Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray OS COORDENADORES ... · Silvano Carmo de Souza Valério de...

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A tutela jurídica das áreas úmidas e do Pantanal Mato-grossense Pantanal Legal Pantanal Legal Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray Adriano Braun Maíra Irigaray Orgs.

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A tutela jurdicadas reas midas e do

Pantanal Mato-grossense

PantanalLegal

OS COORDENADORES

Carlos Teodoro Jos Hugueney IrigarayProfessor Associado da UFMT, pesquisador. Doutor em Direito pela UFSC, com ps-dou-torado no Center for Latin American Studies da Universidade da Flrida. pesquisador e professor do Programa de Mestrado em Direito da UFMT, onde coordena a Clnica de Direitos Humanos e Meio Ambiente. Membro da Co-mission on Environmental Law da IUCN. Pro-curador aposentado do Estado de Mato Grosso, tem inmeras publicaes na rea do Direito Ambiental.

Adriano BraunMestre em Direito Agroambiental pela UFMT e graduado em Direito pela mesma instituio. Pesquisador Associado da Clnica de Direitos Humanos e Meio Ambiente da UFMT e servi-dor pblico no Tribunal de Justia do Estado de Mato Grosso.

Mara IrigarayMara advogada com mestrado em Direitos Humanos e Meio Ambiente pela Universi-dade da Flrida. Trabalhou como advogada internacional no caso de Belo Monte levado Comisso Interamericana de Direitos Humanos e como coordenadora do Programa do Brasil para o Amazon Watch, uma ONG enfocada em direitos indgenas. Atualmente doutoranda e professora no Departamento de Geografia da Universidade da Flrida.

PESQUISADORES PARTICIPANTESAdriano BraunCarlos Teodoro Jos Hugueney IrigarayCarolina Joana da SilvaCtia Nunes da CunhaCintya Leocdio Dias CunhaDbora F. CalheirosDiogo Marcelo Delben Ferreira de LimaMara IrigarayPierre GirardSilvano Carmo de SouzaValrio de Oliveira MazzuoliWolfgang J. JunkCINCIA, TECNOLOGIA,

INOVAES E COMUNICAES

A proteo e a conservao das reas midas, den-tre as quais se destaca o Pantanal Mato-grossense, se constituem num grande desafio, tal a multiplici-dade de fatores que ameaam esses ecossistemas, dotados de grande relevncia ambiental.

A despeito da fragilidade e importncia ecolgica e sociocultural das reas midas, elas seguem ju-ridicamente desprotegidas em nosso pas.

Esta coletnea integra o empenho da comunidade cientfica, entidades ambientalistas e organizaes sociais de ensino e pesquisa para promover o uso sbio do Pantanal e outras reas midas existen-tes, incentivando prticas sustentveis e dissuadin-do o uso predatrio dos recursos naturais.

No caso especfico do Pantanal Mato-grossense, esta Coletnea oferece a proposta de um marco regulatrio construdo a partir de conhecimentos cientficos, conhecimentos tradicionais e o saber ju-rdico, com vistas conservao dessa rea consi-derada Patrimnio Nacional, Reserva da Biosfera e Stio Ramsar.

APOIOO Centro de Pesquisas do Pantanal (CPP), uma organizao da sociedade civil de inte-resse pblico (Oscip), surgiu no ano de 2002 a partir da articulao de cientistas dos es-tados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e de um processo de consultas realizado com grupos sociais representativos do Pantanal. Desta forma, o CPP vem produzindo e dis-seminando conhecimentos para contribuir com a sustentabilidade socioeconmica e ambiental e propor alternativas s prin-cipais atividades econmicas do Pantanal (pesca e pecuria). Tem desenvolvido, em parceria com instituies de Mato Grosso do Sul, produtos a partir do pescado pantanei-ro, contribuindo tambm com a produo de conhecimentos e tecnologias visando preservao e melhoria do boi tucura (ou gado pantaneiro). No tocante s polticas pblicas, destaca-se a elaborao de marcos regulatrios para a gesto de reas midas em diversas reas, considerando o vazio le-gal que coloca em risco a conservao desses frgeis ecossistemas.

Tendo em vista a no contemplao das reas midas no novo Cdigo Florestal (Lei no.12.651/2012) e a apresentao do Pro-jeto de Lei do Senado PLS 750/2011, que dispe sobre a poltica de gesto e proteo do bioma Pantanal e d outras providn-cias, o CPP firmou com o MCTIC um Termo de Parceria (TP 13.0002.00/2012) para a execuo do projeto Cincia e Sociedade no Pantanal: Integrando Conhecimentos para a Sustentabilidade Socioambiental, privi-legiando o tema Lei do Pantanal dentre os seus componentes.

A presente obra, elaborada a partir de conhecimentos cientficos, conhecimentos tradicionais e o saber jurdico, produto desse esforo conjunto. Com isso, o CPP, o MCTIC e a equipe de juristas e cientistas coordenados por pesquisadores da UFMT oferecem sociedade este valioso trabalho, que esperamos seja levado em conta para o aperfeioamento do PLS 750/2011.

Pantanal Legal

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Carlos Teodoro Jos Hugueney IrigarayAdriano BraunMara Irigaray

Orgs.

Ministrio da Educao Universidade Federal de Mato Grosso

Reitora

Myrian Thereza de Moura Serra

Vice-Reitor Evandro Aparecido Soares da Silva

Coordenador da Editora Universitria

Renilson Rosa Ribeiro

Superviso Tcnica Ana Claudia Pereira Rubio

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Adelmo Carvalho da Silva (Docente - IE) Ana Carrilho Romero Grunennvaldt (Docente - FEF)

Arturo Alejandro Zavala Zavala (Docente - FE) Carla Reita Faria Leal (Docente - FD) Divanize Carbonieri (Docente - IL)

Eda do Carmo Razera Pereira (Docente - FCA) Elizabeth Madureira Siqueira (Comunidade - UFMT)

Evaldo Martins Pires (Docente - CUS) Ivana Aparecida Ferrer da Silva (Docente - FACC)

Josiel Maimone de Figueiredo (Docente - IC) Karyna de Andrade Carvalho Rosseti (Docente - FAET)

Lenir Vaz Guimares (Docente - ISC) Luciane Yuri Yoshiara (Docente - FANUT)

Maria Cristina Guimaro Abego (Docente - FAEN) Juliana Abonzio (Docente - ICHS)

Raoni Florentino da Silva Teixeira (Docente - CUVG) Mauro Miguel Costa (Docente - IF) Maria Corette Pasa (Docente - IB)

Neudson Johnson Martinho (Docente - FM) Nileide Souza Dourado (Tcnica - IGHD)

Odorico Ferreira Cardoso Neto (Docente - CUA) Paulo Csar Corra da Costa (Docente - FAGEO)

Pedro Hurtado de Mendoza Borges (Docente - FAAZ) Priscila de Oliveira Xavier Sudder (Docente - CUR) Regina Clia Rodrigues da Paz (Docente - FAVET)

Rodolfo Sebastio Estupin Allan (Docente - ICET) Sonia Regina Romancini (Docente - IGHD)

Weyber Ferreira de Souza (Discente - UFMT) Zenesio Finger (Docente - FENF)

A tutela jurdica das reas midas e do

Pantanal Mato-grossense

PantanalLegal

Carlos Teodoro Jos Hugueney IrigarayAdriano BraunMara Irigaray

Orgs.

Cuiab2017

Carlos Teodoro Jos Hugueney Irigaray, Adriano Braun, Mara Irigaray, 2017

Todos os direitos reservados.

Proibida a reproduo de partes ou do todo desta obra sem autorizao expressa da organizao e da Editora (art. 184 do Cdigo Penal e Lei n 9.610, de 19 de fevereiro de 1998).

A EdUFMT segue o Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa em vigor no Brasil desde 2009.

A aceitao das alteraes textuais e de normalizao bibliogrfica sugeridas pelo revisor uma deciso do autor/organizador.

Ficha catalogrfica elaborada pelo Bibliotecrio Douglas Rios (CRB1/1610)

P197 Pantanal Legal: A Tutela jurdica das reas midas e do Pantanal Mato-grossense./ Organizado por Carlos Teodoro Jos Hugueney Irigaray, Adriano Braun e Maira Irigaray. Cuiab-MT: EdUFMT; Carlini & Caniato Editorial, 2017. ISBN 978-85-8009-208-0 ( Tanta Tinta ) ISBN e-book: 978-85-327-0619-5 ( EdUFMT ) 1.Pantanal. 2.Tutela jurdica. 3.Pantanal Mato-grossense. 4.Ecourismo. 5.Direito ambiental I.Irigaray, Carlos Teodoro Jos Hugueney (org.). II.Braun, Adriano (org.). III.Irigaray, Maira (org.). IV. Ttulo. CDU 349.6

EditoresRamon CarliniElaine CaniatoRommel Kunze

Editorao Carlini & Caniato Editorial

CapaElaine Caniato

Foto da Capa Bento Viana

RevisoDoralice Jacomazi

Coordenao da EdUFMT Renilson Rosa Ribeiro

Supervisora de editorao da EdUFMT Ana Claudia Pereira Rubio

Carlini & Caniato Editorial (nome fantasia da Editora TantaTinta Ltda.)Rua Nossa Senhora de Santana, 139 sl. 03 Goiabeira78.020-610 Cuiab-MT (65) 3023-5714www.tantatinta.com.br/carliniecaniato

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http://www.tantatinta.com.br/carliniecaniatomailto:edufmt%40edufmt.br?subject=http://www.edufmt.br/edufmt

Sumrio

Apresentao ___________________________________________________________ 9

Ecoturismo: uma opo de manejo sustentvel para o Pantanal? ______________________________________________ 11

Wolfgang J. Junk

Pantanal Mato-grossense: um patrimnio nacional margem da lei ____________________________________ 27

Cintya Leocdio Dias Cunha

A gesto da Bacia do Alto Paraguai: a participao dos grupos de interesse na formulao do marco legal do Pantanal de Mato de Grosso ___________________________________________ 53

Silvano Carmo de SouzaCarlos Teodoro Jos Hugueney Irigaray

A compreenso do art. 10 do Novo Cdigo Florestal luz do Marco Jurdico-constitucional Socioambiental: caminhos hermenuticos para uma gesto sustentvel do Pantanal Mato-grossense ______________________________ 71

Adriano Braun

Direito e poltica internacional do meio ambiente para as reas midas sul-americanas e proteo dos biomas do Pantanal brasileiro e do Chaco boliviano: desafios do dilogo das fontes e do controle de convencionalidade _____________ 103

Valrio de Oliveira MazzuoliDiogo Marcelo Delben Ferreira de Lima

Contribuio tcnico-cientfica ao aprimoramento do marco regulatrio visando proteo do Pantanal Mato-grossense _____________________________________ 127

Carlos Teodoro J. Hugueney IrigarayCarolina Joana da SilvaCtia Nunes da CunhaDbora F. CalheirosPierre GirardWolfgang Johannes Junk

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Apresentao

Os ltimos anos do sculo XX foram marcados pela emergncia de uma crise ambiental planetria resultante da conjugao de diversos fatores de natureza econmica, poltica, cultural e social.

Articulados ao dilema ambiental propriamente dito surgem os conflitos sociais correlatos, cuja superao passa necessariamente por significativas mudanas em diversos mbitos da sociedade, tais como o direito, a poltica e a governana.

Nesse quadro, o Pantanal Mato-grossense surge como um locus privilegia-do de investigao, cujas peculiaridades refletem localmente o dilema socio-ambiental global. Nascedouro de inmeros servios ecossistmicos, bero de uma riqussima biodiversidade e lar de vrias etnias indgenas e comunidades tradicionais. Malgrado seja contemplado por diversos tratados internacionais e receba uma especial proteo da Constituio Federal, este Patrimnio Nacional e da Humanidade segue cada vez mais ameaado pelos impactos socioambientais.

Tais impactos so oriundos do avano de diversas atividades econmicas levadas a efeito de modo inconsequente por atores sociais que se movem num quadro de deficincia institucional resultante da ineficiente aplicao das leis ambientais, somada inadequada implementao de polticas pblicas, dificultando-se sobremaneira, assim, a consecuo de uma gesto capaz de harmonizar o incremento da qualidade de vida dos habitantes locais com a conservao do equilbrio ecolgico.

Dentre as principais dificuldades para a superao desta conjuntura sobres-sai a inexistncia de uma lei federal condizente com as peculiaridades deste bioma, tanto no que concerne biodiversidade como no que toca ao amplo espectro sociocultural das populaes que o habitam.

Todavia, se por um lado torna-se cada vez mais premente a promulgao de uma lei federal adequada eficaz proteo do Pantanal, por outro no se pode negar a utilidade e a necessidade de que, partindo do quadro legal atu-almente existente, a doutrina jurdica se empenhe na formulao de propostas tericas e caminhos hermenuticos aptos ao aprimoramento dos mecanismos de proteo do Pantanal.

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desta complexa contextura que partem as consideraes delineadas ao longo dos artigos que compem a presente coletnea.

Elaborada no mbito do Projeto de Pesquisa Pantanal Legal, cujo objetivo principal, ousamos dizer, consiste na formulao e propositura de uma minuta de lei federal destinada a proteger o Pantanal, esta coletnea objetiva, sobre-tudo, provocar reflexes acerca da importncia, em termos socioambientais, de se proteger e conservar este santurio ecolgico.

Sendo assim, no primeiro artigo, denominado Ecoturismo: uma opo de manejo sustentvel para o Pantanal, Wolfgang J. Junk delineia as peculiaridades ecolgicas do Pantanal, a fim de evidenciar de que modo os principais atores sociais da regio (fazendeiros tradicionais e no tradicionais, pescadores e empreendedores do ecoturismo) se utilizam dos bens comerciais e no comer-ciais gerados por este bioma, apontando a possibilidade de que o ecoturismo represente uma opo de manejo economicamente vivel e ecologicamente adequado, apto a conciliar a conservao ambiental com a prtica de atividades rentveis para a populao local.

De autoria de Cintya Leocdio Dias Cunha, o segundo artigo, intitulado Pantanal Mato-grossense: um patrimnio nacional margem da lei, prope--se a abordar o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, positivado na Constituio Federal, como um direito fundamental difuso, que, conjugado ao preceito inscrito no 4, do art. 225, torna imprescindvel a pro-teo do Pantanal Mato-grossense mediante a edio de lei federal capaz de proteg-lo de acordo com suas especificidades naturais.

Por sua vez, Silvano Carmo de Souza e Carlos Teodoro Jos Hugueney Irigaray, em A gesto da Bacia do Alto Paraguai: a participao dos grupos de interesse na formulao do marco legal do Pantanal de Mato Grosso, evidenciam, atravs de uma vvida narrativa, os pontos mais controversos que marcaram o processo de elaborao e promulgao da Lei Estadual n. 8.830/2008, mormente no que concerne oposio de atores sociais (comuni-dades tradicionais e academia versus ruralistas) com interesses bem diversos, da resultando uma norma que pouco contribui com a proteo do Pantanal, principalmente por desconsiderar a umbilical dependncia da plancie alagvel em relao aos planaltos adjacentes.

Em A compreenso do art. 10 do Novo Cdigo Florestal luz do marco jurdico-constitucional socioambiental: caminhos hermenuticos para uma gesto sustentvel do Pantanal Mato-grossense, Adriano Braun analisa as possibilidades hermenuticas resultantes da interpretao do art. 10 da Lei n.

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12.651/2012 na perspectiva do marco jurdico-constitucional socioambiental, destacando a necessidade de que povos e comunidades tradicionais pantanei-ras participem ativamente dos processos de elaborao e implementao das polticas pblicas concernentes a este bioma.

O quinto artigo, denominado Direito e poltica internacional do meio ambiente para as reas midas sul-americanas e proteo dos biomas do Pantanal brasileiro e do Chaco boliviano: desafios do dilogo das fontes e do controle de convencionalidade, de autoria de Diogo Marcelo Delben Fer-reira de Lima e Valrio de Oliveira Mazzuoli. luz do Direito Internacional das reas midas, este ensaio analisa a ressonncia do Sistema Ramsar na proteo e sustentabilidade do Pantanal e do Chaco boliviano, propondo uma abordagem jurdica baseada no direito contemporneo, no dilogo das fontes normativas e na adoo de novos recursos jurdicos, a exemplo do controle da convencionalidade das leis.

Esta coletnea se encerra com a Nota Tcnica Contribuio tcnico-cien-tfica ao aprimoramento do marco regulatrio visando proteo do Pantanal Mato-grossense elaborada por diversos pesquisadores, em que apresentada uma proposta para ajustes ao Projeto de Lei do Senado (PLS) n. 750/2011, incluindo, alm de uma justificativa tcnica, sugestes que visam ao aprimo-ramento do citado PLS. Trata-se de uma iniciativa que reflete as discusses e debates realizados no mbito do Projeto de Pesquisa Pantanal Legal, ao longo do ano de 2016/2017, sob coordenao do professor Dr. Carlos Teodoro Jos Hugueney Irigaray.

Para alm de ponderaes estritamente tericas, pretende-se, com esta coletnea, contribuir para o aprofundamento do debate acerca da importncia da conservao do Pantanal, evidenciando que a consecuo deste objetivo passa pelo aperfeioamento dos mecanismos jurdico-institucionais concer-nentes proteo ambiental.

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Ecoturismo: uma opo de manejo sustentvel para o Pantanal?1

Wolfgang J. Junk

Doutor em Zoologia, Botnica, Qumica, Oceanografia e Limnologia pela Universidade

de Kiel (Christian-Albrechts Universitt), 1970. Livre-docente em Ecologia Tropical

(1990) e pesquisador snior e lder do Grupo Ecologia Tropical no Instituto Max Planck

para Limnologia em Ploen, Alemanha. Coordenador cientfico do Instituto Nacional em

Cincia e Tecnologia em reas midas.

Sumrio: 1. Introduo. 2. Definio e caracterizao hidrolgica e ecolgica do Pantanal Mato-grossense; 3. Bens e servios que o Pantanal

fornece para o homem; 4. Principais ameaas para a integridade ecol-

gica do Pantanal; 5. Avaliao dos impactos gerais para o ecossistema

provenientes dos atores principais que atuam dentro do Pantanal; 6.

Recomendaes para aes futuras; 7. Concluso; 8. Referncias.

1. Introduo

O Pantanal Mato-grossense uma rea mida (AU) de destaque nacional e internacional com os ttulos de Patrimnio Nacional e Reserva da Biosfera. Alm destes, contm dois stios Ramsar (Parque Nacional do Pantanal e RPPN Sesc Pantanal). O ttulo de Patrimnio da Humanidade foi dado ao Conjunto de RPPNs Ecotrpica e Parque Nacional.

Em 1993, o Brasil assinou a Conveno de Ramsar, promulgada pelo Decreto n 1.905, de 16 de maio de 1996. Esta conveno pressupe uma poltica nacional para a gesto inteligente (wise management) e a proteo das AUs e sua biodiversidade.

Muitas exigncias desta conveno ainda no foram atendidas pelo governo brasileiro, entre elas, a elaborao e implementao de um plano de manejo sustentvel, que garanta a integridade estrutural e funcional deste ecossiste-ma complexo. Isso levou o Pantanal ao ponto de arriscar a perder o ttulo de Reserva da Biosfera.

1 Artigo elaborado com base em palestra proferida pelo autor no dia 20 de abril de 2017, na terceira reunio do Frum Regional de Desenvolvimento do Turismo Sustentvel: Pantanal, Amaznia e Cerrado (FIT).

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No Pantanal Mato-grossense existem diferentes abordagens de manejo, principalmente quanto pecuria tradicional, pecuria intensiva, pesca profissional, pesca esportiva e ecoturismo. Alm disso, existem muitas ame-aas, tais como a construo da hidrovia Paraguai-Paran, a poluio pela minerao ao redor do Pantanal, poluio pelos esgotos despejados nos tributrios, assoreamento pelo excesso de sedimentos das atividades agro-pecurias no Planalto, e transportadas para dentro do Pantanal (a exemplo do que ocorre no Rio Taquari), mudanas do regime hdrico pelas represas e barragens, drenagem de reas pantanosas, destruio das florestas e de outros macrohabitats, etc.

A questo abordada neste artigo : Qual o papel do ecoturismo neste cenrio?

2. Definies e caracterizao hidrolgica e ecolgica do Pantanal Mato-grossense

Nos ltimos anos, um consrcio de cientistas brasileiros2 elaborou a se-guinte definio de AUs brasileiras:

reas midas (AUs) so ecossistemas na interface entre ambientes

terrestres e aquticos, continentais ou costeiros, naturais ou artificiais,

permanentemente ou periodicamente inundados por guas rasas ou com

solos encharcados, doces, salobras ou salgadas, com comunidades de

plantas e animais adaptadas sua dinmica hdrica.

De acordo com esta definio, o Pantanal Mato-grossense uma AU pe-riodicamente inundada.

Os mesmos autores3 definem a extenso de AUs da seguinte forma:A extenso de uma AU determinada pelo limite da inundao rasa ou

do encharcamento permanente ou peridico, ou no caso de reas sujeitas

aos pulsos de inundao, pelo limite da influncia das inundaes mdias mximas, incluindo-se a, se existentes, reas permanen-temente secas em seu interior, habitats vitais para a manuteno da

2 JUNK, W. J.; PIEDADE, M. T. F.; LOURIVAL, R.; WITTMANN, F.; KANDUS, P.; LACERDA, L. D.; BOZELLI, R. L.; ESTEVES, F. A.; NUNES DA CUNHA, C.; MALTCHIK, L.; SCHOENGART, J.; SCHAEFFER-NOVELLI, Y.; AGOSTINHO, A. A.; NBREGA, R. L. B. Parte I: Definio e Classificao das reas midas (AUs). Brasi-leiras: Base Cientfica para uma Nova Poltica de Proteo e Manejo Sustentvel. In: NUNES DA CUNHA, C; PIEDADE, M. T. F.; JUNK, W. J. (Orgs.). Classificao e Delineamento das reas midas Brasileiras e de seus Macrohabitats. CuiabMT: EdUFMT, 2014b. p. 13-76.

3 Idem.

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integridade funcional e da biodiversidade das mesmas. Os limites exter-

nos so indicados pelo solo hidromrfico, e/ou pela presena permanente

ou peridica de hidrfitas e/ou de espcies lenhosas adaptadas a solos

periodicamente encharcados.

Esta definio contm dois aspectos-chaves inovadores: o primeiro aspecto inovador a referncia ao nvel mdio mximo da inundao como limite externo das AUs. Esta viso est de acordo com a definio do antigo cdigo florestal (Lei 4771, de 1965), mas foi contraditada pelo atual cdigo florestal (Lei 12.651, de 2012), que define a regulamentao das reas de Proteo Permanente (APPs) a partir do nvel regular, onde a gua do rio normalmente corre, deixando portanto parte das AUs e seus recursos hdricos sem proteo nenhuma.

Adotado o delineamento das AUs apresentado por Junk et al.4, o Brasil iria diminuir consideravelmente os riscos de catstrofes econmicas e sociais durante inundaes e secas extremas, causadas pelo uso inapropriado das AUs, no respeitando os seus limites determinados pelas inundaes m-dias mximos, que no ocorrem a cada ano, mas em perodos imprevisveis multianuais.

Do ponto de vista ecolgico, inundaes e secas extremas tm grande importncia para o reajustamento da vegetao do Pantanal, o que torna o sistema muito dinmico. De acordo com as previses do Painel do Clima Glo-bal, estas situaes extremas vo ocorrer no futuro mais frequentemente por causa das mudanas climticas a serem esperadas.

O segundo aspecto refere-se incluso de reas permanentemente secas dentro das AUs, levando em considerao a sua importncia para a manuteno da biodiversidade. A evoluo da biodiversidade do Pantanal est intimamente ligada a estes macrohabitats. Muitos animais usam estas reas representadas pelos capes, cordilheiras, leques aluviais e inselberges como refgios peri-dicos durante as enchentes e podem migrar lateralmente durante os perodos de cheia e seca em busca de recursos e proteo.

Inundaes e secas peridicas, chamadas tambm de pulso de inunda-o, caracterizam a grande maioria das AUs brasileiras. O pulso de inundao o fator principal, que determina as condies ecolgicas nestes sistemas. Existem diferentes tipos de pulso de inundao. O Pantanal pertence ao

4 JUNK, W. J.; PIEDADE, M. T .F.; LOURIVAL, R.; WITTMANN, F.; KANDUS, P.; LACERDA, L. D.; BOZELLI, R. L.; ESTEVES, F. A.; NUNES DA CUNHA, C.; MALTCHIK, L.; SCHNGART, J.; SCHAEFFER-NOVELLI, Y.; AGOSTINHO, A. A. Brazilian wetlands: their definition, delineation, and classification for research, sustainable management, and protection. Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems, 24 (1), p. 522, 2014a.

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grupo de AUs sujeito a um pulso monomodal (uma enchente e uma seca por ano), previsvel e de baixa amplitude (na maioria dos casos at 2 m de inundao), (grfico 1).

As estruturas, os processos e a biodiversidade em AUs sujeitas a pulsos de inundao so descritos pelo Conceito de Pulso de Inundao5. Este conceito trata as fases aquticas e terrestres na Zona de Transio Aqutica Terrestre (ATTZ) como estgios diferentes do mesmo ecossistema, que se influenciam reciprocamente, e so a base para suas caractersticas especfi-cas. Mudanas do pulso de inundao tm srios impactos nas caractersticas destes ecossistemas.

Grfico 1 - Flutuao de nvel de gua do Rio Paraguai (pulso de inundao) em LadrioFonte: Departamento Nacional de guas e Energia Eltrica (DNAEE)

Grandes reas midas so ecossistemas muito complexos, com um grande nmero de diferentes unidades de paisagem. Para sua caracterizao ecolgica e para fins de manejo sustentvel, os cientistas diferenciaram as grandes AUs em unidades funcionais. Unidade funcional uma macrorregio, mostrando condies hidrolgicas similares. Eles estabeleceram cinco unidades funcionais naturais de acordo com o seu estgio hidrolgico (figura 1) e uma sexta unidade representando reas fortemente modificadas pelo homem, sem diferenci-la em respeito s condies hidrolgicas.

5 JUNK, W. J.; BAYLEY, P. B.; SPARKS, R. E. The flood pulse concept in river floodplain systems. Canadian Journal of Fishers and Aquatic, 106, p. 110- 127, 1989.

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Figura 1 - As 5 unidades funcionais naturais no Pantanal Mato-grossense: (1) reas permanentemente aquticas, (2) reas pantanosas, permanentemente encharcadas e/ou inundadas por gua rasa, (ATTZ), (3) reas predominantemente terrestres, (ATTZ), (4) reas predominantemente aquticas, (ATTZ), (5) reas permanentemente terrestres

Fonte: Nunes da Cunha & Junk 2017, modificado.

Estas unidades funcionais foram subdivididas em unidades menores cha-madas macrohabitats. Macrohabitat uma rea grande sujeita s mesmas condies hidrolgicas e coberta por uma vegetao caracterstica. At agora foram descritas para o Pantanal Mato-grossense 57 diferentes macrohabitats6, mas este nmero ainda ir aumentar, quando novos macrohabitats de Mato Grosso do Sul forem includos.

3. Bens e servios que o Pantanal fornece para o homem

Os bens e servios que um ecossistema fornece para o homem podem ser descritos como Capital Natural.

Ecossistemas so capital renovvel. Este capital pode ser coletado, ren-

dendo bens ecossistmicos (tais como madeira), mas eles podem tambm

render um fluxo de servios ecossistmicos, quando deixado no lugar

(tais como controle de eroso ou recreao).7

6 NUNES DA CUNHA, C.; JUNK, W. J. Classificao dos Macrohabitats do Pantanal Mato-grossense. In: NUNES DA CUNHA, C; PIEDADE, M. T. F.; JUNK, W. J. (Orgs.). Classificao e Delineamento das reas midas Brasileiras e de seus Macrohabitats. CuiabMT: EdUFMT, 2014. p. 77-122.

7 COSTANZA, R.; DALY, H. E. Natural capital and sustainable development. Conservation Biology, 6 (1), p. 37-46, 1992.

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Uma primeira avaliao dos valores mdios econmicos de recursos naturais, servios ambientais, biodiversidade e valores culturais de ecossis-temas foi oferecida por Costanza et al. (1997)8. Rios e reas midas: 8.498 US$ ha-1ano-1, florestas: 969 US$ ha-1ano-1, savanas: 232 US$ ha-1ano-1. Uma anlise mais recente9 chegou para AUs interiores a um valor ainda mais alto de 25,682 US$ ha-1ano-1. Naturalmente, os valores diferem entre as regies. Um clculo de Seidl e Moraes (2000)10 usando a mesma abordagem de Cos-tanza et al. (1997)11 para o Pantanal de Nhecolndia resultou em cerca da metade do valor das AUs mundiais. Mesmo assim, o valor impressionante.

Entretanto, os bens e servios ecossistmicos tm que ser divididos em bens comerciais, quer dizer, em bens que criam diretamente recursos finan-ceiros para o dono, por exemplo, produo de carne bovina, madeira ou pescado, e em servios no comerciais, que a sociedade aproveita sem pagar por eles, por exemplo, beleza paisagstica, gua limpa e pastagens nativas.

Por serem recursos de livre acesso, por cuja explorao os usurios no pagam nada, muitos membros da sociedade tendem a superexplorar e destruir estes recursos comuns, satisfazendo os seus interesses individuais e comprome-tendo com isso os interesses da sociedade inteira (HARDIN, 1968)12. A maioria dos servios ambientais do Pantanal so no comerciais, como mostrado na tabela 1.

8 COSTANZA, R.; DARGE, R.; DE GROOT, R.; FARBER, S.; GRASSO, M.; HANNON, B.; LIMBURG, K.; NACEM, S.; ONEILL, R. V.; PARNEL, J.; RASKIN, R. G.; SUTHON, P.; VAN DEN BELT, M. The value of the worlds ecosystem services and natural capital. Nature 387, p. 253-260, 1997.

9 DE GROOT, R.; BRANDER, L; PLOEG, S.; COSTANZA, R. et al. Global estimates of the value of ecosystems and their services in monetary units. Ecosystem Services, 1, p. 50-61, 2012.

10 SEIDL, A.; MORAES, A. Global valuation of ecosystem services: application to the Pantanal da Nhecolandia, Brazil. Ecological Economics, 33 (1), p. 1-6, 2000.

11 COSTANZA, R.; DARGE, R.; DE GROOT, R.; FARBER, S.; GRASSO, M.; HANNON, B.; LIMBURG, K.; NACEM, S.; ONEILL, R. V.; PARNEL, J.; RASKIN, R. G.; SUTHON, P.; VAN DEN BELT, M. The value of the worlds ecosystem services and natural capital. Nature 387, p. 253-260, 1997.

12 HARDIN, Garrett. The tragedy of the commons. Science 162, n. 3859, p. 1243-1248, 1968.

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N Bens e servios Classificao1 Moradia para populaes tradicionais C2 Pecuria C3 Pesca C4 Ecoturismo C

5Fornecimento de produtos madeireiros e no madeireiros (fibras, pastagens nativas, plantas medicinais, frutas, etc.

C

6

Estocagem peridica da gua e a sua lenta devoluo para os crregos e rios conectados, reduzindo com isso as flutuaes do nvel da gua e o perigo de enchentes e secas catastrficas

NC

7 Recarga dos aquferos e do lenol fretico NC8 Reteno de sedimentos NC9 Purificao da gua poluda NC

10 Fornecimento de gua limpa NC11 Regulao do microclima NC12 Recreao (banho, pesca, lazer) NC13 Manuteno da biodiversidade NC14 Estocagem de carbono orgnico NC

15 Manuteno de valores culturais (e.g. msica, arte, peculiaridades da vida campestre tradicional) NC

Tabela 1 - Bens e servios comerciais (C) e no comerciais (NC) do Pantanal

4. Principais ameaas para a integridade ecolgica do Pantanal

As ameaas para a integridade ecolgica do Pantanal podem ser diferen-ciadas em ameaas internas, provenientes de atividades humanas dentro da rea e ameaas externas, que ocorrem fora do Pantanal. As ameaas incluem atividades que afetam o ecossistema diretamente, tal como destruio ambiental, e indiretamente, tais como falta de uma legislao adequada ou presses eco-nmicas, e.g. para aumentar a produo de carne bovina por unidade de rea, para competir com as fazendas no cerrado, ou para a construo da hidrovia Paraguai-Paran, que, em primeira linha, satisfaz o interesse do agronegcio na bacia do Alto Paraguai de ter uma via de transporte barata para seus produtos.

O quadro 1 apresenta as principais ameaas. Porm, h que se destacar que esta lista no completa e, alm disso, novas ameaas podem surgir no futuro.

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Ameaas Internas Ameaas Externas(1) Destruio de macrohabitats essenciais, por exemplo o desmatamento de capes e cordilheiras e outras reas florestadas, drenagem de reas pantanosas;

(6) Poluio por esgotos e resduos domsticos dos tributrios;

(2) Modificao da hidrologia, por exemplo, pela construo de estradas sem passagem para o fluxo de gua;

(7) Poluio por resduos industriais e de minerao;

(3) Explorao indevida dos recursos naturais (pesqueiros, madeireiros e no madeireiros, e da biodiversidade);

(8) Aumento da carga sedimentar dos tributrios em consequncia da eroso acelerada nas reas agropastoris do planalto, por exemplo, do Rio Taquari;

(4) Introduo descontrolada de organismos de outros ecossistemas, a exemplo do tucunar, do bfalo e do javali;

(9) Construo de hidreltricas, que modificam o pulso de inundao rio abaixo e interrompem a conectividade ao longo da calha do rio, interferindo, p. ex., com as piracemas;

(5) Poluio gentica, e.g., pela produo descontrolada de hbridos de peixes, que podem escapar no meio ambiente;

(10) Construo de hidrovia no adaptada ao leito natural do rio, que modificar o regime hidrolgico, para atender interesses econmicas de grupos agindo fora do Pantanal;

(11) Falta de uma legislao especfica de proteo e manejo, baseada no conhecimento cientfico;

(12) Falta de uma estrutura hierrquica clara e coerente dos diferentes rgos executores para a sua implementao e gesto voltada sustentabilidade;

(13) Mudanas do clima global.

Quadro 1 - As principais ameaas internas e externas que influenciam a integridade ecolgica do Pantanal

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5. Avaliao dos impactos gerais para o ecossistema provenientes dos atores principais, que atuam dentro do Pantanal

Existem diferentes grupos de atores dentro do Pantanal. Pretendemos, aqui, considerar somente os principais. Fazendeiros tradicionais e fazendeiros no tradicionais so os atores principais, porque eles so os donos de cerca de 90% da rea do Pantanal. Pescadores profissionais e pescadores esportistas atuam somente em alguns macrohabitats permanente ou predominantemente aquti-cos. Os empreendedores do ecoturismo normalmente atuam em combinao com fazendas tradicionais. Outros grupos, tais como ribeirinhos, populaes tradicionais e povos indgenas no so avaliados aqui porque eles ocupam somente pequenas reas no Pantanal.

Fazendeiros tradicionais so aqueles que realizam uma pecuria extensiva, mantendo a diversidade dos macrohabitats h sculos. Modificaes do meio ambiente restringem-se limpeza do campo para evitar a perda de pastos na-turais por causa da invaso de algumas espcies lenhosas, tais como pombeiro, cambar, lixeira e arrebenta-lao.

O problema econmico deste tipo de manejo que a produtividade de carne bovina por rea (valor comercial) baixa, porque muitos macrohabitats contribuem pouco para a produo de carne bovina. Na situao econmica atual as fazendas so relativamente pequenas para sustentar o fazendeiro e sua famlia. Em com-pensao, alta a manuteno dos valores no comerciais deste tipo de manejo.

Fazendeiros no tradicionais so aqueles que querem maximizar a pro-duo de carne bovina, aumentando a rea de pasto custa da destruio da maioria dos macrohabitats, por exemplo, pelo desmatamento de capes e cor-dilheiras, destruio dos murundus e campos savnicos naturais, e drenagem de pntanos. O resultado uma paisagem uniformizada de extensas pastagens cobertas com capins exticos sem diversidade de macrohabitats, que poderiam providenciar valores no comerciais, por exemplo, sem beleza paisagstica e uma biodiversidade dramaticamente reduzida.

Economicamente, este modelo superior em comparao s fazendas tradicionais, por causa da produo mais alta da carne por unidade de rea. Mesmo assim, ela no competitiva com a produo das fazendas do planalto, que no sofrem com o pulso de inundao anual. Alm disso, este modelo vulnervel em uma poca de mudana climtica global, que prev enchentes e secas extremas, aumentando os riscos de perdas econmicas severas.

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A seu turno, pescadores profissionais e esportivos usam somente poucos macrohabitats, na maioria permanentemente aquticos, sem destruir sua vege-tao e hidrologia. Impactos negativos podem ocorrer pela pesca predatria, que frequentemente associada com a pesca esportiva e pelos isqueiros que destroem os macrohabitats, nos quais eles coletam as iscas vivas.

Para caracterizar o ecoturismo, baseamo-nos na definio da Sociedade Internacional de Ecoturismo (TIES): Ecoturismo uma forma responsvel de viajar para regies naturais, que contribui para a proteo do meio ambiente e para o bem-estar da populao local. Isso significa o respeito do turista frente natureza e populao local, evitando, entre outros, a explorao demasiada dos recursos naturais locais e a poluio ambiental.

O ecoturismo no Pantanal fundamenta-se em trs pilares: (1) Beleza pai-sagstica baseada na configurao geomorfolgica associada s caractersticas da vegetao savnica caracterizada pela grande diversidade de macrohabi-tats; (2) Grande diversidade e abundncia de plantas e animais, que chamam ateno dos visitantes (principalmente mamferos, pssaros, rpteis, anfbios e peixes, que dependem da manuteno da diversidade dos macrohabitats); (3) Autenticidade cultural, representada principalmente pelas populaes tradi-cionais e os fazendeiros tradicionais. Isso significa que a base dos trs pilares do ecoturismo so servios ecossistmicos no comerciais.

Minha avaliao simplificada do impacto dos atores baseia-se na se-guinte premissa: a grande diversidade de macrohabitats no Pantanal uma caracterstica inerente deste ecossistema e tem que ser mantida, porque ela garante os mltiplos benefcios comerciais e no comerciais (inclusive a biodiversidade) que o Pantanal oferece para o homem. Qualquer mtodo de manejo que destri em grande escala esta diversidade tem impacto negativo ao ecossistema.

Um estudo realizado no Pantanal de Pocon13 mostra que os fazendeiros tradicionais reconheceram a grande maioria dos macrohabitats estabelecidos pelos cientistas e eram capazes de dar um valor especfico para cada um, tan-to em respeito ao gado bovino, quanto para a vida silvestre (tabela 2). Quer dizer, os grupos atuando dentro do Pantanal tm que adaptar os mtodos de manejo a este ecossistema complexo, em vez de tentar adapt-lo a mtodos

13 DUARTE, T. G.; NUNES DA CUNHA, C.; JUNK, W. J. Reconhecimento e apreciao da classificao dos macrohabitats do Pantanal Mato-grossense por pantaneiros de Pocon MT. In: NUNES DA CUNHA, C.; ARRUDA, E. C.; JUNK, W. J. (Orgs.). Marcos Referenciais para a Lei Federal do Pantanal e gesto de outras reas midas. CuiabMT: EdUFMT, Carlini & Caniato, 2017. p. 81-97.

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de manejo simplificados, que so altamente destrutivos. No existe argumento que justifique a no utilizao da classificao dos macrohabitats para fins de manejo e gesto do Pantanal.

Nvel de conhecimento: 1 = conhecido, 2 = conhecido por outro nome, s/a = no conhecido. Valor para o gado e a fauna silvestre: 1 = muito importante, 2 = importante, 3 = pouco importante, 4 = sem importncia. Nvel de proteo: 1 = proteo total, 2 = proteo parcial (ex. 50% do habitat), 3 = proteo fraca (ex. 20% do habitat), 4 = nenhuma proteo. s/a = sem avaliao.

Perodos hidrolgicos: E = Enchente C = Cheia V = Vazante S = Seca

Macrohabitats Conhecimento Gado Fauna silv. Proteo

Perodo Hidrolgico

E C V S E C V S

1. Lagoa 2. Baa 3. Salina s/a s/a s/a s/a 4. Tanque de emprstimo 5. Reservatrio 6. Canal de rio 7. Furo 8. Canal artificial s/a s/a s/a s/a 9. Plantio de arroz s/a s/a s/a s/a 10. Corixo 11. Vazante 12. Landi 13. Campo limpo nativo 14. Campo extico 15. Campo sujo 16. De pombeiro branco 17. De pombeiro preto 18. De canjiqueira 19. De lixeira 20. Campo de murundus 21. Cambarazal 22. Pimental 23. Paratudal 24. Piuval 25. Carandazal 26. Acurizal 27. Baixada Cuiabana 28. Capes 29. Cordilheiras 30. Inselbergs 31. Murundu 32. Atero de bugre 33. Florestas decduas 34. Florestas semideciduais 35. Florestas semi-sempre-verde 36. Cerrado 37. Espinhal 38. Pombeiral 39. Canjiqueiral 40. Brejo 41. Pirizal 42. Caetezal 43. Lanceiro 44. Buritizal s/a s/a s/a s/a 45. Abobral s/a s/a s/a s/a

Tabela 2 - Resumo dos resultados dos levantamentos sobre o nvel de conhecimento dos pantaneiros dos principais macrohabitats e a sua opinio sobre o seu valor para o gado e a fauna silvestre durante os diferentes perodos hidrolgicosFonte: Duarte et al., 2017.

Os empreendimentos do ecoturismo so normalmente realizados em consrcio com fazendas tradicionais, porque eles podem aproveitar-se da diversidade dos macrohabitats delas e da disponibilidade das atividades tra-dicionais culturais, tanto em respeito ao manejo do gado, quanto em respeito s msicas, artes tradicionais e culinria tpica. Isso significa um nmero redu-

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zido de pessoas por fazenda e uma controle do impacto dos turistas ao meio ambiente pelo prprio fazendeiro, porque a atrao da fazenda depende do meio ambiente intacto.

O ecoturismo suporta a manuteno da diversidade dos macrohabitats e sua integridade e pode estimular aes locais para aumentar a presena de espcies de interesse turstico. Estas aes podem incluir, por exemplo, o enriquecimento das florestas das fazendas com rvores frutferas nativas, que ampliam a oferta alimentcia para pssaros e pequenos mamferos, a escava-o de tanques em locais especficos para aumentar a disponibilidade de gua para o gado e os animais silvestres durante a seca, a limpeza de tanques de excesso de macrfitas aquticas, e a ampliao dos locais de nidificao por caixas artificiais, e.g. para a arara-azul.

Entretanto os impactos devem ser monitorados constantemente, introdu-zindo-se medidas preventivas e corretivas. Por isso, relevante uma liderana poltica para a garantia da sustentabilidade. A avaliao generalizada dos im-pactos dos atores principais encontra-se no quadro 2.

Impacto geralOs fazendeiros tradicionais positivoOs fazendeiros no-tradicionais negativoOs pescadores profissionais positivo

Os pescadores esportivosem parte negativo por causa da pesca predatria e a atuao dos isqueiros

Os empreendimentos do ecoturismo sustentvel (normalmente em consrcio com fazendas tradicionais)

muito positivo

Quadro 2 - Avaliao generalizada dos impactos dos atores principais dentro do Pantanal a sua integri-dade ecolgica

Analisando os argumentos apresentados acima, levantam-se duas perguntas: Pergunta 1: Quem responsvel para manter a integridade ecolgica

do Pantanal? Resposta: Cabe Unio apresentar lei federal para a gesto do Pantanal,

j que se trata de bioma compartilhado entre dois entes da federao: MT e MS. Entretanto, h que se destacar que esse regramento federal trar disposies genricas, cabendo aos estados apresentar proposies adequadas ao seu territrio observando as peculiaridades desse bioma em cada estado.

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A responsabilidade dos governos inclui no somente os valores ecossistmi-cos comerciais, mas tambm os valores no comerciais, tais como a providncia de gua limpa para a populao local, que garantida pela Constituio. A manuteno da biodiversidade foi assumida tambm pelo governo federal em convenes internacionais.

Realidade: A proposta de uma legislao federal est em pauta, mas deve-se observar que a sua edio no ser suficiente para garantir a efe-tividade da proteo ao meio ambiente, j que caber aos estados regula-mentar os diversos instrumentos criados pela lei federal observando suas peculiaridades.

Aes a serem tomadas: Aperfeioar a proposta da lei do Pantanal, apre-sentar a proposta em audincias pblicas, provocar sua difuso nos estados, mobilizar a sociedade para reivindicar a aprovao da norma e, enfim, garantir a sua aplicabilidade, considerando a necessidade de sua ulterior regulamentao pelos estados que compartilham o Pantanal.

Alguns atores da prpria comunidade pantaneira, tais como os fazendeiros tradicionais e a maioria dos atores do ecoturismo, assumem atualmente em nvel local a responsabilidade do governo de proteger a integridade do ecossistema para o bem da comunidade.

Pergunta 2: Quais so os benefcios que estes atores atualmente recebem para manter os valores no comerciais do Pantanal?

Resposta: Nenhum.Realidade: Eles s tm prejuzos, mantendo intacta a diversidade dos ma-

crohabitats, em vez de convert-los em pastagens artificiais de capins exticos para a produo de gado bovino, como fazem os atores destruidores, tanto de fora, quanto de dentro do Pantanal!

Aes a serem tomadas: Criao de uma proposta interestadual aplicvel ao Pantanal de compensao por servios ambientais, que inclua os valores no comerciais, para cuja manuteno os fazendeiros tradicionais contribuem diretamente. A incluso destes atores locais na proteo ambiental (1) mais barata e eficiente que qualquer atividade oficial do Estado; (2) aumenta a aceitao da proteo ambiental pela populao pantaneira; e (3) forma uma rede densa de macrohabitats protegidos em fazendas tradicionais no Pantanal inteiro, que pode complementar outras aes de proteo, sejam pblicas, tais como parques nacionais e APPs, ou privadas, como RPPNs.

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6. Recomendaes para aes futuras

Nesse quadro, o setor turstico no Pantanal tem que:(1) se organizar melhor (resultado da 3 Reunio do FIT em Cuiab); (2) elaborar planos de ao para aumentar a atrao das localidades de ecoturismo;(3) procurar parceiros competentes que podem ajudar na elaborao destes planos e na soluo de problemas tcnicos;(4) elaborar propostas de projeto de lei, que beneficiam economicamente as atividades de atores que mantenham os valores no comerciais do Pantanal;(5) cobrar apoio dos polticos dos estados de MT e MS, para a implantao destes regulamentos;(6) documentar as atividades tomadas para o manejo sustentvel dos va-lores comerciais e no comerciais do Pantanal, e divulg-las amplamente;(7) abordar com esta documentao organizaes nacionais e internacio-nais para conseguir apoio financeiro e tcnico.

7. Concluso

Nosso desafio conseguir que o conhecimento tcnico e cientfico dispo-nvel sobre o Pantanal Mato-grossense seja utilizado para a elaborao de uma legislao moderna e justa, que mantenha a diversidade ecolgica e cultural da regio e que compense economicamente os esforos dos fazendeiros tra-dicionais em combinao com o ecoturismo na manuteno dos valores no comerciais da regio, em benefcio de toda a populao.

Ttulos bonitos, tais como Patrimnio da Humanidade e Reserva da Biosfera, s ajudam se eles vm com apoio poltico e financeiro para a populao local! Mas este apoio tem que ser ativamente procurado pelos interessados.

8. Referncias

BRASIL. Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo cdigo florestal. Dirio Oficial [da] Repblica Federativa do Brasil, Braslia, DF, 1965.

______. Lei 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispe sobre a proteo da vegetao nativa; e d outras providncias. Dirio Oficial [da] Repblica Federativa do Brasil, Braslia, DF, 2012.

COSTANZA, R.; DALY, H. E. Natural capital and sustainable development. Conservation Biology, 6 (1), p. 37-46, 1992.

25

COSTANZA, R.; DARGE, R.; DE GROOT, R.; FARBER, S.; GRASSO, M.; HANNON, B.; LIMBURG, K.; NACEM, S.; ONEILL, R. V.; PARNEL, J.; RASKIN, R. G.; SUTHON, P.; VAN DEN BELT, M. The value of the worlds ecosystem services and natural capital. Nature 387, p. 253-260, 1997.

DE GROOT, R.; BRANDER, L; PLOEG, S.; COSTANZA, R. et al. Global estimates of the value of ecosystems and their services in monetary units. Ecosystem Services, 1, p. 50-61, 2012.

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HARDIN, Garrett. The tragedy of the commons. Science 162, n. 3859, p. 1243-1248, 1968.

JUNK, W. J.; BAYLEY, P. B.; SPARKS, R. E. The flood pulse concept in river floodplain systems. Canadian Journal of Fishers and Aquatic, 106, p. 110- 127, 1989.

JUNK, W. J.; PIEDADE, M. T .F.; LOURIVAL, R.; WITTMANN, F.; KANDUS, P.; LACERDA, L. D.; BO-ZELLI, R. L.; ESTEVES, F. A.; NUNES DA CUNHA, C.; MALTCHIK, L.; SCHNGART, J.; SCHAEFFER--NOVELLI, Y.; AGOSTINHO, A. A. Brazilian wetlands: their definition, delineation, and classification for research, sustainable management, and protection. Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems, 24 (1), p. 522, 2014a.

JUNK, W. J.; PIEDADE, M. T. F.; LOURIVAL, R.; WITTMANN, F.; KANDUS, P.; LACERDA, L. D.; BO-ZELLI, R. L.; ESTEVES, F. A.; NUNES DA CUNHA, C.; MALTCHIK, L.; SCHOENGART, J.; SCHAEFFER--NOVELLI, Y.; AGOSTINHO, A. A.; NBREGA, R. L. B. Parte I: Definio e Classificao das reas midas (AUs). Brasileiras: Base Cientfica para uma Nova Poltica de Proteo e Manejo Sustentvel. In: NUNES DA CUNHA, C; PIEDADE, M. T. F.; JUNK, W. J. (Orgs.). Classificao e Delineamento das reas midas Brasileiras e de seus Macrohabitats. CuiabMT: EdUFMT, 2014b. p. 13-76.

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SEIDL, A.; MORAES, A. Global valuation of ecosystem services: application to the Pantanal da Nhe-colandia, Brazil. Ecological Economics, 33 (1), p. 1-6, 2000.

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Pantanal Mato-grossense: um patrimnio nacional margem da lei

Cintya Leocdio Dias Cunha

Mestranda em Direito Agroambiental pela Universidade Federal de Mato Grosso.

Especialista em Direito Processual Civil pela Uniderp - Anhanguera. Professora da

Faculdade de Direito da Universidade do Estado de Mato Grosso. Advogada.

Sumrio: 1. Introduo; 2. A Constituio Federal de 1988 e a proteo am-

biental; 2.1. O meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito funda-

mental; 2.2. O meio ambiente como direito difuso; 3. Pantanal Mato-grossense:

um patrimnio nacional desprotegido; 3.1. Algumas mudanas legislativas

sobre a proteo ambiental no Brasil; 3.2. A proteo jurdica do Pantanal

Mato-grossense como patrimnio nacional; 4. Concluso; 5. Referncias.

1. Introduo

O presente trabalho prope uma reflexo acerca da necessidade de uma lei especfica que proteja o Pantanal Mato-grossense, valendo-se, para tanto, de fontes doutrinrias e jurisprudenciais. Assim, a metodologia pauta-se no levantamento bibliogrfico e documental.

A Constituio Federal de 1988, no artigo 225, 4, reconheceu o Pantanal Mato-grossense como um patrimnio nacional. O estudo do tema proposto busca justamente verificar e analisar se esta rea geogrfica, reconhecida pelo Constituinte, est sendo juridicamente protegida.

Para atingir esse objetivo, este trabalho foi realizado em duas partes.A primeira almeja discorrer sobre o reconhecimento do direito ao meio

ambiente no caso, a manuteno do equilbrio ecolgico do Pantanal , como direito fundamental.

A segunda parte apresentar as caractersticas do bioma, analisar docu-mentos internacionais relevantes ao Pantanal, ressaltando-se a carncia de legislao especfica que efetivamente o proteja.

Por fim, ser apresentada uma concluso sobre o tema debatido, perqui-rindo-se a necessidade da promulgao de uma lei especfica para o Pantanal.

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2. A Constituio Federal de 1988 e a proteo ambiental

2.1 O meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito

fundamental

A concepo multifuncional1 dos direitos fundamentais, fruto do Estado do bem-estar social, reconhece que os direitos fundamentais servem proteo e materializao de bens importantes para a comunidade e no apenas defesa do indivduo contra o Estado.

A proteo ao meio ambiente est abalizada no artigo 225, caput, incisos e pargrafos, da Constituio Federal de 1988, ao descrever que todos (as presentes e futuras geraes) tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e que este deve ser defendido e preservado pelo poder pblico e pela coletividade:

Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibra-

do, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e

preserv-lo para as presentes e futuras geraes.2

A Carta Magna no define o que vem a ser meio ambiente. Tal conceito normativo ficou a cargo da Lei n. 6.938/81, que define a Poltica Nacional do Meio Ambiente, especificamente no artigo 3, inciso I:

Art 3 - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o

conjunto de condies, leis, influncias e interaes de ordem fsica, qumi-

ca e biolgica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.3

A hermenutica jurdica reconhece que o equilbrio ecolgico do meio am-biente direito fundamental estampado na Constituio Federal de 1988, logo, com maior razo merece este status constitucional a preservao do Pantanal Mato-grossense, por ser reconhecido constitucionalmente como patrimnio nacional brasileiro.

No plano internacional, o interesse na manuteno do meio ambiente eco-logicamente equilibrado est respaldado em vrios documentos internacionais,

1 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais. 3. ed. rev. atual. ampl. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2003. p. 160.

2 BRASIL. Constituio da Repblica de 1988. Planalto. Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm > Acesso em: 2. jan. 2016.

3 BRASIL. Lei n 6.938, de 31 de agosto de 1981. Planalto. Dispe sobre a poltica nacional do meio ambiente e d outras providncias. Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm > Acesso em: 29 dez. 2015.

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como na Declarao da Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente, realizada em 1972, em Estocolmo:

Princpio I O homem tem o direito fundamental liberdade, igualdade,

e ao desfrute de condies de vida adequada em um meio cuja qualidade

lhe permite levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene

obrigao de proteger e melhorar esse meio para as geraes presentes

e futuras [...] Princpio II Os recursos naturais da terra incluso o ar, a

gua, a terra, a flora e a fauna e especialmente as amostras representati-

vas dos ecossistemas naturais devem ser preservados em benefcio das

geraes presentes e futuras, mediante uma cuidadosa planificao ou

regulamentao segundo seja mais conveniente.4

Alguns anos mais tarde, precisamente vinte anos depois, a Declarao da Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, rea-lizada no Rio de Janeiro, em 1992, novamente sustentou no plano internacional a importncia do direito ao meio ambiente: Os seres humanos constituem o centro das preocupaes relacionadas com o desenvolvimento sustentvel. Tm direito a uma vida saudvel e produtiva, em harmonia com a natureza.5

O respaldo constitucional para que o direito ao meio ambiente seja con-siderado direito fundamental est no artigo 5, pargrafo 2, primeira parte, da Constituio Federal, que legitima outros direitos como fundamentais mesmo que no estejam expressos no artigo 5, da Carta Magna, desde que decorram dos princpios por ela adotados. Cabe ressaltar que o princpio do meio am-biente ecologicamente equilibrado que assegura o direito ao meio ambiente adotado de forma expressa pela Constituio, apenas no est previsto no art. 5.

Assim, o fato de a proteo do meio ambiente constar no Ttulo VIII, da Constituio Federal, reservado Ordem Social e no estar localizado no T-tulo II, da Carta Magna, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, no desfigura sua classificao como direito fundamental, pois o rol dos direitos fundamentais formado por aqueles direitos explicitamente descritos no artigo 5, bem como aqueles implicitamente assim considerados.

Admite-se tambm a recepo do direito ao meio ambiente equilibrado no rol dos direitos fundamentais, por fora da Declarao do Meio Am-

4 ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS. Declarao da Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Am-biente. Estocolmo: 5 a 16 de junho de 1972. Disponvel em: < http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/estocolmo1972 > Acesso em: 10 jan. 2016.

5 ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS. Declarao da Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: 3 a 14 de junho de 1992. Disponvel em: < http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/estocolmo1972 > Acesso em: 10 jan. 2016.

http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/estocolmo1972http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/estocolmo1972http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/estocolmo1972http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/estocolmo1972

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biente, em Estocolmo, j citada, da qual o Brasil participou, com base no artigo 5, 2, segunda parte, da Constituio, que legitima outros direitos como fundamentais mesmo que no estejam expressos na Constituio Fe-deral, desde que decorram de tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte. Aqui a Declarao de Estocolmo deve ser considerada como um documento internacional que serviu e serve como paradigma para a proteo ambiental. Cabe transcrever o artigo 5, par-grafo 2, da Constituio Federal:

Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer nature-

za, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a

inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana

e propriedade, nos termos seguintes: [...] 2 Os direitos e garantias

expressos nesta Constituio no excluem outros decorrentes do regime

e dos princpios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que

a Repblica Federativa do Brasil seja parte.6

A interpretao destes dispositivos, nos moldes acima apresentados, asse-gura o direito ao meio ambiente no rol dos direitos fundamentais. No caso do Pantanal Mato-grossense, para que a mxima efetividade do direito fundamental ao meio ambiente seja atingida e para que realmente o direito fundamental seja real e efetivo so necessrias polticas pblicas engajadas no desenvolvimento sustentvel desta regio. No campo legislativo preciso a promulgao de uma lei especfica do Pantanal, que assegure a proteo dessa rea, garantindo a preservao do meio ambiente, principalmente, no que diz respeito ao uso dos recurso naturais. Assim, afirma Marcelo Sodr:

A prpria Constituio Federal fixa que para assegurar a efetividade

do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado incumbe

ao Poder Pblico controlar a produo, comercializao e o emprego

de tcnicas, mtodos e substncias que comportem risco para a vida, a

qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, V).7

O Pantanal Mato-grossense, localizado nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, considerado como patrimnio nacional, no possui uma lei federal que justifique e regulamente este patrimnio, apenas

6 BRASIL. Constituio da Repblica de 1988. Planalto. Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm > Acesso em: 2 jan. 2016.

7 SODR, Marcelo. Dignidade Planetria: O Direito e o Consumo Sustentvel. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da (Coord.). Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. So Paulo: Quartier Latin, 2008,. p. 1171.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm

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regido por uma lei do estado de Mato Grosso de 2008, que ser analisada em outro tpico.

Vigora na Constituio o Princpio da Universalidade, que sustenta que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no reservado somen-te aos brasileiros, mas que a defesa ambiental tem legitimao internacional, incluindo os estrangeiros. Neste sentido, Jorge Miranda aduz que a proteo da dignidade da pessoa, assim como a tutela ao meio ambiente, est para alm da cidadania brasileira e postula uma viso universalista da atribuio dos direitos.8

Marcelo Abelha clama por uma titularidade mais abrangente do direito ao meio ambiente:

A titularidade do direito em questo, pela sua complexidade, demanda

uma anlise mais profunda do que a simples avaliao do sentido da

expresso todos, pois na caracterizao do bem ambiental marcado

pela frmula equilbrio ecolgico - que ser extrado do caput do artigo

225 uma clara opo biocntrica do legislador constitucional. Assim,

pensando, quanto ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, so

amplas as possibilidades de se defender que todas as formas de vida

so seus titulares.9

Assim, a expresso todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como previso constitucional, tem diversas interpretaes, mas deve ser utilizada aquela que mais viabilize a proteo do meio ambiente, ponto mximo do direito ambiental.

A Carta Magna de 1988 reconheceu o dever de preservao do meio am-biente para as presentes e futuras geraes, tambm conhecida como Teoria da equidade intergeracional, que tem grande semelhana com o estipulado no documento da Organizao das Naes Unidas, publicado em 1988, intitu-lado Goa Guidelines on Intergenerational Equity. Trata-se de um documento internacional que prega a importncia de se preservar um patrimnio natural para as geraes vindouras.

Documentos internacionais como as Convenes sobre a Proteo do Patrimnio Natural e Cultural; sobre o Comrcio Internacional de espcies ameaadas e sobre a Poluio dos Oceanos, de Londres, retratam a importn-cia da manuteno das condies de vida para as futuras geraes. O prprio

8 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2. ed. t. IV. Coimbra: Coimbra ed., 1993. p. 169.

9 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituies de direito ambiental. v. 1. So Paulo: Max Limond, 2002. p. 61.

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conceito de desenvolvimento sustentvel previsto no Relatrio de Brundtland/Nosso Futuro Comum aquele que atende s necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as geraes futuras atenderem a suas prprias necessidades10 traz a ideia de equilbrio ambiental pautado no uso racional dos recursos naturais para no causar a escassez destes bens ambientais para as futuras geraes.

Em contrapartida, h na doutrina11 defensores de pensamentos opostos, no responsabilizando as presentes geraes pela manuteno do meio am-biente para as geraes que ainda nem sequer existem no cenrio mundial.

No estado de Mato Grosso, onde est situada parte do Pantanal, h estu-dos12 que comprovam a inexistncia de uma relao tica, pautada no respeito com o outro ser que ainda nem sequer foi concebido ou, se concebido, ainda no nasceu, um sujeito com expectativas de direito ou com direitos plenos a depender da corrente adotada sobre o nascituro.

Certo que agrotxicos j foram encontrados no leite materno na cidade de Lucas do Rio Verde, provenientes do agronegcio que toma conta do solo mato-grossense. Estudos comprovam a associao deste leite contaminado com os fertilizantes utilizados na lavoura de soja, milho e demais gros, conforme apontam diversos estudos de autoria do professor Pignati.

Com base nestas pesquisas, nota-se que o agronegcio j afeta o Pantanal, bem como h indcios de projetos que tm como meta expandir as plantaes de gros, o que ocasionar ainda mais poluio deste santurio ecolgico. a verdadeira institucionalizao da sociedade de risco teorizada por Ulrich Beck13 no Pantanal. No h como se falar em meio ambiente preservado para as futuras geraes se nem as presentes geraes esto podendo usufru-lo.

10 BRUNDTLAND, G. H. Nosso Futuro Comum: Comisso mundial sobre meio ambiente e desenvolvimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1991. p. 43.

11 Jos Casalta Nabais no entende ser possvel a atribuio de direitos cujos titulares ativos sejam as geraes futuras, o que, como destaca, seria uma forma equivocada de dizer que sobre a atual gerao humana recaem deveres de indivduos, grupos e organizaes para com as geraes futuras, orientando-nos no sentido da preservao no futuro na comunidade atual atravs da preveno de riscos e perigos que possam vir a invia-bilizar ou onerar excessivamente a vida das geraes futuras. Haveria apenas deveres de proteo ambiental da gerao humana presente para com ela mesma, no sendo possvel o reconhecimento de algum direito atribuvel s geraes futuras, de modo, inclusive, a limitar os direitos fundamentais das geraes viventes. Cf. NABAIS, Jos Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreenso cons-titucional do estado fiscal contemporneo. Coimbra: Almedina, 1998. p. 54.

12 PIGNATI, Wanderlei. Avaliao integrada dos impactos dos agrotxicos na sade e ambiente em Lucas do Rio Verde no Mato, com nfase na contaminao do leite materno. Disponvel em: < http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cmads/audiencias-publicas/audiencias-publicas/3-07-2012-presenca-de-residuos-de-agrotoxicos-em-leite-materno/heloisa-rey-farza--anvisa/professor-dr.wanderlei-pignati-ufmt > Acesso em: 23. fev. 2016.

13 Cf. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona, Paids, 1998.

http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cmads/audiencias-publicas/audiencias-publicas/3-07-2012-presenca-de-residuos-de-agrotoxicos-em-leite-materno/heloisa-rey-farza-anvisa/professor-dr.wanderlei-pignati-ufmthttp://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cmads/audiencias-publicas/audiencias-publicas/3-07-2012-presenca-de-residuos-de-agrotoxicos-em-leite-materno/heloisa-rey-farza-anvisa/professor-dr.wanderlei-pignati-ufmthttp://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cmads/audiencias-publicas/audiencias-publicas/3-07-2012-presenca-de-residuos-de-agrotoxicos-em-leite-materno/heloisa-rey-farza-anvisa/professor-dr.wanderlei-pignati-ufmthttp://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cmads/audiencias-publicas/audiencias-publicas/3-07-2012-presenca-de-residuos-de-agrotoxicos-em-leite-materno/heloisa-rey-farza-anvisa/professor-dr.wanderlei-pignati-ufmt

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2.2 O meio ambiente como direito difuso

Cabe salientar que o direito ao meio ambiente reconhecido constitucio-nalmente como um direito fundamental difuso, um bem de uso comum14. A respeito dos direitos difusos, Rodolfo Mancuso aduz que:

[...] poder haver um momento no qual um interesse difuso, fora de

ser continuamente revelado e exercitado no seio da comunidade, venha

a ganhar foros de uma liberdade pblica, a nvel constitucional, expressa

ou implicitamente.15

Diante desta afirmao, torna-se necessrio caracterizar estes direitos di-fusos. Segundo Patricia Faga Iglecias Lemos:

Interesse difuso o direito transindividual, de natureza indivisvel, de que

so titulares pessoas indeterminadas, ligadas por circunstncias de fato,

como habitar na mesma regio, consumir iguais produtos, expor-se aos

efeitos de determinado servio perigoso ou de uma publicidade enganosa.16

Ainda com referncia aos direitos difusos, sustenta Mancuso:So interesses metaindividuais que no tendo atingido o grau de agrega-

o e organizao necessrio sua afetao institucional junto a certas

entidades ou rgos representativos dos interesses j socialmente defi-

nidos, restam em estado fluido dispersos pela sociedade civil como um

todo, podendo por vezes concernir a certa coletividade de contedo

numrico indefinido.17

Por sua vez, Ada Pelegrini Grinover pontua que:Os interesses difusos so direitos supraindividuais que pertencem a um

nmero indeterminado e praticamente indeterminvel de pessoas, as

quais no tm entre si nenhuma relao definida e encontram-se em uma

mesma situao, muitas vezes acidentalmente. Por isso, diz-se que seu

objeto indivisvel, sua proteo beneficia a todos. Por isso, interesse

difuso no a soma de direitos individuais mas um nico direito perten-

cente a todos, que no tem a sua tutela sujeita ao monoplio estatal.18

14 ZAVASCKI, Teori, A. Defesa de direitos coletivos e defesa coletiva de direitos. Revista de informao legis-lativa, Braslia, Senado Federal, v. 32, n. 127, p. 83-96, jul./set. 1995.

15 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos. So Paulo: RT, 1998. p. 85.

16 LEMOS, Patricia Faga Iglesias. Meio ambiente e responsabilidade civil do proprietrio: anlise do nexo causal. 1. ed. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 95.

17 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos. Op. cit., p.105.

18 GRINOVER, Ada Pellegrini (Coord.). A tutela jurisdicional dos interesses difusos. So Paulo: Editora Max Limonad, 1984. p. 70.

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A doutrina19 reconhece que no mbito do processo coletivo interesse e direito so termos sinnimos, sendo esta, inclusive, a orientao do Cdigo de Defesa do Consumidor, normatizao pertencente ao microssistema processual coletivo brasileiro:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vti-

mas poder ser exercida em juzo individualmente, ou a ttulo coletivo.

Pargrafo nico. A defesa coletiva ser exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste

cdigo, os transindividuais, de natureza indivisvel, de que sejam titulares

pessoas indeterminadas e ligadas por circunstncias de fato.20

A Constituio Federal j estabeleceu, no artigo 225, que todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, reconhecendo o direito ao meio ambiente como direito fundamental. Diante desta constatao, cabe reconhecer que o direito ao meio ambiente tem natureza transindividual, direito difuso, de natureza indivisvel, cuja titularidade abrange pessoas indeterminadas e ligadas entre si por circunstncias de fato. Destarte, sua proteo requer uma tutela processual diferenciada, coletiva, cujo exerccio atribui-se a sujeitos com representatividade metaindividual.

3. Pantanal Mato-grossense: um patrimnio nacional desprotegido

3.1 Algumas mudanas legislativas sobre a proteo ambiental no Brasil

A proteo ambiental no Brasil ganhou relevncia jurdica muito recen-temente e atualmente entendida como um valor constitucional, conforme j citado. Mas para que hoje o presente trabalho possa perceber o direito ao meio ambiente como direito fundamental preciso reconhecer que o caminhar jurdico para o alcance de tal status foi longo.

Antes da independncia do Brasil, o ordenamento jurdico vigente no pas era o portugus: as Ordenaes Afonsinas e Manuelinas. A legislao portu-guesa j fazia meno proteo ambiental:

19 Neste sentido cabe citar as doutrinas que consideram como sinnimos a expresso direito e interesses: TESHEINER, Jos Maria Rosa. Aes coletivas pr-consumidor. Revista Ajuris, Porto Alegre, Ajuris, v. 19, n. 54, p. 75-106, mar. 1992. WATANABE, Kazuo. Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2001. p. 739. FERREIRA, Rony. Coisa julgada nas aes coletivas. Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris, 2004. p. 56. Sobre o tema: MAN-CUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimao para agir. 6. ed. So Paulo: RT, 2004. p. 19. SOUZA, Motauri Ciocchtti de. Ao civil pblica: competncia e efeitos da coisa julgada. So Paulo: Malheiros, 2003. p. 23.

20 BRASIL. Lei n 8.090, de 11 de setembro de 1990. Planalto. Dispe sobre a proteo do consumidor e d outras providncias. Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8078.htm > Acesso em: 15 dez. 2015.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8078.htm

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A legislao portuguesa j protegia o equilbrio ecolgico, ainda que con-

comitantemente procurasse proteger a Coroa. As Ordenaes Afonsinas,

no Livro V, Ttulo LVIII, proibiam o corte deliberado de rvores frutferas;

o Livro V, Ttulo LXXXIII, das Ordenaes Manuelinas vedava a caa de

perdizes, lebres e coelhos com redes, fios, bois ou outros meios e ins-

trumentos capazes de causar dor e sofrimento na morte desses animais.21

Sob a dominao da Espanha e comando do Rei Felipe II, no Brasil, em 1580, vigeu as Ordenaes Filipinas que tambm mencionavam a preocupa-o com o meio ambiente: Livro V, Ttulo LXXXVIII, 7: [...] a proibio de qualquer pessoa jogar material que chegasse a matar os peixes e sua criao, ou sujar as guas dos rios e lagos.22

Mesmo com a Proclamao da Independncia do Brasil em 1822, o pas somente em 1824 teve sua primeira Constituio, sem muitas novidades no cenrio ambiental. A matria ambiental foi citada nos artigos 178 e 257, do Cdigo Penal de 1830, que previa a punio pelo corte ilegal de madeiras.

J no sculo XX, o Cdigo Civil de 1916, ao tratar do direito de vizinhana pautado no sossego, sade e segurana, nos artigos 554 a 591, reflexamente, abarcava o direito ao meio ambiente; o Cdigo Civil de 2002 trata do direito de vizinhana e da funo social da propriedade.

A Constituio de 1934 fixou as competncias entre os entes federados para a proteo do meio ambiente:

Art. 10 - Compete concorrentemente Unio e aos Estados: III - prote-

ger as belezas naturais e os monumentos de valor histrico ou artstico,

podendo impedir a evaso de obras de arte; Art. 5 - Compete privativa-

mente Unio: XIX - legislar sobre: j) bens do domnio federal, riquezas

do subsolo, minerao, metalurgia, guas, energia hidreltrica, florestas,

caa e pesca e a sua explorao; Art. 148 - Cabe Unio, aos Estados e

aos Municpios favorecer e animar o desenvolvimento das cincias, das

artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse

histrico e o patrimnio artstico do Pas, bem como prestar assistncia

ao trabalhador intelectual. 23

21 FREITAS, Wladimir Passos de. A Constituio federal e a efetividade das normas ambientais. So Paulo: RT, 2000. p. 19.

22 LEMOS, Patricia Faga Iglecias. Direito ambiental: responsabilidade civil e proteo ao meio ambiente. 3. ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: RT, 2010, p. 43.

23 BRASIL. Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Planalto. Disponvel em: < http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm > Acesso em: 2 jan. 2016.

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Nessa mesma poca surgiram diplomas legais com grande contedo volta-do proteo ambiental, dentre os quais: o Decreto 24.645/1934, que proibia os maus-tratos a animais, o Decreto-lei 23.793/1934 (Cdigo Florestal, que depois foi substitudo pela Lei 4.771/1965 e atualmente a Lei 12.651/2012), o Decreto 24.114/1934 (o Regulamento de Defesa Sanitria Vegetal), o Decreto 24.634/1934 (Cdigo das guas).

A Constituio de 1937 tambm fez meno tutela ambiental:Art. 16 - Compete privativamente Unio o poder de legislar sobre

as seguintes matrias: XIV - os bens do domnio federal, minas,

metalurgia, energia hidrulica, guas, florestas, caa e pesca e sua

explorao; Art. 18 - Independentemente de autorizao, os Estados

podem legislar, no caso de haver lei federal sobre a matria, para

suprir-lhes as deficincias ou atender s peculiaridades locais, desde

que no dispensem ou diminuam as exigncias da lei federal, ou, em

no havendo lei federal e at que esta regule, sobre os seguintes as-

suntos: a) riquezas do subsolo, minerao, metalurgia, guas, energia

hidreltrica, florestas, caa e pesca e sua explorao; e) medidas de

polcia para proteo das plantas e dos rebanhos contra as molstias

ou agentes nocivos.24

No mesmo ano foi editado o Decreto-lei n 25/1937 (organizava o patrim-nio artstico e cultural). Em seguida, foi promulgada a Constituio dos Estados Unidos do Brasil de 1946, sem grandes inovaes em matria ambiental e, ainda em sua vigncia, nasceu a Lei 4.594/1964 (o Estatuto da Terra), que trata do interesse agrrio, de certa forma indissocivel do direito ao meio ambiente, depois, em 18/09/1965, foi promulgado o Cdigo Florestal.

A Constituio de 1967 acompanhou a sua antecessora no que diz respeito matria ambiental. Tambm na dcada de 60 outros textos legais fizeram referncia ao meio ambiente, como a Lei de proteo fauna, de 03/01/1967 (Lei 5.197/67); o Decreto-lei 221, de 28/02/1967 (Cdigo de Pesca); a Lei da Poltica Nacional de Saneamento (Lei 5.318/67).

Na vigncia da Emenda Constitucional de 1969, em plena ditadura militar, independentemente de crticas ou aplausos a essa poca que faz parte da histria do nosso pas, certo que durante esse lapso temporal vrios textos legislativos de repercusso atual foram promulgados, como

24 BRASIL. Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Planalto. Disponvel em: < http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm > Acesso em: 2 jan. 2016.

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a Lei da Ao Civil Pblica (Lei 7.347/1985) e a Lei da Poltica Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981). A primeira compe o microssistema processual coletivo brasileiro, que trata da tutela processual de interesses/direitos transindividuais, na modalidade direito difuso, pois o meio ambiente um direito difuso; e a segunda traz o conceito atual de meio ambiente, como j analisado.

E, por fim, foi promulgada a Constituio Federal de 1988, uma constituio ambiental, que trata do meio ambiente em um captulo exclusivo, bem como em diversos dispositivos espalhados pelo corpo constitucional. Conforme Le-ciona Barroso, as normas de tutela ambiental so encontradas difusamente ao longo do texto constitucional.25

O captulo constitucional que faz referncia proteo ambiental um avano constitucional em termos de preservao dos recursos naturais. Assim, aduz Canotilho que:

Ao abraar esta concepo holstica e juridicamente autnoma do meio

ambiente, o constituinte de 1988 distancia-se de modelos anteriores,

praticamente fazendo meia-volta, especialmente ao admitir que: o meio

ambiente dispe de todos os atributos requeridos para o reconheci-

mento jurdico expresso, no patamar constitucional; tal reconhecimento

e amparo se d por meio de uma percepo ampliada e holstica, isto

, parte-se do todo (a biosfera) para se chegar aos elementos; o todo e

os seus elementos so apreciados e juridicamente valorizados em uma

perspectiva relacional ou sistmica, que vai alm da apreenso atomizada

e da realidade material individual desses mesmos elementos (ar, gua,

solo, florestas, etc...).26

Diante de toda esta construo histrica constitucional-infralegal, pergunta--se: e o Pantanal Mato-grossense, santurio ecolgico, est protegido pela Constituio Federal? Existe uma lei federal em vigncia que garanta a sua preservao? Ou ser que este bioma est desprotegido juridicamente? jus-tamente sobre estes questionamentos que versar o prximo tpico.

25 BARROSO, Luis Roberto. A proteo do meio ambiente na Constituio brasileira. Revista Forense, v. 317, p. 177, 1992.

26 CANOTILHO, Joaquim Gomes; LEITE, Jos Rubens Morato. Direito constitucional ambiental brasileiro. So Paulo: Saraiva, 2007. p. 84-85.

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3.2 A proteo jurdica do Pantanal Mato-grossense como patrimnio

nacional

O Pantanal uma das maiores reas midas do planeta. A sua extenso muito controvertida entre os estudiosos do tema, como aduzem Ctia Nunes da Cunha, Maria Teresa e Wolfgang:

Hamilton et al. (1996) indicam uma rea total de 137.000 km baseando-se

em critrios morfolgicos e hidrolgicos. Padovani (2010), usando o nvel de

inundao mxima como limite e incluindo manchas sedimentares internos

no inundados estima uma rea total de 150.500 km. Cerca de 130.000 km

pertencente aos estados brasileiros de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul,

15.000 km Bolvia e 5.000 km ao Paraguai. A rea periodicamente inun-

dada varia de acordo com o nvel mdio mximo dos perodos estudados.27

O Pantanal, uma das maiores plancies de sedimentao do mundo, ocupa grande parte do centro-oeste brasileiro e se estende pela Argentina, Bolvia e Paraguai, onde recebe outras denominaes. Dificilmente pode ser estabele-cido um clculo exato de suas dimenses, sabendo-se, porm, que a poro brasileira, localizada em partes dos estados de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul, est estimada em cerca de 150.000 km:

A sua rea aproximada de 150.355 km, segundo dados do IBGE de

2004, ocupando assim 1,76% da rea total do territrio brasileiro. Em seu

espao territorial o bioma, que uma plancie aluvial, influenciado por

rios que drenam a bacia do Alto Paraguai.28

O Pantanal uma rea mida sujeita a um pulso de inundao normalmente bem conhecido, composto por uma fase aqutica e outra terrestre. Este pulso de inundao que permite a exuberncia deste ecossistema, a variabilidade anual alternada entre enchentes e secas; chuva e estiagem, respectivamente, re-presentam o fator ecolgico fundamental para o equilbrio deste meio ambiente:

Na paisagem pantaneira, a fisionomia altera-se profundamente nas duas

estaes bem definidas do ano: a seca e a chuvosa. Durante a seca, nos

campos extensos cobertos predominantemente por gramneas e vege-

tao de cerrado, a gua de superfcie chega a escassear, restringindo-

-se aos rios perenes, com leito definido, s grandes lagoas prximas a

esses rios e a algumas lagoas menores e banhados em reas mais baixas

27 CUNHA, Ctia Nunes da; PIEDADE, Maria Tereza Fernandes; JUNK, Wolfgang J. Classificao e delinea-mentos das reas midas brasileiras e de seus macrohabitats. Cuiab: Ed UFMT, 2014. p. 79.

28 PANTANAL. Disponvel em: < http://www.mma.gov.br/biomas/pantanal > Acesso em: 10 fev. 2016.

http://www.mma.gov.br/biomas/pantanal

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da plancie. As primeiras chuvas da estao caem sobre um solo seco e

poroso e so facilmente absorvidas.29

O Pantanal Mato-grossense, por possuir caractersticas diferenciadas, um santurio ecolgico reconhecido nacional e internacionalmente, que merece proteo jurdica.

Dentre os documentos internacionais relacionados proteo do Pantanal destaca-se a Conveno de Ramsar30, que foi celebrada em 1971, na cidade iraniana de Ramsar, em vigor desde 21 de dezembro de 1975, normatiza a proteo das reas midas e foi promulgada no Brasil pelo Decreto n 1.905, de 16 de maio de 1996.

O artigo 1, da Conveno, conceitua as reas midas:Artigo 1 - Para efeitos desta Conveno, as zonas midas so reas de pn-tano, charco, turfa ou gua, natural ou artificial, permanente ou temporria,

com gua estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo reas de

gua martima com menos de seis metros de profundidade na mar baixa.31

Apesar das dificuldades em se definir o que sejam estas reas midas, no h dvidas da importncia de sua preservao. A Conveno prev que o Brasil, enquanto signatrio, deve formar o seu Stio Ramsar, indicando reas midas de importncia internacional. Dentre as reas midas que o Brasil j indicou para comporem a Lista de Stios Ramsar, trs se encontram no Pantanal, sendo duas em Mato Grosso e uma em Mato Grosso do Sul: Reserva particular de patrimnio natural Sesc Pantanal (MT), Reserva particular de patrimnio natural Fazenda Rio Negro (MS) e Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense (MT).32

Por determinao desta Conveno, em 2003 foi criado o Comit Nacional de Zonas midas (CNZU)33, com o objetivo de criar um Plano Nacional de Zonas midas, mas este plano at hoje no atende aos objetivos da Conveno. As Recomendaes n 02/2010 e 06/2012, do Comit Nacional de Zonas midas (CNZU) visam elaborao de uma lei que efetivamente proteja o Pantanal.

29 Dados gerais do Pantanal. Portal pantanal o guia do santurio ecolgico. Disponvel em: Acesso em: 5 fev. 2016.

30 BRASIL. Dispe sobre o Decreto 1.905, de 16 de maio de 1996. Planalto. Disponvel em: Acesso em: 8 dez. 2016.

31 BRASIL. Dispe sobre o Decreto 1.905, de 16 de maio de 1996. Planalto. Disponvel em: Acesso em: 10 fev. 2016.

32 SERAFINI, L. Z. Proteo jurdica das reas midas e os direitos Socioambientais. 2007. Dissertao (Mestrado)- Programa de Ps-Graduao em Direito da PUC-PR, Curitiba, 2007. Disponvel em: Acesso em: 15 jan. 2016.

33 MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE. Conveno de Ramsar. Disponvel em: < http://www.mma.gov.br/biodiversidade/biodiversidade-aquatica/zonas-umidas-convencao-de-ramsar > Acesso em: 17 jun. 2016.

http://www.portalpantanal.com.br/dadosgerais.htmlhttp://www.portalpantanal.com.br/dadosgerais.htmlhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/D1905.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/D1905.htmfile:/d:\Users\Usuario\Desktop\ADRIANO%20-%20Pantanal\%3C%20http:\www.planalto.gov.br\ccivil_03\decreto\1996\D1905.htmfile:/d:\Users\Usuario\Desktop\ADRIANO%20-%20Pantanal\%3C%20http:\www.planalto.gov.br\ccivil_03\decreto\1996\D1905.htmhttp://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp024867.pdfhttp://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp024867.pdfhttp://www.mma.gov.br/biodiversidade/biodiversidade-aquatica/zonas-umidas-convencao-de-ramsarhttp://www.mma.gov.br/biodiversidade/biodiversidade-aquatica/zonas-umidas-convencao-de-ramsar

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Mais especificamente, a recomendao CNZU n 634, de 2012, recomenda Casa Civil da Presidncia da Repblica do Brasil que seja criado um grupo de trabalho interministerial com a finalidade de propor a Lei do Pantanal; tam-bm recomendou Agncia Nacional de guas (ANA) que elaborasse o Plano Estratgico de Recursos Hdricos da Regio Hidrogrfica do Paraguai, levando em conta a vazo ambiental (ou hidrograma ecolgico) nos rios j barrados, de modo a compatibilizar a gerao de energia e demais usos com a conservao da biodiversidade, a garantia das necessidades de gua do ecossistema e a manuteno do equilbrio hidro-ecolgico do bioma Pantanal, em articulao com a elaborao do Macrozoneamento Econmico da regio, salientando que devero ser promovidas as condies necessrias criao e funcionamento do respectivo Comit de Bacia. Por sua vez, a Recomendao CNZU n 06/2012 preocupa-se com a expanso de projetos de gerao de energia hidreltrica em prejuzo conservao do pulso de inundao do Pantanal Mato-grossense.

No ano de 2000, o Pantanal Mato-grossense recebeu dois ttulos da Orga-nizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura (Unesco): o de Reserva da Biosfera e o de Patrimnio Natural da Humanidade.

As Reservas da Biosfera35 formam uma rede mundial de reas voltadas conservao do patrimnio natural e cultural com a implementao do desenvol-vimento sustentvel. O ttulo concedido pela Unesco ao Pantanal Mato-grossense como Reserva da Biosfera reconhece ao bioma relevncia internacional.

O ttulo de Patrimnio Natural da Humanidade36 foi dado ao complexo de reas protegidas do Pantanal pela Unesco tambm em 2000. Este ttulo se deve ao fato de que este bioma precisa ser protegido por organismos nacionais e internacionais devido exuberncia natural que possui.

Diante de tal importncia ecolgica, se justifica a preservao do Pantanal Mato-grossense em documentos internacionais.

No cenrio jurdico nacional, a Constituio Federal de 1988, que reco-nhece o meio ambiente como direito fundamental, no captulo referente ao meio ambiente, mais precisamente no artigo 225, 4, reconhece o Pantanal Mato-grossense como patrimnio nacional:

34 EMBRAPA. As Recomendaes do Comit Nacional de Zonas midas. Disponvel em: < http://www.cpap.embrapa.br/pesca/online/PESCA2012_CNZU1.pdf > Acesso em: 23 ago. 2016.

35 MAB/UNESCO. O Programa MAB (Man and the Biosphere) e as Reservas da Biosfera. Disponvel em: < http://www.rbma.org.br/mab/unesco_01_oprograma.asp > Acesso em: 22 jul. 2016.

36 UNESCO. Representao da UNESCO no Brasil. Disponvel em: < http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/world-heritage/list-of-world-heritage-in-brazil/pantanal-conservation-area/#c1467473 > Acesso em: 2 jul. 2016.

http://www.rbma.org.br/mab/unesco_01_oprograma.asphttp://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/world-heritage/list-of-world-heritage-in-brazil/pantanal-conservation-area/#c1467473http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/world-heritage/list-of-world-heritage-in-brazil/pantanal-conservation-area/#c1467473

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Art. 225. [...] 4 A Floresta Amaznica brasileira, a Mata Atlntica, a Serra

do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira so patrimnio

nacional, e sua utilizao far-se-, na forma da lei, dentro de condies

que assegurem a preservao do meio ambiente, inclusive quanto ao

uso dos recursos naturais.

Cabe ressaltar que a Constituio dos Estados Unidos do Brasil de 193737 j reconhecia os bens ambientais como patrimnios nacionais e a atual Cons-tituio atribuiu ao Pantanal Mato-grossense o status de patrimnio nacional. Mas, efetivamente, qual o significado deste reconhecimento?

A doutrina ambiental constitucional no faz numerosos comentrios sobre o tema, mas reconhece o termo patrimnio nacional como u