CARDIOPATIAS CONGÊNITAS EM CRIANÇAS:...

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UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO ATUALIZA ASSOCIAÇÃO CULTURAL ENFERMAGEM EM CARDIOLOGIA ALINNE DE SOUZA BERNARDES CARDIOPATIAS CONGÊNITAS EM CRIANÇAS: Aspectos epidemiológicos e manejo da doença. Salvador - Ba 2011

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UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO

ATUALIZA ASSOCIAÇÃO CULTURAL

ENFERMAGEM EM CARDIOLOGIA

ALINNE DE SOUZA BERNARDES

CARDIOPATIAS CONGÊNITAS EM CRIANÇAS:

Aspectos epidemiológicos e manejo da doença.

Salvador - Ba

2011

2

ALINNE DE SOUZA BERNARDES

CARDIOPATIAS CONGÊNITAS EM CRIANÇAS:

Aspectos epidemiológicos e manejo da doença.

Monografia apresentada à Universidade

Castelo Branco / Atualiza Associação

Cultural, como requisito parcial para

obtenção do título de Especialista em

Enfermagem em Cardiologia sob orientação

do Prof. Dr. Fernando Reis do Espírito

Santo.

Salvador - Ba

2011

3

AGRADECIMENTOS

À DEUS, que esteve presente em todos os momento deste trabalho, iluminando-me.

Aos meus pais, pelo apoio e estímulo no desenvolvimento deste processo.

Às minhas queridas tias que me criaram com amor e dedicação.

Ao meu noivo Marcus Reis que sempre está ao meu lado.

A todos que de alguma forma, contribuíram para o sucesso deste trabalho.

4

Quando se viaja em direção a um objetivo é

muito importante prestar atenção no caminho.

O caminho é que sempre nos ensina a melhor

maneira de chegar, e nos enriquece, enquanto

o estamos cruzando.

(Paulo Coelho)

5

RESUMO

Este Estudo aborda sobre as cardiopatias congênitas, que são uma má formação estrutural da

embriogênese normal do coração e/ou grandes vasos presentes desde o período intra-útero. É

causa importante de morbimortalidade, afetando 3% da população de nascidos vivos

mundialmente, podendo levar ao tratamento cirúrgico, incapacidade física e mental ou ao

óbito perinatal. Portanto, objetivamos descrever o perfil epidemiológico, evidenciando

aspectos sociais e políticos que envolvem as cardiopatas congênitas e evidenciar alguns

aspectos sobre o manejo da criança cardiopata no ambiente familiar e no seu meio ambiente,

enfocando a assistência de enfermagem e multiprofissional. Trata-se de um trabalho de

revisão bibliográfica sobre cardiopatias congênitas em crianças com a pretensão de realizar

uma coletânea de informações de diversas fontes em um único trabalho. Em minha busca

bibliográfica identifiquei que existem poucos estudos epidemiológicos sobre cardiopatias

congênitas, em especial na Bahia. A importância deste conhecimento, assim como para outras

patologias, é determinar o planejamento e a reorientação dos serviços de saúde e fornecer

dados para melhoria da assistência médica aos pacientes portadores desta condição. Os

resultados deste trabalho trazem informações importantes para o estudo das cardiopatias em

nosso país. Eles demonstram que a prevalência e a apresentação das cardiopatias congênitas

em nosso meio são semelhantes ao que se encontra nos países mais desenvolvidos, alertando

para a necessidade do sistema de saúde se preparar para diagnosticar e tratar mais

precocemente esses pacientes, reduzindo os gastos econômicos posteriores com as possíveis

seqüelas e desgaste emocional dos afetados e de suas famílias. Além de ter identificado que as

crianças podem não estar sendo atendidas adequadamente em nosso meio principalmente por

questões sociais e políticas. A assistência prestada deve enfocar o manejo multidisciplinar e a

educação em saúde para melhorar a qualidade de vida das crianças cardiopatas. Para

conclusões mais acuradas, são, no entanto, necessários outros trabalhos com pesquisa mais

aprofundada e de campo.

Palavras-chave: Criança, cardiopatia congênita e assistência.

6

ABSTRACT

This study focuses on the congenital malformation, these are defect in the normal structure of

heart and/or large vessels present since the period in uterus. It is an important cause of

morbidity and mortality, affecting 3% of the population of live births worldwide and can lead

to surgical treatment, physical and mental disability or perinatal death. Therefore this study

aims to describe the epidemiological profile, highlighting social and political issues that

involve congenital heart disease, and show some aspects of the management of children with

heart disease in the family and their environment, focusing on nursing care and

multidisciplinary. It is a literature review on congenital heart defects in children with the

intention of making a collection of information from various sources into a single job. In my

literature search identified that there are few epidemiological studies of congenital heart

disease, especially in Bahia. The importance of this knowledge, as well as other diseases, is to

determine the planning and reorientation of health services and providing data to improve

medical care for patients with this condition. The results of this study provide important

information for the study of heart disease in our country. They show that the prevalence and

presentation of congenital heart disease in our area are similar to that found in more

developed countries, stressing the need of the health system to prepare for diagnosing and

treating these patients earlier, further reducing costs with the economic possible sequela and

emotional distress of those affected and their families. In addition to having identified that the

children may not have been properly treated in our country mainly by social and political

issues. Assistance should focus on the multidisciplinary management and health education to

improve the quality of life for children with heart disease. For more accurate conclusions are,

however, require additional work to further research and field trials.

Keywords: Child, congenital heart disease and assistance

7

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 08

2. CAPÍTULO 1 13

2.1 A EPIDEMIOLOGIA DAS CARDIOPATIAS CONGÊNITAS EM

CRIANÇAS

13

2.2 ASPECTOS SOCIAIS SOBRE AS CARDIOPATIAS CONGÊNITAS 16

2.3 ASPECTOS POLÍTICOS DAS CARDIOPATIAS CONGÊNITAS NO

BRASIL

19

3. CAPÍTULO 2 24

3.1 O CUIDADO DA CRIANÇA CARDIOPATA CENTRADO NO NÚCLEO

FAMILIAR E NO MEIO AMBIENTE

24

3.2 A IMPORTÂNCIA DO RELACIONAMENTO DO PROFISSIONAL DE

ENFERMAGEM COM OACOMPANHANTE DA CRIANÇA CARDIOPATA

28

3.3 A EDUCAÇÃO EM SAÚDE UTILIZADA PELA EQUIPE

MULTIDICISPLINAR NO MANEJO CARDIOPATA

31

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 34

REFERÊNCIAS 33

8

1 INTRODUÇÃO

Apresentação do objeto de Estudo

As malformações ou anomalias congênitas compreendem causa importante de

morbimortalidade no enfrentamento da Neonatologia. Segundo Cavalcanti (1998), cerca de

3% da população de recém-nascidos em todo mundo apresentam uma anomalia significativa,

as denominadas maiores variam entre 2 a 2,5% do total de nascidos vivos, e conforme as

manifestações podem levar ao tratamento cirúrgico, à incapacidade física/mental ou ao óbito

perinatal.

As cardiopatias congênitas (CC) são do grupo das malformações maiores, e apresentam-se

com mais freqüência, afetam aproximadamente 8 em 1000 nascidos vivos dos quais 3

apresentam cardiopatias severas (LOPES; ZUGAIB, 2000). Embora os avanços da cirurgia

cardíaca pediátrica nos últimos 20 anos, tenham grande significado, os prognósticos das

formas complexas permanecem reservados.

Segundo um estudo desenvolvido na cidade de Londrina, Paraná, a verdadeira incidência das

cardiopatias congênitas nas regiões tropicais e subtropicais não é conhecida, assim como, em

outras partes do mundo permanece desconhecida, não há referências sobre pesquisas

populacionais sobre o tema. Mas esse estudo tentou apreender um pouco dessa amostra

naquela cidade. (GUITTI, 2000).

Levando em conta alguns autores, compreendemos cardiopatia congênita como um defeito

estrutural que alteram a embriogênese normal do coração e/ou dos grandes vasos, com

repercussões na função cardíaca, seja real ou potencial, e que esteja presente desde o período

intra-útero, mesmo que só descoberto mais tardiamente (CAVALCANTI, 1996;

SARDECK,1997).

O advento dos métodos diagnósticos não invasivos, os dados relativos à alta mortalidade de

CC e a evolução das intervenções terapêuticas e cirúrgicas ainda no período neonatal

9

estimulam a investigação precoce. Mas a detecção de um recém nascido (RN) cardiopata, nem

sempre, ocorre na ocasião do nascimento ou anterior a este, muitos são diagnosticados

tardiamente. E sempre se configura em um evento dramático que envolve o lidar com a

patologia, e com a família em os seus sentimentos de culpa, frustrações, inseguranças e

esperanças. Esse lidar é difícil para os profissionais de saúde, embora a ciências da saúde

determine ações preventivas, diagnósticas, curativas e éticas diante das ocorrências.

Muitos dos RNs portadores de CC com manifestação clinica presente ou pertencentes a algum

grupo de risco, por vezes necessitam de internamento em uma unidade de Terapia Intensiva

Neonatal(UTIN). Onde são separados de suas mães e necessitam de cuidados intensivos

ministrados por uma equipe de saúde multiprofissional e um ambiente de alta complexidade.

Segundo COSTENARO(2001), o número de internações em unidades de neonatologia tem

sido elevado e tem gerado significativa preocupação entre os profissionais de saúde, levando-

os ao interesse cada vez maior em conhecer e aprimorar o atendimento dos RNs, amenizando

iatrogenias e favorecendo novas descobertas de tratamento e cuidados. Bem como, de

programas de prevenção de doenças da saúde que contribuem para o crescimento e

desenvolvimento da criança.

A UTIN é um local onde se concentram recursos materiais e humanos especializados, capazes

de prestar uma assistência adequada e uma rigorosa observação, e onde também, convive-se

com a iminência da morte e a possibilidade de seqüelas permanentes que interferirão no

desenvolvimento das crianças, impactando, desta forma, no emocional da família e dos

profissionais que lidam com esta problemática (LEONE, 1996).

Justificativa

Enfrentei essa realidade desde a época de faculdade de enfermagem, onde como bolsista em

2000 de uma maternidade pública iniciei meus passos na Neonatologia e com certa freqüência

nasciam crianças portadoras de CC e eram cuidadas com os escassos recursos e quando

possível transferidas para hospitais de referência. Posteriormente, já enfermeira, continuei

10

atuando em neonatologia, trabalhando em UTIN de um hospital de referência em cardiologia

em Salvador –Ba e em outro serviço de neonatologia privado de referência em assistência

materna, quando pude cuidar de mais RNs portadores de cardiopatias.

Atuei também em UTI pediátrica de uma unidade de referência em cirurgia cardíaca

pediátrica, onde cuidei de crianças no pós-operatório. Ampliei meus conhecimentos sobre o

tema na especialização em Enfermagem Neonatológica em 2003 e mais ainda, na

Especialização de Enfermagem em Cardiologia, onde houve a oportunidade de aliar os dois

temas neste projeto de pesquisa, surgindo a inquietação, que aqui se apresenta como problema

de pesquisa um estudo mais aprofundado sobre as cardiopatias congênitas, desde a

epidemiologia, abordagem social e política e manejo de saúde da criança cardiopata.

Problema

O estudo levanta dois problemas:

1. O que diz a literatura a sobre o perfil epidemiológico das cardiopatias congênitas e o

manejo da doença?

2. Quais as possíveis implicações sociais políticas do processo que envolve a doença?

Objetivos

- Descrever o perfil epidemiológico, evidenciando aspectos sociais e políticos que envolvem

as cardiopatas congênitas;

- Evidenciar alguns aspectos sobre o manejo da criança cardiopata no ambiente familiar e no

seu meio ambiente, enfocando a assistência de enfermagem e multiprofissional.

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Trajetória Metodológica

Segundo Gil (1991) pode-se definir método de pesquisa como procedimento racional e

sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos.

A pesquisa é desenvolvida mediante o concurso dos conhecimentos disponíveis e a utilização

cuidadosa de métodos, técnicas e outros procedimentos científicos.

Em minha busca bibliográfica identifiquei que existem poucos estudos epidemiológicos sobre

cardiopatias congênitas, em especial na Bahia. A importância deste conhecimento, assim

como para outras patologias, é determinar o planejamento e a reorientação dos serviços de

saúde e fornecem dados para melhoria da assistência médica aos pacientes portadores desta

condição.

O presente estudo é qualitativo, tipo exploratório descritivo e como procedimento técnico foi

escolhido a pesquisa bibliográfica. Segundo Triviños (1987), a pesquisa qualitativa permite

analisar os aspectos implícitos ao desenvolvimento das práticas organizacionais, e a

abordagem descritiva é praticada quando o que se pretende buscar o conhecimento de

determinadas informações e por ser um método capaz de descrever com exatidão os fatos e

fenômenos de determinada realidade.

Este, portanto, é um trabalho de revisão bibliográfica sobre o tema exposto com a pretensão

de realizar uma coletânea de informações de diversas fontes em um único trabalho. Os

recursos foram livros, artigos, leis e arquivos eletrônicos nas bases de dados Scielo.

Os óbitos decorrentes de CC são intra-útero, no período neonatal com 20 a 30% dos óbitos e

50% no final do primeiro ano (AVERY, 1999). Portanto, levando-se em conta esse dado e os

poucos dados epidemiológicos, as CC constituem um problema de saúde pública, como

ressalta Santana (2000), evidenciando a relevância do presente trabalho.

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O estudo descrito foi conduzido de acordo com os princípios da Declaração de Helsinki e da

Resolução 196/96. O estudo foi realizado obedecendo às exigências legais locais e

regulatórias do Brasil.

Estrutura do trabalho

Este estudo está constituído de dois capítulos que estão assim distribuídos: No primeiro

capítulo, discorreremos neste capítulo sobre dados epidemiológicos gerados por alguns

estudos, assim como questões sociais acerca da distribuição da ocorrência das cardiopatias

congênitas e questões políticas que envolvem a questão em nosso país.

Já o segundo capítulo descreve sobre os manejos de saúde da criança cardiopata, a

importância do relacionamento familiar e o meio que a criança vive, assim como o

envolvimento da equipe multidisciplinar na atenção e educação em saúde das mesmas.

13

2. CAPITULO 1

2.1 A EPIDEMIOLOGIA DAS CARDIOPATIAS CONGÊNITAS EM

CRIANÇAS

Cavalcanti (1996) conceitua “anomalia congênita como defeito estrutural que altera a

morfogênese normal durante o período intra-uterino”, portanto, compreendemos que

cardiopatia congênita é qualquer desvio específico do coração ocorrido na vida intra-uterina,

comparado à normalidade apresentada na maioria da população.

A embriogênese do coração já está totalmente terminada na 8a semana gestacional, portanto,

as anomalias futuras já estão definidas no embrião a partir dessa fase. Porém a detecção

precoce por vezes não é realizada, ou seja, não são diagnosticadas no período pré-natal, apesar

de ser cada vez mais freqüente a realização de um ecocardiograma fetal, não se suspeita de

doença cardíaca congênita até o nascimento, pois os médicos são “desviados” de um

diagnóstico de doença cardíaca devido ao relatório “normal” da ultrassonografia pré-natal

realizada com o objetivo de avaliação da gestação. Dessa forma, na maioria dos casos, os

RN’s recebem alta hospitalar sem o diagnóstico.

Como confirma Travancas (2000)

de todas as indicações, sem dúvida a anomalia cardíaca detectada na

ultrassonografia obstétrica de rotina é a mais importante, uma vez que a maioria das

cardiopatias não tem qualquer fator de risco. Portanto a análise cardíaca realizada

pelo ultrassonografista é de grande importância, sendo esta indicação a que

apresenta maior positividade para cardiopatia.

As indicações imperativas de ecocardiograma fetal seriam: arritmia fetal, hidropisia não-

imune, oligohidramnia, polihidramnia, e crescimento intra-uterino retardado.

De acordo com Mustacchi (2000), 8 a 10 em 1000 nascimento podem apresentar uma

cardiopatia congênita, sendo que desse total 20% possuem mais de um defeito cardíaco, ou

seja, são portadores de cardiopatia congênita maiores ou complexas.

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Em países cujo sistema de saúde visa a epidemiologia das doenças, é sabido que 40 a 50% das

cardiopatias congênitas são diagnosticadas pelo menos uma semana após o nascimento, o

outro percentual após o primeiro mês de vida, ressaltando ainda que algumas são identificadas

em autópsias ou em achados complementares.

As cardiopatias congênitas podem ser classificadas como cianogênicas ou acionogênicas.

Sendo 8 lesões cardíacas mais prevalentes. Entre elas, as 6 mais comuns são acianóticas, onde

o fluxo de sangue oxigenado é enviado para a circulação sistêmica através dos “shunts” que

ocorrem do lado de maior pressão, ou seja, do lado esquerdo, para o de menor pressão; o lado

direito.

Em percentual temos: 32% de comunicação interventricular (CIV), 12% de persistência do

canal arterial (PCA), 8% de estenose pulmonar, 6% de comunicação interatrial, 6% de

coarctação da aorta, e 5% de estenose aórtica (FAZIO; CARVALHO; NOGUEIRA, 1999).

Já as cardiopatias congênitas cianóticas, onde uma interferência do fluxo sangüíneo através

dos pulmões se faz presente, provocando uma diminuição na saturação de oxigênio da

hemoglobina circulante, devido ao fato de uma circulação deficiente para o sangue ser

oxigenado, ocorre uma cianose generalizada. Sendo 6% dos casos de tetralogia de Fallot, e

5% de transposição das grandes artérias (TGA) (FAZIO; CARVALHO; NOGUEIRA, 1999).

Dentre as cardiopatias congênitas, as mais graves podem levar a criança rapidamente ao óbito

se não tratadas. As cardiopatias congênitas complexas ou maiores mais graves são: Tetralogia

de Fallot, Transposição das grandes artérias, Hipoplasia do coração esquerdo, Tronco

arterioso comum, Coarctação da aorta, Atresia de tricúspide (ALVES; CORRÊA, 1990).

O período de apresentação e acompanhamento dos sintomas depende: da natureza e gravidade

do defeito anatômico, das repercussões in útero (caso exista algum) da lesão estrutural e das

alterações na fisiologia cardiovascular secundárias aos efeitos da circulação transitória

(fechamento do ducto arterial, e queda na resistência vascular pulmonar).

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A abordagem do aspecto etiológico das cardiopatias considera a genética e a hereditariedade

na epidemiologia dos casos. Embora, configura-se possíveis explicações, sabe-se pouco sobre

a etiologia das cardiopatias. Na verdade são esporádicas e de etiologia multifatorial, estão

associadas a síndromes clínicas em 10%, de 5 a 8% a anormalidades cromossômicas, de 3 a

5% são defeitos isolados e 2 a 3% a fatores ambientais.

É certo que a maior freqüência de uma cardiopatia congênita ocorre em certos contextos

familiares, e esta predisposição hereditária interage com uma situação ambiental para criar o

meio mais favorável para o desenvolvimento de uma lesão específica.

Segundo Gewitz (1996) e Lopes; Zugaib (2000), estudos genéticos demonstram que quando

parentes de 1o grau são portadores de cardiopatias, o risco de ocorrência é de 1 a 5%, levando-

se em conta que defeitos comuns ocorrem com maior probabilidade, melhor, um defeito como

CIV, estaria próximo de 5% e uma lesão mais grave como dextrocardia, em 1%. Quando as

genitoras são afetadas, há maior predisposição para filhos cardiopatas do que quando

genitores o são.

Estudos demonstram percentuais de fatores de risco específicos para algumas cardiopatias

congênitas. As viroses, principalmente no 1o trimestre de gestação, relacionadas às

cardiopatias, especialmente a rubéola, estão diretamente associadas como causa para PCA e

estenose pulmonar periférica em 30 a 35% dos fenômenos, e as outras viroses implicadas na

etiologia de miocardites intra-útero.

O diabetes materno é responsável por uma incidência até 3 vezes maior de cardiopatia do que

a população em geral, especialmente nos casos de transposição dos grandes vasos e de CIV.

Nessas crianças existe uma incidência de miocardiopatia hipertrófica em torno de 25%,

podendo causar grandes transtornos no período neonatal. Caso a genitora seja insulino-

dependente, esse risco é aumentado em até 5%.

O lupus eritematoso tem uma incidência bastante aumentada (35%) no bloqueio

atrioventricular total. Uma história de alcoolismo materno (síndrome do álcool fetal) é

prevalecente em 25% das CIA, CIV, e Tetralogia de Fallot. Devem ser considerados como

16

indícios importantes: uso de drogas, exposição a possíveis terátogenos, Rx, e casamentos

consangüíneos (GEWITZ, 1996; MUSTACCHI, 2000; TRAVANCAS, 2000).

Fazendo uma relação com outras anomalias, observa-se que 8 a 13% dos RN’s com

anormalidades cardíacas tem síndromes hereditárias associadas, se confirmando que os fatores

genéticos isolados não são suficientes para explicar ou definir a maior parte das ocorrências

(AVERY, 1999).

Lopes; Zugaib (2000) faz referência para percentual ainda maior (25%) em relação às

malformações extracardíacas e estariam por ordem decrescente de maior prevalência

envolvendo o sistema musculoesquelético (9%), sistema nervoso central (8%), trato urinário

ou rins (5%), ou trato gastrointestinal e 1,8% teriam fissura palatina.

Outro dado importante, é que algumas lesões como coarctação da aorta e estenose aórtica,

acometem predominantemente, crianças do sexo masculino, enquanto o sexo feminino é mais

propenso a defeitos do septo atrial e ducto arterioso permeável (CLOHERTY, STARK, 2000).

Anormalidades cromossômicas apresentam graus variados e altos de associação com defeitos

cardíacos, conforme tabela a seguir.

É sabido que 1/5 dos pacientes com doença cardíaca congênita são prematuros ou pesam

menos de 2500g ao nascer, freqüentemente, torna-se necessária uma abordagem

multidisciplinar envolvendo várias especialidades, para detecção do problema (CLOHERTY,

STARK, 2000). Existe uma relação entre a Tetralogia de Fallot e a ocorrência na maioria dos

RN’s pequenos para a idade gestacional (PIG).

Anormalidades cromossômicas apresentam graus variados e altos de associação com defeitos

cardíacos, conforme tabela a seguir. Não se pode prevenir a maioria dos defeitos cardíacos.

Muitos fatores e mecanismos permanecem obscuros, porém as pesquisas atuais têm indicado

que essa malformação é, na maioria das vezes, produzida por uma interação genético-

ambiental.

17

Os sintomas das cardiopatias congênitas cianóticas são claros e precoces. As crianças

geralmente apresentam: cianose, hipóxia, ganho de peso insuficiente, lipotímia, entre outros

em tenra idade. É importante destacar que as cardiopatias congênitas acometem o coração

e/ou os grandes vasos sangüíneos da criança ainda em seu de desenvolvimento intrauterino,

afetando, assim, sua anatomia e fisiologia cardiopatia que pode ser identificada ainda no

período gestacional, ao nascimento, ou mesmo na primeira infância. Além disso, tem grandes

chances de ser corrigida cirurgicamente, tornando possível a expectativa de uma vida normal.

É muito importante o diagnóstico precoce de uma cardiopatia congênita para definir a conduta

médica a ser adotada. Observa-se que quando essa conduta é paliativa e mais agressiva, a taxa

de fatalidade cai para 0,8 em 1000 nascimentos, isso quando a lesão diagnosticada é

específica. Ainda assim, quando não há especificidade da lesão, ou o defeito cardíaco é

incorrigível, o portador consegue sobreviver também por tratamentos paliativos, mas

dificilmente conseguirão atingir a idade adulta (AVERY, 1999).

Embora os neonatos tenham uma mortalidade cirúrgica ligeiramente mais alta que os bebês

mais velhos, os efeitos secundários de uma lesão não operada no coração, pulmão e cérebro

podem ser mais graves, podendo resultar em insuficiência cardíaca congestiva crônica,

desenvolvimento retardado, infecções freqüentes, alterações vasculares pulmonares

irreversíveis, atraso no desenvolvimento cognitivo ou déficit neurológico focal (CLOHERTY;

STARK, 2000).

18

Tabela 1 Anomalias cromossômicas comuns

Incidência ou modo de

herança

Características cardíacas

Anomalias Cromossômicas

Trissomia dos 13 (síndrome

de Patau)

1/7.000-8.000

80% apresentam defeitos cardíacos, sendo o DSV o

mais comum

Trissomia do 18 (síndrome

de Edward)

1/7.000

(mulher-homem = 3:1)

95% apresentam defeitos cardíacos, sendo o DSV o

mais comum (algumas vezes múltiplos), tecido

valvular redundante com regurgitação afetando,

muitas vezes, mais de uma válvula (doença

polivalvular)

Trissomia do 21 (síndrome

de Down)

1/650 40 a 50% apresentam defeitos cardíacos, sendo os

mais comuns o CAVC e DSV, e também TF, DAS,

PCA; doença cardíaca congênita complexa é bem rara

Monossomia do X

(Síndrome de Turner)

1/2.500 25 a 35% apresentam defeitos cardíacos, sendo que os

mais comuns são coarctação e válvula aórtica

bicúspide

Síndromes de defeitos em

um único cromossoma

(Síndrome de Noonan)

AD

50% apresentam defeitos cardíacos, geralmente

estenose pulmonar valvular, mas também o DSV e o

MC hipertrófico

Síndrome de Holt-Oram AD 50% apresentam defeito cardíaco, geralmente DAS

ou DSV

Síndrome de Ellis-van

Creveld

AR Aproximadamente 50% dos casos apresentam defeitos

cardíacos, geralmente DAS ou átrio comum

Síndrome de etiologia

desconhecida

Síndrome de Alagille

Provavelmente um defeito

de um único gene; AR

Mais comum é a estenose pulmonar periférica

Síndrome da

trombocitopenia e ausência

do rádio (TAR)

Provavelmente um defeito

de um único gene; AR

Aproximadamente 33% apresentam defeitos

cardíacos, geralmente DSV

Síndrome de Williams Síndrome da deleção de

gene contíguo

50 a 70% apresentam defeito cardíaco, sendo que a

estenose aórtica supravalvular é o mais comum;

também ocorrem outras estenoses aórticas, como EEP,

CoA, e estenoses das artérias coronária e renal

Síndrome de DiGeorge Síndrome da deleção de

gene contíguo

(cromossoma 22 q)

AAI e malformações conotruncais incluído tronco, TF

Associações

Vacterl

0,16/1.000

Aproximadamente 50% apresentam defeito cardíaco,

normalmente DSA carga

Charge 50-70% apresentam defeito cardíaco, sendo que as

anomalias conotruncais (TF; DSVD, tronco arterial)

são as mais comuns. FONTE: Cloherty; Starrt, 2000

DSV = Defeito ventricular; PIG = pequeno p/ idade gestacional; CAVC = canal atrioventricular; TF = tetralogia de Fallot;

DAS = defeito septal atrial; PDA = ducto arterial palente; AD = autossoma dominante; AR = autossoma recessivo; MC =

miocardiopatia; DI = Desenvolvimento insuficiente; EPP = estenose pulmonar periférica; CoA = coarctação da aorta; FET =

fístula traqueosofágica; DSVD = ventrículo direito com saída dupla; AAI = arco aórtico interrompido.

19

2.2 ASPECTOS SOCIAIS SOBRE AS CARDIOPATIAS CONGÊNITAS.

A verdadeira incidência e distribuição das cardiopatias nas regiões tropicais e subtropicais não

são conhecidas, não há qualquer referência a pesquisas populacionais que tenham sido

realizadas na America Latina. Segundo Mélo & Rodrigues (2008) no Congresso Mundial de

Cardiologia Pediátrica de 1980 em Londres referiu-se que a probabilidade em países como o

Brasil que a distribuição seria de 6 em cada 1.000 nascidos vivos.

O reconhecimento e o diagnóstico das cardiopatias congênitas mais provavelmente ocorrem

em centros urbanos onde há mais recursos para diagnostico e tratamento. A ecocardiografia

fetal trouxe um avanço para a detecção precoce, onde antes só ocorria por meios invasivos,

mas ainda só é acessível em grandes hospitais.

A média obtida de oito grandes trabalhos realizados entre 1990 e 2000 em diferentes regiões e

etnias foi de 6,450:1000 nascidos vivos. Estudos mostram que diagnostico das cardiopatias

congênitas é o terceiro em passar inadvertido em 30% das crianças durante as primeiras

semanas de vida. Um Estudo na Grã-Bretanha mostrou que 200 crianças morrem em

decorrência de cardiopatias não diagnosticadas e que esse número pode ser ainda maior em

países sem centros especializados (GUITI, 2000).

A cardiopatia congênita ocorre com maior freqüência em certos contextos familiares e, a

partir do ponto de vista genético, muitos consideram importante o papel da herança

multifatorial poligênica. De acordo com este conceito, uma predisposição hereditária à

anormalidade cardíaca interage com uma situação ambiental para criar o meio apropriado ao

desenvolvimento de uma lesão especifica.

Os geneticistas avaliam situações relativas de risco e determinaram que, em geral, quando um

parente em primeiro grau tem cardiopatia congênita, o risco de ocorrência do defeito é de 1 a

5% (POLIN, 1996). Dentro disto, também funciona a regra que defeitos mais comuns

ocorrem mais comumente.

20

Determinadas cardiopatias tem caráter recorrente, destacando-se certos tipos de

miocardiopatias, a cardiomiopatia hipertrófica, a síndrome de Marfan e as

mucopolissacaridoses. A história familiar de diabetes materno relaciona-se com doenças

graves, como a transposição de grandes artérias.

Em principio, uma cardiopatia é tanto mais grave quanto mais precoce a sua apresentação. Os

sintomas surgem na época em que ocorrem alterações funcionais na circulação. As crianças

que apresentam cardiopatia na primeira semana de vida são aquelas em que as alterações na

circulação transicional são profundamente desfavoráveis.

No Estudo que Guiti (2000) realizou em Londrina-Paraná, mostrou que deve haver uma

atenção especial direcionada aos pacientes que não retornam aos serviços onde foram

tratados, que muitos desses casos pertencem as camadas mais pobres da população, e residem

na periferia das cidades ou na zona rural ou ainda aqueles que mudam constantemente devido

a zonalidade de empregos dos pais. A maioria delas ainda é de extratos sociais com baixo

grau de instrução e por isso não tem compreensão adequada a respeito da condição de saúde

das crianças.

Outro Estudo realizado por Guiti (2000) sobre a Qualidade de Vida em Crianças e

Adolescentes com Cardiopatia Congênita no Hospital das Clinicas em Uberlandia foi

detectado que a prevalência de cardiopatias congênitas eram entre crianças do sexo feminino

com idade média de 8,4 anos. a renda familiar variava entre 2,4 salários mínimos e idade dos

genitores era em torno de 36 anos enquanto das genitoras de 32 anos. O grau de escolaridade

daqueles genitores, 61,3% das mães e 64 % dos pais tinham apenas o 1° grau incompleto. A

percentagem de cardiopatias acianóticas foi de 89,3% e apenas 10,7% eram cianóticas.

Outro estudo realizado em Curitiba-Santa Catarina por Miyague e cols.(2003) também com

crianças e adoslescentes mostrou que a freqüência dos casos se dá entre neonatos e lactentes,

estes apresentavam idade e peso significativamente menores que as crianças normais, p<

0,0001 e p<0,0001, respectivamente. Já neste estudo não houve predomínio de sexo no grupo

de cardiopatias congênitas, houve discreto predomínio do sexo masculino em relação ao

21

feminino. Ainda em relação a este estudo, a freqüência e a prevalência das cardiopatias

congênitas complexas foi alta e associação com outras lesões também.

Este estudo sugeriu também que as cardiopatias complexas, com mortalidade alta nos

primeiros dias de vida, mostram prevalência menor que a literatura, sugerindo que não estão

conseguindo ser atendidas adequadamente em nosso meio.

Afirma-se que há um crescente número de crianças portadoras de cuidados especiais por

condições crônicas, clinicamente frágeis, dependentes de dispositivos médicos como forma de

compensar perdas de funções vitais (BRANDALIZE & ZAGONEL, 2006).

Essas crianças demandarão necessidades especiais de saúde, por vezes são dependentes

tecnologicamente para compensar alguma função vital perdida e são especialmente

dependentes de cuidados complexos. As demandas são por serviços de saúde e sociais no

intuito de o seguimento do cuidado em domicílio.

As necessidades especiais desta clientela são de desenvolvimento, tecnológicos,

medicamentosos e de cuidados habituais modificados. Por isso, necessitam de serviços de

saúde e sociais para além dos requeridos por qualquer outra criança, em geral, e por um

período de tempo indeterminado.

Outros estudos buscam compreender a experiência vivida pela criança com anomalia

congênita, revelam situações complexas em que esta se vê envolvida, tais como: mudanças de

ordem prática e cotidiana, angústia mental, abandono, relações afetivas prejudicadas,

interações diferenciadas e preconceituosas no contexto em que estão inseridas, dentre outras.

2.3 ASPECTOS POLÍTICOS DAS CARDIOPATIAS CONGENITAS NO BRASIL

A necessidade média de cirurgia cardiovascular em congênitos no Brasil é da ordem de

23.077 procedimentos/ano, fazendo parte desta estimativa, além dos novos nascimentos com

cardiopatia congênita, os casos de reintervenções. Foram operados, em 2002, 8.092 pacientes,

o que evidencia defasagem de 65%, sendo que os maiores índices estão nas regiões Norte e

22

Nordeste (93,5% e 77,4%, respectivamente) e os menores nas regiões Sul e Centro-Oeste

(46,4% e 57,4%, respectivamente) (PINTO JUNIOR, 2010).

O tratamento precoce das CC evita substancialmente internações seqüenciadas por

complicações da doença, além de proporcionar melhor qualidade de vida. Sabe-se que 50%

dos portadores de CC devem ser operados no primeiro ano de vida. Assim, são necessários

11.539 novos procedimentos/ano no Brasil. Como o setor público absorve 86,1% dos casos,

estima-se um deficit de 80,5%. A situação é mais crítica nas regiões Norte e Nordeste, com

índices de 97,5% e 92%, respectivamente (PINTO JUNIOR, 2010).

A realidade é que até junho de 2004 inexistia no Brasil o reconhecimento da criança e

adolescente como indivíduos e portador de necessidades que exigisse uma ação política na

área da saúde. A elaboração de uma portaria especifica foi fruto de lutas das sociedades

brasileiras de medicinas em alguns estados federativos e marcou-se por disputas regionais,

interesses da indústria farmacêutica e enrijecimento da máquina burocrática do governo

federal.

As intervenções cirúrgicas cardíacas já faziam da terapêutica atual cardiopatias, e desde então

eram fonte significativa de demanda de recursos econômicos e técnicos, e constituíam

demandas de maior impacto econômico nas internações autorizadas pelo SUS.

Dentre as internações realizadas com procedimento cirúrgico de maior impacto econômico,

destacam-se 6.785 (0,28%) revascularizações do miocárdio com o emprego de circulação

extracorpórea, com custo de R$37,1 milhões (3,15%) e 1.689 (0,07%) correções cirúrgicas da

cardiopatia congênita com custo de R$ 12,5 milhões (1,07%)1. Admite-se que ainda hoje

exista demanda reprimida. Além disso, a tecnologia mobilizada para diagnóstico e tratamento

cirúrgico das doenças cardiovasculares é cara.

Por isso a cirurgia cardiovascular pediátrica transitou por ocasiões difíceis na negociação,

primeiro porque o Ministério da Saúde queria estabelecê-la como alto custo e assim só ser

realizada em hospitais universitários, desta forma iria diminuir drasticamente o número de

cirurgias, uma vez que os hospitais universitários não são muitos e encontravam-se

sucateados. Então a tentativa era mostrar que a rede instalada no setor público era insuficiente

23

e necessitava da complementação do setor privado, na oportunidade esse obstáculo foi

superado (PINTO JUNIOR, 2009).

O marco legal foi formalizado em 15 de junho de 2004 com a portaria 1169/GM que instituiu

a Política de Atenção Cardiovascular de Alta Complexidade e na mesma data a outra Portaria

240 SAS/MS regulamentava a cirurgia cardíaca pediátrica (PINTO JUNIOR, 2010).

O Ministério da Saúde ao publicar a regulamentação para implantação dos serviços de

cirurgia cardiovascular e disponibilizar recursos para o credenciamento de novas Instituições,

sinaliza querer resolver o problema dessa demanda de doença no país, mas constantemente

vemos crises neste setor devido aos valores praticados para remunerar hospitais e cirurgiões.

Porém o sistema de saúde ainda é ineficiente, atende apenas a demanda espontânea e não

utiliza os dados epidemiológicos para organizar a demanda. Ainda há distancia entre as

decisões políticas e a efetiva ação em benefício da comunidade.

Em se tratando da assistência ao cardiopata tem uma interface ainda complexa onde a

assistência suplementar muitas vezes não assiste integralmente o cardiopata e por vezes

engrossam a fila dos pacientes assistidos exclusivamente pelo SUS e medidas políticas não

são tomadas para resolução deste fato (PINTO JUNIOR, 2010). Constata-se uma retração na

demanda dos pacientes financiados pelos planos de saúde e seguradoras, a redução dos

valores de remuneração pelos serviços prestados e a necessidade de constante renovação

tecnológica.

Apesar da dificuldade de assistência às crianças cardiopatias, observa-se que nas ultimas

décadas, em nossos pais houve um período de mudanças nas condições de vida e de saúde,

reduzindo os indicadores de mortalidade infantil.

Em decorrência da menor mortalidade, mais crianças sobreviveram e tornaram-se adultas,

mudando a relação entre doenças da infância e do adulto, tornando-se mais freqüente os

problemas relacionados aos adultos.

24

3. CAPÍTULO 2

3.1. O CUIDADO DA CRIANÇA CARDIOPATA CENTRADO NO NÚCLEO FAMILIAR

E NO MEIO AMBIENTE

Os dicionários registram a palavra infância como o período de crescimento que vai do

nascimento até o ingresso na puberdade, por volta dos 12 anos de idade. Segundo a

Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas,

em novembro de 1989 , “crianças são todas as pessoas menores de dezoito anos de idade”. Já

para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990), criança é considerada a

pessoa até os doze anos incompletos, enquanto entre os doze e dezoito, idade da maioridade

civil (18 anos), encontra-se a adolescência.

Para a maior parte dos estudiosos do desenvolvimento humano, ser adolescente é viver um

período de mudanças físicas, cognitivas e sociais que, juntas, ajudam a traçar o perfil desta

população. Atualmente, fala-se da adolescência como uma fase do desenvolvimento humano

que faz uma ponte entre a infância e a idade adulta. Nessa perspectiva de ligação, a

adolescência é entendida como período perpassado por crises, que encaminha o jovem na

conquista de sua subjetividade.

Consideraremos neste estudo a denominação de criança cardiopata para ambos criança e

adolescente, visto que em nosso país muitas crianças só obtém o diagnóstico de alguma

cardiopatia quando adolescentes.

O cuidar da criança e do adolescente visa à promoção, a manutenção e a recuperação de seu

processo de doença, de modo a propiciar seu melhor funcionamento pessoal e social ou seu

processo de separação do meio em que vive.

A satisfação das necessidades implica o envolvimento da família no cuidado, o que por vezes

é extremamente difícil. Enquanto o meio ambiente tem sua importância, porque proporciona

os elementos naturais para sua sobrevivência e os modos de vida da comunidade são

influenciados pelas condições ambientais, sociais e através dos fatores geradores do problema

25

de saúde. Embora a família não esteja preparada para lidar coma as crianças cardiopatas nem

nos ambientes urbanos e muito menos nos ambientes rurais.

Entenderemos família neste estudo como a unidade primária de cuidado, pois é nela que seus

membros interagem, apóiam-se, trocam experiências e juntos buscam esforços para amenizar

a dor e solucionar os problemas que a transição de saúde-doença do filho gerou

(BRANDALIZE & ZAGONEL, 2006).

A família, por constituir-se complexa em sua estrutura, composição e função, não escapa em

vivenciar conflitos múltiplos ao longo do ciclo vital. Enquanto existe, está sujeita a

transformações, necessitando, muitas vezes, redimensionar-se em suas posturas diante de

diversas realidades e adversidades, as quais é submetida, na busca de superação e equilíbrio.

Assim como as crises acontecem dentro da família é com ela, que devem ser buscadas as

soluções para a nova realidade que se projeta no viver cotidiano com a doença do filho

(BRANDALIZE & ZAGONEL, 2006).

Simultaneamente à notícia da doença do filho, o familiar depara-se com a necessária

hospitalização, que o leva a conviver em um ambiente estranho ao seu ambiente familiar e

realizar mudanças em seu estilo de vida. Dessa forma, a família necessita se adaptar à nova

realidade e buscar formas de enfrentamento, para que esta transição seja o menos traumática

possível.

Neste ambiente ele recebe estímulos tanto internos, de medo, dúvida, insegurança gerando

desequilíbrio emocional, quanto estímulos externos, de cobrança e desestruturação familiar e

social, exigindo a mobilização de diferentes mecanismos de enfrentamento até a adaptação.

São inúmeras as mobilizações a que o familiar está exposto a partir do momento de início da

transição, pois terá que transitar pelo processo, nem sempre fácil e rápido e buscar

mecanismos para o enfrentamento e adaptação à nova situação.

O enfrentamento é vivenciado pelo familiar ao deparar-se com a situação, compreender o que

está acontecendo e que, apesar de ter muitas dúvidas, incertezas, medo, insegurança,

desequilíbrio deverá lançar mão de suas forças internas e/ou externas para superar esse

momento, adaptar-se e prosseguir. Ao utilizar esses recursos sente-se auxiliado, reforçado

26

para melhor aceitar a situação, incorporando-a ao seu dia-a-dia, como algo real que necessita

ser percorrido.

Considerando que a comunicação do diagnóstico é de fundamental importância, pois é o

início de um processo de ajustamento para toda a vida da família, diversos autores têm

buscado compreender qual é o momento ideal para que o diagnóstico seja revelado à família.

Pesquisas com mães, que só souberam do diagnóstico de anomalia congênita após o

nascimento, revelam que preferiam ter recebido a notícia o mais cedo possível.

Queixam-se da demora da informação acerca do diagnóstico e da forma inadequada de

comunicação estabelecida pelos profissionais. Porém, outro estudo, explorou a situação de

pais que recebem o diagnóstico de anomalia congênita durante a gestação, revelando que

vivenciam processos de angústia, como a perda do bebê idealizado, e ainda, a difícil situação

de ter que decidir por interromper a gestação, quando há incompatibilidade para a vida.

Outros estudos mostram que, ainda sob o choque ocasionado pelo diagnóstico, e na tentativa

de melhor organizar seu cotidiano diante deste fato inesperado, as famílias seguem em busca

de informações a respeito da doença de sua criança e de apoio, formando um amplo vínculo

com os profissionais de saúde e com outras pessoas que experienciam a mesma situação.

Outro aspecto da vivência que tem despertado o interesse de estudiosos é a compreensão do

significado de ter uma criança com anomalia congênita. Para os pais, significa se deparar com

situações desagradáveis, como não estar habilitado para lidar com a discriminação social;

porém vivenciam situações favoráveis quando imaginam que existem condições piores que as

suas. Eles se conformam com a situação quando acreditam que ter um filho com deficiência é

a vontade de Deus.

Há ainda uma preocupação dos estudiosos em identificar diferenças e similaridades entre pais

e mães de uma criança com deficiência. Os estudos realizados mostram que há mais

diferenças do que similaridades. As mães apresentam-se mais preocupadas com sua relação

conjugal e problemas do dia-a-dia em lidar com a criança, buscando atender às necessidades

físicas da criança. Os pais se revelam preocupados com questões da família extensa e com o

futuro da criança, buscando atender às necessidades psicossociais.

27

Outro aspecto estudado é relacionado às principais dificuldades que as famílias enfrentam ao

prestarem cuidados às crianças com anomalia congênita em casa. Evidenciam que as

orientações recebidas pela família antes da alta não contemplam suas necessidades,

favorecendo o surgimento de dúvidas e/ou dificuldades em relação ao cuidado dispensado à

criança. Dessa maneira, recomendam que as orientações sejam realizadas antes e após a alta,

para que se transmita segurança e minimize a ansiedade destes pais.

E para este cuidado centrado na criança é necessário uma rede de apoio social, uma rede de

influência e direcionamento frente às situações quotidianas, através dos papeis atribuídos aos

seus membros -família e sociedade- modos, comportamentos e valores que expressam em

relação à realidade de saúde/doença (MAURO, 1998).

Competem à equipe de saúde fornecer informações ao cliente e família sobre a assistência,

seus benefícios, riscos e conseqüências, bem como reconhecer e respeitar o direito do núcleo

familiar de decidir sobre a criança, seu tratamento e bem estar.

Todas as necessidades são essenciais à criança, e, portanto possuem o mesmo nível de

importância: o brincar, o alimentar, o educacional, a convivência. Este planejamento deve

fazer parte dos serviços que se prestam atender essa população. As intervenções devem ser

aquelas que forneçam maior segurança física e emocional para a criança. E ainda o processo

de cuidar não pode ser linear, por vezes ele deve ser simultâneo e colaborativo (VERÍSSIMO,

1996).

Além do que ao conhecer o perfil da população com a qual se trabalha favorece a elaboração

do plano assistencial pelo enfermeiro e equipe e o provimento de uma assistência adequada.

Assim, é possível contribuir na minimização das complicações e proporcionar condições

favoráveis ao atendimento e ao restabelecimento quando a criança for submetida à cirurgia

cardíaca até a alta para seu domicilio.

A crescente transição das crianças com necessidades especiais para o cuidado domiciliar é

apontado como conseqüência do movimento de desospitalização e a mudança de postura por

parte de profissionais e familiares de que a casa representa o contexto ideal de cuidados, onde

28

as questões de desenvolvimento e qualidade de vida dessas crianças são consideradas

importantes.

3.2. A IMPORTÂNCIA DO RELACIONAMENTO DO PROFISSIONAL DE

ENFERMAGEM COM O ACOMPANHANTE DA CRIANÇA CARDIOPATA

A doença gera ansiedade e tem repercussão na vida da criança bem como na vida de seus

familiares. A maneira como essa doença é elaborada e integrada na vida da criança, influencia

a estruturação de sua personalidade.

Um ambiente familiar conturbado por fatores como doença pode abalar o equilíbrio da criança

e, em potencial, se a doença provém dela. Muitas vezes os familiares cercam essa criança de

cuidados exagerados, como um meio de superprotegê-la dos eventuais riscos da doença, ou

mesmo para tentar compensar de alguma forma seu sofrimento.

Os medos e as dependências da mãe são evidenciados quando ela dá à luz uma criança com

defeito. Como, para muitas delas, o coração é o órgão mais vital do corpo, este tipo de

diagnóstico provoca uma grande apreensão.

Um Estudo de Sales em 1999 refere que o sentimento principal das mães de crianças

submetidas à primeira cirurgia cardíaca, é o medo. E nós profissionais de Saúde diante deste

dado temos que nos questionar: será que o que dizemos a eles é esclarecedor?

Alguns destes acompanhantes começam a fazer uma série de questionamentos, o que algumas

vezes traz desconforto, e eles acabam sendo considerados inconvenientes pelos profissionais.

Segundo Gomes e Lunardi (2000): “a família é um cliente que possui necessidades e que

procura na enfermagem apoio e ajuda na busca por sua saúde e sua autonomia”. Nesse

sentido, o estudo realizado por estes autores para conceituar a vulnerabilidade da família que

experiência a internação de um filho doente, apresenta uma categoria que emergiu das

entrevistas “sentindo-se ameaçada em sua autonomia”.

No cotidiano profissional percebemos que a família não é o foco da atenção, e sim a criança.

Se o acompanhante questiona muito e demanda tempo e atenção, é considerado conveniente.

Os profissionais se esquecem que esta criança vai para casa e que vai precisar dos cuidados

29

deste familiar, que, se sair do hospital sem uma orientação correta e esclarecedora, não vai

aderir ao tratamento e certamente vai retornar e reinternar por falta de medicamento ou com

uma ferida pós-cirúrgica com infecção, por exemplo.

Penso ser relevante dizer que é preciso repensar a maneira como a mãe do cardiopata é

abordada. Não tenho dúvida de que o profissional responsável por comunicar-lhe o

diagnóstico, os procedimentos ou demais informações a respeito do estado de saúde de seu

filho preocupa-se em não agravar o quadro de desespero da mãe e da família. Porém, faz-se

necessário maior reflexão sobre como foram recebidas ou mesmo compreendidas, por parte

dela, as informações.

Nem sempre a mãe compreende a situação da forma que pensamos e, caso não nos atentarmos

para sua realidade, estaremos sendo negligentes aos sentimentos nem sempre relatados por

ela. Devemos levar em consideração que a mãe é a pessoa que por mais tempo vivenciou o

“ser-um” com o filho “saudável” e que de uma hora para a outra, além

Acreditamos que os profissionais de saúde, especialmente o enfermeiro, precisa assumir a

responsabilidade de orientar estes acompanhantes quanto à situação pré e pósoperatória destas

crianças. É sabido que essas crianças retornam ao ambulatório da instituição para

acompanhamento cardiológico, mas quem assume as questões que os acompanhantes

demandam?

Ao refletir sobre o estudo, percebemos que a existência de um acompanhamento da

enfermagem aos acompanhantes de crianças submetidas à cirurgia cardíaca faz-se necessário,

a partir do momento que chegam na unidade hospitalar.

A enfermagem exerce importante papel neste momento, ensejando e estimulando que o

familiar tenha respostas adaptativas à esta situação e que, dessa forma, volte a realizar, a

ajudar visando o enfrentamento e adaptação à situação.

Cada família enfrentará a situação de forma particular, dependendo do estágio da vida

familiar, do papel desempenhado pelo familiar que acompanhará a criança durante a

hospitalização e o modo como eles irão se organizar durante o período da doença, entre

30

outros. Como um sistema, cada parte de sua vida está interligado com o todo, tendo em vista o

seu objetivo de vida.

Dessa forma, a transição de saúde-doença do filho é considerada como uma parte de sua vida,

mas que está em íntima relação com o todo e que recebe e gera influências sobre ela. Essa

transição provoca estímulos tanto externos quanto internos e cada pessoa irá ter respostas

individuais de comportamento.

Nesse momento, é importante destacar que algumas orientações pertinentes à internação, à

doença e à cirurgia são fundamentais. Durante o período de internação, realizar “grupos de

apoio”, onde o enfermeiro e os acompanhantes possam ter um momento para esclarecer

dúvidas e minimizar ansiedades, é uma atitude que consideramos que deva fazer parte do

cotidiano profissional. Esses procedimentos são redutores de ansiedade, pois os

acompanhantes passam a ter esclarecimentos sobre a instituição e a situação da criança.

Vale lembrar que a participação da equipe de enfermagem do centro cirúrgico e do CTI pós-

operatório, falando sobre os setores, conversando sobre como funciona, proporcionando uma

visitação dos acompanhantes, sem dúvida, pode ser uma excelente estratégia de acolhimento.

Em ambiente hospitalar a enfermeira, além de cuidadora, é a pessoa que tem maior

proximidade das angústias vividas pela mãe do cardiopata, podendo identificar a necessidade

de intervenção de outros profissionais de saúde de maneira precoce.

Além disso, ela deve estar preparada para ouvir e falar sobre “morte”, um ente entre mãe e

filho em ambiente ospitalar. Particularmente acredito que esse é um assunto difícil e pouco

debatido entre nós enfermeiras, mas que está presente em nosso dia a dia hospitalar e merece

atenção e conhecimento.

Quanto mais estivermos próximas, com atenção, interesse e tempo, das pessoas que

vivenciam a doença as quais

nos propusemos a “cuidar”, mais fácil será visualizar suas ansiedades e dúvidas, as quais

muitas vezes estão encobertas àquele que não se detém a olhar com empatia.

31

3.3 A EDUCAÇÃO EM SAÚDE UTILIZADA PELA EQUIPE MULTIDICISPLINAR

NO MANEJO DAS CARDIOPATIAS

O processo de doença, em particular das doenças cardiovasculares, que por sua vez assumem

características de cronicidade e impactam diretamente no estilo de vida daquelas pessoas

acometidas. Atualmente o saber cientifico dispõe de mecanismos de amplo controle, que

incluem uma terapêutica medicamentosa a e não medicamentosa.

Porém, apesar de todo o conhecimento adquirido, esse controle pode ser ineficaz. Há

evidencias comprovadas dos altos índices de abandono e controle inadequado das patologias,

sustentadas pela pouca ou inexistente adesão ao tratamento. Essa problemática é um grande

desafio para a equipe multidisciplinar.

Essa abordagem multiprofissional para as doenças cardiovasculares tem demonstrado eficácia

e vários estudos, pois se trata de doenças multifatoriais, que demandam diferentes ações

especificas, porém compartilhadas com toda a equipe.

E como toda equipe pode modificar estilo de vida de um individuo portador de uma doença

cardiovascular ou de fatores de risco, é uma questão norteadora para todos os profissionais.

Assim, devemos compreender o que é estilo de vida antes de propormos tal modificação.

Estilo de vida é a forma pela qual uma pessoa ou um grupo de pessoas vivenciam o mundo e,

conseqüentemente, se comportam e fazem escolhas. O homem tem necessidades básicas, mas

para satisfazê-las, ele cria modos e maneiras para obtê-las e estas ao longo dos anos tronam-se

práticas, conseqüentemente estilos, diferentes a depender de cada sociedade, como afirma

Bourdi (1983):

a correspondência que pode ser observada entre o espaço das posições sociais e o

espaço do estilo de vida é o resultado do fato de que condições semelhantes

produzem hábitos substituíveis que engendram por às vezes segundo sua lógica

especifica, praticas infinitamente diversas e imprevisíveis em seu detalhe singular.

32

Modificar estilo de vida corresponde a modificar modos e maneiras não só de um individuo,

mas de uma sociedade. Ao dizermos a um individuo que ele deve reduzir a quantidade de sal

na sua alimentação, significa dizer a ele que modifique o seu paladar em relação aos

alimentos que aprendeu comer desde criança. A uma criança cardiopata que não deve brincar

vigorosamente como uma criança normal, também vai de encontro a algo estabelecido.

Desta forma, devemos compreender que modificar estilo de vida de um indivíduo deve

ultrapassar a barreira da “imposição” da relação profissional/paciente. Quanto mais acessível

ao paciente e a família o profissional estiver mais fácil o envolvimento e adesão ao

tratamento.

Ainda hoje grande parte dos profissionais de saúde bem intencionados trabalha com o

conceito de cultura do início do século XX, em que “o outro” não sabe, ou não possui algo.

Em decorrência disso, faz-se necessário então desenvolver um processo educativo com a

finalidade linear de “corrigir” ou “superar” o conhecimento do outro. Isso dá a idéia, ao nosso

ver, de que “o outro” possui uma deficiência. Um exemplo disso pode ser evocado a partir da

idéia de que as crianças escolares de comunidades periféricas precisam receber orientações

sobre higiene corporal.

A educação em saúde realizada nesta perspectiva é feita pensando que aquilo que “o outro”

sabe, isto é, sua cultura, é um entrave para o entendimento do que o profissional vai ensinar.

Esta concepção profissional passa a valer por meio do argumento da não informação que

muitas vezes ocorre na prática clínica, diante de uma doença complexa ou de uma situação de

cuidado, na qual o profissional entende que “não adianta” explicar ou orientar o

cliente/usuário porque ele não vai entender mesmo.

Observamos também que quanto maior o número de informações fornecida a um individuo ou

a família, maior sua responsabilidade com a doença e o tratamento. Nessa mesma linha é

importante salientar que cada informação deve ser dada ao seu tempo e continuamente, pois

há uma defasagem entre a informação adquirida e a prática de adoção da mesma.

33

É importante ressaltar que a noção da doença como experiência tem implicação clínica. Isto

significa dizer que os profissionais de saúde precisam desenvolver competência cultural para

ouvir as narrativas dos clientes e evitar os filtros dos esquemas de anamnese.

Desenvolver a escuta qualificada significa desenvolver a capacidade de ouvir as narrativas e

lembrar que a narração de um fato pode modificar a maneira de encará-lo e agir sobre a

situação. Afinal, aprender a ouvir é uma habilidade fundamental na educação em saúde e no

cuidado de enfermagem.

34

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conhecer a prevalência das cardiopatias congênitas e os principais fatores associados às

mesmas tem papel importante na sua prevenção, tratamento e melhoria da qualidade de vida

dos afetados, especialmente quando se espera que a sua prevalência aumente como é o caso

do nosso país.

Os limites encontrados para execução deste trabalho relacionam-se com a escassez de dados

epidemiológicos, principalmente em relação a estudos similares no Brasil. Em pesquisas no

banco de dados SCIELO foram encontrados poucos trabalhos realizados no Brasil nesta área,

e a prevalência das cardiopatias congênitas entre nós ainda não é bem estabelecida. Faltam

dados no Brasil e na America Latina, principalmente dados específicos das regiões norte-

nordeste.

Isso nos leva a crer que a maioria dos casos são subnotificados nas declarações de nascidos

vivos (DNV), por 02 motivos: não são diagnosticadas no período pré-natal, devido a falta de

rotina na realização de um exame que valorize a cardiografia fetal; a maioria dos casos de

cardiopatias são detectados após a alta hospitalar do recém-nascido (1a semana após

nascimento). E estes dados não estão disponíveis em outra fonte, porque as anomalias em

geral não são doenças de notificação compulsória.

Sabemos que, uma cardiopatia é tanto mais grave quanto mais cedo é detectado, pois as

alterações na circulação têm repercussões hemodinâmicas desfavoráveis e por isso deve haver

um empenho dos serviços de neonatologia em relação ao diagnóstico precoce.

Vemos que a ecocardiografia fetal pode ser um método preciso no diagnóstico das

malformações, com grande impacto na conduta obstétrica, beneficia um número pequeno,

mas significativo de pacientes. Pois quando se faz o diagnóstico de cardiopatia intra-útero, as

condutas obstétricas e neonatais se alteram com preocupação pelo parto cesáreo em centros de

referência. E no período neonatal, as cardiopatias são complexas e potencialmente graves,

35

dado a alta mortalidade e rapidez para a evolução de condições clínicas quase sempre e difícil

condução.

O diagnóstico das cardiopatias congênitas adquire importância capital e crescente na medida

em que os aprimoramentos de condutas, principalmente técnicas cirúrgicas corretivas,

aumentam a perspectiva de vida das crianças afetadas. O conhecimento prévio de fatores de

risco e a detecção do problema através de uma abordagem detalhada da cardiografia fetal

devem ser uma imposição, especialmente ao considerar-se o uso de procedimentos paliativos,

mas, agressivos, como medidas para diminuir a tacha de fatalidade.

Mas este estudo confirma que a gravidade dos defeitos pode ser identificada na alta taxa de

mortalidade. Quase não existem terapias intervencionistas no feto portador de cardiopatia,

porém é importante o diagnóstico pré-natal no sentido de planejamento do parto,

aconselhamento genético e estabelecimento de prognóstico.

Enfatizamos então, a necessidade de um melhor acompanhamento pré-natal e de maiores

discussões e estudos das cardiopatias em recém-nascidos, para implantação de medidas

preventivas voltadas para o binômio mãe-filho.

No momento em que a Constituição Federal de 1988 reconhece saúde como direito social, e é

regulamentado o Sistema Único de Saúde (SUS) através das Leis Orgânicas da Saúde (nº

8.080 e nº 8.142); faz-se necessário repensar a dinâmica do setor saúde na perspectiva dos

novos ideais políticos, sociais, ideológicos propostos pelo Movimento da Reforma Sanitária,

neste âmbito em especial ao que se refere a políticas de atenção à criança cardiopata.

Se considerarmos que as anomalias congênitas já se constituem na segunda causa de

mortalidade no primeiro ano de vida em nosso país e que a sua importância relativa tende a

crescer, esse desafio torna-se ainda mais importante de ser enfrentado.

36

Destaca-se a importância da participação da sociedade civil na elaboração de políticas

públicas sociais, sendo imperativa, para o aprofundamento das questões na área social, a

intervenção de agentes que vivenciam as dificuldades, sejam como portadores das doenças,

seja como componentes familiares, seja como profissionais da área.

A busca é pela plena democratização na elaboração das políticas e que os agentes não

pertencentes ao Poder Público não sejam usados apenas para legitimar a vontade da classe

dominante. Entende-se que a não-observação, por parte do MS, das diferenças regionais, ao

publicar normas-padrão para todos, e a não-remuneração adequada por procedimento, devem

dificultar a ampliação no atendimento.

Os resultados deste trabalho trazem informações importantes para o estudo das cardiopatias

em nosso país. Eles demonstram que a prevalência e a apresentação das cardiopatias

congênitas em nosso meio são semelhantes ao que se encontra nos países mais desenvolvidos,

alertando para a necessidade do sistema de saúde se preparar para diagnosticar e tratar mais

precocemente esses pacientes, reduzindo os gastos econômicos posteriores com as possíveis

seqüelas e desgaste emocional dos afetados e de suas famílias.

Além de ter identificado que prevalências das cardiopatias congênitas vistas nos estudos

levantados neste trabalho demonstram que as crianças podem não estar sendo atendidas

adequadamente em nosso meio principalmente por questões sociais e políticas. Estas crianças

deveriam ser assistidas adequadamente em todos os municípios brasileiros pelo Sistema

Único de Saúde ou sistema suplementar de saúde tanto no ambiente hospitalar, quanto na

comunidade em que vivem.

A assistência prestada deve enfocar o manejo multidisciplinar e a educação em saúde para

melhorar a qualidade de vida das crianças cardiopatas. Para conclusões mais acuradas, são, no

entanto, necessários outros trabalhos com pesquisa mais aprofundada e de campo.

37

A enfermagem, sendo sensível e perceptiva, deve ter, além do conhecimento técnico de

cuidado à criança com cardiopatia congênita, o papel de promotora da adaptação do familiar à

transição de saúde-doença do filho, através do enfrentamento. Dessa forma o enfermeiro deve

ter, além da capacitação técnica, conhecimento sobre transição, adaptação, habilidades de

comunicação e sensibilidade para apreender a essência dessa vivência pelo familiar.

Para conclusões mais acuradas, são, no entanto, necessários outros trabalhos com pesquisa

mais aprofundada e de campo.

38

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Sueli; BERNARDES, Tânia. Rotinas de UTI neonatal. Rio de Janeiro: MEDSI,

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