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Uma publicação do Colégio Dante Alighieri Ano III - N o 3 - Novembro de 2013 ISSN2238-2933 CIÊNCIAS HUMANAS • Com açúcar, com afeto: rituais alimentares como forma de ressocialização • Uso de materiais manipuláveis para facilitar o aprendizado de matemática Carlos Henrique de Brito Cruz Diretor-científico da Fapesp fala sobre a inclusão social no ensino superior, o cenário de pesquisa no Brasil e a importância da pré-iniciação científica Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante TECNOLOGIA • Sistema identifica infratores nas vagas de estacionamento para deficientes • Lixeira inteligente possibilita coleta seletiva automática SAÚDE • Molécula mantém características “tronco” de células mesenquimais e pode ajudar na escolha de futuras terapias • Complexos de inclusão entre ciclodextrina e antifúngicos melhoram eficiência de medicamentos QUALIDADE DA ÁGUA • Utilização de bactéria reduz custo de dessalinização • Lírio-do-brejo é utilizado para tratar águas contaminadas AGRONOMIA • Extrato do vegetal comigo-ninguém- pode é aplicado no combate a pragas • Defensivo agrícola natural atrai praga- da-couve e barateia alimento orgânico • Abelhas são utilizadas como detectoras de essências • Cera de abelha é usada para prolongar vida útil de frutas pós-colheita

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Uma publicação do Colégio Dante Alighieri

Ano III - No 3 - Novembro de 2013I S S N 2 2 3 8 -2 9 33

CIÊNCIAS HUMANAS•Comaçúcar,comafeto:rituaisalimentarescomoformaderessocialização

•Usodemateriaismanipuláveisparafacilitaroaprendizadodematemática

Carlos Henrique de Brito CruzDiretor-científico da Fapesp fala sobre a inclusão social no ensino superior, o cenário de pesquisa no Brasil e a importância da pré-iniciação científica

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TECNOLOGIA•Sistemaidentificainfratoresnasvagasdeestacionamentoparadeficientes

•Lixeirainteligentepossibilitacoletaseletivaautomática

SAÚDE•Moléculamantémcaracterísticas“tronco”decélulasmesenquimaisepodeajudarnaescolhadefuturasterapias

•Complexosdeinclusãoentreciclodextrinaeantifúngicosmelhorameficiênciademedicamentos

QUALIDADE DA ÁGUA•Utilizaçãodebactériareduzcustodedessalinização

•Lírio-do-brejoéutilizadoparatrataráguascontaminadas

AGRONOMIA•Extratodovegetalcomigo-ninguém-podeéaplicadonocombateapragas

•Defensivoagrícolanaturalatraipraga-da-couveebarateiaalimentoorgânico

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Presidente: Dr. José de Oliveira Messina

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Diretora-Geral Pedagógica: Profª. Silvana Leporace

Créditos finais: Todas as fotos, informações e depoimentos cedidos por terceiros para publicação nesta revista somente foram utilizados após a expressa autorização de seus proprietários. Agradecemos a gentileza de todas as pessoas e empresas que, com sua colaboração, tornaram esta produção possível.

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Revisão:Luiz Eduardo Vicentin

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Jornalista Responsável:Fernando Homem de MontesMTB 34598

Contato:Envie suas críticas e sugestões para o email:[email protected]

Diagramação:Simone Alves Machado

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)[(editorial)]4

[Fazer ciência, fazer revista, fazer história]

[(ponto de vista1)][Roseli de Deus Lopes - Há muitos problemas à espera de sua criatividade]5

(Entrevista: Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor-científico da Fapesp)6

[(Tecnologia)] [Sistema identifica infratores nas vagas de estacionamento para deficientes]12

[Lixeira inteligente possibilita coleta seletiva automática]16

[(Ciências Sociais Aplicadas)][Com açúcar, com afeto: rituais alimentares como forma de ressocialização]20

[Uso de materiais manipuláveis para facilitar o aprendizado de matemática]24

[(Ponto de Vista2)][Karen Merrill – “O que você precisa para ser um jovem cientista de sucesso”]28

[(Ponto de Vista3)][André Luís Viegas - “Ciência sob o olhar das crianças”]31

[(Saúde)][Molécula mantém características “tronco” de células mesenquimais e pode ajudar na escolha de futuras terapias]32

[Complexos de inclusão entre ciclodextrina e antifúngicos melhoram eficiência de medicamentos]36

[(Qualidade da Água)][Em busca de água potável: bactéria reduz custo de dessalinização]40

[Lírio-do-brejo é utilizado para tratar águas contaminadas]44

[(Agronomia)][Pesquisa testa eficiência do extrato do vegetal comigo-ninguém-pode no combate a pragas]48

[Defensivo agrícola natural atrai praga-da-couve e barateia alimento orgânico]52

[Cera de abelha é usada para prolongar vida útil de frutas pós-colheita]56

[Abelhas são utilizadas como detectoras de essências]60

[(Bate-papo)] [Pedro Nehme, o segundo brasileiro a viajar para o espaço]64

[(Institucional)] [Talento de dantianos para inovação é reconhecido em feiras nacionais e internacionais ]66

C1: Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante / C2, C3, C4 e C5: Acervo pessoal dos pesquisadores

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{Fazer ciência, fazer revista, fazer história}

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Profª. Coordenadora do Departamento de Ciências da Natureza do Colégio Dante Alighieri e Doutoranda em Ensino de Ciências pela Faculdade de Educação da USP

Sandra M. R. Tonidandel

Profª. Coordenadora do Departamento de Tecnologia Educacional do Colégio Dante Alighieri e Doutoranda em Educação: Currículo – Novas Tecnologias pela PUC-SP

Valdenice Minatel

Fazer ciência, fazer revista, fazer história. Três fazeres que se completam e se entrelaçam em um único objetivo: construir e divulgar o conhecimento para que tenhamos um mundo melhor, uma sociedade melhor.

Com esse primeiro parágrafo, introduzimos e consolidamos o ideal que nos tem movido ao longo destes anos ao atuarmos como educadores e cientistas. Um ideal pautado na possibilidade de termos, sim, cientistas abaixo do Equador, de publicar e de divulgar sua produção científica e contribuir para que a história seja construída por todos.

Nesse sentido, trazemos uma reflexão sobre a notícia “Comunidade científica debate propostas para fomentar a inovação”, publicada no site da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo) em 23 de outubro de 2013 (disponível em http://agencia.fapesp.br/18097). Uma das questões ali apresentadas trata da necessidade de se fortalecerem os mecanismos de inovação. Para nós, que trabalhamos nas escolas com alunos da área de pré-iniciação científica, está claro que um dos mais fortes mecanismos para despertar e aprimorar nos jovens a competência de desenvolver projetos inovadores e criativos é a educação científica. Ela permite aos estudantes trabalhar a investigação, a resolução de problemas e as propostas para a sociedade.

Assim, consideramos ser necessária a criação, pela escola, de espaços e incentivos para que os jovens entendam o mundo e proponham novos processos de produção. Para chegarem a esse objetivo, os alunos devem utilizar a criatividade e a inovação, tendo como eixos estruturantes a melhoria da qualidade de vida na Terra e a sustentabilidade.

É isto que os leitores poderão apreciar neste terceiro número da InCiência: como os alunos de escolas públicas e particulares pensam e organizam seus projetos de forma inovadora, contribuindo para a formação de uma sociedade brasileira cada vez mais desenvolvida nos processos de produção e de intervenção em cada comunidade. Jovens protagonistas em seu presente e em seu futuro!

Neste número, trazemos uma entrevista com o engenheiro e diretor-científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, artigos da norte-americana Karen Merill, da Intel, do coordenador da Mostratec, André Luís Viegas, e da coordenadora da Febrace, Roseli de Deus Lopes, além dos trabalhos dos queridos jovens cientistas.

Esperamos que cada matéria, cada entrevista e cada coluna contribua com a sua visão sobre a formação da cultura científica na educação básica. Os alunos, os professores e os cientistas aqui presentes mostram como é possível pensar numa educação científica atualizada, moderna e orientada para o envolvimento dos jovens na transformação de seu país.

Aos jovens cientistas, um lembrete: aguardamos a inscrição de seu projeto no site da revista. As regras e as formas de submissão estão lá descritas de forma ordenada. Assim, para ver seu trabalho publicado nesta revista, envie seu artigo por meio do endereço http://www.colegiodante.com.br/inciencia/envio/.

Uma comissão de professores-pesquisadores fará uma avaliação e dará o parecer sobre sua pesquisa. Se for aprovado, é só aguardar nosso contato!

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Roseli de Deus Lopes

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Há muitos problemas à espera de sua criatividade

A aquisição de informações não era e não é o foco de quem vai à escola. Com o avanço das tecnologias da informação e comunicação, fica ainda mais evidente que o fundamental na escola é aprender a aprender e aprender que será preciso aprender sempre, ao longo de toda a vida. Assim, é importante que os estudantes reconheçam desde cedo os talentos, competências e habilidades que já têm e percebam que podem aprimorá-los e desenvolver outros. Um caminho fértil, para isso, é desenvolver atividades de aprendizagem baseadas na realização de projetos que exercitem a criatividade, utilizando metodologia científica e/ou de engenharia. O desenvolvimento de projetos investigativos na escola estimula estudantes a realizar projetos utilizando materiais diversos, principalmente de baixo custo e/ou reciclados, e os leva a uma aprendizagem significativa, permitindo ampliar horizontes e despertar vocações. Os professores devem persuadir os jovens estudantes a acreditar que pesquisas e desenvolvimentos importantes podem ser feitos por qualquer um deles, e que para

*Coordenadora Geral da Febrace (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia)

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isso basta querer aprender e trabalhar com empenho. É preciso incentivar os estudantes para que busquem identificar bons problemas para resolver com as competências e habilidades que têm ou que podem desenvolver. Há muito mais problemas à espera de soluções do que problemas já resolvidos!

Sandra Miceli

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Diretor-científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), uma das principais fomentadoras da pesquisa científica no Brasil, Carlos Henrique de Brito Cruz é contra o sistema de cotas no ensino universitário brasileiro. O engenheiro eletrônico formado no ITA e doutor em Ciências pela Unicamp, porém, defende outra forma de inclusão social na educação superior. “Acho muito importante ter mais inclusão social nas melhores universidades. Ou seja: ter um corpo de estudantes que represente melhor a população brasileira, pois tem gente inteligente e capaz em todas as categorias de riqueza da população brasileira. A principal maneira [de inclusão social na universidade], que vejo sendo pouco usada no Brasil, é a ideia de as universidades buscarem alunos em todas as camadas da população. Porque no Brasil as universidades são acostumadas a ficar ali esperando os estudantes se inscreverem no vestibular. Além de oferecer exame [do vestibular], tem que ir às escolas e convidar as pessoas. Dizer: ‘Você tirou nota boa em Física durante dois anos no colégio. Não quer estudar Física aqui na Unicamp?’. E aí convida a pessoa. É o que os americanos

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fazem, e é isso que deveríamos fazer aqui”, diz com a experiência de quem foi reitor da Unicamp entre 2002 e 2005. Nesta entrevista exclusiva à InCiência, além das alternativas de inclusão social no ensino superior, Brito Cruz abordou sua trajetória no campo científico, com destaque para as atividades realizadas pela Fapesp, agência da qual foi presidente entre 1996 e 2002 antes de assumir a direção científica em 2005. “O estado de São Paulo tem cerca de 20% dos cientistas do Brasil, mas produz 50% da ciência feita no país. Então tem capacitação mais alta do que no resto do Brasil e, em boa parte, por causa da ação da Fapesp”, afirma o ex-aluno do Colégio Dante Alighieri. Temas como o cenário da pesquisa científica no Brasil, incluindo a relação entre universidades e empresas, e a importância da pré-iniciação científica (voltada para alunos do Ensino Fundamental e Ensino Médio) também estão presentes neste bate-papo com Brito Cruz. Confira a seguir:

Quando e de que forma surgiu o seu interesse pela área científica?

Brito Cruz: “As universidades brasileiras têm que buscar alunos em todas as camadas da população”

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Oficina Dante em Foco

Entrevista realizada por Eduardo Marins, aluno da oficina de jornalismo Dante em Foco, do

Colégio Dante Alighieri.Colaboraram os jornalistas Gustavo Antonio,

Barbara Endo e Felipe Guerra.

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O meu interesse pela área científica começou com o meu interesse em montar e desmontar objetos, como brinquedos, carrinho de autorama e trem elétrico, para ver como as coisas funcionavam e depois estudá-las. E, com o tempo, foi virando interesse pela ciência, em saber como funciona o mundo. Isso foi ajudado pelo ambiente estimulante que existia em minha casa, pois meus pais nos estimulavam a estudar, ler. Havia uma coleção de livros chamada “Tesouro da Juventude”, muito boa para criança na minha época, com a qual aprendíamos muitas coisas, já que eram 18 volumes. Muitas seções diziam como podíamos fazer determinada coisa, por exemplo, como fazer um barco com rolha de cortiço ou um avião lançado por elástico. E tudo isso foi estimulando o meu interesse. Mais tarde, quando já estava no Colégio Dante Alighieri, tive muito estímulo, por exemplo, nas aulas de laboratório. Eu me lembro bem da aula da professora Anthéia Sasson no curso de Ciências, em que fazíamos uma experiência de medir o tamanho de uma molécula de ácido oleico. É uma experiência em que, em uma cuba com água, pinga-se uma gota de ácido oleico, mede-se quantos mililitros têm ali, estica aquilo, espalha o ácido oleico na água, levando em conta que eles não se misturam. Espalha até ficar uma camada bem fininha como molécula, e naquela área sabemos quantas moléculas existem.

E como o senhor definiu a carreira profissional que seguiria? O Dante me ajudou muito a escolher o

caminho da minha formação, pois, quando estava no chamado curso científico, tive um professor de Física muito bom, o professor Tucci [Wilson José Tucci], que lecionou para nós o curso de Física do 3º Colegial. Ele nos ensinou assuntos como eletricidade, magnetismo e óptica. Na época, eu e alguns colegas fomos até ele e perguntamos se ele poderia fazer um cursinho sobre temas da física moderna fora do horário de aula. Eram assuntos como física quântica, física atômica e teoria da relatividade. Depois do expediente, o professor passava duas horas conosco estudando um livro de física moderna que, depois, descobri que era o livro usado no primeiro ano da faculdade. O professor também nos estimulava a estudar, pensar e perguntar. Quando tive que resolver onde ia estudar, o consultei. Eu disse que gostaria de ser físico experimental e perguntei se seria melhor estudar na USP ou na Unicamp. O Tucci então me disse: “Se você quer ser físico experimental, você deve ir para o ITA estudar Engenharia Eletrônica e, depois, fazer pós-graduação em Física”. Eu fiz o que o professor disse para fazer e, até hoje, sou completamente grato a ele, porque isso foi ótimo para a minha formação. Aprendi na Engenharia do ITA física, matemática, química, ciências, eletrônica e temas relacionados com instrumentos. E depois fiz pós-graduação em Física e pude progredir em minha carreira.

O senhor pode explicar qual é a função da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)?A Fapesp é uma entidade cuja missão é financiar projetos de pesquisa liderados por pesquisadores associados a instituições no estado de São Paulo. A função da Fapesp é estimular o avanço da pesquisa científica e pesquisa tecnológica no estado.

E qual é o seu papel como diretor científico?Como diretor científico da instituição, as duas funções mais importantes que eu exerço são: primeiro, acompanhar como vai evoluindo a ciência no estado de São Paulo, discutindo com a comunidade científica, com pesquisadores e com membros do comitê que temos na Fapesp. Pensar e implementar maneiras para desenvolver mais a ciência em São Paulo. É uma parte grande e importante do meu trabalho aqui. Por exemplo, discutindo com a comunidade científica, descobrimos que seria bom ter no

“Meu interesse pela área científica começou com o meu interesse em montar

e desmontar objetos para ver como as coisas funcionavam e depois estudá-las”

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estado um grande programa de pesquisa sobre bioenergia. Criamos um em 2009 e, hoje, há mais de 400 cientistas em São Paulo que trabalham nesse programa de bioenergia. Em outra discussão, surgiu a ideia de fazer um programa sobre mudança climática global, e fizemos. Então são ideias para melhorar a ciência em SP. A segunda função, mais rotineira, é supervisionar e implementar todo o processo de seleção de projetos de pesquisa da Fapesp. Todo pesquisador que quer receber um financiamento da Fapesp manda um projeto de pesquisa pra cá. Ele explica que pesquisa quer fazer e pede uma quantidade de dinheiro. Tenho uma equipe grande, e também usamos muita gente de fora, para analisar esses projetos de pesquisa e para tomar a decisão de financiá-los ou não. Recebemos mais de 20 mil projetos por ano. E para cada um precisamos fazer análise, obter parecer, fazer decisão, e depois mandar resposta para o pesquisador. A seleção de projetos usa muito do nosso tempo.

Que balanço o senhor faz de seu trabalho na Fapesp?O trabalho que temos feito tem sido no sentido de criar condições para que a comunidade científica no estado de São Paulo faça mais atividades de pesquisa. E faça atividades de pesquisa de mais impacto mundial. Gostaríamos que cada vez mais houvesse descobertas científicas lideradas por pesquisadores no estado que fossem reconhecidas mundialmente como descobertas importantes. Para isso, uma das estratégias da Fapesp é estimular a colaboração científica de pesquisadores de São Paulo com pesquisadores de outros países. E a estratégia tem evoluído muito bem, pois há enorme interesse de pesquisadores do mundo inteiro em colaborar com pesquisadores de São Paulo. Aumentamos muito o número de projetos feitos em colaboração. Ao mesmo tempo, também é muito importante para a Fapesp a questão da formação de recursos humanos para a pesquisa. Há um programa grande de bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. São, a cada mês, cerca de 12 mil pessoas que pagamos no programa de bolsas. Outra estratégia que fizemos foi aumentar o número de bolsistas de pós-doutorado no estado de São Paulo. Em 2005, havia um

número que considerávamos pequeno para a capacidade de pesquisa em São Paulo. Hoje temos mais que o dobro de bolsistas de pós-doutorado. Associando isso à nossa estratégia de internacionalização, aumentou muito o número de pessoas de outros países que vieram ser bolsistas aqui, o que indica um reconhecimento da qualidade da nossa pesquisa. Então a busca por mais impacto intelectual, econômico e social é o que orienta o nosso trabalho na Fapesp.

Qual é a importância dessa evolução para São Paulo? Os resultados que a Fapesp obtém são muito importantes para o estado de São Paulo e para o Brasil. Um número que ajuda a entender isso é o seguinte: o estado de São Paulo tem aproximadamente 20% da população do Brasil; são 40 e poucos milhões de habitantes entre 200 milhões no Brasil todo. O estado de são Paulo tem cerca de 20% dos cientistas do Brasil, mas produz 50% da ciência feita no Brasil. Então tem capacitação mais alta do que no resto do Brasil e, em boa parte, por causa da ação da Fapesp.

Como diretor-científico da Fapesp, Brito Cruz tem as funções de acompanhar a evolução da ciência no estado de São Paulo e selecionar os projetos de pesquisa que serão financiados pela entidade

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Para o senhor, qual é o papel da pesquisa na escola básica?A pesquisa é uma atividade que pode ajudar, na escola básica, a estimular os estudantes a aprenderem melhor. Pesquisar e ensaiar descobertas científicas são coisas que, no meu entender, vão estimular pelo menos alguns dos alunos da escola básica a entenderem melhor, serem mais bem treinados a aprender. Porque pesquisa é isto: é um método para aprender coisas, um método para responder a alguma pergunta que ninguém sabe a resposta. E quando se está na escola básica, o assunto é este: aprender a aprender. Então a pesquisa ajuda o jovem a aprender melhor. Por outro lado, não devemos entender que é obrigatório haver pesquisa na escola básica. Há estudantes que vão se interessar por isso, e outros que vão aprender de outro jeito (lendo livro, fazendo exercícios da classe). Então, quando lidamos com o jovem, é importante ter uma variedade de ofertas para haver adequação ao interesse de cada um.

Que relação o senhor vê entre a capacidade dos alunos de inovar e o desenvolvimento do nosso país?No Brasil, como na maior parte dos outros países, principalmente nos desenvolvidos, a capacidade de desenvolver depende muito fortemente da existência de algumas pessoas inovadoras na população. Inovadoras ou por originalidade das ideias, como artistas, por exemplo, ou inovadoras porque usam os métodos da ciência para descobrir coisas novas e para aplicá-las. Para o Brasil é muito importante ter um conjunto de pessoas bem treinadas nessa, digamos, arte do método da ciência para descobrir coisas novas. E outras para usar essa descoberta em novas aplicações. Isso já acontece bastante no país. O Brasil tem indústria de avião, como a Embraer, que é resultado disto: a capacidade do brasileiro de criar inovações relacionadas à fabricação de aviões. O Brasil extrai petróleo, tem programa de bioenergia e etanol, também resultado da criação científica e técnica de brasileiros. E o país precisa demais disso.

Há relação direta entre o

investimento feito em pesquisas científicas no Brasil e crescimento econômico?Acho que a relação não é exatamente entre o crescimento econômico e o investimento feito em pesquisa. A relação existente na maioria dos países é entre crescimento econômico e resultado obtido das pesquisas. Pode ser que se invista muito e não tenha resultado. A teoria econômica reconhece a relação importante entre os resultados científicos e avanços técnicos e o desenvolvimento econômico. E, como exemplifiquei na pergunta anterior, no Brasil há uma relação clara disso. Uma fração importante do PIB brasileiro cresce por causa de avanços tecnológicos e científicos que foram criados no Brasil.

Como o senhor vê o cenário atual da pesquisa científica no Brasil?A pesquisa científica tem progredido bastante. Nos últimos 60 anos, tem havido crescimento importante da capacidade e do número de brasileiros envolvidos em pesquisa científica, da capacidade do Brasil de formar novos pesquisadores, formar doutores. Também tem havido crescimento importante nos resultados da pesquisa científica e na aplicação de alguns desses resultados em questões econômicas ou sociais. E o Brasil tem sido bem reconhecido pelos outros países do mundo como local interessante do ponto de vista da pesquisa científica. É claro que tem alguns desafios muito importantes para o Brasil vencer ainda. Talvez o principal seja organizar melhor a

Para Brito Cruz, na escola básica, a pesquisa é uma atividade que pode ajudar a estimular

os estudantes a aprenderem melhor

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atividade da pesquisa para os cientistas conseguirem se dedicar de maneira mais focalizada, sem distrações, de tal modo que consigam produzir resultados que tenham mais impacto mundial.

E quanto ao futuro, as previsões são otimistas?Previsões podem ser otimistas, mas são difíceis de fazer. Tem uma pessoa muito sabida que disse que ‘é muito difícil fazer previsões, principalmente sobre o futuro’. No Brasil, há uma quantidade razoável de apoio para atividades de pesquisa. No estado de São Paulo, particularmente, há um apoio especialmente bom para atividades de pesquisa porque em São Paulo existe não só a Fapesp, além dos financiamentos federais, mas também há universidades muito boas e muito bem organizadas, como USP, Unicamp, Unesp, Federal de São Carlos, Unifesp, Federal do ABC e ITA, que são lugares muito bons para as pessoas fazerem pesquisas – sejam professores ou estudantes de pós-graduação. Então dá para a gente supor um desenvolvimento importante no futuro, e acho que dá para ser otimista sim.

Sobre a relação entre empresas e universidades na área de pesquisa no Brasil, o senhor acha que falta uma parceria maior entre elas?No Brasil, fora do estado de São Paulo, a interação entre empresas e universidades parece ser mais fraca do que poderia ser. No estado de São Paulo, a interação é tão forte quanto em qualquer outro lugar do mundo desenvolvido. Se for olhar para USP, Unicamp e Unesp, a fração do dinheiro aplicado para pesquisa que vem de empresas tem percentual semelhante ao das dez universidades estadunidenses que mais recebem dinheiro das empresas. Lá é um dos lugares onde há as melhores relações entre empresas e universidades. São percentuais que não são muito altos, nem aqui nem lá, algo de 6% a 10%. Acontece que aqui no estado de São Paulo tem atividade de pesquisa razoavelmente intensa feita na indústria, nas empresas, que contratam muitos engenheiros, físicos, químicos, biólogos. Contratam para trabalharem na empresa sendo pesquisadores, e isso facilita a interação com a universidade.

Mais da metade do dinheiro aplicado em pesquisa no estado de São Paulo é dinheiro de empresas, no total de gastos, enquanto no Brasil o percentual é mais perto de 25%, 30%, pois é mais difícil ter essa relação.

Em entrevista à revista em 2005, o senhor criticou o sistema de cotas nas universidades brasileiras, apesar de defender outras formas de inclusão social. Passados oito anos, o senhor realmente acha que as cotas foram um equívoco?Continuo com a mesma opinião. É preciso diferenciar o objetivo da maneira pela qual se quer alcançar o objetivo. O objetivo, que acho muito importante, é ter mais inclusão social nas melhores universidades. Ou seja: ter um corpo de estudantes que represente melhor a população brasileira. Não ter só uma fatia representando os mais ricos, e sim gente representando todos, pois tem gente inteligente e capaz em todas as categorias de riqueza da população brasileira. Esse é o objetivo. Quanto à maneira de se chegar a esse objetivo, a cota não é a melhor maneira no meu entender. Há outras maneiras de se fazer isso. A principal maneira, que vejo sendo pouco usada no Brasil, é a ideia de as universidades buscarem alunos em todas as camadas da população, pois no Brasil as universidades são acostumadas a ficar ali esperando os estudantes se inscreverem no vestibular. Nos Estados Unidos, é completamente diferente. As universidades têm departamentos cuja função é buscar alunos brilhantes em qualquer escola dos Estados Unidos e, às vezes, em outros países, como Brasil, Inglaterra e França. Acho que as melhores universidades estão perdendo oportunidade de tomar ação proativa de buscar melhores alunos, especialmente nas camadas mais pobres da população, que às vezes têm pessoas muito capazes, mas que, pelo fato de viverem sempre longe dos centros econômicos do país, acham que não conseguiriam fazer aquele curso. Mas às vezes conseguiriam. Então, as universidades precisam saber identificar essas pessoas. A Unicamp faz um pouco isso, o ITA faz muito, porque, por exemplo, faz vestibular no Brasil inteiro e, com isso, pega gente de todo o país. Mas tem que fazer mais. Além de oferecer exame, tem que ir às escolas e convidar as pessoas. Dizer: ‘Você tirou nota

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boa em Física durante dois anos no colégio. Não quer estudar Física aqui na Unicamp?’. E aí convida a pessoa. É o que os americanos fazem, e é isso que deveríamos fazer aqui.

Recentemente, o senhor esteve em um evento sobre a participação de pesquisadores brasileiros nas colaborações internacionais da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear, o Cern. Qual é a efetiva participação brasileira no Cern? É relevante?Há uma quantidade importante de cientistas do Brasil e de São Paulo que participam dos projetos de pesquisa no Cern, especialmente no mais visível e recente, o Large Hadron Collider (Grande Colisor de Hádrons). É uma participação relevante. Inclusive, esse seminário foi realizado na Fapesp durante dois dias justamente para ouvir dos líderes da pesquisa lá no Cern o que acharam da contribuição dos pesquisadores daqui de São Paulo. E a impressão que trouxeram foi a melhor possível: a de que tem jovens cientistas de São Paulo dando contribuições muito importantes a essa pesquisa.

O senhor é um estudioso de fenômenos ultrarrápidos na Física. Pode nos explicar o que trabalha essa área?Estudar fenômenos ultrarrápidos significa estudar fenômenos que acontecem em tempos muito, muito curtos. Quer dizer, tempo que seja menor do que um picossegundo (10-

12 de segundo), que seria um milionésimo de milionésimo de segundo. Num tempo desse tamanho, o que acontece? Coisas, por exemplo, com elétrons: numa molécula, [quando um] elétron passa de [uma] ligação para outra, acontece a isomerização dessa molécula. Vocês aprendem lá na química orgânica que tem moléculas isômeras, onde a ligação do carbono pode passar de um átomo para outro. Então esse é o assunto ao qual me dedico. Para estudar esses processos, a gente usa lasers que emitem pulsos cuja duração é muito pequena. Cada pulso do laser é como se fosse uma luz

estroboscópica, que ilumina a molécula e vê o que acontece naquela pequena fração de segundo.

O senhor ainda tem tempo para se dedicar à atividade de pesquisa, mesmo sendo diretor da Fapesp? Tem algum grupo de pesquisa atualmente?Trabalho em um grupo de pesquisa na Unicamp e tenho colaboradores muito capazes. Tento me dedicar um dia por semana à atividade de pesquisa. Um dia por semana é menos do que gostaria, mas é o quanto o trabalho na Fapesp me permite fazer.

Como uma revista de divulgação de pré-iniciação científica, como a InCiência, pode ser usada em ambientes escolares que já têm essa prática de pré-iniciação científica ou até naqueles que não têm esse tipo de projeto?Acho que uma revista pode ajudar a divulgar a ideia e o interesse pela ciência, talvez mostrando aos leitores a experiência de pessoas que atuam em ciência e como chegaram a fazer isso. Acho que também poderia ajudar mostrando aos jovens oportunidades e coisas que eles poderiam fazer. Chamar a atenção para oportunidades relacionadas a feiras de ciências ou a experimentos que podem ser montados, como funciona determinada experiência. Tem uma função bem importante.

O aluno Eduardo Marins, da Oficina de jornalismo Dante em Foco,

entrevistou o cientista Brito Cruz

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O projeto de pré-iniciação científica “Monitoramento eletrônico de vagas de estacionamento para deficientes”, de Rodrigo Barbosa Galvão, Stephanie Lopes de Araújo e Thábita Duanna Luniere Pêgas, é um belo exemplo de uso da tecnologia em prol da conscientização social e da defesa dos direitos de minorias. À época estudantes da Fundação Nokia de Ensino – FNE, em Manaus-AM, eles desenvolveram um sistema denominado Meved, capaz de identificar automaticamente os motoristas que, embora sem licença para fazê-lo, insistem em estacionar seus carros em vagas reservadas a deficientes físicos. Segundo o projeto, o carro do deficiente e a vaga de estacionamento serão equipados com sensores. Assim, esses dispositivos apontarão quais pessoas efetivamente têm o direito de estacionar naquele local. Quando não ocorrer essa identificação, a placa do automóvel será fotografada e sua imagem enviada para as autoridades, a fim de que localizem o proprietário e lhe apliquem a multa equivalente. Aqui cabe ressaltar que o portador de deficiência poderá se utilizar do Meved em qualquer veículo, pois o dispositivo transmissor é portátil, assim como a atual credencial usada pelos titulares do benefício (cartão DeFis-DSV).

“O Meved deve ser considerado como um aprimoramento do atual sistema de identificação de motoristas deficientes, de modo que será implantado um dispositivo de baixo custo e maior precisão no carro do deficiente. Nosso projeto busca não só identificar um motorista infrator, mas viabilizar a emissão de uma multa para ele, a fim de promover uma penalização e conscientização do motorista quanto a uma determinação federal”, explicam os pesquisadores. A determinação federal à qual os estudantes se referem está expressa no artigo 25 do Decreto Federal n°5.296. O dispositivo legal reserva 2% das vagas de estacionamentos, externos ou internos, públicos ou privados, exclusivamente aos portadores de deficiência física. Essas vagas devem ser bem sinalizadas e localizadas em pontos estratégicos de fácil locomoção ao motorista. O uso indevido desses espaços especiais caracteriza infração de trânsito, de acordo com o art. 181, inciso XVII do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).Os pesquisadores afirmam, porém, que muitas vezes as pessoas não respeitam esse direito dos cerca de 45,6 milhões de brasileiros declarados portadores de algum tipo de deficiência, segundo dados do Censo

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Sistema identifica infratores nas vagas de estacionamento para deficientes

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de 2010. A precária fiscalização e o baixo valor da multa (em torno de R$ 54) ajudam a explicar o grande número de infrações do tipo. Atualmente, a identificação de carros de portadores de deficiência física é feita por uma credencial (cartão DeFis-DSV), que autoriza o acesso a essas vagas. Contudo, caso um motorista ocupe impropriamente um desses espaços, ele só será punido se for flagrado por um agente de trânsito – o que exige a presença constante de um “guarda” no local. Nessa situação, o infrator será penalizado com a multa e perderá três pontos na carteira de motorista.“O Meved servirá como um meio desse processo ser mais eficiente, pois não necessitará mais da presença de um agente de trânsito, e o processo da multa poderá ser feito de forma automática a partir dos dados coletados pelo sistema”, afirmam os estudantes. Além de ideias como o Meved, as perspectivas quanto ao respeito às vagas de estacionamento para deficientes também podem melhorar pela força da punição do poder público. Tramita no Congresso Nacional (já foi aprovado pelo Senado) um projeto de lei que transforma em infração grave o ato de estacionar irregularmente em vagas de deficientes, fazendo com que o veículo possa ser apreendido.

Planejamento e materiaisO primeiro passo para a execução do Meved foi planejar o funcionamento do protótipo, dividindo-o em etapas. Inicialmente, previu-se o cadastramento das pessoas com direito a estacionar nesses lugares (esse processo seria feito com o comparecimento do beneficiário ao Detran). Os procedimentos seguintes consistiriam na ativação do protótipo após a detecção do carro na vaga, bem como no envio de informações através de um transmissor RF (radiofrequência) instalado no veículo. A não identificação do automóvel (uma vez que apenas as pessoas cadastradas terão o

transmissor RF) acarretaria o acionamento da câmera fotográfica do sensor presente no estacionamento, que registra a placa do carro. A imagem passaria então pela central do local até ser encaminhada ao órgão público responsável pela emissão da multa ao infrator. Quanto à estrutura física do dispositivo, os pesquisadores escolheram os seguintes materiais (totalizando um orçamento de aproximadamente R$ 170): sensor de presença e movimento com alcance de sete metros e ângulos de até 100º (para detectar o carro na vaga reservada a cadeirantes); módulo RF transmissor e receptor (responsáveis pela captação e envio do sinal proveniente do carro cadastrado, identificando se o veículo tem ou não permissão para estacionar naquela vaga); câmera fotográfica 3MP (para captar a imagem da placa do carro não cadastrado que parar na vaga reservada aos cadeirantes; é acionada através do Arduino, plataforma de hardware e software livres que facilita a criação e prototipagem de projetos de eletrônica, executando variadas funções); microcontrolador Arduino Uno (que controla todas as funções, tais como o acionamento do módulo RF, a ativação da câmera e o encaminhamento da imagem para a central que identificará e multará o motorista).

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Atualmente, violações das vagas especiais para deficientes podem ser explicadas pela precária fiscalização e pelo baixo valor da multa (em torno de R$ 54)

Estrutura interna do Meved

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Dentre esses materiais, os pesquisadores destacam o sensor de movimento como ponto-chave para o restante do sistema. “Os sensores ficarão ligados o tempo todo, cada um em uma vaga de estacionamento para deficientes. Quando um carro estacionar, o sensor vai detectar o movimento e acionar o sistema. Haverá ocasiões em que o movimento detectado poderá ser de pessoas, por exemplo. Por isso, estamos melhorando o código para acionar o sistema não só apenas depois de detectar o movimento, mas também ao identificar a permanência do objeto no local. Porém, o atual código não causa falhas à detecção de infratores, e sim apenas permite que o sistema gere fotos sem utilidade no caso de uma pessoa passar na frente do sensor, por exemplo”, afirmam.

MontagemNa montagem do protótipo, os pesqui-sadores deram prioridade ao sistema de transmissão, considerado a base de funcionamento do dispositivo. Eles escolheram um módulo RF (RT4 e RR3), de alcance de até 100m sem obstáculos, que trabalha na faixa de frequência de 315MHz, 418MHz e 433,92MHz. “A frequência que utilizamos no protótipo foi a de 315MHz. Mas a proposta é que o sinal de cada transmissor seja codificado de modo que cada deficiente tenha uma sinal único, assim como cada um tem atualmente um código de barras em cada credencial”, explicam os pesquisadores. Vale notar que tanto o transmissor quanto o receptor devem estar na mesma frequência para que haja uma comunicação entre eles. A fim de obterem maior estabilidade na recepção do sinal, Rodrigo, Stephanie e Thábita utilizaram CIs enconder e decoder para o transmissor e para o receptor, respectivamente. Após a confecção das placas para o trans-

missor e para o receptor, os pesquisadores passaram aos testes da etapa de sensoriamento da vaga, responsável pelo início de toda a operação do sistema a partir da detecção da presença do carro. A tentativa com um resistor LDR e uma lâmpada mostrou-se pouco eficiente, optando os estudantes por utilizar um sensor de presença e movimento Pic, passível de ser conectado diretamente ao microcontrolador Arduino, além de possuir tamanho reduzido e possibilidade de ajustes por código de programação. Em seguida, desmontaram a placa da máquina fotográfica para o acréscimo de quatro jumpers aos botões de acionamento (liga/desliga) e de captura da imagem da câmera, sendo controlados pelo microcontrolador. Já para a ligação do Arduino com a câmera, foram utilizados dois circuitos de acionamento por meio de relés. Quanto à estrutura, as caixas do transmissor e do receptor foram construídas com poliestireno. Para dar mais mobilidade ao circuito transmissor, montou-se um pequeno circuito-fonte para realizar o controle da tensão que chega (5V), apesar de a bateria fornecer uma tensão de 9V.

TestesOs pesquisadores fizeram testes iniciais com um circuito transmissor colocado na parte traseira de um carrinho de controle remoto, que dessa forma simulava um veículo munido do sistema de detecção. Essa etapa serviu para que falhas fossem identificadas e corrigidas. Em seguida, por meio de um acordo com a Manaustrans (Instituto Municipal de Engenharia e Fiscalização do Trânsito de Manaus), realizaram testes em vagas de

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No Meved, o carro do portador de deficiência e a vaga de estacionamento serão equipados

com sensores que apontarão quais pessoas têm efetivamente o direito de estacionar naquele local

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Pesquisadores realizaram testes no estacionamento de um shopping

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estacionamento destinadas a deficientes físicos – tanto com carros autorizados quanto com não autorizados. “Obtivemos bons resultados. O aparelho conseguiu identificar quando o sinal vinha do veículo e quando não vinha também. Com isso, conseguimos mostrar que é possível o projeto funcionar”, afirmam os estudantes. Entretanto, o dispositivo ainda precisa de melhorias. “No teste, percebemos que fatores como bateria fraca e alcance podem desencadear falhas no sistema. Então, como meio de solucionar esses problemas, estamos em processo de pesquisa para a implantação do mecanismo de identificação por radiofrequência (RFID), que trará dois principais benefícios para o projeto: o tamanho reduzido de um chip (que será acoplado na credencial do deficiente) e a transmissão de sinais codificados de

maneira que cada credencial emitirá um sinal único”, explicam os pesquisadores. De olho no potencial econômico do projeto, Rodrigo, Stephanie e Thábita já estudam parcerias com o poder público (afinal, é necessária a colaboração do órgão responsável pela emissão da multa). A animação é tanta que até fizeram contatos com empresas que podem, futuramente, ajudar na fabricação do dispositivo. Outro objetivo almejado pelos estudantes é expandir os benefícios do Meved às vagas reservadas a idosos. “A importância principal do projeto seria a devida punição aos motoristas que imprudentemente tiram o direito dos deficientes físicos à acessibilidade que lhes é devida. E posteriormente, quem sabe, criar uma conscientização geral, mais diretamente para os motoristas, de não estacionarem nas vagas de deficientes. O ideal é estender essa conscientização também para as vagas de idosos”, afirmam.

Sobre os pesquisadoresIncomodados com o desrespeito da maioria dos brasileiros ao direito dos deficientes físicos a vagas de estacionamento especiais, Rodrigo, Stephanie e Thábita tiveram a ideia de desenvolver, como projeto de conclusão do curso técnico na Fundação Nokia, um aparelho capaz de fiscalizar constantemente os infratores que param seus carros nesses locais, viabilizando assim a geração de multas eletrônicas.O projeto, orientado pelo professor Marcelo Ribeiro, foi bem-sucedido e teve seu valor social reconhecido. Tanto que, em março de 2013, recebeu um Voto de Congratulações do Senado Federal, emitido a pedido da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). Além disso, conquistou prêmios na última Febrace (Menção Honrosa da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência; prêmio da revista Inciência; e terceiro lugar na categoria Ciências Sociais Aplicadas) e o convite para a 65ª Reunião Anual da SBPC. Apesar de terem grande parte de seu tempo ocupado pelas atividades universitárias (Thábita cursa Engenharia na Universidade

Estadual do Amazonas (UEA), enquanto Rodrigo e Stephanie estudam, respectivamente, Engenharia Elétrica e Engenharia de Produção na Universidade Federal do Amazonas (UFAM)), eles seguem desenvolvendo o projeto, pensando até mesmo em, futuramente, colocá-lo no mercado. Segundo os pesquisadores, há outros projetos parecidos com o Meved, mas este apresenta um diferencial. “A inovação e o diferencial do Meved ficam por conta da possibilidade de gerenciar esses dados [sobre o estacionamento na vaga para deficientes] e a multa ser emitida eletronicamente, além de a fiscalização passar a ser 24 horas em todas as vagas”, dizem.

Stephanie, Thábita e Rodrigo receberam um Voto de Congratulações do Senado Federal, emitido a pedido

da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), e uma Menção Honrosa da Secretaria de Estado

dos Direitos da Pessoa com Deficiência

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Para se tornarem técnicos em eletrônica pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, Guilherme Castello Espósito, Rafael Venijio Maggion e Lucas Arná Matos dos Santos precisavam criar alguma alternativa de resolução para um problema da capital paulista. Decidiram, então, se dedicar a uma questão ambiental: o acúmulo desenfreado de resíduos sólidos na metrópole. Visando a uma redução dessa grande quantidade de “lixo”, os estudantes desenvolveram uma lixeira inteligente que tem como objetivo separar, de forma autônoma, os materiais nela depositados conforme sua composição (papel, metal, vidro ou plástico), otimizando, assim, a coleta seletiva. A lixeira consiste em uma estrutura retangular de acrílico, com uma única entrada, mas com quatro divisões internas iguais (para abrigarem papel, plástico, vidro e metal), com as respectivas saídas. Após entrar no recipiente, o “lixo” é detectado por sensores, que identificam a composição do material, encaminhando-o para o devido compartimento (a colocação dos resíduos nos locais adequados ocorre graças à presença de um servomotor, capaz de girar 180°). Estimativas apresentadas no relatório da pesquisa dão conta de um descarte

Lixeira inteligente possibilita coleta seletiva automática

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mundial de aproximadamente 30 bilhões de toneladas de resíduos por ano, dos quais 730 milhões toneladas de “lixo” domiciliar. Esses detritos urbanos causam, entre outros danos, enchentes por meio da obstrução das redes de drenagem artificial das cidades, a poluição dos rios e a produção de chorume e gás metano, substâncias prejudiciais ao meio ambiente. Entre os destinos atuais dos resíduos sólidos domésticos, os principais são lixões (em 50% das cidades brasileiras, o depósito de resíduos se dá sobre o solo, sem medidas de proteção ao ambiente ou à saúde pública), aterros controlados (cobertura diária do lixo com terra, o que não impede completamente a contaminação do solo e das águas subterrâneas), aterros sanitários (em 27% dos municípios do país, os resíduos são levados para locais impermeabilizados por uma base de argila e lona plástica, impedindo o vazamento de chorume para o subsolo, além de possuírem tubulações que captam o gás metano liberado pela decomposição da matéria orgânica) e processos de reciclagem. Estes últimos compreendem a separação dos resíduos recicláveis coletados, processo realizado geralmente por cooperativas de catadores, que encaminham os materiais selecionados

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para seu reaproveitamento na indústria e comercialização sob a forma de novos produtos. A coleta de lixo está presente em 95% dos municípios brasileiros, mas apenas em 19,5% ocorre a chamada coleta seletiva (em que os materiais são separados segundo sua composição) e a posterior destinação dos resíduos para a reciclagem. Entre outros motivos, a pequena taxa pode ser explicada pelo custo cinco vezes maior da coleta seletiva em relação à convencional. “Entretanto, tal argumento não é capaz de justificar uma possível inviabilidade econômica da coleta seletiva, uma vez que, associada a processos de reciclagem, esta movimenta a economia, por meio da criação de empregos, do recolhimento de impostos e do desenvolvimento de um novo mercado, estimulando outros negócios, como os serviços e as empresas responsáveis pela produção de maquinário necessário para o processo de reciclagem. Além disso, o processo de reciclagem poupa recursos naturais, por vezes finitos, preserva os recursos hídricos da contaminação e possibilita uma maior conservação de energia”, justificam os autores da pesquisa. Nos próximos anos, porém, a tendência é que haja uma redução do “lixo” no país. Isso porque, em 2010, o Brasil aprovou sua Política Nacional de Resíduos (Lei nº 12.305/10), cujas bases são a prevenção, a diminuição e a responsabilização compartilhada da geração de resíduos.

Montagem e ajustes do projeto: peças de plástico acrílico foram escolhidas como principal material do protótipo por seu preço baixo, resistência razoável e bom acabamento

Nesse cenário, a lixeira inteligente surge como uma forma tecnológica de otimizar a coleta seletiva. O fato de realizar esse processo de modo automático já mostra uma vantagem do projeto em relação aos seus eventuais concorrentes. “As opções disponíveis para que se realize a coleta seletiva são, em geral, lixeiras ou divididas em compartimentos, logo com várias entradas, ou montadas em grupos no mesmo local. As duas opções requerem a separação manual do lixo, e as que vêm em grupos de quatro ou cinco (papel, vidro, metal, plástico e talvez orgânico) requerem esforços ainda maiores de quem descarta os materiais para que sejam separados”, explicam as estudantes. A lixeira inteligente, porém, apresenta um custo mais alto que produtos similares (o orçamento do projeto ficou em torno de R$ 980, mas os pesquisadores acreditam que, com o tempo, o valor de comércio possa chegar a R$ 800). Embora os conjuntos de quatro ou cinco lixeiras de plástico ou lata – suspensas em estruturas de ferro ou apoiadas no chão, com custo a partir de R$ 300 – se apresentem como concorrentes diretos, os criadores da lixeira inteligente argumentam que o outro produto existente pode ser ineficiente pelo fato de apresentar entradas separadas para os diferentes materiais, fazendo com que a maioria das pessoas não colabore com a coleta e jogue papel no compartimento destinado a metal, por exemplo.

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O protótipo apresentado pelos pesquisadores possui sensores capazes de identificar metais, papel, vidro e plástico

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Já as lixeiras convencionais, variando de R$ 20 a R$ 250 em média, apresentam-se como concorrentes indiretas, pois não possuem compartimentos separados ou intuito de coleta seletiva. “Apesar de ter um preço um pouco maior do que o preço de partida do concorrente direto, a lixeira inteligente oferece, por uma pequena diferença, a comodidade e a garantia da separação automática de dejetos. Além de ter sua capacidade completamente customizável [ou seja, de acordo com o sensor que for instalado, pode identificar diferentes tipos de materiais] e oferecer o advento da tecnologia em favor do meio ambiente e do futuro de uma sociedade inteira”, argumentam.

Elaboração da pesquisaAntes de partirem para a montagem do protótipo, os pesquisadores utilizaram a matriz SWOT (FOFA em português) para realizar uma análise de Força, Fraqueza, Oportunidades e Ameaças. Destaca-se, entre as soluções para as fraquezas, a proposta de trocar o abastecimento à base de energia elétrica por fontes alternativas (como a ligação de um dínamo ao pedal de abertura da tampa, que provocaria uma tensão capaz de gerar energia; para lixeiras ao ar livre, o acoplamento de painéis fotovoltaicos aproveitando a luz do sol). O preço, por sua vez, pode ser reduzido através de parcerias com empresas fabricantes dos materiais que constituem a lixeira. Já na parte de desenvolvimento do protótipo propriamente dito, os pesquisadores escolheram três tipos de sensores para identificar as composições dos resíduos: indutivos (capazes de identificar alguns tipos de materiais metálicos, principalmente os mais comuns, como latas de refrigerante); capacitivos (vidro e papel, por exemplo) e ópticos (plástico). Como citado anteriormente, o protótipo possui um servomotor para posicionar

o material sobre seu respectivo compartimento. Além disso, um servomotor também é utilizado para executar a função de abertura do alçapão para o descarte dos resíduos.Após o desenho da estrutura completa, realizado no programa Solidworks, os pesquisadores cuidaram da montagem do protótipo. As peças de plástico acrílico, escolhidas como principal material do projeto por seu preço baixo, resistência razoável e bom acabamento, foram fixadas com “cola vinil” e cantoneiras de alumínio de ¾ polegada x 1 mm. Durante o desenvolvimento do protótipo, foram efetuadas algumas mudanças em relação ao previsto anteriormente no desenho. Para a elaboração do trilho e dos suportes da estrutura de seleção, substituiu-se o acrílico por madeira, garantindo uma sustentação mais segura. A disposição das divisórias dos compartimentos que abrigam os materiais selecionados foi alterada, assim como a posição da roda da estrutura de rotação, aumentando a altura dos compartimentos reservados aos resíduos. Com a “tabela-verdade”, os pesquisadores testaram todas as combinações possíveis dos estados lógicos dos sensores, possibilitando o desenvolvimento do fluxograma da lógica de seleção, necessário para a elaboração da programação do microcontrolador. A propósito: originalmente, o micro-controlador utilizado seria o 8052 (com linguagem de programação assembly), que, entretanto, devido a um problema durante os testes, foi danificado, fazendo com que os pesquisadores o substituíssem pelo Arduino, programado com a linguagem C. Também foram necessários ajustes nas fontes de alimentação do sistema, utilizando-se uma de 12V para abastecer os sensores e o motor DC, e uma de 5V para os servomotores e os optoacopladores (que evitam que uma sobrecarga ou uma ligação errada danifique algum componente). Por fim, para resolver um problema de captação dos sensores, optou-se pela utilização de capacitores associados em série com um resistor (circuito RC), a fim de manter o sinal enviado pelo sensor por tempo suficiente para que o optoacoplador

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Lixeira inteligente tem como diferencial o fato de realizar a coleta seletiva de forma automática

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Sobre os pesquisadoresA necessidade de elaborar um trabalho para a disciplina de Desenvolvimento de Projetos do curso técnico em Eletrônica, na qual foram apresentados ao método de engenharia, somada à preocupação com os problemas referentes à crescente produção de resíduos sólidos no Brasil, estudados nas aulas de Geografia, fez com que Guilherme, Rafael e Lucas pensassem em um mecanismo capaz de realizar a coleta seletiva de forma autônoma. Foi a partir daí que, orientados pelo professor Hugo da Silva Bernardes Gonçalves, elaboraram uma lixeira inteligente com diversos sensores. “Por meio do protótipo, constatou-se a possibilidade de separar materiais de forma automática”, dizem os pesquisadores, que receberam diversas premiações pelo trabalho, como o primeiro lugar no Prêmio GE de inovação e o credenciamento para a Expo-Ingenieria 2013 (realizada em outubro, na Costa Rica), entre outras feiras.

Hoje, Lucas Arná cursa Engenharia de Controle e Automação na Unesp, enquanto Rafael e Guilherme se preparam para prestar vestibular para os cursos de Engenharia Mecatrônica e Engenharia Naval, respectivamente. Quanto ao projeto da lixeira inteligente, algumas de suas partes têm sido desenvolvidas por um grupo de alunos do terceiro ano do curso de eletrônica do Liceu de Artes e Ofícios. “A intenção é que o protótipo possa ser utilizado como base para o desenvolvimento de outros projetos pelos novos alunos, servindo de ponto de partida ou fonte de inspiração. Os professores também o estão utilizando para exemplificar de forma prática alguns conceitos vistos em aula”, explica Rafael, que, assim como os outros pesquisadores originais, ainda acompanha o trabalho de perto, auxiliando os estudantes mais jovens. “O diferencial do projeto é a possibilidade de levar a coleta seletiva para perto dos

indivíduos, ampliando sua ação. Outro diferencial é a combinação de diferentes sensores, a fim de se buscar um padrão para a identificação dos materiais. Há a possibilidade de patentear a ideia, no entanto, para a inserção no mercado, é preciso ampliar a gama de materiais passíveis de identificação pelo protótipo”, esclarecem os pesquisadores.

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Rafael (à esq) e Guilherme (centro) prestarão vestibular para Engenharia Mecatrônica e Naval, respectivamente; Lucas (à dir) cursa Engenharia de Controle e Automação na UnespLi

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seja ativado. Mesmo assim, mostrou-se necessário o controle da velocidade da passagem dos materiais, para o que se desenvolveu uma esteira controlada por um motor DC, possibilitando a correta identificação dos materiais.“O protótipo elaborado mostrou-se capaz de diferenciar quatro amostras distintas, compostas, cada uma, por plástico, papel, vidro ou metal, realizando a separação dos materiais identificados por meio da deposição destes em seus respectivos compartimentos. Além disso, o protótipo apresenta a possibilidade de expansão de seus compartimentos conforme a necessidade de cada local”, concluíram

os pesquisadores, apontando fatores do projeto que podem ser aperfeiçoados. “Para a implementação efetiva do protótipo em locais públicos, tal qual um produto comercializável, seria necessária a inserção de uma quantidade maior de sensores, para que se torne possível a identificação de uma gama maior de materiais por meio do reconhecimento do padrão de sinais sensoriais gerados pela passagem de cada material. Assim como seria necessário o acoplamento de uma esteira externa ao protótipo, para que os materiais inseridos simultaneamente possam ser colocados em sequência e depositados individual e espaçadamente na estrutura seletora”, explicaram.

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O quindim faz o albergado Joaquim pensar em uma situação feliz vivida em sua infância, remetendo-o, em especial, à figura de sua mãe. Eduardo, por sua vez, tem na torta de limão uma forte lembrança de seu primeiro e único amor, que preparava essa iguaria para ele. Essas são duas das histórias que vieram à tona durante o trabalho de pré-iniciação científica “Os rituais alimentares coletivos e suas implicações nas relações sociais: um estudo de caso com pessoas em situação de rua”, em que as estudantes Thais May Carvalho, Julia Generoso Gonzales e Flávia Araujo de Amorim, do Colégio Giordano Bruno, de São Paulo, buscaram analisar a influência dos rituais alimentares coletivos no processo de ressocialização de pessoas em situação de rua. Para tanto, realizaram e analisaram refeições coletivas no albergue Centro de Acolhida Esperança. Inicialmente, as pesquisadoras fizeram um estudo de revisão da antropologia da alimentação, trabalhando as mudanças geradas nos rituais alimentares pelo modo de vida característico da modernidade

(com a industrialização e a globalização), em que se percebe uma diminuição da socialização e a perda da identidade cultural proporcionada anteriormente pelo momento da refeição – isso porque comer torna-se apenas algo utilitário, sem um ritual dotado de significado.Com base em especialistas, as pesquisadoras atentaram para os valores culturais e simbólicos que podem estar atrelados aos alimentos. Trata-se de uma ideia segundo a qual as práticas alimentares coletivas – no caso, as chamadas refeições ritualizadas – são comunicativas e transmitem, até mesmo a outras gerações, particularidades atribuídas a determinada comida, cabendo a cada indivíduo acrescentar a esta novos elementos de acordo com a situação vivida. Por exemplo, a presença de pratos variados apenas no almoço de domingo, dando-lhe uma conotação de dia especial em virtude da refeição ritualizada. Por todos esses aspectos, as estudantes Thais, Julia e Flávia optaram por trabalhar

Com açúcar, com afeto: rituais alimentares como forma de ressocialização

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com um grupo de pessoas em situação de rua cadastradas em um albergue não governamental. Tal escolha se baseou no fato de que esses indivíduos geralmente são excluídos da vida civil e também deixam de ser reconhecidos como cidadãos. Além disso, lançam mão de uma alimentação extremamente individualizada, não possuindo o hábito de comer em um ambiente familiar. Outro fator essencial é que esses moradores de rua, em sua maioria, se desvincularam de seu círculo afetivo – sendo mais nítidas, assim, as mudanças proporcionadas por um eventual processo de ressocialização.Desse modo, as pesquisadoras formularam a seguinte hipótese: “Se rituais alimentares coletivos forem introduzidos em um grupo de pessoas em situação de rua, então os indivíduos estabelecerão laços afetivos entre si”.

O estudo Acertados os detalhes com o albergue Centro de Acolhida Esperança, as pesquisadoras iniciaram o estudo de campo, que consistiu em rituais alimentares em que uma refeição era servida ao final da tarde aos albergados. Ao todo, foram 11 encontros, realizados entre agosto e setembro de 2011. O grupo de pesquisa costumava chegar ao albergue por volta das 14h30 para arrumar o local, colocando os alimentos (entrada, prato principal e sobremesa) na mesa. Em seguida, os albergados – 23 participantes do sexo masculino, entre 23 e 60 anos – eram chamados à sala de refeições, sentavam nos bancos em torno da mesa e começavam

a comer. Enquanto eles eram filmados (com o consentimento dado por cada um deles), as pesquisadoras, que permaneciam no mesmo ambiente, observavam e registravam seus comportamentos.Ao final de cada encontro, as estudantes pediam a um (ou mais) dos albergados que dissesse qual o prato gostaria de degustar no ritual seguinte. Essa escolha deveria ser feita seguindo uma lógica simbólica, com o indivíduo optando por alimentos que tivessem algum significado particular. No começo do ritual seguinte, esse albergado precisava expor a todos os motivos que o levaram a escolher o prato. Foi nesse contexto, por exemplo, que Joaquim revelou a história de quando sua mãe comprou o quindim que ele tanto desejava, e Eduardo narrou seu romance com a mulher que lhe fazia a torta de limão. “[Ao explicarem o motivo da escolha do prato] eles iriam compartilhar suas heranças culturais e seria estabelecido um momento de transmissão de elementos simbólicos à mesa. Esse traço da pesquisa foi proposto para resgatar o valor significativo do alimento”, explicam as pesquisadoras. Juntamente à pesquisa qualitativa, foi realizado um levantamento quantitativo. Em agosto, as pesquisadoras passaram um questionário aos participantes (ele seria aplicado novamente no fim da pesquisa) com perguntas baseadas na técnica de Suporte Social, capaz de suscitar a expressão de sentimentos tais como o de pertencimento a um grupo, a intimidade com demais indivíduos e a autopercepção de que vale a pena viver.

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Para desenvolverem o projeto, as pesquisadoras promoveram 11 refeições ritualizadas com albergados do Centro de Acolhida Esperança, em São Paulo

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Nos rituais, as pesquisadoras puderam constatar as mais diversas situações. Desde pessoas que achavam inadequado conversar durante a refeição até as mais falantes; dos que abandonaram os encontros até os que eram inicialmente tímidos e depois se soltaram. O fato é que as reuniões se mostraram eficientes como forma de socialização, provocando mudanças na percepção dos albergados quanto a temas como amizade.Assim, na análise dos dados quantitativos da pesquisa, as estudantes se detiveram em duas das questões que haviam formulado, pois estas apresentaram uma grande variação nas respostas dadas pelos participantes nos dois questionários feitos em momentos diferentes. Foram elas: “Os amigos não me procuram tantas vezes quanto eu gostaria?” e “Às vezes sinto falta de alguém verdadeiramente íntimo que me compreenda e com quem possa conversar sobre coisas íntimas?”. Aplicando às respostas obtidas para essas duas perguntas o teste estatístico T de Student para médias emparelhadas através do programa IBM-SPSS, as pesquisadoras concluíram que era possível afirmar que houve mudanças na percepção dos indivíduos com relação à amizade pela realização dos rituais alimentares coletivos (por exemplo, quanto à sensação de solidão que sentiam; à noção de amizade e de possuírem o que consideram amigos de

verdade; ao fato de serem procurados pelos amigos quantas vezes julgavam necessário). “Os fatores apresentados indicam que as relações desenvolvidas influenciaram no processo de ressocialização dos indivíduos não necessariamente pelo fato de que os participantes se tornaram amigos e passaram a conversar intensamente, mas porque essa experiência foi suficientemente impactante para alterar a percepção de amizade de pessoas que em algum momento se desvincularam do seu círculo social mais próximo.”Já pela análise qualitativa dos rituais, as pesquisadoras atestaram que a ressocialização foi promovida em grande parte pelo valor simbólico que os alimentos apresentavam para os albergados. “Os alimentos funcionaram como fatores determinantes para o desencadeamento de processos de ressocialização exatamente porque tinham significados para os participantes, o que mostra que eles já estiveram inseridos em algum círculo social anteriormente, e que apenas estão na rua, e

Graças à pesquisa, as alunas participaram da Intel ISEF, nos

Estados Unidos, onde encontraram Douglas Dean Osheroff, ganhador

do prêmio Nobel de Física de 1996

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Segundo as pesquisadoras, a ressocialização foi promovida em grande parte pelo valor simbólico que os alimentos apresentavam para os albergados

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não são de rua. Os indivíduos foram levados a situações propícias para o resgate de simbolismos de sua vida. E o ato de relembrar esses aspectos provoca uma revalorização da existência desses indivíduos enquanto pessoas com identidade própria, uma vez que, quando estão na rua, têm essa identidade diluída na massa de pessoas na mesma situação, que estão à margem da sociedade”, explicam as estudantes.

“A partir dos dados obtidos, pode-se inferir que há indícios da influência da revalorização do ritual alimentar no processo de ressocialização dos indivíduos. A relevância social do projeto desenvolvido é a validez de sua replicação em hospitais, escolas, asilos”, definem as pesquisadoras Thais, Julia e Flávia.

Sobre as pesquisadorasEm 2011, diante do tema “Alimento: decifra-me ou devoro-te”, proposto para a Feira de Ciências do Colégio Giordano Bruno, Thais, Julia e Flávia resolveram trabalhar uma ideia que as incomodava: cada vez menos as famílias têm realizado refeições coletivas e, assim, acabam conversando menos, compartilhando menos experiências. “Após algumas leituras sobre o tema, chegamos à ideia inicial de que refeições coletivas auxiliam no estabelecimento de laços afetivos e que poderiam ser utilizadas para ressocializar indivíduos que perderam tais laços”, esclarecem as pesquisadoras.

Sob a orientação do professor Rogério Giorgion, o trabalho ganhou 12 prêmios – entre eles, uma bolsa de iniciação científica júnior do CNPq, um primeiro lugar em Ciências Humanas em Grupo na Febrace 10 (realizada em 2012) e a indicação para a Intel ISEF 2012. Foi justamente após esta última feira que o projeto se encerrou, uma vez que as alunas queriam realizar novas pesquisas em áreas diferentes.

Envolvidas agora com esses outros projetos – ainda como bolsistas do CNPq –, as estudantes se mostram satisfeitas com o resultado da pesquisa sobre os rituais alimentares. “A importância do trabalho se dá pela abordagem humana que propusemos para compreender os efeitos da alimentação coletiva e simbólica na construção de laços afetivos entre indivíduos completamente marginalizados e esquecidos pela sociedade. Os resultados obtidos nos deram fortes evidências de que a aplicação do método desenvolvido nesse estudo em asilos,

hospitais, escolas, penitenciárias também pode trazer benefícios significantes para tais públicos. Nossa pesquisa se diferencia exatamente pelo fato de que, a partir das bases teóricas, desenvolvemos um método de ressocialização de pessoas inicialmente marginalizadas”, afirmam, fazendo a ressalva de que projeto ainda não foi colocado em prática nos locais propostos.

As estudantes atualmente cursam a 3ª série do Ensino Médio e já fazem planos para os próximos anos: Flávia pretende ser médica, com provável especialização em Psiquiatria, enquanto Julia planeja estudar História. Thais, por sua vez, sonha em trabalhar com jornalismo vinculado à área do esporte.

Julia Generoso, Flávia Amorim e Thais May pretendem cursar, respectivamente,

História, Medicina e Jornalismo

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Digamos que a matemática não seja das matérias preferidas da maioria dos alunos. Em larga medida, essa aversão se deve à forma pela qual os conteúdos matemáticos são transmitidos aos estudantes. Incomodados com essa percepção, Leonardo Duarte Viana e Werlesson Magalhães da Costa, alunos do Colégio Estadual Liceu Professor Francisco Oscar Rodrigues, de Maracanaú (CE), decidiram explorar o uso de materiais manipuláveis para facilitar o aprendizado de matemática. A experiência dos estudantes está registrada no trabalho de pré-iniciação científica “Utilização de materiais manipuláveis como uma inovação que qualifica a aprendizagem em matemática”.Na pesquisa, Leonardo e Werlesson realizaram seis oficinas para 82 alunos do Ensino Fundamental I da E.M.E.F. Herbert José de Souza, no município de Maracanaú, dividindo-os em grupo-controle (guiado pelo método normal de aprendizagem e formado por 22 crianças de 4º ano e 21 de 5º ano) e grupo experimental (constituído por 20 estudantes de 4º ano e 19 de 5º ano com dificuldades em matemática, aos quais foram aplicados os métodos inovadores propostos nas pesquisas). Os resultados foram observados com a aplicação de um pós-teste, formulado com base na Prova Brasil e no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). Por fim, comparou-se o

desempenho dos grupos experimentais no pós-teste ao dos grupos-controle. “Atualmente, tem-se pensado muito sobre a forma tradicional de educar e o modo de transformar a aula em um ambiente estimulante para o educando. As dificuldades encontradas por alunos e professores no processo ensino-aprendizagem da matemática são muitas e conhecidas. Assim, muitos trabalhos têm enfatizado como é importante para os alunos iniciarem o estudo da matemática a partir da manipulação de objetos”, afirmam os pesquisadores.Esses materiais manipuláveis, segundo os autores citados na pesquisa, compreendem objetos ou coisas que o aluno é capaz de sentir, tocar, manipular e movimentar. Podem ser objetos reais que têm aplicação no dia a dia ou que são usados para representar uma ideia. O aspecto lúdico aparece como uma de suas vantagens, pois, quando a atividade é um jogo, há maiores chances de se conseguir um forte envolvimento das crianças, mantendo-as ligadas e atentas ao que realizam. Para Jean Piaget, um dos especialistas utilizados na pesquisa, “através da atividade lúdica e dos jogos, a criança poderá formar conceitos, selecionar ideias e estabelecer relações lógicas”. Entretanto, os pesquisadores fazem a

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Uso de materiais manipuláveis para facilitar o aprendizado de matemática+(

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ressalva de que, ao contrário do que pensam e esperam muitos professores do Ensino Fundamental, a simples utilização de materiais manipuláveis não é suficiente por si só para amenizar as dificuldades de aprendizado. Assim, para que essa técnica seja eficiente, é fundamental que o docente exerça um papel de mediador entre o aluno e o conhecimento.

Colocando em práticaNa escola E.M.E.F. Herbert José de Souza, em Maracanaú-CE, os pesquisadores realizaram a primeira oficina para o grupo experimental. Na ocasião, Leonardo e Werlesson explicaram o objetivo do trabalho aos estudantes e aplicaram um pré-teste baseado na Prova Brasil e SAEB, a fim de analisar como as crianças estavam em relação ao assunto abordado em sala de aula pela professora de matemática – esse mesmo pré-teste seria aplicado ao grupo-controle. Já na segunda oficina do grupo experimental, os pesquisadores procuraram trabalhar as operações fundamentais: para o 4º ano, adição e subtração; para a turma do 5º ano, multiplicação e divisão. Para tanto, os alunos, divididos em grupos, tiveram antes que montar um “robô-mosquito” (feito a partir de materiais recicláveis e que continha um circuito com uma bateria de celular e o motor de um carrinho) para ser utilizado na próxima etapa do jogo.

Em seguida, os pesquisadores colocaram, no chão, copos descartáveis e garrafas pets cortadas, nos quais estavam escritos números de 1 a 100. Na dinâmica, o robô-mosquito era postado entre esses materiais e ligado, tendo um minuto para se movimentar. À medida que o robô encostava-se em um obstáculo, era computado o número inscrito nesse objeto, e os alunos jogavam um dado (que tinha os sinais de adição, subtração, multiplicação e divisão) para definir qual operação matemática seria efetuada. Dessa forma, surgiam as expressões que seriam resolvidas pelos alunos na lousa. Por exemplo: se o robô tocasse nos números 30, 5 e 8, e os dados jogados pelos alunos de um dos grupos tivessem caído, respectivamente, nos sinais de adição (+), subtração (-) e adição (+), então a expressão ficaria assim: +30-5+8, apresentando o resultado de 33. Para reforçar o caráter lúdico da atividade, havia, no dado, além dos sinais das expressões matemáticas, uma “careta”, que, caso fosse sorteada por um aluno, indicaria que ele teria de pagar uma “prenda”. Procedimento parecido ocorreu na terceira oficina, sendo que, desta vez, os alunos movimentaram um carrinho de controle remoto em um tabuleiro, cujas casas eram numeradas. Assim, os estudantes tinham que realizar operações (definidas novamente com um dado) com os números das casas percorridas pelo carrinho.

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Uso de materiais manipuláveis aumenta as chances de se conseguir um forte envolvimento das crianças, mantendo-as ligadas e atentas ao que realizam

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A partir do uso de materiais manipuláveis e de atividades lúdicas, alunos resolveram cálculos

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Jogos educativosA quarta oficina contemplou o uso de jogos educativos para aperfeiçoar o aprendizado de matemática. O 5º ano, por exemplo, participou do “bingo das operações”, em que os alunos tinham de resolver contas em cada casa da cartela, transcrevendo, no verso, os resultados – que então se transformavam nos números que participariam do bingo. O 4º B, por sua vez, foi apresentado a um jogo da velha em que cada casa continha uma conta a ser resolvida. Para ter o direito de colocar sua peça no espaço escolhido, o estudante teria que acertar o cálculo. O xadrez, conhecido por desenvolver várias habilidades, como concentração, julgamento, planejamento e imaginação, entre outras, também foi praticado pelos alunos. No jogo de cartas, por meio do baralho, os estudantes utilizaram os números para treinar operações de adição e subtração. Por fim, para trabalhar as formas geométricas, os pesquisadores levaram peças de tangram de diferentes tamanhos para que as crianças exercitassem a criatividade e a curiosidade, montando figuras como casas, pessoas etc. “Com o tempo, observamos que os alunos estavam bastante envolvidos com essa atividade. Ao final da oficina, eles haviam montado vários tipos de figuras”, afirmaram os pesquisadores. Na quinta oficina, foram utilizados materiais recicláveis com ênfase na geometria. Com o uso de caixas de leite e de fósforo, por exemplo, os alunos fizeram protótipos de robôs. Como parte da montagem, os pesquisadores pediram aos estudantes que medissem as formas geométricas para calcular o tamanho do objeto que criariam. Em outro momento da atividade, os alunos elaboraram um robô movido por baterias recicláveis à base de suco de limão. O protótipo consistiu em um motor de controles de video game (trazidos pelos pesquisadores) acoplado a uma escova. Esse “robô-escovão” era ligado entre os obstáculos, que possuíam números inscritos. Assim, os estudantes anotavam a numeração e a forma geométrica do objeto que havia sido tocado pelo robô. Com esses dados, os pesquisadores formulavam contas (adição e subtração para o 4º ano, e multiplicação e divisão para o 5º ano) para serem resolvidas pelas crianças.

Grupo-controle e comparação Concomitantemente às oficinas com o grupo experimental, os pesquisadores realizaram aulas de reforço para os grupos-controle.

No primeiro encontro, os alunos fizeram o mesmo pré-teste aplicado ao experimental. Para as aulas seguintes de reforço do 4º ano controle, os pesquisadores elaboraram atividades que abordavam adição e subtração. Os alunos eram divididos em grupos, com o intuito de promover a socialização. Também eram passados exercícios para serem resolvidos em casa. Com os estudantes do 5º ano, foram trabalhadas formas geométricas e operações de multiplicação e divisão. Por fim, na sexta oficina, a atividade envolveu os grupos experimental e controle. Assim, foi aplicado um pós-teste, também com base na Prova Brasil e no SAEB, para as duas turmas do 5º ano e para as duas do 4º ano. “Queríamos comparar como os alunos estavam no começo das oficinas e como se saíram depois das oficinas com tudo o que nós trabalhamos com eles. Também comparamos as notas do bimestre anterior dos alunos com as notas do bimestre em análise. Ao término do teste, fizemos uma correção com comentários e sugestões nossas sobre a prova”, afirmam os pesquisadores.

Resultados Por meio de gráficos, os pesquisadores obtiveram alguns resultados a respeito da pesquisa. Em um desses gráficos, foram comparadas as provas do pré-teste com as do pós-teste dos alunos do 5º ano experimental, verificando que esse grupo obteve um crescimento de 3,4 pontos nas notas, ou seja, 1,17%, após a participação nas oficinas de matemática. Já o grupo controle do 5º ano obteve 2,5 pontos na média de suas duas provas, com 0,23% de acréscimo após as aulas de reforço em matemática. O segundo gráfico, seguindo a mesma metodologia de comparação, mostrou

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Jogos educativos, como o xadrez, conhecido por desenvolver habilidades como concentração e

planejamento, também foram usados na pesquisa para facilitar o aprendizado de matemática

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que o 4º ano experimental alcançou um crescimento de 3,0 pontos nas suas notas, ou 0,39%, após as oficinas de matemática, enquanto os estudantes do 4º ano controle obtiveram 2,4 pontos, ou seja, 0,55% de aumento em relação ao seu desempenho anterior.Segundo os pesquisadores, mais do que números, a efetividade dos materiais manipuláveis no ensino de matemática pôde ser constada nas reações dos estudantes. “Quando os alunos dos grupos experimentais viram os materiais manipuláveis sendo introduzidos nas aulas de matemática, eles ficaram maravilhados. Montar protótipos com materiais reciclados despertou nos alunos a curiosidade e o fascínio de querer aprender matemática usando essa nova metodologia que estávamos lhes ensinando”, exemplificam. Leonardo e Werlesson ainda realizaram uma pesquisa de campo com 100 alunos da escola E.M.E.F. Herbert José de Souza (incluindo os estudantes que participaram das oficinas e das aulas de reforço). Quando questionados sobre a ideia de trabalhar com materiais manipuláveis nas aulas de matemática, 98% responderam que achavam ótimo. A respeito das oficinas realizadas, 99% disseram que

elas contribuíram para o aprendizado. Para 89% dos estudantes, a relação entre o uso de materiais manipuláveis e o aprendizado de matemática nas aulas é ótima por motivar o aluno a aprender e estudar cada vez mais; 9% a consideraram boa, uma vez que incentiva uma maior participação dos alunos dentro da sala de aula; 2% a classificaram como regular, alegando que a metodologia utilizada apresenta-se inadequada para o aprendizado. “Pela carência das escolas no que se refere a recursos didáticos para o ensino de matemática, principalmente nessa área específica das operações fundamentais, acredita-se que os resultados do presente estudo serão de grande importância como suporte técnico para os professores. Os materiais didáticos formam a base da construção do conhecimento e possibilitam a contextualização da teoria vista em sala de aula com a realidade social. Observamos que os materiais manipuláveis propiciam aos alunos interação e socialização na sala de aula; autonomia e segurança; criatividade, responsabilidade e motivação, e a matemática torna-se mais harmoniosa”, concluem Werlesson e Leonardo.

Sobre os pesquisadoresDepois de apresentarem um seminário no Colégio Estadual Liceu Professor Francisco Oscar Rodrigues sobre o uso de materiais manipuláveis para o aprendizado escolar, Leonardo e Werlesson foram convidados pela professora Maria das Graças França Sales (que viria a ser a orientadora do projeto) a colocar a ideia em prática em uma escola pública. Assim surgiu o trabalho “Utilização de materiais manipuláveis como uma inovação que qualifica a aprendizagem em matemática”. Amplamente premiados (conquistaram, por exemplo, o primeiro lugar em Ciências Humanas por Grupo na Febrace 2013), seguem com o projeto, que tem, segundo eles, três aspectos principais: social (já que facilita o aprendizado de matemática), ambiental (materiais são feitos de elementos recicláveis) e econômico (materiais são de baixo custo).

Leonardo (à esq) e Werlesson (à dir) desenvolveram a pesquisa sob a orientação da

professora Maria das Graças França Sales

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Atualmente terminando a 3ª série do Ensino Médio, eles já começam a prestar vestibular. Werlesson, nadador nas horas vagas, pretende cursar Relações Internacionais. Já o músico Leonardo (toca violão, baixo e guitarra e tem uma banda com colegas de escola) quer estudar Engenharia Civil.

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O que você precisa para ser um jovem cientista de sucesso

Quando eu caminho pelos corredores da Intel ISEF ou da Mostratec, eu vejo pôsteres e estudantes de ciências, mas, mais importante, eu vejo o futuro. Jovens cientistas no Brasil e ao redor do mundo possuem a chave para resolver a multiplicidade de questões complexas com que nos deparamos. Fico constantemente surpresa com os trabalhos que alunos do Ensino Médio e mesmo do Ensino Fundamental II têm realizado. Há dois anos, Jack Andraka, então com 15 anos, venceu a Intel ISEF com uma solução simples e barata para a detecção do câncer de pâncreas. O que levou Jack a fazer essa pesquisa? Um grande amigo da família morrera de câncer no pâncreas. Neste ano, Eesha Khare, de 18 anos, ficou em segundo lugar na Intel ISEF com uma invenção que recarrega celulares em questão de minutos. O que motivou a pesquisa de Eesha? Ela estava cansada de ver a bateria de seu celular sempre descarregada.O que Jack e Eesha comprovam é que estudantes-pesquisadores têm a chave para importantes inovações. E eles mostram que para desenvolver ciência: •você não precisa de um doutorado•você não precisa de acesso a um laboratório sofisticado•você não precisa viver em uma cidade grande•você não precisa de supervisão constante

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What you need to be a successful young scientist

When I walk the floors of Intel ISEF or of Mostratec, I see science posters and science students, but more importantly I see the future. Young scientists in Brazil and around the world hold the key to solving the multitude of complex issues facing us globally.

I am constantly amazed at the work high school and even junior high school students are doing. Two years ago, 15-year-old Jack Andraka won Intel ISEF with a simple and inexpensive solution for detecting pancreatic cancer. What prompted Jack to research? A close family friend had died of pancreatic cancer. This year, 18-year-old Eesha Khare placed second at Intel ISEF with an invention that recharges cell phones in a matter of minutes. What prompted Eesha‘s research? She was tired of her cell phone battery always dying.

What Jack and Eesha prove is that student researchers hold the key to important innovations. And they prove that to create important science:

•you don’t need a doctoral degree

•you don’t need access to a sophisticated laboratory

•you don’t need to live in a big city

•you don’t need constant supervision

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O que você precisa para ser um jovem cientista de sucesso

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What you need to be a successful young scientist

Do que você precisa? Eu descobri que os estudantes-cientistas mais bem-sucedidos têm alguns traços em comum:

1) Paixão: o que vejo nas competições de ciências é que a paixão leva a descobertas surpreendentes. Assim, a primeira regra para todo estudante de ciências deve ser pesquisar algo por que é apaixonado. Os professores não devem determinar temas, e os pais não devem insistir em uma experiência específica. O estudante de ciências tem que agir de acordo com sua paixão. Ele aprende melhor quando estuda algo que é importante para si mesmo.

2) Curiosidade: o que, por que e como? Eu ouço estudantes fazendo constantemente essas três perguntas simples. Vejo estudantes questionando o status quo. Isso talvez ocorra porque eles são jovens, brilhantes e não têm medo de desafiar o que existe hoje.

3) Confiança: estudantes de ciência bem-sucedidos não deixam que dúvidas se transformem em obstáculos. Eles não têm medo de que algo não dê certo. Se uma coisa não funciona, eles tentam fazer outra. Eles têm confiança em si mesmos e acreditam na sua capacidade de realização.

4) Persistência: de modo geral, fazer ciência inovadora não é fácil. Eu conheci muitos estudantes que desenvolveram todo o seu projeto de ciências em 30 dias, mas não conheci muitos estudantes de sucesso que

What do you need? I have found that the most successful student scientists share similar traits:1) PassionWhat I see at science competitions is that passion leads to amazing discoveries. So the first rule for every science student should be to study something you are passionate about. Teachers shouldn’t assign topics; parents shouldn’t insist on a specific experiment. Science students should follow their passion. You learn best when you are studying something that is important to you.2) CuriosityWhat, why and how? I hear students constantly asking these three simple words. I see students questioning the status quo. Perhaps it is because they are young and bright that they are not afraid to challenge what exists today.3) ConfidenceSuccessful science students don’t let doubt get in the way. They aren’t afraid of failure. If one thing doesn’t work, they try something else. They believe in themselves and they believe they can do it4) TenacityGroundbreaking science usually isn’t easy. I have met many students who have done their entire science project in 30 days, but I haven’t met very many successful science students who completed their project that quickly. Sticking

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*Diretora da Intel ISEF e iniciativas STEM

finalizaram o seu projeto assim tão rápido. Ater-se ao desenvolvimento do projeto e insistir na busca de algo novo e diferente leva tempo. Se você seguiu a regra número 1 (paixão), o tempo vai passar bem rápido. 5) Habilidades comunicativas: você pode fazer um trabalho científico admirável, mas, se não souber explicá-lo, seu esforço terá sido em vão. As habilidades da escrita e da fala são, ambas, igualmente importantes. a. Caderno de pesquisa: registre seus esforços e experiências. Ainda que você escreva apenas algumas linhas de vez em quando, lembre-se de documentá-las. b. Pôster da pesquisa: jurados querem ver o que o aluno fez e o que aprendeu. Eu costumo ver nos pôsteres um excesso de informações. Faça um cartaz simples e direto. Procure deixá-lo atraente, tornando fácil sua leitura. Seu pôster deve conter os destaques do projeto; os detalhes estarão registrados no caderno de pesquisa. c. Comunicação verbal: falar para os jurados pode gerar inibições. Eu conheço muitos estudantes de ciências bem-sucedidos que se inscreveram, na própria escola, em cursos de teatro ou de oratória para ajudá-los na hora da apresentação do trabalho. Assim como os atores e atrizes precisam demonstrar presença no palco, os estudantes de ciências têm que demonstrar presença na frente dos jurados. Caso você tenha uma boa ideia, comece a trabalhar nela imediatamente, o mais rápido possível. Seja você o futuro. A ideia que você busca hoje poderá, amanhã, produzir uma mudança no mundo. Poderá levá-lo à Intel ISEF, onde você terá a oportunidade, que eu tive, de encontrar jovens cientistas tão incríveis como o Jack e a Eesha.

with it and continuing to try something new and different takes time. If you followed Rule #1 (passion) the time will fly by quickly.5) Communication skillsYou can do brilliant science, but if you can’t explain it, your efforts are wasted. Both written and verbal communication is important.a. Research Notebook: Document your experiments and efforts. Even if you just write a few lines some days, remember to document.b. Poster Board: Judges want to see what a student did and what they learned. Often I see trying to tell too much on their poster. Keep your poster simple and straightforward. Be sure it is appealing to the eye and easy to follow. Your Poster Board should contain the highlights; your research notebook will have the detailsc. Verbal: Talking to judges can be intimidating. I know many successful science students who have enrolled in their school’s drama or speech classes to help them at science fair judging time. Just as actors and actresses need stage presence, science students need judge presence. If you have a good idea, start working on it right away, as soon as you can. Be the future. The idea you pursue today could make a change in the World tomorrow. It could lead you to Intel ISEF where you can have the opportunity that I have had to meet amazing young scientists like Jack and Eesha.

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Ciência sob o olhar das crianças

Arrebatadora a fala de Wendy Hawkins (diretora executiva da Fundação Intel), intitulada “Let them be scientists” (vídeo disponível em http://www.ted.com/pages/intel_wendy_hawkins). Hawkins se refere às crianças e à capacidade que possuem de aprender a partir da sua curiosidade, de suas tentativas, de suas interações e experimentações com o mundo. Até chegar o tempo de ir à escola... Gradativamente, a cada ano escolar, o interesse pelas ciências vai diminuindo. E, à medida que se deixa de ser criança, também vão ficando para trás algumas das características mais importantes para o aprendizado, em especial para o aprendizado científico: a capacidade de observação, o entusiasmo, a alegria da descoberta das coisas e dos seres do mundo, da natureza e suas relações. De onde vêm os cientistas? O que os levou a escolher esse caminho? Hawkins faz referência à oportunidade de experimentar, de elaborar as próprias questões e obter as próprias respostas como alguns dos elementos comuns aos grandes pesquisadores do mundo. Trabalhar em um laboratório, visitar algum museu, participar de feiras de ciências. Eis algumas das oportunidades que funcionam como uma centelha a reacender as habilidades muitas vezes ocultadas – pela falta de uso – nas atividades escolares e cotidianas. O caminho, entretanto, não é livre de adversidades. “Nem sempre é tão poético. Por vezes, foi um tanto conturbado lidar com essa junção de pesquisar e, ao mesmo tempo, aprender a pesquisar.” Esse é o depoimento de Tamara Gedankien, jovem pesquisadora brasileira que integra o time dos que descobriram na escola sua vocação

para a pesquisa, participando de feiras de ciências, desenvolvendo projetos e, por fim, representando o nosso país pelo mundo afora – e sendo amplamente reconhecida. São os momentos de dificuldade e de “não poesia” que trazem a necessidade da presença do professor, dos colegas, da família. O enfrentamento e a superação dos problemas são aprendizados para além do método científico e dos conteúdos programáticos da escola. Aprende-se que a construção da ciência, ao mesmo tempo que é bela pelas descobertas que oferece, e metódica pela sua precisão, também é desafiadora, à medida que busca explorar caminhos ainda desconhecidos – portanto, incertos de resultado.Existe receita para que a pesquisa na escola funcione? Eis um questionamento importante. Particularmente, não acredito. Até porque receita traz uma ideia de algo pronto e finalizado, de caminho único. E pesquisar é justamente o contrário. Por mais que exija – e exige – um roteiro, um caminho e uma organização, a mola propulsora para a pesquisa pode estar em qualquer inquietação que o jovem tenha. Em qualquer problema identificado ou olhar diferente que seja lançado ao cotidiano. Manter o olhar atento, questionador e curioso de uma criança são elementos importantes, portanto. Ver a escola como espaço de criação de conhecimentos, de identidades, e não de mera repetição. Nesse sentido, valorizar o desenvolvimento dos alunos por meio de feiras, mostras e exposições cumpre o papel de estímulo à criação e continuidade de uma relação permanente com a forma pela qual as coisas são descobertas.

*Coordenador da 28ª Mostratec

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*André Luís Viegas

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Molécula mantém características “tronco” de células mesenquimais e pode ajudar na escolha de futuras terapias

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O conhecimento profundo dos mecanismos biológicos que determinam o destino das células é essencial para a criação e revolução de terapias celulares, permitindo desenvolver tratamentos mais eficazes, seguros, precisos e personalizados de acordo com as necessidades de cada paciente e diagnóstico. Foi pensando nisso que Laura Rudella Tonidandel e Isabella B. Pinheiro, estudantes do Colégio Dante Alighieri, desenvolveram o estudo “Modificação da capacidade tronco das células mesenquimais humanas: a relação da positividade da β-catenina com a proliferação e especialização celular”.

Dividido em duas partes (Isabella participou até o início da segunda etapa, uma vez que se mudou para a Alemanha em julho de 2012), o trabalho aponta que quanto maior a presença da molécula β-catenina, mais preservadas se mantêm as caraterísticas “tronco” de células mesenquimais. Essas células podem regular o sistema imunológico, sendo muito eficazes na prevenção da rejeição de órgãos transplantados e no tratamento de doenças autoimunes, como lúpus, esclerose múltipla, artrite reumatoide e diabetes mellitus tipo 1 – enfermidades que atingem, aproximadamente, de 15 a 20% da população mundial.

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Quando falam em características “tronco”, as pesquisadoras se referem à autorrenovação, à indiferenciação e ao potencial da célula para se transformar em outros tipos de célula. Já as células diferenciadas são especializadas em realizar determinada função.

Ideia inicial A princípio, a ideia das pesquisadoras foi estudar o motivo pelo qual, em laboratório, as células mesenquimais provenientes do mesmo tecido (gordura), mas de doadores diferentes, possuíam comportamentos distintos. A hipótese alentada pelas estudantes era a de que algumas características dos doadores podiam influenciar o desenvolvimento e a taxa de proliferação in vitro das células mesenquimais derivadas de tecido adiposo.Assim, o objetivo do trabalho era verificar se havia, efetivamente, essa correlação entre as características dos doadores de tecido adiposo (proveniente de lipoaspirações) e o desenvolvimento celular in vitro. Caso ela existisse, a caracterização dos doadores e da escolha inicial poderia melhorar a aplicação clínica.

No desenvolvimento da pesquisa, as estudantes criaram dois desenhos experimentais. Os procedimentos de acompanhamento e testes das células, bem como as devidas anotações dos dados referentes à tabela foram feitos no Laboratório de Imunologia do InCor (Instituto do Coração), sob orientação da bióloga e professora Carolina Lavini Ramos e supervisão da médica e pesquisadora Verônica Coelho. Uma segunda etapa consistiu na comparação e na análise das informações coletadas. Diante de inúmeros testes, as estudantes concluíram que há uma possível correlação entre o IMC (índice de massa corpórea) dos sujeitos de pesquisa do sexo feminino e a razão de células por ml de gordura (mulheres com um maior IMC poderiam fornecer um maior número de células mesenquimais por ml de gordura doado). O segundo resultado foi outra possível correlação entre o IMC dos sujeitos de pesquisa do sexo feminino e a taxa de desenvolvimento celular in vitro (quanto maior o IMC do sujeito de pesquisa, menor é a taxa de crescimento celular in vitro).Dessas conclusões, as pesquisadoras

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Segundo a pesquisa, conforme diminui a presença da molécula β-catenina, a célula vai perdendo suas características fundamentais de célula-tronco – a indiferenciação e autorrenovação

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tiraram a ideia para continuar o trabalho: compreender mecanismos celulares possivelmente ligados à diferenciação e à proliferação celular. Esse conhecimento poderia melhorar as terapias celulares com células-tronco mesenquimais, tornando-as mais rápidas e eficazes. As pesquisadoras atentaram para o fato de que a β-catenina já havia sido relacionada com a proliferação celular em estudos anteriores conduzidos com outros tipos celulares. Assim, consideraram que a porcentagem de positividade (presença) dessa proteína poderia explicar os distintos resultados observados quanto ao potencial proliferativo das AdMSC (células mesenquimais do tecido adiposo) provenientes de diferentes doadores. Com o ponto central do trabalho definido, as pesquisadoras realizaram ensaios de padronização para estabelecer as melhores condições para os testes. Nesse período, ocorreu a mudança de Isabella para a Alemanha, e Laura assumiu o trabalho todo. O primeiro procedimento que coube à estudante foi a metodologia de análise da positividade de β-catenina nas células com distintas capacidades proliferativas. A técnica aí aplicada foi a citometria de fluxo, que

permite a detecção de proteínas existentes na superfície ou no interior de cada célula por meio de reagentes marcados com um fluorófulo.Em seguida, Laura testou a hipótese segundo a qual as células mesenquimais de tecido adiposo com maior potencial proliferativo e menor intensidade de fluorescência da β-catenina estariam em estágios mais avançados de diferenciação, perdendo seu potencial tronco.Após a elaboração de gráficos e a realização de todas as análises necessárias, a pesquisadora observou que, quanto mais a célula proliferava, menos β-catenina fazia-se nela notar. Assim, a conclusão foi a de que há uma relação inversamente proporcional entre a proliferação celular e o nível de β-catenina. Mais do que isso, conforme a positividade para a molécula diminui, menos tronco a célula é, pois perde suas características fundamentais de célula-tronco – a indiferenciação e autorrenovação. Logo, pode-se dizer que a β-catenina deve estar envolvida nos mecanismos de proliferação e de manutenção das características tronco das células mesenquimais.

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As conclusões proporcionadas pela pesquisa de Laura podem melhorar as terapias celulares com células-tronco mesenquimais, tornando-as mais rápidas e eficazes

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Na Intel Isef 2013, Laura foi premiada com uma

bolsa de estudos da Arizona State University e US$ 2.500 para pesquisa

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Sobre a pesquisadoraA ciência para Laura Tonidandel vem de berço. Filha da bióloga Sandra Tonidandel, coordenadora do Departamento de Ciências da Natureza e Biologia e do programa Cientista Aprendiz do Colégio Dante Alighieri, a estudante cresceu em meio a projetos de pesquisa e feiras de ciências. “Eu via os alunos da minha mãe indo para feiras e tinha muita vontade de participar de uma”, diz. Laura tinha especial interesse por células-tronco e, ao assistir a uma palestra de Carolina Lavini, ex-aluna do Dante, sobre o assunto, foi convidada a visitar o laboratório. Lá, a estudante observou que algumas células mesenquimais provenientes de diferentes doadores proliferavam de uma forma diferente. “Quando sabemos quais os processos pelos quais as células adquirem os destinos específicos, fica mais seguro fazer a terapia celular. Então decidi fazer esta pesquisa”, explica.Sob a orientação de Carolina Lavini e a coorientação de Sandra Tonidandel , no início em parceria com Isabella Pinheiro, e depois independentemente, Laura descobriu um mecanismo dentro das células mesenquimais que controla a proliferação e a manutenção da capacidade tronco dessas células. De acordo com a pesquisadora, essa é a grande inovação do seu trabalho.

O esforço de Laura não demorou a ser reconhecido. Desde 2011, ela acumula uma lista notável de prêmios concedidos nas principais feiras de pré-iniciação científica, entre os quais se destacam: 1º lugar em Ciências da Saúde; 3º lugar em Rigor Científico; e Certificado American Society for In Vitro Biology na Febrace 2013; na Intel ISEF 2013, conquistou uma bolsa de estudos na Arizona State University e US$ 2.500 para pesquisa; e 1º lugar na Mostratec 2012 (categoria Biologia Celular e Molecular). Laura pretende seguir com o trabalho sobre células mesenquimais até o fim do Ensino Médio, em novembro de 2013. Em seguida, planeja se formar em Psicologia com ênfase em Neurociência.

Sobre sua pesquisa, Laura ressalta a importância que o trabalho pode ter para o futuro da ciência. “Essa descoberta serve como base para outros estudos. Dá para trabalhar com isso e descobrir várias outras coisas a respeito das células”, diz a estudante, que nos momentos de lazer gosta muito de ler, tocar violão, cantar e escrever músicas.

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Laura pretende se formar em Psicologia e trabalhar com Neurociência

Acervo pessoal da pesquisadora

Na prática, pensando-se em futuros tratamentos com as células mesenquimais, a β-catenina poderia se apresentar como um indicativo de quais seriam as melhores células-tronco para um tratamento adequado, isto é, quais seriam aquelas com maior potencial de indiferenciação e autorrenovação para regenerar tecidos danificados. “Esse tipo de conhecimento biológico proporciona um novo dado às ciências médicas e, portanto, pode gerar novas

terapias celulares ou revolucionar as terapias celulares baseadas em estudos com células mesenquimais, já que a compreensão dos mecanismos que interferem no destino das células é imprescindível para a aplicação clínica segura e eficaz dessas células. Isso aumenta as esperanças de melhora na qualidade de vida de muitos pacientes que dependem de terapias com células-tronco mesenquimais”, conclui a pesquisadora Laura Tonidandel.

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As propriedades de moléculas chamadas ciclodextrinas (CD) têm sido exploradas pela indústria farmacêutica com o objetivo de melhorar a eficiência de medicamentos para terapias. A intenção, mais precisamente, é aperfeiçoar a solubilidade, a estabilidade e a biodisponibilidade do fármaco no organismo. Esse composto de carboidrato pode ainda mascarar odores e sabores desagradáveis de certos medicamentos, além de reduzir e eliminar irritações gastrointestinais. Pensando nisso, as alunas Camila Bahia Soares e Nayara André Araújo, do curso técnico de Farmácia do Instituto Nacional de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), desenvolveram o trabalho de pré-iniciação científica “Preparação e avaliação de complexos de inclusão entre ciclodextrina e antifúngicos”, no qual propuseram estratégias para melhorar a solubilidade e estabilidade de fármacos antifúngicos.

As ciclodextrinas podem formar compostos chamados complexos de inclusão. Isso se dá devido à sua conformação estrutural, que se comporta como uma cavidade capaz de receber uma grande variedade de moléculas. A formulação desses complexos não é nenhuma novidade na indústria farmacêutica. No entanto, as alunas pretendiam fazer a preparação e caracterização físico-química da formação de complexos de inclusão entre ciclodextrinas (β-ciclodextrina e hidroxipropil-β-ciclodextrina) e fármacos antifúngicos já conhecidos no mercado, como tiabendazol, tioconazol, fluconazol e metronidazol.Mas qual é a finalidade de se formarem complexos entre fármacos e uma molécula como a ciclodextrina? Este açúcar possui uma estrutura molecular, como uma cápsula, que envolve os fármacos permitindo que alguns desses compostos, antes insolúveis,

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Complexos de inclusão entre ciclodextrina e antifúngicos melhoram eficiência de medicamentos

Por Carolina Lavini Ramos

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passem, com o complexo, a ter uma maior solubilidade na água, melhorando, assim, sua biodisponibilidade. Ficando mais solúveis, pode haver um aperfeiçoamento das características físicas e de compressão dos fármacos na forma de comprimido, o que melhora a estabilidade e a absorção, e propicia a diminuição de alguns efeitos colaterais, entre outras vantagens para o organismo.

Desenvolvimento da pesquisaAs alunas iniciaram o trabalho com a preparação de complexos de inclusão de fármacos antifúngicos em ciclodextrinas utilizando diferentes meios. Além disso, cada fármaco foi adicionado em excesso a várias concentrações de ciclodextrina. Após agitação e filtração, a concentração do fármaco foi determinada por espectofotometria (UV) para encontrar o melhor percentual de inclusão das amostras. As pesquisadoras constataram que a água se apresentou como o melhor meio para a obtenção dos complexos de inclusão, pois, além de dispensar o preparo de soluções, foi o meio em que os fármacos apresentaram melhor solubilidade. Na presença de beta-CD, ocorreu inicialmente um aumento da quantidade de tiabendazol

e, ao atingir o limite de solubilidade (acima de 80 mM de ciclodextrina), se deu a precipitação, diminuindo a concentração. Como para os demais fármacos testados não foi observado um padrão semelhante quando comparado ao tiabendazol, as alunas acreditam que a metodologia ainda deve ser otimizada.Dando sequência aos testes para avaliação da cinética de formação dos complexos, quantidades apropriadas do fármaco antifúngico tiabendazol (0,010 g) foram adicionadas a erlenmeyers contendo cerca de 0,240 g de hidroxipropil-β-ciclodextrina ou β-ciclodextrina. Após oito horas de agitação constante, a 37°C, as amostras foram filtradas e diluídas nos meios utilizados no ensaio até uma concentração adequada. Essas alíquotas foram analisadas por espectrofotometria de UV nos comprimentos de onda de absorção máxima em função do tempo. As pesquisadoras observaram que, tanto com as amostras diluídas no tampão quanto em água, houve um aumento dos valores de absorbância em função do tempo, tendendo a um equilíbrio após três horas de ensaio.As pesquisadoras, então, liofilizaram (ou seja, realizaram algo como se fosse uma desidratação) as soluções com os complexos

Na pesquisa, Camila e Nayara propuseram estratégias para melhorar a solubilidade e estabilidade de fármacos antifúngicos

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formados, a fim de obter o complexo na forma de pó para posterior caracterização e emprego nos ensaios de liberação.Essa caracterização do complexo de inclusão (fármaco:CD) liofilizado por infravermelho (FTRI) é importante, pois o deslocamento e a intensidade do pico de absorção no infravermelho do fármaco e da ciclodextrina pode fornecer informações sobre o complexo de inclusão formado. A análise mostrou que o método de escolha para a complexação do tiabendazol estava adequado, porém a simples mistura física é insuficiente para

a formação de complexos. Sendo assim, outras análises são importantes para a obtenção de resultados mais conclusivos.Posteriormente, os testes de liberação foram realizados em sistemas de dois compartimentos, separados por membranas de celulose e sem o uso de membrana, o que permite observar a liberação do fármaco na forma livre e na complexada. A cinética de liberação foi observada através do percentual de fármaco dissolvido em função do tempo. O ensaio de liberação possibilitou às pesquisadoras detectar que a ciclodextrina auxilia a solubilidade do fármaco. Ou seja, o percentual do tiobendazol dissolvido é maior na forma complexada do que na forma da matéria-prima pura.Assim, as alunas ainda pretendem avançar nas pesquisas, verificando se a ação antifúngica do fármaco complexado é alterada, além de analisar a estabilidade de uma formulação líquida ou sólida de forma que o complexo possa ser utilizado na terapêutica.As pesquisadoras esperam que o número de formulações contendo esse adjuvante se amplie, uma vez que a encapsulação de fármacos com ciclodextrinas já tem propiciado melhoras na biodisponibilidade de inúmeras formulações atualmente comercializadas.

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As propriedades de moléculas chamadas ciclodextrinas (CD) têm sido exploradas pela indústria farmacêutica com o objetivo de melhorar a eficiência de medicamentos para terapias

Acervo pessoal das pesquisadoras

As pesquisadoras seguem trabalhando no projeto: uma nova fase será iniciada para investigar o mecanismo de liberação do fármaco em um nível de membrana

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Sobre as pesquisadorasOrientadas pela profª. Vivian de Almeida Silva, as então alunas do curso técnico de Farmácia Camila e Nayara resolveram trabalhar a questão da solubilidade de fármacos em seu trabalho de pré-iniciação científica. “Existem diversos fármacos que são pouco solúveis em água, o que acaba comprometendo a sua biodisponibilidade e a sua eficácia”, explicam. Em outras palavras, substâncias ativas pouco solúveis comprometem a quantidade e a velocidade de sua absorção pelo organismo, afetando dessa forma o efeito desejado do fármaco.

Após receberem três congratulações na Febrace (uma Menção Honrosa na área de Ciências da Saúde e os prêmios das revistas InCiência e The Society for In Vitro Biology), as pesquisadoras resolveram avaliar a atividade in vitro dos complexos formados, com foco na área microbiológica, além de preparar novas formulações à base dos antifúngicos testados e das ciclodextrinas. Agora, uma nova fase será iniciada para investigar o mecanismo de liberação do fármaco em um nível de membrana. Enquanto

isso, Nayara cursa a faculdade de Farmácia na UFRJ, ao passo que Camila estuda para prestar Medicina. “Alguns pesquisadores já avaliaram a ligação de um dos fármacos que estudamos com a ciclodextrina, mas usamos técnicas diferentes, variáveis da ciclodextrina, e focamos na possibilidade de desenvolver uma nova formulação farmacêutica”, explicam as pesquisadoras. “A importância do nosso trabalho é otimizar formulações já existentes no mercado e até levar a novas formulações dos fármacos em estudo. Há a possibilidade de patente para as novas formulações e de colocá-las no mercado”, concluem.

Camila (à esq) estuda para prestar Medicina, enquanto Nayara (à dir) cursa a faculdade de Farmácia na UFRJ

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No fim de 2011, a região do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, passou por um racionamento de água. O acontecimento afetou diretamente Ágatha Lottermann Selbach e Desireé de Böer Velho, moradoras da região, e as levou a estudar um tema de dimensão mundial: a escassez de água potável. Assim, as então estudantes do curso técnico em Química da Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, em Novo Hamburgo, decidiram pesquisar a possibilidade de utilização da bactéria Pseudomonas stutzeri no processo de dessalinização da água do mar, tornando esse procedimento mais barato e acessível.Em meio à pesquisa sobre a escassez de água, Ágatha e Desireé perceberam que não se tratava apenas de um problema de cunho regional, mas sim planetário. “Estimativas indicam que, até 2025, 80% da população mundial sofrerá com sérias ameaças hídricas. Cientistas estimam que a única forma de evitar que falte água para a população é através de métodos que transformem água salgada em água doce. Em vista desses problemas, levantamos a hipótese de utilizar a microbiologia a nosso favor”, explicam as pesquisadoras.

Foi então que elas se depararam com uma reportagem sobre cientistas espanhóis que utilizaram a bactéria Pseudomonas stutzeri na redução da salinidade de afrescos de uma igreja. Surgiu, assim, a ideia de testar a eficácia do microrganismo no processo de dessalinização da água do mar, dando origem à pesquisa “Utilização da Pseudomonas stutzeri na redução do teor de cloretos da água do mar”. “Resolvemos pesquisar as condições ideais de atuação do microrganismo em um meio altamente salino, isolando-o a partir de um produto comercial (o aditivo químico Gorduraklin®). Estudamos seu comportamento em água do mar com diferentes concentrações de nutriente. Nessa etapa, determinamos as melhores condições e o tempo que a bactéria levaria para atuar (reduzir a salinidade) na água do mar. Depois de uma série de testes, verificamos que ela é eficiente e determinamos as melhores condições de atuação desse microrganismo. Feito isso, passamos para a elaboração do processo de dessalinização da água do mar, que envolve a destilação e a adição da Pseudomonas stutzeri”, resumem Ágatha e Desireé.

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Em busca de água potável: bactéria reduz custo de dessalinização

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Atualmente, o processo de dessalinização da água do mar tem um custo muito alto para o consumidor final; contudo, o uso da Pseudomonas stutzeri, bactéria de fácil obtenção e baixo custo, torna esse processo mais barato e acessível

Acervo pessoal das pesquisadoras

Alto custo da dessalinização atual e vantagens da Pseudomonas stutzeriDe modo geral, o processo de dessalinização da água do mar tem um custo muito alto para o consumidor final (segundo dados da pesquisa, está orçado em R$ 5,80 por m3 de água, enquanto que, de acordo com a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal [2012], o preço da água tratada de rios pode variar entre R$ 1,42 e R$ 1,89). O procedimento mais utilizado atualmente consiste em uma evaporação ou destilação da água, que reduz até certo ponto a salinidade, seguida pelo método de osmose reversa. O problema desse procedimento é que, além de possuir um preço elevado, a membrana semipermeável que retém as impurezas e o sal da água é extremamente poluente (devido ao fato de que, para cada litro de água desmineralizada, são produzidos 7 litros de água com altíssima salinidade, cujo descarte se torna problemático por não poder entrar em contato com o solo). Nesse aspecto, despontam as vantagens da utilização da P. stutzeri: fácil obtenção e baixo custo, visto que pode ser isolada a partir dos solos. Seu cultivo na água do mar é simples por necessitar de poucos nutrientes, bastando uma única molécula orgânica como fonte de carbono e nitrogênio para seu desenvolvimento. Na pesquisa, a redução do teor de cloretos da amostra foi determinada através do método argentimétrico de volumetria de precipitação, mais precisamente pelo método de Mohr. Além disso, também procurou-se averiguar a diminuição da salinidade pela medição da condutividade por meio de um condutivímetro. Para garantir a qualidade e confiabilidade do projeto, realizaram-se análises em triplicata.

“Para a inativação do microrganismo presente na água, testaram-se temperaturas de aquecimento diferentes: 70˚C e 90˚C. A intenção foi eliminar a bactéria com a menor temperatura possível para que não houvesse perda de água por evaporação e os custos do processo com energia fossem reduzidos. Depois de comprovada a eficiência do microrganismo, realizaram-se testes de qualidade da água, como cloretos, pH, condutividade elétrica e sólidos totais. Esse processo é simples e poderá ser utilizado em todo o mundo”, explicam as pesquisadoras.

MetodologiaApós recolherem amostras de água do mar em Tramandaí-RS, as pesquisadoras dedicaram-se ao processo de isolamento da P. stutzeri, feito a partir do produto comercial GorduraKlin®, disponível em redes de supermercados. Essa etapa englobou o sequenciamento do DNA da bactéria com a finalidade de comprovar que o microrganismo isolado era realmente a P. stutzeri. Na fase seguinte, as pesquisadoras começaram a cultivar a P. stutzeri na água do mar. Para isso, uma pequena quantidade do microrganismo foi transferida para o caldo Tryptic Soy Broth (TSB), onde ficou por 24 horas, período suficiente para promover o enriquecimento da amostra.Esse cultivo do microrganismo na água do mar só foi possível graças à utilização de água peptonada (solução 0,1% de peptona de caseína) estéril como diluente, que atuou como fonte de carbono e nitrogênio (energia) para o metabolismo das bactérias. A fim de padronizar a quantidade de bactérias que seria usada nas amostras (de forma que sempre o mesmo número de microrganismos fosse inoculado), realizou-se a padronização do grau de turbidez

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(propriedade física que identifica a presença de partículas em suspensão na água). Nesse teste, as pesquisadoras utilizaram a solução McFarland 0,5 em um método espectrofotométrico (método de análise óptico), ajustando a turbidez da solução que continha P. stutzeri ao padrão.

DiluiçõesCom o objetivo de testar a eficiência da bactéria em diferentes concentrações de nutrientes e diferentes períodos de incubação, três diluições foram feitas, investigando a existência de uma possível relação entre a quantidade de cloretos na amostra e a ação microbiológica. Os erlenmeyers, que continham água do mar nas concentrações 10%, 20% e 40%, foram incubados em estufa, a 35˚C, por dez dias. A partir do segundo teste, no qual o tempo de incubação foi reduzido para cinco dias, além das diluições estabelecidas no primeiro experimento, foi sistematizado um grupo-controle com solução de cloreto de sódio, cuja meta era identificar a possível interferência dos demais constituintes da água do mar na ação da bactéria. No terceiro teste, a bactéria foi incubada por sete dias em água do mar e solução de cloreto de sódio. Após esse período, as alíquotas foram filtradas, e o teor de cloretos e a condutividade das soluções restantes, determinados. As amostras foram armazenadas novamente em estufa a 35˚C até que se completassem os 14 dias de incubação. Em seguida, filtraram-se as alíquotas das concentrações que

obtiveram os resultados mais satisfatórios, transferindo-as para erlenmeyers limpos. “Os resultados indicaram que, nos três primeiros testes, a concentração de 10% com 10 dias de inoculação obteve o melhor resultado, favorecendo a atuação do microrganismo P. stutzeri na redução do teor de cloretos. Já nos dois últimos testes, a concentração de 10% com 14 dias de inoculação apresentou uma maior eficiência comparada com as outras”, dizem as pesquisadoras.As amostras permaneceram em estufa por dez dias, e as pesquisadoras verificaram a ação da P. stutzeri quando adicionada em duas etapas do processo. Um quarto teste ainda foi realizado com a incubação por dez dias de uma cepa de Pseudomonas.Após a incubação, todas as soluções estavam turvas devido à formação da biomassa, característica do desenvolvimento de microrganismos no meio. O primeiro tratamento garantido às amostras foi a filtração com utilização de membranas filtrantes de 0,45 µm e 0,2 µm, respectivamente. O filtrado obtido era estéril, livre de microrganismos e de qualquer sinal de turbidez ou coloração, visto que a massa microbiológica ficou retida nos filtros.

ResultadosConcluídos todos os testes, sabendo-se que a bactéria tem melhor atuação em meios com teor de cloretos inferior ao da água do mar original e não necessita de grandes quantidades de nutrientes, um novo procedimento foi elaborado, composto por destilação seguida de aplicação do microrganismo. Para esse procedimento, após cinco e dez dias da incubação, as pesquisadoras determinaram cloretos, condutividade elétrica, pH e sólidos totais da amostra de água do mar. Com a segunda adição de P. stutzeri, observou-se uma diminuição de salinidade significativa. Já com a destilação seguida de tratamento microbiológico, obteve-se quase 100% de redução do teor de cloretos, proporcionando uma água que atende aos padrões estabelecidos pela Portaria 2914 do Ministério da Saúde (segundo a qual, para águas de abastecimento à população é permitido 250 mg/L de cloretos; nas águas

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A ideia de utilizar a Pseudomonas stutzeri na pesquisa surgiu de uma reportagem sobre cientistas espanhóis que usaram a bactéria na redução da salinidade de afrescos de uma igreja

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Sobre as pesquisadorasAlunas da Fundação Liberato Salzano Vieira da Cunha, entidade que promove a Mostratec (Mostra Brasileira de Ciências e Tecnologia), uma das mais importantes do Brasil, Ágatha e Desireé sempre estiveram próximas da pesquisa científica. Assim, em 2011, quando viram a região onde moram passar por um racionamento de água, as estudantes procuraram usar a ciência para encontrar uma solução. Dessa forma, sob a orientação da profª. Carla Kereski Ruschel, desenvolveram um projeto voltado para a dessalinização da água do mar, a fim de torná-la potável. Propondo uma alternativa barata e acessível, as pesquisadoras foram premiadas com o primeiro lugar em Ciências Biológicas na Febrace (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia) e em Ciências na Genius Olympiad (nos EUA). Ágatha, agora estudante de Engenharia Química na Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), e Desireé, que cursa Estatística na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), seguem desenvolvendo a pesquisa. “Estamos fazendo melhorias no processo e simulando o que aconteceria em um nível industrial. Temos como objetivo determinar as etapas do processo industrial e enquadrar a água nos parâmetros de potabilidade estabelecidos pela Portaria 2914 do Ministério da Saúde. Há possibilidade de patenteá-lo e colocá-lo no mercado. Para isso estamos estudando e trabalhando no

potáveis com esta concentração de cloretos pode-se perceber certo sabor salino). Nesta etapa, ainda se verificou que as soluções de cloreto de sódio obtiveram resultados melhores que as soluções de água do mar. Isso pode ter acontecido por causa das concentrações de sais presentes na solução, que estavam em menor quantidade, visto que se encontravam dissolvidos apenas Na+ e Cl-.As pesquisadoras fizeram ainda uma tabela comparativa atestando que em todos os testes realizados ocorreu a redução da condutividade elétrica das soluções, que

varia em função da concentração dos sais dissolvidos nas próprias soluções.

ConclusãoAs pesquisadoras dizem ter confirmado a hipótese formulada no início do trabalho, visto que o microrganismo P. stutzeri foi eficiente na redução do teor de cloretos presentes na água do mar, promovendo a diminuição de salinidade. “É possível reduzir 99,02% do teor de cloretos e da salinidade da água do mar realizando-se uma destilação simples seguida de adição da bactéria, diminuindo o custo do processo existente”, explicam Ágatha e Desireé.

aperfeiçoamento do processo proposto”, explicam as pesquisadoras, destacando o impacto econômico e ambiental do trabalho. “A importância desse trabalho é que ele propõe um processo microbiológico de dessalinização da água do mar cerca de dez vezes mais barato do que o processo existente, e cujo resíduo gerado não afeta o meio ambiente, em contraste com a osmose reversa, que gera resíduos com altíssima salinidade que não podem ser descartados no solo.”

Ágatha, agora estudante de Engenharia Química na Unisinos, e Desireé, que cursa

Estatística na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), ainda trabalham no

projeto para determinar as etapas do processo em um nível industrial e enquadrar a água nos

parâmetros de potabilidade estabelecidos pela Portaria 2914 do Ministério da Saúde

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Em seu projeto de pré-iniciação científica, a dupla de alunas Jéssica Tamires Link e Maiara Winter, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense, em Rio do Sul-SC, buscou pesquisar novas possibilidades para a descontaminação da água. Em “Utilização de duas espécies de plantas em wetlands construídos para o tratamento de águas quimicamente contaminadas”, o objetivo das estudantes foi testar a eficácia de duas espécies de plantas macrófitas emergentes – a taboa (Typhia spp.) e o lírio-do-brejo (Hedychium coronarium) – na descontaminação de águas pelo uso de filtros em wetlands para posterior reutilização. Dessa forma, elas constataram um alto potencial do lírio-do-brejo para se atingir a meta de remover poluentes físicos, químicos e biológicos da água.Wetland é um ecossistema que fica parcialmente ou totalmente inundado durante épocas do ano. Como exemplo, podem-se citar pântanos, várzeas e manguezais. Existem também os wetlands construídos, como o projetado na presente pesquisa. Esses sistemas, por meio de

Lírio-do-brejo é utilizado para tratar águas contaminadas

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seus vegetais, proporcionam melhorias na qualidade da água, além de ajudarem a controlar a erosão. Essa estratégia já vem sendo estudada por outros grupos, mas a ideia de Jéssica e Maiara foi viabilizar um filtro mais eficiente e barato para o uso da população em geral. “O propósito em construir um filtro eficaz, de baixo custo, fácil instalação, manutenção e, principalmente, adaptável a diferentes realidades, é torná-lo uma alternativa de acesso a qualquer classe social, em qualquer residência ou localidade, possibilitando a reutilização de águas e a diminuição da poluição no ambiente natural”, explicam as estudantes.

A pesquisaPara atingirem todos os objetivos propostos no trabalho, as pesquisadoras construíram três filtros: um com taboa, outro com lírio-do-brejo (estes dois para identificarem aspectos como a capacidade de adaptação das plantas in loco e estabelecerem a quantidade de resíduos indesejáveis presentes na água antes e depois da filtragem) e um terceiro

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Lírio-do-brejo junto aos filtros (à esq), taboa (centro) e a visão geral dos filtros (dir)

filtro-controle (apenas com camadas de caco de telha, brita, terra e areia, sem plantas). Já para a avaliação da qualidade da água, as alunas estabeleceram comparações, nos processos de filtragem, entre diferentes parâmetros, como o de demanda bioquímica de oxigênio (DBO), o de demanda química de oxigênio (DQO), o de fósforo total (P-PO4), o de nitrogênio amoniacal (NH4-N), o de pH e o de coliformes totais – todas por meio de análises laboratoriais. No trabalho, as pesquisadoras abordaram especificamente o tratamento de águas cinza. Provenientes da lavagem de roupas, elas apresentam alta concentração de químicos devido aos sabões empregados, que contêm sódio, fosfato, boro, surfactantes, amônia e nitrogênio, podendo causar danos ambientais e à saúde se forem lançados no solo sem tratamento.Outro ponto destacado pelas estudantes diz respeito ao tipo de reuso recomendado para a pesquisa: o não potável. “O reuso não potável é dividido de acordo com sua finalidade, por exemplo, para fins agrícolas, industriais, domésticos, enquadrando-se as águas cinza nesse processo. A água de reuso do ponto de vista ambiental contribui para a diminuição da captação e a consequente redução nas vazões de lançamento de efluentes. Entretanto, para que possa ser utilizada, deve-se levar em conta a questão da saúde pública, existindo padrões para reuso definidos pela legislação sanitária e ambiental que devem ser seguidos. O tratamento de água para fins ‘potáveis’

é complexo e de custo elevado. Por isso, o reuso para fins não potáveis deve ser, preferencialmente, avaliado.”Na montagem do sistema de wetlands, as pesquisadoras optaram por utilizar plantas enraizadas (macrófitas emergentes) de fluxo descendente. As raízes dessas plantas oxigenam a água e transformam em nutrientes as substâncias suspensas e a matéria orgânica ali dissolvida. Isso porque, ao redor das raízes, formam-se colônias de bactérias que consumirão e transformarão a matéria orgânica, principalmente o nitrogênio e o fósforo. No processo, as raízes facilitam a absorção de várias substâncias que, quando retiradas, melhoram as condições de uso e de qualidade da água. Para a realização do trabalho, o wetland foi associado a camadas sobrepostas de pedriscos, brita, solo, casca de arroz, carvão e outros, formando os chamados sistemas de Despoluição Hídrica com Solos (DHS).

Construção dos filtros Entre agosto de 2010 e agosto de 2011, a montagem do experimento visou à reutilização de águas cinza provenientes de tanques e lavadoras de roupas de uma das residências do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense – Campus Rio do Sul. Definidos os tipos e tamanhos de filtros e os materiais necessários, além de como se daria a passagem dos canos, foram construídos os mecanismos do wetland. À caixa de saída

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das águas residuais da residência conectou-se um cano de PVC para a remoção da água de lavagem, distribuída uniformemente – cerca de 50 a 60 litros para cada um dos três filtros. Após a instalação dos canos, as pesquisadoras plantaram as espécies de macrófitas nos filtros (apenas o “controle” não recebeu nenhuma planta). A água filtrada foi recolhida atrás do filtro por meio da conexão do cano de PVC com uma mangueira, que, por sua vez, possuía uma torneira a fim de regular a saída do líquido. A partir de outubro de 2010, as águas cinza começaram a passar pelos filtros. Durante seis meses, as águas filtradas foram coletadas para realização das análises laboratoriais – de abril a agosto de 2011, as pesquisadoras fizeram cinco desses testes, seguindo intervalos médios de 20 dias. Para as duas últimas coletas, além dos parâmetros definidos no início da pesquisa – DBO, DQO, fósforo total (P-PO4), nitrogênio amoniacal (NH4-N), pH e coliformes totais –, as pesquisadoras também acrescentaram mais algumas variáveis para estudo da matéria orgânica: sólidos totais, sólidos suspensos e E.coli, a fim de encontrar respostas para o aumento de coliformes totais e conseguir um detalhamento maior dos resultados então avaliados.

ConclusõesPor meio de gráficos, considerando ainda médias, desvio padrão e coeficiente de variação entre os dois tratamentos (com lírio-do-brejo e com taboa), as pesquisadoras analisaram o desempenho dos wetlands.

Assim, observou-se uma maior eficiência do lírio-do-brejo para o tratamento de águas contaminadas. “Os objetivos [da pesquisa] foram totalmente atingidos. As análises realizadas demonstraram que o filtro construído com lírio-do-brejo obteve melhor eficiência na filtragem, observando-se os parâmetros definidos para a presente pesquisa. As concentrações de DBO e DQO reduziram em ambos os filtros. Aconteceu ainda a conversão significativa do nitrogênio amoniacal, sendo diminuído nos dois sistemas pesquisados. Os coliformes totais presentes na água aumentaram [o que ocorreu devido à interferência do clima; o predomínio de temperaturas médias baixas relacionadas à alta precipitação influenciou o metabolismo fotossintético das plantas, fato que diminuiu a absorção de nutrientes, disponibilizando esses nutrientes aos microorganismos e criando um ambiente propício à proliferação] nos sistemas com lírio-do-brejo e com taboa.

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Comparação entre a água antes (à esq) e depois do tratamento com lírio-do-brejo

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Na foto à esquerda, o processo de instalação dos filtros; ao lado, a torneira responsável pela saída da água tratada

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Sobre as pesquisadorasFoi na 1ª série do Ensino Médio, mais precisamente na disciplina de Iniciação Científica, que Jéssica e Maiara começaram a desenvolver a pesquisa sobre wetlands. Após obterem os primeiros resultados, as estudantes decidiram seguir com o trabalho. “Gostaríamos de criar um filtro eficiente, de baixo custo, fácil instalação e adaptação, para que um maior público pudesse aplicá-lo e utilizá-lo. O sistema de wetlands construídos se encaixou nessas características. Dessa forma, queríamos ver a potencialidade de duas espécies de plantas no tratamento de águas contaminadas com produtos químicos”, explicam. Orientadas pela professora Maria Amélia Pellizzetti (e auxiliadas por um coorientador, o professor Lauri João Marconatto), as estudantes atingiram o objetivo, demonstrando um alto potencial da planta lírio-do-brejo no tratamento de águas quimicamente contaminadas (águas cinza). Como reconhecimento pelo trabalho, receberam diversos prêmios e credenciamentos para feiras de ciências (entre eles, uma segunda colocação em Ciências Ambientais na 26ª Mostratec). Atualmente, Jéssica cursa Ciências Biológicas na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), enquanto Maiara estuda Engenharia

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Química na Faculdade Metropolitana de Guaramirim-SC. Com a ida das alunas para a faculdade, o projeto foi encerrado, mas elas devem permanecer na área científica, já que, mais que uma obrigação, pesquisar é uma diversão para as duas. “Além de leituras e prática de alguns esportes, gostamos de pesquisar alguns assuntos específicos, compreender mais a respeito, sua importância, seu histórico, o que vem sendo feito e o que se pode fazer a respeito de cada um deles”, afirmam.

Porém, houve a redução do pH após ambos os processos de filtragem”, explicam as pesquisadoras. “Quando, por fim, calculam-se as taxas de remoção, considerando a água cinza como padrão de entrada, fica nítida a atuação substancial do lírio-do-brejo na implementação dos sistemas wetlands construídos. Dessa forma, os resultados obtidos na presente pesquisa com relação à utilização do lírio-do-brejo em sistemas wetlands construídos passa a ser recomendada isoladamente ou em associação com outras espécies, como a própria taboa, buscando maior estabilidade temporal no sistema”, continuam. Segundo as estudantes Jéssica e Maiara, diante da eficiência apresentada, o sistema

Atualmente, Jéssica (à esq) cursa Ciências Biológicas na Universidade Federal de

Santa Catarina (UFSC), enquanto Maiara (de blusa azul) estuda Engenharia Química na

Faculdade Metropolitana de Guaramirim-SC

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pesquisado aparece como uma alternativa viável de baixo custo para o tratamento de água. “Com os dados obtidos pode-se afirmar que sistemas alternativos como esses, implantados com taboa ou com lírio-do-brejo, possuem alto potencial para o tratamento de águas cinza em ambientes onde não existam sistemas de captura e tratamento disponibilizado pelas empresas responsáveis por tais funções em cada município. A prática do uso de pequenos filtros com zona de raízes apresenta custo relativamente baixo para sua construção e manutenção, sendo essa alternativa de rápida instalação, considerada eficiente e de extrema adaptabilidade às diversas realidades. Para que o tratamento seja eficaz, aconselha-se a consorciação das espécies pesquisadas”, concluem.

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Os danos causados pelos agrotóxicos à saúde geram, há muito tempo, diversos questionamentos a respeito de seu custo -benefício no combate a pragas. Em busca de alternativas ao uso desses produtos, Guilherme de Araújo Pelissári, Leonardo Gomes Dellaroza e Paulo Henrique Giuzio, então estudantes do Colégio Interativa, de Londrina-PR, se interessaram pelo ramo do controle biológico, que se utiliza de agentes naturais para defender plantações. Assim, desenvolveram o projeto “Controle biológico da Spodoptera frugiperda e Anticarsia gemmatalis a partir de extratos vegetais”. Nesse trabalho, testaram a eficiência do extrato do vegetal comigo-ninguém-pode (Dieffenbachia picta Schott) para diminuir as pragas nas plantações de milho e de soja.A relevância do trabalho consiste em utilizar no combate a pragas um extrato vegetal que não ofereça riscos à saúde e ao meio ambiente e que tenha um custo menor do que os agrotóxicos costumeiramente utilizados.

De acordo com o Ministério da Saúde, em 2011, o Brasil apresentou 8 mil casos de intoxicação por agrotóxico. No relatório da pesquisa, porém, os estudantes destacam que as estatísticas oficiais ainda estão distantes da realidade e, provavelmente, esse número é muito maior. “A maioria dos trabalhadores que tem intoxicação leve não procura o serviço de saúde com a queixa de exposição ao agrotóxico, mas só com a queixa do sintoma clínico”, afirmam. A contaminação por agrotóxicos pode se dar pelo contato direto com produtos altamente tóxicos, exposição que traz consequências imediatas e põe em risco a vida do indivíduo. Não menos prejudicial é a geração de problemas crônicos determinados pelo contato direto ou indireto com produtos muitas vezes de baixa toxicidade aguda, mas por tempo prolongado. Dessa forma, aplicadores dos produtos, pessoas que moram próximas das plantações e consumidores dos alimentos contaminados

Pesquisa testa eficiência do extrato do vegetal comigo-ninguém-pode no combate a pragas

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estão sujeitos aos males dos defensivos agrícolas, podendo, por isso, apresentar problemas respiratórios, como bronquite, desenvolver complicações gastrointestinais e manifestar, diante de substâncias organofosforadas e organocloradas, distúr-bios musculares tais como debilidade motora e fraqueza. Na pesquisa, Guilherme, Leonardo e Paulo Henrique deram atenção especial a dois tipos de praga: a Spodoptera frugiperda (a lagarta-do-cartucho, que ataca o milho) e a Anticarsia gemmatalis (a lagarta-da-soja). “Portanto, com todos os motivos e problemas ocasionados pelo descaso com a utilização de agrotóxicos, e os prejuízos causados por tais ‘pragas’ às culturas de milho e soja, a presente pesquisa tem como objetivo criar um método para diminuir as pragas nas plantações de milho e de soja”, definiram os pesquisadores.

Desenvolvimento da pesquisaA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) cedeu as lagartas das espécies Spodoptera frugiperda e Anticarsia gemmatalis para as análises, realizadas no laboratório do Colégio Interativa, em Londrina. Para a elaboração dos testes de controle biológico, foram utilizados extratos vegetais de cinco diferentes plantas: “comigo-ninguém-pode” (Dieffenbachia picta Schott); “espada de São Jorge” (Sansevieria trifasciata); “santa-bárbara” (Manihot utilíssima pohl); “primavera” (Bouganvillea sp.) e “fumo” (Nicotina tabacum).

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Os pesquisadores afirmam que os extratos de comigo-ninguém-pode se mostram eficientes no combate às lagartas S. frugiperda e A. gemmatalis

Para a realização dos testes de mortalidade dos animais,

utilizaram-se baterias montadas em placas de petri com o fundo

recoberto por papel-filtro

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Os extratos foram inicialmente preparados com 100 ml de água, 25 ml de álcool e 23 gramas de cada planta. Todos os extratos foram borrifados na alimentação das lagartas e fornecidos a elas. Para a realização dos testes de mortalidade dos animais, utilizaram-se baterias montadas em placas de petri com o fundo recoberto por papel-filtro. Em cada uma das placas eram colocadas uma lagarta e uma porção de 5 gramas de alimento borrifados com os extratos. Todas as baterias foram feitas em replicata, contendo dez indivíduos no total – um por placa. A título de comparação com as condições naturais, também se fez um teste de controle, com dez indivíduos, em que o alimento oferecido não era exposto ao extrato.

Análise dos experimentos Com os experimentos montados, verificou-se a mortalidade das lagartas durante quatro dias, computando 96 horas de exposição a cada um dos extratos. O de comigo-ninguém-pode se mostrou o mais eficiente (com 25 g de planta, 100 ml de água e 25 ml de álcool, houve, em 96 horas, 100% de mortalidade). O passo seguinte foi testar a capacidade de extermínio das pragas com diferentes concentrações do extrato. Somente com o extrato de comigo-ninguém-pode e água como solvente (100 ml), a concentração de 25 g do vegetal se mostrou eficiente por apresentar uma mortalidade acima de 50% após 96 horas. Assim, os pesquisadores concluíram que os extratos de comigo-ninguém-pode parecem ser eficientes no combate às lagartas S. frugiperda e A. gemmatalis.

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Contudo, na época em que o projeto recebeu o prêmio da revista InCiência, na Febrace 2012, ainda restava uma dúvida sobre até que ponto o álcool contribuía para a mortalidade das pragas – visto que o grupo -controle também apresentou uma elevada taxa de mortalidade. Segundo os pesquisadores, essa situação ocorreu porque, nos testes anteriores, foram utilizadas lagartas muito novas, que se mostraram menos resistentes ao álcool. Porém, são as lagartas em ínstares mais avançados que atacam as plantações estudadas na pesquisa.Guilherme Pelissári, um dos pesquisadores, conta que após a Febrace, eles realizaram um teste de eficiência com lagartas mais velhas, por meio de duas baterias: uma com álcool puro, e outra com o princípio ativo da planta. O objetivo foi verificar se era o princípio ativo – e não o álcool – o responsável pela mortalidade das lagartas. “Na bateria com álcool puro, não houve morte de lagartas. Logo, concluímos que o responsável pela mortalidade da praga era realmente o princípio ativo da comigo-ninguém-pode”, explica Guilherme Pelissári. Os três pesquisadores deixaram o Colégio Interativa e agora cursam a 3ª série do Ensino Médio no Colégio Universitário. Lá, seguem com a pesquisa. “Todos os testes de laboratório foram finalizados. Agora, vamos fazer os testes de campo para ver a eficiência da aplicação do extrato em larga escala”, afirma Guilherme.

Agora, os estudantes vão realizar os testes de campo para verificar a eficiência da aplicação do extrato em larga escala

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A ideia para a pesquisa “Controle biológico da Spodoptera frugiperda e Anticarsia gemmatalis a partir de extratos vegetais” surgiu do convívio de Guilherme Pelissári com o meio da produção rural. “Há uns quatro anos, 60% da produção de milho da fazendo do meu avô foi prejudicada pela lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda). Depois que meu avô me falou sobre o assunto, conversei com o Leonardo e com o Paulo (seus colegas de escola), e surgiu a ideia de fazer um trabalho de pré-iniciação científica que abordasse o uso de substâncias naturais para combater as pragas. Assim, começamos a escolher as plantas que utilizaríamos na pesquisa”, diz Guilherme.Com a pesquisa avançada – como dito, já concluíram os testes de laboratório e agora farão trabalhos de campo – os estudantes pretendem patentear o extrato de comigo-ninguém-pode para o combate a pragas do milho e da soja. “O processo de patente já foi iniciado para os testes de laboratório. Agora, estamos esperando a realização dos testes de campo no verão”, explicam os estudantes.

Sobre os pesquisadoresAlém do prêmio da revista InCiência, o projeto, orientado pelo professor Murillo Bernardi Rodrigues, foi agraciado com o segundo lugar em Ciências Agrárias na Febrace (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia) e com o prêmio Inovação na VII Mostra de Ciências da Universidade do Norte do Paraná (UNOPAR), em 2010.“Desde o início, queríamos fazer um trabalho que ajudasse a resolver problemas da sociedade. Acreditamos que o projeto levará benefícios a todos. O uso do produto natural para combater pragas, além de não prejudicar o meio ambiente, vai diminuir o custo do produtor e o preço do alimento, o que também ajuda o consumidor”, afirmam os pesquisadores, que, ao mesmo tempo que realizam um trabalho de relevância para a sociedade, já dão passos nas suas áreas de interesse profissional: Guilherme pretende cursar Zootecnia, Leonardo, Agronomia, e Paulo, Engenharia Elétrica ou Economia.

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Guilherme, Paulo e Leonardo conquistaram o segundo lugar em

Ciências Agrárias na Febrace 2012

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A ideia de tornar o alimento orgânico mais barato e, consequentemente, mais acessível à população norteou o projeto de pré-iniciação científica de Luciana Mayara Mendonça de Almeida, Luana Mayara Silva de Oliveira e Gleice Kelly Feitosa Soares, estudantes do curso técnico de edificações do Instituto Federal de Alagoas (IFAL) - campus Palmeira dos Índios (PIn). Para atingirem o objetivo, em “Alimentos orgânicos e de baixo custo: a utilização do muçambê como planta atrativa no controle biológico da praga-da-couve”, as alunas procuraram uma forma de livrar a couve da ameaça das lagartas Ascia monuste orseis utilizando o muçambê (Cleome spinosa) como atrativo para a praga-da-couve.O trabalho das pesquisadoras consistiu em confirmar a preferência da praga-da-couve pelo muçambê em detrimento da couve e propor um controle biológico para a praga. Dessa forma, os dois vegetais poderiam ser

plantados proximamente (o muçambê como vegetação de bordadura, ou seja, ao redor do cultivo de couve).Assim, a lagarta se dirigiria ao muçambê, que, nesse caso, ao contrário da couve, não é uma cultura de interesse econômico. A hipótese considerada pelas estudantes foi a de que não seria necessário o uso de agrotóxicos para proteger a couve em seu cultivo, tornando, por tabela, o alimento orgânico mais saudável, barato e acessível à população. “O muçambê é uma planta muito abundante na região de caatinga no Brasil. Devido a essa abundância, justificou-se o estudo de sua utilização como planta atrativa de A. monuste, abrindo a possibilidade de realização do manejo dessa cultura, seja como plantio associado ou pela confecção de armadilhas, utilizando-se extratos vegetais da planta de modo a controlar a praga-da-

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Defensivo agrícola natural atrai praga-da-couve e barateia alimento orgânico

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couve”, explicaram as pesquisadoras no relatório do projeto. Além de confirmarem a preferência alimentar da Ascia monuste pelo muçambê, as estudantes também estabeleceram como objetivo da pesquisa verificar o comportamento de oviposição dos adultos (borboletas), investigando sua preferência pela planta hospedeira para os ovos da espécie.

PesquisaAs estudantes realizaram os experimentos do trabalho no Laboratório de Análise e Pesquisa em Desenvolvimento Ambiental – LAPDA. No terreno localizado ao lado (o laboratório fica no Instituto Federal de Alagoas – IFAL, campus Palmeira dos Índios), elas cultivaram uma horta de couve a fim de garantir que os alimentos das lagartas fossem totalmente livres de agrotóxicos e que a análise da oviposição fosse desenvolvida. O lugar era iluminado, arejado e próximo ao laboratório, facilitando assim as observações. As sementes de couve foram compradas no comércio local e plantadas na leira, enquanto o muçambê foi cultivado nas extremidades do canteiro.Coletados em plantas de muçambê na micro-região de Palmeira dos Índios, os ovos de Ascia monuste foram acondicionados em beckers de vidro (500 ml), forrados com papel absorvente umedecido com água destilada, sendo observados diariamente.

Após a eclosão (abertura natural do ovo), as larvas foram inseridas individualmente em beckers de vidro de 50 ml, facilitando com isso a visualização das ocorrências diárias e evitando o canibalismo.No interior de cada becker, foi colocada uma folha de couve ou de muçambê – escolha feita de acordo com a planta onde os ovos haviam sido encontrados – sobre o papel absorvente umedecido com água destilada para preservar a turgidez do alimento, uma vez que as lagartas são muito sensíveis, principalmente nos primeiros ínstares (estágios larvais). Com a segunda ecdise (troca de exoesqueleto) e o início do terceiro ínstar, as pesquisadoras transferiram as larvas para beckers de vidro maiores, com capacidade de 100 ml.

Teste de preferência alimentarPara a realização do teste de preferência alimentar, as lagartas de 1º ínstar passaram por privação de comida por aproximadamente 12 horas. Em seguida, foram colocadas individualmente no centro de beckers de 10 cm de diâmetro, tendo, de um lado, folhas de muçambê, e, do outro, folhas de couve. Assim, em 30 minutos, as pesquisadoras analisaram o deslocamento e a alimentação das lagartas (ou seja, se optaram pelo muçambê ou pela couve). Conduzidas

individualmente a beckers, elas foram alimentadas com a comida de sua preferência no teste. Na ocasião em que as lagartas atingiram o 4º instar, os testes foram repetidos, porém, desta vez, em bandejas plásticas. O alimento foi instalado nas extremidades opostas (de um lado, muçambê, e, de outro, couve). Já na fase adulta, parte das borboletas foi agregada à coleção entomológica do Instituto Federal de Alagoas - campus Palmeira dos Índios, enquanto o restante foi solto.

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Ovos de Ascia Monuste em uma folha de muçambê

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Oviposição e resultadosDas 34 lagartas de 1º ínstar que foram submetidas ao teste inicial, 26 (76,47%) optaram por se alimentar de muçambê, enquanto oito (23,53%) escolheram a couve. Quatro lagartas morreram antes de atingir o 4º ínstar. Assim, das 30 restantes, 25 (83,33%) se alimentaram de muçambê, enquanto apenas cinco (16,67%) optaram pela couve. A sobrevivência média ao final dos testes foi de 88,24%.“Nos dois períodos de desenvolvimento, pôde-se observar que as lagartas A. monuste preferiram alimentar-se de muçambê (planta nativa) em vez de couve (planta cultivada)”, afirmaram as pesquisadoras. A preferência pelo muçambê também foi verificada quanto à oviposição. Foram observadas, no período de agosto a outubro de 2012, dez posturas, das quais oito no muçambê, totalizando 312 ovos (férteis), e duas na couve, somando 85 ovos, porém, apenas uma postura fértil (45 ovos).

As pesquisadoras explicaram que os cultivares são atacados apenas pelas lagartas, que consomem o vegetal, sendo que a borboleta tem o papel de polinizar e pôr seus ovos. Entretanto, é fundamental saber em que local a borboleta prefere pôr seus ovos – por isso, foi realizado o teste de oviposição. “Não adiantaria a lagarta preferir alimentar-se de muçambê, mas a borboleta preferir pôr seus ovos em couve, pois, desse modo, ao nascerem em couve, as lagartas iriam comer couve. Por esse motivo, fizemos uma análise diária em nossa horta e constatamos que tanto a lagarta quanto a borboleta preferem o muçambê. Sem esse resultado, não estaria comprovada cientificamente a eficácia do muçambê como planta atrativa de A.monuste”, explicou Luciana Mendonça. Diante desses dados, ao final do trabalho, as pesquisadoras apresentaram a seguinte conclusão. “Pode-se concluir que as lagartas A. monuste preferem se alimentar de muçambê em detrimento à couve, em laboratório. Também foi possível concluir que os adultos preferem depositar seus ovos em plantas de muçambê, sendo assim viável o uso de plantas atrativas como forma de substituição aos agrotóxicos”, afirmaram, especificando também os efeitos práticos da constatação. “A confirmação dessa preferência em laboratório é um grande passo para o estabelecimento de parcerias com os produtores locais, o que trará um grande impacto para a economia local, principalmente para os pequenos produtores, que não dispõem de muitos recursos no controle de pragas em suas plantações. Esses resultados são um

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Na pesquisa, também se confirmou a preferência dos adultos da Ascia Monuste em depositar

seus ovos em plantas de muçambê

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Pesquisadores cultivaram uma horta de couve a fim de garantir que os alimentos das lagartas fossem totalmente livres de agrotóxicos e que a análise da oviposição fosse desenvolvida

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Sobre as pesquisadorasMesmo sendo estudantes do curso técnico de edificações – construção civil (integrado ao Ensino Médio), Luciana, Luana e Gleice resolveram fazer um trabalho de pré-iniciação científica na área ambiental. Tudo começou quando, incentivadas pela professora de Biologia Sheyla Ferreira Lima Coelho (que, juntamente com o professor Abel Coelho da Silva Neto, viria a orientar a pesquisa das alunas), elas passaram a estudar os insetos, seu comportamento, seu nicho, além de coletá-los e identificá-los a fim de formar a coleção entomológica do Instituto Federal de Alagoas (IFAL) - campus Palmeira dos Índios (PIn).

“O grupo coletava insetos vivos e também ovos. Em uma de nossas coletas, encontramos ovos de Ascia monuste. Para nossa surpresa, enquanto estudávamos, descobrimos que ela é praga-chave da couve. Nós encontramos os ovos em folhas de muçambê, planta bastante comum em nossa região. Foi a partir desse momento que começamos a pesquisar sobre essas plantas e a relação com essa espécie de borboleta”, explicam.

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incentivo à agricultura orgânica, fornecendo à população alimentos de baixo custo e livres de agrotóxicos, pois o muçambê é uma planta comumente encontrada na região trabalhada, além de despertar na população o desejo de preservação de seu ambiente, e de criar uma nova concepção acerca das interações inseto-planta.”

Apresentado pela primeira vez na Febrace 2013, o trabalho foi congratulado com o prêmio da revista InCiência. Entretanto, como as alunas estão em fase de conclusão do curso técnico de edificações, precisando cumprir estágio obrigatório, a pesquisa foi interrompida desde então.

Porém, Luciana, que pretende cursar Ciências Biológicas, tem planos de retomar o trabalho. “Certamente o trabalho avançará em outro momento. Pode ser com a inserção de novos pesquisadores, ou se eu tiver a oportunidade de continuá-lo quando estiver em um curso superior”, afirmou. Já Luana quer estudar Arquitetura ou Engenharia Civil, enquanto Gleice se interessa pelo curso de Psicologia.

Durante os experimentos, os ovos e as larvas foram colocados em beckers para serem melhor observados

Acervo pessoal das pesquisadoras

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Mesmo sendo estudantes do curso técnico de edificações,

Luana, Luciana e Gleice resolveram fazer um trabalho

de pré-iniciação científica na área ambiental

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O revestimento com cera de abelha e o armazenamento refrigerado configuram uma alternativa eficiente para prolongar a vida útil pós-colheita de frutos como banana, goiaba e mamão. Essa foi a conclusão obtida por Antonio Torres Geracino, Francisco Jociel de F. Fernandes e Huguenberg de Oliveira Santos, alunos da Escola Estadual Profª Maria Zenilda Gama Torres, de Apodi-RN, no trabalho de pré-iniciação científica “Uso de cera de abelha no revestimento de frutos”. Frutas de origem tropical, a banana, a goiaba e o mamão têm intensa atividade metabólica, o que as torna altamente perecíveis. Assim, é necessário o uso de algumas técnicas para retardar seu amadurecimento.

Cera de abelha é usada para prolongar vida útil de frutas pós-colheita

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Entre as alternativas existentes, os pesquisadores destacam que o uso da cera de abelha tem sido pouco estudado. Dessa forma, o trabalho dos estudantes de Apodi buscou avaliar o efeito da utilização de cera de abelhas como revestimento para o prolongamento da vida útil pós-colheita da banana, da goiaba e do mamão. Desde o princípio do projeto, os pesquisadores já sabiam da existência de duas “contraindicações” no uso da cera de abelha: seu alto custo e os resíduos que pode deixar na fruta. Porém, eles pensaram em formas de amenizar esses fatores negativos. “Para compensar, continuaremos pesquisando uma forma de deixar o

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revestimento mais fino, diminuindo, assim, o custo. Já o resíduo pode ser tirado com água facilmente”, explicam.

A pesquisaPara desenvolver o trabalho, os estudantes avaliaram as frutas revestidas e não revestidas de cera de abelha, além de testá-las sob temperatura ambiente e de refrigeração, a fim de realizar uma comparação ao final do procedimento. A uma quantia de 60 g de cera bruta de abelha, os pesquisadores adicionaram 440 ml de água destilada e 0,5% de óleo de coco saponificado – este último elemento foi aplicado para quebrar a tensão superficial e facilitar a mistura dos componentes. O passo seguinte consistiu em agitar e aquecer a solução a uma temperatura de 100oC por dez minutos, com o auxílio de um aquecedor-agitador.Após esse período, os frutos foram imersos na mesma solução quando esta apresentava 50oC. Depois, os pesquisadores colocaram os alimentos em bandejas de isopor para secar em temperatura ambiente e os armazenaram.

Frutas de origem tropical, a banana, a goiaba e o mamão têm intensa atividade metabólica, o que as torna altamente perecíveis, exigindo o uso de algumas técnicas para retardar seu amadurecimento

Critérios de avaliação Os estudantes adotaram os seguintes parâmetros para realizar a avaliação dos frutos: aparência externa, coloração da casca e perda de massa. Para a aparência externa, foi determinada uma escala de notas de 1 a 5, de acordo com a parcela do fruto que se encontrava afetada (estragada) – o que poderia ser constatado por incidências de manchas, infecção por fungo, enrugamento, danos como cortes ou pancadas, e podridão. Nessa mesma linha de verificação, o quesito coloração recebeu avaliação de 1 a 7 para a banana e de 0 a 5 para a goiaba e o mamão (ambas as análises foram feitas com base na graduação das evidências das tonalidades verde e amarela no alimento – quanto menor o número, mais verde estaria o fruto). Com o uso de uma balança semianalítica, os pesquisadores determinaram a massa do fruto dividindo a diferença do peso inicial e final pelo peso inicial, e multiplicando o quociente encontrado por 100, com o resultado expresso em porcentagem (%).

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Acervo pessoal dos pesquisadores

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ResultadosA coloração da casca da banana apresentou melhores resultados quando revestida de cera em ambos os tipos de armazenamento, sendo, porém, mais eficaz a conservação para os frutos colocados na geladeira. Tal quadro, sugerem os pesquisadores, se deu devido à cera reduzir as trocas de gases com o meio ambiente, o que retarda o amadurecimento do fruto (fator que é expresso principalmente por sua mudança de coloração). Situação semelhante ocorreu com os outros critérios de análise, uma vez que as bananas revestidas de cera e colocadas na geladeira apresentaram melhor aparência externa e menor perda de massa (situação motivada pelo fato de a cera e a baixa temperatura reduzirem a perda de água pelo fruto para o meio ambiente). Seguindo o ocorrido com os experimentos relativos à banana, as análises também levaram os pesquisadores a afirmar que a goiaba com revestimento e armazenada na geladeira apresenta melhor resultado na

aparência externa, na coloração e na perda de massa.A casca do mamão teve melhor coloração nos frutos armazenados na geladeira, independentemente de estarem revestidos com cera ou não, confirmando a eficiência de baixas temperaturas para essa variável. Na aparência externa, o mamão presente na geladeira e revestido teve desempenho mais favorável. Por fim, a perda de massa no mamão foi semelhante à dos demais frutos avaliados, perdendo menor quantidade os tratados com revestimento e armazenados na geladeira. Todas essas análises permitiram aos pesquisadores concluir que o revestimento dos frutos com cera de abelha e o armazenamento refrigerado são, combinados, uma alternativa eficiente para o prolongamento da vida útil do fruto após a sua colheita.“O projeto proporcionará benefícios em três dimensões: econômica, social e ambiental. Com o revestimento, o produtor perderá menos alimentos no ato da comercialização

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Para realizar a avaliação dos frutos, os estudantes adotaram como parâmetros a aparência externa, a coloração da casca e a perda de massa

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No trabalho, os estudantes avaliaram as frutas revestidas e não revestidas de cera de abelha, além de testá-las sob temperatura ambiente e de refrigeração, a fim de realizar uma comparação ao final do procedimento

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Sobre os pesquisadores

Quando surgiu a oportunidade de participarem de uma feira de ciências organizada pela Universidade Federal Rural do Semiárido Mossoró (UFERSA-RN), Antonio Torres Geracino, Francisco Jociel de F. Fernandes e Huguenberg de Oliveira Santos tiveram a ideia de estudar a eficácia da cera de abelha como revestimento para aumentar a vida útil dos frutos pós-colheita. “Entramos na área da pesquisa científica mais por curiosidade mesmo”, dizem os estudantes.

A pesquisa evoluiu, atingiu seu objetivo e foi amplamente premiada. Ganhou honrarias como o primeiro lugar em “Ciências Agrárias-projeto em grupo” na Febrace 2013 e o segundo lugar na “Área Agrária” na Milset Brasil.

Atualmente na 3ª série do Ensino Médio, os estudantes, sob a orientação da professora Antonia Gidélia da Costa e do coorientador Wallace Edelky de Souza Freitas, seguem desenvolvendo a pesquisa. “No momento, estamos avaliando a variação de temperatura para verificar se a fruta revestida

consegue manter-se conservada, visto que elas são transportadas para várias regiões do Brasil. Com relação à patente, entregamos o projeto no NIT (Núcleo de Inovação Tecnológica da Universidade Federal Rural do Semiárido [UFERSA]) e estamos esperando uma resposta”, afirmam.

No que tange ao futuro profissional, Antonio Geracino pretende cursar Engenharia da Computação. Francisco Jociel também gostaria de estudar Engenharia, enquanto Huguenberg está em dúvida entre este curso e Direito.

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Jociel, Huguenberg e Geracino, sob a

orientação da professora Gidélia Costa, seguem

trabalhando na pesquisa

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e, assim, evitará o desperdício, alimentando mais pessoas. Quanto à questão ambiental, não será necessário o uso de produtos químicos nas frutas para prolongar seus dias úteis de vida pós–colheita”, afirmam os estudantes.

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É comum vermos em filmes de ação cães farejadores sendo usados para a identificação de drogas ou bombas. Mas não são só esses animais que podem realizar esse tipo de trabalho. Paul Isaac Laskowski Agababa e Ephraim Luiz de Andrade França, então alunos da escola Interativa (Londrina-PR), por exemplo, fizeram uma pesquisa de pré-iniciação científica a respeito da capacidade de abelhas detectarem essências. No caso, os pesquisadores trabalharam com as abelhas Scaptotrigona postica. O objetivo de Ephraim e Paul na pesquisa “Utilização de abelhas Scaptotrigona postica para a detecção de essências olfativas” era apresentar um substituto para os cães na busca por drogas e TNT, uma vez que os cachorros apresentam desvantagens, como treinamento demorado, caro e que exige pessoal especializado para ser realizado. Abelhas farejadoras, porém, não são propriamente uma novidade. A Apis mellifera atualmente é utilizada para esse tipo de condicionamento. Entretanto, ao contrário desta última, o tipo pesquisado pelos estudantes –Scaptotrigona postica – não tem ferrão, o que pode significar um diferencial positivo.

“Nas férias, assisti a um programa sobre abelhas farejadoras de bombas e os cachorros de Pavlov. Então, tive a ideia de treinar abelhas indígenas brasileiras sem ferrão. Logo após essa primeira etapa, o Ephraim se integrou ao trabalho”, explica Paul.

Histórico

No trabalho, os pesquisadores apontam que os cães começaram a ser usados para farejar substâncias ilegais no fim dos anos 1960, durante a Guerra do Vietnã (1959-1975), quando o consumo de heroína entre soldados americanos tornou-se um grave problema para o Exército dos EUA.De acordo com um dado de Syrotuck (William Syrotuck, na obra “Scent and the scenting dog”, Barkleigh Productions, 2000) utilizado na pesquisa, estima-se que o homem tenha cinco milhões de células sensoriais, enquanto um cão da espécie pastor-alemão apresenta duzentos e vinte milhões. Ephraim e Paul, citando Haarman1, apontam que os insetos [abelhas] possuem um ótimo olfato, que pode ser rivalizado com o dos cães.

Abelhas são utilizadas como detectoras de essências

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601 Deborah Baker apud Timothy Haarman, “Bomb-sniffing bees strapped in”, The Seattle Times, 2006

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Assim, diante das desvantagens trazidas pelo treinamento dos cães, a utilização das abelhas vem sendo cada vez mais estudada, visto que apresenta um treinamento barato, muito mais rápido e fácil de ser realizado. O processo de condicionamento procura fazer com que as abelhas, tão logo sintam a presença da essência cujo aroma foram treinadas a detectar, estiquem a sua probóscide (apêndice bucal alongado, localizado na cabeça).

Alimentação das abelhas Para o desenvolvimento da pesquisa, os estudantes obtiveram no laboratório de estudos de abelhas indígenas da UEL (Universidade Estadual de Londrina), com o professor doutor Edson Proni, uma colmeia da espécie Scaptotrigona postica bem desenvolvida e com cerca de 100.000 abelhas. Essa colmeia era formada por uma gaveta superior (a melgueira, onde guardam o mel) e uma inferior (a

maternidade, abrigo dos favos de cria). Já no Colégio Interativa de Londrina, as abelhas foram alimentadas artificialmente até o início da fase experimental. Por meio de um processo de divisão de colônias, criou-se uma nova colmeia, para a qual foi transferida metade dos ovos de cria juntamente com a rainha (procedimento usado se os favos não apresentam uma cria real). As abelhas foram então alimentadas com base em duas dietas: uma energética e outra proteica. Na energética, o açúcar cristal (100 g) era derretido a ponto de ficar com a mesma textura do caramelo, sendo depois acrescida a água (100 ml) e, em seguida, o mel (seis colheres), o que induzia as abelhas a sentir desejo pelo alimentador. Já a proteica era constituída por cinco colheres de proteína de soja, sete colheres de farinha de milho, 100 ml de água e 100 ml de mel.Para serem alimentadas, as abelhas foram colocadas uma a uma em suportes feitos com tubos de fornecimento de oxigênio normalmente utilizados em aquários. Após ser cortado longitudinalmente, cada tubo era fechado com uma fita adesiva para prender os insetos.

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Para serem alimentadas, as abelhas foram colocadas uma a uma em suportes feitos com tubos de fornecimento de oxigênio, fechados com uma fita adesiva para prender os insetos

Na pesquisa, as abelhas passaram por um condicionamento que consistiu

em contínuas apresentações da essência desejada, alternada com

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a abelha sentir a presença da essência, ela esticará a probóscide

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CondicionamentoO passo seguinte consistiu em fazer as abelhas reconhecerem a essência. Nessa etapa, a recompensa (água e açúcar) era apresentada para o inseto por meio de um palito de madeira, colocado a uma distância de 1 mm do animal, que deveria esticar a probóscide para alcançar o elemento desejado. Deu-se então o condicionamento, no qual foram realizadas contínuas apresentações da essência desejada, alternada com as da recompensa – quando deve acontecer o REP (Reflexo de Extensão da Probóscide). Esse processo (apresentação de essência-recompensa) é repetido até que se torne automático: ou seja, quando ocorre o REP com a apresentação apenas da essência.

Feito esse processo, sempre que a abelha sentir a presença da essência, ela esticará a probóscide.

ResultadosA partir dos experimentos, os pesquisadores elaboraram tabelas com os resultados relacionados à essência utilizada e à recompensa recebida. Nas duas primeiras amostras, a quantidade de abelhas que aceitaram a recompensa foi relativamente pequena. Tal situação levou os estudantes a realizar alterações nas composições das substâncias utilizadas no treinamento, o que também não gerou grandes resultados. Entretanto, a partir da terceira amostra,

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Paul (à esquerda) e Ephraim explicam a pesquisa na Febrace; o trabalho também foi selecionado para participar do fórum de Londres (LIYSF - London International Youth Science Forum) e da SEED Science Fair, no Equador

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Sobre os pesquisadoresFoi depois de assistir a um programa de TV sobre abelhas farejadoras de bombas que Paul Isaac teve a ideia de realizar uma adaptação do projeto, treinando abelhas indígenas brasileiras sem ferrão para detectarem essências. Juntamente com o parceiro Ephraim, Paul transformou a iniciativa em trabalho de pré-iniciação científica na escola Interativa. Segundo os estudantes, o grande diferencial da pesquisa está na utilização de abelhas indígenas sem ferrão e no uso de materiais de baixo custo. “A inovação presente no nosso trabalho é a questão de as abelhas não possuírem ferrão, cortando custos com segurança pessoal, como o uso de EPIs (equipamento de proteção individual)”, explica Ephraim.

Sob a orientação do professor Fabio Bruschi, o trabalho foi selecionado para participar do fórum de Londres (LIYSF - London International Youth Science Forum), de uma feira de ciências no Equador (SEED Science Fair) e da Febrace (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia), na qual conquistou o prêmio da revista InCiência. A dupla foi desfeita com a saída de Paul do Colégio Interativa. Atualmente, os dois alunos estão na 2ª série do Ensino Médio. Paul pretende cursar uma universidade nos Estados Unidos, enquanto o plano de Ephraim é estudar Ciências Biológicas na USP ou na UEL, para depois seguir na área de Zoologia.

elaborada quando os pesquisadores já haviam adquirido alguma experiência no treinamento de abelhas, e estavam mais cientes dos fatores que influenciam no condicionamento, todos os insetos aceitaram a recompensa. Por fim, duas amostras apresentaram bons resultados em relação ao reconhecimento da essência – no caso, acetona pura. Os pesquisadores planejavam realizar diferentes tipos de treinamento para as abelhas, bem como criar um protocolo de condicionamento que aumentasse o nível de eficiência no reconhecimento das essências.

Entretanto, Paul deixou o Colégio Interativa e a dupla foi desfeita. Paul diz, porém, que ainda tem vontade de desenvolver mais as pesquisas. Para ele, a importância do trabalho desenvolvido ao lado de Ephraim é clara. “Este trabalho possui uma vasta importância potencial, principalmente para o mercado atual de segurança nacional no ramo de detecção de explosivos ou produtos orgânicos ilegais. Esse método pode chegar a substituir completamente o método atual, no qual são utilizados os cachorros para realizar essa detecção”, diz Paul.

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Pedro Nehme, o segundo brasileiro a viajar para o espaço

O estudante de Engenharia Elétrica da Universidade de Brasília (UnB) Pedro Nehme será o segundo brasileiro a ir ao espaço (em 2006, o astronauta Marcos Pontes já havia viajado até a Estação Espacial Internacional (EEI); assim, Pedro será o primeiro civil do país a realizar essa aventura). Ele concorreu com 129 mil pessoas e ganhou um concurso organizado pela companhia aérea holandesa KLM, que o levará a bordo para uma viagem suborbital no início de 2014. Pedro, que já teve uma experiência de nove meses em um centro da NASA, além de estagiar na Agência Espacial Brasileira, viajará em uma nave da empresa Space Expedition Corporation (SXC). O lançamento será em Curaçao, no Caribe. Com duração de uma hora, o voo atingirá uma altura aproximada de 100 quilômetros, cruzando a chamada linha de Kármán.A equipe da oficina de jornalismo Dante em Foco conversou com Pedro Nehme. Confira alguns trechos do bate-papo:

Por Equipe Dante em Foco

Dante em Foco: O que o levou a participar do concurso para o voo?Pedro Nehme: Estava vendo um vídeo no YouTube e, antes de o vídeo começar, apareceu o comercial dessa competição promovida pela KLM. Achei muito interessante, pois estavam usando algo científico (um balão meteorológico) para uma atividade comercial e para um fim inusitado: fazer uma viagem pelo espaço. Entrei no site e resolvi participar sem pretensão alguma de ganhar a competição.Dante em Foco: Vai haver algum tipo de treinamento para a sua viagem? Pedro Nehme: Sim, haverá. Os treinamentos servem para simular algumas partes críticas da missão. Nessas partes, o corpo é submetido a sensações novas, como acelerações de 4-g e ambiente de microgravidade. Como o voo dura apenas 1 hora, esse treinamento é suficiente. O treinamento é composto por três sessões: um voo em um caça Albatroz L-39, um voo Zero G Flight e uma sessão no simulador da SpaceXC. A primeira sessão serve basicamente para submeter o corpo a acelerações de 4 g, a segunda para experimentar o ambiente de microgravidade, e a terceira para experimentar a sequência de acontecimentos do voo.Dante em Foco: Quais são as suas expectativas para essa viagem?Pedro Nehme: Bom, essa é uma experiência única e poucas pessoas já viram a Terra de cima. Ser um dos precursores do turismo espacial, um setor em que as expectativas são muito altas, é talvez sentir, mesmo que em menor escala, a experiência que os primeiros astronautas tiveram, quando orbitar a Terra ainda era um grande desafio.

Pedro ganhou um concurso realizado pela companhia aérea holandesa KLM, que o levará a

bordo para uma viagem suborbital no início de 2014

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Dante em Foco: Como essa viagem ao espaço poderá contribuir com a sua carreira e com seus projetos na UnB?Pedro Nehme: Ainda não tenho ao certo as consequências que essa viagem vai trazer para minha carreira. É certo que no setor aeroespacial o fator experiência conta bastante. Algumas portas vão se abrir, primeiramente no setor de turismo espacial, em que as expectativas de crescimento para os próximos anos são muito altas. Quanto aos projetos da UnB, vai servir para consolidar ainda mais todas as iniciativas do Laboratório de Inovação e Ciências Aeroespaciais que estão sendo implementadas. A princípio, a espaçonave que vai me levar tem compartimentos para experimentos em microgravidade, que poderão ser utilizados para testar projetos, inclusive o LAICAnSat-1, que estou desenvolvendo na UnB.Dante em Foco: No que consiste este projeto de um microssatélite universitário que você está desenvolvendo juntamente com a equipe do Laboratório de Automação e Robótica da Faculdade de Tecnologia (LARA)?Pedro Nehme: O projeto é uma mistura de CanSat e balão meteorológico. Basicamente, é uma estrutura cilíndrica (carga útil) de 15 cm x 30 cm que carrega uma câmera e diversos sensores meteorológicos para medir temperatura, pressão, umidade, nível UV. Queremos desenvolver uma plataforma de baixo custo para sensoriamento remoto, o que tem implicações econômicas diretas. Essa plataforma, por exemplo, pode ser usada para o monitoramento de queimadas, assim como para o controle da produção agrícola do país etc.Dante em Foco: Você já estagiou na NASA. Pretende voltar aos Estados Unidos para obter uma maior especialização na área?Pedro Nehme: É uma das possibilidades. Trabalhar nos EUA é uma experiência muito enriquecedora, tanto pela experiência pessoal, como pelas pessoas que você conhece. Penso em voltar sim, para fazer pós-graduação ou mesmo para trabalhar na NASA. Mas ainda não está decidido. Considero também as oportunidades que existem no Brasil, que aparentemente podem ser bem interessantes.Dante em Foco: Qual a importância de viagens como a sua para o desenvolvimento da educação espacial nas escolas brasileiras?

Pedro Nehme: Talvez essa viagem aproxime o espaço de diversos estudantes no Brasil. Hoje já existem diversas iniciativas para essa aproximação, como os CanSats, nanossatélites e picossatélites. As escolas já podem desenvolver e lançar seus próprios satélites, com componentes disponíveis comercialmente. Essa aproximação é muito importante, pois mostra que matemática, física, química e as disciplinas STEM são extremamente úteis e efetivamente utilizadas por profissionais todos os dias. Uma das grandes dificuldades hoje no Brasil é fazer essa aproximação. Ainda mais nas gerações que crescem envoltas por tecnologia. É preciso tornar as aulas muito mais interessantes, e é muito mais interessante e gratificante, por exemplo, projetar, desenvolver e lançar algo aplicando os conhecimentos de sala de aula.Dante em Foco: Para finalizar, qual é a mensagem que você deixaria para os jovens estudantes que, assim como você, possuem interesse pela questão espacial?Pedro Nehme: Continuem estudando e buscando conhecimento fora dos “padrões”. Busquem o conhecimento além da sala de aula. A internet proporciona isso. A quantidade de informação acumulada na internet é muito grande, e são informações de todas as partes do mundo. A educação formal hoje não é interessante e existem diversas discussões sobre a validade disso. Entretanto, é necessário complementar essa educação formal com atividades práticas extraclasse, muitas vezes por conta própria. Busquem atividades práticas, pensem e desenvolvam projetos, construam esses projetos. O conhecimento existe para sustentar as atividades práticas, e não para ficar nos livros.

Pedro já teve uma experiência de nove meses em um centro da NASA, além de estagiar na Agência Espacial Brasileira

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Talento de dantianos para inovação é reconhecido em feiras nacionais e internacionais

O Colégio Dante Alighieri vem conferindo à pré-iniciação científica uma crescente valorização. Uma das grandes provas disso é que seus alunos participaram de várias feiras de ciências nacionais e internacionais em 2013, inclusive recebendo importantes honrarias. Logo em março, o GEETec (Grupo de Estudos Experimentais em Tecnologia) conquistou o prêmio “Solução Inovadora” na etapa nacional da FLL Brasil (First Lego League), maior competição de robótica do país. O projeto premiado foi o “freeWalker”, um aplicativo para celulares com sistema Android que busca ajudar idosos que sofrem quedas. Também em março, na Febrace (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia), o Colégio angariou onze prêmios atribuídos aos projetos dos alunos Renata Colla Thosi e Walter Von Söhsten X. Lins (3 prêmios), Laura Rudella Tonidandel (4 prêmios), Richard Roberts e Larissa Pereira Marques (2 prêmios) e Vitor Martes Sternlicht (2 prêmios) – todos do programa Cientista Aprendiz. Já em maio, o aluno Flavio Pelone, da 3ª série do Ensino Médio, participou do I Giovani e le Scienze 2013, a mais importante feira de ciências do ensino básico italiano. Em Milão, o estudante apresentou seu projeto de pré-iniciação científica, intitulado “Poluição indoor: avaliação do efeito dose-resposta da exposição da fumaça do cigarro em câmara de fumo utilizando Tradescantia pallida”. Conquistas nos EUAAinda em maio, mas em Houston (EUA), na I-SWEEEP (International Sustainable World Energy Engineering Environment Project Olympiad), Vitor Martes Sternlicht, representando o GEETec, recebeu a medalha de prata na categoria Engenharia com o projeto “Navegação em ambientes desconhecidos por robô móvel autônomo baseado em plataforma Arduino com linguagem C”. A Intel ISEF (International Science and Engineering Fair), uma das mais importantes

feiras de ciências do mundo, também foi realizada em solo norte-americano em maio, contando com a participação de quatro alunos dantianos do Cientista Aprendiz: Laura Rudella Tonidandel, Bianca Spina Papaleo, Renata Colla Thosi e Walter Von Söhsten. Com o projeto “Modificação da capacidade tronco das células mesenquimais humanas: a relação entre a positividade da beta-catenina com a proliferação e especialização celular”, Laura conquistou uma bolsa de estudos na Universidade Estadual do Arizona (EUA) e um prêmio de US$ 2.500 para realização de pesquisa no laboratório da Universidade. Completando as conquistas dantianas nos EUA, em outra importante feira de ciências, a Genius Olympiad, Richard Roberts e Larissa Pereira Marques foram premiados com a medalha de ouro na categoria Ecologia Humana pelo projeto “Detecção rápida de genes de resistência de bactérias gram positivas: elaboração de kit para detecção dos genes mecA, vanA e vanB a partir de um pcr multiplex em tempo real”. No mesmo evento, Ângela Perrone Barbosa recebeu menção honrosa pelo projeto “Estresse canino: em busca de uma solução”, em Ciências, na subcategoria Biodiversidade. Por fim, em outubro de 2013, a equipe do Cientista Aprendiz conquistou sete prêmios na Mostratec (Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia), em Novo Hamburgo-RS. Bianca Spina Papaleo foi responsável por três deles, enquanto o grupo formado pelas alunas Beatriz Martins de Freitas, Clara Helena Fernandez Marins e Paula Bononi Vertoni recebeu duas honrarias. A dupla Ana Carolina Paixão de Queiroz e Gabriela Pane Farias se credenciou para a Fenecit 2014, enquanto a professora Sandra Tonidandel foi homenageada por meio do reconhecimento à atuação como professora orientadora de projetos de pesquisa que participaram na International Science and Engineering Fair – ISEF.

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