, o jovem advogado Fidel Castro e seus guerrilheiros

de Sierra Maestra haviam tomado o poder em Cuba, depondo o sargento

Fulgêncio Batista e implantando naquela ilha um regime, a princípio socialista,

depois declarado abertamente como comunista, patrocinado pelo governo de

Moscou.

Tratava-se apenas de uma troca na área de influência, já que o governo

anterior do sargento Fulgêncio Batista estava de tal maneira sujeito a

Washington que Cuba era chamada de quintal dos Estados Unidos. Passou a

ser, a partir deste momento, quintal da União Soviética e não foi ainda desta vez

que o país adquiriu sua plena soberania.

Cuba tornava-se o primeiro enclave comunista na América Latina, a partir do

qual a União Soviética tencionava exportar suas doutrinas revolucionárias para

o continente.

Àquela altura, já era possível encontrar nas mãos de estudantes brasileiros

revistas impressas na língua espanhola, vindas de Cuba, fazendo apologia do

comunismo. E o mesmo acontecia nos outros países latino-americanos, criando

um clima de apreensão e vigilância em todo o continente.

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Na Europa, algumas ditaduras conseguiam se sustentar, mesmo após a

Segunda Guerra, que foi a grande luta em busca da liberdade.

Antônio de Oliveira Salazar, em Portugal, e o generalíssimo Francisco

Franco, na Espanha, dominavam em seus respectivos países, mas já surgiam

alguns sinais de contestação ao regime. E, em face da aproximação política e

cultural do Brasil com ambos países, não é de estranhar que os problemas da

península Ibérica viessem a ter suas repercussões aqui.

Na França, o general Charles de Gaulle havia renunciado em 1956, para

voltar dois anos depois, espetacularmente, apontado como o único capaz de

resolver os graves problemas do país, envolvido nos conflitos da Argélia e

ameaçado de uma guerra civil. E voltou impondo severas condições, pedindo

poderes especiais e reformulando a constituição. Era o início da 5ª República

francesa, que perdura até hoje. Não estranhe que ele tenha se tornado o ídolo

de um dos candidatos à Presidência, Jânio da Silva Quadros.

A África era, também, um enorme caldeirão a fervilhar.

Ao Norte, uma luta sangrenta entre a Argélia, colônia francesa em busca da

liberdade, e os exércitos da Legião Estrangeira, que a França mantinha naquele

território para sufocar qualquer movimento de rebeldia.

Ao Sul, o Congo Belga, sob a liderança de Patrice Lumumba, acabara de

conseguir a independência, mas seu opositor, Moisés Tshombe levou o país

nascente a uma guerra civil, ocasionando sua divisão em dois territórios distintos:

O Congo, dirigido por Lumumba, que se apoiou na União Soviética, e o Zaire,

que recebeu franco apoio da Bélgica e do mundo capitalista. Era mais uma face

da guerra fria.

As duas colônias portuguesas no sul da África, Angola e Moçambique

também queriam autonomia, mas Salazar, cinicamente, enviou um recado de

que somente dali a quinhentos anos elas estariam em condições de cuidar de

seus próprios destinos. A forte pressão portuguesa sobre essas colônias

facilitou, na contra-mão, a infiltração comunista, que desestabilizou ambos os

territórios.

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No Oriente Médio, afora a luta milenar entre árabes e judeus, a questão

imediata era a do Canal do Suez, nacionalizado pelo presidente do Egito, Gamal

Abdel Nasser, que pretendia, assim, arrecadar pedágio para construir a represa

de Assuã, obra estratégica para o desenvolvimento de seu país.

Isso originou um pesado conflito com a França e a Inglaterra, envolvendo de

permeio os Estados Unidos e, mais tarde, a própria ONU. O Brasil chegou a

enviar tropas de paz para garantir a internacionalização do canal.

E a União Soviética aproveitou-se do episódio para garantir maior

aproximação com o mundo árabe, enquanto os Estados Unidos davam

sustentação a Israel. Era a ampliação das áreas de influência dos dois blocos

envolvidos na guerra fria.

No extremo asiático, a guerra da Coréia (1950) foi o ponto de partida para a

divisão do continente em áreas de influência bem definidas: A Coréia do Norte e

o Vietnã do Norte, comunistas; a Coréia do Sul e o Vietnã do Sul capitalistas;

entre eles, a imensa China Continental, comunista, e a pequena ilha de

Formosa (Taiwan), nacionalista, sob a proteção dos Estados Unidos; e os

países restantes da região, sofrendo na carne as lutas internas para se definir

em um ou outro bloco.

Estados Unidos e países ricos formavam o que se designou como Primeiro

Mundo; a União Soviética e seus satélites compuseram o Segundo Mundo; O

presidente egípcio Gamal Abdel Nasser procurou liderar os países sub-

desenvolvidos ou em desenvolvimento em um bloco de não alinhados. Era o

chamado Terceiro Mundo.

Em tal clima, governar o Brasil significava fazer uma opção por uma das duas

potências dominantes. Ou então, procurar a imparcialidade, sofrendo as

consequências da reação diplomática dos Estados Unidos, que se traduzia

obviamente por pressões políticas, comerciais, financeiras e, se preciso, por uma

sutil pressão armada.

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O candidato Ademar de Barros

Ademar Pereira de Barros nasceu em Piracicaba-SP, em 22 de abril de

1901. Em 1923, formou-se médico e foi a Berlim fazer um curso de pós-

graduação de quatro anos. Quando de sua estada na Alemanha, Hitler ainda não

era aquela força que levou o país à própria desgraça, pelo contrário, acabava de

ser preso e, na prisão escreveu Minha Luta, o livro que continha sua profissão

de fé.

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Ademar tinha tudo para seguir a carreira médica e nada para fazer sucesso

na carreira política. Envolvendo-se na revolução de 1932, teve de ficar exilado,

primeiro no Paraguai e depois na Argentina, onde era mais fácil encontrar

emprego.

Beneficiado pela anistia, em 1934, elegeu-se para a Assembleia Legislativa

de São Paulo que, naquele tempo, funcionava em um velho casarão da Praça

João Mendes, atrás da atual Catedral. E aí teria encerrado suas atividades

políticas, pois, três anos depois, Getúlio Vargas instituiu o Estado Novo,

fechando todas as casas legislativas e nomeando interventores para substituir

os governadores.

Foi aí que a sorte lhe sorriu. Em 1939, Getúlio pretendia substituir o

interventor de São Paulo, Cardoso de Melo, por alguém menos conhecido e de

menor influência política, que não viesse a lhe atrapalhar os passos. São Paulo

era para ele um ninho de serpentes, nascedouro do putch integralista de 1938,

que quase custou a vida do ditador e era de todo conveniente cavalgar de rédeas

curtas. O nome de Ademar caiu, então, como uma luva.

Com uma carta de nomeação no bolso, foi o próprio Ademar de Barros que

se dirigiu ao Palácio dos Campos Elíseos, sem audiência marcada, mas com a

missão de destituir o interventor em exercício e assumir seu lugar.

Os efeitos da mudança não tardaram em surgir. Com uma vocação nata para

a administração pública, Ademar revolucionou o governo, realizando obras como

ninguém havia feito antes e, já que o prefeito da Capital era nomeado pelo

interventor, não tardou em anunciar como obras suas também as realizações da

Prefeitura.

O novo interventor ficou conhecido, sobretudo, pela construção do Hospital

das Clínicas, uma obra espetacular para a época, e que acabou tornando-se o

maior complexo hospitalar da América Latina.

Ao seu lado, durante toda carreira política, estava a figura exemplar de dona

Leonor Mendes de Barros e de seu filho, o Ademarzinho, ambos sempre exibidos

em recepções públicas como exemplo de uma família feliz..

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Vivendo numa sociedade conservadora, ao apresentar-se como um

respeitável chefe de família ele impressionava a todos e ganhava popularidade.

E, quando caiu o Estado Novo, rendeu também um caminhão de votos.

Dono de forte máquina política e senhor do próprio partido, Ademar julgava-

se, agora, em condições de disputar a Presidência. Sua fraqueza estava em que

era um político regional e nunca trabalhou para desenvolver o PSP em outros

Estados.

Mário Beni, biógrafo de Ademar de Barros, aponta o maior defeito de seu

líder:

"Um dos grandes erros de Ademar, aliás próprio dos absolutistas,

era o de não permitir lideranças demasiadamente pronunciadas

dentro do partido. Admitia-as, sim, prestigiava-as até, apenas

quando tais lideranças tinham um único objetivo: servi-lo."

O candidato Teixeira Lott

Henrique Batista Duffles Teixeira Lott nasceu em Antônio Carlos-MG em

16 de novembro de 1894. Estudou na Escola Militar do Realengo (Rio de Janeiro)

tornando-se aspirante a oficial em 1914.

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Era um soldado bem-comportado, defendendo o respeito à legalidade e, por

essa razão, nunca teve destaque junto à jovem oficialidade, envolvida em

frequentes manifestações de rebeldia. Não se envolvendo também nas tramas

políticas, tão comuns na Primeira e Segunda Repúblicas, seu nome era

desconhecido do grande público, embora respeitado entre seus companheiros.

De temperamento forte, nunca deixava as coisas para serem resolvidas

depois e isso criava atritos com seus pares e, algumas vezes, com superiores

hierárquicos.

Um incidente de peso no início da Segunda Guerra Mundial, quando Lott era

coronel, acabou afetando sua carreira. Ainda no Brasil, em fase de treinamento,

Lott teve uma forte discussão com o comandante da 1ª Divisão Expedicionária,

general Mascarenhas de Morais.

Mascarenhas seguiu para a Itália com a FEB no primeiro navio, enquanto

que Lott foi embarcado mais tarde, com o segundo escalão.

Amigo e protegido do general Cordeiro de Farias, a quem conhecera de

calças curtas, Lott esperava ter seus serviços aproveitados no campo de batalha,

mas tudo lhe saiu errado. Já na Itália, precisando requisitar um jipe para seu uso,

foi recebido com frieza pelos oficiais (alguns subalternos) e encaminhado de

repartição em repartição, até chegar ao coronel Brayner que, por sua vez, o

enviou diretamente ao general Mascarenhas de Morais.

Pior para ele. Mascarenhas lhe pergunta de supetão: O que está fazendo

aquí? Resposta: Fui mandado para cá.. E Mascarenhas encerrou o assunto: Está

bem. Pode voltar.

Um ou dois dias depois, chega à Itália o ministro da Guerra, general Eurico

Gaspar Dutra, a quem Lott reclama do tratamento recebido. Dutra simplesmente

o convida para voltar ao Rio de Janeiro em seu avião, o que acabou

acontecendo. Em 1944, já de volta ao Brasil, Lott era promovido a general, mas

teve frustrada sua participação na Força Expedicionária Brasileira.

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O episódio que tornou o general conhecido do Brasil inteiro foi, entretanto, a

novembrada de 1955, quando, para cortar no nascedouro um golpe que

pretendia impedir a posse de Juscelino, o general Teixeira Lott, em companhia

do general Odilio Dennys, depôs, em dez dias, dois presidentes da República,

Carlos Luz e Café Filho. Era um ato de incontestável poder junto ao Exército.

O general Lott, que fora ministro da Guerra dos dois presidentes depostos,

permaneceu no governo provisório de Nereu Ramos e, depois, nos cinco anos

do governo de Juscelino Kubitschek, de onde só saiu para candidatar-se à

sucessão presidencial.

O grande trunfo de sua candidatura, patrocinada pelo PSD, era sua grande

ascendência sobre as Forças Armadas, o que garantiu a estabilidade do governo

JK e poderia, por extensão, garantir seu próprio governo, se eleito.

De temperamento militar, avesso ao marketing, jamais envolveu sua família

na campanha eleitoral, preferindo apresentar-se como garantidor da democracia,

ao lado das Forças Armadas. Isso tudo sem revelar a intimidade familiar.

O candidato Jânio Quadros

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Jânio da Silva Quadros nasceu em 25 de janeiro de 1917. Era o mais jovem

dos três candidatos. Sua origem é Mato Grosso do Sul (Campo Grande), mas

sua família logo transferiu-se para o Paraná, onde ele prosseguiu seus estudos.

Mudou-se mais tarde para São Paulo, bacharelando-se na Faculdade de

Direito do largo de São Francisco. Logo após, passou a dar aulas em um colégio

de classe média alta. Seus alunos logo se impressionaram com a brilhante

oratória e com as ideias revolucionárias do novo professor, incentivando-o a

candidatar-se a vereador. Meninos ainda, tornaram-se cabos eleitorais do

mestre e colaboraram para que Jânio fosse eleito.

Começou aí o carreirismo do jovem político, então com apenas trinta anos.

Assumindo como vereador em 1947, não chega a terminar o mandato, elegendo-

se deputado estadual. Em 1953, deixa a Assembleia Legislativa para assumir,

por expressiva votação, a Prefeitura de São Paulo, que acabara de conquistar

sua autonomia política.

Foi um momento que marcou a carreira de Jânio. Sem recursos financeiros

para tocar a campanha, apoiado por dois pequenos partidos, o PDC e o PSB,

teve como adversário Francisco Antônio Cardoso, apoiado por uma máquina

milionária de 11 partidos políticos, entre eles o PSP de Ademar de Barros, que

dominava o governo do Estado e a Prefeitura; o PTB e o PSD de Getúlio Vargas,

então presidente da República e todo um sistema posto a serviço do candidato

oficial.

Jânio e seu companheiro de chapa, o coronel Porfírio da Paz, desenvolveram

a campanha transformando em força sua própria fraqueza. O eleitorado

identificou-se com a campanha do tostão contra o milhão e descarregou sua

votação maciçamente no candidato dos pobres elegendo Jânio contra Cardoso,

na proporção de 3 a 1. Foi a chamada revolução branca.

Um ano depois, Jânio renunciava à Prefeitura, levando a tiracolo seu vice-

prefeito, para candidatarem-se, ambos, a Governador e vice, respectivamente.

Foi o caos para a Prefeitura, que teve três outros prefeitos em menos de três

anos.

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Eleito Governador em 1954, quase renuncia em 1955 para candidatar-se a

Presidente, numa jogada do presidente Café Filho, que pretendia bloquear a

candidatura de JK. Jânio teve o bom senso de permanecer no governo do Estado

(o único posto que levou até o fim) e isso lhe foi proveitoso por mostrar sua

capacidade administrativa e por projetar pelo restante do país o marketing de

suas ideias e realizações.

Em 1958, elege-se deputado federal pelo Paraná, mas raramente comparece

à Câmara Federal, perdendo a grande oportunidade de estabelecer contato e

amizade com políticos dos demais Estados. E, diga-se de passagem, também

não concluiu este mandato.

Perdeu também a oportunidade de utilizar a grande tribuna da Câmara para

divulgar suas ideias em nível nacional, vindo a tornar-se um gigante com pés de

barro, ou seja, com muita fama e pouca sustentação política.

Jânio era um mito, seu nome tinha projeção pelo Brasil afora, mas continuava

um político regional, com seu apoio circunscrito a São Paulo e Paraná.

Em 1960 tem sua candidatura lançada pelo Partido Trabalhista Nacional

(centro), depois homologada também pelo PDC (esquerda), pela UDN e PR

(direita), uma salada ideológica que só não lhe fez estragos porque Jânio era

personalista, firmando-se em seu próprio carisma e usando os partidos políticos,

em vez de ser usado por eles. Jânio achava que, tendo apoio maciço da

população, não precisava de partidos, nem de políticos, e esse erro lhe foi fatal,

mais tarde.

Havendo começado a carreira política na democracia cristã, em breve Jânio

começou a abraçar ideias conservadoras, tornando-se mais radical que a própria

União Democrática Nacional, onde passou a contar com apoio incondicional até

do extremista Carlos Lacerda, o grande defensor de sua candidatura à

presidência da República.

Ao seu lado, a todo momento, os familiares. O pai, o médico Gabriel

Quadros, elegeu-se vereador, tornando-se mais tarde o maior adversário do

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próprio filho. A mãe, dona Leonor da Silva Quadros, era, desde o início, sua fã

de carteirinha. Com o mesmo sotaque fortemente silabado do filho (não era

afetação), podia ser encontrada desde a campanha a prefeito, no comitê da rua

Tabatinguera, mantendo contatos, dando sugestões e instruções, enfim,

participando dos negócios políticos como se fosse ela a própria candidata.

A esposa, dona Eloá, era a doce Amélia. Assim como Leonor Mendes de

Barros, também não se envolvia na vida política, apresentando-se só como a

companheira fiel a acompanhar o esposo, onde quer que fosse e em qualquer

situação.

Jânio Quadros, ladeado por sua esposa Eloá e por sua filha Dirce Maria

A filha, Dirce Quadros, deixava aos poucos de ser a moleca travessa que

corria pelos salões do Palácio Campos Elíseos, para o encanto dos jornalistas

credenciados (chegou a casar-se com um deles).

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Voluntariosa como o pai, começou, aos poucos, a tornar-se um problema

político, por tocar em diapasão diferente do restante da orquestra. Nos anos

oitenta, quando já era deputada federal, veio a criar um sério incidente com

entrevista de página inteira concedida a um jornal de São Paulo. Mas esse é

outro assunto, que não cabe nesta matéria.

Quem apoiava quem

Durante muito tempo a União Democrática Nacional (UDN) se apresentou

como artífice da candidatura Jânio Quadros e base de apoio que o levou à

presidência da República. Nada mais falso. O lançamento da candidatura foi

iniciativa do Partido Trabalhista Nacional (PTN) e o candidato era apoiado por

uma coligação de quatro partidos. O nome da UDN se sobressaiu durante a

campanha, por ser um partido conservador, tão conservador como a maioria da

imprensa brasileira, que lhe dava apoio e sustentação.

Dentro da própria UDN havia um bloco de oposição, liderado pelo governador

da Bahia, Juraci Magalhães, que pretendia ser, ele mesmo, o candidato à

Presidência.

Juracy Magalhães, o dissidente da UDN

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Derrotado na Convenção, Juraci formalizou seu apoio ao vencedor e

permaneceu fiel, mas não se integrou à campanha e recusou-se a participar da

chapa como vice. Ademar de Barros tentou atrai-lo para sua própria campanha,

porém sem resultado.

Pelo menos duas vezes, Jânio renunciou à candidatura e, depois, renunciou

à renúncia. Na primeira, o assunto ficou a quatro paredes, entre ele e Afonso

Arinos: o bilhete foi recolhido de volta e destruído. Na segunda, o assunto veio

a público e causou pânico entre seus correligionários.

O motivo alegado era a dualidade de candidatos à vice-Presidência. O PDC

lançara Fernando Ferrari, enquanto a UDN sustentava o nome de Leandro

Maciel, governador de Sergipe. Jânio recusava-se a subir no palanque com dois

vices ao seu lado. Por fim, Ferrari concordou em fazer carreira solo, sem

participar dos comícios. O candidato oficial passou a ser Leandro Maciel, que

não conseguiu sustentar-se, sendo substituído pelo mineiro Milton Campos.

Afinal, qual foi o partido que elegeu Jânio Quadros presidente da República?

Nenhum dos quatro. A tomar como base as eleições legislativas que se

realizaram em 1958, portanto, dois anos antes, a soma dos votos do PTN, UDN,

PDC e PR não chegou a 30 por cento, um peso insuficiente para eleger um

Presidente.

Quem elegeu Jânio foi o próprio Jânio. Líder pela própria natureza, ele

desenvolveu toda a campanha firmado no apoio popular que lhe era dado

individualmente. Os partidos políticos é que o seguiam, pautando-se pelos seus

caprichos, aceitando-lhe as afetações, tolerando-lhe as manifestações

autoritárias. Jânio conduzia a campanha e os partidos o seguiam, convencidos

de que, longe dele, não havia como chegar ao poder.

Um destaque especial para o jornalista Carlos Lacerda, proprietário da

Tribuna de Imprensa, que deu apoio irrestrito à candidatura Jânio Quadros.

Ambos autoritários, um e outro foram atraídos por um processo de polarização

e estiveram unidos somente até a posse, quando um e outro retornaram às

posições originais. Jânio de um lado e Lacerda de outro, tão adversários quanto

antes.

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Cuba é o primeiro desafio

Como já dissemos anteriormente, Cuba passou a ser o pivô da guerra fria

entre Estados Unidos e União Soviética na América Latina. Os primeiros

buscavam um isolamento da ilha no continente, enquanto que a segunda

utilizava seu novo satélite político com o objetivo de exportar a revolução pelo

restante das Américas.

Foi nesse processo que Fidel Castro interferiu na campanha presidencial

brasileira convidando os candidatos Teixeira Lott e Jânio Quadros para, em

separado, fazerem uma visita a Cuba.

Ademar de Barros nem foi convidado, seja pela inexpressividade da

candidatura, seja por sua posição de ultra-direita, com forte apoio dos

integralistas.

A resposta do general Teixeira Lott foi imediata. Não iria. Além de causar-

lhe problemas junto às Forças Armadas, essa visita poderia tornar-se um

complicador da campanha eleitoral que, a essa altura, já não lhe era muito

favorável.

Não deixa de ser uma decisão ao menos curiosa, pois seu companheiro de

chapa era João Goulart, com trânsito livre junto às esquerdas. O mesmo Jango

que se elegeu vice com JK, cuja posse o general Lott garantiu, derrubando dois

presidentes da República, em 1955.

Além do que, a candidatura Lott recebeu apoio formal do próprio secretário

do Partido Comunista Brasileiro, Luís Carlos Prestes, um e outro fora da lei.

Assim, ao que se via, Lott já estava por demais comprometido com as esquerdas

e sua ida a Cuba poderia até ter resultado em um golpe publicitário de bom efeito.

Jânio Quadros aceitou o convite, acontecendo então coisas que só se

explicam na estranha e complicada política brasileira. A conservadora União

Democrática Nacional não só deu apoio à visita como também permitiu que, da

comitiva, fizesse parte um de seus líderes mais radicais, Afonso Arinos de Melo

Franco, porta-voz de Jânio em assuntos internacionais.

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Arinos ficou lado a lado com Francisco Julião que, pouco tempo depois,

viria a ser o líder das Ligas Camponesas no Nordeste. Os dois extremos se

tocam.

A visita, embora distorcida por seus inimigos políticos, trouxe dividendos a

Jânio Quadros, sendo considerada não como um apoio a Cuba, mas como visita

de um futuro chefe de Estado a um país que continuava mantendo relações

diplomáticas com o Brasil.

Um batalhão de jornalistas acompanhou a comitiva e noticiou fartamente os

encontros, trazendo uma reação favorável da opinião pública, até mesmo

quando o noticiário era distorcido.

Eleição e posse

Como já era esperado, os resultados das eleições de 3 de outubro de 1960

deram uma larga vitória ao candidato Jânio Quadros. O eleitorado ignorou suas

preferências partidárias, descarregando a votação sobre um nome, alheio às

legendas.

Foi subvertido o processo. Os quatro partidos que apoiavam Jânio,

representando 30 por cento do eleitorado, arrebataram quase 6 milhões de

votos, enquanto os dois maiores partidos do Brasil (PSD e PTB), apoiando Lott,

não conseguiram sequer 2 milhões.

Para isso contribuiu, além do prestígio individual de Jânio, também um

estratagema usado por ele. Apoiando formalmente seu companheiro a vice,

Milton Campos, que subia no mesmo palanque, Jânio Quadros, paralelamente,

incentivava uma campanha anônima e apartidária que se desenvolvia pelo país,

fazendo publicidade da dobradinha Jan-Jan (Jânio-Jango). Como a legislação

eleitoral permitia votar em candidatos de partidos diferentes, o eleitorado

descarregou sua votação em Jânio Quadros para Presidente, e em João Goulart

(vice de Lott) para vice-Presidente. Ambos foram eleitos.

Desta vez não houve ameaças de golpe, nem tentativas para impedir a posse.

Afinal, a UDN conseguia, finalmente alcançar o poder mais alto, após quinze

anos de sucessivas derrotas. Era uma vitória momentânea, mas, pelo menos

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naquele momento, era uma realidade palpável. Dali para diante, bastava

administrar os acontecimentos até consolidar-se no poder. É o que pensavam.

Foi assim que Jânio da Silva Quadros e João Belchior Goulart tomaram

posse, em cerimônia celebrada pelo presidente do Superior Tribunal Eleitoral,

ministro Ari Franco. Cerimônia convencional, com um rápido discurso e nada

mais.

Às 11 horas, ambos são introduzidos no plenário do Congresso Nacional pelo

presidente da casa, senador Filinto Müller (o mesmo que durante a guerra

colaborou com o nazismo.

Aqui, sim, a cerimônia é de pompa. Estavam presentes, além de

parlamentares, as mais altas autoridades do país, os governadores de Estados,

etc., etc.

Em seguida, atravessando a praça dos Três Poderes, Jânio Quadros sobe à

tribuna pública e, diante de uma multidão entusiasmada, recebe a faixa

presidencial das mãos de Juscelino Kubitschek.

Os aplausos são para ambos. Se Jânio representa a esperança do futuro,

Juscelino é a realidade do presente, representada não só pela nova capital, onde

se dava a cerimônia, como pelo desenvolvimento incontestável do país nos seus

cinco anos de governo.

Fecha-se, com este ato, um capítulo da História do Brasil, iniciando-se outro,

bem mais conturbado do que se imaginava, em que as esperanças do povo

brasileiro, grandes e coloridas como uma bolha de sabão, explodem

repentinamente, fazendo o país escorregar em direção a um despenhadeiro.