Captacao Patrocinio Cultural e Leis de Incentivo

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Patrocínio Cultural e Leis de Incentivo Informações básicas Ao patrocinar um projeto cultural, a empresa incentivadora se diferencia das demais a partir do momento em que toma para si determinados valores relativos àquele projeto como: tradição, modernidade, competência, criatividade, popularidade etc. Também amplia a forma como se comunica com seu público alvo, solidificando sua imagem institucional e dando visibilidade para a sua marca. Um único projeto pode ser contemplado, ao mesmo tempo, pelos descontos concedidos pela legislação federal, estadual e municipal. A empresa que queira patrocinar um projeto cultural fornece o recurso para a sua realização. Esse recurso ou parte dele voltará para o patrocinador em forma de abatimento de imposto na hora do pagamento do tributo: imposto de renda, ICMS ou ISSQN, dependendo da (s) lei (s) utilizada (s). Em qualquer dos mecanismos fiscais, o contribuinte incentivadore pode investir em quantos projetos culturais quiser, desde que seja respeitado o limite determinado pela legislação específica. Os incentivos fiscais não excluem ou reduzem outros benefícios, abatimentos e deduções em vigor, especialmente as doações a entidades de utilidade pública efetuadas por pessoas física e/ou jurídica. O Incentivador não pode, de forma nenhuma, ter parentesco com o Empreendedor do projeto. Entrevista com Célia Cruz Contribuições para captadores de recursos O fortalecimento e crescimento do Terceiro Setor levaram a profissionalização da gestão das organizações sem fins lucrativos. Este processo de profissionalização, ainda em curso, coloca em evidência duas áreas em específico: elaboração de projetos e captação de recursos. Célia Cruz é uma das maiores especialistas em administração do Terceiro Setor na área de captação de recurso. Neste último mês de março ela participou da organização de dois eventos importantes no Terceiro Setor: a II Conferência Internacional de Captação de Recursos e o II Seminário Internacional IDIS de Investimento na Comunidade. Célia Cruz foi responsável pela Assessoria de Desenvolvimento Institucional da FGV/EAESP e hoje ocupa o cargo de coordenadora de programas no Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS)1. Prestou consultoria a diversas entidades, como os Doutores da Alegria e o Hospital das Clínicas da

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Patrocínio Cultural e Leis de Incentivo

Informações básicas

Ao patrocinar um projeto cultural, a empresa incentivadora se diferencia das demais a partir do momento em que toma para si determinados valores relativos àquele projeto como: tradição, modernidade, competência, criatividade, popularidade etc. Também amplia a forma como se comunica com seu público alvo, solidificando sua imagem institucional e dando visibilidade para a sua marca.

Um único projeto pode ser contemplado, ao mesmo tempo, pelos descontos concedidos pela legislação federal, estadual e municipal.

A empresa que queira patrocinar um projeto cultural fornece o recurso para a sua realização. Esse recurso ou parte dele voltará para o patrocinador em forma de abatimento de imposto na hora do pagamento do tributo: imposto de renda, ICMS ou ISSQN, dependendo da (s) lei (s) utilizada (s). Em qualquer dos mecanismos fiscais, o contribuinte incentivadore pode investir em quantos projetos culturais quiser, desde que seja respeitado o limite determinado pela legislação específica.

Os incentivos fiscais não excluem ou reduzem outros benefícios, abatimentos e deduções em vigor, especialmente as doações a entidades de utilidade pública efetuadas por pessoas física e/ou jurídica.

O Incentivador não pode, de forma nenhuma, ter parentesco com o Empreendedor do projeto.

Entrevista com Célia Cruz Contribuições para captadores de recursos

O fortalecimento e crescimento do Terceiro Setor levaram a profissionalização da gestão das organizações sem fins lucrativos. Este processo de profissionalização, ainda em curso, coloca em evidência duas áreas em específico: elaboração de projetos e captação de recursos.

Célia Cruz é uma das maiores especialistas em administração do Terceiro Setor na área de captação de recurso. Neste último mês de março ela participou da organização de dois eventos importantes no Terceiro Setor: a II Conferência Internacional de Captação de Recursos e o II Seminá rio Internacional IDIS de Investimento na Comunidade.

Célia Cruz foi responsável pela Assessoria de Desenvolvimento Institucional da FGV/EAESP e hoje ocupa o cargo de coordenadora de programas no Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS)1. Prestou consultoria a diversas entidades, como os Doutores da Alegria e o Hospital das Clínicas da

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Faculdade de Medicina da USP e ministra aulas nos cursos de "Administração para Organizações do Terceiro Setor", "Princípios e Técnicas de Captação de Recursos" e "Princípios e Técnicas de Elaboração de Projetos no Terceiro Setor", do GV-PEC.

Revista IntegrAção - Como você se tornou captadora de recursos?

Célia Cruz - Me formei em Economia pela USP e fui trabalhar na IBM, como analista de sistema. O trabalho não me motivava muito e depois de algum tempo percebi que meu interesse voltava-se à área de Políticas Públicas, como reserva de mercado. Por isso, resolvi fazer mestrado em Economia na FGV/EAESP.

Minha dissertação de mestrado foi sobre Mercosul, Comunidade Européia e Nafta. Como a FGV abria a possibilidade de fazer intercâmbio fui para França desenvolver minha pesquisa sobre Comunidade Européia, aonde morei por um ano e meio. Quando voltei, pedi demissão da IBM, continuei fazendo o mestrado e comecei a dar aulas. Mais tarde fiz outro intercâmbio, para o Canadá, para pesquisar o Nafta. Quando cheguei lá, ao invés de escolher matérias em Economia, descobri um MBA em Artes e Mídia.

Como a maior parte das organizações que trabalham com arte e mídia no Canadá são sem fins lucrativos e neste programa o aluno é obrigado a fazer trabalho voluntário, comecei a trabalhar na Ópera de Toronto - Canadian Opera Company. Eu deveria fazer pouquíssimas horas, mas fiz um milhão de horas. Depois, fui contratada por uma companhia pequinininha de ópera contemporânea - Autumn Leaf Performance. Quando voltei para o Brasil, o diretor da FGV/EAESP ficou sabendo que eu havia trabalhado nessa área no Canadá e me contratou.

Isso foi em 1994. Nessa época, estava havendo a campanha do Betinho. A FGV/EAESP criou um comitê do Betinho na escola. A partir dessa experiência, foi criado o CETS. Comecei, então, a participar das atividades do centro, mas daí com uma visão de profissionalização da carreira. Então, fiz muitos cursos, o de Administração de Organizações do Terceiro Setor do GV/PEC, os de captação de recursos da Universidade de Indiana e participei de várias conferências e seminários. Até que em 2000, o Dr. Marcos Kisil2 me convidou para trabalhar no IDIS.

Revista IntegrAção - Com a expansão e fortaleciment o do Terceiro Setor a captação de recurso tornou-se uma das áreas mais de safiadoras dentro das organizações? A concorrência levou a uma maior prof issionalização da área?

Célia Cruz - O Terceiro Setor como um todo está se profissionalizando. Isto se deve em parte a sua expansão e fortalecimento e, em parte, a pressão dos doadores. Uma empresa quando começa a doar exige projetos bem elaborados,

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planos de avaliação, entre outros. O doador está mais profissionalizado e ele começa a exigir também das organizações esse profissionalismo.

As profissões de elaborador de projetos e captador de recursos são particulares do Terceiro Setor. Você não encontra alguém que elabore um projeto ou capte recursos em uma empresa privada. São carreiras que nasceram no Terceiro Setor, são específicas do Terceiro Setor e que exigem um know how específico. Acredito que as organizações acordaram, de repente, para essas carreiras, pois antes de pensar em ter uma outra vaga de professor, por exemplo, elas pensam em alguém que capte recursos. Não necessariamente contratam um funcionário especial para captar recurso, mas pelo menos irão pensar uma pessoa que possa alocar metade do seu tempo para fazer este serviço.

Além da identificação da importância deste profissional para a sobrevivência da entidade, temos de levar em conta que, em 1995, havia cerca de 250 mil organizações da sociedade civil registradas. Hoje, com o aparecimento de outras tantas organizações da sociedade civil, esse número pula para quantos mil? E o volume de dinheiro doado por empresas e indivíduos não cresceu tanto assim.

Concluindo, há uma atenção maior à captação de recursos, à busca de mais captadores de recursos, mas não estou certa se foi à concorrência e a falta de dinheiro que fortaleceu a área, ou se esta ganhou visibilidade por ser fundamental do ponto de vista estratégico.

Revista IntegrAção - Você acha que faltam recursos para projetos sociais?

Célia Cruz - Faltam. Falta muito dinheiro.

Revista IntegrAção - Então, a afirmação "não faltam recursos, mas bons projetos" não se aplica?

Célia Cruz - Por um lado, eu concordo que existem recursos, mas faltam bons projetos. Mas mais do que bom projetos, falta eficiência e eficácia no uso do dinheiro. Se tivermos mais dinheiro doado, com um olhar de eficiência e eficácia, teremos mais benefício social. O dinheiro que temos, hoje, não irá resolver todos os nossos problemas sociais.

Revista IntegrAção - Na hora de captar recursos, o que vale mais: a técnica ou a criatividade?

Célia Cruz - A técnica é fundamental. Aí vai um olhar de economista que aprende mil modelos que levam a uma forma de pensar meio modular, uma estruturação para tomar decisões. Eu não me acho nada criativa, talvez por isso eu diga que não é só criatividade. Se eu tiver a técnica por trás, tenho muito mais conteúdo para ser crítica em um projeto criativo. A técnica me diz, por exemplo, que a resposta de uma mala direta é de só meio por cento. Então, eu posso olhar para a

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mala direta mais criativa e dizer: "Isso é maravilhoso, mas para quantas pessoas você está mandando, qual a sua expectativa?". Se você mandar uma mala direta para 8 mil pessoas, apenas 40 vão responder. Se você tiver essa informação, não vai gastar dinheiro para imprimir 8 mil cartas. Ou seja, nessa hora a técnica é muito mais importante do que a criatividade. O que a técnica me diz? Que é fundamental fazer isso porque aqui eu descubro aquele cara que vai me doar R$500,00. A técnica me diz o que fazer com números ruins, como melhorar, qual o próximo passo. A técnica diz que um evento pode não ser bom para ganhar dinheiro, mas ele é fundamental para alimentar a minha mala direta. Então, sou defensora da profissionalização da técnica e uso outras pessoas com criatividade para me assessorar.

Revista IntegrAção - Muitas idéias criativas de cap tação de recursos, por serem exaustivamente reaplicadas, deixam de ser ino vadoras, perdendo o impacto frente aos financiadores. Em função disso, muitas entidades acabam por "proteger" e não divulgar suas estratégi as de captação de recursos. As entidades devem se preocupar em preser var suas técnicas inovadoras de captação de recursos?

Célia Cruz - O prof. Peter Spink3 fez uma análise do perfil do profissional que trabalha no setor privado, no setor público e na sociedade civil. Ele diz que a informação no setor privado é uma informação privada. Mas em uma organização sem fins lucrativos, a informação é pública. Uma organização sem fins lucrativos, de interesse público, tem que ter transparência nas informações, por exemplo, informar de onde ela recebeu os recursos. Infelizmente as ONGs são maravilhosas em compartilhar informações sobre tudo, mas sobre dinheiro, não tem nem relatório.

Revista IntegrAção - Você acha que as entidades est ão mais transparentes com seus investidores e beneficiários na apresentaç ão do orçamento de seus projetos, na clareza da destinação dos recurso s e na prestação de contas?

Célia Cruz - Eu acho que está melhorando muito. Hoje, temos que cobrar uma co-responsabilidade, os doadores também devem saber o que está sendo feito com o seu dinheiro e devem participar disso. Muitas organizações hoje são muito mais transparentes nesse sentido. Mas isso ainda é um processo que leva tempo, é um processo do doador cobrar e da ONG ser mais transparente.

Revista IntegrAção - Existe diferença na estratégia de captação de recursos entre uma entidade de apoio, como o IDIS, e uma ent idade que promove diretamente a ação social, como a APAE, por exemplo ?

Célia Cruz - Tem diferença sim. O Dr. Marcos Kisil divide as organizações em organizações de apoio , como o IDIS, o Instituto Fonte; organizações de serviços , como uma creche, a APAE; e organizações de advocacy .

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Se eu sou uma organização de apoio é muito comum que uma parcela alta dos meus recursos venha de apoio técnico e cursos, mas dificilmente consigo captar recursos com indivíduos. Já uma organização como a APAE, uma creche, tem uma grande parcela de doações de indivíduos, uma boa parte do Governo, uma parcela de empresas e em geral um pouquinho de eventos. É um outro tipo de estrutura de captação. Numa organização de advocacy, provavelmente, a maior parte dos recursos vai ser de agências internacionais. Então, cada organização vai ter uma estratégia.

Revista IntegrAção - Qual o caminho para tornar pes soas e empresas doadores fiéis?

Célia Cruz - Uma das primeiras coisas é pensar que tipo de benefício você pode oferecer em contrapartida. É um pouco a sua co-responsabilidade também. Vocês me ajudam financeiramente e eu também dou algum tipo de retorno, mesmo que seja apenas o impacto social que eu causo. O doador se sente feliz por doar não porque ganha uma camiseta, mas porque possibilita o atendimento de 1000 crianças no hospital. O benefício não obrigatoriamente vai fazer a pessoa continuar doando, mas ele tem o papel de fidelização. Porque você acaba mantendo um contato mais constante com o seu doador. Ter uma prática de retorno é importante, como enviar relatórios.

Revista IntegrAção - Convencer uma pessoa que tem u ma ligação com a causa é mais fácil, por exemplo, alguém que tenha u m familiar com problemas visuais, doar para uma entidade que traba lha com deficientes visuais. No entanto, como convencer alguém que não tem qualquer ligação emocional com a causa?

Célia Cruz - Você tem que sensibilizar pelos resultados. O que motiva alguém a doar é a missão: se eu gosto da missão, da causa. Depois, credibilidade na instituição. Assim, primeiro eu olho para a missão, a causa, e em seguida eu vou olhar quem tem essa causa, eu vou olhar para as instituições, se elas tem credibilidade. Por último, vou olhar para o projeto.

Revista IntegrAção - A prática de remunerar o capta dor de recursos por comissionamento é muito comum. Muitos não concordam com isso, como a ABCR4; muitos consideram uma prática normal. Qual a sua opinião?

Célia Cruz - Eu falo sempre que é assim: comissão versus missão. A lógica que motiva o Terceiro Setor não é a lógica da comissão. Eu trabalho no Terceiro Setor por uma missão que me motiva. Quando estou trabalhando por uma missão e vou pedir recursos, não estou pedindo em meu benefício próprio, mas em nome da missão de uma instituição, que tem sua credibilidade. Não é o uso da Célia, com a sua credibilidade, para seu benefício próprio. Se estou pedindo por causa da missão, quero que todo o dinheiro que estou pedindo seja utilizado nela. Eu não concordo que parte desse recurso seja para meu benefício próprio porque conheço você ou porque consegui essa captação.

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Todos os profissionais do Terceiro Setor são pagos por salários e por essa motivação de missão. Porque só o captador de recursos tem que ser mais motivado por dinheiro? Discordo. Mas esta não é ainda a prática mais comum no Brasil, em grande parte, porque a Lei Rouanet5 permite comissionamento.

Revista IntegrAção - Quais são os erros mais comuns cometidos pelas entidade na hora de captar recursos?

Célia Cruz - Falta de um bom planejamento, de um bom orçamento por trás e saber parar um projeto se o dinheiro não tiver sido captado. Além disso, não ter a visão dos ativos que a comunidade tem. Às vezes, as pessoas não têm essa visão, saem captando só olhando para as necessidades sem pensar em valorizar os ativos para daí saber o que falta na sua comunidade.

1 IDIS - Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social é uma organização sem fins lucrativos criada para dar apoio técnico a empresas, comunidades, famílias e indivíduos que queiram investir e atuar de forma estratégica e inovadora com suas ações sociais. 2 Marcos Kisil é presidente do IDIS. 3 Peter Spink é professor da FGV/EAESP e coordenador do Programa "Gestão Pública e Cidadania", que busca identificar e disseminar inovações na prática pública de entidades de governo sub-nacional. 4 ABCR - Associação Brasileira de Captadores de Recursos 5 Lei Rouanet - Lei nº 8.313/91, criou o Programa Nacional de Apoio a Cultura

Eventos Especiais: uma das muitas estratégias para se captarem recurso s. Será que é só isso?

Por Renata Brunetti Figueiredo*

Ultimamente, Eventos Especiais passaram a fazer parte de nossas agendas. Quem já não esteve em um evento beneficente, um bingo, um jantar? Mas o que seriam esses eventos? Por que estariam cada vez mais presentes em nossas vidas?

Não é de hoje que as pessoas se reúnem com motivos ou razões especiais. Já existem alguns encontros tradicionais nesse sentido. Na sua maioria, estavam ligados a instituições religiosas. As famosas festas juninas, por exemplo, tinham como objetivo reunir toda a comunidade e arrecadar recursos para atender os mais necessitados.

Usei esse exemplo para demonstrar que o Evento Especial, na realidade, é uma das muitas estratégias que hoje existem para se captar recursos. Sua principal qualidade não está na captação imediata de recursos financeiros. Essa estratégia utilizada pelos captadores de recursos, diferentemente das demais, contém

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inúmeras outras vantagens e oportunidades pouco aproveitadas (das quais falo mais adiante). No momento, ressalto a atual e crescente necessidade do desenvolvimento de técnicas de organização de eventos, fazendo com que esses melhorem seus resultados financeiros e se tornem cada vez mais eficientes em propostas de envolvimento e de participação social, assim como a preocupação com seus riscos.

Sempre existiram grupos que se organizavam e pensavam em como levar qualidade de vida a todas as pessoas. Nos anos 70, muitos dos movimentos de luta pelos direitos humanos tinham influência da Igreja Católica, que por sua vez tinha a Teologia da Libertação e as organizações das comunidades de base como eixo de seus trabalhos. Como disse Leilah Landin em sua apresentação no Seminário Internacional "Perspectivas para o Terceiro Setor no século XXI", organizado pelo Senac em setembro de 2002. "...sociedade civil, antigamente, era um termo de conflito, de oposição, de luta, de projetos e criação..." A intenção desses movimentos era uma luta política demandando ao Estado uma série de coisas que ele não provia: serviços públicos, creches, escolas, transportes...

Inicialmente, nos anos 80, as ONGs apareceram com este perfil: um grupo de cidadãos que se organizavam para desenvolver atividades de afirmação universal dos direitos humanos, o que necessariamente passaria por uma relação com políticas públicas.

Já nos anos 90, iniciou-se um novo movimento - o Terceiro Setor- que trouxe um novo discurso sobre as relações de parcerias da sociedade civil com o Estado e com as empresas. Só que, segundo Silvio Caccia Bava, um dos fundadores da Abong (Associação Brasileira de Ongs), é importante ressaltar que, em alguns casos, com um outro marco de referência: políticas compensatórias e assistencialistas. Muitas vezes o movimento tem uma ação de complementaridade aos serviços do Estado, no sentido de minorar as carências sociais dos mais necessitados e não mais como nos antigos movimentos que visavam articulações políticas para uma mudança no quadro social.

Aproveito mais uma vez a apresentação de Leilah Landin, quando afirma que, hoje, o "..Terceiro Setor, é um termo que chega homogeneizando, onde vale tudo, privilegia a colaboração e não o conflito; isso implica um risco de despolitização". Esses são os riscos que havia comentado anteriormente. É importante estimular a sociedade a essas reformas e impulsionar a idéia da solidariedade aos brasileiros, não perdendo de vista o risco deste "assistencialismo" presente sobressair-se às intervenções a favor das reformas "estruturais" e profundas.

Embora essas divergências de focos das atuais ONGs mostre a indevida apropriação de termos como "cidadania", "solidariedade", "responsabilidade social", muitas atividades, na realidade, apenas visam a minoração das diferenças (minorar as diferenças) sociais ao invés da reversão definitiva de seu quadro por meio de políticas públicas. Digo isso por acreditar que, sem mudança radical, não podemos falar em construção de uma sociedade emancipada.

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Não pretendo me aprofundar mais nesse tema, uma vez que estou me servindo dele para contextualizar os Eventos Especiais, aqueles que têm como objetivo captar recursos para organizações sem fins lucrativos.

Apesar das organizações sem fins lucrativos serem tão antigas quanto o descobrimento do Brasil, podemos dizer que o atual papel dessas organizações e o termo que passou então a defini-las foi Terceiro Setor, que surgiu nos anos 90. Esse é composto de organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas de forma voluntária pela sociedade civil, num âmbito não-governamental. Com isso, veio à tona a discussão da urgente necessidade das organizações não-governamentais se tornarem auto-sustentáveis, buscando recursos de financiadores, empresas privadas, pessoas físicas, parceiros, projetos geradores de renda, Eventos Especiais e outras estratégias.

Evento Especial é uma expressão utilizada pelos americanos para os eventos de captação de recursos. Alguns dos mais freqüentes: jantares, bingos, leilões, campanhas, caminhadas. O propósito mais freqüente de um Evento Especial é a divulgação da instituição.

É uma das estratégias de captação mais desgastantes para a instituição, em termos de tempo de investimento na organização, número de pessoas envolvidas e valor captado. No entanto, é uma das estratégias que melhor oferece a oportunidade de somar outros propósitos. A um evento, podemos somar uma homenagem aos colaboradores e parceiros; podemos somar divulgação de um novo projeto; mobilização de ativistas para uma causa; podemos somar agradecimentos; podemos somar uma exposição dos trabalhos realizados por nossa instituição etc.

Embora uma estratégia desgastante, é importante destacar que uma das vantagens do evento está no grande potencial de recursos que pode levantar e o fato de ser uma das estratégias que oferece maior mobilidade na aplicação dos recursos levantados, uma vez que esses entram soltos, podem ser, por exemplo, utilizados no pagamento do custo operacional institucional,

Quando vamos fazer um Evento Especial, vamos nos expor. Seremos o centro das atenções. Isso é bom por um lado, pois queremos que as pessoas nos percebam, vejam nosso trabalho e nos apóiem. Por outro lado, expomos também nossas fraquezas. Um cuidado que devemos ter quando vamos nos expor é colocar nossa casa em ordem. Portanto, aqui aparece uma ótima oportunidade para isso. Atualize sua missão, reveja seus projetos, se organize.

Motive os membros do Conselho e seus voluntários, eles irão ajudá-lo a expandir a rede de contatos de sua Organização. Estude junto com eles uma forma de divulgar, durante o evento, a missão e os trabalhos da sua Organização.

Um fator que alivia a tensão da correria de um evento é levar em conta que é uma estratégia que tem dois momentos de captação: a captação a curto prazo, com a

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venda dos convites, e a captação a longo prazo, quando após o evento consegue-se incluir os participantes na mala direta da organização e depois voltar a captar com eles.

Crie uma sinergia em seu evento. Essa é uma força muito poderosa dos eventos e muito pouco aproveitada; fidelize seu evento, cadastre seus convidados. Aproveite essa sinergia logo após seu evento enviando cartas agradecendo a participação. Solicite opinião sobre a festa assim como participe os resultados obtidos e faça convites para visita à instituição. Em seguida, tais pessoas passam a fazer parte de sua mala direta, sempre sendo lembradas por sua presença no evento e sendo envolvidas nas demais atividades da instituição.

O sucesso de um evento depende se sua organização. Não pretendo, aqui, oferecer uma receita completa de como fazê-la. De qualquer forma, é importante pensar que podemos dividi-la em três fases, três planilhas de atividades: uma para atividades antes do evento, uma para atividades durante o evento e uma para as atividades depois do evento.

Por todas essas razões, sugiro ter claro antes de dar início à programação de um evento, um estudo bem detalhado de seus propósitos, seus objetivos e sua situação diante de uma exposição maior.

* Renata Brunetti Figueiredo , é mestranda em Psicologia Social na PUC/SP. Coordenadora do curso de Captação de Recursos da FOS - Federação das Obras Sociais desde 2001. Participa desde setembro de 2000 do Seminário "Princípios e Técnicas de Captação de Recursos", uma parceria da FGV/EAESP, da Fund Raising School - Indiana University Center on Philantropy, e do CEDES (Centro de Estudios de Estado e Sociedad) - Buenos Aires, com o módulo sobre eventos de Captação de Recursos. É consultora na área de captação do Carpe Diem, entidade que trabalha com a inserção se jovens e adultos com deficiência mental. E-mail - [email protected]

� Fontes de financiamento:

� Embaixadas � Fundações e empresas � Organismos internacionais � Governo Federal - financiamento público para organi zações do terceiro setor � Cadastro de Fontes Nacionais e Internacionais de Co operação para Projetos Ambientais *

• Realizado pela Companhia Pernambucana do Meio Ambiente CPRH, o cadastro fornece informações sobre agentes de fomento à pesquisa que cooperam no desenvolvimento de projetos ambientais. O trabalho mostra

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também os princípios básicos das relações de cooperação e algumas observações dirigidas àqueles que se dispõem a iniciar qualquer projeto voltado para o meio ambiente.

• Clique aqui ou no título acima para fazer o download do documento (em PDF).

Noções gerais

Textos sintéticos que tratam a captação de recursos de forma ampla e diversificada: as principais exigências e como definir estratégias adequadas de mobilização dos recursos que sua organização necessita.

Referências bibliográficas

Relação de publicações para consultas sobre o tema - livros, textos, artigos e manuais - com experiências e orientações para quem deseja implementar estratégias de captação de recursos.

Links

Endereços na Web onde você pode encontrar referências sobre captação de recursos para organizações do terceiro setor.

Aprenda com quem faz

Experiências diversificadas de organizações na área de captação de recursos. Como iniciaram, estratégias desenvolvidas, dificuldades, resultados e lições aprendidas.

KÁTIA, VER ESSE LINK: http://www.abcr.com.br/capdifrec.htm - Associação Brasileira de Captadores de Recursos

Patrocínio cultural deve estar integrado ao mix de comunicação

"Os principais formatos de patrocínio cultural são instrumentos fundamentais na estratégia de comunicação das marcas.” A afirmação é de Yakoff Sarkovas, há 14 anos fundador e presidente da Articultura Comunicação. Nesta entrevista ele fala sobre a importância das ações de marketing cultural realizadas a partir das necessidades das empresas, e não por impulso, motivações de natureza pessoal ou em razão de benefícios fiscais. Sarkovas defende a integração entre o patrocínio e as demais formas de comunicação – caso da publicidade ou promoção – e acha que as leis de incentivo à cultura são úteis para as empresas

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como redutoras de custos de ações bem planejadas. Crítico da Lei do Audiovisual, que aponta como a mais perdulária lei de incentivo já criada em todo o mundo pelas vantagens que proporciona às empresas usuárias, ele defende a criação de linhas de financiamento às atividades culturais por parte do governo.

Marketing News — Qual o papel do patrocínio cultural?

Yakoff Sarkovas — O patrocínio, seja ele cultural, social, ambiental ou esportivo, é uma ferramenta indispensável na estratégia de comunicação das marcas, cumprindo uma função muito importante no planejamento de comunicação. Pelo patrocínio, a marca pode concretizar a transmissão dos seus atributos e envolver com muito mais força o coração e a mente dos seus públicos-alvos. Isso porque ele possibilita coisas de grande interesse para esses públicos, o espectador percebe que aquela peça de teatro ou aquele campeonato puderam ser realizados porque patrocinadores os apoiaram. Faz parte de nosso trabalho, também, quando planejamos um projeto de patrocínio, proporcionar ao público a percepção de que o patrocinador foi quem possibilitou aquele projeto.

MNews — Gostaria que você particularizasse a importância do patrocínio cultural neste cenário.

Sarkovas — O lazer e o entretenimento cultural têm ocupado um espaço cada vez maior na vida das pessoas. Se deslocarmos essa importância para o campo das estratégias de comunicação das empresas, veremos que é muito apropriado às marcas se posicionarem ao lado de um movimento que mobiliza pessoas. Além disso, a cultura oferece muitas oportunidades para uma marca se colocar, cria envolvimentos emocionais em nichos de interesse muito específicos. Um banco, por exemplo, que queira passar a idéia de tradição e conservadorismo, encontra na cultura um tipo de atividade que guarda relação com essa imagem. Por outro lado, se uma confecção quer passar transgressão, inovação, ela também consegue. Não há imagem que não se consiga estabelecer por meio de uma conexão com o campo cultural.

MNews — As empresas brasileiras têm utilizado bem essa ferramenta de marketing?

Sarkovas — Sim, é uma área de investimentos crescentes. Se você, por exemplo, abrir o Caderno 2 ou a Folha Ilustrada de 15, 20 anos atrás, verá que a oferta cultural em uma cidade como São Paulo era muito menor do que atualmente. Ela aumentou basicamente em virtude do patrocínio cultural, que irrigou recursos que permitiram a ampliação quantitativa e qualitativa da oferta cultural. Hoje notamos que grande parte das empresas desenvolvem ações de patrocínio contínuas, muitas até mesmo institucionalizaram-no a ponto de terem um profissional especializado ou, às vezes, uma área especializada dentro do seu departamento de comunicação e marketing.

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MNews — De que forma uma agência especializada deve planejar um projeto de patrocínio para que ele proporcione um bom retorno à imagem da empresa?

Sarkovas — A nossa primeira tarefa é entender a empresa, seu mercado, seus concorrentes, da mesma forma que qualquer outra agência de comunicação séria. A partir das necessidades da empresa, estabelecemos a diretriz de comunicação, desenvolvemos o planejamento estratégico de uma ação de patrocínio, localizamos ou desenvolvemos uma atividade sob medida. Finalmente temos de implementar e supervisionar esse processo, que pressupõe um trabalho associado com os outros fornecedores de comunicação da empresa.

MNews — Como ocorre essa associação com outros fornecedores?

Sarkovas — Uma ação de patrocínio não substitui a publicidade ou os trabalhos de assessoria de imprensa, promoção ou marketing direto. Faz parte de nossa rotina criar briefings para que as agências de publicidade, promoção e/ou assessorias de imprensa desenvolvam planejamentos específicos em relação ao projeto adotado. Nós “brifamos”, aprovamos as peças com o cliente e trabalhamos em parceria com os demais fornecedores, para que a comunicação do patrocínio seja potencializada perante o público que a empresa quer atingir.

MNews — Vocês precisam estar sempre muito próximos dos clientes? É possível fazer bons trabalhos em regime de jobs?

Sarkovas — A empresa pode obter benefícios com um patrocínio isolado. Mas, em regra, o patrocínio mais adequado é o que tem uma estratégia de comunicação contínua. Um ideólogo norte-americano diz que o patrocínio cultural é para as empresas que querem construir uma reputação, e isso é algo que pressupõe um trabalho de longo prazo. A reputação não se constrói do dia para a noite, não pode ser obtida com um truque promocional.

MNews — Existem formas distintas de patrocínio adotadas por empresas. Algumas incorporam suas marcas no nome dos eventos, como o Free Jazz ou o Pão Music. Outras patrocinam a realização de um evento, mas têm suas marcas envolvidas de maneira indireta. Gostaria que você analisasse a eficácia de cada uma dessas estratégias.

Sarkovas — A forma mais simples e direta de fazer com que a marca penetre em um espaço editorial da mídia é integrar seu nome à ação. Essa estratégia, que já vem sendo adotada há muitos anos no Brasil, ultimamente adquiriu um novo campo de atuação, que é o da marca compor o nome do local onde os eventos ocorrem. É o caso, por exemplo, do Credicard Hall. Esse tipo de ação exige verba elevada, mas permite um mix maior de benefícios. Por outro lado, nem sempre isso é o que a empresa espera. Há situações em que faz parte da estratégia ter uma atuação muito mais low profile, reduzir sua presença a um caráter nobre, institucional. Há, ainda, ocasiões em que as empresas investem pensando em retorno institucional e no lucro que o evento pode proporcionar. Temos no

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momento um grande case desses no Brasil, que é o da America Online, empresa que se tornou sócia da produção do Rock In Rio. Nesse caso há um componente de risco. O investimento pode ser elevado, mas se o evento faturar muito com a venda de ingressos ou a comercialização de imagens para a televisão, a verba pode ser bastante reduzida, eventualmente a zero. Em resumo, existem formas distintas de uma empresa patrocinar eventos, com objetivos inteiramente específicos como os ligados a aparições na mídia, ações de endomarketing, publicidade, promoção ou relacionamento com públicos de interesse, entre outros.

MNews — O mais importante é que ele seja planejado dentro das necessidades da empresa?

Sarkovas — Sem dúvida. No fundo, o que difere um patrocínio do outro é uma coisa bastante óbvia: há o patrocínio bem feito, desenvolvido por meio de um planejamento eficaz; e o patrocínio malfeito, criado por impulso, por motivações de natureza pessoal ou em virtude de benefícios fiscais.

MNews — Na sua opinião, então, um bom projeto de patrocínio nem precisa contar com uma lei de incentivo à cultura?

Sarkovas — Acho que não. Há 15 anos faço questão de destacar o enorme potencial que a cultura oferece à comunicação de uma empresa. As leis de incentivo devem entrar no final da negociação, como uma possibilidade de tornar aquilo que é bom um pouco mais barato. Às vezes pensam que sou contra as leis de incentivo. Na verdade sou a favor, desde que elas não sejam o pretexto primeiro da relação entre arte e empresa. A relação tem de ser estabelecida pelo que a arte pode oferecer às empresas, como uma estratégia de comunicação, e não pelos benefícios indiretos. Quando o ponto de partida é contrário a esse princípio, no meu entender, a lei de incentivo passa a ter uma função perversa e antipedagógica, ela cria uma anticultura de patrocínio.

MNews — Como você avalia as leis nacionais de incentivo à cultura?

Sarkovas — A lógica de uma lei de incentivo é utilizar o dinheiro público para estimular o investimento privado. Ou seja, ao estimular uma empresa privada a colocar uma parte do seu dinheiro em determinado projeto, a instituição pública devolve parte do que foi colocado. Nesse sentido, as leis de incentivo atuam como um remédio, contribuem para enriquecer a vida cultural daquela comunidade. Isso ocorre, com ressalvas, com a Lei Rouanet. Quando uma lei de incentivo não estabelece contrapartida, quando uma empresa chega a ser comissionada para colocar um dinheiro que não é dela em um projeto, não há estímulo ao investimento privado. Nesse caso, a lei atua como um veneno. É o que ocorre com a Lei do Audiovisual, criada para estimular o cinema.

MNews — Você poderia explicar com mais detalhes os problemas da Lei do Audiovisual?

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Sarkovas — Com esta lei ocorre o seguinte. Um exemplo: uma empresa pega R$ 100 e compra uma cota de filme. No mesmo momento, ela pode abater de maneira integral os R$ 100 de seu imposto a pagar, ou seja, até aí ela não investiu um único centavo. Além disso, a lei permite que a empresa jogue os mesmos R$ 100 como despesa operacional, fazendo com que seu lucro caia e ela pague ainda menos imposto de renda. Como a alíquota do imposto, em média, é de 25% sobre os lucros das empresas, o empresário deduz mais R$ 25. Ou seja, ela deduz R$ 125 dos R$ 100 que investiu. Nós, a população brasileira, estamos comissionando uma empresa em 25% para que ela invista em um filme.

MNews — Além do retorno financeiro, a empresa que utiliza a Lei do Audiovisual também passa a imagem de patrocinadora, conta com um retorno institucional?

Sarkovas —Sim, chega a ser insuportável o volume de marcas que aparecem em abertura ou no encerramento de um filme, hoje isso beira o ridículo. E as empresas também são cotistas do filme, lucram com seu retorno comercial.

MNews — Existe algum modelo parecido no mundo?

Sarkovas — É certamente o mais perdulário sistema de financiamento à cultura jamais implementado na história das políticas culturais, nunca houve uma mecânica similar a essa no mundo. Esse equívoco já foi percebido há muitos anos, mas por questões políticas não foi corrigido. Pelo contrário, temos percebido a tendência de ampliar esse equívoco para outras áreas. Como parte deste aspecto nocivo da Lei do Audiovisual, algumas áreas previstas pela Lei Rouanet também passaram a gozar de benefício similar.

MNews — Nos últimos meses, surgiram muitas acusações de fraudes na utilização da Lei do Audiovisual. Há quem acuse as empresas de superfaturarem as cotas apresentadas ao governo. A falta de uma fiscalização eficiente seria outro agravante da lei?

Sarkovas — Eu estaria sendo leviano se dissesse que existem fraudes, não tenho envolvimento direto com essas operações. Acompanho essas insinuações pela imprensa. De qualquer forma, como a Lei do Audiovisual- estabelece uma lógica de remuneração a priori, criar orçamentos desconectados com a realidade é algo bem possível. Mas ainda penso que contar com uma política pública tão mal formulada como essa é muito mais grave do que eventualmente ver um filme mal gerido. O malefício não se restringe à má utilização do dinheiro público. Não há estímulo a uma cultura de patrocínio e/ou de investimento no cinema, porque quando uma empresa não usa seu próprio dinheiro não aprende nada. Uma empresa só desenvolve a capacidade de patrocinar quando parte de seu orçamento de comunicação e marketing está sendo empregada com inteligência; isso tem um poder pedagógico, educa o empresário.

MNews — O investimento em cinema hoje é visto como um simples artifício tributário?

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Sarkovas — Sim. Se você desligar a Lei do Audiovisual da tomada hoje, verá que não foi formado um único investidor, aquele empresário que investe seu capital numa atividade cultural esperando que ela dê lucro pelas regras de mercado. Com essa lei, o filme não precisa dar lucro, é financiado na origem. A lógica da remuneração de todos envolvidos, inclusive da própria empresa, já se faz de saída, não prevalece nenhuma lógica de mercado.

MNews — Essa filosofia prejudica a qualidade dos filmes brasileiros?

Sarkovas — Não quero entrar no mérito da qualidade dos filmes. Na verdade, acho que a única parte boa desse processo é que, bem ou mal, ele acabou criando um terreno minimamente propício à realização de filmes, e dessa massa crítica há produções muito boas.

MNews — Não seria melhor o Estado investir diretamente em cultura?

Sarkovas — Na verdade, a cultura deve ser financiada por frentes diversas; uma fonte de recursos não exclui a outra. O fato de empresas terem interesse hoje em financiar atividade cultural por causa das suas estraté-gias de comunicação, fazendo com que parte dos budgets, dos orçamentos de comunicação sejam canalizados à cultura, não é pretexto para o Estado se eximir do seu papel de financiador de atividades culturais.

MNews — De que forma o Estado poderia fazer isso sem ser por meio de leis de incentivo?

Sarkovas — O patrocínio à cultura no Brasil vai se desenvolver muito mais no dia em que o Estado criar mecanismos de financiamento direto à cultura. Essa medida daria chance às atividades que têm importância cultural mas hoje não encontram crédito, pois não têm lógica para as estratégias de comunicação da empresa. Atualmente se verifica um caos; todas as atividades culturais tendem a bater nas portas das empresas e, provavelmente, 90% dos projetos não interessam ao mercado empresarial.

MNews — Você acha justo que projetos que contam com benefícios fiscais do governo cobrem ingressos a preços proibitivos para a maior parte da população?

Sarkovas — É uma pergunta complexa, que poderíamos responder de formas diferentes. Se pensarmos que um evento bem realizado, mesmo não permitindo o acesso de grande parte do público, estimula a cultura por meio de discussões positivas na mídia, cria um ambiente favorável à arte e gera muitos empregos, acho que sim. Nada impede, no entanto, que a lei preveja o barateamento dos ingressos ou, por exemplo, a apresentação de um espetáculo em um local público. Talvez seja uma boa sugestão, mas o fato disso não ocorrer não torna a lei de incentivo em algo maléfico.

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MNews — A proibição do uso de marcas de cigarro pode prejudicar o marketing cultural? Como ficam projetos bem-sucedidos, como o Free Jazz?

Sarkovas — Certamente haverá um impacto. O Free Jazz, por exemplo, que é um dos cases de grande sucesso em termos de marketing cultural no Brasil, deixará de existir se a proibição for confirmada. Mas creio que o impacto será bem menor do que o que aconteceria há alguns anos. Acho que as marcas de cigarros, hoje, são minoria no mercado de patrocínio. Vários segmentos da economia já descobriram o patrocínio como estratégia de comunicação eficiente, e outros devem surgir para ocupar esse terreno vazio.