CAROLINA CECCATTO LUCHESE FEMINISMO NA HISTÓRIA...

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ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CURSO DE TECNÓLOGO EM FOTOGRAFIA CAROLINA CECCATTO LUCHESE FEMINISMO NA HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA: FOTÓGRAFAS NOS SÉCULOS XIX E XX CAXIAS DO SUL 2017

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ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

CURSO DE TECNÓLOGO EM FOTOGRAFIA

CAROLINA CECCATTO LUCHESE

FEMINISMO NA HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA:

FOTÓGRAFAS NOS SÉCULOS XIX E XX

CAXIAS DO SUL

2017

CAROLINA CECCATTO LUCHESE

FEMINISMO NA HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA:

FOTÓGRAFAS NOS SÉCULOS XIX E XX

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Tecnologia em Fotografia da Universidade de Caxias do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Tecnólogo em Fotografia. Orientadora Prof.ª Dra. Eliana Rela

CAXIAS DO SUL

2017

CAROLINA CECCATTO LUCHESE

FEMINISMO NA HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA:

FOTÓGRAFAS NOS SÉCULOS XIX E XX

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Tecnologia em Fotografia da Universidade de Caxias do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Tecnólogo em Fotografia Orientadora Prof.ª Dra. Eliana Rela

Aprovada em

Banca Examinadora ____________________________________ Professora Dra. Eliana Rela Universidade de Caxias do Sul – UCS ____________________________________ Professora Ma. Flóra Simon da Silva Universidade de Caxias do Sul – UCS ____________________________________ Professora Dra. Terciane Ângela Luchese Universidade de Caxias do Sul – UCS

Aos meus pais, minha irmã e minha orientadora. Minhas amigas e meus amigos, em especial Marjoliê, Vinícius e Pedro. Obrigada pela força e companheirismo.

RESUMO

Partindo do questionamento da existência de fotógrafas feministas nos séculos XIX e XX, e da indagação de por que mulheres não são estudadas, o objetivo deste trabalho é a construção da história da participação dessas fotógrafas nas primeira e segunda ondas do feminismo. Através do diálogo entre teoria feminista e análise e interpretação de imagem, formalizou-se uma metodologia que possibilitou a construção dessa história de múltiplas contribuições e de pluralidade de olhares. Sua privação da história, imposta pelo sujeito universal, é resultado de um processo de exclusão de sujeitos determinados como Outros da narrativa canonizada como única e verdadeira há séculos. A pesquisa realizada neste trabalho pôde responder aos questionamentos inicialmente propostos ao confirmar afirmativamente as hipóteses de que, nos séculos XIX e XX, houve fotógrafas que confrontaram noções de feminilidade impostas e exploraram visualmente em suas obras (através de linguagens que vão desde o fotojornalismo a imagens simbolicamente construídas) os efeitos do patriarcado na sociedade. Por essas descobertas, evidenciou-se a necessidade de reconhecimento de novos nomes no universo da fotografia, além da emergência por uma história da fotografia que inclua mulheres e gere novas fontes históricas. Palavras-chave: Feminismo. Fotografia. Mulheres. Séculos XIX e XX.

ABSTRACT

Considering the questions of the existence of feminist photographers in the nineteenth and twentieth centuries, and the question of why women are not studied, the goal of this work is to construct the history of the participation of these female photographers in the first and second waves of feminism. Through the dialogue between feminist theory and image analysis and interpretation, a methodology was formalized, enabling the formulation of this history of multiple contributions and plurality of views. Their omission on history, imposed by the universal subject, is the result of a process ox excluding subjects determined as Others from the narrative that was canonized as unique and true for centuries. The research carried out in this paper could answer the initially proposed questions by affirmatively confirming the hypothesis that, in the 19th and 20th centuries, there were female photographers who defied imposed concepts of femininity and visually exploited them in their works (through languages ranging from photojournalism to images symbolically constructed) the effects of patriarchy in society. These discoveries have highlighted the need to recognize new names in the universe of photography, as well as the urgency for a history of photography that includes women and engender new historical sources. Keywords: Feminism. Photography. Women. 19th and 20th centuries.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 – BEATRICE ........................................................................................... 33

FIGURA 2 – MULHERES TRABALHANDO .............................................................. 37

FIGURA 3 – GIBSON GIRL ...................................................................................... 38

FIGURA 4 – AUTORRETRATO COMO NOVA MULHER ........................................ 39

FIGURA 5 – THE LADIES’ HOME JOURNAL .......................................................... 41

FIGURA 6 – AS PRINCIPAIS MULHERES FOTÓGRAFAS NA AMÉRICA .............. 42

FIGURA 7 – BENGT E ELISABETH 1 ..................................................................... 43

FIGURA 8 – BENGT E ELISABETH 2 ..................................................................... 44

FIGURA 9 – DIAMOND ............................................................................................ 46

FIGURA 10 – MARTHA E O POLICIAL ................................................................... 47

FIGURA 11 – POLICIAL COM PANFLETO .............................................................. 48

FIGURA 12 – AMEND GRUPO DE HOMENS ......................................................... 50

FIGURA 13 – CERIMÔNIA DO CHÁ 1 ..................................................................... 52

FIGURA 14 – CERIMÔNIA DO CHÁ 2 ..................................................................... 53

FIGURA 15 – ELEVATOR GIRL 1 ............................................................................ 54

FIGURA 16 – ELEVATOR GIRL 2 ............................................................................ 55

FIGURA 17 – ELEVATOR GIRL 3 ............................................................................ 56

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 8

2 HISTÓRIA DO FEMINISMO NO MUNDO E NO BRASIL ..................................... 14

2.1 TEORIA FEMINISTA E GÊNERO ...................................................................... 15

2.2 AS PRINCIPAIS DEMANDAS DE CADA ONDA ................................................ 16

2.3 O PATRIARCADO COMO PRINCIPAL OBSTÁCULO ....................................... 21

3 HISTORIOGRAFIA DAS MULHERES NO MUNDO E NO BRASIL ...................... 25

3.1 SILENCIAMENTO E EXCLUSÃO SOCIAL ........................................................ 25

3.2 IMPORTÂNCIA DE UMA HISTORIOGRAFIA .................................................... 28

4 FOTÓGRAFAS: SEUS OLHARES E CONTRIBUIÇÕES ..................................... 30

4.1 SURGIMENTO DA FOTOGRAFIA NO OCIDENTE ........................................... 31

4.2 INSERÇÃO DAS MULHERES NA FOTOGRAFIA ............................................. 32

4.3 TEORIA FEMINISTA E FOTOGRAFIA EM DIÁLOGO ....................................... 34

4.4 HIPPOLYTE LAVENUE....................................................................................... 36

4.5 FRANCES BENJAMIN JOHNSTON ................................................................... 37

4.6 DONNA FERRATO ............................................................................................ 43

4.7 MARIKO MORI E MIWA YANAGI ...................................................................... 51

5 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 57

APÊNDICE A – ENTREVISTA COM YOSHIDA NATSUMI ...................................... 64

APÊNDICE B – PROJETO TCC 1 ............................................................................ 76

ANEXO A – TERMO DE AUTORIZAÇÃO E CESSÃO DE DIREITOS AUTORAIS . 93

8

1 INTRODUÇÃO

A história das mulheres diverge de país para país, no entanto o que se

mostra comum nas mais diversas culturas é a existência de um sujeito universal (o

homem branco heterossexual) e um enfraquecimento do papel da mulher como

indivíduo ativo na sociedade. Na Europa do século XIX, independente de credo, ou

classe social, a figura masculina imperava. De acordo com Perrot (1991), é absoluta

a superioridade da figura paterna, enquanto que a figura materna é tida como

incapaz e deve ser obediente ao marido (sendo as adúlteras puníveis com morte

pelas mãos do próprio marido). Nas famílias burguesas mesmo a mãe podendo

administrar os gastos da família (mas ainda assim tendo de prestar contas ao

marido), é o pai quem guarda, controla e libera o dinheiro em quantias

extremamente pequenas; decisão acatada em consequência do pensamento de que

a mulher é considerada fraca e suscetível demais para ter algo tão importante como

o dinheiro em suas mãos. As que trabalhavam fora de casa não eram vistas com

bons olhos e, por isso, aos olhos da sociedade deveriam permanecer solteiras e

solitárias. Nas camadas mais populares, a mulher era incumbida de múltiplas

tarefas, como dar à luz e cuidar dos filhos, cuidar da casa limpando, fazendo

compras, preparando as refeições, entre tantos outros afazeres. Por terem de sair

de casa em busca de trabalho pela demanda de uma renda extra, as mulheres das

camadas sociais mais baixas muitas vezes eram vistas como rebeldes (o que, mais

uma vez, as tornava alvo de violência e de reclusão doméstica). A moral e os bons

costumes (impostos novamente pelo sujeito universal) diziam que toda boa mãe

deveria se ocupar somente de seu bebê.

O início da história das mulheres no Brasil (posterior à das mulheres

indígenas) herda muito da cultura portuguesa que começou a colonização do país

em 1500. Portugal, além de trazer seus costumes da época, trouxe também seus

provérbios que diziam que “uma mulher virtuosa só saía de casa somente em três

ocasiões: para ser batizada, para ser casada e para ser enterrada.” (HAHNER, 2012,

p. 46). Embora o estilo de vida entre mulheres indígenas, negras trazidas da África

para serem escravas e as mulheres da elite fossem extremamente diferentes, um

fator comum que prevaleceu na vida de todas durante muitos séculos (e ainda

prevalece) é o do sujeito universal e suas ideias criadas para favorecê-los.

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As brasileiras raramente tinham liberdade e controle sobre suas próprias

vidas. Embora o patriarcado condicionasse a vida das mulheres às funções

maternas, durante o século XX muitos direitos foram conquistados. Elas podiam

enfim sair de casa em outras ocasiões que não fossem somente seu batismo,

casamento e velório. Começavam a ocupar o mercado de trabalho, se preocupar

com a própria saúde, com o que vestiam e o modo como queriam se portar fora de

casa. Podiam escolher com quem iriam casar (ou se não queriam casar) ao invés de

ter sua vida decidida aos treze anos de idade pelo pai. Podiam votar e estudar. No

entanto, limitações e condições para sua liberdade nunca deixaram de existir:

poderiam trabalhar, no entanto somente em determinados lugares; poderiam usar

maquiagem, mas não em excesso ou poderiam aparentar serem prostitutas;

poderiam escolher com quem se casar, desde que o noive viesse de família rica;

poderiam estudar, mas a prioridade deveriam ser as tarefas domésticas.

Antes de o feminismo propriamente dito existir, muitas mulheres no século

XIX (e até antes) ao redor do mundo questionavam seu papel na sociedade. Eram

apenas pensamentos esparsos, individuais, sem a organização grupal e apoio que

temos hoje em dia. No final do século XIX e início do século XX, esses pensamentos

começaram a tomar forma e suas vozes serem ouvidas em diferentes países por

outras mulheres com ideias semelhantes. Cada país se envolveu com o feminismo e

desenvolveu o movimento de formas e em tempos diferentes, visto que cada um

possuía seus próprios conflitos internos. No Brasil, por exemplo, durante a ditadura,

a pauta feminista incorporava a questão das classes sociais, enquanto que nos

Estados Unidos, no mesmo período, o foco era a existência de uma historiografia

das mulheres (discussão essa que mais tarde repercutiu no Brasil também).

Como forma de facilitar o entendimento do movimento feminista e das

demandas feministas num contexto social geral, muitas(os) historiadoras(es) dividem

esses períodos em ondas. Ondas essas em que as bandeiras erguidas por

reivindicações foram mais fortes se comparadas com outros períodos. Como no

século XIX ainda não existia um agrupamento significativo, o feminismo surgiu como

movimento formado e organizado somente no início do século XX; tendo assim sua

primeira onda, que apresentou demandas acerca do acesso à educação, direito ao

voto, trabalho remunerado. Anos mais tarde, entre as décadas de 1960 e 1980,

surgem pautas ligadas à sexualidade, ao corpo e à violência contra a mulher, sem

deixar de lado os direitos ainda não conquistados na primeira onda do movimento.

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Há muito tempo a mulher é considerada como inferior ao homem e incapaz

de realizar as mesmas tarefas que ele. A introdução de boa parte das mulheres ao

universo da fotografia no século XIX só aconteceu porque seus maridos ou pais já

trabalhavam com isso e, mesmo assim, seu trabalho dificilmente era reconhecido ou

sequer creditado. No século XIX, a fotografia ainda não era considerada

manifestação artística, o que a tornava uma forma de expressão inferior se

comparada à pintura e escultura, por exemplo. Por isso, o ensino da fotografia em

ateliês de arte e universidades não existia. Era rara (ou praticamente inexistente em

alguns lugares) a presença feminina em instituições de ensino superior, já que seu

acesso à educação não era algo incentivado para que seus papéis como boa

esposa e boa mãe pudessem ser desempenhados dentro de casa. Então, em 1842

Hipollyte Lavenue se tornou a primeira mulher do mundo a exibir daguerreótipos em

um salão de arte no Brasil. Anos depois, em 1897, Frances Benjamin Johston

publicou no The Ladies’ Home Journal o artigo What a Woman Can do With a

Camera. Mulheres como Lavenue (que abriram portas) e Benjamin Johnston (que

questionaram seu papel como indivíduo) começavam a profetizar a fotografia como

meio de discurso para o feminismo.

Durante séculos a imagem das mulheres permaneceu restrita às definições

limitadoras impostas por um sujeito que sempre colocou a si mesmo como superior

em todos os âmbitos. O movimento feminista surgiu com o intuito de romper com os

ideais patriarcais que sempre se mostraram inadequados independente da época. O

processo de igualdade consiste em tirar das sombras os grupos excluídos e colocá-

los sob holofotes para que sejam elevados ao mesmo patamar de reconhecimento

da sociedade que os exclui. Ao contrário do que se acredita, não é favorecer um em

detrimento do outro, mas sim proporcionar igual visibilidade para todos.

Por feminismo se entende um movimento que teve sua origem no século XIX

com mulheres que buscavam (e ainda buscam) uma sociedade igualitária, sem

distinção de gênero, através da luta por direitos. O recorte das ondas1 foi escolhido

para facilitar o entendimento da história do feminismo e para poder relacionar

cronologicamente com a história da fotografia.

1O termo “onda” dentro do movimento feminista é usado para que a distinção entre as épocas com

diferentes reivindicações seja mais clara. Foi cunhado pela americana Marsha Lear em 1968 e é

utilizado por diversas(os) autoras(es) até hoje.

11

O objetivo deste trabalho é que, através de determinados questionamentos,

seja possível construir a história da participação das fotógrafas nas diferentes ondas

do movimento feminista ao longo dos séculos XIX e XX e de suas contribuições.

Houve mulheres fotógrafas que no século XIX registraram o questionamento do

papel feminino na sociedade? Esses registros fotográficos evidenciam quais

questionamentos? Por que não lemos sobre mulheres quando estudamos a história

da fotografia? De que forma o feminismo é perceptível em seu trabalho? As

respostas para essas perguntas serão apresentadas através da conceituação de

gênero e feminismo se utilizando de uma sociologia feminista; de uma breve

historiografia sobre a história das mulheres; da definição e da história do feminismo

como forma de questionamento da existência de uma narrativa e sujeito universais.

Também serão apresentadas as biografias analisadas das fotógrafas identificadas

com cada uma das ondas do movimento feminista, para que sua capacidade

intelectual e crítica sobre a condição feminina seja evidenciada.

É possível identificar que o questionamento sobre o sujeito universal através

da produção imagética é feito desde o século XIX, que as fotógrafas questionaram

noções de gênero, seu papel como indivíduo e como a sociedade reagiu diante

desse material na época. Também é perceptível que, mesmo que algumas

fotografias não tenham sido produzidas conscientemente com o intuito de questionar

algum comportamento da época, elas acabaram projetando novas relações

interpretativas e contribuindo até mesmo com novas formas de produção narrativa

na fotografia; além de abrir portas para que outras fotógrafas pudessem se

desvencilhar das noções machistas impostas e produzir fotografias pensando o

feminismo de forma consciente.

Na pesquisa realizada foram encontrados diversos nomes de fotógrafas que

contribuíram para a história da fotografia e do movimento feminista; de

historiadoras(es) e sociólogas(os) que perceberam a escassez de estudos sobre as

mulheres e contribuíram para que isso mudasse.

As(os) autoras(es) escolhidas(os) como embasamento para fundamentação

teórica deste trabalho representam as áreas de história, sociologia, estudos de

feminismo e gênero, fotografia e leitura de imagem. Cada um(a) desenvolveu seus

conceitos de acordo com a realidade que tem mais proximidade, o que nos

proporciona uma análise de pensamento de diferentes países e, consequentemente,

de diferentes olhares e como essas ideias se transformaram ao longo do tempo.

12

Para abordar a história da vida pública e privada das mulheres e do

feminismo sob diferentes aspectos culturais, foram consultadas obras de

pesquisadoras de diferentes países. As autoras escolhidas foram Margareth Rago,

Michelle Perrot, Simone de Beauvoir e Joan Scott. Diante da dificuldade em

encontrar material que falasse sobre feminismo no Japão, foi realizada uma

entrevista com uma jovem professora japonesa que, atualmente, mora no Brasil.

O estudo sobre os trabalhos das fotógrafas foi feito através de pesquisa

biográfica e de análise de imagem. O autor selecionado para auxiliar o processo de

leitura de imagem foi Boris Kossoy por possuir uma metodologia de análise

semelhante às propostas da teoria feminista. As cinco fotógrafas escolhidas

representam diferentes períodos e locais, indo ao encontro com a proposta de

relacionar seus trabalhos com as duas primeiras ondas do movimento feminista;

além de utilizarem a fotografia em seu trabalho como produto final.

No primeiro capítulo, intitulado História do feminismo no mundo e no Brasil,

são abordadas noções e conceituações do feminismo como movimento social e

teoria; como o termo gênero surgiu e como se deu o seu processo para se tornar um

instrumento de análise histórica e de reflexão sobre estratégias feministas com base

nas propostas feitas pela autora Joan Scott. Também é feita uma narrativa que trata

do caminho do feminismo em diferentes sociedades, demonstrando a sintonia e

organização do movimento que, embora tenha se desenvolvido de formas diferentes

em cada país, manteve-se proativo mesmo diante de empecilhos e obstáculos

criados pela instituição patriarcal.

O capítulo seguinte, Historiografia das mulheres no mundo e no Brasil,

discorre sobre os resultados de uma das reivindicações da segunda onda do

movimento: a necessidade da inclusão das mulheres na história. Em que

circunstâncias esse pensamento surgiu, o que propunha e as dificuldades iniciais em

encontrar fontes que suprissem essa dificuldade em criar uma narrativa que

englobasse novas personagens; a recusa do sujeito universal.

No último capítulo, Fotógrafas: seus olhares e contribuições, são feitas

análises dos trabalhos e da biografia de Hippolyte Lavenue, Frances Benjamin

Johnston, Donna Ferrato, Mariko Mori e Miwa Yanagi. As análises foram realizadas

com base no ambiente sociocultural e no contexto histórico de cada uma das

fotógrafas. O objetivo dessas análises é enaltecer suas produções, demonstrando

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sua plena capacidade intelectual, para que se possa encontrar resposta à questão:

por que não estudamos mulheres na história da fotografia?

14

2 HISTÓRIA DO FEMINISMO NO MUNDO E NO BRASIL

Neste capítulo será explanado, de forma sucinta, o que é feminismo e o que

representa a palavra gênero, abordando questões da teoria feminista e das

contribuições para a sociedade que o feminismo propõe como movimento. Além

disso, busca expor de que forma o termo gênero surgiu e seu desenvolvimento

dentro dos estudos feministas. Apresenta, também, uma breve história do feminismo

no mundo e no Brasil; como e onde o movimento iniciou, de que forma se propagou

pelo mundo e como se deu seu desenvolvimento nos séculos XIX e XX. Além disso,

procura investigar quais foram as principais demandas da primeira e da segunda

onda e como as sociedades patriarcais reagiram ao movimento diante dessas

reivindicações.

Cada país desenvolve sua própria cultura dentro do seu próprio tempo.

Como coloca Adichie (2015, p.48) “a cultura não faz as pessoas, as pessoas fazem

a cultura”. Dessa forma, “se uma humanidade inteira de mulheres não faz parte da

nossa cultura, então temos que mudar nossa cultura” (ADICHIE, 2015, p.48). O

pensamento sobre o desequilíbrio entre homens e mulheres surge já no século XV

na Europa, mas não encontra respaldo dada a pouca instrução que as mulheres

tiveram até o século XVI. Seu destino se rompe quando começam a demonstrar

interesse e frequentar um ambiente que até então tinha como presença dominante

os homens: o meio intelectual. O século XVII é palco para o surgimento de escritoras,

pintoras, atrizes; no entanto, sua produção e êxito nunca puderam se igualar quando

comparadas às produções de homens da mesma época. De acordo com Beauvoir

(2016, p. 153) “o campo cultural é o mais acessível às mulheres que tentam afirmar-

se. Nenhuma, entretanto, atingiu as alturas de um Dante, de um Shakespeare, o que

se explica pela mediocridade geral de sua condição”. As mulheres sempre foram

excluídas da vida pública e condenadas à vida privada porque sempre viveram em

uma sociedade que estipulou isso como comportamento normativo. Sua condição

medíocre se deve, em parte, pelo seu confinamento à vida privada desde criança e,

quando adulta, direcionada somente às funções de gerar herdeiros para o marido e

cuidar da casa. Portanto, a partir do momento em que tentam se afirmar como seres

com capacidade mental como os homens, não obtém sucesso imediato dado que o

desenvolvimento de seu intelecto nunca foi algo incentivado por um sujeito que

sempre impôs tantos obstáculos.

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2.1 TEORIA FEMINISTA E GÊNERO

O sufrágio feminino surge já no século XIX, mas é somente nos anos 1960 e

1970 que encontra palco para alavancar como movimento social. O feminismo como

movimento desenvolve formas de revelar a opressão e a desigualdade entre

mulheres e homens na sociedade. Afirma que mulheres não nascem mulheres; mas

sim, que são fruto de um conjunto de organizações culturais impostas que podem

ser modificadas. Descortina os processos de exclusão das mulheres na sociedade e

na história e reivindica direitos para libertar as mulheres da construção do que

supostamente é ser mulher.

A partir das discussões sobre a reivindicação por uma história das mulheres,

torna-se perceptível a presença da divisão patriarcal também no âmbito científico.

Propondo novas visões da realidade, a ciência feminista se forma a partir do

feminismo como movimento social ainda na década de 1970. A teoria feminista

questiona a forma de compreensão androcêntrica da produção de conhecimento,

que parte de uma concepção patriarcal considerando as experiências masculinas

como sendo experiências de toda a humanidade. Dessa forma, “apoia-se na

suposição de que existe uma realidade objetiva e que o método científico é um meio

isento de valor para descobrir vínculos causais e generalizar relações, tendo como

meta da investigação a predição e controle.” (PAIVA, 1997, p. 518).

As teóricas feministas sugerem que não existe uma verdade universal e que,

a partir disso, é possível criar uma metodologia oposta ao androcentrismo, que

avalia a produção de conhecimento de forma qualitativa ao invés de quantitativa.

Castro e Bronfman (1993) colocam que “a ênfase feminista, inclui ainda a

consideração de preconceitos de classe e de raça” (CASTRO; BRONFMAN, 1993,

apud PAIVA, 1997, p. 521). Uma união e relacionamento entre gênero, classe e raça

para que haja uma análise mais precisa do conhecimento.

Em paralelo à ciência feminista se desenvolvem os estudos de gênero que,

na década de 1980, surgem como uma forma de conseguir legitimidade acadêmica.

O termo gênero, inicialmente, passa a ser usado como um substituto para mulheres

diante de alguns fatores como a recusa dos historiadores não feministas em

reconhecer uma história das mulheres; e para sugerir “que qualquer informação

sobre as mulheres é necessariamente informação sobre os homens, que um implica

o estudo do outro” (SCOTT, 1995, p. 75). No entanto, apesar de indicar que os

16

papéis são construções culturais e rejeitar a ideia de que existem esferas separadas,

o termo gênero apresentava alguns impasses. Por continuar sendo associado

somente aos estudos relacionados às mulheres, mantinha as noções binárias pré-

estipuladas (homem; mulher) sem de fato relacioná-las, explicá-las e como mudá-

las; ou seja, gênero surgia como um novo campo de pesquisa que ainda não

possuía poder analítico para questionar e mudar a forma de produção e

interpretação histórica.

Como possível resolução para resolver esses impasses, a historiadora Joan

Scott propôs que fosse dada atenção aos sistemas de significado e ao material

analisado. Dessa forma, “a história do pensamento feminista é uma história da

recusa da construção hierárquica da relação entre masculino e feminino, em seus

contextos específicos, e uma tentativa para reverter ou deslocar suas operações.”

(SCOTT, 1995, p. 84).

A partir dessa recusa consciente do pensamento binário é possível enfim

desenvolver o gênero como uma categoria de análise. Deve-se analisar cada sujeito

individualmente, o ambiente organizacional em que está inserido, suas inter-

relações; pensar nos processos tão vinculados que não podem ser separados.

(SCOTT, 1995). As definições de gênero propostas pela autora Joan Scott

contemplam duas partes. A primeira (que engloba mais quatro elementos) fala sobre

as relações sociais baseadas nas diferenças entre os sexos: os símbolos culturais

que evocam representações simbólicas; os conceitos normativos que expressam

interpretações dos significados dos símbolos; uma análise da nova pesquisa

histórica incluindo a concepção política fazendo referência a instituições e

organizações sociais; um exame das formas pelas quais as identidades de gênero

são construídas e de que forma é possível relacionar isso com as representações

sociais. A segunda definição proposta pela autora fala sobre como gênero fornece

um meio de decodificar significados para ajudar a compreender as interações

humanas.

O objetivo do gênero é explorar questões que ofereçam novas perspectivas

e redefinições sobre velhas questões; refletir sobre as estratégias feministas em prol

de uma nova história.

2.2 AS PRINCIPAIS DEMANDAS DE CADA ONDA

17

Cada onda do feminismo se caracterizou por diferentes demandas que

ocorreram em épocas muito semelhantes nos países em que o movimento se

desenvolveu. Embora suas reivindicações variassem em cada sociedade, sua

premissa sempre se manteve a mesma: o clamor pela igualdade de gênero.

No Brasil, a questão do sufrágio feminino só foi proposta no final do século

XIX, mas não teve apoio suficiente para que o movimento feminista tivesse uma

formação. Uma das primeiras vozes proferidas a favor das mulheres no século XIX

foi a de Nísia Floresta. Seguindo o destino imposto às meninas na época, foi

obrigada a se casar muito jovem, mas abandonou o marido. Em 1832 teve contato

com a obra A Vindication of the Rights of Woman escrito por Mary Wollstonecraft e a

traduziu. Além disso, suas reivindicações incluíam a luta pela educação, valorização

das mulheres, liberdade religiosa no Brasil e a abolição da escravatura. (HAHNER,

2012).

Até então encerradas à vida privada, as brasileiras do século XX deram

início às suas reivindicações lutando pelo direito de capacitação profissional e

trabalho remunerado, acesso à educação, direito de votar e de se eleger. É nessa

época, mais precisamente em 1918, que surgiu a maior referência dentro do

movimento das mulheres no período da primeira onda no Brasil. Bertha Lutz fez

parte de um grupo de militância que, mesmo com muito anseio por mudanças,

escolheu manter moderado o tom do discurso feminista para não chocar os grupos

mais conversadores (o que se revelou uma boa estratégia tendo em vista a

quantidade de mulheres que posteriormente se associaram à causa).

Bertha Lutz sugeriu que fossem criadas associações de classe para diversas

categorias profissionais e que houvesse uma redução do horário de trabalho de 14

horas para 8 horas, argumentando que a ascensão feminina traria não somente

benefícios pessoais como também seria um importante instrumento para o

progresso do país (SOIHET, 2012).

Uma das bandeiras levantadas pelo feminismo de primeira onda no Brasil foi

a questão da educação como ponto primordial para a emancipação feminina, porque

partia do princípio de que, se uma mulher fosse bem instruída, ela então teria

condições de se assemelhar intelectualmente aos homens e assim conseguir

trabalho e remuneração justos, sem distinção de gênero, para uma vida pública e

privada justas. Em 1932 o Brasil ganhou um novo código eleitoral que estabeleceu o

voto feminino no país; a proibição da diferença salarial por motivo de idade, sexo,

18

nacionalidade ou estado civil; e o reconhecimento de que a maternidade deve ser

amparada pelo Estado. Tudo isso garantiria às mulheres a oportunidade de

participarem ativamente da sociedade como indivíduos perante a lei, tal qual os

homens. Embora tivessem obtido sucesso em importantes demandas, sua

independência dentro do ambiente privado ainda traçava o mesmo destino: à mulher

ainda cabiam os afazeres domésticos. Isso ocasionou, consequentemente, uma

jornada dupla de trabalho.

Questões que levavam em conta a sexualidade da mulher não foram

erguidas na primeira onda já que, segundo Soihet (2012, p. 233) “diante das

preocupações com a aceitação do movimento pela opinião pública, para não ganhar

ainda mais opositores, elas evitaram levantar tal questão”. Foi somente a partir da

década de 1970, na segunda onda do movimento no Brasil, que a questão da

sexualidade das mulheres começou a ser debatida. Junto dela, outras reivindicações

acerca da violência contra a mulher, dos problemas das mulheres trabalhadoras e

pautas como direitos das mulheres negras e lésbicas começaram a ganhar atenção.

A partir da década de 1970 (e ainda mais forte na década de 1980) começa a ser

cada vez mais frequente a presença das mulheres em ambientes públicos

anteriormente dominados pelos homens, como universidades e os mais diversos

ambientes de trabalho. É nessa época que surgem os grupos de consciência e

reflexão: grupos formados somente por mulheres que se reuniam umas nas casas

das outras, ou em locais públicos para debaterem sobre os problemas que

enfrentavam. Simultaneamente à segunda onda do movimento feminista, o Brasil

passa pelo regime ditatorial. Durante esse período muitas pessoas foram exiladas

no exterior e, claramente, não foi diferente para as mulheres (o que ocasionou na

formação de novos grupos de consciência fora do país, organizados por brasileiras

exiladas).

O surgimento da pílula anticoncepcional tornou a questão da sexualidade

das mulheres um assunto ainda mais forte dentro (e fora) do movimento feminista, já

que colocava em cheque a ideia de que sexo somente servia para procriação, além

de contestar o senso comum que firmava o homem como único sujeito capaz de

alcançar prazer. Em 1980 surgiu a pauta do aborto livre (assunto esse reivindicado

19

pelo Coletivo das Mulheres2), além do questionamento sobre a real necessidade de

as tarefas domésticas serem exercidas somente pelas mulheres, e não também

pelos homens; foi exigido do governo a criação de creches para as mães que

trabalhavam terem como alternativa a possibilidade de deixarem seus filhos nesses

locais enquanto estivessem fora.

O casamento como objetivo de vida é incentivado (mais certo uma

imposição mascarada como sugestão) às mulheres há séculos em muitas culturas.

Casar, gerar herdeiros – de preferência meninos; se o bebê nascido fosse do sexo

feminino, podia ser descartado – zelar pela família, ocupar-se das tarefas

domésticas e limitar-se ao ambiente privado. À esposa cabia submissão e

obediência ao marido; durante muito tempo o divórcio não foi permitido e, quando

enfim autorizado por lei (mas ainda assim não bem visto pela sociedade), somente

sob condições muito restritivas: a mulher só tinha direito de pedir divórcio quando

soubesse e tivesse provas de que o homem havia cometido adultério. A dominação

da mulher pelo homem sempre existiu e isso tem relação direta com a situação de

cada círculo familiar.

Segundo Beauvoir “quanto mais poderoso se sente o homem, social e

economicamente, mais se vale da autoridade do pater familias” (BEAUVOIR, 2016, p.

141). Isso explica as relações entre homens e mulheres de classes sociais mais

baixas nos séculos XIX e XX em alguns países europeus: a necessidade de

recursos fez com que a mulher deixasse o ambiente privado e buscasse trabalho

fora de casa, assim como o marido. Isso ocasionava relações menos opressivas se

comparadas aos círculos familiares da elite. Entretanto, isso não significava que a

mulher deixava de executar tarefas domésticas, uma vez que era votada como único

ser dotado de realizar tal função.

No século XIX na Europa, mulheres fundam jornais e revistas e começam a

acontecer os primeiros agrupamentos reivindicando igualdade. Nessa época as

indústrias mecanizam seus sistemas de produção e a demanda por mais

trabalhadores é grande. Um novo destino surge diante das mulheres e sua mão de

obra é necessária nas fábricas. Donos de fábricas tinham preferência pela mão de

obra feminina e muitas vezes as preferiam aos homens:

2 O Coletivo das Mulheres foi um grupo de feministas que se desmembrou do originalmente Centro da

Mulher Brasileira (CMB) que tinha como objetivo conscientizar as camadas populares sobre o movimento.

20

“Trabalham melhor e mais barato”. Esta fórmula cínica esclarece o drama do trabalho feminino. Porque é pelo trabalho que a mulher conquista sua dignidade de ser humano; mas foi uma conquista singularmente árdua e lenta. (BEAUVOIR, 2016, p. 166).

A preferência pela mão de obra feminina não agradou aos homens que,

sentindo-se ameaçados pelas mulheres, se mostraram hostis. Sua presença no

trabalho só começou a ser aceita pela classe trabalhadora quando as mulheres

enfim se integraram na vida sindical e tiveram sua mão de obra regulamentada (o

que aconteceu somente em 1874, após muitos anos de abuso, exploração e

trabalho mal pago).

Em 1867, na França, foi feita a primeira defesa do voto feminino (direito esse

conquistado somente em 1945); em 1879 é proclamada a igualdade dos sexos até

que, enfim, em 1892 a palavra feminismo é nomeada para o movimento,

acompanhado do surgimento do Congresso Feminista. É fundada a União Francesa

pelo Sufrágio das Mulheres em 1909, com organizações de conferências,

congressos e manifestações.

O movimento sufragista na Inglaterra pressiona o governo durante quinze

anos invadindo comícios; tomando à força gabinetes de importantes figuras políticas

da época; promovendo comícios e manifestações nas ruas, insultando e jogando

pedras em policiais; angariando fundos e reunindo força de milhares de homens e

mulheres. A partir de 1907, todos os anos são apresentados projetos de lei a favor

do voto feminino (projetos esses sempre rejeitados). Novos protestos, prisões e

projetos rejeitados se sucederam no decorrer dos anos até que, em 1912, as

feministas passam a exercer uma nova tática: ateiam fogo em locais inabitados,

destroem obras de arte, jogam pedras contra a polícia, interrompem discursos de

figuras públicas da época. O direito ao voto das inglesas só foi outorgado sem

restrições em 1928.

Nos Estados Unidos, o avanço pelo direito ao voto é demorado e progride

lentamente de Estado para Estado. Em 1869, com a criação da Associação Nacional

para o Sufrágio das Mulheres, o Estado de Wyoming torna-se o primeiro a conceder

o direito de voto às mulheres. Em seguida, em 1893, passa a valer no Estado do

Colorado; em 1896 em Idaho e Utah. O direito ao voto feminino foi proclamado em

nove Estados. Somente a partir da década de 1910 (na primeira onda do

movimento) o movimento feminista clama o direito de voto por todas as mulheres da

21

nação norte-americana. Somente em 1919 foi aprovada a emenda do direito ao voto

no país todo e em 1933 é assinada uma convenção que concede a igualdade de

todos os direitos às mulheres. Assim, “abrem-se as fábricas, os escritórios, as

faculdades às mulheres, mas continua-se a considerar que o casamento é para elas

uma carreira das mais honrosas e que as dispensa de qualquer outra participação

na vida coletiva” (BEAUVOIR, 2016, p. 194).

A segunda onda do movimento na Europa e nos Estados Unidos colocou em

pauta questões relacionadas ao corpo e à história das mulheres. Em 1966 nos

Estados Unidos, formou-se a Organização Nacional das Mulheres, além de outros

grupos; todos reivindicavam a igualdade de gênero, mudanças sociais e

denunciavam a persistência da desigualdade. Questões como reconhecimento e

representação profissional também eram pauta já que sua atuação no mercado

continuava não sendo apoiada, como diz Perrot (2007, p.159) “é sentido como um

desconforto, a marca da decadência da família, uma vergonha social”.

Foram votadas inúmeras leis pela penalização do estupro, do assédio sexual

no trabalho; pela proteção das mulheres. Entre 1971 e 1975 o MLF (Mouvement de

Libération des Femmes) leva as mulheres às ruas em diversos países do mundo

todo, reivindicando o direito livre à maternidade. Na década de 1970 o feminismo

luta pela libertação das mulheres. “As mulheres redescobrem seu corpo, seu sexo, o

prazer, a amizade e o amor entre as mulheres, a fraternidade, a homossexualidade.”

(PERROT, 2007, p. 158). Também na década de 1970 foi declarada a emergência

por uma história das mulheres escrita por mulheres, reivindicação essa que

descobriu inconvenientes empecilhos ditados pelos historiadores que consideravam

o homem branco heterossexual como sujeito universal e verdadeiro.

2.3 O PATRIARCADO COMO PRINCIPAL OBSTÁCULO

A sociedade atual é um sistema patriarcal, ou seja, é uma sociedade

liderada por homens que se autodenominaram como líderes. Disse Rago “pensa-se

a partir de um conceito universal de homem.” (RAGO, 1998, p. 4). A história foi

escrita por homens, a cultura dos homens é valorizada, a sociedade foi planejada de

forma a privilegiar os homens. O objetivo do feminismo é propiciar meios para que

essa construção coletiva seja questionada, enaltecendo as mulheres para que

também sejam reconhecidas como seres humanos capazes e iguais aos homens.

22

As mulheres conseguiram, através do movimento feminista, conquistar muitas de

suas reivindicações. No entanto, sua capacidade e intelecto sempre foram

colocados à prova. A sociedade patriarcal sempre impôs obstáculos às mulheres

com a finalidade de barrar as conquistas femininas e isso é perceptível em todos os

momentos da história em que as mulheres clamaram por seus direitos.

O homem pelo homem sempre escravizou as mulheres. A incumbiu à função

de gerar vida e a confinou ao ambiente privado; definiu suas tarefas, seu

comportamento, sua imagem e seu destino durante séculos. Houve um ponto na

história da humanidade em que a mulher foi respeitada como Deusa. Perante à

inexistência do conhecimento científico, do desconhecimento acerca da fecundidade

e da maternidade, determinou-se à mulher “reinar sobre o instante e construir o

futuro.” (BEAUVOIR, 2016, p. 100). Adorá-la como divindade através do nascimento

foi a forma que o homem encontrou de aprisioná-la.

A partir do momento que o homem tem domínio sobre a natureza, o

patriarcado triunfa e a mulher é, enfim, definida como o Outro. A primeira instituição

formada a de fato encerrar a vida da mulher foi a Igreja Católica. Definiu o sexo

como pecado e a mulher como porta de entrada para o Inferno; como definiu

Beauvoir (2016, p. 134) “numa religião em que a carne é maldita, a mulher se

apresenta como a mais temível tentação do demônio.” A Igreja define a mulher como

uma espécie falha, um homem incompleto. Estabelece a sociedade como

monogâmica, impede a participação das mulheres nos tribunais, invalida seu

testemunho, proíbe o divórcio, torna o aborto crime e abnega a prostituição (mas a

considera um mal necessário para que não sirva de modelo para as mulheres ditas

honestas). Diante do pecado, surge o culto à Virgem Maria que se torna um exemplo

de salvação, um símbolo de castidade e exemplo de feminilidade a ser seguido

pelas mulheres.

Quando enfim as mulheres começam a demonstrar sua insatisfação com o

sistema social que lhes é imposto, inicialmente não encontram respaldo. Suas

primeiras manifestações dentro do campo cultural suscitaram comentários como “um

cão andando sobre as patas traseiras; não está certo mas é espantoso.”

(BEAUVOIR, 2016, p. 153). Seus êxitos pessoais geram ataques e um ideal

antifeminista se desenvolve à medida que as mulheres ganham voz. Antes mesmo

do século XIX já existiam homens a favor da causa feminista, o que não significa

23

que o avanço do movimento e dos direitos das mulheres tenha progredido mais

rápido; esse sempre foi um processo lento.

No Brasil, a principal pauta da primeira onda, o direito ao voto, começou a

ser discutida já no final do século XIX e levada à Assembleia em 1891; sempre

rejeitado. Apesar de o tema ser debatido em diversos ambientes públicos e privados,

até a década de 1980 foi especialmente complicado para o movimento no Brasil,

uma vez que nessa época o sentimento antifeminista ainda era muito sólido e

influente. Segundo Maria Pedro (2012):

As pessoas separavam feminista de feminina, como se fossem coisas opostas. Até o final dos anos 1980, por exemplo, poucas pessoas aceitavam o rótulo de feminista, porque, no senso comum, o feminismo era associado à luta de mulheres masculinizadas, feias, lésbicas, mal-amadas, ressentidas e anti-homens (PEDRO, 2012, p. 238).

Torna-se comum em jornais e revistas a prática de propagandas

antifeministas que reforçavam os estereótipos descritos acima. Mesmo englobando

na pauta feminista questões de movimento sociais e de luta contra a ditadura, havia

ataque constante às feministas por grupos de esquerda:

Diziam que estes eram uma espécie de “chá das cinco” de mulheres ricas e ociosas, “uma terapia sem guru, nem terapeuta”, um desperdício de tempo que poderia ser mais bem empregado se fosse destinado à luta “maior” e “geral” (PEDRO, 2012, p. 252).

Diante de ataques como esse que rotulavam o feminismo como um desvio

da luta geral e de divisionista, foi incorporado ao movimento no Brasil as questões

de classe social. Defendiam o direito das mulheres de participarem de sindicatos, os

direitos das empregadas domésticas, da saúde e segurança das mulheres no

ambiente de trabalho e também contra assédio sexual. Mesmo com novos

obstáculos sendo declarados continuamente, o movimento foi ganhando força e

mulheres interessadas pela causa foram surgindo para colaborar e somar ânimo e

estímulo.

Assim como no Brasil, o movimento feminista na Europa também não

avançou sem obstáculos. No momento em que as mulheres conseguiam conquistar

direitos de suas reivindicações, novas leis eram criadas para que a sociedade

patriarcal continuasse imperando. Beauvoir (2016) aponta que o movimento

feminista nunca foi autônomo; foi um instrumento nas mãos dos políticos que

24

aprovavam e rejeitavam propostas conforme seus interesses. Se em algum

momento houve valorização de algum fator, foi porque isso interessou aos homens.

A história das mulheres foi feita pelos homens.

25

3 HISTORIOGRAFIA DAS MULHERES NO MUNDO E NO BRASIL

A finalidade desta parte é relatar a recente historiografia das mulheres.

Através do feminismo foi descortinada a necessidade do processo de reescrita de

uma história sem um sujeito central, os motivos da invisibilidade histórica das

mulheres e as dificuldades iniciais em localizar as fontes para essa reescrita. O

capítulo também aborda as mudanças que a categoria de gênero trouxe para as

metodologias de análise, além de demonstrar a necessidade e a importância da

inclusão das mulheres na história.

Durante a segunda onda do movimento feminista, eram pauta questões

acerca da integração justa das mulheres no mercado de trabalho e nas

universidades, pela igualdade e liberdade das mulheres nos ambientes públicos e

privados. Como consequência dessa inserção houve a consciência da

marginalização dos estudos que envolviam as mulheres, o que instigou o movimento

feminista e historiadoras(es) a repensar a produção histórica e das ciências

humanas (que até então era elaborada pensando em um sujeito universal).

De acordo com Perrot (2007) os estudos da história das mulheres se deram,

inicialmente, nos anos 1960 na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, seguido pela

França em 1970. No Brasil, segundo Silva (2008), esses estudos tiveram início

somente na década de 1980. Além do ingresso no âmbito acadêmico, outros fatores

contribuíram para que fosse pensada uma história das mulheres: a consciência de

que a sociedade e a história são assexuadas, a aceitação de novas fontes, inclusão

de novos personagens como crianças, jovens e a dimensão da vida privada. Uma

redefinição de fatores políticos.

Como disse Rago “a história não narra o passado, mas constrói um discurso

sobre este, trazendo tanto o olhar quanto a própria subjetividade daquele que

recorta e narra, à sua maneira, a matéria da história.” (RAGO, 1995, p. 81). A

história ainda era narrada a partir de um discurso opressor. Deu-se, então, o início

da ruptura do passado construído pelo sujeito universal.

3.1 SILENCIAMENTO E EXCLUSÃO SOCIAL

Como visto no capítulo anterior (História do feminismo no mundo e no Brasil),

constatou-se que a opressão imposta às mulheres pela sociedade patriarcal existe

26

há séculos em várias culturas. O objetivo era manter os homens acima e confinar a

mulher ao ambiente privado dificultando seu envolvimento com a vida pública. Na

tentativa de encontrar argumentos que justificassem esse confinamento, muitos

homens embasavam suas opiniões na religião e na biologia (argumentos esses que

sempre se mostraram insuficientes e sem fundamento, embora não os tenha

impedido de fazer o que fizeram). Como consequência disso, a partir do momento

em que as mulheres passam a exigir uma história delas mesmas, perceberam a

escassez de fontes históricas. No entanto, a metodologia existente e aplicada na

época não era capaz de suprir essa necessidade.

Até então, quem construía o discurso histórico e o narrava à sua maneira

eram os homens e a inclusão das mulheres nesse discurso era apenas resultado do

imaginário masculino. O discurso do sujeito universal impunha sua própria verdade

como única; uma visão não condizente com a realidade feminina. Duby escreve que

“as mulheres não representavam a si mesmas. Elas eram representadas. [...] Ainda

hoje, é um olhar de homem que se lança sobre a mulher.” (DUBY, 1992 apud

PERROT, 2007). Não existiu uma iniciativa por parte do patriarcado de questionar as

próprias mulheres sobre sua realidade, já que o intelecto feminino era votado como

inferior. Contudo, em um determinado momento, os valores e comportamentos de

outrora podem ser rejeitados em outros períodos com outra organização social

(MATOS, 2006) e novos questionamentos sobre a realidade feminina e a

desigualdade começam a rondar o pensamento das mulheres.

Para Silva “não há um poder, o poder é criado. As mulheres tomaram

consciência que se os homens tinham sempre estado no poder, era porque eles

assim se colocavam.” (SILVA, 2008, p. 226). A partir do momento em que as

mulheres passam a questionar seu papel como Outro, a não inclusão do seu próprio

sujeito dentro da história e a carência de fontes históricas, dedicam-se a solucionar

esses impasses. Se até este momento o ambiente público era território dominado

pelos homens, a dúvida era onde buscar fontes dentro dessa invisibilidade e

silenciamento.

Como resultado do seu confinamento à vida privada, é justamente nesse

ambiente que é possível iniciar o resgate de uma história das mulheres escrita pelas

próprias mulheres a partir de documentos pessoais. É através de diários íntimos que

a mulher pode se afirmar como sujeito pela primeira vez; ela deixa de ser o Outro.

Mesmo quando o marido exercia sua autoridade sobre a esposa vigiando sua

27

intimidade, é também através da troca de correspondências que as mulheres

podiam se expressar e serem sociais. Os costumes relativos à escrita pessoal eram

incentivados às mulheres pelo seu caráter reservado que, de certa forma, foi um

artifício que as induziu a permanecerem limitadas à vida privada.

Outra fonte valiosa de informação sobre as mulheres são os registros

policiais e judiciários. Ricos em conflitos privados, neles são mencionadas mulheres

casadas, jovens solteiras, trabalhadoras; que por meio de queixas e testemunhos

expressam seu duro cotidiano, seus conflitos familiares. “Interrogatórios, resultados

das investigações para instrução dos processos, testemunhos, permitem abordar, de

alguma forma, as mulheres das classes populares em suas realidades cotidianas.

Ouve-se o eco de suas palavras.” (PERROT, 2007, p. 27).

Por efeito do feminismo que se desenvolve nos séculos XIX e XX, as

mulheres engajadas no movimento feminista conseguem adentrar em uma profissão

que era (como muitas) dominada pelos homens: o jornalismo. A imprensa feminista

se torna, enfim, uma forma de expressão pública das mulheres. Inclusive, enxergam

a oportunidade como uma forma de expor a causa e cativar mais mulheres a favor

do sufrágio feminino. Essas primeiras jornalistas tomaram atitudes como a recusa a

adotar o sobrenome do marido, expondo-se somente com seu primeiro nome. O

jornal La Femme Libre, na França, por exemplo, reivindicava o direito ao divórcio e

liberdade amorosa e sexual. Os jornais de 1848 (ainda na França) reivindicavam

direito ao voto, ao trabalho, a igualdade dos salários. No Brasil também houve

empenho por parte das militantes feministas na criação de jornais e revistas. A

publicação Novas Mulheres circulou de 1976 a 1978 e durou apenas oito

exemplares. Com uma equipe de pesquisadoras foi lançado o jornal Mulherio em

1981 que manteve suas publicações por cinco anos. Também em 1981 surgiu o

Libertas em Porto Alegre e o Chanacomchana em São Paulo; e em 1984 o periódico

Maria Maria em Salvador. A partir de 1990 foi lançada a Revista de Estudos

Feministas que aborda, até hoje, discussões de gênero, cultura e sociedade.

Todo esse desdobramento valida a emergência de uma história das

mulheres que, sempre renegadas à vida privada, alcançam progressivamente seu

lugar de direito na vida e história públicas. Como disse Beauvoir “elas demonstram

brilhantemente que não foi a inferioridade feminina que determinou sua

insignificância histórica: sua insignificância histórica foi que as votou à inferioridade.”

(BEAUVOIR, 2016, p. 190).

28

3.2 IMPORTÂNCIA DE UMA HISTORIOGRAFIA

A demanda por uma história que incluísse as mulheres fez surgir

importantes questões. Após o processo de encerrar o silêncio e tornar as mulheres

visíveis, as(os) historiadoras(es) feministas compreenderam que formar uma história

com assuntos aglomerados e divididos (história dos homens; história das mulheres)

não condizia com o próximo passo na inclusão dessas novas personagens.

Nesse âmbito, o termo gênero surge, como uma definição neutra, para

substituir história das mulheres; muitos historiadores não feministas admitiam a

história das mulheres, mas logo em seguida engavetavam-na para definir como um

objeto de estudo separado da história central que consideravam única possível e

verdadeira. De acordo com Scott (1995):

O termo gênero, além de um substituto para o termo mulheres, é também utilizado para sugerir que qualquer informação sobre as mulheres é necessariamente informação sobre os homens, que um implica o estudo do outro. (SCOTT, 1995, p.75)

Houve historiadores que rejeitaram a existência dos então estudos de

gênero, alegando que as(os) historiadoras(es) feministas estavam apenas pregando

ideologias. Declaravam apenas sua definição histórica como verdade, por estarem

em uma posição dominante (fruto da sociedade baseada em um sistema patriarcal).

No entanto, os estudos de gênero possibilitaram novas formas de relação

interpretativa. A preocupação em evitar oposições binárias para trabalhar com

relações acarretou na descoberta de novas fontes, na redefinição das noções de

significado histórico e de que não existe um sujeito universal, mas sim uma

pluralidade de personagens com múltiplas histórias.

A história deste campo não requer somente uma narrativa linear, mas um relato mais complexo, que leve em conta, ao mesmo tempo, a posição variável das mulheres na história, o movimento feminista e a disciplina da história. (SCOTT, 1992, p. 65).

Os estudos de gênero questionaram o fazer histórico, ampliaram as

estratégias de reflexão, demonstraram que todos os sujeitos podem ser

historicizados, incluindo sexo, raça e classe. Como Scott escreveu “o gênero foi o

nosso instrumento para diagnosticar e extirpar a desigualdade.” (SCOTT, 2012, p.

338).

29

A inclusão das mulheres na história deixou ainda mais evidente o

afastamento que perdurou por muito tempo entre os ambientes público e privado. No

começo do século XX, desenrolou-se o processo para reunir textos, fotografias,

material sobre as mulheres, sobre feministas; Marguerite Durand (nascida em 1864,

militante feminista que lançou o jornal La Fronde) reuniu todos esses arquivos e

documentos relativos à história das mulheres para conservá-los e formar

oficialmente a primeira biblioteca feminista em 1931. Atualmente, existem diversas

bibliotecas e acervos especializados na história das mulheres e a Biblioteca

Marguerite Durand já conta com mais de 3000 fotografias no acervo que mostram

reuniões feministas, os costumes das mulheres da época de vários países do mundo.

Enfim, uma visão das mulheres pelas mulheres condizente com a realidade feminina.

30

4 FOTÓGRAFAS: SEUS OLHARES E CONTRIBUIÇÕES

Aqui, será mostrado, através de análises biográficas e de leitura de imagem,

a necessidade e importância de mulheres fotógrafas que, pela fotografia, criaram

oportunidades para si mesmas e outras mulheres, repensaram seus papeis na

sociedade, o significado de feminilidade imposto e colocaram em pauta questões

feministas e de gênero. Por meio de um resumo da história da fotografia, pretende-

se mostrar como a fotografia surgiu e como aconteceu o processo da sua chegada e

divulgação no Brasil, além da forma que se deu o envolvimento das mulheres com

esse universo.

Durante muito tempo, o acesso ao saber foi negado às mulheres. Tinha-se

como verdade a ideia de que o conhecimento era sagrado e à mulher (naturalmente

pecadora, a porta de entrada para o inferno) não cabia tal racionalidade. Sua única

educação era ser instruída para seguir os padrões de feminilidade: agradar, cuidar e

ser útil aos homens (restrita ao ambiente privado). “Uma mulher culta não é uma

mulher.” (PERROT, 2007, p. 93). Saber e feminilidade não eram sinônimos. Uma

mulher feminina era boa esposa, dona de casa e obediente.

Quando enfim passam a ser alfabetizadas, aprendem as artes do

entretenimento. A arte, nas camadas de elite, foi um princípio incentivado às

mulheres. No entanto, sua formação artística se limitava ao estudo domiciliar e à

cópia. Sua presença não era autorizada (e nem mesmo incentivada) em instituições

e em boa parte dos ateliês e, ao estudar música ou pintura, deviam se contentar

somente a reproduzir obras já criadas por homens (considerados grandes gênios).

Fruto de conclusões sem embasamento científico, pesquisadores do século XIX

atribuem a incapacidade de criação das mulheres ao fato de o cérebro feminino ser

menor se comparado ao cérebro do homem; o grande número de quadros com

natureza-morta e paisagens até o século XIX é resultado dessa imposição de que a

educação artística das mulheres “não devia conduzir nem a uma profissão nem à

criação.” (PERROT, 2007, p. 101). Nas camadas sociais populares, as mulheres

mais jovens são alfabetizadas ajudando suas mães e frequentando locais de

atuação das irmãs de caridade, onde também aprendem a costurar para suprir a

demanda têxtil da época.

Uma das primeiras tomadas de consciência de si mesmas das mulheres é

através da escrita restrita ao âmbito privado: os diários e as correspondências. Por

31

isso, sua primeira manifestação criativa (que envolve de fato a criação, e não a

cópia) é literária e por meio da escrita de romances.

A inserção das mulheres no ambiente artístico se deu como as conquistas

do movimento feminista: de forma lenta, desigual e com inúmeros obstáculos

(instituídos por críticos de arte que as categorizavam como amadoras ou artistas

femininas, nunca profissionais; além do ineficiente processo de ingresso organizado

pelas instituições). De acordo com Simioni (2007), o século XIX foi palco para a

criação de diversas escolas e ateliês voltados para mulheres (o que acabou com o

monopólio das academias de arte, que impossibilitavam a presença de artistas

mulheres). Sua inscrição nas academias francesas foi somente aceita em 1897 após

muita resistência e sob vaias dos alunos que não as consideravam bem-vindas.

Argumentavam que a admissão de mulheres lhes trazia prejuízo. Que elas os privariam de medalhas nos concursos, que tomariam seus lugares nos testes de admissão e que, enfim, as bolsas estaduais ou municipais poderiam ser atribuídas preferencialmente a elas. (SIMIONI, 2007, p. 94).

Na prática, sua presença passou a ser tolerada somente em 1900, quando

foram aceitas formalmente. No Brasil, o registro do ingresso das mulheres passou a

ser feito em 1892 e, em 1896 na Escola Nacional de Belas Artes, foi criado um ateliê

exclusivamente feminino; em 1900 o número de participações femininas nas

Exposições Gerais de Belas Artes chegava a 40%3.

4.1 SURGIMENTO DA FOTOGRAFIA NO OCIDENTE

Retomando um dos conceitos abordados no capítulo História do feminismo

no mundo e no Brasil, cada sociedade se desenvolve no seu próprio contexto

histórico-social. Esse mesmo desenvolvimento inclui o processo de inserção da

fotografia em diferentes culturas. Em 1826, o cientista francês Nicéphore Niépce

realizou, após 8 horas de exposição, a que é considerada a primeira fotografia do

mundo. Anos mais tarde, Niépce em parceria do pintor Louis Jacques Daguerre

anunciam a invenção da daguerreotipia 4 e, em 19 de agosto de 1839, é enfim

anunciada publicamente. A cidade de Nova York é palco para a abertura do primeiro

3 Fonte: SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. O corpo inacessível: as mulheres e o ensino artístico nas

academias do século XIX. ArtCultura, v. 9, n. 14, p. 83-97, jan.-jun. 2007. 4 Um dos processos de obtenção de imagem desenvolvidos no século XIX. Consiste em uma placa

de cobre sensibilizada com prata que fica exposta durante vários minutos sob sol forte.

32

estúdio de retratos do mundo, em 1840. Alguns anos antes, entre 1832 e 1834, o

inventor Hercules Florence (então radicado no Brasil) desenvolve um processo

fotográfico, mas só publica sua invenção em jornais paulistas e cariocas após o

anúncio do daguerreótipo já ter sido feito na França.

O século XIX foi uma época propensa a grandes descobertas e ao progresso

fotográfico. Muitos cientistas trabalharam para desenvolver e aprimorar diferentes

processos que permitiram a fixação da imagem sobre uma superfície. As notícias

sobre o daguerreótipo chegaram ao Brasil em maio de 1839 até que, enfim, em 17

de janeiro de 1840, os instrumentos foram trazidos ao país. Nessa época, com 14

anos de idade, Dom Pedro II contemplou a invenção com fascínio e logo tratou de

adquirir seu próprio equipamento com o propósito de estudar esses processos;

tornou-se assim o maior incentivador e difusor da fotografia no Brasil, formando a

coleção D. Thereza Christina Maria (uma homenagem à sua esposa) composta por

imagens de sua própria autoria e de fotógrafos nacionais e internacionais,

totalizando 25.000 fotografias5.

4.2 INSERÇÃO DAS MULHERES NA FOTOGRAFIA

Uma das principais discussões envolvendo a fotografia no século XIX era o

questionamento sobre seu estatuto de expressão artística. Havia uma resistência,

principalmente acadêmica, em aceitar a fotografia como pertencente à categoria

artística. Durante esse período, a academia ainda estava restrita a questões que

limitavam o fazer artístico aos ideais que julgavam ser corretos, e relutava diante do

processo democratizador que a fotografia permitia. As pessoas começarem a ter

acesso ao fazer fotográfico e a possibilidade de reprodução infinita da imagem eram

fatores que dificultavam sua aceitação. De acordo com Costa e Silva “a fotografia foi

considerada como mera cópia do real ou simples documento. O seu estatuto

existencial era tido como científico, sua vida estética negada.” (COSTA; SILVA, 2004,

p. 17). O registro do real não poderia se equiparar à arte.

A fotografia havia se tornado uma nova forma de representação visual e

respondia aos anseios de uma sociedade que desejava se ver representada. Como

tentativa de tornar arte essa nova representação, fotógrafos(as) pictorialistas

5Fonte: VASQUEZ, Pedro Karp. O Brasil na fotografia oitocentista. São Paulo: Metalivros, 2003.

33

encontraram solução através da intervenção direta na cópia: desenhavam, pintavam,

aplicavam retoques sobre suas imagens. “Na tentativa de elevar-se à categoria de

arte a fotografia abdicava de sua própria identidade.” (COSTA; SILVA, 2004, p. 26).

Essa renúncia identitária de representação do real da fotografia no século

XIX é perceptível, por exemplo, no trabalho da fotógrafa Julia Margaret Cameron. A

estética dos seus retratos, que remetia ao pré-rafaelismo6, desagradava críticos da

época que a chamavam de desleixada, o que não a desestimulou de continuar seu

trabalho; como ela mesma afirmou “meu objetivo é enobrecer a fotografia e garantir

sua conformidade com os preceitos e usos da Grande Arte, combinando o real e o

ideal sem sacrificar nada da Verdade por meio de uma devoção total à Beleza e à

poesia.” (CAMERON, 1874 apud HACKING, 2012, p. 127). Margaret Cameron se

inseriu nesse universo tardiamente, aos 40 anos de idade, por intermédio de sua

filha, que a presenteou com uma câmera; o que a tornou uma das poucas exceções

femininas no século XIX dentro do âmbito da fotografia. A seleção focal e a estética

(fatores incomuns para a época) com que escolhia retratar suas modelos foram as

principais marcas do seu trabalho, como é possível notar na Figura 1.

Figura 1 – Beatrice

Fotografa: Julia Margaret Cameron

6O pré-rafaelismo foi um movimento artístico britânico que surgiu como uma irmandade secreta em

1848. Foi formada por escritores e pintores que adotavam o tema medieval em suas obras.

34

Uma das conveniências que o processo de democratização da fotografia

trouxe foi a oportunidade da inclusão das mulheres nesse universo. No entanto,

embora recebessem incentivo, a fotografia (assim como tantas outras áreas) ainda

era vista como uma profissão masculina. Às mulheres ainda se instituía o processo

de cópia, e não o de criação; por isso, muitas só conseguiam se inserir nesse meio

através dos pais ou maridos então já fotógrafos. Como apontou Beauvoir (2016, p.

190) “ela só se ultrapassa para a coletividade por intermédio do esposo”.

Como resultado de uma sociedade baseada no patriarcado, há um

obscurecimento da figura das mulheres nas mais diferentes áreas. Na fotografia

(seguindo a crença disseminada da inferioridade feminina) sua figura era ofuscada

através da negação da autoria e da limitação da sua participação no mundo artístico.

Ao fotografarem auxiliando nos estúdios de seus familiares, às mulheres era negado

o direito da autoria e os créditos pelas fotografias atribuídos somente aos homens.

Bom exemplo da questão da autoria é o caso da Princesa Isabel. Seu pai, Dom

Pedro II, grande incentivador da fotografia no país, fez com que a filha tivesse aulas

com Marc Ferrez e Revert Klumb7. Mesmo dentro de sua coleção (que recebeu

nome de Coleção Princesa Isabel) não há sinal de trabalhos com sua autoria.

4.3 TEORIA FEMINISTA E FOTOGRAFIA EM DIÁLOGO

O olhar do homem que sempre se lançou sobre a mulher e a construção

feita sobre o imaginário feminino também é um aspecto resultante de uma sociedade

patriarcal. Toda forma de manifestação artística que utilize a figura feminina foi, até

uma determinada época, criada por homens. No entanto, não eram figuras que

correspondiam com a realidade; eram figuras imaginadas, sonhadas. Segundo

Perrot (2007, p. 25) “para elas, a imagem é, antes de mais nada, uma tirania, porque

as põe em confronto com um ideal físico ou de indumentária ao qual devem se

conformar.” O comportamento feminino sempre foi julgado, determinado e imposto

por figuras patriarcais. As imagens “produzidas pelos homens, elas nos dizem mais

sobre os sonhos ou os medos dos artistas do que sobre as mulheres reais.”

(PERROT, 2007, p. 17). Aspecto também presente nas fotografias produzidas ao

longo dos séculos.

7

Detentores dos títulos de Fotógrafo da Marinha Imperial e Fotógrafo da Casa Imperial, respectivamente.

35

Além da produção imagética, a ciência também foi território exclusivo da

figura masculina durante séculos. A partir de um método que busca a pluralidade

das experiências humanas (em oposição a uma metodologia que considera as

experiências masculinas como sendo as experiências de toda humanidade), a teoria

feminista descentraliza o sujeito que se impôs como universal. Isso contribui para

que a produção de conhecimento passe a levar em conta aspectos como a

recuperação de diferentes pontos de vista.

Na fotografia, o método de análise iconográfica proposto por Boris Kossoy

dialoga com as propostas metodológicas da teoria feminista, criticando os modelos

clássicos de análise histórica. O autor afirma que “não existem interpretações

neutras.” (1999, p. 136). O receptor sempre vai interpretar a imagem de acordo com

sua carga cultural, seus repertórios pessoais. Kossoy também afirma que se deve

buscar “romper com a tradição elitista, centrada nos modelos clássicos enquanto

únicos modelos.” (2007, p. 73). Descentralizar o sujeito para que novas(os)

fotógrafas(os) sejam descobertas(os) e evidenciadas(os); para que não caiam no

esquecimento e nem sejam menosprezadas(os).

A importância de mulheres fotógrafas é evidenciada a partir do momento em

que se compreende que a fotografia não pode ser substituta do real; a fotografia

nada mais é do que um rastro do olhar e da interpretação social do produtor da

imagem. A figura da mulher sempre foi evidenciada da forma como os homens a

interpretavam. Nesse mesmo sentido, Kossoy (2007, p. 157) diz que “o documento

fotográfico não pode ser compreendido independentemente do processo de

construção da representação em que foi gerado.” O processo de construção do

fotógrafo leva em consideração aspectos imateriais (sua mentalidade, fruto da

construção social e do contexto histórico em que vive), aspectos materiais (recursos

técnicos) e o aspecto da motivação (a escolha da composição, seleção do momento).

A produção imagética feita por homens leva em conta um ponto de vista

machista sobre as mulheres (que, como já descrito nos capítulos anteriores, é um

ponto de vista que não leva em consideração o que as próprias mulheres pensam de

si mesmas), ou seja, é uma ideia gerada a partir do contexto de uma sociedade que

favorece um sujeito em detrimento do outro. A codificação cultural presente na

produção dos fotógrafos nos séculos XIX e XX evidencia a ideia da inferioridade

feminina em relação ao homem. Em contraposição, o trabalho de algumas fotógrafas

36

dos séculos XIX e XX fazem uma denúncia à realidade em que estão inseridas,

questionando as imposições de inferioridade e os papeis de gênero pré-estipulados.

Portanto, a metodologia utilizada para análise das imagens neste trabalho

relaciona as propostas da teoria feminista com os métodos de análise e

interpretação desenvolvidos por Boris Kossoy. O autor aponta a existência de duas

realidades na fotografia. A primeira realidade, de curta duração, existe somente no

instante em que a fotografia foi feita e diz respeito ao fato, ao evento que estava

acontecendo, ao passado; essa primeira realidade engloba uma realidade interior da

fotografia: uma realidade que é invisível, inacessível fisicamente. A segunda

realidade é o assunto representado no limite bidimensional, é o que se vê na

superfície; essa segunda realidade engloba a realidade exterior da fotografia: é a

realidade do documento, seus aspectos visíveis. A análise iconográfica é feita a

partir da segunda realidade da fotografia: é uma análise sobre o documento e seus

detalhes icônicos. Analisa-se o documento, o assunto, a fotógrafa, a tecnologia

utilizada, o lugar, a época e identifica-se seus detalhes icônicos; o visível. A

interpretação iconológica é feita a partir da primeira realidade da fotografia: é a

interpretação da representação a partir do real, a decifração do real. Resgata-se a

história própria do assunto, além de buscar o processo de criação da fotógrafa

(elementos de ordem imaterial e motivação) que resultou na representação; o

invisível. As análises e interpretações das fotografias não são neutras; são

elaboradas a partir de repertórios pessoais construídos a partir dos estudos de

gênero e da situação das mulheres nas sociedades dos séculos XIX e XX. O tempo

da representação da fotografia é a segunda realidade, sua mensagem e carga

simbólica que permanecem ao longo dos séculos atestando a existência dessas

mulheres e de seus questionamentos.

4.4 HIPPOLYTE LAVENUE

Nada se sabe a respeito da vida de Hippolyte Lavenue a não ser o fato de

que foi fotógrafa atuante no Brasil durante a década de 1840. Era casada com um

daguerreotipista francês e, por isso, pressupõe-se que começou a atuar nesse

campo pelo fato do marido trabalhar também com daguerreótipos.

O que se sabe sobre Lavenue de fato é que seu nome aparece em uma

notícia publicada no Jornal do Commercio de 1842 atestando sua participação na

37

terceira Exposição Geral da Academia Imperial de Belas-Artes com daguerreótipos

de sua autoria. Infelizmente, não existem registros das fotografias.

A Hippolyte Lavenue se consagra o crédito de ter sido uma das mulheres

pioneiras no mundo a se envolver com fotografia, além do mérito de ter sido a

primeira pessoa a levar fotografias para salões de artes (antes mesmo de isso

acontecer na Europa), numa época em que se questionava o estatuto de expressão

artística dessa nova forma de representação visual.

4.5 FRANCES BENJAMIN JOHNSTON

Frances Benjamin Johnston nasceu em 1864 nos Estados Unidos. Comprou

sua própria câmera em meados de 1890 e manteve contato através de cartas com

George Eastman8 (amigo de sua família) com o objetivo de conseguir conselhos

sobre equipamentos e processos.

Envolvida principalmente com fotojornalismo, fez reportagens para a revista

Demorest’s Family Magazine em 1892 sobre o trabalho nas minas de carvão da

Pennsylvania. Em 1895 produziu imagens de trabalhadoras de uma fábrica de

sapatos em Lynn, Massachusetts (Figura 2), além de inúmeros outros ensaios sobre

os mais variados temas para outras revistas e jornais.

Figura 2 – Mulheres trabalhando

Fotógrafa: Frances Benjamin Johnston

8Fundador da Kodak. Inventou o filme em rolo e lançou o slogan “Você pressiona o botão, nós

fazemos o resto”.

38

Além do fotojornalismo, também se envolveu com fotografia de retrato, de

arquitetura e de interior de ambientes. Sempre comprometida e com boa reputação

profissional, publicou um livro em 1893 com fotografias da Casa Branca,

conquistando assim o título de ser a primeira pessoa oficialmente nomeada para ser

fotógrafa da Casa Branca. Fotografou as administrações de Harrison, Cleveland,

McKinley, Theodore Roosevelt e Taft.

A época de atuação profissional de Johnston coincide com a formação da

primeira onda do movimento feminista (nos Estados Unidos, os Estados avançavam

um a um concedendo às mulheres o direito ao voto). Em 1894 a escritora irlandesa

feminista Sarah Grand utilizou o termo New Woman em sua obra The New Aspect of

the Woman Question. Em meio às propostas do sufrágio feminino surge Charles

Gibson, artista gráfico que trabalhava fazendo ilustrações para revistas de moda

norte-americanas. Gibson se apropriou do termo New Woman cunhado por Sarah

Grand para lançar a Gibson Girl implementando o primeiro ideal de beleza

americana para mulheres. Descrita como uma mulher de aparência frágil e

voluptuosa a Gibson Girl (Figura 3) era uma mulher que buscava o sufrágio feminino,

mas não se envolvia diretamente com a política e buscava sempre se manter

feminina. Dona de busto e quadris largos, era alta e elegante com a silhueta em S;

tinha a cintura e pescoço finos evidenciados pelos cabelos volumosos presos acima

da nuca.

Figura 3 – Gibson girl

Artista: Charles Gibson

39

O surgimento da Gibson Girl evidencia o comportamento da sociedade

norte-americana que, já no século XIX, demonstra ser uma cultura ditadora dos

padrões de beleza. Nota-se também o machismo e sentimento antifeminista

intrínseco na criação de um comportamento que apoia o sufrágio feminino, mas

evidencia restrições como: não envolvimento das mulheres com a política por ser um

domínio masculino e a noção de quais espaços a mulher deve se contentar em

ocupar sem atrapalhar o sexo oposto.

Como forma de resposta e desmistificação da New Woman idealizada por

Charles Gibson, Johnston (que possuía carregada carga cultural e tinha ciência das

desigualdades sociais dado seu campo de atuação no fotojornalismo de denúncia)

fotografa a si mesma como New Woman em 1896 (Figura 4).

Figura 4 – Autorretrato como nova mulher

Fotógrafa: Frances Benjamin Johnston

40

O autorretrato feito por Johnston a enquadra sentada em frente a uma lareira,

com o longo vestido erguido até os joelhos e uma perna cruzada sobre a outra. Sua

roupa volumosa não marca sua cintura e busto e um lenço esconde parte de seu

pescoço. Uma boina cobre uma porção de seu cabelo que está preso. Com a mão

esquerda segura um caneco de cerveja. Seu braço direito está apoiado sobre uma

de suas pernas e segura, com a mão direita, um cigarro aceso.

A pose feita pela fotógrafa em seu autorretrato é uma provocação ao ideal

proposto por Gibson: sua postura considerada masculina para a época confronta a

mulher ideal que se preocupa em se manter feminina. A anágua branca rendada

com detalhes floridos (o âmbito privado, escondido, ambiente predestinado às

mulheres) em contraste com a posição tida masculinizada (a vida pública, social, de

domínio dos homens) pode ser interpretada como um emergir do seu confinamento

ao âmbito privado para a vida pública. A mulher que, enfim, deixa de se calar para

se manifestar e fazer parte da sociedade.

Já consagrada profissionalmente, Johnston publica em setembro do mesmo

ano o artigo What a Woman can do with a Camera na revista The Ladies’ Home

Journal (Figura 5). No texto, aborda a fotografia como um campo acessível para as

mulheres que estivessem dispostas a trabalhar e ter sua própria renda. Aponta que

as caraterísticas necessárias para abrir um estúdio são bom gosto, paciência, tato e

ser engenhosa. A mulher que desejasse abrir o próprio negócio devia possuir capital

para comprar bons equipamentos e adquirir treino e experiência (que podiam ser

obtidos fazendo serviços auxiliares em outros estúdios), além de enxergar as

demandas da clientela. Comenta também sobre os tipos de fotografia existentes,

sobre a melhor forma de montar um quarto escuro no banheiro da própria casa e

administrar o próprio estúdio. Ressalta a importância de o trabalho apresentar

distinção e originalidade e como se conseguir isso através do estudo da história da

arte; observando a luz, as poses em pinturas de artistas renomados. E que mesmo

almejando sempre o melhor, a importância de se manter humilde e saber observar

trabalhos de outros fotógrafos, fossem eles bons ou ruins, com os mesmos olhos,

dando igual importância na hora de aprender.

Ao final do século XIX, com a invenção da fotografia ainda recente, eram

escassas as escolas que ensinavam a nova prática. Consequentemente, ainda não

havia grandes mestres já aclamados, o que possibilitou às mulheres explorarem um

41

campo que não requeria tanto estudo ou grandes cânones consagrados que não

pudessem ser rompidos se comparado à pintura, por exemplo.

Ciente da influência que exercia sobre as mulheres que desejavam explorar

o mundo da fotografia, Johnston, que já mantinha boas relações com o editor do The

Ladies’ Home Journal, consegue mais um espaço na revista. Na ocasião, sua ideia

foi organizar uma série mensal sobre o trabalho de fotógrafas norte-americanas.

Cada artigo contava uma breve história de cada fotógrafa escolhida e seu trabalho,

além de cinco a seis imagens que deveriam ocupar uma página. A série foi intitulada

The Foremost Women Photographers in America (As principais mulheres fotógrafas

na América, tradução livre) e começou a ser publicada em maio de 1901 (Figura 6).

Figura 5 – The Ladies’ Home Journal

Fonte: University of Michigan.

42

A série teve seu fim em janeiro de 1902, contando ao todo com sete artigos

de sete fotógrafas norte-americanas. O trabalho realizado por Johnston tem grande

importância na história da fotografia, pois ajudou na formação de fontes para

reconstruir uma história sem um sujeito central. Os artigos organizados pela

fotógrafa auxiliam o processo de descoberta de novos nomes, novos olhares e

novos trabalhos.

Figura 6 – As principais mulheres fotógrafas na América

Fonte: University of Michigan.

43

4.6 DONNA FERRATO

Donna Ferrato nasceu em Ohio nos Estados Unidos em 1949. Fotógrafa

autodidata, tornou-se fotojornalista freelancer em 1976. Morou em diversos países e

trabalhou para diversos jornais e revistas. Seu trabalho de caráter documental

explora os diversos lados sombrios da humanidade. Durante aproximadamente duas

décadas documentou a violência doméstica e o impacto causado por esse problema,

culminando na série Living With the Enemy.

No final da década de 1970, a fotógrafa documentava a cultura noturna de

clubes e boates da cidade de Nova York quando foi escolhida pela Playboy Japan

para fotografar um casal de swingers muito famoso na época: Bengt e Elisabeth. A

fotógrafa registrava tudo que envolvia a vida do casal: das orgias que participavam

até os momentos em família. Aos poucos, a fotógrafa conta, notou que Bengt na

verdade não era o bom marido que a princípio aparentava ser; até que, em 1982,

testemunhou a cena que mudou sua visão de mundo e alterou a forma como

enxergava seu próprio trabalho (Figura 7).

Figura 7 – Bengt e Elisabeth 1

Fonte: FERRATO, Donna (1982).

44

A fotografia mostra o casal em um banheiro com largos espelhos nas

paredes (o que possibilita ver a cena enquadrada em diferentes ângulos). É possível

enxergar a fotógrafa ao fundo da cena pelo reflexo dos espelhos. A cena captura

movimento: Bengt está inclinado para frente em posição de ataque; seu braço direito

está esticado e sua mão aberta próxima ao rosto de Elisabeth, indicando agressão

física. O corpo de Elisabeth está inclinado para trás, uma tentativa de esquiva.

Donna Ferrato conta que estava em outro cômodo quando ouviu gritos e

coisas sendo quebradas, vindo do banheiro onde o casal estava. Quando entrou no

banheiro se deparou com a cena acima e, instintivamente, fotografou a agressão.

Assim que percebeu que ele repetiria a agressão, a fotógrafa interviu segurando o

braço de Bengt e implorando para que parasse. Ele não se importou com o pedido

ou a presença dela, o que fez com Donna continuasse a fotografar (Figura 8), pois

sabia que o relato seria recebido com incredulidade se fornecido somente em

palavras. A presença da fotógrafa não significava nada para ele. Anos mais tarde,

ela conta, percebeu que quando um homem está determinado a bater em sua

mulher, ele vai fazer isso na frente das crianças, dos vizinhos e até mesmo da

polícia.

Figura 8 – Bengt e Elisabeth 2

Fonte: FERRATO, Donna (1982).

45

A segunda fotografia, sequência da primeira, ainda acontece no banheiro, da

mesma forma com que ainda é possível enxergar a fotógrafa pelo reflexo dos

espelhos. Nesta cena Elisabeth foi encurralada em frente a pia, seus olhos estão

fechados e sua expressão demonstra desespero. Bengt está na sua frente,

encurralando Elisabeth, colocando sua mão direita sobre a boca da esposa, a

impedindo de falar ou gritar; sua mão esquerda está estendida com a palma virada

para cima num gesto que exprime “me dê!”; num dos reflexos é possível ver seu

rosto: ele grita com Elisabeth.

A discussão iniciou quando Bengt estava revistando o banheiro em busca do

seu cachimbo de cocaína. Elisabeth, percebendo o que o marido procurava, disse

“eu escondi, para salvar nosso casamento”. Ele respondeu aos gritos “mentirosa,

você só queria para si mesma”, culminando na agressão.

A representação da série é baseada na dimensão da primeira realidade. A

motivação da fotógrafa é a primeira realidade, o passado, o instante em que ocorre o

ato do registro. Por isso, cada fotografia é acompanhada do relato das mulheres que

aparecem nas imagens. É o contexto intrínseco invisível na fotografia. Todas as

imagens são em preto e branco capturadas com recurso analógico, pois a fotógrafa

acredita que cores podem prender a atenção do receptor da imagem e distraí-lo do

ponto principal: o acontecimento.

Na década de 1980, os Estados Unidos passavam pela segunda onda do

movimento feminista e, entre muitos dos assuntos em pauta, a violência contra a

mulher era um deles. A partir do episódio descrito acima, Donna Ferrato,

determinada a documentar e a fazer algo sobre isso, percebe que a câmera é sua

melhor arma para alcançar o objetivo de registrar os efeitos da violência doméstica.

A série Living With the Enemy surgiu de anos de convivência com mulheres em

abrigos, salas de emergência, prisões, tribunais, grupos de detenção e ajuda,

viajando com policiais e fazendo contato com pessoas envolvidas com esse tipo de

violência.

Em 1988, Donna Ferrato fotografou o que considera a imagem mais forte de

toda a série (Figura 9).

46

Figura 9 – Diamond

Fonte: FERRATO, Donna (1988).

Diamond retrata uma situação domiciliar. No enquadramento construído pela

fotógrafa nota-se a presença de três policiais uniformizados e atrás deles uma

mulher com olhar cabisbaixo. Um dos policiais segura outro homem que desvia o

rosto da lente da fotógrafa (talvez por não querer ser identificado, ou um indício de

constrangimento). Em frente ao homem está uma criança em posição de confronto;

seu braço direito está esticado em direção ao homem e seu dedo indicador aponta

para o rosto do mesmo homem. No rosto do menino, uma expressão de raiva; ele

grita olhando para o homem sendo levado pela polícia.

O nome da criança leva o título da fotografia, Diamond. A mulher ao fundo é

sua mãe e o homem sendo levado pelos policiais é seu pai. O menino ligou para a

polícia quando viu o pai tentar apunhalar sua mãe com uma chave de fenda.

Enquanto a polícia levava seu pai algemado, Diamond gritou “eu odeio você por ter

batido na minha mãe! Não volte mais para essa casa”. O tempo da representação

em Diamond carrega sua mensagem simbólica: é a demonstração de como uma

criança se sente ao ver sua mãe ser agredida.

As reações das pessoas envolvidas em casos de violência doméstica

divergem. A forma como cada ser humano se porta diante de uma situação

traumática e de estresse é individual, embora alguns comportamentos possam ser

explicados, como foi o caso da situação da Figura 10.

47

Figura 10 – Martha e o policial

Fonte: FERRATO, Donna (1985).

A fotografia retrata um acontecimento na vida de Martha, que está deitada

na maca de uma sala de emergência em um hospital, consequência de um ferimento

profundo causado na sua perna esquerda. Seus olhos fechados e a boca

entreaberta são indícios da dor ocasionada pelo corte que sangra muito. Em meio a

respirações controladas para aliviar a dor, Martha dá seu depoimento para o policial

em pé ao seu lado. Ele olha para fora do enquadramento feito pela fotógrafa; há

mais pessoas na sala. Durante uma discussão com seu namorado, ele a esfaqueou

na perna, mas o que ela deseja acreditar na verdade está na continuação do seu

relato: “ele não quis fazer isso. Você tem que acreditar que a pessoa que você ama

não faria esse tipo de coisa intencionalmente”. As palavras de Martha refletem o

pensamento de muitas mulheres que sofrem dentro de um relacionamento abusivo:

bloqueiam seus traumas se prendendo à esperança de que seus parceiros, por

quem sentem tanto amor, possam um dia mudar.

Por reações como a de Martha, algumas das ações afirmativas propostas

pelo feminismo enquanto movimento social focam em informar comunidades,

círculos sociais, promover diálogo, encontrar soluções para os problemas que as

mulheres enfrentam na sociedade. Donna Ferrato fotografou uma ação organizada

por um grupo de ativistas (Figura 11) que decidiram pressionar a polícia a tomar

atitudes com relação à violência doméstica.

48

Figura 11 – Policial com panfleto

Fonte: FERRATO, Donna (1988)

O policial na fotografia segura um panfleto com os dizeres “bater em

alguém que você ama é contra a lei”. Ele olha para fora da cena com olhar atento e

concentrado, indicando a presença de outras pessoas no recinto, provavelmente

as militantes que distribuíam os panfletos. A ação fez parte de um ato promovido

por ativistas feministas nos Estados Unidos na época. Elas pressionavam a polícia

para que houvesse um treinamento dirigido aos próprios policiais para que

aprendessem a lidar com situações de agressão doméstica, e que divulgassem as

informações contidas nos panfletos que orientavam como identificar abusos e

indicavam locais de ajuda.

Como parte das ações para combater a violência contra a mulher, grupos

feministas buscam apoio em diversas instituições através da disseminação de

informações e do diálogo como formas de conquistar atenção de grupos e pessoas

cujas vidas podem não estar inseridas nessas realidades. Ao mostrar a existência

dessa realidade e propor formas de lidar com ela, é possível cativar a atenção e

conquistar a confiança de outros grupos.

Além da ação dos grupos de ativistas, outra forma de prevenção contra a

violência doméstica é a ação direta com os abusadores. Nos Estados Unidos, em

1977, como resposta às necessidades de uma comunidade que precisava de

49

intervenção com relação a homens abusivos, surge um grupo de apoio chamado

AMEND (Abusive Men Exploring New Directions, em tradução livre Homens

Abusivos Explorando Novas Direções). Os atendimentos com conselheiros

fornecem aconselhamento em grupo ou individual para homens que cometeram

atos violentos e abusivos contra suas companheiras e se baseia nos seguintes

princípios:

a) a concepção feminista de que a violência masculina é uma forma de

atingir poder e controle explica boa parte do comportamento de

homens que são violentos;

b) a intervenção com homens agressores requer uma abordagem

diretiva e de valores. AMEND declara que violência é crime e afirma

que violência e abuso são comportamentos errados e antiéticos;

c) violência e abuso são respostas que as pessoas escolhem entre

uma série de comportamentos em potencial. A vítima não é

responsável pela violência e abuso direcionados a ela. O

perpetrador é responsável pelo seu comportamento;

d) ensinar a mudança de comportamento é prioridade do conselheiro

com homens violentos. Uma vez que o transgressor interrompe seu

comportamento abusivo, ele e o conselheiro podem começar a

trabalhar com as características intrapsíquicas dos seus problemas;

e) a intervenção projetada para acabar com comportamento violento e

abusivo é um processo a longo prazo que exige de um a cinco anos;

f) acabar com comportamento violento e abusivo é um processo

complexo que exige intervenção multimodal;

g) o tratamento de agressores requer habilidades especiais e

treinamento.9

Donna Ferrato frequentou grupos de aconselhamento a homens violentos e

abusivos, como o AMEND. Pela Figura 12 é possível ter contato com a história de

Bill, que agrediu sua esposa.

9 ENCYCLOPEDIA OF INTERPERSONAL VIOLENCE, 2008, p. 22.

50

Figura 12 – AMEND grupo de homens

Fonte: FERRATO, Donna (1985).

Frequentador do AMEND, Bill apoia os cotovelos sobre suas pernas

enquanto fixa o olhar em suas mãos (ele não encara o grupo a sua frente, indício

de vergonha e nervosismo). Ele chora ao admitir para o grupo que bater na sua

esposa em frente ao seu filho o fazia lembrar-se do próprio pai. Reconhece que

havia pouca diferença entre o homem que ele havia se tornado e o homem que ele

temia quando criança. Ao seu lado, fora de foco, está outro homem sentado; ele

olha com expressão séria para Bill.

Um comportamento violento influencia outro comportamento violento. O

feminismo é uma ferramenta de auxílio às mulheres e, na busca por uma

sociedade justa e igualitária, auxiliar homens também é uma forma de auxiliar

mulheres. Ao fornecer acompanhamento psicológico para agressores, possibilita

um rompimento no ciclo de violência expondo a esses homens que, assumindo

suas responsabilidades e penalizações, é possível solucionar seus próprios

problemas; impedindo assim que mais mulheres se tornem vítimas.

As fotografias de Donna Ferrato permanecem carregadas simbolicamente

retratando um tema que se mantém atual. Não são substitutas do real, embora

tenham força documental; a imagem adquire papel de prova do real quando a fala

da mulher não é aceita. “Muitas coisas são chocantes com relação à violência

doméstica, mas nenhuma é mais chocante do que o fato de que mulheres estão

51

atrás das grades por tentarem salvar suas próprias vidas” 10 . O descrédito à

palavra das mulheres é uma das consequências de uma sociedade baseada no

patriarcado, que sempre negou o saber às mulheres e duvidou da sua capacidade

intelectual. No entanto, a partir do momento em que elas passam a produzir

imagens que são representações da sua própria realidade, seu depoimento

começa a ser visto de outra maneira por uma sociedade baseada na cultura da

imagem; que considera irrefutável negar o que é visto.

4.7 MARIKO MORI E MIWA YANAGI

O registro da primeira fotografia feita por uma mulher no Japão carrega o

nome de Shima Ryu (1823-1900), com um retrato de seu marido, realizado em 1864.

Precedente ao seu envolvimento com a fotografia, já atuava como artista. Casou

com Shima Kakoku, também artista, e administraram juntos o próprio estúdio entre

1865 e 1867. Após a morte do marido, em 1870, Ryu voltou para sua cidade natal e

abriu o próprio estúdio fotográfico.

A situação da mulher dentro da sociedade japonesa evolui vagarosamente

se comparada à situação da mulher ocidental. Embora haja grupos feministas,

dentro do Japão o movimento não tem visibilidade, o que resulta no

desconhecimento, na falta de debate, na ausência da afirmação diária dos direitos

das mulheres. Existem leis que dão respaldo à situação da mulher no mercado de

trabalho, garantindo igualdade salarial e de oportunidades, e auxílio em caso de

gravidez. No entanto, raramente essas leis são cumpridas pelas empresas.

Mulheres diplomadas, com conhecimento pleno e especialistas nos mais

diversos campos não conseguem emprego em áreas consideradas de domínio

masculino; as oportunidades são concedidas preferencialmente aos homens. Às

mulheres resta servir chá, recepcionar, serem secretárias, tolerar caladas assédio e

abuso sexual no ambiente de trabalho. As que não trabalham, confinadas no âmbito

privado, dedicam suas vidas a cuidar do marido, dos filhos e da casa11.

Embora tenha existido um movimento feminista no Japão na década de

1970 (não tão forte quanto no ocidente), o feminismo não faz parte do vocabulário

de boa parte das mulheres japonesas, até mesmo entre as mais jovens. Os

10

FERRATO, www.iamunbeatable.com 11

Boa parte das japonesas que trabalham, acabam largando o emprego depois de casar.

52

trabalhos desenvolvidos na década de 1990 pelas artistas Mariko Mori e Miwa

Yanagi (ambas nascidas em 1967) abordam questões referentes à situação da

mulher japonesa no mercado de trabalho, à sua identidade, invisibilidade e

obscurecimento. No entanto, ambas as artistas só conseguiram expressar questões

referentes à mulher japonesa em seus trabalhos quando saíram do país e se

depararam com a realidade da mulher ocidental, em situação muito diferente à da

sua terra natal.

Mariko Mori, antes de se dedicar a arte, estudava moda e atuava como

modelo. Não gostava da forma como as regras sociais impostas no país não

permitiam expressão individual, não aceitava as condições do seu destino já traçado.

Decidiu sair do Japão para estudar fora, pois sabia que a realidade no exterior era

diferente. Foi estudando e trabalhando como artista em Nova York e Londres que

percebeu que a arte japonesa não reflete a realidade, ela apenas existe a parte. Foi

também através dos seus estudos em outros países que constatou a realidade da

mulher japonesa (Figura 13).

Figura 13 – Cerimônia do chá 1

Fonte: MORI, Mariko (1994).

Inserindo a si mesma na fotografia, Mariko veste uma roupa prateada, como

uma segunda pele que a cobre da cabeça aos pés; no lugar das orelhas humanas,

orelhas pontudas da mesma cor e material que a roupa prateada. Por cima dessa

53

segunda pele, um vestido preto que vai até acima dos joelhos, com colarinho e

mangas compridas brancas. Com a mão esquerda segura uma bandeja com xícaras

de chá. A mão direita estendida oferece uma dessas xícaras. Ela está praticamente

parada, e o pouco de movimentação que executa, parece dura. Em contraste à

figura estática da artista, os homens que passam em seu entorno na calçada estão

todos em movimento, passantes. Poucos olham para ela.

A aparência robótica e estática da artista é representação do destino da

mulher japonesa: pré-estipulado, sem ambição e desejo, limitador. À mulher

japonesa resta eterna servidão (ao marido, aos filhos) e a aceitação de que seu

lugar e papel na sociedade são para agradar aos homens. É o contrário dos homens

ao seu redor, que estão sempre em movimento, avançando, com ambições e

desejos próprios. Seu traje (vestido preto e sapatos de salto) remete a um dos

destinos reservados à mulher japonesa que deseja atuar em empresas: servir chá

(Figura 14).

Figura 14 – Cerimônia do chá 3

Fonte: MORI, Mariko (1994).

Mesmo trajando roupas chamativas, os homens que passam por ela não a

notam, envolvidos e fechados no próprio universo, ocupados demais para prestar

atenção ao seu redor, para notar sua presença. À mulher japonesa, a insignificância

e contentamento; ao homem japonês, avanço. Mulheres que possuem uma carreira

têm de trabalhar e se esforçar muito mais do que os homens. Trabalham por

resignação, servem chá e até se ajoelham.

54

No mesmo sentido, o trabalho da artista Miwa Yanagi aborda outro papel

destinado à mulher japonesa que deseja fazer parte do mercado de trabalho. Filha

de um casal típico japonês, a artista, como a maioria dos jovens, não tinha espaço

para desenvolver suas individualidades, embora fosse consciente da forma que vivia

e do descontentamento que isso causava. Formada em artes visuais e atuando

como professora, sentiu que estava apenas cumprindo papel numa sociedade

padronizada que exige das mulheres um padrão já pré-estipulado de vestimenta,

comportamento e beleza. A sociedade japonesa exige das mulheres requisitos para

aceitação social e pertencimento ao grande grupo. Através da série Elevator Girl a

artista expressa o sentimento de intoxicação da sociedade japonesa, seus padrões

impostos e as funções limitadoras destinadas às mulheres. Apesar de nunca ter

trabalhado como ascensorista, a artista escolheu essa profissão com a intenção de

ser simbólica para qualquer profissão que impõe funções limitadoras (Figura 15).

Figura 15 – Elevator girl 1

Fonte: YANAGI, Miwa (1997)

55

Centralizada na foto até a linha do horizonte, uma longa esteira rolante.

Posicionadas na altura dos olhos de quem passa pela esteira, há longas e estreitas

vitrines. Dentro, as ascensoristas enfileiradas, visíveis. Todas elas vestem as

mesmas roupas: um conjunto de saia, blazer e chapéu vermelho, sapatos de salto e

luvas brancas. Sua aparência também é semelhante: todas são magras, com altura

similar, usam os cabelos pretos longos e lisos soltos. Ordenadas em uma vitrine de

forma a serem vistas como objeto de decoração por quem passa, um reflexo no

vidro cobre o rosto de todas elas: a mulher japonesa não tem identidade, não há

espaço para autoafirmação e desenvolvimento pessoal. O que existe, de fato, é um

padrão que deve ser repetido exaustivamente.

Figura 16 – Elevator girl 2

Fonte: YANAGI, Miwa (1997).

Entre as ascensoristas japonesas há o costume de chamar seu ambiente de

trabalho de a cesta. Um ambiente pequeno, fechado, tóxico e restritivo: o elevador.

Na figura 16, o enquadramento fechado e o recorte quadrado das imagens mostram

as ascensoristas dentro do elevador, ocupando somente o espaço predestinado a

elas. No rosto, expressões que não remetem a nada. Sua postura é a repressão do

desenvolvimento pessoal feminino que preza por um padrão.

56

Figura 17 – Elevator girl 3

Fonte: YANAGI, Miwa (1997).

Na figura 17 se vê, em um ambiente fechado e com longos corredores,

extensas vitrines com os mais variados tipos de flores e ornamentos. Dentro das

vitrines, um pequeno espaço separado com mulheres. Só uma está do lado de fora,

olhando para as que estão dentro da vitrine. A série Elevator Girl é sobre mulheres

japonesas e a própria artista. Dentro da vitrine, as ascensoristas, objetos de

decoração, guardados e acumulados. Do outro lado do vidro, uma representação da

própria artista que enxerga esse mundo com outros olhos, do lado de fora da caixa,

da cesta, do lado de fora do elevador.

Diferentes sociedades se desenvolvem de formas diferentes. Dentro da

cultura japonesa, a maneira com que o patriarcado se impôs como verdade universal

foi excluindo as mulheres com o mito de que as grandes aspirações pertencem

somente aos homens, confinando as mulheres ao âmbito privado para protegê-las

do mundo, não incentivando as individualidades, criando padrões e discriminando

quem ousa não os seguir. São poucas que conseguem se desvencilhar desse

pensamento já enraizado. Mariko Mori e Miwa Yanagi são exemplos de mulheres

japonesas que perceberam o tratamento que as mulheres recebem na sociedade em

que estavam inseridas, tirando sua identidade e as fazendo acreditar que ficar em

casa e obedecer são atitudes que visam o seu próprio bem.

57

5 CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho foram abordados pontos acerca da história do

feminismo, das mulheres e da fotografia desenvolvidos com base em estudos teórico

e crítico feminista. Fundamentado a partir de teorias feministas, de gênero e de

fotografia, o objeto de estudo principal (a leitura dos trabalhos de fotógrafas dos

séculos XIX e XX) foi esmiuçado partindo de diferentes pontos que englobam o

assunto. Através da explanação da teoria feminista e de gênero foi constatado que é

possível a construção de novas relações interpretativas dentro do fazer histórico e

que sua aplicação na leitura de imagem é viável.

Explorando temas referentes à história das mulheres e às principais

demandas de cada onda no movimento feminista, traçou-se um paralelo entre suas

conquistas e os obstáculos criados pelo patriarcado que retardaram os avanços do

movimento e do desenvolvimento da teoria. A partir dessas narrativas e do

entendimento de que a mulher foi subjugada como Outro na sociedade, pôde-se

desmistificar essa imposição patriarcal, inseri-las e entendê-las também como sujeito

ativo dentro da dimensão do saber.

Grande parte do conhecimento produzido e divulgado até o século passado

era articulado por homens. Seguindo uma concepção pré-estabelecida há séculos

de que a cultura dos homens deve se sobressair à das mulheres, a história foi

contada pelos homens e para os homens, excluindo e ignorando outros sujeitos.

Além disso, o ideal de feminilidade pregado disseminava a ideia de que as mulheres

deveriam ficar restritas ao âmbito privado e a um padrão de comportamento. Isso

acarretou, por séculos, na exclusão e desconhecimento da produção feminina.

A forma com que a produção de conhecimento (e consequentemente sua

divulgação) era feita considerava o sujeito universal como representante do

pensamento de toda humanidade. Excluindo a vivência de diversos outros grupos e

ignorando múltiplas pluralidades, o homem branco heterossexual se colocou no

poder. Não lemos sobre mulheres quando estudamos história da fotografia, porque

muitos livros de arte e fotografia já consagrados pouco ressaltam, ou sequer citam, o

trabalho desenvolvido por fotógrafas. Pesquisadores insistem em repetir à exaustão

os mesmos nomes, considerando somente a sua verdade como única possível,

resultando numa cegueira intelectual em detrimento de novas descobertas.

58

No entanto, resultado de pesquisas e de novas metodologias propostas a

partir da década de 1970, historiadoras(es) feministas conseguiram reconhecer e

divulgar novos nomes, além de explorar novos sujeitos e pontos de vista dentro da

história. Por essas manifestações de conhecimento e pela proposta da leitura das

imagens neste trabalho, foi possível constatar o fato de que mulheres se envolvem

com fotografia desde o momento da sua invenção, que tinham consciência da sua

situação na sociedade e de que forma se posicionavam com relação ao seu

descontentamento.

Do século XIX permanece o questionamento de Frances B. Johnston que,

ao confrontar noções de feminilidade formadas por homens, estimulou outras

mulheres a entrarem no universo da fotografia fosse atuando como amadoras ou

profissionais. No século XX, Donna Ferrato, com olhar e percepção característicos

do fotojornalismo, expôs acontecimentos envolvendo mulheres nos mais diversos

tipos de situações, de forma sensível e apurada. Ainda no século XX, as análises

voltaram-se para outra cultura, que pouco ganha atenção por não fazer parte da

realidade ocidental. Yanagi e Mori retratam a realidade da mulher na sociedade

japonesa inserindo a si mesmas e suas experiências de vida em imagens

simbolicamente construídas.

Confrontaram noções de feminilidade, exploraram de que forma os efeitos

do patriarcado na sociedade são percebidos abrangendo temas que vão desde a

violência doméstica à forma que sua figura e presença são concebidas pela

sociedade nos âmbitos público e privado. Apoiaram mulheres e formaram redes de

profissionais num esforço conjunto para se desvencilharem da situação de

coadjuvantes que estavam inseridas, apresentando pluralidade de sujeitos presentes

nas mais diversas tramas da história.

Mesmo que a presença das mulheres no universo artístico tenha sido aceita

de forma lenta e hesitante, a fotografia (à época de seu surgimento) não era uma

manifestação com grandes cânones que exigissem estudos aprofundados (como

pintura, desenho, gravura). Mesmo que os homens continuassem a reivindicar o

âmbito público como seu local de direito irrevogável, essa nova forma de expressão

visual criou oportunidades para muitas mulheres e as encorajou a deixar o âmbito

privado. A história das mulheres é uma história de resistências. Como bem disse

Perrot (2007) a revolução sexual é interminável. A história não tem fim, e nem

conclusão, ela continua.

59

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64

APÊNDICE A – ENTREVISTA COM YOSHIDA NATSUMI

Carolina Ceccatto Luchese: Hoje dia 15 de agosto de 2017. Então,

diga o seu nome, por favor.

Yoshida Natsumi: Nome?

CCL: Sim.

YN: Sou Yoshida Natsumi.

CCL: Quantos anos de idade têm?

YN: 22 anos.

CCL: Então, tua história com Brasil.

YN: História do Brasil.

CCL: Sim.

YN: Eu nasci no Brasil. Melhor falar em português?

CCL: Pode misturar.

YN: Eu nasci no Brasil e quando tinha 2 anos fui pro Japão e fiquei 3

anos. Daí voltei de novo pro Brasil. Daí até os 12 anos eu morei no Brasil.

CCL: No Japão, estuda o que na universidade?

YN: Na universidade japonesa eu tô estudando português.

CCL: Então, veio pra cá pra continuar estudando português?

YN: Isso. Pra melhorar.

CCL: Tem quantas pessoas na família?

YN: Tem 4 pessoas na minha família. Meus pais e meu irmão mais

velho.

CCL: Quantos anos de idade teu irmão mais velho tem?

YN: 24 anos. Meu irmão também é estudante universitário.

CCL: Existe diferença entre tu e teu irmão? Quando eram crianças

eram tratados diferente?

YN: Sim, porque o meu pai sempre deixava eu fazer o que eu

quisesse. Mas o meu irmão não.

CCL: Por quê?

YN: Porque o meu pai acha que o homem tem que ser forte,

inteligente e tem que entrar em empresa grande, tem que entrar numa

universidade boa. Então, meu pai sempre obrigava ele a se esforçar.

CCL: E tu não?

65

YN: Não. Ele nunca ficou bravo comigo, mas com meu irmão muito.

CCL: Mas ele dizia pra ti “tem que entrar na universidade também”?

YN: Pra mim? Pra mim não falou nada. Mas pro meu irmão “tem que entrar

na universidade pública”.

CCL: Mas pra ti se quisesse entrar podia, mas se não quisesse entrar não

tem problema.

YN: Acho que sim. Eu nunca falei, então não tem como saber. Mas não me

falou nada.

CCL: Como é a vida da família? O dia-a-dia.

YN: Eu também? No Japão, né?

CCL: Sim.

YN: Eu de manhã vou a faculdade e só volto de tarde, no começo da noite,

tipo 5 horas, ou 6 horas. Daí eu estudava bastante até a noite, tipo 10 horas. Mas às

vezes saía com as amigas, ou trabalhava no cursinho. Eu ensinava crianças.

CCL: Tipo um bico?

YN: Sim, um bico. Pra crianças de 12, 13, 14 anos pra entrar no ensino

médio.

CCL: E o irmão?

YN: Meu irmão uma vez desistiu da faculdade e depois entrou de novo.

Então, agora acho que ele também estuda quase o dia inteiro e acho que participa

de um clube de música brasileira. Acho que pratica. Acho que ele não trabalha, mas

às vezes no final de semana ou nas férias faz bicos.

CCL: O que ele estuda?

YN: Ele agora faz, como é que fala... Crianças que têm os pais que

trabalham até de noite. Ele cuida delas. Tipo, depois da escola as crianças vão

embora, mas quem não tem pais em casa porque estão trabalhando.

CCL: Ele estuda isso?

YN: Não, ele trabalha com isso.

CLL: Mas na universidade ele estuda o quê?

YN: Na universidade é português.

CLL: Português também.

YN: Estudo é português, trabalho é com crianças.

CLL: E o dia-a-dia da tua mãe?

66

YN: Quando eu tava no Japão minha mãe não trabalhava, mas

agora começou a trabalhar. E acho que, não sei bem, mas das 10 da manhã

até 5 da tarde ela trabalha com crianças. Mesma coisa que o meu irmão.

CLL: E antes de trabalhar, ela fazia o quê?

YN: Não fazia nada.

CLL: Ficava em casa?

YN: Sim, também fazia bicos. Minha mãe não trabalha, só faz bicos.

Porque na nossa família só o pai que trabalha, mas agora como eu tô aqui e

ela não tem nada pra fazer, ela começou a trabalhar.

CLL: Tua mãe foi pra universidade?

YN: Sim, foi.

CLL: O que ela estudou?

YN: Minha mãe estudou inglês. Se formou, trabalhou 2 anos eu acho.

Daí conheceu meu pai, se casou e saiu da empresa. Desde então não

trabalha.

CLL: E ela tem vontade?

YN: Não. Acho que não tinha, mas agora tem. Acho que não é

questão do dinheiro, é questão do tempo. Acho que tem saudade, então tem

que fazer alguma coisa, senão fica triste.

CLL: E o teu pai?

YN: Meu pai trabalha numa empresa e sai de casa de manhã bem

cedo, tipo 6 horas e vai pra Tokyo. Demora uma hora e pouco, então

trabalha até às 5 da tarde e volta pra casa, janta e dorme. Só isso.

CLL: E é de segunda a sexta?

YN: De segunda a sexta. Sábado e domingo não faz nada. Só fica

em casa.

CLL: Tem avós?

YN: Tenho duas avós vivas.

CLL: Quando elas eram jovens, elas estudavam?

YN: Estudavam. A mãe de minha mãe se formou na faculdade, mas

a mãe do pai não sei. Mas ela foi na faculdade feminina, que só tem

meninas.

CLL: E ela trabalhou depois?

67

YN: Acho que não. Se casou direto. Não foi de namorar. Foi casamento

arranjado. Na época da minha avó era normal.

CLL: E a outra avó também foi arranjado?

YN: Não sei. Acho que sim. Ou não. Desculpe, não sei.

CLL: E da avó que casou, era igual a tua mãe? Ficavam em casa?

YN: Ficavam em casa. Minha avó, mãe da mãe, acho que nunca trabalhou

até agora. O avô já faleceu, mas mesmo agora ela não trabalha.

CLL: E eles [os avôs] trabalhavam.

YN: Trabalhavam. O pai do pai faleceu bem cedo, mas mesmo assim não

trabalham [as avós].

CLL: Na escola tem aula de econômica doméstica. E todo mundo aprende,

os meninos e meninas. Tu sabe porque, mesmo que todo mundo saiba fazer tudo,

depois só a menina tem que fazer?

YN: Hoje em dia não é assim, eu acho. Mas antigamente o pai, o marido

trabalha pra família e a mãe cuida da família.

CLL: E quanto tu estudou na escola, todo mundo aprendia. Tu acha que

continua assim? De ficar ela em casa.

YN: Hoje em dia acho que a maioria da família os dois trabalham. É normal.

CLL: Se tu casasse, pararia de trabalhar?

YN: Sim.

CLL: Por quê?

YN: Porque eu não quero trabalhar. Como a minha mãe não trabalhava,

então sempre ficava junto comigo. Por isso, sempre quis fazer a mesma coisa para

meus filhos.

CLL: Existe diferença de comportamento, que você percebe, entre brasileira

e japonesa?

YN: Pode ser qualquer coisa? Tava pensando, e brasileiras tentam mostrar

mais sexualidade, mas japonesas tentam se mostrar mais fofas. Eu acho.

CLL: Só isso?

YN: É difícil sair com um homem. Japonesas não sabem ter amigos homens,

mas depende da pessoa.

CLL: Por quê?

YN: Porque as outras pessoas estranham.

CLL: Elas julgam?

68

YN: Acho que sim. Por isso que evitam sair com um homem.

CLL: E percebe alguma diferença no jeito de andar, de agir, ou de

falar com as outras pessoas?

YN: Agir? Andar? Nunca pensei...

CLL: Não bem andar. Mais atitude.

YN: Dizem que japonesas são mais educadas, delicadas, mas eu

não acho muito.

CLL: Por quê?

YN: Porque japonesas também falam palavrão, besteiras. Depende

da pessoa. Não é “brasileira é assim” e “japonesa é assim”.

CLL: Sim, muda.

YN: Eu acho. Mas são mais delicadas mesmo. Japonesas têm que

ser iguais.

CLL: Como assim igual?

YN: Todo mundo usa roupas que tão na moda e passam

maquiagem que tá na moda. Brasileiras são diferentes. Cada uma tem cada

personalidade, mas japonesas mesmo que tenha, não mostra.

CLL: Por quê?

YN: Porque tem que ser igual.

CLL: Por que precisa ser igual? Por que tu acha que precisa ser

igual?

YN: Porque senão é chamada de estranha.

CLL: E isso é ruim?

YN: Pra mim sim e acho que pra maioria sim. Tipo, tem que ser bem

magra, tem que seguir a moda. Assim.

CLL: Uma vez eu li sobre meninas que não faziam isso. Era

sukeban.

YN: Conheço!

CLL: Que não queriam fazer nada disso.

YN: Mas hoje em dia não existe. Não é sukeban, mas tem algumas

que não fazem mesmo. Mas é difícil, tem que ter coração forte.

CLL: O que tu acha que ela ganha de bom na vida se ela é igual a

todo mundo? É diferente a vida de quem é estranho e de quem é igual?

69

YN: É mais fácil viver. Eu acho mais triste viver fingindo, fazendo o que não

gosta, mas assim é mais fácil viver.

CLL: Triste, não é?

YN: Sim, é muito triste. Mas eu não quero, não quero ser assim.

CLL: Assim como?

YN: Igual. Não quero ser igual. Mas geralmente quem faz isso tem mais

amigos.

CLL: Quem é igual?

YN: Sim, porque é um grupo, né.

CLL: Mas tu não tem muitos amigos?

YN: Tenho.

CLL: Então!

YN: [risos] Eu acho que não tenho muito, mas eu tenho só amigos próximos.

O resto pra mim não é amigo, é conhecido.

CLL: No Brasil também é assim.

YN: Tem gente que chama de amigo os conhecidos também, mas pra mim

não. Só são amigos próximos quem eu posso falar de mim.

CLL: Conhece feminismo?

YN: Conheço.

CLL: O que tu acha que é?

YN: Acho que é uma atividade pra conseguir direito de ser igual ao homem.

Uma atividade das mulheres. É só isso que eu sei.

CLL: E tu acha que é importante?

YN: Não muito.

CLL: Por quê?

YN: Porque eu acho que não precisa ser igual.

CLL: Por quê?

YN: Porque é impossível, eu acho. Não precisa separar, fazer diferença.

Tipo, não precisa maltratar mulheres, mas impossível ser igual. Eu acho.

CLL: Impossível em que sentido?

YN: Tipo o corpo é diferente. Homens têm força e mulheres têm... Só

mulheres que podem engravidar. Então é impossível ser igual.

CLL: Eu posso explicar?

YN: Sim.

70

CCL: O que o feminismo quer não é deixar as pessoas iguais,

porque sabe que elas são diferentes. Então, por serem diferentes merecem

ter uma vida, mas a vida não precisa ser diferente. Por exemplo, trabalhar.

Podem trabalhar os dois se quiserem, porque do mesmo jeito que o homem

pode trabalhar, se a mulher quiser ela também pode.

YN: É verdade.

CLL: E no trabalho eles têm que ganhar a mesma coisa, se fazem a

mesma coisa.

YN: Entendo.

CLL: São essas diferenças. O feminismo é pra dizer que a mulher

pode ser tratada como um ser humano também. Como uma pessoa.

YN: Como uma pessoa.

CLL: É pra isso.

YN: Entendi!

CLL: Não é pra ser igual de corpo, é pra ser igual...

YN: De direitos.

CLL: Basicamente.

YN: Mas tem diferença de corpo, então deve ter diferença de força.

CLL: Também, às vezes. Depende a pessoa. Por exemplo, nas

olimpíadas têm mulheres muito fortes.

YN: Ah, é verdade!

CLL: No Japão existe alguma lei pra mulher? Que seja de proteção.

YN: Lei?

CLL: Por exemplo, no Brasil existe uma lei. O nome dela é Maria da

Penha. É pra proteger mulheres que sofrem violência doméstica. Foi criada

essa lei que diz que é crime, porque no Brasil muitas mulheres morrem

porque o marido bate nelas.

YN: Acontece no Japão também.

CLL: E existe alguma lei no Japão?

YN: Não sei. Posso pesquisar.

CLL: Mas isso acontece no Japão também.

YN: Sim.

CLL: Conhece alguém que já aconteceu isso?

YN: Que morreu?

71

CLL: Que morreu ou brigou...

YN: Pessoalmente não, mas ouvi falar algumas vezes. Tipo amiga da amiga.

Não é só casal, namorados também.

CLL: E sabe o que aconteceu depois que brigaram?

YN: Não.

CLL: No Japão existe uma profissão que tem mais homens, ou...

YN: Profissão tipo, trabalho? Enfermeira tem mais mulheres.

CLL: E médico?

YN: Homens. E políticos a maioria é homem. Homens acham que política de

mulher não é tão boa.

CLL: Engenheiro?

YN: A maioria é homem. Além disso, quem consegue ir trabalhar no exterior

normalmente é homem. Mesmo que trabalhe na mesma empresa, geralmente o

homem é escolhido.

CLL: E sabe por quê?

YN: Não sei.

CLL: Já viu alguma mulher que trabalha num emprego que é “de homem”.

Conhece?

YN: Pessoalmente não, mas existe.

CLL: E sabe se elas são tratadas diferente?

YN: Acho que sim.

CLL: Tem preconceito?

YN: Também, e abuso sexual acontece. Tipo, tocar no corpo, essas coisas.

E eles não deixam trabalhar...

CLL: Eles quem?

YN: Os homens. Não deixam [as mulheres] trabalhar e fazem ela fazer chá e

essas coisas. Acontece.

CLL: No Japão, hoje em dia, tem muito mais gente mais velha do que mais

nova. Existe incentivo pra que as pessoas mais novas casem e tenham filhos?

Existe isso?

YN: Existe.

CLL: E existe alguém, conhece pessoas que não querem fazer isso?

YN: Que não querem fazer isso?

CLL: É, que não querem casar, que não querem ter filhos.

72

YN: Conheço.

CLL: E sabe por que elas não querem?

YN: Questão do dinheiro a maioria, porque pra criar crianças, filhos,

têm que ter bastante dinheiro. E hoje em dia é difícil ganhar bastante, ganhar

o suficiente pra criar. É comum trabalhar pai e mãe, daí não dá tempo pra

criar. E acho que hoje em dia tem muitas mulheres que querem trabalhar,

antigamente só se casavam e não precisavam trabalhar, mas hoje em dia

não.

CLL: Tu acha que, por exemplo, quem “tem que” cuidar da criança é

a mãe. Mas tu não acha que o homem também não tem que cuidar?

YN: Eu acho, mas não precisa ser igual também.

CLL: Tipo, ajudar a mulher...

YN: Sim, é melhor.

CLL: Porque ele ajudou a fazer, né.

YN: [risos] Ajudou a fazer.

CLL: Porque é meio injusto só a mãe...

YN: Sim, entendo, mas eu nunca pensei assim. Porque na minha

família o meu pai ganha dinheiro e minha mãe cuida de nós. Então, faz

sentido. Eu sempre achei assim, porque pra mim isso era normal.

CLL: Conhece alguém de alguma família que é diferente?

YN: A maioria dos pais dos meus amigos trabalham os dois.

CLL: Os dois trabalham e...

YN: Só a mãe que faz as coisas.

CLL: O pai não.

YN: Ajuda, mas a maioria é a mãe.

CLL: Na universidade, tem alguns cursos que têm mais meninas e

outros que têm mais meninos?

YN: Linguagens têm mais mulheres, meninas. E matemáticos

[exatas] têm homens.

CLL: E se alguma menina faz um curso matemático, as pessoas

acham estranho?

YN: Não, isso não.

CLL: E se algum menino faz alguma linguagem acham estranho?

YN: Não acham. Isso não.

73

CLL: E depois pra conseguir emprego? Se é uma menina que faz uma coisa

matemática? Pra conseguir emprego depois que termina a faculdade? É diferente se

ela fizesse linguagem?

YN: É difícil, porque o tipo de trabalho é diferente. Não sei dizer. Acho que é

mais difícil conseguir emprego mulher que faz matemática, tem dificuldade.

CLL: Por quê?

YN: Porque a porta abre para os homens. É mais fácil pra eles.

CLL: Tu percebe que já recebeu, ou às vezes recebe um tratamento

diferente?

YN: Aquilo que falei sobre meu pai?

CLL: Com qualquer homem, qualquer pessoa. Até mulheres. Já sentiu que,

por exemplo, tinha tu e um outro homem num lugar e era pra fazer a mesma coisa,

mas foi diferente?

YN: Eu nunca fui maltratada. Pelo contrário, sempre fui mimada, porque sou

mulher. Do meu pai é mais fácil explicar.

CLL: Pode ser.

YN: Meu pai sempre me deixava fazer o que eu quiser. Eu podia estudar o

que eu quiser.

CLL: E de conhecido? Tem alguma amiga que aconteceu alguma coisa?

YN: Deixa eu pensar... Minha mãe e meu pai trabalharam na mesma

empresa. O meu pai trabalhava duro, mas a minha mãe só servia chá. Mas hoje em

dia não, nessa época era normal. Ninguém fica bravo com a mãe, mas se um

homem fizesse a mesma coisa ficaria bravo. Se fizesse algo errado. Falhar.

CLL: Por exemplo, esse livro é de história da fotografia no Japão. Essas

duas são fotógrafas. Essa é Mariko Mori e essa é Miwa Yanagi. As duas são

mulheres. Elas saíram do Japão um dia pra viajar e elas viram que era diferente o

tratamento das mulheres no Japão e fora do Japão. Quando elas voltaram, elas

viram que não era legal, então elas fizeram essas fotos. Essa foto da Mariko Mori é

ela servindo chá pra homens, ela vestida assim chamando atenção e ninguém

prestando atenção nela, porque ela é mulher.

YN: Entendi!

CLL: Pra dizer que ninguém liga pra elas. Não importa o jeito que ela se

vista. E aqui a Yanagi-san fez várias assim com várias mulheres em vários lugares

diferentes, pra mostrar que elas são decoração. Só isso.

74

YN: Elevator girls. É verdade.

CLL: Que é só bonito.

YN: Acontece.

CLL: Olhando isso e o que a gente conversou, o que tu acha? Acha

que teria que mudar alguma coisa? Qualquer coisa, o que tu acha?

YN: Mas só mulheres que podem fazer.

CLL: Fazer o quê?

YN: Decoração.

CLL: Ah, não é isso. Aqui mostra ela como se ela fosse uma

decoração, não que ela faz. Como se ela fosse um vaso, uma boneca.

YN: Mas isso não é tão ruim.

CLL: Por quê?

YN: Mas elas que escolheram.

CLL: Não.

YN: Sério?

CLL: Tu acha que elas escolhem, ou que as pessoas fazem elas

pensar nisso? Tu acha que tem diferença?

YN: Porque tinha outras escolhas também, mas elas escolheram ser

elevator girls.

CLL: Será?

YN: Se não quisesse, não seria.

CLL: Mas seria o quê?

YN: Trabalharia numa empresa. Não?

CLL: Ok, vamos esquecer essa foto. Essa foto [de Mariko Mori],

olhando essa.

YN: Essa é triste.

CLL: Por quê?

YN: Porque deviam ser iguais dos homens. Elas entraram pra

trabalhar como o homem.

CLL: Só isso?

YN: Acho que sim. É difícil.

CLL: Então, muito obrigada.

YN: Muito obrigada!

75

Perguntas por escrito feitas posteriormente à entrevista oral em 15 de agosto

de 2017:

CLL: Alguma vez já conversou com alguma amiga sobre feminismo? Acha

que as japonesas falam sobre isso?

YN: Eu nunca conversei sobre isso. Sinceramente, nem tinha tanto interesse

até hoje. Na minha opinião, as japonesas não falam muito sobre feminismo

comparando com mulheres de outros países.

Resposta adicional à pergunta sobre diferenças de comportamento entre as

japonesas e as brasileiras:

YN: No Japão tem que ser todo mundo igual das outras. E é difícil respeitar

as individualidades. E atitude para os homens. Japonesas tentam parecer mais fofa,

delicada e viram a outra pessoa diante de homens. E mulheres brasileiras tentam

parecer mais sensual, mas são menos safadas, eu acho.

Resposta adicional à pergunta sobre leis de proteção à mulher no Japão:

YN: Existe várias para proteger os direitos das mulheres. Por exemplo, tem

uma para dar mesma chance de conseguir emprego que nem homens. Ou pra quem

engravidar também, tem algumas pra ajudar elas. Mas sobre a violência, acho que

não é só pra mulheres.

76

APÊNDICE B – PROJETO TCC 1

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

CAROLINA CECCATTO LUCHESE

FEMINISMO NA HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA - FOTÓGRAFAS NOS SÉCULOS XIX E XX

Caxias do Sul

2017

77

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

HABILITAÇÃO EM FOTOGRAFIA

CAROLINA CECCATTO LUCHESE

FEMINISMO NA HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA - FOTÓGRAFAS NOS SÉCULOS XIX E XX

Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado como requisito para aprovação

na disciplina de Monografia I.

Orientador(a): Dr. Eliana Rela

Caxias do Sul

2017

78

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 04

1.1 PROCESSO DE DESCOBERTA ................................................................................ 04

2 TEMA ........................................................................................................................... 05

2.1DELIMITAÇÃO DO TEMA .......................................................................................... 05

3 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................ 08

4 QUESTÕES NORTEADORAS ...................................................................................... 09

5. HIPÓTESES ................................................................................................................ 10

6. OBJETIVOS ................................................................................................................ 11

6.1 OBJETIVO GERAL .................................................................................................... 11

6.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ...................................................................................... 11

7. METODOLOGIA .......................................................................................................... 12

8. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ....................................................................................... 13

9. ROTEIRO DOS CAPÍTULOS ...................................................................................... 15

10. CRONOGRAMA ........................................................................................................ 16

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 17

79

1. INTRODUÇÃO

1.1 PROCESSO DE DESCOBERTA

Chegando ao final do curso de fotografia, percebi que uma grande lacuna havia

sido deixada: eu não sabia dizer quem foram as fotógrafas que compuseram a história da

fotografia. É possível contar nos dedos de apenas uma das mãos quantas fotógrafas foram

citadas em todo meu percurso acadêmico. Todas eram contemporâneas. Então comecei a

indagar onde estão as fotógrafas dos séculos XIX e XX? Elas existiram? Por que não as

estudamos? Por que não ouvimos falar delas? Por que as mulheres na história da arte e,

principalmente na história da fotografia, estão fadadas ao esquecimento e a nem sequer

serem reconhecidas?

80

2. TEMA

2.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA

A história das mulheres diverge de país para país, mas o que se mostra comum em

diversas culturas é um enfraquecimento do papel da mulher como indivíduo ativo na

sociedade e a existência de um sujeito universal (o homem branco heterossexual). Na

Europa do século XIX, independente de credo, ou classe social, a figura masculina

imperava. De acordo com Perrot (1991, p. 121), é absoluta a superioridade da figura

paterna, enquanto que a figura materna é tida como incapaz e deve ser obediente ao marido

(sendo as adúlteras puníveis com morte pelas mãos do próprio marido). Nas famílias

burguesas mesmo a mãe podendo lidar com os gastos da família (mas ainda assim tendo

de prestar contas ao marido), é o pai quem guarda, controla e libera o dinheiro em quantias

extremamente pequenas tendo em vista o fato de que a mulher era considerada fraca e

suscetível demais para ter algo tão importante em suas mãos. As que trabalhavam fora de

casa não eram vistas com bons olhos e, por isso, deveriam permanecer solteiras e

solitárias. Nas camadas mais populares, a mulher era incumbida de múltiplas tarefas, como

dar à luz e cuidar dos filhos, cuidar da casa limpando, fazendo compras, preparando as

refeições, entre tantos outros afazeres. As mulheres das camadas sociais mais baixas

muitas vezes eram vistas como rebeldes por terem de sair de casa em busca de trabalho

pela demanda de uma renda extra (o que, mais uma vez, as tornava alvo de violência e de

reclusão doméstica). A moral e os bons costumes (impostos novamente pelo sujeito

universal) diziam que toda boa mãe deveria se ocupar somente de seu bebê.

O “início” da história das mulheres no Brasil (posterior à das indígenas) herda muito

da cultura portuguesa que começou a colonização do país em 1500. Portugal, além de

trazer seus costumes da época, trouxe também seus provérbios que diziam que “uma

mulher virtuosa só saía de casa somente em três ocasiões: para ser batizada, para ser

casada e para ser enterrada” (HAHNER, 2012, p. 46). Embora o estilo de vida entre

mulheres indígenas, negras trazidas da África para serem escravas e as mulheres da elite

fossem extremamente diferentes, um fator comum que prevaleceu na vida de todas durante

muitos séculos (e ainda prevalece) é o do sujeito universal e suas ideias criadas para

favorecê-los.

As brasileiras raramente tinham liberdade e controle sobre suas próprias vidas.

Embora o patriarcado condicionasse a vida das mulheres às “funções maternas”, durante o

século XX muitos direitos foram conquistados. Elas podiam enfim sair de casa em outras

ocasiões que não fossem somente seu batismo, casamento e velório. Começavam a ocupar

o mercado de trabalho, se preocupar com a própria saúde, com o que vestiam e o modo

81

como se portavam fora de casa. Podiam escolher com quem iriam casar ao invés de ter sua

vida decidida aos 13 anos de idade. Podiam votar e estudar. Mas tudo isso sempre

acompanhadas de limites e condições: “pode trabalhar, mas só em determinados lugares”,

“pode usar maquiagem, mas não muita ou aparenta ser prostituta”, “pode escolher com

quem casar, mas desde que seja com alguém de família rica”, “pode estudar, mas deve se

dedicar às tarefas da casa”.

Antes de o feminismo propriamente dito existir, muitas mulheres no século XIX, ao

redor do mundo questionavam seu papel na sociedade. Eram apenas pensamentos

esparsos, individuais, sem a organização grupal e apoio que temos hoje em dia.Ao final do

século XIX e início do século XX, esses pensamentos começaram a tomar forma e suas

vozes ouvidas em diferentes países por outras mulheres com ideias semelhantes.Cada país

se envolveu com o feminismo e desenvolveu o movimento de formas diferentes, visto que

cada um tinha seus próprios conflitos internos. No Brasil, por exemplo, durante a ditadura, a

pauta feminista incorporava a questão das classes sociais, enquanto que nos Estados

Unidos o foco era a existência de uma historiografia das mulheres (discussão essa que mais

tarde repercurtiu no Brasil também).

Como forma de facilitar o endendimento do movimento feminista e das demandas

feministas num contexto social geral, muitas(os) historiadoras(es) dividem esses períodos

em ondas. Ondas essas em que as bandeiras erguidas por reivindicações foram mais fortes

se comparadas com outros períodos. Como no século XIX ainda não existia um

agrupamento, o feminismo surgiu como movimento somente no início do século XX tendo

assim sua primeira onda que apresentou demandas acerca do acesso à educação, direito

ao voto, trabalho remunerado. Anos mais tarde, entre as décadas de 1970 e 1980, surgem

pautas ligadas à sexualidade, ao corpo e à violência contra a mulher, sem deixar de lado os

direitos que ainda não haviam sido conquistados ainda na primeira onda do movimento.

Há muito tempo a mulher é considerada como inferior ao homem e incapaz de

realizar as mesmas tarefas que ele. A introdução de boa parte das mulheres ao universo da

fotografia no século XIX só aconteceu porque seus maridos ou pais já trabalhavam com isso

e, mesmo assim, seu trabalho dificilmente era reconhecido ou sequer creditado. No século

XIX, a fotografia ainda não era considerada manifestação artística, o que a tornava uma

forma de expressão inferior se comparada à pintura e escultura, por exemplo. Por isso, não

haviam escolas que ensinassem fotografia.

Era rara (ou praticamente inexistente em alguns lugares) a presença feminina em

instituições de ensino superior, já que seu acesso à educação não era algo incentivado para

que seu papel como boa esposa e boa mãe pudesse ser desempenhado dentro de casa.

82

Então, em 1842 Hipollyte Lavenue se tornou a primeira mulher do mundo a exibir

daguerreótipos em um salão de arte no Brasil. Anos depois, em 1897, Frances Benjamin

Johston publicou no The Ladies’ Home Journal um artigo que falava sobre o que uma

mulher era capaz de fazer com uma câmera. Mulheres como Lavenue (que abriram portas)

e Benjamin Johnston (que questionaram seu papel como indivíduo) começavam a profetizar

a fotografia como meio de discurso para o feminismo.

83

3. JUSTIFICATIVA

Durante séculos a imagem das mulheres permaneceu restrita à definições

limitadoras impostas por um sujeito que sempre colocou a si mesmo como superior em

inúmeros âmbitos. Felizmente o movimento feminista surgiu com o intuito de romper com

ideais que sempre se mostraram inadequados independente da época. O processo de

igualdade consiste em “tirar das sombras” os grupos excluídos e colocá-los sob holofotes

para que sejam elevados ao mesmo patamar de reconhecimento da sociedade que os exclui.

Ao contrário do que se acredita, não é favorecer um em detrimento do outro, mas sim

proporcionar igual visibilidade para todos.

Na pesquisa estão sendo encontrados diversos nomes de fotógrafas que

contribuíram para a história da fotografia e do movimento feminista; de historiadoras(es) e

sociólogas(os) que perceberam a escassez de estudos sobre as mulheres e contribuíram

para que isso mudasse.

Por feminismo se entende um movimento que teve sua origem no século XIX

(porém, só nomeado no século XX) com mulheres que buscavam (e ainda buscam) uma

sociedade igualitária, sem distinção de gênero através da luta por direitos. O recorte das

ondas12 foi escolhido para facilitar o entendimento da história do feminismo e para poder

relacionar cronologicamente com a história da fotografia.

Quando se falar de feminismo e gênero num contexto geral os conceitos utilizados

serão os de Joan Scott e Simone de Beauvoir, sendo cada um desses especificados no

momento da utilização. Quando falar de feminismo e gênero no Brasil, serão levados em

conta os conceitos estabelecidos por Margareth Rago.

12

O termo “onda” dentro do movimento feminista é usado para que a distinção entre as épocas com

diferentes reivindicações seja mais clara. Foi cunhado pela americana Marsha Lear em 1968 e é

utilizado por diversas(os) autoras(es) até hoje.

84

4. QUESTÕES NORTEADORAS

Houveram mulheres fotógrafas que no século XIX registraram o questionamento do

papel feminino na sociedade? Por que não lemos sobre mulheres quando estudamos a

história da fotografia?

Os registros fotográficos evidenciam quais questionamentos? A participação das

fotógrafas nas diferentes ondas do movimento feminista ao longo dos séculos XIX e XX

registraram quais tipos de contribuição? De que forma o feminismo é perceptível em seu

trabalho?

85

5. HIPÓTESES

De acordo com as pesquisas que vêm sendo realizadas, é possível identificar que o

questionamento sobre o sujeito universal através da produção imagética é feito desde o

século XIX.

As fotógrafas questionaram noções de gênero, seu papel como indivíduo e, através

do modo da produção do conteúdo das imagens feitas, como a sociedade reagiu diante

desse material na época.

É possível observar que, mesmo que algumas fotografias não tenham sido

produzidas conscientemente com o intuito de questionar algum comportamento da

sociedade da época, elas acabaram projetando novas relações interpretativas e contribuindo

até mesmo com novas formas de produção narrativa na fotografia; além de abrir portas para

que outras fotógrafas pudessem se desvencilhar das noções machistas impostas e produzir

fotografias pensando o feminismo de forma consciente.

86

6. OBJETIVOS

6.1 Objetivo geral

Construir a história da participação das fotografas nas diferentes ondas do

movimento feminista ao longo dos séculos XIX e XX a fim de registrar suas contribuições

para o feminismo na forma de fontes históricas.

6.2 Objetivos específicos

a) Apresentar conceitos referentes a gênero e feminismo a partir de uma

sociologia feminista;

b) Apresentar uma breve historiografia sobre a história das mulheres no

mundo e no Brasil;

c) Apresentar uma breve história do feminismo no mundo e no Brasil

para questionar a existência de uma narrativa e sujeito universais;

d) Analisar biografias de fotógrafas identificadas com cada uma das

ondas do movimento feminista evidenciando sua capacidade

intelectual e crítica sobre a condição feminina.

87

7. METODOLOGIA

Este trabalho de natureza bibliográfica será feito a partir de estudos que englobam:

a) Definição e conceituação de feminismo;

b) Conceituação de feminino ao longo dos séculos XIX e XX;

c) Estudo e síntese da história das mulheres no mundo e no Brasil

demonstrando as ondas do feminismo;

d) Leitura de imagens;

e) Aplicação da conceituação na leitura das imagens das fotógrafas

identificando a condição feminina da mulher nas diferentes ondas

gerando fontes históricas.

88

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

AMAR, Pierre-Jean. História da fotografia. Tradução de Vitor Silva. Lisboa: edições 70,

[20--?].

- História da fotografia desde sua concepção. Apresenta nomes de algumas fotógrafas, mas não detalha suas contribuições se comparada à importância dada aos fotógrafos. Essa questão (da não importância e do sujeito universal) será abordada no TCC II.

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. Tradução de Sérgio Milliet. 3. ed.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.

- Aborda fatos e mitos da condição da mulher na sociedade explorando argumentos de várias áreas de conhecimento como biologia, psicanálise, história, sociologia e antropologia. Apresenta fatos sobre a posição da mulher na sociedade.

__________. O segundo sexo: a experiência vivida, volume 2. Tradução de Sérgio Milliet. 3.

ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.

- Análise da condição da mulher em diversas áreas, explicitando a desigualdade e a inferioridade impostas durante as várias fases da vida para, enfim, desenvolver uma teoria feminista.

FRASE, Karen M. Photography and Japan.London: Reaktion Books Ltd, 2011.

- Breve contexto sobre o feminismo no Japão. Apresenta a produção de duas fotógrafas escolhidas para representar o feminismo neste trabalho.

GILI, Marta; JONES, Julie; MARCONI, Roxana. Modern Women. Aperture, New York, n.

225, winter 2016. Entrevista.

- A entrevista apresenta nomes de fotógrafas das décadas de 1920 e 1930, seus questionamentos apresentados em seus trabalhos e os costumes da sociedade em cada época.

HOOKS, Margaret. Tina Modotti: fotógrafa e revolucionária. Tradução de Vera Whately,

Heloísa Lanari. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.

- Biografia da fotógrafa Tina Modotti, seu trabalho e contribuições.

JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Tradução de Marina Appenzeller. São

Paulo: Papirus, 1996.

- A seguinte obra servirá de auxílio na formação de conhecimento para as leituras de imagem que serão feitas a partir da produção das fotógrafas escolhidas para representar o feminismo neste trabalho.

PERSICHETTI, Simonetta. Imagens da fotografia brasileira 1. 2. edição. São Paulo:

Estação Liberdade: Editora SENAC São Paulo, 2000.

89

- Esta coleção apresenta uma entrevista e a produção da fotógrafa brasileira Nair Benedicto, escolhida para representar o movimento feminista neste trabalho.

PERROT, Michelle (Org.). História da vida privada, 4: da revolução francesa à primeira

guerra. Tradução de Bernardo Jofilly. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

- História da vida privada das mulheres na sociedade francesa do século XIX. Os papéis exercidos por cada membro da família dentro desse âmbito.

PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova história das mulheres. São

Paulo: Contexto, 2012.

- A seguinte obra apresenta artigos de diferentes autoras que dissertam sobre a vida pública e privada das mulheres brasileiras desde o século XIX até o XXI, abordando também a história do feminismo no país, suas causas e consequências.

RAGO, Margareth. Revista Humanidades em Diálogo. [s.n.], São Paulo, 7 v, 2016.

Entrevista.

- A entrevista aborda a história do feminismo, história das mulheres, questões sobre identidade, preconceito, segregação, filosofia e comportamentos do século XIX que repercutem até hoje.

__________. As mulheres na historiografia brasileira. In: SILVA, Zélia Lopes da (Org.).

Cultura histórica em debate. São Paulo: Editora Unesp, 1995.

- Artigo sobre o desenvolvimento da historiografia das mulheres no Brasil.

__________. Epistemologia feminista, gênero e história. In: PEDRO, Joana; MIRIAM, Grossi

(Org.). Masculino, feminino, plural:gênero na interdisciplinaridade. Florianópolis: Mulheres,

1998.

- Artigo sobre crítica e teoria feminista e história.

SCOTT, Joan. História das mulheres. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas

perspectivas. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora Unesp, 1992.

- História do feminismo e da história da historiografia das mulheres.

SILVA, Tânia Gomes da. Trajetória da historiografia das mulheres no Brasil. Politeia:

história e sociedade, Vitória da Conquista, v. 8, n. 1, p. 223-231, 2008.

- Como se deu o processo da criação da historiografia das mulheres brasileiras.

VASQUEZ, Pedro Karp. A fotografia no império. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.

- Fonte de pesquisa sobre como a fotografia era percebida pela sociedade brasileira oitocentista e como a família real era grande apreciadora. O nome de Hipollyte Lavenue aparece com breve descrição do seus feitos durante a época.

90

9 ROTEIRO DOS CAPÍTULOS

1. O que é feminismo e gênero: conceitos

2. História do feminismo no mundo e no Brasil: as principais demandas de cada

onda e o patriarcado como principal obstáculo

3. Historiografia das mulheres no mundo e no Brasil: entendendo questões de

silenciamento, exclusão social e a importância de uma historiografia

4. A imagem e a leitura da imagem segundo Martine Joly

5. Fotógrafas, seus olhares e contribuições para a sociedade:

5.1. Hippolyte Lavenue e os salões de arte do Rio de Janeiro no Brasil Colônia

5.2. Frances Benjamin Johnston e The Ladies’ Home Journal nos Estados

Unidos no final do século XIX

5.3. Claude Cahun: vanguardismo e conversas sobre gênero na França do início

do século XX

5.4. Tina Modotti: uma italiana que revolucionou o mundo no século XX

5.5. Nair Benedicto: feminismo de segunda onda no Brasil

5.6. Ana Mendieta: um olhar cubano sobre o corpo feminino

5.7. Donna Ferrato e o início de Living With The Enemy na década de 1980 nos

Estados Unidos

5.8. Mariko Mori e Miwa Yanagi: a percepção do feminismo no Japão em 1990

Apêndice: quadro cronológico de fotógrafas dos séculos XIX e XX que

contribuíram com o movimento feminista através da produção de fotografias

91

10 CRONOGRAMA

Período Atividade

Agosto Revisão bibliográfica

Setembro Construção quadro teórico e metodológico

Outubro Escrita e revisão

Novembro Escrita e revisão

Dezembro Banca

92

REFERÊNCIAS

PERROT, Michelle (Org.). História da vida privada, 4: da revolução francesa à primeira

guerra. Tradução de Bernardo Jofilly. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova história das mulheres. São

Paulo: Contexto, 2012.