CAPÍTULO SETE A INTENTONA COMUNISTA O QUE É FATO … · Intentona é uma palavra que veio do...
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Paulo Victorino
CAPÍTULO SETE
A INTENTONA COMUNISTA
O QUE É FATO E O QUE É BOATO
A ANL (Aliança Nacional Libertadora) era uma frente ampla, com
várias tendências políticas, mas os comunistas agiram rapidamente
no sentido de se destacar entre os demais, dominando a
agremiação e, para isso, usaram de ações práticas, neutralizando
o idealismo romântico dos outros participantes, não comunistas. No
dia da fundação da ANL, Carlos Lacerda foi escalado para
discursar em nome dos estudantes e, induzido por radicais, caiu
em uma armadilha, lançando o nome de Luís Carlos Prestes, o
“Cavaleiro da Esperança”, como presidente de honra da ANL. Foi
assim que Prestes passou a figurar como Presidente de Honra da
associação, embora não tenha participado do movimento que levou
à “ Intentona”.
O comunismo jamais, em qualquer momento, teve alguma chance de ser
implantado no Brasil como um movimento popular, tal como aconteceu na Rússia
de 1917.
A população brasileira, da cidade ou do campo, sempre foi conservadora e,
além do mais, faltava-lhe qualquer formação política, vivendo o dia-a-dia do
trabalho e da vida familiar, sem se deixar envolver pela propaganda
revolucionária, seja da esquerda ou da direita. Mais importante que o idealismo
era a garantia do pão nosso de cada dia.
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Certo é que, na década de 1930, o Sudeste e o Sul do Brasil já contavam
com uma população imigrante mais esclarecida e capaz de responder a
estímulos das lideranças, sobretudo italianos e alemães, todavia, uns e outros
vieram ao Brasil para vencer pelo trabalho, não lhes interessando, de forma
alguma o envolvimento em questões políticas ou militares.
Assim, tentativas de levante, em nosso país, sempre foram obra de uma
classe média restrita, sem maior participação da base popular.
Na madrugada de 27 de novembro de 1935 – é o que conta a história oficial
– um grupo de militares rebeldes assassinou covardemente, pelas costas, seus
companheiros de farda que se achavam dormindo, sublevando o 3º Regimento
de Infantaria da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro e espalhando a revolta pelos
quartéis vizinhos, chegando até o Campo dos Afonsos, onde se achava instalada
a Escola de Aviação.
É isso, talvez, mas é também muito mais que isso. Vários, entre os que
participaram da Intentona silenciaram durante toda a vida e morreram sem deixar
um depoimento para a História. Mas, passadas oito décadas, é possível traçar,
com alguma segurança, a trilha que levou aos Levantes de 1935 em Natal, em
Recife e no Rio de Janeiro.
Nesse propósito, a longa e paciente pesquisa realizada pelo historiador Hélio
Silva, falecido em 1998, é um importante referencial, representando o que de
melhor temos para entender o que se passou naquele tumultuado período da
vida brasileira.
Se, de um lado, o Levante de 1935 representou uma lamentável perda de
vidas, no cumprimento do dever, não é menos certo que o episódio foi usado
como uma espada de Dâmocles pendente sobre a nação, transformando em
subversivos todos aqueles que, em algum momento, ousassem ter opiniões
divergentes da opinião daqueles que detinham o poder e a força.
A história pasteurizada da Intentona serviu, assim, para garantir a
consolidação do poder político-militar, que interferiu abusadamente na vida
nacional, algumas vezes se tornando uma sombra do poder constituído, mas em
outras, agindo ostensivamente contra esse mesmo poder.
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Como escreveu Otto Lara Resende (Folha de São Paulo, 27.11.91):
"Hoje é de lastimar o vigoroso investimento político e emocional
que foi feito nessa tal Intentona. > 1935, quantos crimes foram
cometidos em teu nome!"
Este trabalho não pretende influir no julgamento do leitor. Ao contrário,
procura colocar fatos relacionados com o Levante, permitindo que cada um tire,
por si mesmo, as conclusões.
Um resumo dos
acontecimentos
Intentona é uma palavra que veio do castelhano, significando intento louco,
ou plano insensato. Foi o nome usado para designar o Levante deflagrado pelo
Partido Comunista Brasileiro em 1935, tendo como objetivo a tomada do poder.
O movimento previa, em sua primeira etapa, a instalação de um governo
nacional revolucionário sob a chefia de Luís Carlos Prestes.
A eclosão do levante se deu no Rio Grande do Norte e depois em
Pernambuco, mas a etapa mais importante era a sublevação da Vila Militar no
Rio de Janeiro, um complexo de quartéis que representavam o centro nervoso
das forças incumbidas de garantir a segurança nacional.
Em Natal (Rio Grande do Norte), o movimento iniciou-se antecipadamente,
em 23 de novembro de 1935, quando sargentos, cabos e soldados tomaram o
21º Batalhão de Caçadores e instalaram nele um Comitê Popular Revolucionário.
Quatro dias depois, as tropas do Exército e polícias dos Estados vizinhos
tomaram o quartel das mãos dos revoltosos, restabelecendo a ordem.
Em Recife (Pernambuco), a revolta eclodiu no dia seguinte. Se é bem verdade
que este levante foi dominado em apenas um dia, também é fato que a repressão
deixou um saldo de 100 mortos entre os sublevados.
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Na Praia Vermelha, próximo aos bairros da Urca e Botafogo, Zona Sul do Rio
de Janeiro, no 3º Regimento de Infantaria, o levante se deu na madrugada do
dia 27, sendo completamente dominado em menos de dez horas, com um total
de 20 mortos entre os insurretos.
Dentro do Exército, no balanço geral em todo o país, os acontecimentos de
Natal, Recife e Rio de Janeiro, somados, custaram a vida de um tenente-coronel,
dois majores, quatro capitães, um tenente, quatro sargentos, quatorze cabos e
dois soldados, totalizando 28 militares legalistas mortos.
Os antecedentes
No dia 23 de fevereiro de 1917, na distante cidade de São Petersburgo,
Rússia, um punhado de operárias, descontente com as condições de trabalho,
recusou-se a entrar em serviço. A decisão dessas mulheres encontrou eco em
outras fábricas e em outras cidades e, no final do dia, já eram 90 mil operários
(homens e mulheres) em greve. Três dias depois, perdendo por completo o
controle do país, caia a dinastia dos Romanov, no poder há mais de 300 anos.
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Conquanto o movimento comunista se achasse bem organizado na Rússia,
seus principais líderes, naquele momento, estavam no exílio e os que se
achavam no país, menos expressivos, rechaçavam qualquer ideia de ação
revolucionária, temendo pela tragédia inútil que um levante poderia proporcionar.
Assim, a queda do czarismo foi resultado de um movimento imanente, partindo
exclusivamente das massas, sem participação direta dos líderes e até contra a
vontade das lideranças.
Isso deu aos líderes comunistas em outros países a falsa impressão de que
o mundo estava maduro para o comunismo e que, a qualquer revolta, os
governos então dominantes iriam caindo, um a um.
Por consequência, o ano seguinte (1918), chamado de o Ano Vermelho, foi
pródigo em movimentos sediciosos por diversos países do mundo, todos eles
fracassados e reprimidos com violência.
O Brasil, como não poderia deixar de ser, viveu a mesma febre dos levantes
operários de 1918. No Rio de Janeiro, as comemorações do 1º de maio
lembraram o triunfo, pelo menos aparente, dos trabalhadores na Rússia. Embora
com o Brasil em estado de sítio, os operários cariocas acorreram à praça
Tiradentes, onde aconteceu ruidosa manifestação. As greves e tumultos,
principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, se prolongaram por todo o
ano.
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Em 1922, fundou-se o Partido Comunista Brasileiro, que viveu a maior parte
da década na ilegalidade, impedido de fazer proselitismo, em face do esquema
repressivo montado pelo governo contra lideranças operárias e sindicatos.
Assim, em 1927, os líderes comunistas mudaram sua estratégia, fundando
uma frente única, conhecida como Bloco Operário, ao qual, mais tarde, se
acrescentou um movimento rural, passando a chamar-se Bloco Operário e
Camponês (BOC).
As células do BOC, espalhadas pelo país, tiveram a mesma sorte do Partido
Comunista. Não existia no Brasil campo para o desenvolvimento de ideias
políticas ou reivindicatórias, e as manifestações, esporádicas e barulhentas,
jamais representavam as massas.
Nas cidades, já o dissemos, o trabalhador estava mais interessado em
garantir seu emprego e o sustento da família. Assim, frustrou-se o esforço para
a arregimentação política desses operários.
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Além do mais, assumindo o poder em 1930, o presidente Getúlio Vargas, de
inequívoca ideologia fascista, deu como prioritária a criação de uma legislação
trabalhista que dava ao trabalhador urbano garantias com as quais ele nunca
sonhara anteriormente, o que transformava Getúlio em um genuíno líder
trabalhista, não deixando espaço para ideologias de esquerda.
No campo, ainda reinava o sistema feudal, onde o camponês (vassalo) tinha
uma relação de total dependência com o fazendeiro (suserano), que lhe dava
casa, comida, meia-dúzia de trocados e adiantamentos em dinheiro, para
atender imprevistos, criando uma dívida impagável, que sujeitava o colono à
propriedade, em regime de absoluta servidão. Ainda assim, o colono não se
sentia escravo e a dependência ao patrão representava a ele uma garantia de
segurança que não lhe interessava perder.
Ação Integralista
Brasileira (AIB)
Como já tivemos oportunidade de ver, o sucesso da revolução de 1930, com
a posse de Getúlio Dorneles Vargas, coincidiu com a busca mundial por regimes
políticos radicais, de esquerda e de direita, retirando o espaço para o
desenvolvimento de doutrinas liberais.
Seguindo essa tendência, dentro do tenentismo e fora dele, surgiram Legiões
inspiradas nos agrupamentos paramilitares europeus, como os camisas negras
do fascismo italiano ou os camisas pardas do nazismo alemão.
Ressalvadas as cores diferentes, as legiões eram semelhantes nos uniformes
nos símbolos, nos slogans e até na saudação com o braço erguido.
No Brasil, a maioria dessas entidades teve curta duração, mas uma delas, a
Ação Integralista Brasileira (AIB), conseguiu estabelecer bases sólidas e
duradouras, aliando sentimentos comuns à população brasileira, quais sejam, a
religião, a nacionalidade e a estrutura familiar.
A Ação Integralista Brasileira, com tendências fascistas, foi idealizada pelo
escritor Plínio Salgado em 1932. Usava camisas verdes, tinha como símbolo o
sigma (Σ) e, como lema, a trilogia Deus Pátria e Família. Dela participavam os
elementos mais reacionários da classe média, sobretudo estudantes
universitários, juntamente com militares.
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O integralismo pregava um Estado Integral sem explicar exatamente o que
vinha a ser isso. Basicamente defendia a criação de um regime forte,
substituindo a representação popular por corporações sindicais, estudantis e
militares.
Tinha um caráter profundamente nacionalista, defendendo fortemente a
estatização das riquezas nacionais e, nos demais casos, assumindo a defesa
intransigente da propriedade privada.
Era elitista e limitativo, pregando a ideia que o governo deveria ser entregue
às elites esclarecidas, vale dizer aos que comungavam com suas opiniões.
Não descartava o uso da força, em substituição ao convencimento, e, tal qual
o comunismo, considerava a delação como uma virtude a ser cultivada pelos
seus membros.
Como se costuma dizer a ultra direita e a extrema esquerda são irmãs
gêmeas, pontas comuns de uma mesma circunferência e, em algum extremo,
acabam se encontrando.
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Aliança Nacional
Libertadora (ANL)
Em contraposição ao integralismo, não tardou em surgir uma frente ampla,
igualmente radical, reunindo os mais variados setores da esquerda: sindicalistas,
liberais a procura do espaço perdido, setores da classe média preocupados com
o recrudescimento do fascismo no mundo e, é claro, os comunistas, frustrados
em tentativas anteriores, que encontravam agora um caldo de cultura apropriado
para o desenvolvimento de seus projetos.
Foi assim que surgiu a Aliança Nacional Libertadora (ANL), firmada na trilogia
Terra, Pão e Liberdade, em contraposição à trilogia integralista Deus, Pátria e
Família.
Da Aliança Nacional Libertadora faziam parte vários tenentes, entre eles,
Agildo Barata Ribeiro, um dos heróis da Revolução de 1930 na ala Norte do país;
Benjamim Soares Cabelho, que viria a se tornar uma figura importante da
Terceira República; operários e jovens acadêmicos, entre estes o estudante
Carlos Lacerda (mais tarde jornalista e político de destaque), cujo pai, Maurício
Lacerda, socialista, foi um dos precursores da legislação trabalhista no Brasil.
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Ao contrário do que muitos pensam, o movimento não tinha a participação
física de Luís Carlos Prestes que, nesse momento, se encontrava em Barcelona
(Espanha) sob o nome falso de Antônio Vilar, em companhia de Maria Bergner
Vilar, que outra não era senão sua mulher, Olga Benário.
A direção da ANL estava entregue a Hercolino Cascardo, o mesmo que, na
revolução de 1924, tentou, sem sucesso, sublevar a Marinha.
Embora a frente ampla não fosse comunista, estes agiram rapidamente no
sentido de se destacar entre as demais correntes, dominando a agremiação,
aproveitando-se do idealismo dos outros participantes.
No dia da fundação da ANL, Carlos Lacerda foi escalado para discursar em
nome dos estudantes e, induzido por radicais, caiu em uma armadilha, lançando
Luís Carlos Prestes como presidente de honra do movimento. Foi assim que o
nome do Cavaleiro da Esperança passou a figurar com destaque sobre os
demais líderes.
Para o Brasil, o Comitê Internacional Socialista (Comintern) enviou o agitador
alemão Ernst Ewert, com o nome falso de Harry Berger. Passo a passo, um
movimento sério de combate ao fascismo, ia sendo usado como plataforma para
os planos sinistros (e mal calculados) visando a implantação do regime
comunista no Brasil.
A questão dos
soldos militares
Paralelamente, reinava insatisfação nos quartéis pela deterioração salarial,
um clima perigoso, na medida em que a impaciência da jovem oficialidade
encontrava eco entre alguns oficiais superiores. Qualquer aumento, dependia do
sinal verde do ministro da Fazenda, o qual declarara, com firmeza, não haver
dinheiro para cobrir as despesas com qualquer reajuste. Um projeto transitava
na Câmara Federal a passo de tartaruga, enquanto a crise se agravava.
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Não tardou em surgir uma rebelião na guarnição de Cachoeira, no Rio Grande
do Sul, contando com apoio ostensivo do governador Flores da Cunha, a essa
altura, já de olho na sucessão presidencial. Getúlio repreende-o em telegrama:
"Apelo para teu sentimento brasileiro evitar caia sobre ti a
responsabilidade moral de uma guerra civil."
Nesse meio tempo, Getúlio Vargas, aconselhado pelo comandante da 1ª
Região Militar, general João Gomes, decide demitir o comandante da Vila Militar,
general João Guedes da Fontoura, sobre o qual recaiam suspeitas de
infidelidade ao governo.
Acontece que o general Fontoura era amigo particular do ministro da Guerra,
Góis Monteiro. A crise chega, pois, ao ministério da Guerra, onde o general Góis
Monteiro se demite, sendo substituído pelo general João Gomes Ribeiro Filho,
até então comandante da 1ª Região Militar.
O general Eurico Gaspar Dutra, que era comandante da Aviação (ainda não
tinha sido criada a Força Aérea Brasileira), ocupa a vaga deixada na 1ª RM.
Essas trocas de comando, anunciadas pela imprensa, aumentam a tensão
reinante.
Tais problemas, cozinhados em banho-maria, minaram a disciplina militar,
facilitando a ação dos conspiradores, sobretudo no Rio de Janeiro.
A questão dos cabos
e sargentos
Modificações no regulamento militar reintroduziram um dispositivo que existia
na Primeira República, pelo qual, completados dez anos na ativa, os militares
que não tivessem atingido o oficialato seriam automaticamente jubilados, com o
afastamento definitivo da vida militar.
Nas grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, onde as
possibilidades de acesso são maiores, essa alteração não trazia maiores
problemas. Quem em dez anos não houvesse chegado a tenente, pelo menos,
já teria desistido da carreira militar.
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O mesmo não acontecia em cidades menores, sobretudo do Nordeste, onde
muitos permaneciam estacionários na função de praça, por vezes até o limite de
idade para a reforma.
O retorno do jubilamento de praças, agora fortalecido pela nova ordem
constitucional, era outra fonte de atritos, criando ambiente propício para
aliciamento dos prejudicados, que lutavam pela revogação da medida. Aliás,
foram eles, no Nordeste, os grandes responsáveis pelas sublevações.
Conspiração em marcha
Foi dentro desse clima que se desenvolveu a conspiração comunista que
culminaria com os levantes de novembro de 1935. No momento oportuno,
Prestes transferiu-se da Espanha para o Brasil, permanecendo em lugar
ignorado, mas enviando ordens e manifestos, enfim, controlando, passo a passo,
o desenrolar dos trabalhos.
No dia 28 de abril, realizou-se em Madureira (subúrbio carioca) um comício
da Aliança Nacional Libertadora, em afronta aos integralistas, do qual
participaram oficiais, sargentos e cabos. Os identificados foram expulsos das
fileiras do Exército e seus superiores, capitães Carlos da Costa e Trifino Correia
sofreram punições. O assunto repercute na Câmara Federal.
No dia 9 de junho, a ANL realiza outro comício, desta vez em Petrópolis,
quase em frente à sede da Ação Integralista Brasileira, resultando em confronto
entre as duas facções, com um morto e vários feridos. O morto era aliancista e
o tiro partiu da sede dos integralistas.
Sem o saber (ou sabendo muito bem) o comando militar contribuía para o
desenvolvimento da ação aliancista. Assim é que o capitão Agildo Barata Ribeiro,
conhecido como um dos conspiradores, foi transferido para uma unidade militar
no Rio Grande do Sul, a pretexto de afastá-lo do Rio de Janeiro.
Com isto, ele aproveitou a oportunidade para fundar em Porto Alegre um
núcleo da Aliança Nacional Libertadora, realizando um comício no dia 5 de julho
de 1930, data comemorativa das revoluções de 1922 e 1924.
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Por pura sorte, a manifestação transcorreu em paz, pois o interventor Flores
da Cunha já avisara que, ao menor sinal de desordem, a polícia tinha ordem de
descarregar sobre os manifestantes.
Na mesma data, outro comício se realizou, este clandestinamente, no Rio de
Janeiro, ocasião em que o acadêmico Carlos Lacerda leu um manifesto de Luís
Carlos Prestes.
A reação não tardou. Em 11 de julho, um decreto do governo federal colocou
a Aliança Nacional Libertadora fora da lei e, dois dias depois, sua sede era
fechada. Paralelamente, procedeu-se o fechamento da União Feminina
Brasileira, outro braço dos aliancistas.
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O presidente da ANL, Hercolino Cascardo, oficial marinheiro, foi removido
para Santa Catarina, onde lhe deram o comando de uma base naval. Outra
remoção igualmente inexplicável, pois se introduzia um elemento revolucionário,
em posição de comando, num local até então desligado do movimento aliancista.
Getúlio sabia de tudo
Se havia alguém bem informado de tudo o que se passava e dos planos em
andamento, esse alguém era o presidente da República, Getúlio Dorneles
Vargas. Seu serviço de inteligência mantinha-o a par dos mínimos detalhes,
enquanto que agentes infiltrados no movimento colhiam dados significativos,
possibilitando até uma ação preventiva.
Como linha auxiliar, o Presidente recebia também ajuda internacional, por
intermédio do Inteligence Service, infiltrado no Partido Comunista Brasileiro, ora
na ilegalidade.
Em certo momento, já se sabia no palácio até a data e hora do levante: 27 de
novembro de 1935, às 2h30 da madrugada, tendo como centro de operações a
Praia Vermelha, mais precisamente, o 3º Regimento de Infantaria.
O governo não só deixou de cortar o movimento em marcha como algumas
medidas tomadas sugerem o raciocínio de que o próprio sistema ajudou para
que as coisas acontecessem, dando justificativa, mais tarde, para o fechamento
do regime.
Assim, por exemplo, na madrugada do levante na Praia Vermelha, as tropas
de reforço do Exército levaram duas horas para chegar ao local de conflito,
porque não havia sido tomada a mais elementar das providências, qual seja, a
requisição dos caminhões para o transporte dos soldados.
É impensável um descuido desses logo do comando da 1ª Região Militar, e
isso num momento em que os quartéis do Rio de Janeiro se achavam em regime
de prontidão.
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Como se disse acima, o Capitão Agildo Ribeiro, bem quieto no Rio de Janeiro,
foi transferido para Porto Alegre, onde aproveitou o ensejo para organizar um
núcleo aliancista naquela cidade.
Já no mês de novembro, o mesmo Agildo foi punido com 25 dias de detenção.
Transferido de volta para o Rio de Janeiro, ficou preso, adivinhe onde?
Justamente no 3º Regimento de Infantaria, de onde deveria partir o movimento
sedicioso.
Juntou-se a fome com a vontade de comer. Estando bem próximo dos demais
conspiradores, pode agir com o maior desembaraço. Sua pena deveria extinguir-
se em 3 de dezembro. Foi reduzida de 25 para 20 dias, devendo terminar, então,
em 28 de novembro. O levante estava marcado para 27 de novembro. Tudo
cronometrado direitinho pelas próprias autoridades, com uma série de
coincidências que não podem ser consideradas como aleatórias!
Em Natal, o movimento
é antecipado
Pelos planos, o levante deveria ocorrer na madrugada de 27 de novembro.
Então, os responsáveis pela conspiração em Natal receberam um telegrama
apócrifo, enviado talvez pelo serviço de contra-informação do governo, mas
com a identificação da chefia do movimento. Esse telegrama informava que o
início havia sido antecipado para 23 de novembro. Inexperientes, os líderes
acreditaram na veracidade do telegrama.
Foi assim que, na noite de 23 de novembro, um sábado, dois sargentos, dois
cabos e dois soldados sublevaram o 21º Batalhão de Caçadores. Beneficiados
pelo elemento surpresa, conseguiram pôr em fuga o governador do Estado, que
se refugiou em um navio de bandeira francesa.
Rapidamente, o movimento se alastrou por outras cidades do Rio Grande do
Norte. Colunas rebeldes ocuparam Ceará-Mirim, Baixa Verde, São José do
Mipibu, Santa Cruz e Canguaratema.
Totalmente ingênuos em movimentos sediciosos, os sublevados acreditavam
ter dominado a situação.
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Enebriados pelo sucesso, tomaram o palácio do Governo e instalaram um
Comitê Popular Revolucionário com o Ministério assim constituído:
Lauro Cortês Lago (funcionário público), Ministro do Interior;
Quintino Clementino de Barros (sargento), Ministro da Defesa;
José Praxedes de Andrade (sapateiro), Ministro do
Abastecimento; José Macedo (carteiro), Ministro das Finanças;
João Batista Galvão (estudante), Ministro da Viação.
O cabo Estevão assumiu o comando do 21º Batalhão de Caçadores,
enquanto o sargento Eliziel Diniz Henriques passou a comandar a Guarnição
Federal.
E depois? Depois, mais nada. Ninguém sabia o que fazer (se alguma coisa
pudesse ser feita) para consolidar o movimento supostamente vitorioso.
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Nas ruas de Natal, a população exultava com aquele breve momento de
anarquia. Durante alguns dias, a capital virou terra de ninguém, com saques,
roubos, invasões de domicílio, requisição de veículos particulares e tudo mais
que passasse pela imaginação popular.
Passados os acontecimentos, bem mais tarde, o ex-Ministro da Viação, o
estudante João Batista Galvão, desbafa:
"Naquele tempo, todo mundo fez o diabo e depois botou a culpa
em cima de nós. O povo topou a revolução por pura farra.
Saquearam o depósito de material do 21º BC e todos passaram a
andar fantasiados de soldado. Minha primeira providência como
ministro foi decretar que o transporte público seria gratuito. O povo
se esbaldou de andar de bonde sem pagar."
Quatro dias depois de iniciado, o movimento foi contido por tropas do Exército
e polícias de outros Estados, que invadiram o Rio Grande do Norte e
restabeleceram a ordem.
Recife seguiu na
esteira de Natal
Em Recife, o levante ocorreu um dia após, quando chegaram notícias da
rebelião em Natal. Tinha tudo para dar certo. O governador, Carlos Lima
Cavalcanti se achava na Alemanha, passeando de Zepelin (uma espécie de
navio voador que pretendia substituir o avião).
O general Manuel Rabelo (o mesmo que fora interventor em São Paulo em
1932) estava no Rio de Janeiro, cuidando de assuntos militares relativos ao seu
comando.
O comandante da Brigada Militar, capitão Jurandir Bizarria Mamede (que
trinta anos depois seria o pivô de uma séria crise militar) estava no Rio Grande
do Sul, comemorando o centenário da Revolução Farroupilha
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Lembremos, entre parêntesis, que tanto o presidente da República quanto as
autoridades militares tinham conhecimento do ambiente de agitação nos quartéis
do Nordeste e prova disso é que os quartéis do Rio de Janeiro se achavam de
prontidão. Assim, é surpreendente essa ausência, a um só tempo, das principais
autoridades de Pernambuco
Aparentemente, a cidade estava sem comando. Mas era apenas aparência e
os que tramavam o golpe se acharam seguros de que a ação tinha todas as
condições de dar certo, sem atentar para o velho ditado de que, quando a esmola
e muita, até o santo desconfia...
Na manhã do domingo, dia 24, um sargento, chefiando um grupo de civis,
atacou a cadeia pública de Olinda. Logo depois, o sargento Gregório Bezerra
tentava apoderar-se do Quartel General da 7ª Região Militar, matando o tenente
José Sampaio e ferindo o tenente Agnaldo Oliveira de Almeida, antes de ser
subjugado e preso.
Na Vila Militar, o capitão Otacílio Alves de Lima, o tenente Lamartine Coutinho
e o tenente Roberto Besouchet sublevaram o 29º Batalhão de Caçadores e se
apossaram de todo armamento. Encontraram, porém, uma reação imediata do
tenente-coronel Afonso de Albuquerque Lima, sub-comandante da brigada
policial, com a ajuda, também, da Guarda Civil.
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No dia seguinte, chegou o reforço da Artilharia e o único quartel realmente
sublevado, o 29º BC sofreu intenso bombardeio, resultando em uma centena de
mortos.
Os que conseguiram fugir pelas estradas, deram de frente com tropas da
polícia estadual, que se achavam em batida, à procura do cangaceiro Lampião.
Em dois dias, pois, o movimento estava totalmente dominado.
Tragédia na Praia
Vermelha
Se o telegrama apócrifo chegou rapidamente a Natal, o inverso não é
verdadeiro. Os conspiradores no Rio de Janeiro não sabiam nada sobre o que
estava acontecendo no Nordeste e entraram em armas na data originalmente
marcada, desconhecendo que os movimentos em Natal e Recife haviam se
iniciado fora de tempo e já estavam debelados.
Funcionou mais uma vez o serviço de contra-informação, desta vez
bloqueando a comunicação entre os revolucionários, tão fundamental em
operações de guerra.
Vamos, aqui, seguir a narrativa do general Ferdinando de Carvalho, em seu
livro Lembrai-vos de 35!, (ano 1981, da série “Biblioteca do Exército”):
"Na Escola de Aviação, em Marechal Hermes, os capitães
Agliberto Vieira de Azevedo e Sócrates Gonçalves da Silva,
juntamente com os tenentes Ivan Ramos Ribeiro e Benedito de
Carvalho assaltaram o quartel de madrugada e dominaram a
unidade. Vários oficiais foram assassinados ainda dormindo. O
capitão Agliberto matou friamente o seu amigo capitão Benedito
Lópes Bragança, que se achava desarmado e indefeso. Em
seguida, os rebeldes passaram a atacar o 1º Regimento de
Aviação, sob o comando do coronel Eduardo Gomes que, apesar
de ferido ligeiramente, iniciou a reação. (...)
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Prossegue a narrativa:
"No 3º Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha,
acontecimentos mais graves ocorreram. Os rebeldes, chefiados
pelos capitães Agildo Barata, Álvaro Francisco de Sousa e José
Leite Brasil conseguiram, na mesma madrugada, após violenta e
mortífera refrega no interior do quartel, dominar quase totalmente
a unidade. Ao amanhecer, restava apenas um núcleo de
resistência legalista, situado no Pavilhão do Comando, onde se
encontrava o coronel Afonso Ferreira, comandante do Regimento.
(...)
Nas últimas horas da madrugada, acionados diretamente pelo
comandante da 1ª Região, general Eurico Gaspar Dutra, o
Batalhão de Guardas e o 1º Grupo de Obuses tomaram posição
nas proximidades do aquartelamento rebelado e iniciaram o
bombardeio. (...)
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"Finalmente, às 13h30, bandeiras brancas improvisadas foram
agitadas nas janelas do edifício, parcialmente destruído. Era a
rendição. Presos, os insurretos apresentaram-se na praça em um
compacto grupo. Muitos rebeldes adotaram uma atitude de
zombaria, sorrindo cinicamente, em franco desrespeito àqueles
que, naquele mesmo local, pouco tempo antes, haviam tombado
em luta inglória."
O outro lado da história
Essa narrativa, apresentando a versão oficial, não encontra consenso entre
os estudiosos da História do Brasil. Sobre o assunto, por exemplo, o professor
Marco Aurélio Garcia, da Unicamp, em artigo publicado pela Folha de São Paulo
em 18 de novembro de 1983, escreve:
"Para as Forças Armadas, segundo reiteram as ordens do dia a
cada ano, a Intentona apenas comprova o que de há muito se
deveria saber: o caráter ‘apátrida e traiçoeiro do comunismo
internacional’. Como prova, são exibidos cadáveres de oficiais e
soldados ‘mortos enquanto dormiam’. A reiteração monótona desta
versão não resiste aos fatos. Todas as pesquisas históricas sérias
realizadas sobre o episódio, sobre as quais será difícil levantar
suspeição, como é o caso do trabalho de Hélio Silva, desmontam,
com o apoio dos laudos dos médicos legistas da época, a tese de
‘assassinato pelas costas’.
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Em suma: não houve mortos enquanto ‘dormiam’, sem falar no
absurdo que representaria soldados dormindo em quartéis
submetidos a regime de prontidão, como era o caso da madrugada
do levante. Mortos houve, e dos dois lados, como nos levantes de
22 e 24, na Coluna Prestes ou em 30, para não falar em 1932. (...)
As Forças Armadas, elas próprias, se viam afetadas pela
polarização política que sacudia o país. Trinta e cinco, nesse
sentido, pode ser visualizado, também, como mais um (e quem
sabe o último) episódio tenentista, a despeito do revestimento
ideológico mais preciso. (...)
Somente através destas e de outras pistas – afastando-se da
propaganda anticomunista, ou da auto complacência de certos
setores à esquerda – é que o episódio de 1935 poderá ser restituído
em toda sua integridade à História do Brasil."
Aí estão, pois, duas versões distintas de um mesmo acontecimento. Escolha
a que melhor lhe convier ou tire, por si mesmo, as conclusões que julgar
apropriadas.