CAPÍTULO TRÊS O PRESIDENTE ESTADISTA GOVERNO DE … · cassados os mandatos de 40 parlamentares...
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Paulo Victorino
CAPÍTULO TRÊS
O PRESIDENTE ESTADISTA
GOVERNO DE CASTELO BRANCO
O governo Castelo Branco editou três Atos Institucionais. Nem
necessitava de mais outros, pois tamanha foi a quantidade de Atos
Complementares, acompanhando cada ato institucional, que o
processo foi totalmente subvertido. Eles regularam o
funcionamento das CGIs (Comissões Gerais de Inquérito),
cuidaram de dispensas, remoções e aposentadorias, atingiram o
Judiciário, alteraram a composição do Supremo Tribunal Federal,
fizeram tudo o que se possa imaginar, dentro do maior casuísmo,
assinados sempre que surgisse um obstáculo a ser removido.
Nesse processo, com a edição do AI-3 e respectivos
complementos, criou-se a figura do governador "biônico", o qual
passou a ser escolhido pelo Presidente dentro da Arena (o partido
do governo), a partir de uma lista tríplice, confirmado depois pelas
respectivas assembleias legislativas. Foi criada a fidelidade
partidária, impedindo os parlamentares de votar em outro candidato
que não o de seu próprio partido. Como o MDB (oposição)
ameaçou com renúncia coletiva, o AC-16 proibiu também a
renúncia.
Uma vez vitorioso o movimento militar de 1964, com a retirada do presidente
João Goulart para Porto Alegre e, depois, para o Uruguai, foi empossado em seu
lugar o presidente da Câmara Federal, Ranieri Mazzili que, ao contrário da
rainha da Inglaterra, nem reinava, nem governava, cabendo-lhe apenas dar uma
aparência de legalidade à transição.
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Enquanto Mazzili aproveitava o ar condicionado do Palácio do Planalto, as
decisões iam sendo tomadas no ambiente quente do edifício do Ministério
da Guerra, no Rio de Janeiro, onde o general Artur da Costa e Silva,
autonomeado ministro da Guerra, comandava uma Junta Militar
Revolucionária formada por ele, pelo novo ministro da Marinha, almirante
Augusto Rademaker e pelo novo ministro da Aeronáutica, Correia de Melo.
A mais importante de todas as medidas foi a assinatura do Ato Institucional
(até então sem número, pois deveria ser o único) que concedia poderes
revolucionários à Junta, sobrepondo-os aos da própria Constituição em vigor.
Esse ato, publicado em 9 de abril de 1964, deu margem a que, no dia 10, fossem
cassados os mandatos de 40 parlamentares que faziam oposição à nova ordem.
Aberto assim o caminho, no dia 11, o Congresso Nacional elegeu o general
Humberto de Alencar Castelo Branco presidente da República, com o
político mineiro José Maria Alkmin como vice-Presidente. Ambos tomaram posse
no dia 15, no recinto do Congresso, iniciando-se uma nova fase da vida nacional.
Castelo Branco era o presidente certo, no momento exato. Apresentava-se
como rígido militar, mas, mesmo sem nunca ter participado da vida pública,
demonstrava ter profunda vivência política. Era, pois, a um só tempo, militar e
estadista. Tinha ideais democráticos e sua presença no governo surgia
como uma suposta garantia à realização de eleições livres e diretas em 3
de outubro de 1965, conforme calendário, restabelecendo com elas (se
tivessem acontecido) a normalidade constitucional no país.
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Sua vocação liberal foi, entretanto, freada, por ser ele um mandatário (e não
mandante) do Sistema, representante que era de um movimento militar bem-
sucedido e que assumiu o poder conjuntamente, tanto que a Junta
Revolucionária fora, toda ela, transplantada em seu ministério.
A primeira decepção do novo Presidente foi ter de engolir, meses
depois, a prorrogação de seu mandato até 1967. Sua maior contrariedade,
todavia, foi ter de assinar o Ato Institucional nº2. Num primeiro momento,
recusou-se a fazê-lo, o que provocou um desabafo do jurista Francisco Campos
ao seu conterrâneo, o vice-Presidente José Maria Alkmin: "Ai, minha Nossa
Senhora, ele pensa que é civil e foi eleito!"
Entre a espada e a Constituição
Em verdade, esse tornou-se o grande drama de Castelo Branco: não era,
como o presidente Dutra, um general exercendo o poder civil. Estava ali como
militar, representando as Forças Armadas, que ganharam uma revolução. Não
fora eleito legitimamente, em pleito aberto, mas chegara ao cargo por
eleição indireta, sob a garantia de um Ato Institucional que valia por uma
dúzia de constituições. E tinha, atrás de si, a presença nada invisível do poder
político-militar que assumira de fato o governo e nele permaneceria nos próximos
21 anos, adaptando a legislação, casuisticamente, com uma série de Atos
Institucionais (nada menos que 17 AI’s)), seguidos, cada um deles, por uma
enxurrada de Atos Complementares que cuidavam de dar sintonia fina às
medidas de exceção.
Como consequência, poucos se lembram das reformas de base realizadas
em seu governo e que colocaram o país, novamente, no caminho do
desenvolvimento. Seu primeiro e grande feito foi restabelecer o respeito
devido à instituição da Presidência da República, desmoralizada no
governo Goulart.
No mais, entre outras obras, cuidou de restaurar a situação econômico-
financeira que vinha se deteriorando desde o governo Vargas, garantindo com
isso a credibilidade do Brasil no exterior e permitindo novos aportes de capitais,
necessários para o crescimento do país.
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Em seu ramo específico, cuidou da reforma das Forças Armadas, refazendo
a arcaica estrutura administrativa das três forças e eliminando querelas e ciúmes
entre elas. Aliás, pessoalmente, Castelo defendia a criação de um Ministério
da Defesa, englobando Exército, Marinha e Aeronáutica, o que não pôde ser
ao menos cogitado em seu mandato, pela excepcionalidade primeiro governo;
os que lhe sucederam, não se interessaram no assunto, preocupados que
estavam em estratificar o poder do Estado sobre a Nação.
Na reforma fiscal e tributária, Castelo eliminou os velhos impostos que
emperravam a máquina, a maioria deles em cascata, substituindo-os por um
sistema moderno e eficiente de arrecadação. Foi dessa época, também, a
criação do CGC e do CPF para a identificação e controle do contribuinte.
No campo, promoveu uma reforma agrícola (não agrária), garantindo a
estabilidade da produção, permitindo o aumento das exportações, e acabando
com as sucessivas crises de abastecimento do mercado interno.
Tudo isso, é preciso que se diga, se fez em meio a intenso diálogo dentro do
ministério e junto às classes produtoras; um diálogo ao qual não faltou a
imprensa que, durante o período de Castelo Branco, não sofreu qualquer
censura, manifestando-se de forma ampla e irrestrita, até mesmo
acintosamente. Os mesmos jornais que haviam participado do movimento
revolucionário, como a Tribuna de Imprensa, o Correio da Manhã e O Estado de
S. Paulo abriam suas baterias contra o poder central, atingindo violentamente o
presidente da República.
A História, cujos contornos o tempo vai clareando, um dia lhe fará justiça,
expurgando de sua biografia os atos revolucionários e trazendo à luz os atos
efetivos de governo.
Ah, mais uma coisa: apesar de Brasília, a cidade do Rio de Janeiro
continuava a ser a capital virtual do Brasil. O Palácio do Planalto, em Brasília,
dava para o gasto do dia-a-dia, mas os grandes assuntos e as grandes
resoluções aconteciam mesmo no Palácio das Laranjeiras, na Guanabara,
obrigando o presidente a viajar, continuamente, de um ponto a outro.
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Quem era Castelo Branco
Humberto de Alencar Castelo Branco nasceu em Fortaleza-CE, em 20 de
setembro de 1897, filho do general Cândido Borges Castelo Branco, e de dona
Antonieta Alencar Castelo Branco. Por parte da mãe, era, pois, descendente
do romancista José de Alencar. Por parte do pai, vinha de uma linhagem a
que pertencia, por exemplo, a escritora Raquel de Queirós.
Passou a primeira infância no interior de seu Estado e, aos 8 anos, foi enviado
a estudar em Recife. Como não conseguisse acompanhar a classe (seu
professor o considerava um retardado), sua mãe trouxe-o de volta ao Ceará,
ficando, então, aos cuidados das irmãs Vicentinas, que lhe proporcionaram os
primeiros conhecimentos.
Aos 14 anos seguiu para Porto Alegre, longe da família, matriculando-se na
Escola Militar. Era filho de general, mas era pobre, e sua idade no registro foi
adulterada para 12 anos, a fim de garantir a gratuidade do ensino. Lá teve como
companheiros Juarez Távora, Riograndino Kruel, Amauri Kruel, Ademar de
Queirós, Artur da Costa e Silva e outros que o acompanhariam na carreira até
os postos mais altos do Exército.
Formou-se oficial na Escola Militar do Realengo (Rio de Janeiro),
cursando em seguida a Escola de Comando do Estado Maior do Exército, a
Escola Superior de Guerra da França (o treinamento militar brasileiro estava
conveniado com os franceses) e, finalmente, a Escola de Comando e Estado-
Maior dos Estados Unidos.
Em 6 de fevereiro de 1922 casou-se com dona Argentina Viana, irmã do
historiador Hélio Viana, com quem teve dois filhos: Antonieta (o mesmo nome
da avó, que falecera dois meses antes) e Paulo. O casamento trouxe à mostra
o lado profundamente sentimental de Castelo. Dona Argentina foi o grande
elo de sua vida: No Brasilo, acompanhava-o, quando possível, a operações de
campanha; na Segunda Guerra Mundial, separados pelo grande oceano, tornou-
se a inspiradora de uma série de cartas nas quais o então tenente-coronel, livre
da censura, derramava seus comentários a respeito da guerra e dos que se
achavam à sua volta.
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Argentina Viana Castelo Branco morreu em 1963, quando o general era
comandante do 4º Exército, em Recife. Tornou-se, então, a imagem que lhe
seguiria os passos inspirando-o nas decisões.
Enquanto Presidente, sua filha fez-lhe as vezes de primeira-dama, mas a
presença espiritual da esposa serviu para humanizar o velho militar,
tornando menos duros os atos punitivos e incentivando-o no objetivo, afinal
frustrado, de restabelecer a democracia até o término de seu governo.
Ao assumir a Presidência, o general Castelo Branco passou para a reserva,
recebendo em consequência o título de marechal, o que, na época, acontecia
automaticamente. Ele mesmo eliminou essa prática, que chamava ironicamente
de "título de pensão", já que a finalidade maior era a de aumentar o soldo do
militar. Mas, antes de eliminar a regalia, garantiu essa promoção ao general
Costa e Silva, que estava vencendo seu tempo para cair na compulsória.
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O Ministério
Empossado o Presidente, em 15 de abril de 1964, a Junta Militar foi
incorporada ao governo, surgindo então os três primeiros nomes do ministério:
Guerra, Artur da Costa e Silva; Marinha, Augusto Hamann Rademaker
Grünewald; Aeronáutica, Francisco de Assis Correia de Melo. Este último, em
1931, fora o primeiro brasileiro a cruzar o Atlântico num avião militar.
Embora alguns outros militares viessem a ocupar cargos civis, no conjunto, o
ministério era essencialmente técnico, embora considerado por alguns (e até
por Carlos Lacerda) um pouco conservador. Os demais ministros foram:
Relações Exteriores, Vasco Tristão Leitão da Cunha, substituído,
seguidas vezes, por Antônio Borges Castelo Branco Filho;
Fazenda, Otávio Gouveia de Bulhões, substituído na interinidade
por Roberto de Oliveira Campos; Agricultura, Oscar Thompson
Filho, substituído mais tarde por Hugo de Almeida Leme, Ney
Amintas de Barros Braga e Severo Fagundes Gomes; Viação e
Obras Públicas, Juarez do Nascimento Fernandes Távora;
Planejamento e Coordenação, Roberto de Oliveira Campos;
Educação e Cultura, Flávio Suplicy de Lacerda, depois, Raimundo
de Castro Moniz de Aragão (interino), Pedro Aleixo e Guilherme
Augusto Canedo de Magalhães (interino); Saúde, Vasco Tristão
Leitão da Cunha, que logo entregou o cargo a Raimundo de Moura
Brito; Indústria e Comércio, Daniel Agostinho Faraco, substituido
mais tarde por Paulo Egídio Martins; Minas e Energia, Mauro
Thibau; Trabalho, Arnaldo Lopes Sussekind, depois, Moacir Veloso
Cardoso de Oliveira (interino), Walter Perachi Barcelos, Paulo
Egídio Martins (interino) e Luiz Gonzaga do Nascimento e Silva;
Justiça, Milton Soares Campos, depois, Luís Viana Filho (interino),
Juracy Montenegro Magalhães, Mem de Sá, e Carlos Medeiros da
Silva.
Assumiu a Casa Civil Luís Viana Filho que, na prática, tornou-se secretário
particular do Presidente, reunindo anotações que mais tarde lhe permitiram fazer
a biografia de Castelo Branco. Na Casa Militar, ficou o general Ernesto Geisel.
Criou-se, também, o Ministério Extraordinário da Coordenação dos
Organismos Regionais (Mecor) que mais tarde ganharia importância
fundamental, transformando-se no Ministério do Interior. Sua chefia foi entregue
ao marechal Cordeiro de Farias que, já ao final de governo, renunciou, sendo
substituído por João Gonçalves.
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A intensa troca de nomes nos vários ministérios dá ideia da turbulência nos
três anos de governo. Também houve mudanças nos ministérios militares,
assunto que será tratado no momento oportuno.
Varre, vassourinha
O Ato Institucional em vigor desde 9 de abril de 1964 abriu uma
temporada de 60 dias para a cassação de mandatos e suspensão de
direitos políticos, estes últimos pelo prazo de 10 anos. Logo no dia seguinte,
experimentando a ferramenta, a Junta Militar suspendeu os direitos políticos de
Jânio Quadros, João Goulart e Luís Carlos Prestes; em seguida, foram-se mais
40 parlamentares da oposição, abrindo caminho para a eleição do Presidente.
Até o último dia do prazo, cerca de 400 nomes foram atingidos pelo Ato. Ao
contrário do que se pode pensar, foi uma pechincha. Poderiam ter sido 4.000 ou
40.000, tamanha a quantidade de listões que chegavam de todos os lados,
sugerindo nomes para a degola. O exame detalhado dessas listas evitou uma
enormidade de injustiças, mas não todas elas.
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Para se ter uma ideia do frenesi existente nos meios revolucionários, basta
lembrar que, entre os nomes sugeridos para cassação, figuravam os de
Afonso Arinos, um dos principais líderes da UDN, partido do governo; do jurista
Santiago Dantas, com inequívocos serviços prestados ao país; de Hermes
Lima, o último chefe de Gabinete do Parlamentarismo; do jurista Evandro Lins
e Silva; do jornalista Carlos Heitor Cony, que ousava criticar o governo; e até
do industrial José Ermírio de Morais, evidente defensor do capitalismo e de
cuja dedicação à empresa privada ninguém poderia duvidar... Todos foram
poupados.
Pior do que fazer uma revolução é controlar, depois, o ímpeto dos
revolucionários em garantir a própria sobrevivência, afastando de sua volta
aqueles que possam lhes fazer sombra. Com raras exceções, esse controle foi
exercido.
Ah, "Minas Gerais"!
Uma das pendências que, desde o princípio, tumultuou o governo foi o caso
da aviação embarcada, que tomou vulto após a compra, por Juscelino
Kubitschek, do porta-aviões Minas Gerais.
O frágil 14-Bis de Santos Dumont, que foi ao ar em 1904, e o Demoiselle,
que subiu pouco tempo depois, tiveram seguidos aperfeiçoamentos e, em 1910,
já era possível contar-se com aviões de guerra, incipientes ainda, mas que já
representavam uma promessa como arma de ataque e defesa. O Brasil comprou
alguns aparelhos, anexou-os ao Exército e, na Guerra do Contestado (1912-
1916), pôde testar sua eficiência, abrindo espaço no campo inimigo para o
avanço, por terra, das tropas legalistas. A Marinha também comprou alguns
aparelhos, que ficaram subordinados a ela. Não eram uma força independente,
mas simples acessórios às duas Armas.
Após a Segunda Guerra, com o advento do helicóptero, a Marinha passou a
adquirir esse tipo de aparelhos, mais adequados a manobras conjuntas com
navios de guerra. Só que, a essa época, já existia uma arma específica para
cuidar do espaço aéreo, a Força Aérea Brasileira (FAB), subordinada ao
Ministério da Aeronáutica, criado no governo Getúlio Vargas. Passaram a
registrar-se, então, conflitos esporádicos entre as armas da Marinha e da
Aeronáutica, ainda que sem maiores consequências.
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Foi no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) que surgiu o grande
ponto de atrito, com a aquisição do porta-aviões Minas Gerais, tendo como
objetivo aproximar Aeronáutica e Marinha em operações conjuntas. O efeito foi
o oposto, gerando graves discussões sobre o comando de tais operações, já que
não se tratava de aviação comum, mas de aviação embarcada.
O problema foi sendo empurrado com a barriga por JK, Jânio e Jango, vindo
a perturbar a paz do presidente Castelo Branco, que decidiu colocar um ponto
final na disputa, chamando para si a responsabilidade pela solução do conflito.
Precisava fazê-lo, e sem demora, pois um grave incidente acabava de ocorrer
em Tramandaí (Rio Grande do Sul), onde a base da FAB abateu um helicóptero
da Marinha em pleno voo, criando um estado de guerra entre as duas armas.
Em agosto de 1964, aproximando-se a data de início da Operação Unitas
(treinamento conjunto de militares de paises panamericanos), Castelo Branco
decide que o comando de operações embarcadas ficará a cargo da Marinha,
mas somente com aeronaves da FAB. O ministro da Aeronáutica, brigadeiro
Nelson Lavanére-Wanderley, sucessor de Correia de Melo, demite-se, sendo
substituído pelo brigadeiro Márcio de Sousa Melo.
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No início das operações de treinamento, a FAB constatou a presença de
helicópteros da Marinha no porta-aviões Minas Gerais e, como o comandante se
recusasse a retirá-los, o fato originou outra crise entre as duas armas,
provocando a renúncia do novo ministro da Aeronáutica, brigadeiro Souza Melo.
Em consideração ao presidente da República, já que ninguém mais queria
substituir o demissionário, assumiu o Ministério o próprio brigadeiro Eduardo
Gomes, nome legendário nas Forças Armadas, contra quem ninguém ousaria
fazer oposição.
Orientado por Eduardo Gomes, o presidente retoma a ideia de um comando
misto nas operações conjuntas de Marinha e Aeronáutica. Desta vez, quem se
demite é o ministro da Marinha, nesta altura o almirante Melo Batista. Em 14 de
janeiro de 1965 assume o posto o almirante Paulo Bozísio.
Finalmente, chega-se a um consenso nos dois ministérios. O comando
do porta-aviões Minas Gerais, em sua totalidade, incluindo os helicópteros
da Marinha, fica sob a responsabilidade desta. Os aviões, operados pela
FAB ficam sob o comando da Aeronáutica, em sintonia com o comando da
Marinha.
E foi assim que o Brasil pode participar, em harmonia, da operação UNITAS.
E todos viveram felizes para sempre.
Soa o sinal de alarme
Contrariando o pensamento do presidente Castelo Branco, já em julho de
1964, o mandato presidencial foi prorrogado até 1967, jogando por terra as
promessas, feitas a líderes civis da Revolução, de que em 1965 um novo
presidente seria escolhido, dentro do calendário, e por eleições diretas.
Para compensar, o Sistema que controlava o poder permitiu que se
realizassem, na forma da Constituição, as eleições marcadas para 3 de outubro
de 1965, renovando o governo de 11 dos 21 Estados: Alagoas, Goiás
Guanabara, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Rio
Grande do Norte e Santa Catarina.
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Tacitamente, confirmava-se também o calendário para 3 de outubro de 1966,
quando, além da renovação do parlamento, seriam eleitos também os
governadores dos demais Estados: Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito
Santo, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e
Sergipe.
Vão-se os anéis, ficam os dedos, pelo menos, é o que se achava naquele
momento. Nem tudo estava perdido e, afinal, alguns dos candidatos à
Presidência, como Magalhães Pinto, estavam acordes em que o ambiente não
era propício para eleições presidenciais já em 1965.
Excluída a disputa presidencial, no mais, o pleito se realizou a seu tempo,
livremente, tudo fazendo crer que o Brasil caminhava para o restabelecimento
das liberdades democráticas.
Os resultados, se não foram desanimadores para o Sistema, ainda assim
fizeram soar o sinal de alarme. O governo venceu no Pará, onde o governador
Jarbas Passarinho conseguiu fazer seu sucessor Alacid Nunes (mais tarde os
dois se tornariam adversários); na Paraíba, a UDN elegeu Agripino Maia; no
Maranhão, saiu vitorioso José Sarney, jovem e promissor político, então com 33
anos; em Alagoas, não havendo maioria absoluta, o governo federal nomeou
como interventor o general João Batista Tubino. Até mesmo em Mato Grosso
e em Santa Catarina, onde o PSD conseguiu a vitória, respectivamente, com
Pedro Pedrossian e Ivo Silveira, não havia maiores preocupações.
Onde rebentou a corda foi em Minas Gerais e Guanabara que, juntamente
com São Paulo, formavam os três centros políticos mais importantes do país.
Em Minas Gerais, elegeu-se Israel Pinheiro, um dos construtores de Brasília e
braço forte de JK; na Guanabara, ganhou Negrão de Lima, uma sombra de
Getúlio Vargas, o mesmo Negrão que, em 1937, a pedido de Getúlio, percorreu
o país, buscando adesão dos governadores ao golpe do Estado Novo que seria
dado ao final daquele ano. Em São Paulo, as eleições se dariam em 1966 e
uma derrota não improvável naquele Estado seria fatal para a revolução.
A simples possibilidade de retorno do getulismo reacendeu a ação da linha
dura nas Forças Armadas, não só na Vila Militar, como em vários pontos do país.
A alta oficialidade, composta sobretudo por coronéis da ativa, exigia um
endurecimento do regime para que o movimento militar, havendo atravessado
um oceano de dificuldades, não viesse a morrer na praia.
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O Ato Institucional nº 2
As eleições ocorreram a 3 de outubro. Poucos dias depois, recrudescem os
boatos de um novo golpe militar. Carlos Lacerda, de sua Tribuna da Imprensa,
exigia intervenção em Minas Gerais e Guanabara. Ao Palácio das Laranjeiras,
onde se achavam Castelo e seu staff, chegavam notícias de movimentação
nos quartéis.
O primeiro passo, foi acalmar os militares, baixando a tensão da caserna. O
segundo, preparar medidas que mantivessem a temperatura baixa, permitindo
ao Presidente cuidar de assuntos do governo, ao invés de envolver-se numa
crise militar mais prolongada.
Por fim, cuidava-se de preparar o governo para o pior. Vários projetos e
emendas à Constituição tramitavam no Congresso, objetivando aumentar os
poderes do presidente da República, inclusive dando-lhe o direito de decretar
estado de sítio sem precisar de autorização do Congresso. Não estava o governo
seguro de ter esses instrumentos à mão no devido tempo; não era sequer lícito
supor que fossem aprovados pelo legislativo.
No Ministério, outra crise: o ministro da Justiça, Milton Campos, prevendo
um fechamento do regime, de cujo ato não pretendia tornar-se cúmplice,
demitiu-se; e após uma interinidade de Luís Viana Filho, foi nomeado para o
cargo o ex-governador da Bahia, Juraci Magalhães.
Premido pela gravidade da crise, e procurando evitar o pior, em 27 de
outubro de 1965, o presidente Castelo Branco assina o Ato Institucional nº 2,
iniciando o processo de radicalização do regime que, de Ato em Ato, levou o país
ao quase absolutismo nos dois governos seguintes.
O que foi modificado
São estas as principais alterações proporcionadas pelo AI-2:
- As eleições presidenciais passam a ser indiretas;
- Ficam extintos todos os partidos políticos;
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- Fica o Presidente com a prerrogativa de decretar estado de sítio
por 120 dias, ad-referendum do Congresso, e prorrogá-lo, se
necessário, por um prazo máximo de 180 dias;
- Os atos praticados pelo governo federal ou pelo Sistema
(Comando Supremo da Revolução) ficam excluídos de apreciação
judicial;
- O Presidente passa a ter o direito de pôr em recesso o Congresso
Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais,
mesmo que o país não esteja sob estado de sítio.
Coagido pelo Sistema, o presidente Castelo Branco, até o fim de seu
mandato, ainda viria assinar mais dois outros Atos Institucionais: o AI-3, de 5 de
fevereiro de 1966, criava a figura do governador biônico e suspendia as
eleições de prefeitos nas capitais e cidades consideradas de segurança
nacional; o AI-4, de 12 de dezembro de 1966, condicionava o Congresso para a
votação da nova Constituição.
Numa luta desigual, a Nação sofreu vários golpes rudes. O nocaute viria
no governo seguinte com a edição, pelo sucessor de Castelo, do Ato Institucional
nº5, o mais cruel e perverso, sufocando o que ainda restava das liberdades
individuais e fazendo morrer as esperanças de retorno, a médio ou longo prazo,
à prática democrática. Esse é assunto para o próximo capítulo.
O embaixador americano
é consultado
Por solicitação do Presidente do Brasil, o embaixador dos Estados Unidos,
Lincoln Gordon reúne-se com Castelo Branco e ambos analisam o impacto
que o AI-2 causaria nas relações internacionais, conforme relata o próprio
diplomata, a pedido de Luís Viana Filho:
"Castelo Branco estava inteiramente ciente da reação
tempestuosa da imprensa estrangeira ao 1º e 2º Atos e preocupado
com o impacto negativo nas relações exteriores,
generalizadamente, e, em particular, nas relações com os Estados
Unidos. Por isso, ele me pediu que o visitasse, numa manhã calma
do feriado de 2 de novembro [Finados].
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"Nossa conversa durou duas horas – a mais longa das nossas
entrevistas. Castelo fez um resumo dos acontecimentos-chave das
quatro semanas anteriores, incluindo a recusa do Congresso em
aceitar a reforma proposta das relações do governo federal com os
demais Estados.
"Ele pediu meu comentário sincero, e eu o fiz em toda extensão.
Entre outros pontos, salientei minha preocupação de que a
situação pudesse se transformar inteiramente em ditadura militar.
O presidente sentiu que eu estava pessimista demais, que o Brasil
evitaria qualquer tipo de ditadura, a tradicional Latino-Americana ou
tipo Nasser [Egito], e que a nova base política podia e seria
construída para apoiar as metas da revolução.
"Três semanas mais tarde, quando o secretário [de Estado]
Dean Rusk visitou o Rio, o Presidente saiu de seus hábitos para
referir-se ao meu temor de ditadura militar e para reassegurar sua
confiança na restauração da normalidade constitucional em 1966.
"Não obstante, estava claro que a crise de outubro tinha sido
um choque para ele, que o general Costa e Silva estava, em todo
sentido prático, seguro da sucessão, e que Castelo Branco não
tinha mais o controle da situação."
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A CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos), em seu relatório
interno nº 3101/65, registra as mesmas preocupações, prevendo um fechamento
gradual do regime até o total controle do país pelo Sistema. Aponta o ministro
da Guerra, general Costa e Silva como o catalisador das pressões da linha dura,
irritado que estava pela falta de apoio governamental à sua pretensão para
suceder a Castelo Branco.
São mencionadas pela CIA, também, as pressões empresariais,
principalmente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (que é
citada nominalmente) para o endurecimento do regime, incentivando a ação de
conhecidos radicais, como o almirante Silvio Heck. Essas pressões estariam
anulando a ação dos moderados ligados ao presidente Castelo Branco, entre
eles o chefe do SNI (Serviço de Inteligência do Brasil), general Golbery do
Couto e Silva, e o chefe da Casa Militar, general Ernesto Geisel. Em resumo,
Castelo perdera, a esta altura, o controle da sucessão presidencial.
Quase que o Brasil
ganha um "Partidão"
Partidão era o nome que se dava ao PC soviético que, por ser o único partido
político legal, dominava todo o sistema político da União Soviética,
transformando-se num governo paralelo. Pois o Brasil por pouco não ganha seu
partidão, tal a rigorosidade do Ato Complementar nº4, que regulava a
organização de novos partidos políticos, em substituição àqueles que foram
extintos.
Surgiram, de início, três opções partidárias: a ARENA (Aliança Renovadora
Nacional), reunindo os governistas, o MODEBRA (Movimento Democrático
Brasileiro), que pretendia concentrar a oposição e o PAREDE (Partido de
Renovação Democrática), de tendências indefinidas. Este último não resistiu os
primeiros embates, ficando apenas nas preliminares de sua organização.
A Arena rapidamente conquistou o espaço, pois todo político, por razões de
sobrevivência, prefere estar com o governo, garantindo verbas para obras
públicas, que se traduzem em votos nos seus redutos eleitorais.
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Já o Modebra, que em boa hora mudou sua sigla para MDB, não
conseguia atender as regras do AC-4, que exigia um mínimo de 120 deputados
federais e 20 senadores filiados, para garantir o registro. Isso representava
quase um terço do Congresso Nacional.
Quanto a deputados, o MDB até que os conseguiu, mas, na busca de
senadores, apenas 19 se dispuseram a fazer oposição ao governo. Faltava
um e, se o quórum não fosse atingido, o Brasil passaria a ter um sistema político
de partido único. Isso de maneira alguma interessava ao Sistema, pela
repercussão negativa no exterior. Assim, ironicamente, o governo passou a ser
o maior interessado na formação de um partido de oposição a ele.
Vieram, então, os governistas, auxiliar a oposição, doando um de seus
senadores para que o número fosse completado. A sorte caiu sobre o senador
Aarão Steinbruck que assumiu o sacrifício e assinou a ficha partidária do MDB,
trazendo paz ao arraial.
Já nos contatos preliminares, o governo sentiu a artificialidade do
bipartidarismo no Brasil, não tanto por ideologia, mas por diferenças
regionais e de comportamento. Líderes da UDN, que combateram ferozmente
o PSD, tinham que viver em harmonia com seus adversários de ontem. Em São
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Paulo, opositores do governador Ademar de Barros, que colocavam em dúvidas
sua honestidade, tiveram de aceitá-lo como indigesta companhia. No Nordeste,
onde alguns líderes se digladiavam, literalmente, até a morte, repentinamente,
precisaram eles se compor. Se isso vinha causando disputas irreconciliáveis na
organização partidária, imaginem só quando chegassem as eleições!
Com uma boa caneta e um pouco de tinta, não há problema que não se
resolva. E os dois partidos políticos passaram a ter, dentro deles, 3 sub-
legendas, as quais poderiam, nas eleições diretas, apresentar candidatos em
separado. O Brasil tornou-se, pois, o único país do mundo em que o sistema
bipartidário era composto de seis partidos...
Com quantos atos
se faz um governo
O governo Castelo Branco editou três Atos Institucionais. Nem
necessitava de mais outros, pois tamanha foi a quantidade de Atos
Complementares, acompanhando cada ato institucional que o processo foi
totalmente subvertido. Eles regularam o funcionamento das CGIs (Comissões de
Inquérito), cuidaram de dispensas, remoções e aposentadorias, atingiram o
Judiciário, alteraram a composição do Supremo Tribunal Federal, fizeram tudo o
que se possa imaginar, dentro do maior casuísmo, assinados sempre que
surgisse um obstáculo a ser removido.
Nesse processo, com a edição do AI-3 e respectivos complementos, criou-se
a figura do governador biônico, o qual passou a ser escolhido pelo Presidente
dentro da Arena (o partido do governo), a partir de uma lista tríplice, confirmado
depois pelas respectivas assembleias legislativas. A oposição podia apresentar
seu candidato, mas não para ganhar.
Foi criada a fidelidade partidária, impedindo os parlamentares de votar em
outro candidato que não o de seu próprio partido. Como o MDB (oposição)
ameaçou com renúncia coletiva, o AC-16 proibiu também a renúncia. Dizia o AC-
16 que o parlamentar que renunciasse ao mandato teria seus direitos políticos
cassados (por dez anos).
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Nesse clima de paz absoluta (a paz dos cemitérios), desenvolveu-se, pois, o
calendário eleitoral de 1966: em 3 de setembro, elegeram-se os governadores
biônicos de 12 Estados; em 3 de outubro, Costa e Silva fez-se Presidente, tendo
como vice o civil Pedro Aleixo; e em 15 de novembro, realizaram-se as eleições
parlamentares, renovando as Assembleias Legislativas, a Câmara Federal e um
terço do Senado.
Na eleição para Presidente, só dois pequenos incidentes: O deputado João
Herculino subiu à tribuna vestindo luto pela morte da democracia e o senador
João Abraão mencionou o nome de Juscelino como o preferido do povo. Um e
outro foram sem seguida cassados.
Nas eleições para governador, o Presidente cassou o mandato de todos os
deputados que se mostraram descontentes com o nome do candidato único
apresentado para seu Estado. Era mais seguro do que ser surpreendido com
alguma traição.
Em São Paulo, elegeu-se, pois, Roberto de Abreu Sodré, udenista histórico
e cunhado de Carlos Lacerda; no Rio Grande do Sul, Peracchi Barcelos; no
Estado do Rio, Geremias Fontes; na Bahia, Luís Viana Filho, chefe da Casa
Civil da Presidência; em Pernambuco, Nilo Coelho; no Ceará, Plácido Castelo;
em Sergipe, Lourival Batista; no Acre, Jorge Kalume; no Amazonas, Daniel
Aerosa; em Alagoas, Antônio Lamenha Filho; no Piauí, Helvídio Nunes de
Barros; e no Espírito Santo, Cristiano Dias Lopes.
Planos para uma
nova Constituição
Ao final de 1966, resolvidos os problemas emergenciais e criados os
mecanismos que permitiriam desenvolver as reformas preconizadas, o governo
achou-se em condições de providenciar uma mudança radical na Carta Magna,
criando uma Constituição moderna, capaz de colocar o país no caminho do
desenvolvimento.
Sem pensar na convocação de uma Assembleia Constituinte (que Deus o
livre de tamanho pecado) Castelo preferiu criar uma comissão de notáveis,
formada por Orozimbo Nonato, Levi Carneiro e Temístocles Cavalcanti,
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entregando a ela a missão de redigir o novo texto, na forma de anteprojeto, o
qual ficou pronto em 19 de agosto de 1966.
O trabalho não agradou nem ao Presidente, nem ao seu ministro da
Justiça, Carlos Medeiros. O primeiro desejava uma Carta mais liberal, embora
resguardando a autoridade presidencial para combater situações de perigo à
vida ou ao regime; o segundo, ao contrário, preferia uma concentração maior de
poderes, que desse ao Presidente instrumentos para enfrentar crises políticas e
sociais, dando ao país condições de governabilidade.
O anteprojeto foi, então, discutido com o Conselho de Segurança
Nacional e, em seguida, reformulado pelo próprio ministro Carlos
Medeiros.
O governo poderia até outorgar a nova Carta, dispensando o Congresso, tais
os poderes já concentrados em suas mãos com os dois Atos Institucionais,
todavia essa medida seria mal recebida na comunidade internacional. Era
preciso correr o risco, entregando-a ao Congresso Nacional, para discussão,
após o que o próprio Congresso iria promulgá-la. Melhor seria que se fizesse
com o atual legislativo, já em fim de mandato, já que ele era mais previsível em
suas reações. O próximo ainda não tinha sido eleito e ninguém sabia qual seria
a sua composição.
Foram tomadas todas as providências para evitar um prolongamento
indesejável. O anteprojeto seguiria ao Congresso em regime de urgência e,
se a Constituição não fosse promulgada no prazo estabelecido, o
Presidente chamaria a si a responsabilidade de outorgá-la. Seria também
uma medida extrema, porém, mais fácil de se explicar, jogando sobre o
Congresso a responsabilidade pelo eventual retardamento.
Foi aí que surgiu o incidente mais grave entre Executivo e Legislativo,
colocando em perigo o cronograma traçado.
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O Congresso é posto em recesso
Dentro da rotina do governo revolucionário, em 12 de outubro de 1966,
chegaram às mãos do Presidente mais seis processos de investigação, já
concluídos, envolvendo deputados federais. O Presidente decidiu pela cassação
de todos eles, assinou o ato e encaminhou-o à Câmara Federal, cujo presidente
era Adauto Lúcio Cardoso, parlamentar fiel ao Sistema, já que fora eleito com
a ajuda de Castelo Branco.
Adauto Lúcio Cardoso
Para surpresa geral, Adauto se opôs a essas cassações, recusando-se a
consultar os demais parlamentares e declarando que cabia ao presidente da
República consultá-lo primeiro. Tudo isso era inútil, pois os atos revolucionários
não estavam sujeitos a consultas ao legislativo ou a quem quer que fosse.
O assunto ferveu no plenário da Câmara, já que alguns arenistas eram contra
essas cassações e, por seu lado, a oposição aproveitou o ensejo para fazer suas
manifestações de repúdio ao autoritarismo, causando tremendo desgaste ao
governo junto à opinião pública.
Naquele 19 de outubro de 1966, o dia e a noite foram agitados no Palácio
das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, local das grandes decisões. O ministro
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da Justiça tem pronto o decreto que põe em recesso o parlamento. Outra
medida, bem pior seria a sua dissolução, encerrando as atividades
parlamentares três meses antes do término do mandato. Bem comparadas
as duas medidas, a do recesso se mostrava mais leve, dando tempo suficiente
para esfriar as cabeças e tornar à realidade possível naquela conjuntura.
Achava-se, entre outras coisas, que a atitude do presidente da Câmara tinha
por fim embaraçar as eleições legislativas que se realizariam no mês seguinte,
o que não ficou provado.
No dia 20 de outubro de 1966, o Presidente assina o recesso parlamentar,
por tempo indeterminado, ficando incumbido de executar o ato o coronel Meira
Matos, comandante da Polícia do Exército em Brasília.
Conta Luís Viana Filho:
"Meira Matos executou o decreto. O Presidente recomendara-
lhe a maior prudência e, nessa mesma noite, isolado o Congresso,
os seus membros foram retirados tranquilamente. Não houve
incidente de monta, e as anunciadas ameaças de resistência
ruíram silenciosamente. Apenas breve e áspero diálogo entre
Adauto e Meira Matos inquietou o episódio."
Os acontecimentos, então, se desenrolam dentro desta sequência:
12.10.66 – Cassados os mandatos de 6 deputados federais.
20.10.66 – O Congresso Nacional (Câmara e Senado) é posto em recesso.
15.11.66 – Realizam-se eleições diretas para a renovação da Câmara Federal,
de um terço do Senado e das Assembleias Legislativas.
21.11.66 – É suspenso o recesso e o Congresso volta às atividades.
13.12.66 – O anteprojeto da nova Constituição é entregue ao presidente do
Congresso, senador Auro Soares de Moura Andrade.
24.01.67 – A nova Constituição é promulgada pelo Congresso Nacional.
Estava superada a crise. O Brasil ganha uma nova Constituição que, se dizia,
deveria durar várias décadas. Não foi bem o que aconteceu. Os acontecimentos
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caminharam mais rápido que as boas intenções e, dois anos depois, o texto
constitucional foi quase que totalmente alterado por uma Junta Militar que
assumiu o poder. Esse também é um assunto a ser tratado em momento
oportuno.
A reforma financeira
O primeiro dos problemas a ser enfrentado pelo Presidente foi o do
descontrole financeiro do país. O Brasil havia saído do governo Dutra (1946-
1951) com uma situação confortável nas finanças públicas, e com uma dívida
externa administrável, dado o superávit acumulado durante a 2ª Guerra.
Os governos posteriores reverteram esse estado de coisas, gastando mais
do que arrecadavam e levando o país a um estado quase que pré-falimentar.
Getúlio Vargas e Café Filho viveram enleados em sérios problemas políticos que
lhes tomaram a maior parte do tempo.
Juscelino Kubitschek construiu Brasília e levou avante seu plano de governar
50 anos em 5, emitindo moeda descontroladamente para cobrir os gastos e
comprometendo os próximos governos com um aumento sensível da dívida
externa.
Jânio Quadros fez um diagnóstico do doente, mas não lhe ministrou os
remédios, tanto mais que não parou 7 meses no poder. Por fim, João Goulart
largou o governo à corda solta, como se o problema não fosse com ele.
Agora, o paciente necessitava de um tratamento de choque, uma política
séria de contenção de despesas, que levou o país, em 1965, a processo
recessivo, danoso à produção e aos trabalhadores, causando o desemprego e
uma semi-paralisação do comércio e das atividades produtivas.
O amargo remédio era a infalível receita do Fundo Monetário Nacional,
engolido a duras penas, e que só pôde ser aplicado sem maiores
contestações porque o Brasil vivia em regime excepcional, suprimindo, se
preciso à força, qualquer manifestação de descontentamento.
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Respeitadas todas indicações do receituário, por fim, o FMI colocou à
disposição do Brasil um crédito stand-by (para ser requisitado quando preciso)
de 125 milhões de dólares. Era uma insignificância, mas, por outro lado,
representava um sinal verde aos investidores internacionais de que o Brasil
deixava de ser um risco iminente ao capital estrangeiro.
O PAEG-Plano de Ação Econômica do Governo, sob a responsabilidade
do Ministro do Planejamento, Roberto Campos e do ministro da Fazenda Otávio
Gouveia de Bulhões, estabeleceu uma nova ordem econômica no país.
Escreve Luís Viana Filho:
"O PAEG traçava os pontos principais da nova estratégia
política econômica, apontava os instrumentos de combate à
inflação no campo monetário, fiscal e salarial; os mecanismos de
incentivos às exportações e de correção no desequilíbrio no
balanço de pagamentos; os instrumentos de estímulo à poupança
no mercado de capitais, com o princípio da correção monetária; e
as concepções para o problema da habitação popular e,
consequentemente, o aumento da construção civil. Também se
incluía um elenco de investimentos públicos e programas setoriais
de crescimento."
Era uma intervenção pesada do poder público sobre a iniciativa privada,
gerando protestos das classes liberais, com discursos violentos do deputado
Herbert Levi e de outros parlamentares que haviam apoiado o movimento
militar. Não foram menores as reações nos meios estudantis, sindicais e
intelectuais, registrando-se a prisão, entre outros, do professor Florestan
Fernandes.
A repressão econômica, mais do que a repressão política, é que tornou
odiado o governo de Castelo Branco.
Os resultados desse saneamento foram colhidos pelos governos seguintes,
quando a liberação da economia, com a geração de empregos e melhoria das
condições de vida, acabou escondendo a repressão, que atingiu seu apogeu
com o presidente Médici, considerado injustamente como o grande realizador.
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No governo Castelo Branco foram criados o BNH-Banco Nacional da
Habitação, a primeira tentativa realmente séria de fazer uma política
habitacional permanente e contínua; as ORTN-Obrigações Reajustáveis do
Tesouro Nacional que, a um só tempo, instituíam a correção monetária e
representavam títulos de captação interna.
O FGTS-Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, transferindo o passivo
trabalhista das empresas, dali por diante, para o controle estatal, foi outra fonte
de arrecadação que permitiu a aplicação de capitais em serviços básicos, como
o de saneamento. O Banco Central do Brasil, recém-criado, chamou a si o
controle da moeda e das atividades financeiras, antes atribuído ao Banco do
Brasil.
A reforma fiscal e tributária
Antes de se aventurar na modificação do sistema de arrecadação de impostos
e taxas, o governo teve de identificar o contribuinte, pois, tal era a desordem,
pela falta de um cadastro centralizado, que a sonegação se tornou prática
comum em todo o país.
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Para organizar e agilizar o recolhimento de tributos foram criados o CGC-
Cadastro Geral de Contribuintes e o CPF-Cadastro de Pessoa Física. Os
velhos impostos, em cascata, foram substituídos por novos, nos quais o setor
produtivo podia creditar-se dos impostos pagos sobre matérias primas,
reaplicando-os por ocasião da venda dos produtos acabados. Assim, acabou a
cascata e a tributação real incidia apenas sobre o consumidor final.
O IC (Imposto de Consumo) deu lugar ao IPI (Imposto sobre Produtos
Industrializados). O IVC (Imposto de Vendas e Consignações) foi
substituído pelo ICM (Imposto de Circulação de Mercadorias). O Imposto
do Selo, que vinha dos tempos do Império, foi eliminado e, em seu lugar,
surgiu o IOF-Imposto sobre Operações Financeiras. Acabaram-se para
sempre os quiosques que vendiam estampilhas aos quatro cantos do país, as
quais eram pregadas sobre todo papel que ousasse insinuar uma operação
financeira. Até uma simples carta, falando acidentalmente em quitação de dívida,
tinha de ser estampilhada!
Como se pode imaginar, com melhor controle, a arrecadação aumentou
prodigiosamente e, em contrapartida, concentrou uma boa parte do dinheiro
circulante nas mãos do governo, o qual, através das obras públicas, passou a
controlar com mais eficiência o fluxo da moeda e, por consequência, o nível de
inflação aceitável.
A reforma agrícola
O espaço é insuficiente para comentar todas as modificações ocorridas no
período de governo de Castelo Branco, atingindo o âmago dos problemas, e
preparando a estrutura necessária para um desenvolvimento integrado do país.
Era preciso resolver o uso do solo onde se consolidou a estrutura agrícola do
Brasil, apoiada principalmente na política do café e descuidando de
planejamento global.
Para isso Castelo foi buscar um novo ministro da Agricultura onde melhor se
conhece o assunto, a Escola Superior de Agricultura Luís de Queirós, em
Piracicaba-SP. Era ele o professor Hugo de Almeida Leme, homem que
dedicou toda sua vida aos problemas da terra, um dos poucos que se poderia
considerar capaz de desemperrar a máquina e colocá-la em movimento.
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Contrariando a política geral de contenção de despesas, o governo liberou
verbas para o setor, de forma a permitir a implantação de uma política de preços
mínimos. Com esse incentivo dado à iniciativa privada, o resultado não se fez
esperar: as próximas safras acusaram um aumento expressivo na colheita de
grãos, que o governo adquiriu e armazenou.
Procurando diversificar a cultura, passou a incentivar derrubada de
plantações de café com baixa produção, substituindo-as por lavouras
mecanizadas e de maior rendimento. Foi a partir de então que o norte do Paraná
começou a conhecer o valor econômico da soja, mais adequada em regiões
sujeitas a fortes geadas.
Não foi adiante, todavia, o propósito de realizar também uma reforma
agrária, reduzindo o poder dos latifúndios. O Estatuto da Terra, sancionado
em 30 de novembro de 1966 e as medidas tomadas em fins de governo, punindo
com maiores impostos as terras improdutivas não foram suficientes para impedir
a concentração de terras.
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Os governos que se seguiram, pelas características do próprio Sistema ao
qual estavam atrelados, não se interessaram em promover no país uma
verdadeira reforma agrária, com participação real do homem do campo. Esta foi
a grande oportunidade perdida, que empurrou para o ano 2000 um problema
sério, agravado em décadas pelo processo de mecanização rural, que resultou
no êxodo da mão de obra excedente para as cidades. Eis o problema: A figura
do “colono”, enraizado na fazenda, foi substituída pela do “boia-fria” e, nos
grandes centros urbanos, a concentração de trabalhadores não
qualificados resultou no desemprego e no subemprego, gerando a
favelização e a miséria.
Conclusão
Castelo Branco saiu em 15 de março de 1967 sem cumprir a promessa de
que fora fiador, qual seja, a de entregar o governo a um civil, escolhido por
eleições diretas. Foi, pelo menos em parte, refém do Sistema, invisível, mas
real, o qual lhe ditava os passos e condicionava-lhe os movimentos. Teve de
aceitar a prorrogação de seu próprio mandato, a edição de mais três atos
institucionais, o fechamento do regime e, por fim, precisou passar as rédeas do
poder ao marechal Costa e Silva, o mais legítimo representante da linha dura
nas Forças Armadas.
Morreu em colisão aérea no Ceará, em 18 de julho de 1967, quatro meses
depois de deixar o governo. Uma estranha colisão, dessas de acontecem uma
em um milhão. O acidente aconteceu com um avião militar, fora da rota, longe
do tráfego aéreo e nenhuma das aeronaves arremeteu para evitar o choque.
Acidente ou não, o desaparecimento de Castelo Branco se insere entre outras
mortes, igualmente estranhas, que ocorreram durante o período militar, entre
elas a de Juscelino Kubitschek e a do próprio marechal Costa e Silva.
Mas História não se escreve em cima de suposições, colocadas
aleatoriamente no processo. O único fato concreto, neste caso, é que Castelo
Branco morreu no choque entre duas aeronaves, numa das quais ele viajava. E
ponto final.