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Passeio da Literatura pela Cidade Antiga1

Luís Augusto Fischer

Uma das boas coisas de Porto Alegre é a quantidade de referências que ela tem merecido dos escritores, em qualquer dos gêneros da palavra, dos mais prestigiados aos mais cotidianos. Mesmo sem fazer muito esforço, o porto-alegrense tem ou pode ter em seu coração um punhado de poemas de Mario Quintana ou de Athos Damasceno Ferreira, umas quantas cenas de Erico Verissimo ou de Dyonélio Machado, para nem falar dos escritores da geração seguinte, em especial Moacyr Scliar, ou dos novíssimos, como Paulo Scott, Daniel Galera e Carol Bensimon.

Mais raro, e em certa medida mais interessante, é acom-panhar a visada dos escritores sobre a capital gaúcha antes de 1930, quer dizer, antes de Porto Alegre ganhar viadutos e editoras de projeção nacional, antes de Getúlio subir ao poder e levar consigo uma penca de escritores e intelectuais. Escritores do tempo em que a cidade era uma vila crescida, comparada ao que veio a ser; uma aldeia, talvez; um burgo relativamente simples, com limites bem acanhados.

Este é o propósito deste pequeno texto, que celebra o projeto Viva o Centro a Pé.

1 Este texto começou com um artigo para o livro Sobre Porto Alegre, editado pela Editora da UFRGS em 1995. Depois foi trabalhado para edição em partes no extinto jornal Rua da Praia. Agora, refundido, está aqui.

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Primeiras impressões sobre a cidade

Um passeio panorâmico sobre Porto Alegre escrito pode começar com o cronista Augusto de Saint-Hilaire (1779-1859), que por aqui passou em 1820, deixando consignadas várias observações sobre a cidade, umas positivas e outras desairosas: “Fácil perceber-se, desde o primeiro instante, que Porto Alegre é uma cidade nova: todas as casas são novas, e muitas ainda em construção; mas, depois do Rio de Janeiro, não tinha ainda visto uma cidade tão imunda”. O aspecto novo da cidade, de poucos decênios de vida, está maculado de sujeira, que o olhar estrangeiro denuncia.

Ingenuamente percebe outro paradoxo, desta vez quanto à estranha relação do porto-alegrense com o clima: “Du-rante vários dias o tempo se manteve muito frio; hoje (4 de julho) está sombrio, como na França, antes de nevar, tendo chovido uma boa parte do dia. Cai geada quase todas as noites (...). Esse frio se repete anualmente; todos se queixam dele, o que é de admirar-se, pois nin-guém toma providências para defender-se do inverno; só cuidam de agasalhar o corpo com roupas pesadas. Os porto-alegrenses vestem, no interior de suas casas, um espesso capote que lhes embaraça os movimentos e não os impede de tremer de frio; ninguém pensa em aquecer os aposentos, trazendo-os bem fechados e neles acenden-do uma lareira”. Não é mais ou menos assim, até hoje, uma relação esquisita entre nós e o clima, como se não tivéssemos possibilidade de fazer diferente do que faziam os portugueses ou os gaúchos em geral?

Como uma criança que não avalia bem as potencialida-des que tem, Porto Alegre não havia ainda aprendido a lidar com tais circunstâncias geográficas; mas com as

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coisas sociais Saint-Hilaire garante que era diferente: “Aqui não há tanta vida social como nas cidades euro-peias; porém há muito mais do que nas outras cidades do Brasil”. Lembremos que o viajante francês cruzou o Brasil, da Bahia ao sul, passando por praticamente todas as cidades que já despontavam, de forma que sua observação pode indicar-nos com precisão um certo jeito de ser de nossa cidade.

Quando se põe a observar os comportamentos, afirma: “Aqui, as mulheres não se escondem”, ao contrário do que ocorre em cidades interioranas; quanto aos ho-mens, são “desembaraçados, mas sem a brandura que caracteriza os mineiros”; na vida cotidiana, “por ter sido esta Capitania, durante muito tempo, teatro de guerra, o governo militar empregou aqui mais força que nas ou-tras províncias”, fato do qual decorre que “os habitantes acostumaram-se a suas (do governo) irregularidades, e cada um comete, por sua vez, injustiças e humilhações”.

Em certo momento, porém, Saint-Hilaire ousa uma me-táfora. Quando observa o conjunto da cidade – que na época não era mais do que o miolo do velho Centro, na ponta geográfica que vai da atual Borges de Medeiros até a Usina do Gasômetro –, conclui: “A cidade de Porto Alegre se eleva em anfiteatro, sobre um dos lados da colina”. Se olharmos com algum cuidado para o mapa, o anfiteatro está assim disposto pela natureza e assim ocupado pela cidade: imaginemos a Rua da Praia como a primeira fila da plateia, sendo a última, a mais alta, a Rua da Igreja, atual Duque de Caxias; à frente delas, o palco do Guaíba, e ao fundo o horizonte largo do norte geográfico. A ideia de uma Porto Alegre-anfiteatro que se acomoda nas poltronas do morro para olhar para o norte não é absurda como imagem: é para lá mesmo que nossa atenção se dirige, é de lá que vêm as regras da vida nacional.

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Saint-Hilaire não disse, mas nós podemos acrescentar: haveria, na geografia da cidade de 1820, outro anfitea-tro, no sentido oposto – tendo como primeira fila a Praia do Riacho, hoje a Avenida Perimetral, entre a Usina e o Centro Administrativo do Estado, e como última e mais alta a mesma Rua da Igreja, às costas da Catedral e do Palácio do Governo estadual; mas esse anfiteatro de frente para o sul, que nos abriria o olhar para o outro polo de civilização desta região do Continente, para Mon-tevidéu e Buenos Aires, nós a evitamos culturalmente, ou porque somos brasileiros e portanto anticastelhanos, ou porque – motivo mais prosaico – é de lá que vem o frio, tão nosso, tão a nossa cara.

A chegada d’A Divina Pastora

Os raios dourados do astro do dia principiavam a

projetar-se sobre os cabeços das montanhas que

encadeadas se ostentam soberbas de terem sobre

si edificada a mais bela cidade do Sul do império

diamantino, cujos pés vem lavar o rio Guaíba tra-

zendo-lhes as incalculáveis riquezas que fornecem

as floridas margens do longo e caudaloso Jacuí, do

sinuoso Gravataí, do saudoso rio dos Sinos, e do

sempre recordado Caí. O bulício da cidade chamava

a atenção do habitante do Caminho de Belas que ao

levantar-se sentia os zéfiros embalsamados pelos

florentes alecrins, dourados e verdes manjericões,

e mil flores cujo matiz agrada à vista e chama o

pensamento do filósofo à contemplação de Deus. O

habitante do Caminho Novo também é despertado

e como o do Caminho de Belas vê o manto da noite

fugir apressado ante os primeiros anúncios do dia,

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e o prateado espelho das águas do Guaíba refletir

buliçoso o ouro e a púrpura de que se reveste o rei

da natureza. Aquele porém que dorme debaixo do

telhado das casas que formam o duplo angular

terreno da Praça do Paraíso veria sem dúvidas, se

levantasse a essa hora, um ancião gordo, armado de

grande chapéu de sol, seguido de sua mulher, uma

linda filha tão pura como a rosa na alva serena, dois

filhos que submissos seguem os passos do ancião,

uma escrava gorda munida de um largo samburá; e

bem depressa adivinharia ser Paulo e sua família.

Das vestes simples que cobrem toda essa família

concluiria que o luxo, sempre prejudicial aos estados,

não tem penetrado o seu seio, e que o necessário só

ordena o interior e exterior de sua existência. Se se

aventurasse a dar alguns passos até algum dos por-

tões da Praça do Mercado, veria que os frutos mais

sazonados dentre os pêssegos, maçãs, marmelos,

laranjas, melões, etc., que os legumes mais sãos,

que as ervas e carnes mais escolhidas eram o que

compunha o seu alimento diário.

Imagine-se um vilarejo de 15 ou 20 mil pessoas — Porto Alegre em 1850 — que seja chamada de a mais bela cidade do Sul, assentada sobre morros que, pelo mero fato de ali estarem sob as casas que compõem a cidade, estão orgulhosos. O autor, José Antônio do Vale Caldre e Fião (Porto Alegre, 1821-1876), edita o livro A divina pastora em 1847, no Rio de Janeiro, e talvez a saudade de sua terra natal o tenha feito aumentar o prestígio que a pequena e acanhada vila tinha.

A história do livro, aliás, é das mais curiosas no Brasil. Desde sempre, isto é, desde que o livro existe, ele tem

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a importância do pioneirismo: depois de A moreninha, que é de 1844, vem o romance de Caldre e Fião. Num país de cultura letrada tão recente, trata-se de um feito notável. A partir de então, o livro cumpriu seu desti-no, até que, já um século depois, nos anos de 1950, Guilhermino César procura um exemplar do primeiro romance brasileiro abaixo do Rio, sem encontrá-lo. Pede para deus e o mundo. Chega quase ao desespero, conforme relata em sua História da literatura do Rio Grande do Sul, na infrutífera busca.

Aí o paradoxo: havia certeza de sua existência, porque um jornal de época relatava seu lançamento e sua venda, mas ninguém, um século depois, tinha sequer um exemplar. Do autor se conhecia o segundo roman-ce, O corsário, de poucos anos depois, e alguns lances biográficos, como sua principal ocupação, farmacêu-tico, sua participação na vida da Sociedade Partenon Literário. A situação se aproximava do sobrenatural, do fantástico, da pura ficção.

Vida que vai, lá por 1900 um livreiro pelotense, Adão Mon-quelat, arrebatou um lote de livros velhos em Montevidéu, inocente de que ali estava a pérola mais desejada por onze entre dez bibliófilos gaúchos — um exemplar completo de A divina pastora. Daí por diante, tudo se normalizou. O livro foi publicado em 1992, pela LP&M, com apresentação de Carlos Reverbel e estudo de Flávio Loureiro Chaves.

E daí o sabor especial do trecho citado. Trata-se de uma das primeiras descrições da cidade de Porto Alegre, que vai aparecendo ao longo das centenas de páginas do romance como um pano de fundo para a desventurada história de amor de Edélia e Almênio, ela uma donzela virtuosa, ele um bravo guerreiro farroupilha. No trecho citado estão o Caminho de Belas, atual Praia de Belas, o

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Caminho Novo, atual Voluntários da Pátria, a Praça do Paraíso, atual Praça 15 de Novembro, além do Guaíba e do Mercado, todos elementos decisivos da história e do presente da cidade. Mas a bravata de grandeza e mara-vilha já fazia parte de nossa mentalidade...

Chegando o fim do século 19

À medida que o tempo passou, Porto Alegre foi-se inven-tando pela geografia e pela história proporcionadas na circunstância. O velho Centro já não era a única aglome-ração existente, o caráter urbano foi-se acentuando, ia-se perdendo o ar colonial. Na altura da década de 1860, Apolinário Porto Alegre (nascido em Rio Grande em 1844, viveu até 1904, na maior parte do tempo aqui na capital, como grande professor, republicano de primeira hora, entusiasta da cultura, animador do Partenon Literário, além de escritor e pesquisador dos usos e costumes da língua e da cultura locais) começa a anotar traços da cidade em sua ficção. No conto Mandinga (1867) fala da história da negra Luísa, que vive no arrabalde, na encos-ta do Morro Santana, em torno de uma atafona em que se produz farinha de mandioca. Já na narrativa Pilungo (1874), Apolinário conta a história do menino Zeca na época já remota de 1835, localizando as duas classes de criança que se formavam à semelhança das facções farroupilha e caramuru, isto é, insurretos e legalistas: “Eram os Tinteiros e Bagadus. Desde a Ponta das Pedras até a rua Clara estavam os últimos: desde a rua Clara em diante existiam os primeiros”.

Traduzindo para os tempos atuais, os bagadus, desvali-dos da sorte, viviam na parte do Centro, entre a Usina e

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a Rua João Manoel, enquanto os tinteiros, que sabiam ler e escrever (daí o nome), viviam da Rua João Manoel em diante, em direção à atual Santa Casa, a leste. Na história que Apolinário conta, Zeca chefia os bagadus, é esperto e valente, e comanda seus iguais na luta contra os meninos ricos, saindo-se sempre bem, como convém a um herói de feição romântica, sabendo esgueirar-se pelas esquinas e pelos terrenos baldios.

Essas duas categorias opostas, tinteiros e bagadus, ou farroupilhas e caramurus, podem ser a representação de uma ambiguidade que é o próprio desenho que as ruas da cidade vai insinuando. A parte nobre do velho Centro, nucleada na atual Praça da Alfândega, mostra um traçado quase geométrico: as ruas prin-cipais, como a da Praia, embaixo, e a da Igreja (atual Duque de Caxias), acima, correm paralelas, sendo cortadas em ângulo reto por transversais igualmente paralelas e tendo curso análogo ao do sol, de leste a oeste; a parte menos nobre, às costas da Catedral, ao contrário, acompanha em seu traçado os percalços que a geografia impõe, correndo à margem tortuosa do rio, desviando das elevações do terreno, evoluindo em curvas mais ou menos aleatórias.

Pode-se ensaiar uma explicação para o caso, tomando como base uma genial intuição de Sérgio Buarque de Holanda no clássico Raízes do Brasil2. Porto Alegre pa-rece mesmo uma mistura entre dois modelos de cidades, cujos paradigmas podem ser Buenos Aires - cujo núcleo central é tipicamente geométrico, semelhando o traba-

2 Sérgio Buarque não dá a fonte, mas a gente lê já no Padre Antônio Vieira a imagem contrastante. Diz uma passagem do Sermão da Sexagésima: “O pregar há de ser como quem semeia, e não como quem ladrilha ou azuleja”.

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lho de um ladrilhador, que organiza pedaços lógicos num desenho pré-concebido –, e Salvador, Bahia – cuja marca é dispersão total, semelhando o efeito do traba-lho de um semeador, que esparze as sementes ao léu, e elas crescem ao deus-dará. Aqui na capital gaúcha, a meio caminho entre o Prata e o Brasil, não estranha essa singular mistura: de fato nossa cidade é ambígua em sua formação, platina-ladrilhada no Centro velho e brasileira-semeada ao redor; platina por sua gauchidade comum ao Cone Sul, e brasileira por certidão de batismo e destino geopolítico.

A virada para o século 20

Como terá sido a Porto Alegre do final do século passa-do? Como terá a sensibilidade daqueles dias registrado o andamento das coisas — desde as mais banais até as mais transcendentes? Que Rua da Praia era aquela, diferente e talvez em certa medida igual à atual?

Podemos ter uma ideia ao ler o trecho da novela Estrych-nina, que o Rua da Praia publica aqui abaixo. Editada em 1897 (pela Livraria Americana de Porto Alegre, na fábrica a vapor de livros em branco, segundo alega o livro), foi escrita a seis mãos por Souza Lobo (1875-1935), Mário Totta (1874-1947) e Paulino Azurenha (1860-1909), então jovens letrados que talvez sequer sonhassem com a glória que o futuro lhes reservava, nem com as home-nagens que a cidade ia prestar-lhes com nomes de ruas.

Consideremos que Porto Alegre era menor, bem menor — talvez tivesse, contando tudo e todos, umas setenta, oitenta mil almas (o que daria um Beira-Rio ou um Olím-

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pico superlotado, só). A República era uma criança de oito aninhos, mal falava, e isso que já tinha precisado enfrentar a tremenda guerra civil hoje conhecida como Revolução de 93, finda a qual, dois anos depois, pôde enfim sentir-se segura, longe da ameaça de sucumbir diante das tentativas de volta à monarquia. A luz elétri-ca era uma novidade total. Estávamos ainda longe de ter um sistema de transportes públicos moderno, e os burros ainda eram a força motora das carroças, tanto quanto dos bondes. Água encanada era uma raridade. No poder político, começava a brilhar a estrela de Borges de Medeiros em meio à geração que consagrou nomes como Júlio de Castilhos, Assis Brasil, Ramiro Barcelos e Pinheiro Machado, para citar só os bem famosos.

Pois a novela de nossos jovens fala desse mundo. Quer dizer, de uma face desse mundo. Não há em suas páginas nenhuma menção ao universo da vida política, nem às certamente dramáticas experiências pelas quais estavam passando os ex-escravos, libertados aqui no Estado um pouco antes da Lei Áurea. O que aqui se lê é bem diverso: trata-se da história de amor que envolve um certo Neco, filho de família mais ou menos tradicional do interior, e uma certa Chiquita, prostituta por quem ele está apaixonado. Nem é preciso dizer que tal amor está fadado ao fracasso: há cem anos (como hoje?) a sociedade sequer cogitaria na hipótese de aceitar um casamento entre quem quer que fosse e uma prostituta, e o nosso bravo Neco não consegue superar o preconceito, nem com todo o amor que por ela sente.

Em meio à narrativa, é a Porto Alegre de então que se desvela. Por exemplo: num dado momento, o casal re-solve que a única saída para sua desventura é o suicídio (com o veneno que dá título ao livro), e que tal gesto ra-dical deve ser precedido por uma tarde de amores num arrabalde da cidade, bairro afastado que abriga hotéis

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tolerantes — os ancestrais dos motéis de hoje. Que bairro longínquo é este? Menino Deus, que ficava a uma barba-ridade de distância da cidade, isto é, do Centro, do qual se saía num bonde (puxado a burro, como já se disse) que ia até a Ponta da Cadeia, onde hoje está a Usina, e dali ia pela Praia de Belas (ou era ainda o Caminho de Belas?) até perto do Asilo da Mendicidade, ainda hoje existente ali perto do Beira-Rio.

Repare nos aspectos marcantes do texto (que teve sua ortografia atualizada para facilitar a leitura). A Rua da Praia é descrita como o cenário das novidades, das marcas de cidade grande que Porto Alegre queria ser, da vida social em torno da Praça da Alfândega (que na época de fato tinha relação com o nome, porque ficava junto ao rio), do agito, como também da democrática convivência entre pessoas de distintas classes — pa-recido com hoje, não é mesmo?

Como o Neco, durante todo o dia, não aparecesse, ao

cair a noite Chiquita dirigiu-se à rua dos Andradas,

na esperança de vê-lo.

Distraída e tristonha, de olhos no chão, lá foi ela

rua afora.

Como era noite de retreta, uma banda de música

tocava na praça da Alfândega, em cuja alameda

mal iluminada grupos de moças e de rapazes pas-

seavam, acotovelando-se, entre monossílabos secos

e risadinhas disfarçadas, olhares indiferentes e

olhares brejeiros.

Ao frontear a praça, Chiquita parou, nas proximida-

des do Colombo, donde saíam tinidos finíssimos de

copos, estampidos de rolhas, ruídos de cadeiras ar-

rastadas, de mistura com um vozear contínuo e surdo.

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A banda musical tocava nesta ocasião a doce, a

melancólica, a cismarenta valsa Coração magoado,

e Chiquita parara para ouvir a expressão rítmica,

harmoniosa e triste do seu pungitivo desgosto.

Do seu embevecimento arrebatou-a a voz de um tran-

seunte, que lhe dissera, passando-lhe familiarmente

a mão pela cintura:

— Ó Chiquita, bons olhos te vejam, onde tens anda-

do? Como estás bonita!

Chiquita, raivosa, repeliu com um empurrão o im-

portuno descarado e carinhoso, que tão familiar e

publicamente a cingira pela cintura.

E continuou o seu caminho, com as lágrimas a salta-

rem-lhe dos olhos à audição daquela valsa triste, que

tantos ouviam alegremente, rindo, namoriscando, na

inconsciência feliz da sua ventura.

Sempre absorta, Chiquita seguiu pela rua dos An-

dradas, que, àquela hora de movimentação e ruído,

sob a luz seca e áspera das lâmpadas elétricas,

resplandecia gloriosa, no seu orgulho triunfante de

flor de capital, com doirados matizes de civilização

e de luxo.

Passavam de um lado e outro transeuntes de todas

as espécies, desde o crioulo espadaúdo e retinto, que

no tombo da farra ia esperar fretes no trapicho da

Fluvial, até ao mais belo tipo de mulher, alta, branca,

escultural e soberba, de andar ritmado e cadencioso,

de cabeça triunfalmente erguida, e com uma rosa

escarlate de fina estirpe agonizando plantada na

neve levemente rosada do seio farto.

O rapazio, ardente e trêfego, cruzava a rua, num

zumbido de zangão, e as moças, as mesdemoiselles,

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como dizia um enfatuado, pedante e nulo, paravam

em frente das vitrinas resplandecentes das joalherias

e das vitrinas multicores das lojas.

À porta da cigarraria do Félix, um grupo de elegantes

estacava, em postura estudada e com pretensiosos

ares de últimos figurinos dos jornais da moda; e, para

cá um bocadinho, numa casa de fazendas, contras-

tando com o aprumo jovial e bizarra flamância dos

elegantes, uns quantos velhos, na sua velha roda,

olhavam embasbacados o mundo exterior, brilhante e

florido, para o qual de há muito haviam eles acabado,

como acabaram os seus lenços de Alcobaça, cheios

de ramagens excêntricas e de fino rapé, legítimo

Paulo Cordeiro.

De quarto em quarto de hora, trilava no ar quente e

claro o apito do cocheiro do bonde, que lá se vinha rua

abaixo, à disparada, num rumor de ameaça iminente

às canelas humanas. E, de quando em quando, um

policial estafado marchava, levando pela frente um

preso correcional para a Detenção.

E continuava a romaria das lojas...

Erravam por toda a parte olhares concupiscentes e

fantasmas de olhares, e a gente sentia-se aturdi-

da e maravilhada como se estivesse diante de um

caleidoscópio original e único, em que passam e

perpassam, brancas e louras, magníficas e mansas,

mulheres de divina beleza e de divino esplendor; e

como que bailava no ar, desvairada e voluptuosa, a

transgressão do sexto mandamento, tão sábio, tão

piedoso, tão previdente e amigo...

E as lâmpadas elétricas, como olhos esbugalhados

de moribundos, iluminavam a rua a trechos, com a

sua luz vivíssima e parada.

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Os letrados no começo do século 20

Um peculiar escritor porto-alegrense chamado De Sou-za Júnior (Porto Alegre, 1896-1945) editou em 1927 a novela Castelo de Fantasmas, nela fazendo constar a história de Viriato, jornalista enfático, quase panfletário, idealista e eterno perdedor, cuja vida transcorre anos antes, aí por volta de 1915, época em que Porto Alegre apresenta o seguinte aspecto:

Porto Alegre atravessava aquele período entre a aldeia

e a cidade. Era como os rapazes de certa idade, que

quebram, ainda, a pedradas, as vidraças da vizi-

nhança, metem o nariz em todas as conversas, mas já

ostentam orgulhosamente o cigarro clandestino e uma

enfermidade secreta. É a hora entre todas antipática

das cidades. Não se exoneraram ainda dos defeitos que

fazem inabitáveis as aldeias e já contraíram os vícios

repulsivos, chamados elegantes, que faziam inabitáveis

as metrópoles. Porto Alegre exibia, com o desembaraço

das raparigas que fazem praça dos grandes diamantes

Sloper, uma vida noturna falsamente movimentada e

brilhante. Porto Alegre trazia à lapela essa triste flor

de estufa que é a corrupção e a velhacaria. Dizia-se

civilizada porque o cancro da prostituição lhe montara

nos quatro cantos um vasto stock de outros cancros e

porque o ruído das fichas sobre o pano verde se con-

fundia com o ruído dos Smith & Wesson com que os

ex-homens liquidavam suas promissórias sem lucros

para os credores. Porto Alegre envergava casaca, mas

o lenço com que enxugava o suor ou as lágrimas era

ainda aquele retângulo de chita que os bons homens

do campo promoveram a portemonnais. Nessas condi-

ções, ao mesmo tempo que se supunha irmã-gêmea de

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Paris, de Buenos Aires, de Viena, pois que se sentia

suficientemente dissoluta e pervertida, Porto Alegre não

podia disfarçar a sua perfeita identidade com qualquer

vilarejo do interior, pois que a mesquinha volúpia da

intriga e da maledicência era-lhe igualmente grata e

peculiar. A esquina do Colombo só diferia de uma botica

de aldeia pela frequência bem mais numerosa e porque

as suas calúnias possuíam requintes de perversidade

que a aludida botica de aldeia só num imprevisto aceso

de megalomania havia de querer gabar-se.

Estávamos em plena adolescência, cultivando espinhas. Seria de esperar, então, que ela viesse acompanhada de arroubos juvenis, de ímpetos de ousadia, de tentati-vas de emancipação mental. Seria esperável, mas não aconteceu. Não construímos boa ou ótima literatura naquele momento. Zeferino Brasil (Taquari, 1870-Porto Alegre, 1942), em 1900, faz publicar seu romance Juca, o letrado, com o sugestivo subtítulo naturalista “Estudo de Psicologia Mórbida”, no qual lemos o seguinte diálogo entre o protagonista e um seu par, ambos escritores torturados e frustrados com a vida da cidade:

– Isto de a gente estar vendo todos os dias a mesma

vida, encontrando-se com os mesmos amigos, sen-

tando-se à mesma mesa, comendo a mesma sopa

ouvindo a mesma música, lendo os mesmos jornais

e palmilhando pelas mesmas ruas, é doloroso, é

afundar-se no tédio, é morrer de spleen. Nunca saí

de Porto Alegre, e à força de ver Porto Alegre, respirar

Porto Alegre, emporcalhar-se em Porto Alegre, não

posso mais tolerar Porto Alegre!

– É uma terra abominável! – exclamou o Alberto.

– Fedorenta! deves antes dizer. Tudo aqui fede, vive-

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se aqui como se vivesse numa cloaca.

E o Juca, nervoso, exaltado, com o olho luzindo sob

o monóculo brilhante, atirou a frase imprevista,

cáustica:

– É um horror, filho. Onde quer que vamos nos entra

pelas narinas o mau hálito da multidão.

O Alberto riu:

– Sempre a mesma verve, Juca! Tu és um assombro

de verve.

O romancista irradiou:

– Pois não é, Alberto? Porto Alegre tem hoje, pelo

menos, oitenta mil habitantes. Imagina tu rolando

diariamente por estas sarjetas o catarro, a urina, a

dejeção de oitenta mil almas; imagina tu espalhados

no ar que respiramos os gases do ventre de oitenta

mil pessoas, e diz-me se não é de um homem morrer

asfixiado com tanto fedor! De resto, mais do que isto

tudo, incomodam-me a ignorância e a imbecilidade

dos nossos patrícios. Não temos aqui um rapaz de

audácia, de talento, de vistas largas. Os nossos le-

trados são todos uns bolas. Vemos um grupo deles

falando com entusiasmo, com ardor, com veemência.

Julgamos que estão tratando de um livro de Arte, de

um verso imortal, de um romance de fina análise;

aproximamo-nos e – oh! vergonha! – estão comen-

tando, pela décima vez, o último artigo do sr. Rui !

A acusação é clara, além de relevante: faltava-nos ousadia e ímpeto (além de qualidade, acrescentemos). Estávamos travados, com o passo tardo, e a única con-solação era poder reclamar disso. O que Zeferino não via com clareza, mas intuía, é que seus personagens (e o de

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De Sousa Júnior) são o sintoma de uma novidade que começava a delinear-se no horizonte: Porto Alegre era o nervo de uma transformação que estava redistribuindo as funções de poder numa nova hierarquia, seguindo o andamento da política iniciada sob a hegemonia repu-blicano-positivista. A cidade deixava gradativamente de pertencer à órbita mental típica do sul do Continente, calcada na lógica da estância, da grande propriedade, do coronelismo, para tornar-se sócia de outra lógica, de in-flexão urbana, industrial e (mais ou menos) democrática.

Nessa passagem, um tipo desempenha papel decisivo: o letrado. Não necessariamente o escritor, mas todo aquele que tinha no uso da escrita e da palavra em geral o trunfo de sua vida pública – o jornalista, o político, o advogado, o funcionário, até o escritor. Não superestimemos o mero domínio da escrita, evidentemente; mas ele estava, com certeza, no centro da lógica republicana, por exemplo como sinal de civilidade, ou em oposição à tradição do fio-do-bigode, à tradição da palavra empenhada; agora pouco valia esse traço ancestral da honra patriarcal, porque até mesmo a eleição podia ser revertida, como se dizia, e não casualmente, a bico de pena, isto é, na escrita.

Não é de admirar, então, que a literatura de antes de 1930, de antes de Erico Verissimo, carregue tantos personagens letrados (no Rio havia um irmão espiritual desse grupo de escritores: Lima Barreto), com o traço peculiarmente provinciano, logo porto-alegrense, de estarem sempre em crise, lamentando a terra, a sujeira, o horizonte estreito, o acanhamento do gesto. Outro es-critor, Ernani Fornari (Rio Grande, 1899-Rio de Janeiro, 1964), injustamente esquecido sobretudo como o poeta de Trem da Serra (1928) mas também como dramaturgo, pode ainda exemplificar o sintoma. Em 1935, Fornari edita sua novela O Homem que era 2 (sic), contando nela

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uma história passada em 1913. Justo, o personagem-narrador, outro letrado mal-sucedido, acompanha a vida de Ramalhão, o tal que era dois, desenhando ao fundo a Porto Alegre da época com tintas realistas – isto aqui era uma insuportável aldeia onde todos se conheciam, uma criatura de Deus espirrava no arrabalde Navegantes, ime-diatamente se abriam duas janelas na rua da Varzinha.

No entanto, ao redigir sua memória o narrador lamenta a perda desse passado aldeão:

Quem, porventura, que seja daquela época, não se

recordará mais dos outonos na Praça da Harmonia?

(...) Última encarnação de duas vidas sombrias – a

Praça da Forca e a Praça das Correntes. E porque

ela cumpria bem a sua derradeira missão, que foi

de amor, de bondade e de beleza, nunca mais res-

suscitará na terra dos dínamos infatigáveis. Sua

Harmonia foi trucidada pela cidade tentacular.

Sufocou-a para sempre o resfolgar das locomotivas

perversas e a música vermelha dos malhos nas

bigornas insensíveis. E concluiu: terra que tem ar-

ranha-céus – não tem poesia.

Embretado nesse choro, a um só tempo repúdio ao pro-gresso e melancolia pelo passado, o letrado como que escolhe permanecer inocente: descuida da tarefa estéti-ca, que exigiria a transformação do lamento em arte. E nem percebe que ele próprio, talvez involuntariamente, participa da nova lógica, que literalmente passa a reba-tizar a cidade, trocando os nomes das ruas, e com isso sufocando a intimidade que havia entre o habitante e a vida urbana, em favor de uma respeitosa e servil ho-menagem aos heróis do momento, reais ou inventados pela conveniência do poder. Onde antes Beco do Poço,

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Avenida Borges de Medeiros; onde Caminho da Azenha, João Pessoa; onde Rua do Cotovelo, Riachuelo: onde Rua do Arvoredo, Fernando Machado; onde Rua dos Pecados Mortais, General Bento Martins.

O que se perde aí é o valor de uso, a afetividade que a cidade estampava na antiga denominação das ruas. A época é de mudança, de urgência, de ânsia pelo futuro, e tais traços parecem ao letrado suficientes para decidir a parada em favor do novo, mesmo que à custa daque-la intimidade aldeã. (Mas Porto Alegre, se prestarmos atenção à voz sufocada debaixo da redenominação que a Primeira República promoveu, ainda sussurra os velhos nomes: Rua da Ladeira, Rua da Praia, Alto da Bronze, Caminho do Meio.)