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UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES MESTRADO EM MÚSICA BRASILEIRA ANÁLISE DOS PROCESSOS DE ENSINO- APRENDIZAGEM DO ACOMPANHAMENTO DO CHORO NO VIOLÃO DE SEIS CORDAS Carlos Antonio Gomes da Costa Chaves RIO DE JANEIRO, 2001

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UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES

MESTRADO EM MÚSICA BRASILEIRA

ANÁLISE DOS PROCESSOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DO ACOMPANHAMENTO DO

CHORO NO VIOLÃO DE SEIS CORDAS

Carlos Antonio Gomes da Costa Chaves

RIO DE JANEIRO, 2001

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ANÁLISE DOS PROCESSOS DE ENSINO-

APRENDIZAGEM DO ACOMPANHAMENTO DO

CHORO NO VIOLÃO DE SEIS CORDAS

por

Carlos Antonio Gomes da Costa Chaves

Dissertação submetida ao Programa de Mestrado em Música Brasileira do Centro de Letras e Artes da UNI-RIO, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre sob a orientação do Professor Doutor José Nunes Fernandes

Rio de Janeiro, 2001

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Este trabalho é dedicado à Ermelinda Couto,

pelo incentivo, atenção e carinho

e por ser meu exemplo musical na família.

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Agradecimentos

Aos meus pais João Carlos e Marisa, por acreditarem em mim e terem me apoiado em todas as minhas decisões; À Aline, que encarou a fase mais difícil do trabalho e me deu toda a força que eu precisava; Às minhas irmãs Flávia e Carolina e ao meu irmão emprestado Cristiano, pelo carinho e amizade; Aos meus avós Nicha, Dondinho e Nina e a tia Eme, por tudo de bom que me fizeram na vida; À minha tia Amália, pelas inúmeras revisões; À Gerlinde, pelas dúvidas esclarecidas e traduções; Ao Paulo, Marcos e Tardelli, pessoal do Maogani, pela música e pela camaradagem; A todos os parentes e amigos que me ajudam em minha caminhada; Ao meu orientador José Nunes, pelo apoio e incentivo; À banca examinadora, Cecília Conde (CBM), Martha Ulhôa (Uni-Rio) e Margaret Arroyo (UFU), que prestigiaram esse trabalho; À Capes, pelo excelente trabalho de incentivo à pesquisa; A Lulu, Lili e Chico, companheiros fiéis;

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Resumo

O objetivo desta dissertação é realizar uma análise dos mecanismos de ensino-aprendizagem

do acompanhamento do choro no violão de seis cordas através de dados recolhidos de

entrevistas realizadas com alguns dos principais violonistas do gênero abordado. Utilizamos

como base teórica para esta análise duas idéias: a de ensino não-formal, representadas pelos

trabalhos de Santos (1988) e Conde & Neves (1984/1985); e o modelo (T)EC(L)A, elaborado

por Swanwick (1979). Com o resultado desta análise elaboramos uma proposta didática para

o ensino-aprendisagem do choro no violão. Apresentamos também uma revisão da literatura

para situar o leitor no universo musical deste gênero que é considerado o mais importante na

música instrumental brasileira.

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Abstract

The aim of this work is to analyze the teaching-learning mechanisms of the accompaniment of

"choro" on a six-string guitar through data obtained from interviews with some of the main

guitarists of the style in question. We used as a theoretical basis two main concepts: a non-

formal teaching process elaborated by Santos (1988) and Conde & Neves (1984/1985) and the

C(L)A(S)P method elaborated by Swanwick (1979). With the results obtained from this

analysis we elaborated a didactic proposal for the teaching-learning process of "choro" on the

guitar. We also present in this work an review of the literature to situate the reader in the

universe of this style of music, which is considered one of the most important in instrumental

Brazilian music

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SUMÁRIO

Página

Lista de quadros vii

Lista de figuras vii

Lista de exemplos vii

Introdução

1

Situação problema 1

Objetivos 5

Metodologia 8

Revisão da literatura 10

Livros 12

Teses relacionadas ao choro e ao violão 21

Teses relacionadas à educação na música popular 35

A revista Roda de Choro 38

O choro na internet 39

Conclusão 39

Referencial teórico 42

Educação musical não-formal 42

Educação musical em geral 44

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Análise das entrevistas 53

Primeira parte: informações pessoais 57

Segunda parte: elementos necessários à execução do choro 65

Terceira parte: elementos pedagógicos 70

Transferência do conhecimento 70

Verificação do modelo (T)EC(L)A 72

O ensino da música popular na universidade 74

A roda de choro 77

Conclusão 80

Uma proposta didática 84

Técnica (skill aquisitions) 84

Exercícios melódicos 86

Exercícios harmônicos 97

Exercícios para a mão direita (levadas) 98

Condução de acordes 100

Exercícios melódico-harmônicos 102

Literatura (literature studies) 104

Execução (performance) 105

Composição (composition) 106

Audição (audition) 107

Conclusão 109

Considerações finais 111

Glossário 114

Referências bibliográficas 119

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Lista de quadros

Página

Quadro 1: Hierarquia de Objetivos 51

Quadro 2: Roteiro de Entrevista 55

Quadro 3: Listagem de CDs 108

Lista de figuras

Figura 1: Um Modelo Compreensível da Experiência

Musical

50

Lista de exemplos

Exemplo 1: Escalas maiores 88

Exemplo 2: Escalas menores melódicas e harmônicas 89

Exemplo 3: Arpejos 90

Exemplo 4: Ligados 93

Exemplo 5: Modelos 94

Exemplo 6: Frases 95

Exemplo 7: Levadas 98

Exemplo 8: Conduções 101

Exemplo 9: Trechos de música 102

Cochichando (1ª parte) 102

Vou Vivendo (2ª parte) 103

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Introdução

Situação-problema

A história do violão no Brasil nos mostra que a sua principal utilização sempre foi

com a função de acompanhador, tanto na música instrumental quanto na música vocal, o que

pode ser justificado pelo fato desse ser um instrumento harmônico que apresenta grande

facilidade para ser transportado devido a seu peso e formato. Os primeiros músicos brasileiros

a cultivarem o violão sem medo do preconceito e a comporem para o instrumento, utilizando-

o como solista, foram Quincas Laranjeiras (1873-1935), João Pernambuco (João Teixeira

Guimarães - 1883-1974), Garoto (Aníbal Augusto Sardinha - 1915-1955) e Canhoto (Américo

Jacomino - 1916-1977). Tais compositores cultivavam a música popular e utilizavam o

instrumento tanto como solista como em sua função de acompanhar o canto ou a música

instrumental.

Com o início do ensino do violão nos conservatórios e a visita ao Brasil de violonistas

de renome internacional, como o paraguaio Augustin Barrios e a espanhola Josefina Robledo,

em 1916, o instrumento ganhou um maior espaço como solista e passou a atuar mais

efetivamente no campo da música erudita, através de transcrições e de composições próprias

para o instrumento. Apesar dessas instituições valorizarem basicamente a formação de solistas

virtuoses no instrumento, a principal função do violão continuou sendo a de acompanhador na

música popular, e esta continuou sendo aprendida através do ensino não-formal.

A música brasileira é composta de vários gêneros, que surgiram a partir de uma

maneira peculiar de interpretação de ritmos europeus e africanos imprimidos pelos músicos

das camadas populares da sociedade, e sua perpetuação se deu através da transmissão oral.

Cada um desses gêneros requer certas habilidades específicas, tanto técnicas quanto musicais.

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Podemos observar o caso do violão no choro, no qual ele pode desempenhar papéis variados:

manter uma base harmônica, desenvolver contracantos com a melodia e até mesmo atuar

como solista.

O processo de nacionalização de ritmos europeus também aconteceu em outros países

colonizados. Entretanto, devido à diferença idiomática, cultural e racial, surgiram gêneros

com algumas semelhanças e muitas diferenças dos encontrados no Brasil. Nos Estados

Unidos, surge o ragtime, que será um dos embriões do jazz, assim como o tango brasileiro

pode ser considerado um dos embriões do que viria a ser o choro atual. Esses dois estilos são

adaptados da polca (dança popular vinda da Alemanha que esteve em voga no século XIX) e

também originariam gêneros musicais. Cada um desses gêneros, por sua vez, originariam

“escolas”, a princípio não-formais, para a transmissão do conhecimento e a perpetuação do

gênero

No Brasil, a grande maioria dos músicos que fundaram e perpetuaram estas “escolas”

aprendiam a fazer música de maneira não-formal. Alguns eram auto-didatas, outros

aprendiam com o pai ou com um outro familiar e alguns poucos talvez tenham tido aulas com

um músico mais experiente da época. Hoje em dia, encontramos músicos populares com

formação universitária e a própria música popular sendo cultivada em ambiente acadêmico, o

que não provocou o desaparecimento da tradição oral ou do ensino não-formal.

O interesse de músicos populares pelo conhecimento teórico musical começa a

ocorrer, provavelmente, a partir do seu envolvimento com músicos eruditos. Heitor Villa-

Lobos, freqüentador das rodas de choro, e Radamés Gnatalli, que trabalhava como arranjador

nas rádios, são os principais exemplos de músicos que fomentaram o interesse pela leitura

musical. Além de influenciarem a música popular brasileira, eles também foram influenciados

por ela, o que pode facilmente ser identificado em suas respectivas obras.

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Na última década, a música popular brasileira começa a ganhar espaço no âmbito

acadêmico com a criação de cursos superiores em música popular em várias instituições de

ensino superior do país. Porém, ainda não existe uma preocupação com o registro das práticas

de ensino-aprendizagem utilizadas para a aquisição das habilidades requisitadas nesse tipo de

música. Poucos esforços são empregados no entendimento do processo que trouxe o ensino do

violão popular, relacionado ao ensino não-formal, para o ambiente acadêmico, onde se

encontram características relacionadas ao ensino formal.

Quanto ao material bibliográfico relativo à prática do violão, Paulo Augusto Castagna

e Werner Schwarz (1999) afirmam que a música brasileira, para o instrumento, teve uma

rápida evolução em nosso século e uma aceitação internacional sem precedentes. Entretanto,

no Brasil, encontramos poucos trabalhos de pesquisa voltados para essa música. Os autores

assim consideram devido à comparação com o crescimento de pesquisas e publicações sobre

violão no exterior, e apontam a escassez de trabalhos sobre a música brasileira para o

instrumento.

As publicações que tratam o violão como instrumento acompanhador são ainda mais

escassas. O método O Violão Brasileiro, de Luís Otávio Braga (1988), voltado em sua grande

parte para o violão como instrumento solista, aborda alguns aspectos do violão como

instrumento acompanhador e é um dos poucos que trata do assunto com seriedade. Foi a partir

das idéias expostas pelo autor desse livro que surgiu o objeto da pesquisa a ser realizada.

No prefácio do método de Braga, o violonista Marcus Vinícius afirma que o ensino do

violão em nosso país sofre algumas mazelas: “ou atrela-se ao rigor do erudito ou vincula-se à

simplificação do popular” (BRAGA, 1988: 3). Podemos concordar com parte dessa

afirmação, pois a simplificação do popular talvez seja um reflexo da falta de preparo na

formação dos professores e de seriedade nas publicações encontradas, que trazem

simplesmente as cifras, a letra da música e os acordes desenhados no braço do violão, como

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se isso fosse suficiente para se entender um estilo ou mesmo uma canção. Podemos citar,

como exemplo, os Songbooks, produzidos por Almir Chediak e publicados pela editora

Lumiar, e os livros publicados pela editora Irmãos Vitale.

Verificamos que a principal função do violão na música popular brasileira é a de

instrumento acompanhador, tanto na música instrumental quanto na música vocal. Todavia,

constatamos no mercado uma escassez de publicações relativas ao ensino do instrumento com

essa função, assim como de pesquisas relativas a esse assunto. Pouco conhecemos dos

processos pedagógicos envolvidos nesse processo de ensino-aprendizagem. O conhecimento

desses mecanismos poderia não só auxiliar no desenvolvimento do ensino não-formal, que

geralmente é valorizado na música popular, como do ensino formal, realizado em grande parte

dos conservatórios e instituições musicais, além de proporcionar um intercâmbio de práticas e

idéias entre esses dois tipos de ensino.

A partir dessas reflexões, podem surgir vários questionamentos relacionados ao

assunto. Quem são os professores de hoje que estão formando os músicos que perpetuarão a

música popular brasileira? Será que já não é hora de documentarmos o que já foi e o que está

sendo feito pelos principais mestres do violão? Qual a formação pedagógica dos professores

atuais? Como eles elaboram seu processo de ensino-aprendizagem? Essas são algumas

questões que levaram à elaboração desta pesquisa e pretendemos respondê-las após a análise

dos dados recolhidos.

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Objetivos

O objetivo geral desta pesquisa é a análise dos mecanismos pedagógicos existentes no

ensino-aprendizagem do acompanhamento do choro no violão. A pesquisa irá se restringir ao

papel do violão de seis cordas nesse gênero, não abordando o ensino do violão de sete cordas,

também muito utilizado. A área geográfica pesquisada abrangerá duas cidades: Rio de Janeiro

e Niterói.

Uma hipótese que será verificada por este trabalho é a existência da necessidade de

criação de um método brasileiro para preencher uma lacuna na bibliografia musical do nosso

país. Essa questão não se restringe ao violão ou à música popular, mas também a outros

instrumentos que desenvolveram características e habilidades técnicas tipicamente nacionais.

Essas habilidades, aliadas ao fraseado peculiar da nossa música, foram largamente utilizadas

até mesmo pela música brasileira erudita que, a partir do movimento nacionalista, sofreu, e

continua sofrendo, forte influência da música popular e folclórica produzida neste país.

Para ilustrar essa discussão, podemos realizar uma breve comparação entre dois

gêneros musicais: o choro e o jazz. Escolhemos esses dois adotando como base a afirmativa

bastante difundida no meio popular que aponta o choro como o jazz brasileiro. Essa afirmativa

pode não ser totalmente verdadeira, mas comparando os dois gêneros podemos chegar a

alguns pontos em comum. Um deles é a capacidade de improvisação dos músicos. Outro é o

contraponto presente nos instrumentos acompanhadores. Os instrumentos, no entanto, se

diferem, pois o jazz se utiliza do piano e do contrabaixo, enquanto no choro encontramos o

violão de seis e/ou sete cordas.

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A percepção harmônica desenvolvida, que resulta na facilidade de acompanhar sem o

prévio conhecimento da harmonia, elaborando-a ao mesmo tempo em que a melodia é tocada,

e a reunião de músicos para tocar em saraus informais, denominado Jam Sessions no jazz e

“roda” no choro, também podem ser consideradas características em comum desses

dois gêneros.

Definidos os pontos em comum, podemos nos questionar: por que o jazz é mais

conhecido e divulgado que o choro em termos mundiais? Uma hipótese seria o fato do choro

continuar sendo difundido através de um ensino não-formal, sendo aprendido nos bares e nas

rodas de choro, enquanto o jazz é ensinado em universidades de renome, como a Berklee, o

que favorece uma maior divulgação deste gênero. Além desse fato, existem vários métodos de

jazz no mercado que variam no seu propósito: enquanto alguns trazem detalhes sobre

conduções harmônicas, escalas utilizadas, movimentação do baixo, outros trazem somente

exemplos de frases musicais ou dicas melódicas dos principais intérpretes do jazz. As poucas

publicações sobre choro existentes se limitam ao aspecto histórico, sem se aprofundarem nos

aspectos musicais. Não foi possível encontrar livros que tratem dos mecanismos harmônicos,

melódicos ou rítmicos presentes no choro.

Mas se o jazz, assim como o choro, nasceu a partir de uma maneira mais informal de

tocar e daí passou a ser codificado, por que não podemos fazer o mesmo com o choro? Por

serem gêneros com algumas semelhanças, poderíamos adaptar idéias aplicadas ao ensino do

jazz no aprendizado do choro?

As funções de um livro didático ou método, como é mais conhecido, na verdade, vão

muito além de simplesmente auxiliar alunos e professores no aprendizado do instrumento.

Existem outras funções que são ou se tornam tão importantes quanto essa. Uma delas é o

registro musicológico para gerações futuras do que estava sendo feito em determinada época.

O registro também serve para o desenvolvimento das técnicas de ensino-aprendizagem

aplicadas ao ensino do violão na música popular, já que outros métodos tendem a surgir,

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ampliando o campo de visão pedagógica e mostrando soluções mais adequadas para

problemas técnicos, além de esclarecer assuntos que não obtivessem soluções favoráveis em

métodos anteriores.

Outra função do livro didático é a divulgação maior e mais ampla da música popular

brasileira, pois facilitaria o aprendizado a distância e o crescimento do interesse em se fazer

música brasileira em outros países. A transmissão oral geralmente alcança uma área

geográfica restrita e impede uma propagação do conhecimento para fora de um circuito

determinado.

A importância de se elaborar métodos que auxiliem a prática do violão brasileiro,

tanto como solista quanto como acompanhador, é algo que Marcus Vinícius trata de maneira

clara na apresentação do livro O Violão Brasileiro. Ele diz que “ tal como ocorre em outros

instrumentos, a literatura pedagógica existente é quase toda estrangeira, geralmente espanhola

ou, mais recentemente, norte-americana” (BRAGA, 1988: 3).

Podemos citar exemplo de métodos utilizados por diversos professores brasileiros,

como a Escuela Razonada de la guitarra, de Emilio Pujol, que é baseado nos princípios de

Tárrega, o método de Abel Carlevaro, de Dionísio Aguado, dentre outros. A maioria deles são

compostos por mais de um volume, tendo alguns três ou quatro livros. Estes métodos não

devem ser excluídos do ensino do violão pois, além de consagrados, são muito importantes na

formação técnica básica do instrumento. No entanto, seus exercícios atendem mais

especificamente a dificuldades técnicas encontradas na música de seu país de origem, ou seja,

na música espanhola.

A divisão de capítulos se dará da seguinte forma: no primeiro capítulo efetuamos a

revisão da literatura, para ambientar o leitor à atmosfera do choro e do violão brasileiro

através dos mais significativos trabalhos relacionados à música popular brasileira; o segundo

apresentará o referencial teórico a ser utilizado; no terceiro capítulo, realizaremos uma análise

comparativa das entrevistas; e no quarto apresentaremos uma proposta didática baseada no

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referencial teórico e nos dados coletados pela pesquisa de campo. Por último, apresentaremos

as conclusões do trabalho.

Metodologia

O método hipotético-dedutivo, segundo Karl R. Popper, parte de um problema (o

ensino-aprendizagem do choro no violão). A esse problema, formulam-se conjecturas ou

hipóteses (a necessidade de criação de um método) que serão verificadas (entrevistas e

pesquisa bibliográfica) e, “tal como no caso da dialética, esse processo se renovaria a si

mesmo, dando surgimento a novos problemas” (LAKATOS e. MARCONI, 1991: 95). Para

Bunge, a verificação deve ser realizada à luz de um modelo teórico. Por esses motivos,

concluímos que esse método seria o que melhor se encaixaria em nossa pesquisa, pois

partimos de um problema que originou a elaboração de uma hipótese, verificada através de

entrevistas analisadas com base em um referencial teórico pré-concebido.

A técnica de pesquisa principal a ser empregada foi a pesquisa de campo.

Considerando o método de abordagem aos dados coletados, utilizamos a comparação para

defrontar as técnicas de ensino-aprendizagem utilizadas pelos sujeitos pesquisados.

A coleta de dados foi realizada através de entrevistas registradas com o auxílio de

gravação para transcrição posterior. As entrevistas foram estruturadas e direcionadas para o

campo pedagógico, objetivando a descoberta dos elementos que, segundo cada entrevistado,

são necessários para o aprendizado do choro e para o entendimento e execução de cada um

desses gêneros.

O roteiro de entrevista (p. 55) foi dividido em três segmentos: no primeiro,

procuramos examinar a trajetória de cada um dos entrevistados; no segundo, identificar os

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elementos necessários para a prática do choro e como são trabalhados com o aluno; no

terceiro, os mecanismos utilizados para o ensino-aprendizado desses elementos.

Os sujeitos escolhidos para integrar esta pesquisa foram criteriosamente escolhidos

por fazerem parte de uma mesma geração, cada um com uma trajetória musical bastante

significativa. São eles: Luís Otávio Braga, Bartolomeu Wiese, Rogério Souza e Maurício

Carrilho. O leitor encontrará mais detalhes sobre as entrevistas e os entrevistados no terceiro

capítulo.

Foram realizadas quatro entrevistas no total, uma com cada sujeito, com duração

média de uma hora e meia. O local foi escolhido pelos próprios entrevistados, que optaram

pelas suas moradias. A pesquisa de campo se deu entre junho de 2000 e janeiro de 2001.

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Revisão da literatura

Quando iniciamos uma pesquisa bibliográfica sobre música popular brasileira, nos

deparamos com algumas dificuldades em encontrar o material almejado. A carência de

publicações sobre esse assunto e alguns livros importantes, que esgotaram e não receberam

edições subseqüentes, são alguns dos motivos que dificultam esta tarefa.

Hermano Vianna, no prefácio do livro Choro: do quintal ao municipal, de Henrique

Cazes, afirma que:

um leitor interessado na história desse gênero musical teria de freqüentar dezenas de

bibliotecas e sebos para, juntando pedaços de diversos livros, formar um panorama

bastante incompleto daquilo que aconteceu e tem acontecido em torno das rodas de

choro (CAZES, 1998: 11).

Nas últimas décadas, houve um crescimento nas pesquisas relacionadas à música

popular brasileira. O assunto despertou o interesse tanto de musicólogos quanto de sociólogos

e antropólogos, que têm colaborado com publicações e, conseqüentemente, com a ampliação

da bibliografia sobre o assunto. Até mesmo músicos atuantes no mercado têm se arriscado a

passar para o papel sua vivência, conhecimentos e idéias.

Foram criados os cursos superiores em música popular pela Unicamp (Universidade

Estadual de Campinas) em 1989 e pela Uni-Rio (Universidade do Rio de Janeiro) em 1998,

além do curso livre de música popular pelo CBM (Conservatório Brasileiro de Música) em

1997, e também dos cursos de mestrado em música do CBM (primeiro que deu atenção

especial para a música brasileira. Funcionou entre 1980 e 1983) e da UFRJ (Universidade

Federal do Rio de Janeiro), na década de 80, e do curso de mestrado em música brasileira da

Uni-Rio, na década de 90. Todos esses cursos têm atentado os músicos em geral

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(instrumentistas, cantores, compositores) sobre a importância da pesquisa em música para o

resgate do que já foi realizado, o registro do que é realizado e apontamentos para o que poderá

ser realizado no futuro da música popular brasileira, bem como têm tido papel fundamental na

formação de novos pesquisadores e educadores, preocupados com a divulgação da nossa

cultura musical.

O objetivo deste capítulo é fazer uma avaliação crítica sobre algumas publicações e

dissertações, relacionadas ao choro, e sobre personagens que ajudaram na formação e na

consolidação desse gênero. Também serão analisados os trabalhos sobre o ensino da música

popular.

A maioria dos livros que pretende investigar a temática do choro está voltada quase

que exclusivamente para o lado histórico e sociológico. Eles tentam recriar a atmosfera vivida

na época em que esse gênero atingiu seu apogeu, para entendermos melhor como se deu a

criação do choro e sua disseminação. É natural narrarmos os casos e “causos” pitorescos

ocorridos em festas e rodas de chorões, ao tratarmos de um assunto tão popular e que faz parte

da alma do povo brasileiro, como é o choro. No entanto, não podemos nos ater a

superficialidades, a não ser que o livro tenha como objetivo o entretenimento, o que não seria

má idéia.

Alguns historiadores não foram incluídos neste trabalho, porque suas obras já foram

revistas e serviram como base para os livros que serão abordados. Além disso, os fatos

apontados por eles se detêm a aspectos da etimologia da palavra choro ou do surgimento

desse gênero, advindo da polca e da habanera. Ary Vasconcelos, Batista Siqueira, Oneyda

Alvarenga, entre outros, podem ser citados pelas suas contribuições para a história da música

brasileira, mas estas já foram extraídas pelos autores que aqui serão discutidos.

Este capítulo será dividido em três partes. Na primeira, será feita uma revisão crítica

dos livros publicados; na segunda, a análise das dissertações de mestrado em música e

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educação musical. Tanto os livros quanto as dissertações, direta ou indiretamente, apresentam

alguma contribuição para o melhor entendimento do choro ou do ensino da música popular.

Na última parte, será analisada a revista Roda de Choro, a qual ajudou a conectar chorões de

todo o país, mas, infelizmente, encontra seus trabalhos interrompidos por dificuldades

financeiras. Nas biografias que fazem parte deste capítulo, examinaremos a contribuição do

personagem biografado para o choro e para a música popular brasileira.

Livros

Um dos principais pesquisadores e escritores que, mesmo odiado por alguns e amado

por outros, teve e tem um papel fundamental na investigação da história da música popular

brasileira é José Ramos Tinhorão. Como jornalista e escritor, e com sua opinião quase sempre

polêmica e a favor da música popular “autêntica”, Tinhorão escreveu artigos e livros que se

tornaram referência fundamental para qualquer pesquisa relacionada à música popular

brasileira.

Tinhorão dedica uma parte de cada um dos seus livros examinados à análise do

processo de criação do choro. Os livros Pequena história da música popular: da modinha à

lambada e Música popular: um tema em debate têm uma abordagem bastante semelhante

sobre o tema, focalizando alguns aspectos pitorescos e musicais, enquanto História social da

música popular brasileira dá maior enfoque a aspectos sociais da época.

Para descrever o início e o apogeu da história do choro, Tinhorão recorre ao livro do

“duble de violonista e historiador” (CAZES, 1998: 18) Alexandre Gonçalves Pinto, intitulado

O choro – reminiscências dos chorões antigos. Nesse livro, o “Animal” (apelido de Pinto)

traça pequenas biografias de colegas que ajudam a descobrir os chorões que participaram da

criação desse gênero, seus instrumentos e suas profissões. Apesar de seus inúmeros erros de

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gramática, esse livro revela importantes dados estatísticos e descreve o ambiente em que era

cultivado o choro.

Tinhorão discute o uso da palavra choro, naquela época, apresentando seus vários

significados. Choro poderia ser relacionado a festas em casas de família de classe média onde

os chorões se reuniam; designava a maneira melancólica com a qual instrumentistas populares

interpretavam as polcas (dança que apareceria no Brasil em 1845); e também era o nome dado

ao grupo que executava essas danças, geralmente formado por flauta, cavaquinho e dois

violões – o “quarteto ideal”, segundo o maestro Batista Siqueira (cit. TINHORÃO, 1991:

104).

Segundo Tinhorão, o choro teve seu início por volta de 1870 e seu declínio por volta

de 1930, com o desenvolvimento da indústria fonográfica, do rádio e das jazz-bands.

Podemos acreditar que o autor refere-se ao choro como um estilo de vida dos chorões e não

como um gênero, pois este permanece vivo até os dias atuais.

Em seu livro História social da música popular brasileira, o autor traça um perfil

sociológico dos músicos que integravam o que ele chama de “orquestras dos pobres”.

Segundo Tinhorão, a maioria dos chorões tocava por simples prazer e por um bom “pirão”

(maneira como chamavam a comida). Os instrumentistas das cordas eram, geralmente,

pequenos burocratas e os de sopro integravam as bandas militares e dos bombeiros. Ele

justifica a ausência de trabalhadores braçais devido à impossibilidade de “acompanhar ritmo

de vida dos boêmios, que após as tocatas noturnas voltavam à casa pela madrugada”

(TINHORÃO, 1998: 200). Apesar de uma heterogeneidade racial e econômica, a ausência de

negros chorões (Tinhorão conta que o “Animal” cita apenas um negro em seu livro) é

justificada pelo fato de os negros formarem o “grosso” das camadas mais baixas, e um chorão

tinha que ter um mínimo de condição para adquirir seu instrumento.

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Ao discorrer sobre o fim da época dos chorões, emocionado, Tinhorão afirma que

“nem tudo havia sido em vão porque, afinal, de meio século de experiência com solos e

contracantos à base de flautas, violões e cavaquinhos salvava-se uma forma nova de música

popular: o choro” (TINHORÃO, 1998: 202).

No livro Villa-Lobos, o choro e os choros (1977), José Maria Neves busca influências

desse gênero popular na obra-prima do maestro: a grandiosa série Choros. O autor também

apresenta os principais elementos musicais que nos ajudam a definir o choro como gênero.

Segundo Neves (1977), linhas melódicas baseadas em arpejos de acordes, a combinação de

grandes saltos e movimentos por grau conjunto e a predominância do movimento diatônico

são alguns dos elementos encontrados no choro. A melodia se apresenta em primeiro plano,

sendo acentuada por acordes da harmonia. No plano harmônico, encontramos uma das

maiores riquezas do gênero. As modulações são curiosas, passando do modo maior para o

menor, por tons vizinhos ou afastados de maneira surpreendente, voltando com freqüência à

tonalidade principal.

Esses elementos são encontrados nos choros tradicionais, pois com Radamés o choro

adquire uma nova cara, permitindo arranjos mais elaborados, a divisão da melodia por dois ou

mais solistas, a intervenção de instrumentos de percussão e modulações ainda mais curiosas e

surpreendentes, além de maior cromatismo e notas alteradas na melodia.

Não podemos falar em choro sem falar em Alfredo da Rocha Vianna Filho, o

Pixinguinha, através do qual o choro passou a significar também um gênero musical de forma

definida. Esse grande compositor, instrumentista e arranjador era, além de tudo, um inovador

que se tornaria um marco e um divisor de águas da música popular brasileira. Segundo Ary

Vasconcelos, se temos quinze volumes para falar sobre música brasileira seria pouco, mas se

dispomos “apenas do espaço de uma palavra, nem tudo está perdido; escreva depressa:

Pixinguinha” (apud SILVA e OLIVEIRA FILHO, 1998: 238).

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Dentre suas várias biografias, escolhemos uma que talvez seja a mais recente,

intitulada Pixinguinha: filho de ogum bexiguento, de Marília T. Barboza da Silva e Arthur L.

de Oliveira Filho, republicada em 1998. Os autores apresentam um trabalho repleto de fatos e

curiosidades e uma excelente investigação sobre a vida do mestre.

O livro traça um perfil muito interessante sobre a carreira do músico Pixinguinha e

sobre o homem de bom coração e amigo de todos. Apesar de não se aprofundar muito em

aspectos musicais, dois capítulos chamam a atenção para esses aspectos. Em um deles, os

autores discutem a influência do jazz na obra de Pixinguinha e, no outro, fazem uma análise

de sua obra.

O sugestivo título Influência do Jazz? nos aponta como esse assunto foi abordado. Os

autores questionam os argumentos utilizados pelos críticos e historiadores para acusar

Pixinguinha e seus batutas de terem sido influenciados por um gênero norte-americano que

ainda se encontrava em sua forma embrionária na época em que o grupo fez sucesso.

Um dos pontos apontados pelos críticos como influência do jazz é a utilização do

saxofone por Pixinguinha, a partir de sua viagem à Europa. No entanto, o saxofone já era

utilizado no choro “quase 30 anos antes de Pixinguinha nascer, mais de meio século antes de

entrar no jazz”(SILVA e OLIVEIRA FILHO, 1998: 78). A acusação de influência desse

gênero em Carinhoso também é infundada, pois foi composto antes de ser gravado o primeiro

disco de jazz. No entanto, por ter somente duas partes (o choro tradicional possui três),

Pixinguinha resolveu encostá-lo e gravá-lo mais tarde pois, em suas próprias palavras,

“ninguém iria aceitá-lo” (apud SILVA e OLIVEIRA FILHO, 1998: 87). O próprio fato de Os

Batutas serem considerados jazz-band não significa uma influência desse gênero, a não ser no

instrumental e na indumentária, já que essa expressão era “usada na época para toda a sorte de

agrupamentos instrumentais, mesmo que não estivessem ligados ao jazz” (CAZES, 1998: 61).

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Na publicação, a obra de Pixinguinha não é analisada musicalmente por motivos

óbvios. Por se tratar de muitas peças – só de inéditas “deve atingir a casa das duas mil

músicas” – sua análise seria assunto suficiente para outro livro, talvez até mais de um (SILVA

e OLIVEIRA FILHO, 1998: 239). Infelizmente, algumas dessas obras irão continuar inéditas:

ou “se estragaram pela chuva no fundo da velha mala guardada na varanda” ou não foram

escritas. Esperamos que, seguindo o exemplo de Marcelo Vianna, cantor e neto de

Pixinguinha que está gravando um CD repleto de músicas inéditas do avô, outros músicos se

interessem em gravar essa obra e nos permitam conhecer o Pixinguinha ainda desconhecido

do público.

A análise da obra empreendida pelos autores não é totalmente satisfatória. As

conclusões atingidas apontam Pixinguinha como fixador do gênero choro, compondo obras

primas como Carinhoso, Lamento e Ingênuo (sendo esta última a preferida do compositor) e

com participação “brilhante e decisiva nas três principais formas de manifestação do gênero

samba: o samba do tipo fixado por Sinhô, o chamado samba do estácio e o samba-canção”

(SILVA e FILHO, 1998: 256). Entretanto, os autores não se aprofundam em aspectos

musicais, realizando apenas uma análise superficial da obra.

Quanto aos fatos ocorridos na vida artística do exímio flautista, podemos citar a

carreira nos Oito Batutas, com uma passagem pela Europa que despertou o preconceito racial

de alguns jornalistas, por se tratar de negros representando o Brasil no exterior. O grupo

também teve passagem pela Argentina, onde gravou dez discos pela Victor local, que foram

lançados em CD no Brasil pelo selo Revivendo (SILVA e OLIVEIRA FILHO, 1998: 265).

Pixinguinha foi um pioneiro na rádio, onde trabalhou como instrumentista e como

arranjador ao lado de Radamés Gnattali. Mais tarde, em dificuldades financeiras, ocorreu a

parceria com o flautista Benedito Lacerda, com quem gravou trinta e quatro discos. Nessa

época, Pixinguinha trocou a flauta pelo sax tenor, pois fazia parte de um acordo acertado entre

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os dois. Apesar da virtuosidade de Benedito, essas gravações chamam a atenção pelos

contrapontos do sax tenor.

Outro músico fundamental para a história da música popular brasileira chama-se

Aníbal Augusto Sardinha, mas é mais conhecido pelo seu apelido: Garoto. Sua biografia,

escrita por Irati Antônio e Regina Pereira, tem o sugestivo nome de Garoto, sinal dos tempos.

O título faz menção ao choro Sinal dos Tempos, composição do violonista que apresenta uma

harmonia moderna para a época. Os autores aproveitaram “a deixa” para destacar o caráter

inovador de Garoto.

Menino prodígio, Garoto começou a aprender banjo aos onze anos, observando seus

pais e irmãos, que eram músicos amadores, e se tornou um multi-instrumentista, dominando

vários instrumentos de corda. Atuou no rádio desde a sua formação ao lado de grandes nomes

da música popular brasileira e excursionou pelos Estados Unidos da América acompanhando

Carmen Miranda e o Bando da Lua, onde travou contato com músicos de jazz norte-

americano.

Garoto viveu uma época de transição, onde a música popular brasileira sofria

influências tanto da música erudita quanto do jazz, e suas composições refletem e apontam

para essas mudanças, sendo consideradas modernas ainda hoje. Era um chorão, e “pelo choro

fez mais do que dar continuidade a uma tradição: rompeu com a sua petrificação, sua

estabilidade e com harmonia moderna realizou uma síntese perfeita entre os choros e as obras

clássicas” (ANTONIO e PEREIRA, 1982: 71). Atualmente sua obra tem recebido atenção

especial de violonistas do porte de Geraldo Ribeiro e Paulo Belinatti, que participaram do

processo de edição e divulgação desta.

Para finalizar, examinaremos os dois últimos lançamentos do mercado, o primeiro,

relacionado ao aspecto histórico do choro e o segundo, ao aspecto didático. Esses trabalhos se

diferenciam dos demais por terem sido elaborados por músicos atuantes no campo da música

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popular brasileira e que participaram da história do choro nas últimas três décadas, ajudando

no desenvolvimento e na divulgação desse gênero que, segundo Paulo Moura, “dentre os

gêneros da tradição instrumental brasileira, é o que demonstra maior vigor de transformação

criativa” (SÉVE, 1999: 7).

Henrique Cazes, atualmente um dos mais importantes cavaquinistas do Brasil, é

também um grande divulgador da nossa música, promovendo relançamentos de CDs não

disponíveis no mercado, lançamentos de LPs em CD e edições de partituras, além de shows,

concertos e gravações.

Seu livro O choro: do quintal ao Municipal traça o perfil desse gênero desde seu

surgimento, em julho de 1845 – quando a polca foi dançada pela primeira vez no Teatro São

Pedro – até maio de 1998. Sem o intuito de se tornar profeta, o autor do prefácio Hermano

Vianna afirma que “este livro se tornará, imediatamente, uma obra de referência indispensável

para estudiosos e amantes do choro e da música brasileira em geral” (CAZES, 1998: 11).

Podemos concordar com Vianna e torcer para que essa história não acabe nesse livro, pois

podemos deduzir que Cazes e outros músicos ligados ao choro ainda têm muito o que contar e

enriquecer nossa cultura.

Quanto ao título do livro não se trata de uma trajetória que começa no quintal

e acaba no Municipal. O choro é visto em vários momentos em ambientes que vão da

roda informal até a sala de concerto. A capacidade dessa música de se adaptar a

objetivos que vão do simples lazer à rigorosa apreciação artística é por si só a chave

da vitalidade do choro. (CAZES, 1998: 173)

Apesar de propor uma divisão em pequenos capítulos nos quais o autor enfoca

aspectos específicos do choro – como a roda, o violão no choro, compositores e

instrumentistas importantes –, o autor consegue ser sucinto e ao mesmo tempo trazer muitas

informações, apontando os principais nomes que fizeram parte da história desse gênero.

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Também consegue dosar fatos importantes com casos engraçados e peculiares,

característicos do meio e das figuras folclóricas que participam e participaram da história da

música popular brasileira. O autor apresenta ainda uma discografia comentada, com os

principais discos da história do choro.

Uma grande contribuição de Cazes é a análise do grupo de choro e sua evolução.

Apesar da manutenção de seu aspecto original, com um ou mais solistas, cavaquinho e

violões, Cazes revela que a percussão, hoje em dia quase indispensável, entraria no choro

cinqüenta anos mais tarde. No princípio, os grupos, formados por amadores que se reuniam

para tocar nas festas em casas de famílias, eram chamados de choros ou serestas. Com o

advento do rádio e a profissionalização, foram contratados para integrar o cast das emissoras

e, por ser uma formação que não necessitava de arranjos escritos, tinham “a agilidade e o

poder de improvisação para tapar buracos e resolver qualquer parada no que se referisse ao

acompanhamento de cantores” (CAZES, 1998: 85). O início de uma maior sistematização dos

arranjos, apesar de ainda não serem escritos, aconteceu através de Jacob do Bandolim. A

partir de Jacob, o nome regional é substituído por conjunto de choro. A diversificação

instrumental e o pioneirismo de Radamés, ao escrever arranjos para um regional, leva o grupo

de choro a um nível de elaboração quase erudita. Daí surge a Camerata Carioca e o choro

chega definitivamente aos teatros.

As personalidades consideradas fundamentais para o gênero são Pixinguinha, Jacob do

Bandolim e Radamés Gnattali. Chegamos a essa conclusão pelo fato do maior espaço

dedicado a essas personalidades nesse livro. Pixinguinha deu ao choro uma forma definida e

nos deixou pérolas como Carinhoso e Lamento ; Jacob iniciou o resgate de choros antigos e

fez a transição do regional para o conjunto de choro; Radamés apontou novos caminhos tanto

formais quanto instrumentais e transformou o conjunto de choro em camerata.

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Apesar de não ser escritor, e sem pretensão de sê-lo, Cazes escreve de maneira simples

e objetiva, o que torna a leitura de seu livro um agradável passatempo informativo. Sua forte

personalidade e seu conhecimento do meio “chorístico” estão caracterizados em críticas e

opiniões apresentadas por ele. Uma delas é dirigida à falta de apoio oficial ao choro e à

música popular em geral. Segundo o autor, com o mínimo de apoio, poderíamos tirar do gueto

“esta porção mais chique da alma brasileira e tornar o choro uma atração tão associada ao

Brasil quanto o Corcovado, o Pão de Açúcar e o carnaval. Algo como o jazz em New

Orleans” (CAZES, 1998: 197).

Vocabulário do choro: estudos e composições (1999) é um trabalho pioneiro do

flautista, saxofonista, compositor e arranjador Mário Séve, integrante e fundador dos

quintetos Nó em Pingo d’Água e Aquarela Carioca. A partir desse trabalho, ele tenta

sintetizar o vocabulário do gênero choro, tendo como principal fonte a obra do mestre

Pixinguinha.

O trabalho se divide em duas partes. Na primeira, são apresentados estudos inspirados

em frases musicais dos principais compositores de choro, aplicando divisões rítmicas,

acentuações e articulações do fraseado que são típicas desse gênero. A segunda parte é uma

suíte de cinco peças, composta pelo autor, que aborda os principais estilos executados em

rodas de choro (choro, maxixe, valsa, samba, frevo, marcha e baião). Direcionado

basicamente aos instrumentos solistas, Séve inicia o método com alguns aspectos teórico-

práticos como acentuações, ornamentos, articulações, acompanhamentos e seqüências

harmônicas.

Um ponto desfavorável do método de Séve é a ausência de algum tipo de recurso

auditivo. Com o avanço tecnológico e as facilidades para a gravação de um CD, é no mínimo

estranho a ausência desse recurso, fundamental na música popular, pois, como já dizia

Pixinguinha, no choro não se toca exatamente o que está escrito. A escrita é uma maneira de

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facilitar o acesso à música popular, mas a escuta é fundamental para a aquisição do suingue e

das “malandragens” que caracterizam a nossa música.

Podemos concluir que, apesar de não ser um trabalho definitivo no campo didático,

pois ainda há muito a ser estudado e pesquisado a respeito da linguagem ou vocabulário do

choro, trata-se de uma grande iniciativa. Algumas outras publicações anteriores a essa

também enriqueceram e ajudaram na formação de instrumentistas ligados à música popular,

como Método do bandolim brasileiro, de Afonso Machado, e Escola Moderna do

Cavaquinho, de Henrique Cazes. Esperamos que apareçam outros trabalhos desse tipo para

fornecer material aos interessados em ingressar no universo do choro.

Teses relacionadas ao choro e ao violão

A criação dos cursos de mestrado em música no Brasil incentivou a formação de

músicos pesquisadores, que apresentam um interesse mais voltado à analise de aspectos

musicais propriamente ditos. Por voltar-se a um público restrito, esse tipo de investigação

encontra certas dificuldades fora do âmbito universitário, pois as nossas editoras geralmente

estão interessadas somente em livros que tenham muita saída no mercado e proporcionem

altos lucros. Por esse motivo, é fundamental ressaltar a importância dos incentivos dados à

pesquisa em música por órgãos como CAPES (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior) e CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico).

Inicialmente demonstraremos três dissertações elaboradas em 1995 pelos violonistas

Graça Allan, José Paulo Becker e Márcia Taborda. A primeira trata da história do violão e as

outras duas abordam aspectos do acompanhamento do choro no violão.

Maria das Graças dos Reis José, em sua dissertação de mestrado intitulada Violão

Carioca – nas ruas, nos salões, na universidade – uma trajetória (1995), traça o caminho

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percorrido por esse instrumento desde a chegada dos portugueses ao Brasil até os dias atuais.

A autora também apresenta pequenas biografias dos principais nomes que contribuíram para a

valorização e a popularidade do instrumento.

Apesar de dedicar poucas páginas ao choro, ela afirma que “sem acesso aos salões das

altas camadas sociais”, o violão vai encontrar nesse ambiente o lugar “propício à sua

disseminação” (JOSÉ, 1995: 25). Ela também afirma que tocar no choro era crime previsto no

código penal e, “ao ser detido, o violonista tinha os seus dedos da mão esquerda examinados,

e quando a polícia constatava a verdade era ele considerado um serenatista arraigado” (JOSÉ,

1995: 26), podendo até passar uma noite na cadeia.

A pesquisadora dedica o segundo capítulo de sua dissertação, Tocando e ensinando

violão, à tarefa de examinar a evolução do ensino do instrumento no Brasil, apontando nomes

importantes na área pedagógica e na divulgação do violão. Entretanto, se restringe ao ensino

do violão como instrumento solista, deixando de lado sua função de acompanhador.

A dissertação de mestrado de José Paulo Becker O Acompanhamento do Violão de 6

Cordas no Choro a Partir de sua Visão no Conjunto Época de Ouro (1995) aborda o uso do

violão no choro mais especificamente. A dissertação é dividida em três partes. Na primeira, o

autor traça aspectos históricos do choro e a importância atribuída ao violão nesse gênero. A

segunda parte constitui-se de um perfil biográfico de Jacob do Bandolim, fundador do grupo

Época de Ouro; são apontadas as contribuições desse notável instrumentista, compositor e

pesquisador para o crescimento da música instrumental brasileira. Na terceira parte são

analisadas transcrições de choros do repertório do grupo em questão. Essas análises têm o

objetivo de examinar a utilização do violão no choro.

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Destaca-se, em tal dissertação, a preocupação do autor com a falta de informação

presente na notação empregada usualmente no registro da música popular brasileira (cifra e

melodia), podendo a riqueza harmônica, polifônica e rítmica do acompanhamento do violão

acabar “sobrevivendo graças à memória e talento de uns poucos músicos” (BECKER, 1995:

v).

Outro aspecto ressaltado por Becker é a carência de trabalhos a respeito do

aprendizado do acompanhamento do violão no choro. Ele afirma que a principal “escola” do

acompanhamento do choro no violão “sempre foi a roda de choro onde um músico aprende

vendo e ouvindo o outro tocar” (BECKER, 1995: 88). Essa escola, apesar de sua riqueza, “não

apresenta registro na forma de partitura tradicional, sendo a única referência as gravações e

algumas partituras cifradas” (BECKER, 1995: 89).

Uma outra contribuição importante do trabalho de Becker é a definição das funções

atribuídas ao violão de seis cordas no conjunto de choro. Apesar de variarem de acordo com a

instrumentação empregada, esse instrumento é, geralmente, utilizado para preencher a

harmonia, enquanto o violão de sete realiza o contraponto melódico nas cordas mais graves

(bordões) do violão. Esses contrapontos são mais conhecidos como “baixarias”. Entretanto, o

violão de seis também pode realizar terças paralelas com essas baixarias e utilizar-se de

efeitos sonoros, como glissandos e campanela (termo utilizado para denominar o efeito

resultante de graus conjuntos realizados em duas ou mais cordas diferentes no violão). O

violão de seis cordas também pode realizar contracantos melódico na região aguda, ou até

mesmo dobras com a melodia, o que pode ser verificado na prática através nos violonistas

Rogério Souza, do grupo Nó em Pingo D’água, e em Luís Flávio Alcofra, do Água de

Moringa.

Atualmente, encontramos muitos grupos de choro com apenas um violão, por vezes o

de seis e por vezes o de sete cordas. Nesse caso específico, o violonista deve desempenhar

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tanto a função de acompanhador quanto a de realizar os contracantos. Por esse motivo,

pensamos que a formação do violonista, tanto o de seis quanto o de sete cordas, deve ser a

mais completa possível, podendo desempenhar qualquer uma das funções expostas no

parágrafo anterior.

Márcia Ermelinda Taborda, violonista assim como os dois autores citados

anteriormente, desenvolveu um excelente trabalho de pesquisa sobre a vida e obra de Dino 7

Cordas. A dissertação Dino Sete Cordas e o acompanhamento de violão na música popular

brasileira demonstra a evolução do estilo brasileiro de se acompanhar ao violão, apontando o

violonista em questão como um inovador.

No primeiro capítulo, a autora analisa a história do violão desde a pré-história até os

dias atuais. Ela conta que, no fim do século XVIII, a música para o violão, até então escrita

somente em tablatura (sistema de escrita musical no qual linhas paralelas representam as

cordas e letras ou algarismos, as casas do braço do violão), passou a ser escrita no

pentagrama. “Por essa época também o ensino do violão deixou de ser feito apenas pela

tradição oral e passou a utilizar métodos escritos, onde os autores explicitavam o conjunto das

técnicas preconizadas. Conseqüentemente, essas técnicas se desenvolveram de modo sem

precedente” (TABORDA, 1995: 18).

A história do surgimento do conjunto regional, principal formação instrumental

relacionada ao choro, é abordada no segundo capítulo que inicia narrando a chegada do violão

ao Brasil. Taborda aponta que, desde o surgimento do choro, era exigida um bom “ouvido”

por parte dos acompanhadores, ou seja, “a capacidade de perceber o tom, intuir os

encadeamentos harmônicos e acompanhá-los com o movimento dos baixos, dos acordes

correspondentes e, eventualmente, enriquecê-los com comentários de natureza vária”

(TABORDA, 1995: 34). A técnica de acompanhamento criada por esses músicos que tocavam

de ouvido acabou gerando uma verdadeira escola: a escola do choro.

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O capítulo seguinte realiza um perfil biográfico de Dino, cujo nome de batismo é

Horondino José da Silva. O aprendizado desse músico pode ser caracterizado como não-

formal, pois se deu quase todo por tradição oral, através do pai e dos amigos, e da imitação do

que ouvia no rádio, seu principal modelo de acompanhamento no início. Daí vem a prática do

aprendizado “de ouvido”, que ocorre através do desenvolvimento da percepção auditiva tanto

para elementos melódicos e harmônicos, quanto para elementos rítmicos.

O último capítulo realiza uma análise de acompanhamentos realizados ao violão desde

1902, época do lançamento dos primeiros discos gravados no Brasil. A autora identifica uma

evolução no estilo brasileiro de acompanhar ao violão. Nos primórdios, de 1902 a 1927, eram

bastante simples, não havendo a preocupação de condução dos baixos. Nos anos 30, Tute

inicia os procedimentos utilizados até hoje, como a inversão de acordes e colocação de frases

com a função de conduzir a mudança de partes ou a repetição da mesma. Na época áurea do

regional, os baixos são mais numerosos em relação ao período anterior, e a condução por

graus conjuntos ou cromáticos passa a ser utilizada. A última fase é caracterizada pelas

inovações propostas por Dino 7 Cordas e será exposta no parágrafo seguinte.

Taborda divide a carreira de Dino em duas grande fases: antes e depois de seu contato

com Pixinguinha. Na primeira, o acompanhamento segue o padrão estabelecido pelo regional,

enquanto na segunda Dino estabelece um novo padrão de acompanhamento, transpondo as

idéias presentes nos contracantos do sax tenor de Pixinguinha para o violão. A autora

considera a aplicação das frases sempre em contracanto com a melodia e os padrões rítmicos

ricos em síncopes, quiálteras e contratempos como os aspectos mais importantes desse novo

estilo.

Sobre a atividade didática do músico, Taborda comenta que, apesar de dar aulas

particulares, ela se dá mesmo através de seu trabalho, considerado por ela um modelo a ser

seguido por todos aqueles que se dedicam ao violão de sete cordas.

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Outras teses que se relacionam ao choro são voltadas para a obra de compositores que

se utilizaram do gênero, ajudando em sua perpetuação e modernização. Foram examinados

três desses trabalhos, por estarem voltados diretamente ao violão. O primeiro investiga a vida

e a obra do violonista Dilermando Reis e os outros dois, a obra violonística de Radamés

Ganattali.

Luciano Linhares Pires analisa a vida e obra de Dilermando Reis em sua dissertação

de mestrado defendida na UFRJ em 1995. Segundo o autor, as composições de Dilermando

Reis “se inserem num universo abrangente e sem limites nítidos, onde o grau de refinamento

e, ao mesmo tempo, o apelo popular permitem uma abordagem como sendo uma arte de

fronteiras entre o erudito e o popular”(PIRES, 1955: 15).

A carreira de Dilermando Reis foi marcada pelo sucesso, sendo considerado um dos

mais famosos violonistas do rádio. Nesse mesmo meio de comunicação, divulgou suas

composições e realizou programas semanais de trinta minutos, podendo-se concluir que tinha

muitos fãs pelo número de cartas que recebia. Dilermando também teve grande importância

no campo pedagógico, destacando-se entre seus alunos o Bola Sete, Nicanor Teixeira, Luís

Molina e Darci Vila Verde (PIRES, 1955).

Além de solista, Dilermando era também um excelente acompanhador. Nessa função,

“não se limitava a fazer acordes apenas, criando solos, como no caso do duo de violão e piano

com José Maria de Abreu, em que tocava choros e outros gêneros variados” (PIRES, 1995:

23). No entanto, Cazes nos conta que Dilermando, apesar de ter vivido uma época mais

recente, faz parte do grupo de violonistas “da antiga”, pois “tocava e compunha ao estilo dos

pioneiros do violão brasileiro (CAZES, 1998: 50).

Falar de Radamés Gnattali é falar do músico que revolucionou a música popular

brasileira. As teses que tratam da sua obra para violão deste grande compositor nos mostram

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como ele soube sintetizar, com extrema competência, a vivência da música popular brasileira,

a tradição erudita e sua influência jazzística.

A pesquisa de Ledice Fernandes de Oliveira (1994), além de analisar a obra

violonística de Radamés, realiza uma comparação entre uma composição do Garoto chamada

Gracioso, o arranjo para violão e orquestra de Radamés para esta música e o Estudo X deste

compositor (dedicado a Garoto e inspirado em Gracioso). A autora conclui que Garoto e

Radamés utilizam influências diversas, basicamente de origem européia e afro-americana, em

suas composições para violão. O que os diferencia é o fato de “Garoto ter partido do choro e

da música com maior influência negra, para depois se interessar pelo violão de escola clássica

e pelo impressionismo de Debussy”, enquanto Radamés “primeiro se formou um pianista da

música clássica, para depois se interessar pela técnica dos pianeiros cariocas, dos chorões, dos

sambistas, dos jazzistas” (OLIVEIRA, 1999: 162).

Bartolomeu Wiese Filho, na tese intitulada Radamés Ganattali e sua obra para violão

aborda a obra de Radamés sobre outro aspecto. Ele define elementos como timbre, pedal,

ostinato e examina a utilização de tais elementos nas composições do maestro. Segundo suas

conclusões, a essência das obras analisadas é indiscutivelmente popular, “porém, a forma de

trabalhar o material musical é oriunda de sua formação erudita” (WIESE, 1995: 78).

O pioneirismo de Radamés é exaltado em ambos trabalhos pois, além de suas

composições, ele inovou tanto nos arranjos quanto nas formações camerísticas e orquestrais

das quais se utilizava. Ele foi o primeiro a escrever arranjos para regionais, que geralmente

acompanhavam de ouvido, ou seja, sem nada pré-estabelecido a não ser a tonalidade.

Também participou do trio carioca que é considerado a mais revolucionária experiência da

época no campo do choro com uma formação inspirada no jazz (piano, saxofone e bateria).

Outro grupo que fundou, o seu quinteto/sexteto, deixou grandes contribuições para o choro,

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utilizando harmonizações não usuais e realizando mudanças na forma tradicional e no

esquema de modulações.

A Suíte Retratos, composta em 1956 por Radamés Gnattali, pode ser considerada um

marco na história do choro. Para homenagear os compositores que considerava os pilares da

música brasileira – Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros e Chiquinha

Gonzaga – Radamés escreveu esta suíte, em quatro movimentos (um por compositor), para

bandolim, orquestra de cordas e regional, dedicada a Jacob do Bandolim. Essa obra e outras

dedicadas a solistas populares podem ser consideradas “a ponte que o maestro Radamés

Ganattali fez entre a música de concerto e a música popular” (CAZES, 1998: 123).

Iremos analisar também algumas teses, defendidas recentemente, relacionadas

diretamente ao choro, mas não ao violão. Serão examinados os três trabalhos mais recentes: as

dissertações de José Maria Braga, Eliane Salek e Alexandre Caldi Magalhães. Os três são

instrumentistas de sopro (os dois primeiros tocam flauta e o terceiro flauta, clarineta e todos

os tipos de saxofone), o que demonstra o interesse e a importância dessa família de

instrumentos para o choro.

A dissertação de mestrado A arte do choro e a alma barroca: o caso de Abel Ferreira,

de José Maria Rendeiro Corrêa Braga, traça o desenvolvimento histórico do choro e busca um

paralelo entre essa prática musical e a música barroca. Ela se divide em três capítulos: o

primeiro fala sobre a trajetória de Abel Ferreira e a importância da igreja e das bandas de

música como formadora de músicos; o segundo discorre sobre a história do choro, onde dá

enorme ênfase à música dos barbeiros, considerada pelo autor como ancestral do que viria a

ser o choro, e sobre a alma barroca, ou seja, elementos que caracterizariam o período barroco;

o terceiro capítulo realiza análises de músicas consideradas pertencentes ao gênero choro, ao

nosso ver não tão satisfatórias, e tenta encontrar similaridades entre estes e a música barroca.

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No segundo capítulo, o autor nos mostra porque o choro pode ser considerado uma

escola e por que ele a chama de “informal”. Pode-se chamar de escola pelo fato do termo

designar não somente o estabelecimento onde se ministram aulas de determinado assunto, mas

também uma “determinada concepção técnica e estética de arte, seguida por muitos artistas”

(BRAGA, 1998: 68). O termo informal também é aplicado pelo fato do procedimento adotado

por esta escola, “no que tange à aquisição e à transmissão do conhecimento, se dá de maneira

não sistematizada e é fruto da ação direta do músico com o seu instrumento” (BRAGA, 1998:

68).

Mais adiante, o autor afirma que os aspirantes a chorões iniciam-se nesse universo

através da observação dos mestres, quando estes estão em pleno exercício de suas funções,

seja numa roda informal ou em uma apresentação formal, e da audição de gravações destes

mesmos mestres. Entretanto, ele vislumbra uma ligeira mudança nesse cenário, por uma maior

necessidade de profissionalização exigida pelo mercado, e aponta a criação da Escola de

Choro de Brasília como um dos marcos dessa mudança. Ele acredita que a formalização do

ensino do choro não é prejudicial ao gênero.

Há quem diga que a formalização da transmissão do conhecimento, no que diz

respeito ao domínio técnico do instrumento, bem como do estilo, acabaria por levar o

choro a uma involução, amarrando-o a fórmulas burocráticas de estudo e a uma

conseqüente perda de essência. Não acredito nesse discurso. pois ao contrário, creio

que o desenvolvimento de métodos de ensino da técnica do choro no que diz respeito

ao estilo, baseado no material que temos, seria de grande contribuição para o

desenvolvimento em bases mais consistentes da música do choro, o que também viria

a contribuir para a valorização do instrumentista do gênero, um verdadeiro especialista

(BRAGA, 1998: 79 e 80).

Quanto às conclusões obtidas com a pesquisa, Braga afirma que Abel Ferreira é, sem

dúvida, um expoente da escola do choro e alcançou os mais altos méritos que um

instrumentista popular já conseguiu no Brasil. Ele confirma que a aplicação do termo escola

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para o choro é pertinente, visto que, ao longo da história, os músicos desse gênero

desenvolveram particularidades de execução que vem sendo transmitidas de maneira

informal. Sua sobrevivência pode ser atribuída a esse fato e, “mesmo com todas as influências

sofridas ao longo de todos estes anos, o choro mantém sua essência” (BRAGA, 1998: 110).

Eliane Corrêa Salek, em sua dissertação A flexibilidade rítmico-melódica do choro,

objetiva o levantamento das principais características estilísticas, padrões rítmico melódicos e

recursos interpretativos, que seriam os desvios desse padrão utilizado pelo solista. Ela acredita

que essa sistematização pode oferecer subsídios, informações e sugestões musicais para que

um intérprete que deseja se aplicar na arte do choro consiga a ginga, a qual denomina

“molho”, necessária para esse tipo de execução.

Segundo a autora, a partitura serve ao intérprete do choro como um “esqueleto”, pois é

insuficiente para retratar nuances interpretativas. A flexibilidade rítmico-melódica utilizada

pelos intérpretes é fruto de sua vivência musical com o choro, através de rodas ou gravações.

Apesar disso, a autora acredita que existe a necessidade de discutir o papel da notação

musical, o que o faz na primeira parte do primeiro capítulo.

Na segunda parte, Salek discorre sobre improvisação. Ela faz distinção entre os termos

improvisação, variação e ornamentação, pois o primeiro engloba vários procedimentos,

podendo ter caráter melódico, harmônico e rítmico; o segundo está relacionado mais

intrinsecamente ao tema e pode designar também uma forma musical; e o terceiro refere-se à

técnica de enfeitar uma melodia (eg.: mordentes, appoggiaturas, tremolo, etc.). No choro,

encontramos a utilização da variação e ornamentação melódica em maior número, sendo a

improvisação utilizada por somente alguns intérpretes.

No terceiro capítulo, a autora relata brevemente a história do nascimento do choro,

destacando o papel de Joaquim Antonio Callado e Alfredo Vianna Filho, o Pixinguinha. A

Callado é atribuída a paternidade do estilo de tocar choro e a Pixinguinha, o apogeu da

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performance e composição no choro, podendo este ser considerado um monumento da música

popular brasileira.

Salek conclui, através da análise de alguns clássicos do choro realizada no terceiro

capítulo, que podemos localizar os padrões rítmicos-melódicos, encontrados na pesquisa

através da análise de partituras e transcrições de interpretações, em todo o repertório ao qual o

gênero choro é atribuído.

O principal padrão rítmico encontrado, presentes em todos os choros analisados, é a

síncope semicolcheia-colcheia-semicolcheia. Em torno desse desenho, são realizadas

modificações diversas que sempre retornam ao desenho padrão, ou seja, busca-se a diluição

deste para em seguida reforçar sua expressividade. A diluição é provocada pela irregularidade

e flexibilidade rítmica. Quanto ao aspecto melódico, a autora aponta a dolência de certas

melodias, obtidas através do uso de glissando, vibrato, frullato e tremolo, e a inquietação de

outras, com rapidíssimos saltos oitavados e a utilização de ornamento. Outros elementos

seriam a duplicação de notas, o salto melódico de terça, as frases descendentes (geralmente

por graus conjuntos), a repetição de pequenas células, a imitação contrapontística, entre

outros. A autora ressalta ainda o conhecimento da harmonia para melhor realização de

variações da melodia.

Esses padrões são constância na interpretação do choro e a diversidade reside na maneira com que

cada intérprete fará uso deles: enquanto Benedito Lacerda, Altamiro Carrilho e Jacob do

Bandolim, com toda a riqueza de sua inventividade, parecem seguir mais à risca sua utilização,

Paulo Moura e Zé da Velha buscam utilizá-los de maneira mais livre, numa espécie de busca de

"libertação" desses padrões, fato semelhante ao ocorrido na evolução dos estilos do jazz. Essa

constatação deixa para futuras pesquisas a hipótese da permanente transformação estilística do

choro, através de intérpretes de diferentes gerações e "escolas musicais" (SALEK, 1999: 68).

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Pixinguinha, como já foi dito anteriormente, é considerado um marco na história do

choro e um monumento da música popular brasileira. Alexandre Caldi Magalhães, em sua

dissertação Contracantos de Pixinguinha: contribuições históricas e analíticas para a

caracterização do estilo, aponta outra característica do mestre, o "espírito solista". Essa

característica pode ser comprovada através da audição de suas gravações com Benedito

Lacerda, "em que Pixinguinha desenvolveu contracantos que em determinados momentos

verdadeiramente duelavam com a melodia principal" (MAGALHÃES, 2000).

O objetivo principal da pesquisa em questão foi a caracterização do estilo dos

contracantos de Pixinguinha através de uma abordagem histórica e analítica, pela qual ele

acredita que também colaborou para um entendimento mais profundo da evolução da

estruturação do choro e da música popular brasileira. Essa caracterização foi feita a partir de

quatro músicas – Segura ele, Sofres por que queres, Proezas de Solon e 1x0 – presentes nas

gravações realizadas entre 1946 e 1950 por Pixinguinha e Benedito Lacerda, nas quais este

era o solista à flauta e aquele realizava os contracantos ao sax tenor. Os músicos responsáveis

pelo acompanhamento eram Canhoto, no cavaquinho, e Dino e Meira, ambos em violões de

seis cordas.

Para melhor entendimento do estilo de contracanto de Pixinguinha e uma melhor

caracterização de seu "espírito solista", o autor faz um série de comparações entre os quatro

contracantos das músicas citadas e outros contracantos. A primeira das comparações é entre

Pixinguinha e Irineu de Almeida, tocador de oficleide, que foi seu professor. A segunda se faz

entre o Pixinguinha permormer e o Pixinguinha arranjador. A terceira se dá entre o

Pixinguinha saxofonista e o Pixinguinha flautista. Através da primeira, concluiu-se que foi

grande a influência do professor Irineu de Almeida, mas os contracantos destes eram menos

movimentados que os de Pixinguinha. Na segunda, percebeu-se que as preocupações do

mestre eram diferentes na função de arranjador, na qual procurava explorar mais os recursos

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timbrísticos e harmônicos. Finalmente, na terceira comparação, pôde-se concluir que "a

linguagem que o músico desenvolveu no saxofone foi uma adaptação do que já realizava na

flauta, trazido do extremo agudo para o extremo grave" (MAGALHÃES, 2000: 92).

No segundo capítulo, Magalhães analisa a prática da improvisação e da realização de

contracantos no choro. Ele acredita que a partitura do choro deve ser encarada como uma obra

aberta, ou seja, "uma sugestão para que os chorões realizem suas próprias versões daquela

obra no momento da performance" (MAGALHÃES, 2000, 25). Em se tratando de uma

música conhecida, os chorões já têm o conhecimento do que autor denomina a "espinha

dorsal" da peça, definida pela forma, a harmonia, a levada, as "obrigações" e, às vezes, o

andamento. Muitas vezes, as contribuições improvisadas que ocorrem na execução de um

choro se firmam como parte integrante deste ou como elementos a serem usados em outras

músicas.

Magalhães aponta que "os tipos de improviso realizados por um solista costumam

diferir daqueles feitos por quem toca os instrumentos acompanhadores, e mesmo entre estes

as improvisações também se desenvolvem por meios distintos" (MAGALHÃES, 2000, 30).

No caso dos instrumentos harmônicos, uma prática fundamental seria a de acompanhar "de

ouvido" (grifo do autor), que exige percepção aguçada e perícia técnica combinadas entre si.

No caso do violão, o autor aponta que na execução do de seis cordas predominam aspectos

rítmicos e harmônicos, enquanto no de sete cordas encontramos aspectos melódicos

contrapontísticos como sua principal contribuição. Entretanto, como já foi dito anteriormente,

tanto o violonista de seis quanto o de sete devem ser capazes de realizar uma boa condução

harmônica e uma boa baixaria, pois exige-se uma formação cada vez mais completa do

músico nos tempos atuais.

Por fim, analisaremos a tese de doutorado de Marcelo Verzoni intitulada Os

Primórdios do “choro” no Rio de Janeiro, que levanta questões relativas às primeiras

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manifestações do choro, considerando o flautista Joaquim Callado e os pianistas Ernesto

Nazareth e Chiquinha Gonzaga como os principais compositores representantes do objeto de

estudo.

Após uma breve discussão acerca do choro carioca, apresentada no primeiro capítulo,

e acerca do que é gênero e o que é estilo, apresentada no segundo capítulo, o autor analisa a

vida e a obra dos três compositores citados anteriormente. Ele aponta que Callado será sempre

lembrado por sua atuação no conjunto Choro carioca e é considerado como uma espécie de

patriarca do “choro” (palavra que aparece sempre entre aspas), o que não é retificado pelo

autor. Entretanto, atenta para a necessidade de pesquisas a respeito de sua vida e obra.

Quanto a Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, Verzoni faz uma comparação entre

a vida de ambos para descobrir porque, mesmo tendo vivido em uma mesma época, não existe

registro de nenhum contato pessoal entre eles e ainda assim sempre são citados lado a lado, “o

que nos leva a crer que sejam compreendidos como pertencentes a uma mesma estética”

(VERZONI, 2000: 57).

Ao final da comparação da vida desses dois compositores, o autor conclui que a

diferença de mentalidade e de personalidade talvez tenha contribuído para que nunca

houvessem se encontrado. Chiquinha Gonzaga era uma lutadora destemida, ousada e corajosa.

Batalhou pela igualdade dos direitos entre homens e mulheres, pela música brasileira e pelos

direitos autorais, tendo sido uma das fundadoras da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais

(SBAT). Em contrapartida, Ernesto Nazareth jamais desafiou padrões. Segundo o autor,

desejava apenas tornar-se um pianista virtuose e, para tal , sonhou em estudar na Europa. A

não realização desse sonho teria lhe causado tremenda frustração.

Através de análises muito bem elaboradas, Verzoni conclui que nenhum dos três

compositores abordados teriam chamado qualquer de suas obras de “choros” em algum

momento do século XIX, período em que se concentra a maior parte de suas obras. Esse

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hábito parece ter começado a se difundir mais tarde, provavelmente em meados da década de

1910 e, “mesmo assim, encontramos indícios de que não tenha contado com o apoio de

Francisca Gonzaga e Ernesto Nazareth (que viveram até a década de 1930), a quem essa nova

moda teria desagradado”, afirma o autor (VERZONI, 2000: 122). Segundo ele, a adoção desse

termo substitui paulatinamente os gêneros “polca”, “habanera” e “tango” (grifos do autor).

Entretanto, as peças dos autores escolhidos para figurar em sua tese não devem ser tratadas

como “choros”, mas sim com suas designações originais.

Teses relacionadas à educação na música popular

A educação na música instrumental se apresenta muito carente de estudos. Os

trabalhos disponíveis geralmente são voltadas para a iniciação musical e abrangem assuntos

genéricos, não se aprofundando nas dificuldades específicas de um estilo ou de um

instrumento, principalmente quando se trata do violão. Entretanto, podemos prever uma

mudança nesse panorama.

A educação através da música popular brasileira só começa a receber maior atenção a

partir de pesquisas recentes, como a dissertação de mestrado de Rachel Tupinambá, realizada

no Conservatório Brasileiro de Música, que tem como título Educação musical e enação: uma

perspectiva autopoiética do processo de ensino-aprendizagem da música popular, defendida

em 1998. Essa dissertação investiga a hipótese de que exista um processo de enação (processo

autônomo, onde a sala de aula geraria seu próprio sistema de ensino, sem influência de forças

externas) no ensino da música popular no Conservatório Estadual de Música Lorenzo

Fernandez, em Montes Claros – Minas Gerais. A pesquisadora chega à conclusão de que

existe um sistema de ensino tríplice, baseado nas três atividades realizadas pela instituição: as

aulas “semi-individuais”, baseadas no ensino tradicional; o festival de alunos, mais voltado

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para o ensino criativo; e os grupos de violões, onde estaria germinando o processo do ensino

enativo.

Encontramos outras duas dissertações aliando a música popular ao ensino de um

instrumento, sendo estes a flauta e o piano, ambos com participação significativa no

surgimento e desenvolvimento do choro. Na primeira, o autor se utiliza da música de

Pixinguinha, enquanto na segunda, o compositor escolhido foi Ernesto Nazareth.

José Benedito Vianna Gomes, em sua dissertação intitulada Pixinguinha – Choro,

presença e aplicabilidade no estudo da flauta transversal no Brasil, tem como objetivo

demonstrar que os choros compostos por Pixinguinha podem contribuir para o processo de

ensino-aprendizagem dos flautistas, até mesmo para os que se dedicam à música erudita, pois

para tocar certos autores, como Radamés Gnattali e Heitor Villa-Lobos, é necessário o

conhecimento do “estilo brasileiro de se tocar flauta”, que o autor admite existir.

A pesquisa se divide em três capítulos: no primeiro, o autor apresenta uma breve

história do choro; o segundo é dedicado a aspectos biográficos do mestre Pixinguinha; no

terceiro, o autor aponta alguns caracteres dos choros de Pixinguinha que podem ser aplicados

ao ensino da flauta, tais como ornamentação, articulação, “ginga”, entre outros.

Baseado em pesquisas e entrevistas, o autor conclui que existe um “jeito brasileiro de

se tocar flauta” e que este pode ser adquirido através do estudo dos choros de Pixinguinha.

Entretanto, a flautista Odette Ernest Dias, uma das entrevistadas para a tese em questão, faz

uma ressalva, pois afirma que é essencial “viver a reunião do choro” (GOMES, 1997: 72).

A dissertação A obra pianística de Ernesto Nazareth - uma aplicação didática, de Sara

Cohen, propõe a utilização da produção musical do compositor em questão como recurso

didático para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da técnica pianística. A pesquisa se divide

em quatro capítulos: no primeiro, é apresentado o problema a ser investigado; no segundo, a

autora apresenta uma extensa fundamentação teórica, subdividida em revisão da musicografia

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(características da obra de Nazareth e do repertório utilizado para o ensino-aprendizagem do

piano) e revisão da literatura (aspectos sobre a vida e obra de Nazareth e sobre o ensino-

aprendizagem do piano); no terceiro, encontra-se a metodologia empregada; no quarto, Cohen

realiza a análise dos resultados obtidos; para finalizar, no quinto capítulo, ela aponta as

conclusões e recomendações sobre como utilizar o material obtido com a pesquisa.

No capítulo destinado ao referencial teórico, encontramos uma interessante discussão

a cerca de técnica instrumental. Cohen aponta dois autores, Willems (1963) e Matthay (1982),

que acreditam que a técnica existe para servir a necessidades musicais de um instrumentista.

O primeiro afirma que quando um músico crê que a musicalidade depende da técnica “é o

resultado de uma falsa educação”, onde se trabalha a técnica “esquecendo-se de realizar uma

conexão vital entre ela e a música” (cit. COHEN, 1988: 46). O segundo acredita que a

"técnica representa a capacidade que se tem de se expressar musicalmente". Seria um absurdo

"tentar adquirir a técnica dissociada de seu propósito de expressar música" (cit COHEN,

1988: 46). Veremos, ao longo de nossa pesquisa, que esse pensamento é compartilhado pelo

autor e pelos sujeitos entrevistados.

Cohen conclui que Ernesto Nazareth é uma figura de importância para a música

brasileira e que sua obra contém elementos técnicos pianísticos que podem ser aplicados ao

ensino-aprendizagem do instrumento. Além disso, "a riqueza rítmico-melódica e o caráter

brasileiro presentes na obra de Nazareth estabelecem um universo sonoro próximo da

vivência cultural do aluno", aliando o prazer ao aprimoramento técnico. Entretanto, pensamos

que essa vivência deve ser buscada pelo aluno em gravações e em shows de música popular

brasileira, com ou sem a participação do piano.

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A revista Roda de Choro

Em 1998, Cazes afirmou que “durante o período em que circulou (de novembro de

1995 a março de 1997), a revista Roda de Choro ajudou a conectar chorões de todo o país e,

após um recesso causado por dificuldades financeiras, se prepara para voltar com formato e

acabamento mais profissionais” (CAZES, 1998: 197). Até hoje a revista ainda não voltou a

circular.

Sobrevivendo de assinaturas e com distribuição via correio, a Roda de Choro sequer

atingiu as bancas de jornais. Apesar de ter encerrado seus trabalhos na sexta publicação, essa

revista mostrou para que veio. Seus colaboradores eram as principais figuras do mundo do

choro, o que nos possibilitava uma visão “de dentro” desse estilo tão carioca, mas já difundido

por todos os cantos do país. Além de informações importantes, também narrava fatos curiosos

e pitorescos, ajudava a reconstruir um pouco da história do choro, trazia críticas de discos e

partituras. Infelizmente essa publicação foi interrompida, mas esperamos que ainda retorne a

circular, ajudando a divulgar e perpetuar o choro.

Apesar de poucas páginas, a Roda de Choro trazia artigos que analisavam o panorama

atual desse gênero e também revelavam um pouco de sua história. Algumas seções

interessantes eram: Histórias do animal, que narrava fatos pitorescos ocorridos com o carteiro

Alexandre Gonçalves Pinto, o Animal (já mencionado anteriormente); Desde que o choro é

choro, onde Cazes contava um pouco da história de nossa música popular; Os instrumentos

no choro, escrita por especialistas em cada instrumento abordado; e Ídolos do choro, que

traçava um pequeno perfil de personagens importantes para a música popular brasileira.

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O choro na internet

Outro veículo atual de divulgação do choro é a página da internet A Agenda do Samba

e Choro (http://samba-choro.com.br), elaborada por Paulo Eduardo Neves. Estudante de

doutorado em informática na PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica), Neves mantém um

informativo que conta com 3.025 usuários, onde traz notícias sobre eventos que envolvem o

samba e o choro em todo o país. Além disso, sua página possui várias informações que vão

desde os lugares onde podemos encontrar rodas de samba e choro no Rio e no Brasil, até

críticas especializadas de CDs e partituras enviadas pelos leitores.

A lista de discussão do site promove debates sobre a música popular brasileira e já

contou com a participação de nomes importantes do meio musical, como a cavaquinista

Luciana Rabello e os violonistas Cláudio Jorge, Luís Filipe Lima e Maurício Carrilho.

Conclusão

O choro vive um processo de renascimento já há algumas décadas e está se firmando

cada vez mais como um dos principais gêneros da música instrumental brasileira. Apesar de

não ter o espaço merecido nos meios de comunicação de massa, o choro ganha novos e jovens

adeptos que imprimem uma nova cara a esse gênero que já completa mais de um século de

existência. Compositores como Guinga e Hermeto Paschoal e grupos como Nó em Pingo

d’Água e Pagode Jazz Sardinha’s Club, entre outros, contribuem para a modernização do

choro e sua perpetuação.

O programa Roda de Choro, que era exibido na Rádio MEC-FM todos os Sábado, às

23 horas e atualmente vai ao ar ao meio-dia de domingo, é mais uma conquista desse gênero.

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Podemos confirmar sua importância através de um depoimento apaixonado de Luiz Antonio

Garrido para a lista de notícias da Agenda do Samba e Choro:

Foi simplesmente alucinante o Roda de Choro de hoje (11/03/00) com o

Pedro Amorim e o Maurício Carrilho. Show de bandolim, violão tenor e sete cordas.

Uma bela “participação” também do Leonardo Miranda e do Álvaro Carrilho.

Parabéns para a Rádio MEC, para o João Carlos e para a gravadora Acari que investe

em quem merece. Quem ganha somos nós, amantes da boa música brasileira.

A gravadora Acari Records é um veículo de divulgação e resgate do choro. “Do

subúrbio de Acari para o mundo”, dessa forma João Pimentel inicia seu artigo sobre essa

gravadora para o Globo on line de 15 de março. Ele prossegue afirmando que no dia dezenove

de março, “quando os primeiros internautas acessarem o endereço www.acari.com.br, uma

boa parte do legado do choro que estava fadada ao desaparecimento terá garantido o seu lugar

cativo na história da música brasileira” (www.oglobo.com.br – consultada em 15/04/00).

Resultado do sonho da cavaquinista Luciana Rabello e do violonista Maurício Carrilho, dois

dos maiores instrumentistas do choro contemporâneo, a gravadora tem como objetivo o

resgate da história desse gênero e o lançamento de novos trabalhos e jovens talentos. É a

primeira gravadora brasileira especializada em choro.

Podemos observar que o interesse voltado para o choro cresce, surgindo novas idéias,

projetos, publicações e gravações. Apesar disso, ainda há muito assunto para ser investigado e

muito material para ser gravado.

Como podemos dizer que o choro não está vivo se vemos rodas de choro e

apresentações de conjuntos de música instrumental que incluem esse gênero em seu repertório

quase todos os dias aqui no Rio de Janeiro? Em outras partes do Brasil, os clubes do choro se

multiplicam e promovem shows de chorões da “velha” e da “jovem” guarda, tendo destaque o

Clube do Choro de Brasília.

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Podemos concluir que a carência de publicações e de gravações relacionadas à música

instrumental brasileira, dentro em breve, será assunto do passado. O futuro promete uma

profusão de livros, CDs e trabalhos de pesquisa que contribuirão para a divulgação e a

perpetuação da nossa música popular, que apresenta enorme riqueza de gêneros e estilos, além

de geniais instrumentistas e compositores.

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Referencial teórico

Este capítulo será destinado à exposição dos referenciais teóricos que foram

empregados na análise dos dados desta pesquisa. Podemos dividi-los em duas ideologias

principais: referenciais associados ao ensino não-formal, representados por textos de Regina

Márcia Simão Santos (1988) e Cecília Conde e José Maria Neves (1984/85), e referenciais

associados ao ensino da musica instrumental e da música em geral, representados por textos

de Keith Swanwick.

Educação musical não-formal

Para melhor entendermos os processos envolvidos no ensino não-formal, nos

utilizaremos de duas das mais importantes pesquisas da área: O artigo Aprendizado não-

formal em grupos culturais diversos, de Regina Márcia Simão Santos, que faz uma

comparação de diversos estudos sobre o ensino-aprendizagem em comunidades de diferentes

países, e o artigo Música e educação não-formal, de Cecília Conde e José Maria Neves, que

relata uma pesquisa de campo realizada em comunidades do Rio de Janeiro. Podemos

ressaltar como pontos em comum a realização do ensino não-formal aliado à imitação do

fazer dos adultos, ao prazer e à coletividade, enquanto o ensino formal é freqüentemente

associado à leitura, ao desprazer e à prática individual.

No primeiro artigo, Santos tenta trazer para a área da educação resultados de pesquisa

feitas por etnomusicólogos e musicólogos sobre a experiência musical não-formal em

contextos culturais diversificados. A autora faz um levantamento das características do

aprendizado musical não-formal e como estas poderiam contribuir para uma reflexão acerca

do ensino formal.

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Nketia, um dos musicólogos mais citados no trabalho, expõe seu trabalho com

diversos grupos culturais africanos. Nesses grupos, a execução musical não se reduz ao

momento de apresentação de um produto final, mas abrange todo o processo de ensaio e

elaboração. Os atributos requeridos ao músico seriam a habilidade técnica, o conhecimento do

repertório e a habilidade de execução. Quanto ao ensino-aprendizagem, Santos conta que

Nketia distingue dois períodos distintos: "o primeiro, de "exposição e treino", onde o contato

com a prática musical é fundamental e o treinamento, a partir do ver fazer, uma constante; o

segundo, de "afiliação temporal", onde o treinamento é dado por um especialista, músico mais

experiente, para ampliação de repertório ou aquisição de técnica mais apurada" (SANTOS,

1991: 6).

Ao final do artigo, Santos aponta algumas características gerais do ensino não-formal

e questiona como estas poderiam vir a contribuir para um olhar crítico sobre o ensino formal.

Um dos aspectos mais evidentes seria a estreita relação entre prazer e ensino não-formal e de

desprazer e ensino formal. Além desse aspecto, existe uma maior facilidade de engajamento

do sujeito à pratica musical desde o início no ensino não-formal, enquanto que, no ensino

formal, o aluno tem que passar por uma maratona de escalas e exercícios, muitas vezes até

afastados da prática musical almejada por ele.

O artigo Música e educação não-formal, de Cecília Conde e José Maria Neves, foi

construído a partir de uma pesquisa realizada entre grupos urbanos e rurais do estado do Rio

de Janeiro. Os métodos de ensino encontrados junto a essas comunidades contraria os

processos formais de aprendizado aplicados pela escola que geralmente ignora a vivência

cultural do aluno. “Se a escola tivesse contato mais seguido e aprofundado com a realidade

cultural da comunidade, ela poderia tirar deste contato muitos recursos de renovação

pedagógica” (CONDE e NEVES, 1984/85: 42).

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Para os autores, “será altamente enriquecedor para a escola detectar nos processos

não-formais de educação musical, empregados pelo povo no seu dia-a-dia, aqueles

componentes que provaram eficácia” (CONDE e NEVES, 1984/85: 43). Um desses principais

componentes é a imitação que ocorre através da interação iniciante-experiente. A vivência

encaminhará o aprendiz para uma nova etapa de aprendizado, na qual consolidará os

conhecimentos percebidos na etapa da imitação e irá desenvolvê-los.

Em alguns casos, “nos domínios da música popular urbana, a aprendizagem se dá de

modo algo mais complexo, aliando a observação-imitação a trabalhos de caráter mais

racional, ainda que baseado na idéia da imitação” (CONDE e NEVES, 1984/85:, 46). O

ensino do violão é um exemplo disso, pois o aluno primeiro treina as posições para depois

utilizá-las com preocupação musical propriamente dita.

Ao final do artigo, Conde e Neves apontam as principais características da

aprendizagem musical, encontrada nas comunidades pesquisadas. São elas: a valorização da

imitação criativa, com o mais velho, o mais experimentado; a participação em atividade

comunitária; a vivência prática; o descompromisso com aspectos estéticos dos resultados

obtidos; o respeito ao tempo próprio de aprendizagem de cada indivíduo; um verdadeiro clima

de socialização; e a não delimitação de espaços rígidos da aprendizagem.

Educação musical em geral

Keith Swanwick, professor titular de Educação Musical da University of London,

Institute of Education, é um dos mais respeitados educadores musicais da atualidade e suas

idéias a respeito do ensino da música se mostraram muito interessantes, além de apresentar

afinidades com o objeto de nossa pesquisa. Por esse motivo, utilizaremos como principal

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referencial teórico duas publicações do autor: o artigo Ensino instrumental enquanto ensino

de música (1994) e o livro The Basis of Music Education (1979).

No artigo citado, Swanwick aborda várias questões acerca do ensino instrumental.

Uma delas seria o ensino em grupo, que ele defende por ser um ambiente favorável para o

escutar cuidadoso e a observação perceptiva. O autor também aponta para dois temas muito

polêmicos no ensino-aprendizado musical: as questões do ouvido interno e da notação

musical. O autor se refere ao jazz para exemplificar um processo de desenvolvimento do

ouvido interno pela necessidade criativa da composição e da improvisação. Depoimentos

feitos por músicos de jazz, transcritos de uma conferência realizada em Londres, demonstram

a importância dada à criatividade no ensino desse gênero, mas também demonstram que os

métodos não são totalmente descartados, desde que se “tome cuidado com estratégias de

ensino fixas e rígidas” (SWANWICK, 1994: 11).

Swanwick sugere três regras gerais para o ensino instrumental. A primeira é que uma

aula sem preocupações musicais não tem sentido, ou seja, seria desperdício de tempo. A

prioridade à fluência intuitiva, baseada na percepção auditiva, é a segunda regra. Esta

percepção deve preceder a escrita e a leitura analítica. A terceira regra é a percepção do

momento certo de estimular o aluno a avançar e do momento de esperar. Segundo Swanwick,

“ensino sem afetividade, análise sem intuição, habilidades artísticas sem prazer estético”

(SWANWICK, 1994: 13) são a receita para um desastre em termos de educação musical.

O livro The Basis of Music Education será o principal referencial teórico utilizado,

apesar de não tratar especificamente de educação instrumental. O autor afirma que a educação

musical atravessa um período interessante, onde temos que demonstrar a importância da

prática artística em um mundo dominado pelo capitalismo que prega o bordão “tempo é

dinheiro”. Ele não tem o objetivo de explorar, em um único livro, todos os caminhos

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existentes na educação musical, mas pretende colher os aspectos que necessitam de maior

atenção.

Nos dois primeiros capítulos, o autor aborda uma questão polêmica ao discutir se a

música tem significado e se pode expressar sentimento. Não iremos nos aprofundar nesse

assunto, mas devemos ressaltar um dos significados da música, apontado e refutado por

Swanwick: a música sendo considerada um tipo de jogo (Swanwick, 1979: 11). Ele diz que

esse pensamento é mais provável que a noção de prazer sensorial atribuída à música. No

entanto, o autor aponta três diferenças importantes entre música e jogo: a primeira seria o fato

do jogo envolver o acaso, enquanto, segundo ele, o ouvinte de um quarteto de cordas espera

que os erros sejam minimizados; a segunda, a sensação de ilusão que a música provoca, como

a ilusão do movimento, por exemplo; e a terceira, a seriedade atribuída à música em certas

ocasiões, onde ela “parece tentar moldar algum tipo de forma e sentido nas experiências

vividas” (Swanwick, 1979: 12).

Apesar de mostrar que existem grandes diferenças entre o jogo e a música, Swanwick

chega a concordar que, em músicas que deixam margem ao improviso (ele exemplifica com o

jazz e a Raga indiana), existe um forte elemento de acaso e brincadeira. Ora, se considerarmos

que o choro também apresenta essa característica, podemos lhe atribuir um significado muito

semelhante ao de um jogo, onde existe o desafio, a tentativa de derrubar o acompanhador com

uma modulação inesperada, a competição de virtuosismo, mas tudo com muito bom humor,

onde quem ganha, geralmente, é o público. A seguir, apresentamos dois trechos que apontam

essa característica lúdica do choro.

O pendor improvisativo necessário ao solista do “choro” exige, entretanto,

outro tanto dos acompanhantes, que devem pressentir as modulações e as respirações a

serem preenchidas por uma “resposta”. O “choro” é, nesse sentido, um jogo de

virtuosismo, onde cada músico deve dar tudo o que tem de intuição musical (NEVES,

1977 :23).

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Um contexto coletivo – como a roda de choro – em que há vários

improvisadores é um contexto de muitas manifestações individuais que desejam ser

percebidas, e por esse motivo competem entre si. Quando os chorões se reúnem, não

se trata de um conjunto com uma estrela e vários coadjuvantes (MAGALHÃES, 2000:

27).

Não podemos deixar de apontar as conclusões obtidas por Swanwick a respeito de

como a música expressa sentimento. O autor utiliza-se de uma teoria formulada pelo

psicólogo Vernon Lee, a qual afirma que qualquer ação realizada por uma pessoa deixa um

traço no sistema neurológico (schema). “Esse schema irá se combinar com experiências

previamente rememoradas para formar um conjunto em contínua modificação, chamado

schemata, que forma a base para a lembrança do passado e o planejamento de ações futuras”

(SWANWICK, 1979: 27 – grifos do autor). A música pode representar sentimentos e

emoções, por ser uma expressão artística que, assim como estes, está em movimento,

constantemente mudando, crescendo, se alterando. A música teria uma semelhança com os

sentimentos, seria uma aparência deles: ela pode nos mostrar como os sentimentos são.

Swanwick resume toda a teoria da música apresentada, mostrando que a música traça

modelos, schemata, ou traços de experiências passadas e. nesse sentido. pode ser vista como

um veículo para comunicação. Ela difere da língua falada porque suas normas são

estabelecidas e restabelecidas em cada peça e estilo. O nível de previsibilidade varia

continuamente na experiência musical, promovendo um relacionamento ativo com certas

obras que, segundo o autor, tem vida própria. O ápice da experiência estética seria um

realinhamento da shemata que possuímos para representar as experiências passadas.

O autor afirma ainda que a música tem um significado mais abrangente, em um certo

nível, e um significado individual e mais profundo em outro nível, e tem sido cogitado que

este se espalha pelas áreas cognitivas e afetivas da experiência, identificando, clarificando e

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estruturando nossas emoções. Tendo conhecimento desse fato, podemos seguir adiante e

definir os parâmetros da educação musical (SWANWICK, 1979).

Swanwick acredita que o papel do professor deve ser proporcionar um estreitamento

entre o aluno e a música. Para tal, ele desenvolve um modelo de educação musical baseado

em três atividades principais – composição (composition), apreciação (audition) e execução

(performance) – acrescidas de dois elementos secundários – literatura (literature) e técnica

(skill aquisitions) – cuja abreviação forma a palavra (T)EC(L)A (no original C(L)A(S)P).

Os parâmetros principais são os que estão ligados diretamente à experiência musical.

O autor entende por composição a formulação de uma idéia musical que pode ser tanto uma

peça quanto uma improvisação ou um arranjo; a apreciação não corresponde simplesmente ao

ato de ouvir música, mas a uma resposta afetiva à exposição musical; a execução é a

comunicação da música como uma presença real.

Os outros parâmetros, considerados secundários, seriam meras ferramentas para

atingir os parâmetros principais. A técnica abrange a aquisição de habilidades motoras, do

fraseado melódico, da leitura à primeira vista e outras habilidades necessárias à prática

musical. A literatura compreende as partituras e publicações sobre música.

Swanwick baseou a escolha dos parâmetros que compõem o modelo (T)EC(L)A nos

princípios da experiência musical humana, que são considerados básicos por Swanwick. Ao

separar esses parâmetros , o autor tinha a intenção, por mais estranho que isso possa parecer,

de uni-los novamente, de maneira mais eficaz do que geralmente acontece (SWANWICK,

1979: 46).

O professor deve procurar experiências que utilizem todo o modelo (T)EC(L)A,

cruzando e recruzando seus parâmetros ou, pelo menos, alguns deles. A falta de ligação entre

os parâmetros não deve acontecer. No caso do nosso objeto de estudo, o choro, podemos

apontar alguns exemplos de como esse modelo pode atuar. A execução, por exemplo, se

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divide em duas categorias: a execução informal, representada pela roda de choro, e a

execução formal, em teatros ou salas de concerto. A composição está presente a cada

momento, pois os violões improvisam as baixarias e desenvolvem caminhos harmônicos

diferentes a cada vez que uma música é tocada. A apreciação pode provocar tanto melancolia,

nos choros mais lentos, quanto alegria, nos choros rápidos e ligeiros. As habilidades

necessárias à prática do choro são adquiridas das mais variadas formas, como veremos nos

capítulos a seguir, e estão sempre voltadas para o ato de tocar. Um dos parâmetros menos

desenvolvidos do modelo (T)EC(L)A seria a literatura, que só recentemente vem recebendo

maior atenção, como vimos no capítulo anterior. Essas idéias serão melhor desenvolvidas no

último capítulo, onde apresentaremos uma proposta de ensino baseada no modelo de

Swanwick.

Para resumir suas idéias, o autor afirma que os objetos musicais são o foco da

experiência musical e, portanto, da educação musical. Essa experiência é obtida através de

atividades relacionadas à composição, à apreciação e à execução. Cada uma dessas atividades

envolve uma relação com a música com diferentes ênfases, sendo a apreciação primordial

entre elas, pois ela pode reformular a maneira com a qual sentimos a vida (SWANWICK,

1979).

Para melhor demonstrar a maneira como os parâmetros se relacionam entre si,

Swanwick elaborou um modelo da experiência musical (Figura 1). Podemos ver que a

composição e a apreciação são os únicos que se relacionam diretamente com a música e que

esta relação se dá em dois níveis. A execução está omitida, por ser a representação da música

em si, mas Swanwick diz que ela se relaciona com a música como projeção, no primeiro

nível, e como impacto no segundo, e pode ser imaginada como uma linha formando ângulos

agudos com as linhas pontilhadas centrais (SWANWICK, 1979: 54). A literatura e a técnica

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funcionam para nos auxiliar-nos na melhor compreensão da música e só têm significado para

a música ou para a educação musical quando relacionadas aos três parâmetros principais.

Figura 1: Um Modelo Compreensível da Experiência Musical (SWANWICK,

1979: 55)

No capítulo seguinte, o autor aponta três processos vitais envolvidos na transformação dos

materiais sonoros em música pelo homem: seleção, relação e interação. Este último

envolvendo resposta estética, fundamental para o crescimento do aluno. Essa experiência

“alimenta a imaginação e afeta a maneira como nós sentimos as coisas: música sem qualidade

estética é como um fogo sem calor” (SWANWICK, 1979, p.61). Um exemplo da necessidade

Nota:

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de resposta estética, dado por Swanwick, é de alguém que toque tecnicamente correto mas de

maneira insensível e não-musical. Isso demonstra que a técnica somente não é suficiente.

A partir desse pensamento, Swanwick divide o ensino em três categorias hierárquicas

(Quadro 1): a primeira constitui-se na valorização estética e compreende a composição, a

apreciação e a execução; a segunda envolve a técnica e a literatura; e a terceira, a interação

humana. Esta última categoria, apesar de não-musical, é muito valorizada pelo autor, que a

considera essencial não só na educação musical, mas também em outras áreas.

Quadro 1: Hierarquia de Objetivos (SWANWICK, 1979: 64)

Principal Objetivo – resposta estética

Intensidade da imagem na composição Significado afetivo durante apreciação Sentido de impacto na execução

Não pode ser ensinado, mas deve ser estimulado nos alunos

CATEGORIA I

Apreciação estética Clareza de imagem na composição

Significado musical durante apreciação Projeção na execução

Os alunos devem ser capazes de: (a) reconhecer e produzir a música

de maneira expressiva (b) identificar e demonstrar as

operações de normas e desvios

CATEGORIA II

Técnica

Literatura

Os alunos devem ser capazes de: (c) demonstrar discriminação

auditiva, fluência técnica e uso das notações

(d) reunir e categorizar informações sobre música e músicos

CATEGORIA III

Interação Humana

Os alunos devem ser capazes de: cooperar um com os outros e encontrar prazer em compartilhar experiências

O modelo pode nos ajudar na educação musical de várias formas, mas não devemos

nos restringir ao uso de somente uma categoria. Uma das vantagens de trabalhar com o

(T)EC(L)A é que os alunos passam a ser mais flexíveis e abertos em relação às regras e

podem reconhecer um maior número de possibilidades musicais. Swanwick afirma que, se o

modelo for usado adequadamente, não há limites das possibilidades que o professor terá para

ensinar e que o aluno terá para aprender. O (T)EC(L)A oferece muitas possibilidades para

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agir, como estrutura do pensamento e da ação na educação musical, pois em qualquer estilo

musical, idade ou grupo social, os parâmetros fundamentais serão os mesmos (SWANWICK,

1979).

Para o autor, o principal objetivo do educador musical é a resposta afetiva à música,

apesar de concordar que esse envolvimento é algo que não pode ser ensinado, mas pode ser

estimulado. As atividades dos professores, relacionadas aos três parâmetros principais do

modelo, geralmente se atêm a um primeiro nível de significância, o significado “de”. O

segundo nível de significância, o significado “para”, deve ser atingido pelo aluno por

experiência própria, podendo apenas ser estimulado pelo professor. Swanwick refere-se ao

sentido imanente (meaning to) e ao sentido fenomenológico (meaning for).

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Análise das entrevistas

Neste capítulo, pretendemos analisar as entrevistas realizadas com os sujeitos

escolhidos para compor esta pesquisa, comparar as opiniões expressas por cada um e extrair

dados para a elaboração de uma proposta didática no capítulo seguinte. Como introdução

apresentaremos as idéias expostas por Luís Felipe Lima, em seu artigo intitulado Choro:

aprenda você mesmo, publicado na revista Roda de Choro número quatro (1996).

No artigo em questão, Lima discute a questão do aprendizado do choro. Tomando

como base a célebre estrofe de Noel Rosa “Batuque é um privilégio/ Ninguém aprende samba

no colégio”, da música Feitio de Oração, o autor levanta a questão se o choro pode ser

aprendido na escola ou é “incompatível com métodos de aprendizagem rigorosamente

escolásticos” (LIMA, 1996: 12). Como é possível aprender o “molho”, as variações do solista,

as baixarias e o ritmo cheio de bossa do violão? O autor, que se apresenta como “jornalista,

Mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ e, para piorar, toca pandeiro e violão de sete

cordas” (LIMA, 1996: 15), tenta responder a essa pergunta e aponta alguns caminhos para o

aprendizado do choro. Como pressuposto, ele assume que choro é uma maneira de tocar, é

música mestiça da melhor qualidade. Portanto, “se há vários choros, ainda que reunidos por

uma misteriosa essência que lhes garantem a identidade comum, haverá vários processos

válidos de aprendizagem. Ou não?” (LIMA, 1996: 15).

O primeiro processo apontado pelo autor seria o caminho do auto-didatismo, que

existe desde o início, quando “os músicos aprendiam em quase todas as esquinas e nos

botequins, desprezando o conhecimento da escrita musical (LIMA, 1996: 13). Na maioria dos

casos, somente o solista, geralmente um instrumentista de sopro, sabia ler música, os

violonistas e cavaquinistas tocavam de ouvido. Mas, com o decorrer do tempo, os músicos do

choro aprenderam a ler e a escrever música, talvez pela influência de músicos do meio

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erudito, como por exemplo Heitor Villa-Lobos e Radamés Gnattali, com quem mantinham

relações estreitas, ou pela necessidade crescente do mercado fonográfico, já que com a leitura

poupava-se tempo no estúdio de gravação. Enfim, o autor nos mostra que o panorama do

aprendizado do choro apresenta mudanças em vários aspectos, com a proliferação de oficinas

e escolas que abraçam o ensino da música popular. Ele não tenta defender o ensino informal

ou o auto-didatismo, pois “se há choro de todo o tipo e pra todos os gostos, haverá ainda a

absoluta necessidade, em certos casos, de uma formação escolástica com os rigores da

linguagem erudita, ou do conhecimento sólido de harmonia funcional” (LIMA, 1996: 14).

O autor aponta ainda outros dois importantes meios de aprendizado: as gravações e a

roda de choro. Através das gravações, podemos aprender tocando junto, tirando de ouvido ou

simplesmente observando o que foi feito pelos principais músicos que formaram a escola do

choro. A “roda”, de acordo com o autor, é o espaço desse gênero por excelência. “Mesmo que

se vá partir para outras experimentações, para pesquisa de linguagens, é importante passar

pela roda”. No entanto, o autor não se opõe nem critica os músicos que tocam choro sem

freqüentar a roda, “uma questão de opção”. Para concluir, o autor afirma que “nem sempre é

preciso colocar em pólos opostos criatividade e rigor formal, botequim e academia” (LIMA,

1996: 15). Procuramos examinar como os “pólos” apontados por Lima podem andar juntos e

cooperar entre si, ou seja, o conhecimento da escrita aliada ao desenvolvimento do ouvido

interno, o conhecimento teórico aliado à prática de conjunto.

O roteiro de entrevista (Quadro 2) foi dividido em três segmentos (representados pelas

linhas da tabela): no primeiro, procuramos examinar a trajetória de cada um dos entrevistados;

no segundo, identificar os parâmetros necessários para a prática do choro e como estes são

trabalhados com o aluno; no terceiro, os mecanismos utilizados para o ensino-aprendizagem

desses parâmetros. O primeiro item busca examinar os caminhos que levam uma pessoa a se

interessar em aprender um instrumento e a apreciar a música popular brasileira, enquanto o

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segundo e o terceiro fornecerão os dados para a elaboração de uma proposta didática no

capítulo seguinte. A divisão das colunas se deu em ordem decrescente de especificidade, ou

seja, do mais geral ao mais específico, sendo a terceira diretamente relacionada às perguntas

aplicadas no ato da entrevista.

Quadro 2: Roteiro de Entrevista

Objetivos

gerais Especificações Comentários

Informações

Pessoais

� Formação musical

♦ Como se iniciou na música ♦ Como se interessou pela música popular

brasileira e pelo choro ♦ Passagem pelo meio erudito ♦ Principais mestres ♦ O que já estudou relacionado à música

� Formação e atuação pedagógica

♦ Como desenvolveu seu método de dar aulas ♦ Desde quando leciona

� Principais feitos relacionados à música popular

♦ Conjuntos de que participou ou participa ♦ Principais shows, recitais e concertos ♦ Prêmios adquiridos

Elementos necessários à execução do choro no violão de seis cordas

� Elementos harmônicos

♦ Acordes mais utilizados (formas, alterações, inversões)

♦ Condução desses acordes ♦ Principais encadeamentos

� Elementos melódicos ♦ Utilização da baixaria ♦ Improvisação

� Elementos técnicos

♦ Exercícios para a mão esquerda (escalas, ligados, aberturas, etc.)

♦ Exercícios para a mão direita (arpejos, utilização do polegar, etc.)

� Elementos interpretativos ♦ Fraseado ♦ Levadas e suingue ♦ Leitura de cifra

Elementos pedagógicos

� Transferência do conhecimento

♦ Método utilizado para transmitir os elementos acima (escrita, gravação, execução em aula, etc.)

� Verificação do Modelo (T)EC(L)A

♦ Atenção dada aos parâmetros principais (composição, execução e apreciação) e aos parâmetros secundários (técnica e literatura)

� O ensino da música popular na universidade

♦ Vantagens e desvantagens ♦ Construção de uma metodologia para o

ensino do choro

� A roda de choro ♦ Será o principal meio de aprendizado? ♦ Onde encontrá-la? ♦ Qual a sua função?

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A trajetória musical dos entrevistados justifica sua presença nesta pesquisa. Suas

experiências e opiniões mostraram-se muito elucidativas. Procuramos, como poderão

perceber, abranger violonistas que enxergam o ensino da musica popular divesificadamente.

Não temos como objetivo analisar a competência dos entrevistados como professores de

música, mas somente verificar os mecanismos empregados por eles para o ensino do

acompanhamento do choro no violão.

O primeiro entrevistado, Luís Otávio Braga, é professor de violão popular da

Universidade do Rio de Janeiro (Uni-Rio) e coordena oficinas de choro em diversos festivais

de música popular, que são realizados pelo país, como em Curitiba, por exemplo. Atuou com

os principais solistas de choro do país e com grandes nomes do samba. Foi integrante da

Camerata Carioca e do conjunto Galo Preto. Escreveu um método chamado O Violão

Brasileiro, no qual fornece um roteiro com os principais caminhos técnicos e teóricos para a

formação de um violonista.

Bartholomeu Wiese, o segundo entrevistado, ganhou um concurso nacional de violão

erudito no Rio de Janeiro, quando tinha dezenove anos. A partir de então, participou da

Orquestra de Cordas Brasileira, que conquistou três prêmios Sharp, e integra o conjunto Galo

Preto, com o qual obteve uma indicação para esse mesmo prêmio. Podemos citar ainda o duo

de violões com Maria Haro, que se apresentou em diversos teatros do sul, norte e nordeste, e o

duo com o bandolinista Afonso Machado, com o qual gravou um CD e excursiona pela

Europa pelo menos duas vezes ao ano.

Integrante do grupo Nó em Pingo D’água, com o qual gravou quatro CDs e ganhou

um prêmio Sharp, e figura constante do choro carioca, Rogério Souza foi escolhido para

figurar como o terceiro entrevistado. Compositor, arranjador e violonista, conquistou os

prêmios de melhor arranjo e música, com o samba-choro Conversa Fiada, no Segundo

Concurso de Choro, homenagem a Abel Ferreira, realizado no teatro João Caetano, no Rio de

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Janeiro, em1995. Recentemente elaborou arranjos para Ivan Lins e Ney Matogrosso e

pretende lançar um CD com suas composições.

Maurício Carrilho, nosso quarto entrevistado, é um dos grandes violonistas da música

brasileira. Participou de grupos como Os Carioquinhas – que tinha como integrante Raphael e

Luciana Rabello, entre outros – e a Camerata Carioca – que ficou muito conhecida tocando e

gravando com Radamés Gnattali. O Trio, conjunto do qual é integrante, ganhou dois prêmios

Sharp: melhor grupo instrumental e melhor disco instrumental. Trabalhou como arranjador

para diversos artistas e ganhou, em 1998, o prêmio de melhor arranjador pelo trabalho

realizado no CD A Dama do Encantado, da cantora Olívia Byington. Seu mais recente

empreendimento é a gravadora Acari Records, especializada em música popular brasileira,

mas com um destaque especial para o choro, através da qual lançou seu primeiro CD autoral.

Primeira parte: informações pessoais

A trajetória de Luís Otávio Braga começa em Belém do Pará, onde foi menino cantor

nas rádios, pois, em suas palavras, “via minha mãe cantar e gostava de cantar”. Iniciou na

música por pura inclinação. Aos quinze anos, ganhou um violão e começou a estudar com

“um rapaz que tocava muito violão”, chamado Lindomar Modesto. Com ele aprendeu,

principalmente, o bom gosto musical.

Quando tinha dezessete anos, veio para o Rio e ficou sem violão por algum tempo.

Mais tarde, estudou com João Pedro Borges, com quem começou a tocar o repertório erudito,

principalmente para adquirir técnica violonística, e observou melhoras expressivas nesse

campo. Também estudou teoria, solfejo e um pouco de arranjo com Ian Guest e regência

coral, na Pro-Arte, com Carlos Alberto Figueiredo.

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Começou a tocar choro com vinte anos, quando morava em Botafogo. Nesse período,

conheceu Afonso Machado e, juntamente com seu irmão, o cavaquinista Alexandre Paiva,

fundaram o conjunto Galo Preto.

Daí por diante, comecei a ter contato com o pessoal do choro. Todo o final de

semana, eu me mandava lá pra Jacarepaguá, onde se reuniam Déo Rian, o Luís

Roberto, que era do Os Cariocas e tocava muito choro, ou pro Sovaco de Cobra. Ia

mais pra Jacarepaguá, pra casa de um chorão de lá, e passava o dia inteiro tocando

choro. Foi lá que realmente eu aprendi o negócio, porque via aqueles violonistas todos

que apareciam lá pra tocar.

Com seu primeiro professor de violão, aprendia praticamente de ouvido e o repertório

era basicamente de samba-canção e bossa nova. Os primeiros contatos que teve com o choro

foram através do rádio, por ter ouvido Dilermando Reis, um dos violonistas de mais sucesso

naquele tempo, e dos programas de seresta que tinham solos de violão. “O Lido (apelido com

o qual se referia a Lindomar Modesto) tocava algumas valsas e algumas vezes cheguei a ver

uns alunos dele tocando o repertório do Dilermando”, recorda-se Braga.

Sua experiência como professor se inicia aos dezesseis anos, quando dava aulas de

matemática e português “pra se virar”. Dar aulas sempre foi natural para ele, pois sempre

gostou de colégios e tinha vontade de ser professor um dia. Braga fez graduação em

matemática e mestrado na área de informática, com uma pesquisa relacionada à informática e

educação musical. Quando começou a tocar com o Galo Preto, a procura de alunos de violão

aumentou. Por volta de 1985, foi convidado por Carlos Alberto Figueiredo para dar aulas de

harmonia na Pro-Arte e, alguns anos depois, começou a dar aulas de violão também. Mais

tarde, integrou-se ao corpo docente do curso Cigam, a convite de Ian Guest, onde permaneceu

por doze anos dando aulas de violão, teoria e solfejo. Após a conclusão do mestrado, surgiu a

oportunidade de entrar para a Uni-Rio como professor visitante e, em pouco tempo, passou no

concurso para professor efetivo. Braga entrou na Uni-Rio para dar aulas de prática de

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conjunto e de violão, mas, atendendo às necessidades do departamento, deu aulas de

harmonia, arranjo e criou uma nova disciplina chamada Música e Indústria Cultural. Com os

alunos de violão, ele diz que faz o que sempre fez.

Oitenta por cento do trabalho com os violonistas é dentro do repertório de

música popular, dentro dos estilos de música popular, e melhorando a técnica da

rapazeada, que é uma coisa muito descuidada, pois eles vêm daquela escola rueira, de

aprender de ouvido.

Bartholomeu Wiese conta que em sua casa tinha cavaquinho, violão e acordeom, pois

seus irmãos tocavam e amigos de seu pai iam em sua casa duas ou três vezes por ano para

fazer bailes, reuniões, “aquelas coisas do interior”. Quando os irmãos saíam pra trabalhar, ele

pegava o acordeom e ficava tirando melodias. Aos doze anos, se mudou para uma cidade do

interior de Santa Catarina e resolveu estudar violão com o único professor da cidade, um

barbeiro chamado Genésio Clausino. Nessa época, se iniciou no violão popular, tocava

guitarra e chegou a tocar contrabaixo em bailes. Junto com o barbeiro, fizeram algumas

tentativas de aprender a ler música e, após algumas frustrações, conseguiram entender a

dinâmica da leitura através de métodos.

De Santa Catarina, Wiese se mudou para São Paulo e estudou em um conservatório no

interior, perto de Bauru. No Rio de Janeiro, estudou violão com Léo Soares, Odair Assad e

Luís Otávio Braga, sendo que, com os dois primeiros, o estudo era voltado ao violão erudito

e, com o último, as aulas eram direcionadas para o choro e o violão popular. Também fez

aulas de teoria com Carlos Alberto Figueiredo e com Adamo Prince. Ao mesmo tempo,

cursou a faculdade de direito, que lhe serviu para fazer o mestrado em música, onde Turíbio

Santos foi seu professor-orientador.

Iniciou-se no choro por mero acaso. Em um curso de férias, dos muitos que

freqüentava, conheceu Marcos Farina, integrante do Galo Preto, e ficou encantado com as

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baixarias que ele fazia. “Nós, músicos de concerto, ficamos meio bitolados, com medo de

abrir, de fazer uma nota fora da partitura. Isso é complicado”, nos conta Wiese, que ficou

amigo de Farina e “perguntava como fazia as coisas”.

Aí fui convidado pra entrar pro Galo. Era um alemão tocando choro. Aí ele

[Marcos Farina] me deu uns exercícios, uns discos pra tirar as músicas. Saía

atravessando. Mas o Galo tocava fixo no Aleph, um bar na lagoa, e ali foi minha

experiência, fui soltando, Farina e o Galo me incentivando, sabiam que era uma

questão de tempo, mas eu entrei meio verde. Nesse sentido o Galo Preto foi uma

Escola.

Desde que começou a aprender com “seu” Genésio Clausino, o barbeiro, Wiese já

iniciou seus primeiros passos no campo pedagógico. As pessoas vinham procurar o barbeiro

e, enquanto este ficava cortando o cabelo, Wiese “montava uma turma e ia para a pracinha

ensinar o que já sabia”. Desde então, nunca parou de dar aulas.

Os alunos o procuram mais para o violão erudito de concerto. Quando o interesse é o

violão popular, ele ensina mais ou menos da maneira como aprendeu com Luís Otávio Braga.

“Tem que entender a harmonia funcional que é muito simples, entender os encadeamentos,

colocar pra tirar músicas, geralmente choro tradicional, da antiga.” Ele considera importante

trabalhar o ritmo, desde o início, para o aluno poder ler, entender e, principalmente, sentir o

que é uma pulsação.

Advindo de uma família de músicos, Rogério Souza e seus quatro irmãos, entre os

quais Ronaldo do Bandolim que integraria nada menos que o conjunto Época de Ouro,

começaram a aprender cavaquinho, violão e bandolim desde criança, em Petrópolis.

Observando os irmãos, perguntando, pedindo dicas, pode-se dizer que foi um músico auto-

didata, pois não teve contato com um professor nesse início de aprendizado.

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Quando veio para Niterói, travou contato com alguns dos principais músicos do choro,

pois morava no mesmo prédio que Jonas do Cavaquinho, integrante do Época de Ouro. Ele

nos conta que nessa época ocorriam muitas festas e serestas, onde os músicos em formação

travavam contato com os músicos “da antiga”, mais experientes, e aprendiam muito com esse

encontro. “Ali que eu comecei a ver esses caras todos. Via tocando, via ensaiando, ainda guri,

aos treze anos. Via o Dino [7 cordas], via o César [Faria], via o Carlinhos. Tava sempre vendo

esse pessoal em festa, ensaio, show”, relata Souza.

Souza estudou teoria, solfejo e arranjo com o professor Adamo Prince, ao perceber a

necessidade do conhecimento da leitura musical exigido pelo mercado. Esse professor

desenvolveu um método excelente de ritmo, dividido em três volumes, que foi estudado com

afinco pelo entrevistado. Também teve algumas aulas com Sérgio Benevenuto, com um maior

enfoque no estudo de arranjo.

Para se aprimorar tecnicamente, Souza conta que teve algumas aulas de violão com

dois ex-alunos de Turíbio Santos, mas que não se lembrava dos nomes desses músicos. Souza

percebeu que poderia pegar os métodos clássicos e estudar o que lhe interessava sem o auxílio

de um professor, e assim o fez. Souza é um músico que aprendeu com a prática, “com os

botequins”, e para ele todos têm que passar por essa “escola da rua”.

Hoje em dia vemos muitos violonistas que tocam bem, têm velocidade, mas

fica faltando a convivência. Eu falo isso porque eu não estudei, eu percebi através do

contato com os caras velhos, por ver o Dino, ver o Carlinhos tocando, até hoje presto

atenção. O lance da maldade que eles adquiriram nos seus cinqüenta anos de música.

E o cara novo, por melhor que seja, você percebe que não tem maldade nenhuma, o

que é normal em qualquer um.

Souza afirma que esta “maldade”, que significa ter o domínio total do choro e ainda

algo a mais, é adquirida através da convivência. “Mesmo o Raphael Rabello só foi ter

maldade depois do segundo ou terceiro CD dele, mas aí já estava convivendo com esse time

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experiente”, relata o violonista. Ele acredita que essa convivência é que dá o “chão”, a base,

para o desenvolvimento do músico. Entretanto, o contrário também é verdadeiro. Segundo

ele, é preciso que os “velhos” mantenham contato com o que a nova geração está fazendo,

para não ficar estagnado no tempo. Enfim, é necessário haver essa troca constante entre a

experiência e a inovação.

Questionado quanto ao seu método de ensino, o violonista afirmou que não se

considera um professor, no sentido estrito da palavra. Aos alunos que o procuram, ele tenta

passar seu conhecimento na prática, tocando junto, auxiliando tecnicamente. Em seu

entendimento, a prática ensina muitas coisas e proporciona a experimentação, da qual muitas

idéias são criadas e apreendidas e outras são deixadas de lado por serem ineficazes.

Maurício Carrilho nos conta que seu primeiro contato com a música foi ouvindo a

“bandinha do Altamiro”, que tocava, entre outras coisas, maxixe, choro, música brasileira

bem típica. Ouvia também alguma coisa de música americana, pois seu pai gostava muito de

Cole Porter e tinha gravações de orquestras americanas. Seu tio Altamiro Carrilho já era um

flautista de renome na música popular brasileira e trabalhava com muita gente, tinha muitas

orquestras, muitos conjuntos. “Eles se reuniam pra tocar. Por exemplo, tinha aniversário de

minha prima, ia o regional do Canhoto, o Altamiro, um monte de outros músicos de sopro e

faziam tipo uma pequena orquestra.”

Essas reuniões lhe provocaram um interesse especial pelo violão, mas como ninguém

o aceitava como aluno por ter quatro anos, Carrilho foi aprender piano. Nessas aulas, a

professora não deixava ele tocar nada de ouvido e sempre o repreendia, o que ocasionou um

trauma em relação ao instrumento. Só aos dez anos começou a estudar violão com Dino 7

cordas, com quem estudou aproximadamente um ano. Mais tarde, aconselhado por Altamiro,

foi estudar com Jayme Florence, mais conhecido como Meira.

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Eu fui e mudou tudo, porque aí que eu comecei mesmo a ter aula de violão. Comecei a

ler música, estudar a técnica, olhar a música de outra maneira, pois o Meira tinha uma visão

muito mais aberta, mais abrangente em relação à música. A gente tocava vários gêneros

diferentes na aula dele, vários ritmos latino-americanos, então tinha tudo, música espanhola,

tango, bolero, choro, samba, bossa nova. Ele gostava e achava que a gente tinha que tocar

tudo, inclusive algumas coisas mais simples de música erudita.

Carrilho estudou quatro anos com o Meira e essa relação transcendeu o sentido aluno-

professor. Segundo o entrevistado, ele foi a ponte entre a origem do jeito brasileiro de tocar

violão, que sem dúvida nenhuma tem uma interferência muito grande dos músicos do

nordeste e o violão brasileiro moderno. Por isso, dentro da escola brasileira de violão, Meira

foi, sem dúvida nenhuma, o professor mais importante, na opinião do entrevistado.

Outras duas pessoas fundamentais em sua vida como músico, principalmente como

arranjador, foram Ian Guest e Radamés Gnattali. O primeiro, apesar de não conhecer

profundamente a música brasileira, conhece a fundo a música e tem uma capacidade de

organização fabulosa, conseguindo ajudar a organizar o conhecimento que o aluno já possui,

sem dar nenhuma informação. Com o segundo, o aprendizado veio pela convivência diária

nos ensaios, pelo som, pela experiência, nas cópias que fazia dos arranjos dele para a

camerata e para outras formações.

Incentivado pelo Meira, Maurício começou a dar aulas para alguns amigos, mas “não

levava muito a sério”. Depois precisou dar aulas para se sustentar, pois o trabalho de músico

era muito irregular. Isso aconteceu na época em que tinha acabado de estudar com Ian Guest,

então ministrava aulas de música em geral. Carrilho ensinou leitura musical para muitos

músicos colegas, como Pedro Amorim, Rogério Souza, Jorge Simas, entre outros músicos

profissionais que ainda não tinham adquirido esse conhecimento.À medida em que o trabalho

de arranjador e de produtor começou a crescer, não sobrava tempo para dar aulas, o que o fez

interrompê-las durante muitos anos. Há seis anos atrás, a convite de Roberto Gnattali,

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participou do Festival de Verão de Curitiba. Para organizar esse curso, Maurício fez uma

retrospectiva de suas aulas com o Meira e as aplicou.

Primeira coisa: não escrever nada antes de tocar, primeiro fazer e depois

anotar, pois acho absolutamente impossível grafar ritmicamente as levadas,

geralmente fica longe do que é. Então, é muito importante que as pessoas percebam

aquele ritmo, consigam executar, aí depois cada um inventa um jeito de escrever, que

é legal para lembrar depois. A outra é começar a organizar ramificações dos ritmos,

pois tem os primários que são básicos para todos e as variações que são feitas em cada

onda1. O primário seria a célula rítmica da síncope, tanto para o samba quanto para o

choro, mas o choro tende a levar para o ritmo das quatro semicolcheias e o samba pra

coisas mais sincopadas, mas aí, dependendo da frase ou do trecho do choro que se vai

acompanhar, você usa ritmos de acompanhamento do samba e vice-versa. Existe uma

troca constante nesses dois gêneros, não é à toa que o desenvolvimento dos dois

caminha sempre na mesma direção e que os músicos que tocam um, tocam o outro.

Maurício conta que nunca teve uma metodologia organizada para dar aulas. Elas

sempre foram improvisadas e em função das necessidades do aluno pois, dependendo da

formação deste, pode-se trabalhar coisas diferentes. Entretanto, ele confessa que tem vontade

de organizar, “mesmo grafado de uma forma dura”, um livro de levadas, acompanhado de um

CD. Esse projeto está sendo realizando lentamente, mas, mesmo depois de pronto, nunca irá

substituir uma roda de choro, a troca de informação, o contato com outros músicos, “porque é

assim que a gente aprende mesmo”.

1 Nesse caso, Maurício se refere aos estilos dentro do próprio choro: lento, “maxixado”, ligeiro, canção.

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Segunda parte: elementos necessários à execução do choro no violão

de seis cordas

Luís Otávio Braga acredita que os elementos necessários para a prática do choro são

identificados, muitas vezes, no trabalho do repertório solo. Seu trabalho se divide em três

etapas: o aluno deve ler a partitura, estudá-la e escrever a harmonia. A partir daí, executa o

solo e trabalha o acompanhamento e os espaços da baixaria. O giro harmônico típico desse

gênero, os acordes e alterações mais utilizados serão percebidos com a continuidade do

trabalho.

A utilização das inversões de acordes é um elemento importante no pensamento de

Braga. O aluno observa, através de demonstração na aula, como a variação do baixo gera uma

linha que forma, por si só, um contracanto com a melodia. Braga compara essa linha ao baixo

contínuo do barroco. Ele afirma que o aprendizado dessa condução de acordes, em relação à

melodia, é facilitada “quando o aluno tem condições teóricas para desenvolver uma idéia,

formular, pensar”.

O uso adequado dessas conduções enriquece as baixarias, que geralmente têm a

função de preencher um espaço fornecido pela melodia. Segundo Braga, “a baixaria tem um

princípio inventivo que é puramente melódico”. Para trabalhar esse elemento fundamental do

choro, ele mostra os caminhos por onde começar a desenvolvê-lo. O que fica um pouco fora

do estilo “ajuda a confrontar o que o aluno faz com o que ele precisa ouvir”. Todo esse

trabalho é centrado no repertório.

Braga está escrevendo um método de violão de sete cordas no qual faz transcrição de

baixarias utilizadas pelos principais violonistas, mostrando o papel e utilização dessas e

analisando as fórmulas que as originaram. Ele acha que esses violonistas se utilizam “das

mesmas coisas, ou poucas coisas, para dar continuidade e movimento” às suas baixarias.

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Quanto aos pressupostos técnicos, se for preciso, Braga utiliza-se dos exercícios encontrados

em métodos empregados no ensino do violão erudito. No entanto, logo que possível, procura

colocar o aluno no repertório de seu interesse para utilizar as idéias técnicas adquiridas.

Uma atenção especial é dispensada aos ligados, pois eles “definem a cor do fraseado, a

cara do fraseado”, relata Braga. “Eles tomam uma surra de ligado porque este é fundamental”.

A utilização de fórmulas variadas de mão direita também é exaustivamente trabalhada.

Combinação de polegar e indicador, polegar e médio, exercícios para o polegar, escala de três

dedos são alguns dos exercícios técnicos abordados. Ele mostra as várias possibilidades de

utilização dessas fórmulas em uma baixaria (como exemplo, cita a obrigação da introdução de

Ainda Me Recordo, de Pixinguinha), o uso de ligado em várias posições, e deixa que o aluno

escolha o que achar melhor. Os vários tipos de arpejo de mão direita também são trabalhados.

A utilização de ligados, segundo Braga, é algo muito pessoal. “Os lugares onde o Dino

[7 cordas] e o Raphael [Rabello] usam os ligados são diferentes dos lugares onde eu ponho”,

afirma ele.

Se pegar a partitura do Brasileirinho, de João Pernambuco, revisada por

Turíbio, eu faço alguns ligados que ele sugere, mas tem outros que mudo de lugar,

pois, se fizer onde ele pede, a frase não soa dentro do estilo que eu conheço. Eu nem

sei justificar, eu sei que aqui é melhor, o pessoal vai fazer assim.

De acordo com o entrevistado, é fundamental o conhecimento das levadas dos vários

estilos dentro do choro. O acompanhamento básico da polca, do schotisch, os tipos de valsa, o

maxixe, o choro-canção, o choro rápido, entre outros, devem constar no repertório de ritmos

conhecido pelo aluno. Braga considera a levada primordial para que se faça uma boa baixaria.

Como o acompanhamento nesse estilo supõe a levada e as baixarias, primeiro

eu dou pouca corda pro bezerro. Por exemplo, o cara quer acompanhar Noites

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Cariocas. Se ele não tiver uma levada, que a gente chama de chão, que deixa o

solista à vontade, ele não faz um baixo que preste. Então eu amarro a levada, tem que

ter uma levada, aquele lugar que quando você acaba de fazer a baixaria ... é o chão.

Então o camarada, pra tocar o Noites Cariocas cheio de baixaria, primeiro tem que ter

uma levada daquele estilo.

O tratamento dado por Wiese aos elementos essenciais para a prática do choro tem

uma abordagem diferente da utilizada por Braga. Enquanto este focaliza tudo no repertório,

aquele procura fazer exercícios que serão identificados a posteriori na prática. Para trabalhar

os encadeamentos de acordes, por exemplo, Wiese elabora algumas fórmulas e as pratica em

todas as tonalidades, pois quando ouvir uma música, o aluno identificará essas passagens com

facilidade. Nessas fórmulas, são trabalhadas também as inversões de acordes.

Ao abordar as baixarias, Wiese trabalha a escala e o entendimento do que pode

acontecer dentro da harmonia. Às vezes escreve, outras deixa o aluno desenvolver. “Dou três

ou quatro exemplos de ritmo. Você tem a escala, pode começar no tempo, no contratempo,

fazer uma quiáltera, depende de onde quer chegar e aí é a prática que vai dizer isso”, afirma o

violonista. A improvisação não é muito abordada por ele, pois se aluno tem um certo número

de fórmulas de baixarias e escolhe entre estas, já está apto à pratica do choro.

Para ele, não há distinção de formação técnica entre o violão popular ou o violão

erudito. Quanto melhor estiver tocando tecnicamente, mais facilidade o aluno terá na

execução. Wiese aplica os mesmos exercícios utilizados pela escola clássica nos alunos

interessados no violão popular, pois acredita que “a diferença está no suingue, na vivência, no

espírito”.

O aprendizado da levada é somente uma questão de tempo de acordo com Wiese.

“Tem algumas fórmulas, pode-se escrever uma levada de samba, fazer bem quadradinho pra

começar a sentir e depois soltar e sair dessa levada. É uma questão de tempo e de tocar

mesmo”. Ele acredita que hoje tudo é muito fácil, pois encontramos choro em vários lugares.

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O aluno interessado nessa prática deve “vivenciar, estar lá junto, ver como o cara faz,

pedir uma dica, hoje todo mundo se comunica muito facilmente, ninguém esconde o pulo do

gato.” Ele diz que os primeiros passos para o desenvolvimento de uma boa levada seriam

ouvir e imitar. A partir daí, o aluno terá base e espaço para desenvolver sua própria

linguagem.

Rogério Souza aponta o conhecimento da harmonia e sua vivência deste como

fundamentais para a prática do choro. Imitar os mestres seria um ponto de partida para tal,

mas só o fazer possibilitará sua consolidação.

A linguagem do choro tem alguns elementos específicos. Tem a harmonia,

que é muito simples, as baixarias, que o cara tem que copiar, não tem outro jeito. Tem

a preparação pra chegar em algum lugar, então ele vai colocar um baixo. É o item

básico, vai ser sempre no cinco [quinto grau], no grau de chegada não se faz isso.

A prática propiciou ao violonista desenvolver aspectos pouco utilizados na execução

do violão de seis cordas no choro tradicional. Ele nos conta que a imitação de instrumentos de

percussão e de algumas fórmulas do contrabaixo, a realização de dobras com a melodia e de

contracantos, realizados no registro agudo do violão, foram desenvolvidos através da

experimentação em reuniões informais. Esses elementos deveriam ser mais estudados e

registrados para que outros violonista possam desfrutá-los e desenvolvê-los.

“Para se tocar choro é fundamental ouvir muito choro”, nos diz Maurício Carrilho. Ele

não acredita em harmonia racionalizada, pois esta deve ser elaborada de acordo com o som e

da sensação que ele provoca. É preciso adquirir o vocabulário do choro, e não pensar

matematicamente antes de realizar um acompanhamento desse gênero. O som deve sempre

preceder a escrita musical, no entender do músico, e só assim um violonista irá adquirir o

reflexo necessário para acompanhar, em uma roda de choro, uma música totalmente

desconhecida por ele.

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As baixarias podem até ser estudadas separadas, pois estaremos ampliando o

repertório de frases, exercitando tecnicamente no instrumento, mas, ainda assim, Carrilho

acha melhor “ouvir e tocar, depois escrever”. Segundo o músico, essas “passagens” do violão

sempre existiram, até porque facilitam a transição para o acorde seguinte (“em vez de deixar

um buraco, faz uma frase pra cair no outro acorde”), mas o virtuosismo dessas frases começa

a existir a partir do Dino 7 Cordas e este é levado ainda mais adiante por Raphael Rabelo,

“pois ele já acrescenta notas de tensão e coisas bebidas em outros gêneros de músicas, mas

completamente bem realizáveis no choro”. Ambos se utilizavam dos ligados, tanto para

viabilizar a execução de passagens mais difíceis quanto para imprimir maior leveza ao

fraseado melódico.

Quanto à técnica do instrumento, Maurício acha muito similar à escola espanhola

(muito utilizada para a aquisição motora) da escola do choro.

O pessoal da bossa nova tem uma dificuldade muito grande de separar o

indicador do médio e do anular, eles tocam tudo junto. O pessoal da escola espanhola

e do choro não tem esse grilo. O indicador é como se fosse um pandeiro, três pontos:

polegar, indicador, médio-anular, ou, às vezes, o indicador e o médio e o anular

sozinho, mas a maior parte das vezes você faz as conduções com indicador mesmo, no

meio do acorde.

Um dos únicos exercícios que ele aprendeu com o Dino e com o Meira, e que não

encontrou similares nos estudos técnicos tradicionais, foi uma particularidade na digitação da

mão direita aplicado ao estudo de escalas. Seus professores pediam que realizasse as escalas

com alternância de indicador e médio nas cordas primas (as três mais agudas) e somente o

polegar nos bordões (as três cordas mais graves). Esse exercício ajuda no desenvolvimento

técnico do polegar para a realização das baixarias. Maurício conta que, normalmente, os

violonistas do meio erudito fazem uma baixaria rápida com indicador e médio ou polegar e

outro dedo, e o som obtido não é tão satisfatório. Ele só se utiliza de fórmulas com polegar e

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indicador no caso de saltos entre cordas. Além dessa particularidade, todas essas escalas eram

realizadas tanto em staccato quanto legato e ele sempre fraseava dentro do estilo do choro.

Carrilho trabalha interpretação, para o aluno saber tocar quando está no primeiro

plano, mas também saber se colocar em outros planos. Nas aulas que teve, o máximo que

acontecia eram umas dicas de onde e como realizar a dinâmica. “Ouvir é mais importante que

qualquer outra coisa”, afirma.

Terceira parte: elementos pedagógicos

Esta parte possui itens mais independentes entre si e por isso será dividida em seções.

Examinaremos a resposta dos entrevistados para cada ponto separadamente. Na seção que

abrange o modelo (T)EC(L)A, recordaremos o referencial teórico exposto anteriormente.

Transferência do conhecimento

Apesar de já abordado nos itens anteriores, este é um assunto de extrema importância,

pois os métodos utilizados para a transferência do conhecimento podem determinar o quanto o

aluno irá progredir. Braga acredita que o conhecimento do repertório é primordial. Ele

trabalha pedindo transcrições de cópia de fita, para o desenvolvimento do ouvido do aluno e o

entendimento das levadas. A escrita e a gravação das aulas é um recurso bastante empregado,

sendo que ele procura diversificar ao máximo as baixarias que escreve para que os alunos

tenham muitas possibilidades de escolha.

O aspecto teórico, entender a harmonia, e a prática deste, o reconhecimento auditivo

dos encadeamentos, são priorizados por Wiese. É importante tocar junto com a gravação,

utilizar um dos milhares de exemplos, mas antes disso fazer os exercícios de condução de

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acordes em várias tonalidades. Quando o aluno já tem essa prática “em diversas tonalidades,

ele ouve e identifica mais facilmente” os acordes empregados.

Souza pensa que tocar junto e copiar os grandes mestres é a melhor maneira de

aprender a tocar choro. A imitação irá definir e consolidar a linguagem para o músico e a

prática propicia a experimentação e o desenvolvimento de uma linguagem pessoal. O

violonista se utiliza também da cifra para a leitura do repertório que será trabalhado.

O ritmo é um elemento essencial na opinião desse músico. Reconhecer as figurações

rítmicas executadas pelo tamborim, pelo surdo, entre outros, e tentar imitá-las ao violão

desenvolvem a mão direita do aluno. Para Souza, a alma do suingue se encontra nos

instrumentos de percussão, portanto é preciso ouvir, perceber e copiar estes para desenvolver

uma boa levada.

Segundo Maurício, um dos mecanismos mais eficientes para adquirir a habilidade

necessária à execução do choro é a imitação, principalmente de gravações. Tocar junto com

uma gravação é um exercício fabuloso para o treinamento da harmonização do choro. “Botar

o disco e sair tocando, errando, correndo atrás, daqui a pouco você acerta uma passagem que

nunca tinha acertado e no final acerta tudo. Isso é um exercício maravilhoso.” Depois de

executar corretamente a música, o aluno pode escrever o que foi tocado. De acordo com o

violonista, este é o procedimento para se adquirir a linguagem do choro. Maurício acredita

que, da maneira inversa, a escrita antes da execução, necessitaria sempre um tempo de análise

antes da execução e não soaria com a espontaneidade e desembaraço com que os “velhos”

tocavam.

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Verificação do modelo (T)EC(L)A

Swanwick desenvolve, em seu livro The Basis of Music Education (SWANWICK,

1979), um modelo de educação musical baseado em três parâmetros principais – composição,

apreciação e execução – acrescidas de dois parâmetros secundários – literatura e técnica –

cuja abreviação forma a palavra (T)EC(L)A. O segundo capítulo dessa pesquisa realiza uma

apresentação detalhada desse modelo.

Pretendemos verificar, nesta seção, quais parâmetros são priorizados por cada

entrevistado. Ao abordarmos o modelo (T)EC(L)A, explicamos seu princípio básico para cada

um dos sujeitos e todos se mostraram receptivos e interessados. No entanto, as conclusões

aqui apresentadas levaram em conta todo o discurso das entrevistas.

No ensino do choro, composição, apreciação e execução estão presentes a todo o

momento. As transcrições sugeridas pelos professores desenvolvem uma escuta apurada do

gênero. O desenvolvimento de fórmulas de baixaria e de levadas estimulam a atividade

criativa e improvisatória do aluno e estaria dentro do campo da composição. A técnica foi

exaustivamente comentada durante as entrevistas, porém é empregada com fins musicais, para

facilitar e possibilitar o domínio do instrumento pelo aluno. A única atividade não

mencionada foi a literatura.

Braga sempre incentiva a formação de conjuntos de choro com as mais variadas

formações, o que é facilitado pelo fato de ser professor da matéria Prática de Conjunto, na

Uni-Rio. Essa matéria possibilita a troca de conhecimento entre os músicos, o maior

conhecimento do repertório e uma apresentação no fim do semestre, onde os alunos podem

mostrar o resultado obtido durante as aulas. Quanto à literatura, ele afirma que temos a

necessidade de conhecer a história.

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O entendimento e apreciação da música e o prazer de tocar são mais importantes que

“ficar malhando tecnicamente”, de acordo com Wiese. A técnica é trabalhada totalmente em

função da música. Ele também estimula a formação de duos e trios para a execução da música

popular. O aluno deve criar o acompanhamento para a música escolhida, nem que tenha que

decorar ou escrever, e todos devem ter a oportunidade de solar e acompanhar. A literatura é

importante para ele, principalmente as teses que trazem informações novas e atuais.

A execução é atividade mais valorizada por Souza. Talvez porque ela proporcione o

desenvolvimento de outras atividades como a apreciação – ao tocar em grupo, podemos

observar melhor o molho e a ginga dos instrumentos de percussão –, e a composição – já que

a ausência de compromisso em uma roda de choro possibilita a experimentação e a criação.

A apreciação é o primeiro e o último objetivo da música e, consequentemente, do

choro de acordo com Carrilho. A literatura funciona somente como um suporte pra preservar a

obra dos compositores. Ele nos afirma que está montando um arquivo de seis mil partituras de

choros de compositores nascidos até o ano de 1900 e que, apesar de incipientes nas lojas,

podemos encontrar essas peças nos arquivos do Mozart Araújo, no CCBB (Centro Cultural do

Banco do Brasil), na biblioteca do MEC (Ministério da Educação e Cultura) e no MIS (Museu

da Imagem e do Som).

Podemos constatar que, para o aprendizado do choro, quatro das atividades do modelo

(T)EC(L)A são fundamentais: apreciação, execução, composição e técnica, esta última sendo

utilizada em função das três primeiras. A literatura, considerada secundária por Swanwick,

talvez seja ainda menos importante no gênero abordado. A escassez de publicações no

mercado e o desinteresse de muitos alunos podem ser alguns dos motivos que levam a essa

situação. No entanto, como afirmou Wiese, a produção de dissertações e teses pelo mestrado e

doutorado em música, respectivamente, além das pesquisas realizadas por alunos e

professores, apontam para um novo horizonte.

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O ensino da música popular na universidade

De acordo com Braga, o choro se escondia em guetos há alguns anos atrás. Ele era

passado como uma tradição nas rodas de choro e nos saraus que eram feitos com freqüência.

“Todo o sábado eu ia pro Sovaco de Cobra e no domingo pra Jacarepaguá, quando não

apanhava muito no dia anterior”, conta o músico. Hoje em dia, é menos comum encontrar

lugares que promovam essa prática, por isso é importante que sejam criadas outras

oportunidades para o aprendizado e exercício do choro.

A universidade abre um espaço onde a cultura popular se insere como um campo de

estudo, de pesquisa e de “validação”2. Essa cultura nunca esteve tão em moda no campo

científico como está agora. Braga afirma que a existência de um curso de música popular

dentro da universidade é absolutamente necessário, pois temos um campo profissional muito

grande nessa área, e que é muito difícil fazer algum tipo de dissociação de produção popular e

produção científica nos tempos atuais. “Se nos Estados Unidos eles abriram as escolas pra

música popular, porque o Brasil, que tem uma música tão variada e tão rica, não vai

estabelecer um núcleo de estudo ali? Você tem campo, tem um repertório, se temos tudo isso

na mão, por que não fazê-lo?”

A formação de músicos que vão enriquecer a discussão acerca da música popular

brasileira é de fundamental importância. Braga considera que os trabalhos nessa área sempre

foram feitos com poucas pesquisas, pouco aprofundamento.

Se a gente continuar escrevendo, sobre a música popular, coisinhas pequenas (casos e histórias pitorescas), estaremos fazendo trabalho de antiquário, que é importante, porque ele guarda os objetos nos lugares, mas não discute, não problematiza nada.

2 Braga coloca a palavra validação entre aspas porque acredita que a cultura popular não tem necessidade de ser validada, a história se encarrega disso.

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O método é uma possibilidade de aprendizado, segundo Braga, pois mesmo os

músicos populares, como o Garoto, o Aymoré, o Américo Jacomino, o Quincas Laranjeiras, o

Patrício Teixeira, compilavam suas idéias em livros com finalidade didática. “Maneiras de

ensinar são sempre válidas, quaisquer que sejam”, desde que o material não seja espalhado de

maneira assistemática e que o aluno tenha a orientação de um professor. É de extrema

importância que um método tenha seus objetivos bem definidos: onde e quando foi feito, em

que foi baseado e qual sua finalidade.

Para a elaboração de um método, é importante que o autor perceba as práticas, “o que

está por trás” do assunto que irá abordar. Em função da dificuldade de perceber essas práticas

e colocar num determinado objeto todo seu conteúdo, os métodos nunca serão totalmente

completos, nem tampouco independentes. Mesmo assim, Braga afirma que “eles são

necessários, principalmente naquele momento em que ele está inserido”.

Uma das grandes vantagens da publicação de métodos seria a compilação do material

e a preservação da memória. De acordo com Braga, “a escrita é uma documentação

importante, pois ela permite reavaliações, especulações, ela insinua. Ela apaga também,

porque escolhe, mas te dá imaginação”. Ele afirma que “não podemos tirar o mérito da

escrita, mesmo que, no caso da escrita musical, ela nunca irá nos dizer tudo”.

Wiese acredita que o ensino de harmonia funcional, introduzido na Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pelo violonista Marco Pereira, é fundamental para a

formação de um músico nos dias atuais. Ele conta que esse curso não existia antigamente.

“Tudo está se abrindo”, afirma, “hoje em dia os violonistas entendem mais rapidamente as

músicas”, devido à maior facilidade de se obter informação.

Quanto à criação de métodos, ele acredita que tudo está caminhando para que isso

aconteça. Como exemplo, cita o método Vocabulário do choro: estudos e composições,

escrito por Mário Séve, que trata da fraseologia desse gênero. Cita também a dissertação de

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José Maria Braga, na qual é afirmado que o choro pode ser ensinado na escola, não existe

somente o aprendizado intuitivo. “O choro é a principal escola (da música brasileira) porque o

choro é uma maneira de tocar, de fazer”, e, como foi visto no início desse capítulo, deve ter

tantas possibilidades de aprendizado quantas são as maneiras de tocá-lo.

A opinião de Wiese é compartilhada por Souza. Para ele é fundamental a construção

de novas maneiras de aprendizado. Apesar de ter aprendido a maior parte do que sabe “nos

botequins” e nas reuniões de músicos, ele afirma que hoje em dia a realidade é muito

diferente. Um método, no seu ponto de vista, deveria conter exercícios bastante objetivos,

“não adianta ter exercícios muito complicados que serão utilizados em uma música. É

importante elaborar exercícios que irão te ajudar na prática”, afirma.

O aprendizado da música popular na universidade tenta preencher o espaço vazio das

festas e saraus, cada vez mais raros, pois aquela proporciona a aproximação de músicos que

irão promover esses mesmos encontros, porém em outro ambiente. O choro “varandão”, assim

chamado por ser realizado no quintal de uma casa, é substituído pelo choro nos teatros e nas

salas de aula. Entretanto, Rogério faz uma ressalva quanto a essa troca de ambiente:

A universidade deveria ter uma maneira de trazer essa coisa da rua, da prática.

Trazer um cara de bandolim, como, por exemplo, o Armandinho. Tocar junto com o

cara. Porque o aluno sabe a harmonia, sabe ler, sabe fazer isso, sabe fazer aquilo, mas

fica faltando a prática, o dia-a-dia. E acho que nenhum músico iria dizer não a esse

convite.

Esse processo pode trazer benefícios para os dois lados, pois a necessidade da

“alfabetização” musical, aprimorada pela academia, é fundamental para o mercado, enquanto

o “molho”, o suingue, o gingado, também é fundamental para a prática da música popular.

Esses dois elementos podem ser adquiridos quando aliamos o fazer ao aprendizado formal e

teórico.

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Carrilho acha maravilhoso que exista a possibilidade de se estudar o choro e a música

popular na universidade, pois essa aproximação beneficia ambas as partes. Em seu ponto de

vista, o choro deveria ser ensinado à parte, em uma cadeira específica, por ser um gênero de

música que fundamenta todos os outros gêneros da música popular brasileira. Entretanto, é

fundamental que se crie dentro da universidade (e isso não está sendo feito ainda segundo ele)

um ambiente parecido com o ambiente onde se aprende e se pratica o choro. Assim como

Souza, ele acredita que seria preciso trazer para a universidade pessoas ligadas ao choro e

desligadas da universidade, pois estas iriam abrir os horizontes “e um grande problema da

universidade é fechar horizontes, é transformar em dogma coisas que são livres. Não podemos

algemar o choro, temos que estudar ele livre como ele é”.

A partir dessa convivência da universidade com o ambiente do choro, seria

interessante montar uma metodologia para o ensino-aprendizagem desse gênero que

preservasse o conhecimento dos expoentes da velha e da jovem guarda do choro. Entretanto,

segundo o entrevistado, por mais que se organize a literatura da musica popular brasileira, a

forma de transmissão oral ocupará sempre um espaço importante, principalmente para

localizar o indivíduo culturalmente, pois se não conhecemos profundamente essa música,

através de apreciação e execução, não teremos como administrar o material apresentado.

A roda de choro

A roda é uma tradição através da qual o choro, de uma maneira ou de outra, conseguiu

se manter e prosperar. Luís Felipe Lima a considera, como muitos dos músicos inseridos na

prática da música popular, o espaço do choro por excelência.

A roda de choro tradicional tinha um certo ritual. O primeiro pressuposto era o silêncio, coisa difícil hoje em dia. Quem queria conversar ia pra dentro da casa e a

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gente ficava no quintal tocando. O pessoal que sentava na roda era o pessoal graúdo, bam-bam-bam, os que estavam começando chegavam, tocavam aquilo que conhecia, as que não conhecia ficavam só olhando, ou então alguém dizia pra entrar porque iria conseguir fazer essa e aí entravam e tocavam. Isso quando já adquiriam a confiança.

Essa narrativa de Braga mostra que, na roda de choro, quanto mais experimentado o

violonista, mais ele aprendia. O “neófito” ia sendo testado em suas primeiras incursões nesse

ambiente, “às vezes sobrava um espaço e alguém dizia que este solava muito bem e aí ia

adquirindo uma certa consideração e a roda ia se abrindo”. Os violonistas tinham que estar

bem preparados, saber todos os choros de Pixinguinha, os principais do Jacob do Bandolim,

de Luiz Americano, de João Pernambuco, entre outros. A maneira de adquirir esse

conhecimento era através de gravações ou com outros músicos. Existe toda uma ascensão

dentro da roda, toda uma qualificação, toda uma escolha. Esse grande “clube” no qual o choro

encontra seu espaço precisava ser estudado com mais afinco, principalmente no aspecto

sociológico.

Muito do aprendizado adquirido na roda ocorre através da observação, pois ela

possibilita, ao interessado, visualizar “a técnica de fulano, como cicrano fazia tal baixaria, ver

as obrigações, medir o virtuosismo de um e de outro, as derrubadas, ...” Podemos perceber

como é o toque do violonista, como ele utiliza a dedeira, os movimentos de mão esquerda e

direita, apontamento, uso de pizzicato, “detalhes que só o ver oferece, na gravação tem que ir

atrás do imaginário”. Quando o violonista conquistava seu espaço, os chorões mais

experientes davam atenção, davam conselhos, trocavam informações. Uma condição

fundamental para essa conquista continua a ser o conhecimento do repertório, estar com a

harmonia das músicas “debaixo do dedo”.

Wiese nos conta que sua roda foi profissional, pois quando entrou para o Galo Preto

tocava toda a quarta no bar Aleph. Ele participou de algumas rodas com o Joel Nascimento,

mas, como era muito tímido, ficava a maior parte do tempo ouvindo os grandes mestres.“Só o

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fato de estar numa roda com Joel (Nascimento) e Raphael (Rabello), você aprende muito,

olhando o suingue, a levada. A roda é uma grande escola e hoje é moda”, afirma.

Esse pensamento não é partilhado por Souza, que afirma que as reuniões entre músicos

eram mais freqüentes há vinte anos atrás. O crescimento do mercado de trabalho e do custo de

vida aumentou a necessidade e o campo de trabalho dos músicos, que ficaram com menos

tempo para o tocar por puro e simples prazer em festas e reuniões. Ele mesmo assume que não

freqüenta mais as rodas como o fazia tempos atrás. A carência desse espaço de aprendizado

deve gerar outros meios de propagação e perpetuação do choro, sendo a universidade um

destes.

Ele afirma que muita coisa é experimentada na roda e que o violonista, quando divide

o acompanhamento com outro violão, tem de saber se colocar. Ele conta que aprendeu isso

vendo tocar não só os violonistas de choro, como Dino, César e Carlinhos, mas também os de

Bossa Nova, como Baden Powell e Luís Bonfá.

Quando estou tocando choro, às vezes gosto de tocar o violão pensando em um

contrabaixo. Ou então fazer o contracanto no agudo, quando tem outro violão, dobrar

a melodia. Eu fico livre pra fazer o que quiser. Eu não gosto de tocar com dois violões,

em roda, porque são poucas as pessoas que sabem se colocar. Às vezes os caras não

pensam, não ouvem.

Carrilho considera a roda de choro como a “universidade real”. Ela funciona para

ampliar o repertório, para aprender outros choros. “Você vai na roda pra tomar surra, pra tocar

o que nunca ouviu. Essa é a finalidade da roda, é derrubar no bom sentido, pro cara não ser

derrubado da próxima vez. Ele vai descobrindo os caminhos e anulando as possibilidades até

reduzir o erro”.

Ele afirma ainda que as rodas sempre foram esporádicas, pois quando são freqüentes

viram “uma espécie de escravidão”. Elas vão acontecer em maior número à medida que as

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pessoas se organizarem para criá-las e “não precisa muita coisa para fazer uma roda de choro,

só vontade de tocar”.

Conclusão

Verificamos, através da trajetória de cada um dos entrevistados, que são muitos os

caminhos que levam ao aprendizado musical da música popular brasileira. Em três, dos quatro

casos examinados, os entrevistados integravam famílias de músicos ou com alguma

inclinação para música. Entretanto, casos como o ocorrido com Braga, que tomou

conhecimento da existência do choro através do rádio, são cada vez mais raros, pois existem

poucas emissoras que forneçam espaço para esse gênero. A rádio MEC FM (98.9 Mhz), além

de inserir a música instrumental brasileira em sua programação, apresenta um especial

dedicado ao choro aos domingos. Infelizmente, esse programa é uma exceção. O primeiro

contato com o choro, hoje em dia, acontece através de shows e gravações ou por indicação de

apreciadores, músicos e professores.

O início da prática do choro em si ocorre, geralmente, com a reunião de amigos para

formar um conjunto. Por mera coincidência, tanto Braga quanto Wiese começaram a tocar

choro profissionalmente no Galo Preto, em épocas diferentes, mas podemos perceber que o

primeiro já tinha um pouco mais de experiência do gênero quando integrou o grupo, enquanto

o segundo iniciou sua trajetória de chorão após o convite de Marcos Farina para participar do

Galo. A trajetória de Souza é diferente pois, por ser irmão de músicos, tinha a facilidade de

ter alguém para tocar junto e passar algum conhecimento. Carrilho foi ainda mais privilegiado

nesse sentido por possuir em sua família um músico de choro de grande projeção, Altamiro

Carrilho, e através dele ter travado contato com a nata musical da época. “Eu tive muita sorte

de ter convivido com uma turma legal que morreu logo depois de ter aprendido com eles. Se

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tivesse cinco anos menos, não teria a oportunidade de conviver musicalmente com essas

pessoas”, afirma Maurício.

A universidade é um grande ponto de encontro de músicos. Nela há troca de

informações, de experiências e, nas aulas de prática de conjunto, os alunos têm a oportunidade

de tocar em grupo. Muitos conjuntos em atividade são integrados por músicos que se

conheceram durante o curso universitário. Como exemplo, podemos citar os integrantes do

grupo Água de Moringa, que se conheceram na Uni-Rio, e do quarteto de violões Maogani,

graduados na Escola de Música da UFRJ. Além das universidades, os cursos livres também

funcionam como formadores de opinião e de público, como um laboratório para o estudo da

música popular brasileira e também como um grande ponto de encontro entre músicos.

Braga é professor de violão e de prática de conjunto na Uni-Rio e em cursos livres,

Wiese é professor de violão na UFRJ e Carrilho atua como professor de diversos cursos livres

de choro e de música popular. Grandes incentivadores da formação de grupos com as mais

variadas formações, todos vêem benefícios no ensino da música popular na universidade. “Se

a gente conseguir formar pessoas que vão enriquecer essa discussão e levá-la pra fora, será

muito interessante”, afirma Braga.

Quanto aos elementos necessários para a prática do choro, encontramos no discurso de

Braga elementos presentes no artigo Aprendizagem musical não-formal em grupos culturais

diversos (SANTOS, 1988), pois ele enfatiza a habilidade técnica, o conhecimento do

repertório e a habilidade de execução.

As características encontradas no método de ensino-aprendizagem ideal para os

entrevistados e as características do ensino não-formal, relacionadas ao final do artigo Música

e educação não-formal (CONDE e NEVES, 1984/85), apresentam inúmeras semelhanças. A

valorização da imitação criativa, através de gravações e de execução em aula, a vivência

prática e o clima de socialização que podem ser verificados na roda de choro, na qual se toca

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com total descompromisso com os aspectos estéticos dos resultados obtidos, são elementos

presentes em todas as entrevistas e que, segundo Conde e Neves, caracterizam o ensino não-

formal.

Podemos afirmar, então, que o ensino-aprendizagem do choro pode ser considerado

não-formal, pois apresenta características em comum com este, como a prática da imitação e a

ênfase ao prazer e à coletividade na prática musical. Entretanto, o choro, assim como a música

popular em geral, encontra um espaço cada vez maior nas universidades, onde se encontra o

ensino formal, freqüentemente associado à leitura, ao desprazer e à prática individual.

Precisamos verificar como esses dois tipos de ensino podem caminhar lado a lado e para isso

nos utilizaremos das teorias de Swanwick que se mostra, de certo modo, em um campo

neutro, podendo atender tanto a um quanto a outro.

Ao verificarmos a abordagem das atividades presentes no modelo (T)EC(L)A,

constatamos que a literatura quase não tem espaço no discurso dos entrevistados, em relação

ao ensino-aprendizado do choro. Isso pode ser justificado pelo fato de o ensino não-formal

basear-se muito mais na imitação e na vivência de cada músico do que na literatura e na

técnica. Entretanto, alguns dos entrevistados revelaram projetos relativos à ampliação dessa

literatura. Carrilho pretende lançar as partituras de todos os discos lançados pela Acari

Records, da qual é sócio-fundador, e Souza está elaborando uma série de quatro ou cinco

livros contendo partituras de choro que serão elaboradas a partir da interpretação dos

principais expoentes do gênero, com destaque para Jacob do Bandolim e Pixinguinha. A

universidade, segundo os entrevistados, desempenha a importante função de formar

indivíduos que irão ampliar essa literatura e, além disso, constituirão um mercado consumidor

de partituras e livros relativos à música popular brasileira em geral.

Constatamos que existem várias formas de ensinar o choro: Braga aborda o repertório

como principal objeto de ensino; Wiese utiliza-se de fórmulas de encadeamento em várias

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tonalidades para identificá-las posteriormente na prática; Souza acredita que o

reconhecimento das fórmulas rítmicas da percussão e a prática possibilitam o

desenvolvimento da linguagem; Carrilho prioriza a apreciação e a vivência musical acima de

tudo. A mistura dessas idéias seria a combinação ideal para o ensino-aprendizagem do choro?

Se a resposta for afirmativa, por que não reuni-las em um método?

Todo e qualquer método possuirá limitações, mas, se bem utilizado, pode auxiliar

tanto o professor quanto o aluno no processo de ensino-aprendizagem do choro. O mais

importante é que esse método se aproxime o máximo da prática do choro em si e procure

identificar seus elementos que constituem essa prática para, a partir daí, construir exercícios e

atividades e não o contrário.

No próximo capítulo, apresentaremos sugestões de exercícios, repertórios e atividades

que poderiam ajudar na composição de um método de choro. Com toda a tecnologia

disponível atualmente no mercado, acreditamos que a gravação de um CD ou de uma fita de

vídeo com exemplos seria muito útil e necessária, porém, neste trabalho, não foi possível tal

realização.

Enfim, esperamos que as conclusões obtidas nas entrevistas forneçam dados para

novas pesquisas, nas quais as práticas do nosso tempo possam ser registradas para as gerações

posteriores. A necessidade do registro dessas práticas é sintetizada em um dito popular, muito

utilizado por Braga, que afirma que “todo o homem só tem o passado, e ele deve ter esse

passado, o presente está fugindo e o futuro a Deus pertence”.

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Uma Proposta Didática

O objetivo deste capítulo é unir os parâmetros apresentados no referencial teórico às

idéias exprimidas nas entrevistas e demonstrar como o resultado obtido pode ser aplicado no

ensino-aprendizagem do violão. Não tivemos como objetivo elaborar um método, mas os

exemplos que serão apresentados fornecem elementos que podem ser desenvolvidos para

constituírem um livro didático.

O capítulo será dividido em cinco partes, uma para cada parâmetro do modelo

(T)EC(L)A (SWANWICK: 1979). Na seção destinada ao parâmetro técnica, apresentaremos

exemplos de como podemos elaborar exercícios para desenvolvimento de habilidades

motoras, sem distanciá-los tanto da música na qual estas serão aplicadas; na seção literatura,

iremos apontar onde encontrar e como utilizar o material existente; na seção execução e na

seção composição, apontaremos como o professor pode incentivar essas atividades e aplicá-

las para desenvolvimento do aluno; finalmente, na última seção, falaremos da apreciação,

considerada um dos parâmetros mais importantes por todos os entrevistados.

Técnica (skill acquisition)

Swanwick define como técnica o controle motor, a fluência na escrita musical, a

prática de conjunto, a leitura à primeira vista e o treinamento do ouvido musical. Para melhor

elaboração desta proposta didática daremos maior ênfase à primeira definição, pelo fato de

abranger as habilidades mínimas necessárias à execução do choro. A finalidade da aquisição

do controle motor será possibilitar um maior controle dos parâmetros principais da música: a

execução, a composição e a apreciação.

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A prática de conjunto deve ser estimulada pelo professor paralelamente ao estudo da

técnica, pois esta deve ser vista como um meio e não um fim. Quanto à fluência na escrita

musical e à leitura à primeira vista, elas não são indispensáveis para a prática do choro e por

isso não serão analisadas. Entretanto, são necessárias para a formação de um músico, de

acordo com a necessidade exigida pelo mercado. No caso do violonista, é fundamental o

conhecimento da leitura de cifras.

O treinamento do ouvido, freqüentemente ressaltado pelos entrevistados, impõe-se

como um dos principais elementos para a prática do choro. Não podemos, entretanto, registrar

essa prática através da escrita musical, muito pelo contrário, o aluno deve ouvir gravações ou

a execução do professor e tentar imitar e reconhecer a estrutura melódico-harmônica. Através

da repetição, essa estrutura irá fazer parte do universo musical do aluno que não terá mais

dificuldades em reconhecer uma passagem quando, em uma roda de choro, estiver

acompanhando uma música que nunca ouviu. Na seção destinada à apreciação, iremos

apontar uma discografia onde se pode ouvir o que de melhor se fez no choro até os tempos

atuais.

Definido seu campo de atuação, iremos dividir essa seção em três partes: exercícios

melódicos, ou seja, escalas, arpejos de mão esquerda, ligados e frases; exercícios harmônicos,

que compreendem os exercícios para a mão direta, as levadas e a condução dos baixos e dos

acordes; por fim, a união dos dois elementos, os exercícios melódico-harmônicos, com

exemplos de trechos de músicas e de baixarias, aliadas à condução de acordes e a levadas.

Os exemplos de exercícios aqui fornecidos exigem o pré-requisito da leitura musical,

tanto do pentagrama quanto de cifras, e de algum conhecimento de harmonia funcional. O

fato deles terem sido extraídos de choros de Pixinguinha pode ser justificado por ser esse

compositor um dos mais importantes do gênero, pois, segundo alguns historiadores, foi ele

quem definiu a forma e as características principais do choro, que a partir de então pôde ser

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considerado um gênero e não somente uma maneira de tocar. Braga, em sua entrevista, afirma

que um violonista deve conhecer a harmonia de todos os choros mais famosos de Pixinguinha

antes de freqüentar uma roda.

As peças selecionadas correspondem a alguns critérios: tonalidade, complexidade e

generalização. Com o primeiro, procuramos escolher os tons, tanto maiores quanto menores,

que aparecem com mais freqüência em maior número de choros. No segundo, buscamos

harmonias e melodias sem muita dificuldade de execução. Finalmente, para que os exemplos

possam ser usados em diversas ocasiões, apresentamos passagens comuns a várias peças do

gênero abordado. Com essas características, encontramos os choros Naquele Tempo

(Dm/F/D)3, Cinco Companheiros (Dm/F/D), Cochichando (Dm/Am/D), Vou Vivendo

(F/Dm/Bb), Segura Ele (C/Am/F) e Um a Zero (C/G/F), sendo que os dois últimos

apresentam maior dificuldade de execução.

Alguns exemplos foram criados a partir da vivência com o gênero e outros foram

retirados de gravações. As principais gravações utilizadas foram os CDs Brasil, Sax e

Clarineta, de Abel Ferreira, com o acompanhamento ao violão de Dino 7 Cordas, Freitas e

Arlindo; Raphael Rabello e Dino 7 Cordas, com os mesmos aos violões; e Memória

Chorando, de Paulinho da Viola, com o acompanhamento de César Faria, seu pai, ao violão.

Exercícios melódicos

As escalas são o alicerce da melodia e por isso serão apresentadas em primeiro plano.

Sua elaboração se deu de acordo com a região mais utilizada no acompanhamento do violão e

na realização das baixarias, que compreende as cinco primeiras casas do braço do violão. O

3 Apresentaremos a tonalidade de cada uma das seções, comumente denominadas “partes” pelos chorões.

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início da escala nem sempre se dá na nota principal da tonalidade (tônica), pois procuramos

preencher todas as notas disponíveis na região escolhida.

Apresentaremos a seguir as escalas com suas devidas digitações de mão esquerda. Elas

se encontram divididas em: maiores (Exemplo 1), menores harmônicas e menores melódicas

(Exemplo 2). O tom menor natural não foi apresentado, pois sua escala é idêntica à do seu

relativo maior (eg.: escala de Am natural = escala de C). Outra observação necessária é que as

escalas do tom menor melódico não seguem a regra na qual a escala deve voltar sem as

alterações, pois, na prática, isso não acontece.

As tonalidades foram selecionadas através de uma pesquisa no livro O melhor de

Pixinguinha (1998). Constatamos uma maior incidência de Fá, Dó, Sol, Ré, Lá e Si bemol nas

tonalidades maiores, e Ré, Lá, Mi e Si nas menores, atentando não só para a tonalidade

principal da peça, mas de cada parte separadamente.

A digitação a ser realizada na mão direita deve ser aquela apontada por Maurício

Carrilho em sua entrevista. Ele contou que aprendeu a fazer escalas utilizando-se do polegar

nas três cordas mais graves (bordões) e indicador e médio nas três cordas mais agudas

(primas). Essa digitação, segundo ele, “desenvolve uma capacidade de fazer melodia com o

polegar” que será necessária para a realização as baixarias.

As escalas possuem indicações de ligados, porém, ainda seguindo o discurso de

Carrilho, todas as escalas devem ser estudadas primeiro sem ligado e depois com ligado, pois

este irá facilitar o trabalho do polegar e imprimir maior velocidade. Ele conta que “sempre

fazia escalas fraseando, dando intenção musical”. No caso do estudo do choro, deve-se

sempre procurar a ginga e o suingue, mesmo no estudo das escalas. “Lembro que fui estudar

piano, dentro das muitas tentativas que eu fiz para superar o trauma de infância, e a professora

dava bronca quando estava fraseando, falava que não podia”, conta Maurício. Essa proibição,

muito comum no ensino da música erudita, associada ao ensino formal, muitas vezes torna o

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ensino desprazeroso e causa desestímulo no aluno. O ensino-aprendizagem do choro e da

música popular em geral deve estar sempre associado ao prazer de tocar, característica do

ensino não-formal. Este seria um dos pontos principais onde o ensino da música popular pode

influenciar o ensino da música erudita.

Exemplo 1: Escalas maiores

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Exemplo 2: Escalas menores melódicas e harmônicas

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Outro importante elemento estrutural melódico são os arpejos. Demonstraremos aqui os

arpejos dos acordes maiores com sétima maior, menores com sétima, maiores com sétima

menor, meio diminutos (que são uma inversão dos menores com sexta) e os diminutos.

Apresentaremos apenas os acordes mais utilizados no choro (Exemplo 3).

Exemplo 3: Arpejos

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Os ligados, termo que será utilizado aqui para representar o ato através do qual o violonista

faz soar a corda com o ataque da mão esquerda, podem ser simples (ascendentes ou

descendentes) e compostos (ascendentes e descendentes). É um elemento de extrema

importância para a realização das baixarias, como nos afirmou Luís Otávio Braga, e por isso

deve ser estudado separadamente. Para tal, sugerimos um exercício no qual todas as fórmulas

são empregadas. Estas devem ser realizadas tanto com os dois modelos de ligados simples,

com apenas dois sons produzidos, quanto com o composto (Exemplo 4).

Exemplo 4: Ligados

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Para reunir os três elementos apontados anteriormente, podemos utilizar modelos aplicados

tanto ao estudo das escalas quanto dos arpejos. Esses modelos foram desenvolvidos a partir de

elementos encontrados na prática do choro e devem ser estudados sem e com ligados

(Exemplo 5). Apesar de apresentados somente na escala de Dó maior, os exemplos devem ser

transpostos para todas as tonalidades.

Exemplo 5: Modelos

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A aplicação prática de todos os elementos desenvolvidos nos exercícios acima será realizada

nas frases (estruturas com uma idéia melódica definida), retiradas de gravações e de alguns

dos livros utilizados na pesquisa bibliográfica (Exemplo 6). Evitamos chamar de aplicação

musical porque todos os elementos anteriores, talvez com a exceção do exercício de ligados,

devem ser pensados musicalmente. A estrutura harmônica, sobre a qual cada frase foi

construída, será apresentada para que o aluno saiba onde aplicá-la. As frases devem ser

transpostas para várias tonalidades.

Procuramos explorar vários elementos rítmico-melódicos encontrados na execução do

choro, como a utilização de quiálteras, do cromatismo e dos ligados. Quanto a este último,

Carrilho diz que muitas vezes ele é utilizado para viabilizar a execução de uma passagem

muito rápida, mas deve ser aplicado dentro do gênero. Para Wiese, a construção de um

repertório de frases é fundamental. “Você tem um certo número de fórmulas de baixarias e

escolhe entre estas”, afirma o violonista.

Exemplo 6: Frases

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Exercícios harmônicos

Maurício Carrilho falou em sua entrevista da dificuldade na grafia das levadas, o que

foi confirmado por todos os entrevistados. Wiese acredita que o aprendizado desta só é

atingido com o tempo. Souza aponta a “maldade” que os antigos chorões possuíam e que deve

ser desenvolvida com a prática, nas rodas e nos botequins. Braga afirma que a levada é

fundamental, pois fornece a base para o solista, o “chão”.

Mesmo assim, tentaremos demonstrar alguns exercícios para mão direita que serão

aplicados diretamente nas levadas. Iremos apresentar também algumas levadas, mesmo com

uma grafia “dura” e que não corresponde exatamente à realidade. Estas levadas foram

retiradas de gravações e do método O Violão Brasileiro, de Luís Otávio Braga.

Acreditamos que poderia ser desenvolvido um método inteiro dedicado a esse único

elemento: a levada. Nesse método, seriam demonstrados exemplos da utilização dos

elementos rítmicos básicos do choro por cada violonista integrante desse universo musical.

Entretanto, seria indispensável a utilização de recursos auditivos e talvez até audiovisuais,

além da grafia musical.

Os encadeamentos harmônicos serão trabalhados separadamente, atendendo ao

processo utilizado por Wiese que faz o exercício fora do repertório, “porque quando ouve uma

música, o cara já percebe”. Ou seja, extrairemos passagens encontradas na prática e comuns a

várias músicas, associadas ao gênero choro, e apontaremos onde elas podem ser utilizadas.

Esta seção será dividida em duas partes: na primeira apresentaremos exercícios para a

mão direita, ou seja, as levadas, e na segunda demonstraremos os encadeamentos harmônicos

e as levadas que podem ser utilizadas para tocá-los.

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Exercícios para a mão direita (levadas)

Os exercícios apontados no exemplo 7 fornecem a habilidade motora necessária para a

realização das levadas básicas do choro. Além disso, são apresentadas as seqüências

harmônicas mais utilizadas nesse gênero (V7-V7, II-V, IIm7(b5)-V), apontadas por

Bartholomeu Wiese. Todas as fórmulas, tanto rítmicas quanto harmônicas, dever ser cruzadas,

ou seja, deve-se aplicar a fórmula rítmica de um exemplo na harmonia de outro.

Não iremos apresentar os aspectos rítmicos do acompanhamento de gêneros afins,

como o maxixe e a polca, entre outros. O aluno interessado deve procurar essas levadas em

gravações ou em apresentações. É importante ressaltar que, para um melhor entendimento das

levadas, é extremamente necessário o conhecimento auditivo, pois a notação musical, como

afirmaram Maurício Carrilho e Luís Otávio Braga, ainda não consegue abranger todos os

aspectos da interpretação e acaba ficando “quadrada”, sem suingue.

Os dois últimos exemplos podem ser considerados as levadas básicas do

acompanhamento do choro. As seqüências harmônicas devem ser transpostas para outras

tonalidades e compreendem as passagens usualmente encontradas no fim de cada seção de um

choro.

Exemplo 7: Levadas

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Condução de acordes

Nesse item, serão relacionadas algumas conduções de acordes presentes nas gravações

selecionadas. Essas passagens foram escolhidas por serem passíveis de utilização em outras

peças do repertório do choro. Podemos observar que a condução do baixo ocorre, geralmente,

por graus conjuntos, o que é uma característica do gênero.

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Exemplo 8: Conduções

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Exercícios melódico-harmônicos

Segundo Braga, o conhecimento do repertório é fundamental para o aluno que deseja

trilhar o caminho do violão aplicado ao acompanhamento da música popular. Para demonstrar

como os elementos técnicos apresentados anteriormente podem ser aplicados no repertório

propriamente dito, apresentaremos trechos (Exemplo 9) extraídos das gravações selecionadas

com passagens harmônico-melódicas que podem ser aplicadas em diversas situações.

Exemplo 9: Trechos de músicas

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Literatura ( Literature studies)

O parâmetro literatura, de acordo com Swanwick, engloba não só os estudos da

literatura da música em si mesma, partituras e execuções, mas também a crítica musical e a

literatura sobre a música, tanto histórica como musicológica (SWANWICK, 1979: 45).

Quanto à literatura sobre música, percebemos a ausência desse parâmetro no discurso

dos entrevistados. Carrilho e Braga atentaram para a importância do conhecimento da história

da música popular brasileira, sendo que o primeiro demonstrou interesse em escrever um livro

sobre choro e o segundo desenvolve pesquisas sobre a música popular em geral.

Foi no intuito de examinar esse aspecto e apontar as principais obras relativas ao choro

e ao ensino da música popular que realizamos uma extensa revisão da literatura. Através dela,

possibilitamos ao leitor encontrar uma publicação que contenha sua área de interesse.

Entretanto, não encontramos nenhum método específico que tratasse do ensino do

acompanhamento do choro no violão.

Quanto à literatura de música, ou seja, às partituras, encontramos algumas

publicações, contendo melodias e cifras, como os livros dedicados à obra de Pixinguinha4,

Waldir de Azevedo5 e alguns outros já fora de catálogo, como o livro denominado 84

Chorinhos Famosos. No entanto, esses livros possuem inúmeros erros, tanto melódicos

quanto harmônicos. O livro que aborda a obra de Waldir de Azevedo, por exemplo, apresenta

várias peças em tonalidades que extrapolam a extensão do cavaquinho, instrumento para o

qual foram compostas.

As bibliotecas são os melhores lugares para se encontrar partituras de choro e de

outros gêneros da música popular brasileira. Podemos citar a biblioteca do MIS, a biblioteca

4 Publicado no Rio de Janeiro, em 1997, pela editora Irmãos Vitale, sob a coordenação de Maria José Carrasqueira. 5 Publicado no Rio de Janeiro, em 1971, pela editora Musical Brasileira.

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do MEC e as bibliotecas da Uni-Rio e UFRJ. Outra fonte seriam os arquivos, como o de

Mozart de Araújo, doado ao CCBB, os arquivos de parentes de compositores falecidos e, no

caso de compositores vivos, através dos próprios compositores.

Rogério Souza falou de seu projeto de reunir em quatro ou cinco livros algumas

músicas dos autores mais significativos do choro e Maurício Carrilho revelou a intenção de

publicar as partituras dos CDs lançados por sua gravadora, a Acari Records. Esperamos que

essas iniciativas se realizem efetivamente e que cresça o interesse das editoras em publicar

partituras e livros voltados à música popular brasileira.

Execução (Performance)

Este parâmetro é definido por Swanwick como a sensação da música como uma

presença viva. Na execução, temos sempre um elemento de risco, não só técnico como

sensitivo, ou seja, não podemos ter certeza se a música irá “acontecer”, atingindo o público da

maneira desejada, ou não, tornando-se enfadonha (SWANWICK, 1979: 44).

No caso específico do choro, podemos citar dois tipos básicos de execução: a

apresentação e a roda. A apresentação pressupõe ensaios anteriores nos quais a função de cada

integrante do grupo será definida através de um arranjo, escrito ou não. A roda simboliza o

descompromisso, é onde o músico pode criar e desenvolver novas levadas, novos elementos.

Ambas devem ser incentivadas pelos professores, pois conduzem a aprendizados diferentes: a

primeira, para a precisão musical e a outra, para a liberdade inventiva. Não queremos dizer

que numa apresentação de choro a liberdade está totalmente descartada, mas, geralmente, os

músicos têm um maior compromisso em tocar de acordo com o que foi previamente ensaiado,

enquanto na roda nada foi pré-estabelecido e a tolerância ao erro é maior, tornando-se, muitas

vezes, motivo de descontração.

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Entre os entrevistados, encontramos vivências distintas quanto à execução. A

apresentação faz parte do cotidiano de todos eles, mas os que se revelaram freqüentadores de

rodas foram Rogério Souza e Maurício Carrilho. Braga nos contou que, em uma época de sua

vida, comparecia a várias rodas e muito aprendeu com essa prática, mas que não o faz mais

com tanta freqüência. Wiese disse que sua roda foi profissional, se apresentando com o Galo

Preto no Aleph. Podemos notar, então, que tanto a roda quanto a apresentação são

importantes para a formação do músico e devem ser incentivadas pelo professor.

Composição (Composition)

Sobre este tópico incluímos toda o universo da invenção musical, não somente

trabalhos escritos em qualquer modelo de notação musical. A improvisação é, acima

de tudo, uma forma de composição sem a preocupação ou possibilidades da partitura.

Composição é o ato de criar um objeto musical através da reunião de sons de maneira

expressiva (SWANWICK, 1979: 43).

Podemos dizer, a partir da definição de Swanwick, que a criação de uma baixaria, de

uma condução de acordes ou de um contracanto melódico seriam formas de compor. Nesse

ponto, todos os entrevistados afirmaram incentivar os alunos que, a partir da imitação dos

mestres, teriam liberdade de criar em cima das fórmulas encontradas. Entretanto, é preciso

incentivar também o ato da composição, no sentido em que é usado habitualmente, a criação

de um nova música, para que o repertório do choro seja ampliado e renovado. Esse último

aspecto não foi apontado por nenhum dos entrevistados.

Uma proposta para desenvolver a capacidade criativa é utilizar as passagens

harmônicas, presentes nas frases apresentadas na seção destinada à técnica, para a criação de

novas frases. Dessa forma o aluno pode não só desenvolver sua imaginação musical como

ampliar seu repertório de frases e sua capacidade de improvisação.

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Apreciação (Audition)

Swanwick acredita que o ato de escutar qualifica-se como elemento de primeira

instância para qualquer atividade musical, como ouvir uma gravação, tocar uma escala,

ensaiar ou praticar uma peça, afinar um instrumento, improvisar, entre outras. A apreciação,

no entanto, nos remete a um estado de contemplação musical, a uma experiência onde o

sujeito fica absorto e é transformado por esta, ou seja, ela é a experiência estética, a razão

central da existência da música e a finalidade buscada pela educação musical.

Através da apreciação, o aluno pode mergulhar totalmente no universo interpretativo

do choro. A malícia e o gingado, próprios dos choros em andamento mais apressados e a

melancolia e a dolência dos choros mais lentos podem ser percebidas quando o sujeito

responde e se relaciona intimamente com essa música como se ela fosse uma “entidade

estética” (SWANWICK, 1979: 43).

Essa atividade deve ser exaustivamente incentivada pelo professor, através de

encontros entre alunos, apresentações freqüentes, escuta de gravações e a correlação das

atividades de execução e composição. Entretanto, como o próprio Swanwick aponta no

quadro Hierarquia de objetivos (p. 51), a percepção do significado afetivo da música durante

a apreciação não pode ser transmitida pelo professor, mas somente estimulada por ele.

Quanto maior a imersão no universo musical, maior a possibilidade de provar dessa

resposta estética. Por esse motivo, se faz necessária a presença do aspirante a chorão em

rodas, reuniões e apresentações de choro, onde ele poderá adquirir o que Souza denominou

“maldade”, Carrilho chamou de “espontaneidade” e Wiese aponta como “suingue, vivência e

espírito”. Uma lista completa das rodas de choro pode ser encontrada na página da internet A

Agenda do Samba e Choro (NEVES, s.d.).

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Na falta da possibilidade de atender a apresentações ao vivo, o sujeito interessado em

conhecer o universo do choro pode recorrer às gravações. Apresentaremos aqui uma tabela

(Quadro 3) com algumas das principais gravações realizadas até os tempos atuais. Além dos

CDs apresentados, recomendamos todos os CDs da gravadora Acari Records, especializada

em choro e música popular brasileira.

Quadro 3: Listagem de CDs

Título Solistas Violões Gravadora

Vibrações Jacob Bittencourt (bandolim) Dino 7 Cordas, César Faria e Carlinhos Leite

RCA-Victor, 1967 (relançado pela BMG)

Raphael Rabello e Dino 7 Cordas

Raphael Rabello (violão) Raphael Rabello e Dino 7 Cordas

Caju Music, 1991

Memórias Chorando

Paulinho da Viola (cavaquinho), Copinha (flauta), Cristóvão Bastos (piano)

César Faria EMI, 1996

Choros, Valsas, Tangos e Polcas

Jacob do Bandolim César Faria e Carlinhos Leite

MEC, 1959 (lançado em 1998)

Brasil, Sax e Clarineta

Abel Ferreira (clarinete e sax) e Copinha (flauta)

Dino 7 Cordas, Freitas e Arlindo

Discos Marcus Pereira, 1976

Vibrações Jacob do Bandolim Dino 7 Cordas, César Faria e Carlinhos Leite

RCA-Victor, 1968

Só Gafieira Zé da Velha e Silvério Pontes Valter Silva Kuarup Discos, s.d.

Chorando de Verdade

Joel Nascimento (bandolim) Luís Otávio Braga, Raphael Rabello e Maurício Carrilho

Kuarup Discos, s.d.

Os Carioquinhas no Choro

Paulo Magalhães Alves (bandolim), Celso Alves da Cruz (clarinete)

Raphael Rabello e Maurício Carrilho

Independente, 1977

Choros Imortais Altamiro Carrilho Dino 7 Cordas e Jayme Florence (Meira)

Copacabana, 1964

Receita de Samba Nó em Pingo D’água Rogério Souza Vison, 1996

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Conclusão

Esperamos que as idéias apresentadas tenham abordado os elementos que constituem o

processo de ensino-aprendizagem do choro. Como pudemos constatar, as diferentes opiniões,

práticas e vivências de cada entrevistado somaram-se para demonstrar diferentes maneiras de

ensinar e aprender o choro. Concluímos que a construção de um método ideal do

acompanhamento do choro no violão deve ser concebida a partir da prática, o que é ratificado

por Maurício Carrilho e Luís Otávio Braga. Entretanto, para que isso aconteça, é preciso um

estudo ainda mais aprofundado entre vários músicos que compõem o universo musical do

choro.

O maior espaço destinado aos parâmetros técnica e literatura pode ser explicado pelo

fato de serem os únicos passíveis de uma construção mais objetiva. Swanwick considera

secundários esses dois parâmetros, entretanto ele também os considera o alicerce dos

parâmetros principais: composição, execução e apreciação.

Swanwick afirma que o professor, em determinado momento, pode se fixar em um

único parâmetro, mas o objetivo do modelo (T)EC(L)A é que estes sejam cruzados e

recruzados. Os parâmetros devem ser relacionados entre si.

Técnica dissociada da execução torna-se um trabalho árduo, execução sem

habilidades técnicas deve, certamente, ser abolida, composição sem o estímulo e

modelos de outros compositores, experimentada através da apreciação, é improvável,

apreciação musical por alguém que não é ativo em música de alguma forma não é

comum, conhecimento da literatura musical sem o gosto pela apreciação ou alguma

influência no “fazer musical” (music-making) parece uma ocupação irrelevante.

(SWANWICK, 1979: 46).

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Os professores interessados em desenvolver as idéias de ensino apresentadas neste

trabalho devem procurar, sempre que possível, a união dos parâmetros apontados no modelo

(T)EC(L)A. O choro, assim como a música popular em geral, se mostram um ambiente

propício para essa união, pois o estímulo a tocar (execução), apreciar (apreciação) e fazer

(composição) música é constante, nas rodas, apresentações, reuniões informais, dentre outras

atividades. Os parâmetros menos desenvolvidos, de acordo com o que foi possível constatar

através desta pesquisa, são a técnica e a literatura, talvez por não estarem diretamente

associados à prática musical em si. O primeiro, muitas vezes, é desenvolvido pela prática ou

através de métodos relacionados ao violão erudito. O segundo, começa a receber mais atenção

agora que a música popular ganha maior espaço dentro do ambiente acadêmico. Acreditamos

que esse movimento tende a crescer e tanto a academia quanto o popular, tanto a sala de aula

quanto o botequim irão ganhar com essa convivência mútua. No entanto, a literatura e a

técnica devem servir como suporte para a composição, execução e apreciação, que são os

principais elementos do aprendizado musical.

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Considerações finais

O segundo caderno do jornal O Globo, que trata de entretenimento em geral, publicou,

no dia oito de dezembro de 2000, uma matéria sobre o violão brasileiro, em decorrência do

falecimento de Baden Powell. Os entrevistados, grandes nomes da música brasileira como

Guinga, Marco Pereira, Maurício Carrilho, Turíbio Santos, entre outros, apontaram a

existência de um estilo brasileiro de tocar violão, sendo o choro o ponto de partida e a

principal escola para a obtenção desse estilo.

O violão brasileiro tem uma tradição que, iniciada com o choro há 150 anos,

adquiriu com João Pernambuco, Quincas Laranjeiras e Sátiro Bilhar sua identidade

nacional, que Heitor Villa-Lobos abraçou para criar sua obra para violão (Bloch, e

Máximo, 08/12/2000).

Marco Pereira, um dos maiores solistas do violão em atividade, nesse mesmo artigo,

acrescenta o fato dessa identidade estar voltada para a tradição dos ritmos brasileiros, o que

ajudou Villa-Lobos a se projetar internacionalmente. “A escola mais famosa de violão do

mundo é a espanhola, mas hoje vejo em todo o país que visito um interesse grande em estudar

o jeito brasileiro de tocar violão”, afirma o virtuose (O Globo, 08/12/2000).

O ensino-aprendizado desse “jeito brasileiro de tocar violão”, que esta diretamente

associado ao choro, é caracteristicamente não-formal, por ser transmitido através da imitação

e estar associado, geralmente, ao auto-didatismo. Luís Felipe Lima, em seu artigo analisado

no capítulo Análise das entrevistas, confirma essa característica. Entretanto, com o passar do

tempo, as características do mercado e dos músicos atuantes nesse gênero se modificaram,

exigindo maior conhecimento da teoria musical, em especial da leitura, e do conhecimento da

harmonia funcional. Podemos afirmar que esse conhecimento é, muitas vezes, obtido através

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do ensino formal, pois observamos um grande número de músicos cultivadores da música

popular em universidades e escolas de música. Essas instituições, por sua vez, criaram

diversos cursos voltados ao ensino-aprendizado da nossa música.

Lima conclui seu artigo afirmando que “nem sempre é preciso colocar em pólos

opostos criatividade e rigor formal, botequim e academia” (LIMA, 1996: 15). Procuramos

examinar se essa afirmação pode se tornar uma realidade. Relembrando as características do

ensino não-formal e formal, presentes nos artigos de Santos (1988) e de Conde e Neves

(1984/85), observamos que o primeiro está associado à imitação, ao não distanciamento da

prática em si, ao prazer e a experiência de vida do educador. Em contraposição, o segundo

está associado a um estudo técnico árduo, geralmente dissociado da prática, ao desprazer e a

métodos de ensino consagrados.

Constatamos, através dessa comparação, pontos positivos e negativos em cada tipo de

ensino. A sugestão fornecida por Lima da união entre o “botequim e a academia”

possivelmente traria benefícios para os dois lados. Essa união começa a ser feita através da

criação dos cursos mencionados. Entretanto, será que esses cursos estão atentos às

características do ensino não-formal ou tentam impor as mesmas metodologias utilizadas na

música erudita para a música popular?

Esse assunto mereceria uma melhor investigação, mas, através do discurso dos

entrevistados, pudemos perceber que ainda falta para que esta união seja perfeita. Um dos

pontos apontados seria a necessidade de aprender com os “velhos”, ou seja, com os chorões

mais experientes. Para tal, haveria a necessidade de convidá-los para a universidade, mesmo

que para um workshop ou uma roda de choro informal. Travar contato com a experiência

desses músicos seria uma excelente aula para alunos em qualquer nível de aprendizado e até

mesmo para os professores. Seria um dos exemplos onde o ensino não-formal poderia

influenciar o ensino formal, pois essa atividade poderia ser empregada também na música

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erudita, trazendo artistas para a universidade com mais freqüência, não só para palestras e

recitais como também para um “bate-papo”.

O ponto fundamental no qual o ensino formal poderia influenciar o não-formal seria na

organização do material, muitas vezes espalhado, de difícil acesso, ou até mesmo perdido.

Tanto Luís Otávio Braga quanto Maurício Carrilho mostraram-se empenhados na preservação

e construção da literatura referente à música popular brasileira. Este, através de uma pesquisa

realizada com o patrocínio da Rio-Arte, catalogou as partituras de compositores populares

nascidos até 1900. Aquele, desenvolve vários projetos associados à preservação da cultura

nacional. Não podemos deixar de citar a idéia de Rogério Souza, já aprovada e em

andamento, da feitura de três ou quatro Songbooks com as músicas mais representativas dos

compositores associados ao gênero choro.

Quanto ao ensino-aprendizagem e à elaboração de métodos para o ensino do choro,

também Braga e Carrilho mostraram-se empenhados a tal. Entretanto, de acordo com o

discurso deles próprios, para elaborar um método fiel à execução do choro, é necessário

perceber o que acontece na prática. Entendemos que um método deveria ser elaborado através

de uma pesquisa com todos os músicos associados ao choro na qual fossem percebidas as

experiências de cada um dos consultados. Esse método seria mais completo do que um

método baseado na vivência de um único músico.

Este trabalho pode servir como um modelo para a realização desse objetivo – o

método – que se torna necessário por vários motivos, entre os quais podemos apontar a

preservação da memória, a maior facilidade e acessibilidade ao ensino-aprendizado desse

gênero, uma maior divulgação e o material para ser utilizado nos cursos de música popular,

que se encontram em plena expansão.

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Glossário

APPOGGIATURA. (It.) Uma “nota apoiada”, normalmente um grau conjunto acima

(menos freqüentemente abaixo) da nota principal. Costuma criar uma dissonância na

harmonia e resolve-se por grau conjunto sobre a nota principal, no tempo fraco seguinte

(Grove, 1994: 35)

BAIXARIA. Linha melódica realizada de maneira improvisada nas cordas mais graves

(bordões) do violão. Tem duas funções básicas: realizar um contracanto com a melodia

principal ou servir de ligação entre frases ou seções.

CHORO “VARANDÃO”. Termo utilizado para uma maneira bastante usual de

acompanhamento do choro tradicional. Nesse tipo de levada há o preenchimento de todas as

semicolcheias, quase como um pandeiro, o que a torna um pouco menos sincopada.

DEDEIRA. Pequeno objeto, de metal ou de plástico, que os violonistas utilizam como

uma extensão do polegar para adquirir uma sonoridade maior no ataque dos baixos.

DERRUBADA. Quando um choro apresenta modulações ou passagens harmônicas

mais complexas e o acompanhador não consegue seguir o solista: ele é “derrubado”.

DIGITAÇÃO OU DEDILHADO. Nos instrumentos de corda, envolve a ação de

prender as cordas com a mão esquerda e está estreitamente ligada à notação, ao timbre e à

expressão. Os sistemas mudaram, de acordo com a época, os instrumentos e suas exigências

expressivas; dependem também de fatores como a presença ou não de trastes e do modo como

o instrumento é segurado, devido à necessidade de deslocar as mãos para posições diferentes.

Nos instrumentos de corda dedilhadas, chama-se “dedilhar” o ato de tanger as cordas sobre o

tampo harmônico com a mão direita.

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FRULLATO. (It.) Tipo de ataque em que o executante enrola a letra “r” na ponta da

língua enquanto toca; usa-se especialmente na flauta, podendo ser aplicado a outros

instrumentos de sopro (Grove, 1994: 347)

GLISSANDO. A palavra pseudo-italiana vem do francês glisser, “deslizar”. Aplicada

ao piano e à harpa, refere-se ao efeito obtido através de um deslizamento entre notas de

alturas distintas, no qual cada nota é articulada, não importando a rapidez do movimento. No

violão, o dedo desliza na corda, ligando a nota de partida à nota de chegada.

HABANERA. Dança e canção cubana, assim chamada em referência à capital

Havana. A música é em compasso binário de moderado a lento. A habanera tornou-se popular

no início do século XIX e foi muito utilizada por compositores franceses e espanhóis. Um

exemplo notável pode ser encontrado na ópera Carmen, de Bizet.

JAZZ. Música criada principalmente por negros norte-americanos, no início do séc.

XX, através de um amálgama e elementos oriundos das tradições européia, americana e

africana. Entre suas características, estão o uso da improvisação, alturas distorcidas em

microtons (blue notes), swing e polirritmia.

LEGATO. (It., “ligado”) Termo que indica notas suavemente ligadas, sem interrupção

perceptível no som nem ênfase especial; o oposto de staccato.

LEVADA. Ritmo da mão direita realizado pelo acompanhador, também pode ser

chamado de condução rítmica.

LIGADO. Movimento de mão esquerda do violonista onde se produzem dois sons

com apenas um ataque de mão direita. No ligado descendente, coloca-se um dedo a frente do

outro, na mesma corda, e o que está à frente puxa a corda, produzindo o som. No ligado

descendente, coloca-se um dedo na corda e um outro “martela” a corda, produzindo o som

dessa maneira.

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MORDENTE. Ornamento que consiste, em sua forma habitual, na rápida alternância

da nota principal com a nota um grau abaixo (mordente inferior) ou um grau acima (mordente

inferior ou invertido).

MÚSICA DE BARBEIROS. Música executada, no Brasil colonial, por um conjunto e

escravos libertos, que somavam à profissão de barbeiros a competência musical. Essa

formação, geralmente à base de sopros, tocava dobrados, quadrilhas e fandangos, e era

requisitada em festas religiosas ou populares.

OBRIGAÇÃO. Linha melódica realizada nas cordas mais graves do violão (baixaria),

determinada pelo compositor. Muitas vezes a obrigação surge, também, de uma baixaria

improvisada ou de um arranjo que, de tanto serem tocados, acabam por fazer parte da

composição.

ORNAMENTO. A fórmula breve e convencional de ornamentação da música, que

pode ser acrescentada extemporaneamente por intérpretes, trabalhando com tradições de

ornamentação livre, ou pode ser notada por meio de sinais convencionais ou pequenas notas.

PIANEIROS. Nome dado aos pianistas do final do século XIX, ligados à música

popular, no Rio de Janeiro. Eles se apresentavam em revistas musicais e nos cinemas.

Destacam-se as figuras de Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga.

POLCA. Animada dança de casais em compasso binário. De origem boêmia, tornou-se

uma das dança de salão mais populares do século XIX. A música, geralmente em forma

ternária, empregava ritmos característicos, enfatizando a terceira colcheia do compasso.

RAGTIME. Gênero de música popular norte-americana que floresceu entre 1896 e

1918. Sua principal característica é o ritmo “rasgado” (ragged, i.e., sincopado). Embora

atualmente encarado como um estilo pianístico, também se referia a outras peças

instrumentais, vocais e de danças. A maioria dos rags instrumentais segue a forma das antigas

danças, como a marcha, a polca e o schottische, com três ou mais frases independentes de

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dezesseis compassos, cada qual consistindo de frases de quatro compassos seguindo um

padrão de repetições e retomadas. É possível haver também uma introdução ou interpolações.

STACCATO. (It., “destacado”) Diz-se de uma nota, durante a execução, separada de

suas vizinhas por um perceptível silêncio de articulação e que recebe uma certa ênfase; o

oposto de legato.

TANGO. Canção e gênero e dança latino-americana. A princípio, o termo tinha um

significado diferente de acordo com a região ou o país, mas designa basicamente a dança

urbana mais popular da Argentina, que tornou-se internacionalmente conhecida. Até 1915, era

normalmente em compasso binário, depois quaternário; após 1955, tornou-se ritmicamente

mais complexa.

TRANSCRIÇÃO. Termo que designa a cópia grafada de uma obra musical,

envolvendo alguma modificação. Pode ser uma mudança de meio (e.g.: do piano para o

violão), ou pode significar que sua notação foi transformada (e.g.: de tablatura para pauta), ou

então sua disposição (e.g.: de partes cavadas para uma partitura). O termo também pode

incluir o registro escrito de música executada ao vivo ou gravada, ou sua referência de forma

audível para forma gráfica, por meios eletrônicos ou mecânicos.

TREMOLO. (It., “trêmulo”) Nos instrumentos de corda dedilhada, corresponde a

sustentação do som de uma nota através de sua repetição contínua. Esse efeito pode ser obtido

com uma palheta, no bandolim e cavaquinho, ou pela alternância entre os dedos indicador,

médio e anelar, no violão.

VIBRATO. (It.) Uma oscilação de altura (mais raramente, de intensidade) em uma

única nota durante a execução. Empregados sobretudo por instrumentistas de cordas e

cantores, o vibrato já era conhecido no século XVI. Na execução de cordas é produzido

vibrando-se o dedo que comprime a corda.

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WORKSHOP. Uma aula “especial” onde o professor expõe idéias das mais variadas,

podendo ser desde um relato de sua carreira como músico até aspectos técnicos e musicais

utilizados por ele.

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