Carolina Ferreira-A Música Em 140 Caracteres

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS CURSO DE BACHARELADO EM MÚSICA: HABILITAÇÃO CIÊNCIAS MUSICAIS CAROLINA BORGES FERREIRA A MÚSICA EM 140 CARACTERES: UM ESTUDO DE RECEPÇÃO DO PROGRAMA #THEVOICEBR NA REDE SOCIAL TWITTER PELOTAS 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

CURSO DE BACHARELADO EM MÚSICA: HABILITAÇÃO CIÊNCIAS MUSICAIS

CAROLINA BORGES FERREIRA

A MÚSICA EM 140 CARACTERES:

UM ESTUDO DE RECEPÇÃO DO PROGRAMA #THEVOICEBR NA REDE SOCIAL

TWITTER

PELOTAS

2013

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CAROLINA BORGES FERREIRA

A MÚSICA EM 140 CARACTERES:

UM ESTUDO DE RECEPÇÃO DO PROGRAMA #THEVOICEBR NA REDE SOCIAL

TWITTER

Trabalho de conclusão de curso apresentada à

Faculdade de Música da Universidade Federal de

Pelotas como requisito parcial à obtenção do

título de bacharel em Música: Habilitação-

Ciências Musicais

Orientador: Prof. Dr. Mario de Souza Maia

PELOTAS

2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

CURSO DE BACHARELADO EM MÚSICA: HABILITAÇÃO CIÊNCIAS MUSICAIS

Carolina Borges Ferreira

A MÚSICA EM 140 CARACTERES:

UM ESTUDO DE RECEPÇÃO DO PROGRAMA #THEVOICEBR NA REDE SOCIAL

TWITTER

Monografia aprovada em ____/____/____ para obtenção do título de Bacharel em Música:

Habilitação-Ciências Musicais.

Banca Examinadora:

___________________________________________________________________________

Prof. Dr. Mário de Souza Maia

___________________________________________________________________________

Prof. Dr. Werner Ewald

Prof(a) Dr(a) Cláudia Turra Magni

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De: @Carolina

Para: @Mãe, @Pai, @Vó

Fwd: @Namorado, @Amigos

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AGRADECIMENTOS

Especialmente, agradeço ao @Mário (e seu espírito matravisgoso) que apoiou esta

empreitada cibernética desde o primeiro instante.

Agradeço aos “etno”, @Werner e @Marília, e aos “musicólogos”, @Lgg e @Isabel,

pelos quatro anos de #Ciências #Musicais.

Agradeço aos @tuiteiros, os melhores comentaristas da internet.

E, por fim, agradeço aos meus pais pelo incentivo aos estudos. Valeu.

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ABSTRACT

This study analyzed the musical interactions in the cyber context, using the social network

Twitter as the object of study. Twitter is one of the leading online networks, where it is

possible for your user exchange impressions in real time to the facts.. This research was based

on analysis of the topic that involves the hashtag # TheVoiceBr. The Voice was a freshmen

program, broadcast on TV, on Sundays afternoon. The first phase of this study examined

users' responses to the topic # TheVoiceBr and noted the impact that the presentations of the

candidates had on this topic. By using musical ethnography was possible to make an analysis

of these comments, trying to understand how users of the site felt part of the audience and the

jury of the program, even just participating via computer. This paper aims to provide some

thoughts about this new context of reception and dissemination of music.

Keywords: Ethnomusicology; Cyberculture; Reception Studies, Virtual Ethnography.

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RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso analisou as interações musicais no contexto cibernético,

utilizando a rede de relacionamentos Twitter como objeto de estudo. O twitter é uma das

principais redes online onde é possível, para seu usuário, expressar-se em tempo real aos

fatos. A presente pesquisa baseou-se na análise do tópico que envolve a hashtag #TheVoiceBr.

O The Voice foi um programa de calouros, transmitido pela TV aberta, aos domingos à tarde.

A primeira fase deste trabalho analisou as respostas dos usuários ao tópico #TheVoiceBr e

observou a repercussão que as apresentações dos candidatos tiveram neste tópico. Através da

utilização da etnografia musical foi possível fazer uma análise destes comentários, onde

buscou-se compreender como os usuários do site se sentiam parte da plateia e do júri do

programa, mesmo apenas participando via computador. Este trabalho pretende proporcionar

algumas reflexões acerca deste novo contexto de recepção e difusão musical.

Palavras-Chave: Etnomusicologia; Cibercultura; Estudos de Recepção; Etnografia Virtual.

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS...........................................................................................................

LISTA DE TABELAS...........................................................................................................

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................

9

10

11

2. MÚSICA+INTERNET+TV.............................................................................................

14

2.1 #TheVoiceBr: A Escolha Da Tag.................................................................................. 15

3. #THEVOICE EM 140 CARACTERES................................................................................... 22

3.1“Aff, é VOZ ou beleza ?”: Discussões sobre a imagem dos candidatos.................................

3.2 “#TheVoice é o melhor programa que apareceu na tv brasileira.”.........................................

22

23

3.3 “Fizeram a pêssega e mudaram as regras”: Regras e erros do The Voice..............................

3.4 “Por que cantar em inglês, porquê?”: Crítica ao repertório internacional............................

3.5 “Tô mega arrepiada!”: Os Sentimentos da plateia virtual.....................................................

3.6 “Elogio moderno: Você grita muito bem #TheVoiceBr”: O público e as questões

musicais........................................................................................................................................

3.7 “Tira esse cara da gaita, pfvr!”: Arranjos e instrumentações.................................................

4. “EU ELIMINO OS 4 E A CLÁUDIA LEITTE”: RELAÇÃO ENTRE OS JURADOS E O

PÚBLICO....................................................................................................................................

5.“OLÉRIA É O MELHOR CUPCAKE DO THE VOICE”: ANÁLISE DE PERFORMANCE

DA VENCEDORA...........................................................................................................

24

25

29

31

35

37

41

6.CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 44

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 45

ANEXOS..........................................................................................................................

47

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Tweet dos espectadores durante as apresentações....................................................16

Figura 2: Participantes do programa seguram Ipad para interação com o público...................17

Figura 3: Apresentação da popularidade dos candidatos.........................................................17

Figura 4: Pesquisa de campo durante a final do programa.......................................................21

Figura 5: Éllen acompanhada por coral em "Maria, Maria".....................................................42

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Jurados do programa e seus times............................................................................20

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1. INTRODUÇÃO

Imagine uma civilização interconectada que expõe suas opiniões sobre política,

problemas sociais, esportes, religião, artes, etc. Esta sociedade pode ser facilmente

encontrada, basta ter acesso a um computador conectado a internet. Ter essa interconexão é

parte da rotina dos seus usuários e, ainda, permite uma sensação de telepresença generalizada

(LEVY, 1999). Essa interconexão e telepresença pode ser comprovada em menos de 5

minutos de observação de uma rede social qualquer. Isto porque o "ciberespaço se apresenta,

justamente, como um dos instrumentos privilegiados da inteligência coletiva" (LEVY, 1999,

p.29). Esta inteligência coletiva nada mais é que um espaço social transportado para um

ambiente virtual. Pierre Bourdieu (2008) define espaço social como:

“(...) o espaço social tal como foi descrito é uma representação abstrata, produzida

mediante um trabalho específico de construção e, à maneira de um mapa,

proporciona uma visão panorâmica, um ponto de vista sobre o conjunto dos pontos a

partir dos quais os agentes comuns lançam seu olhar sobre o mundo social."

(BOURDIEU, 2008, p.162)

Como todo espaço social, a internet e, principalmente, as redes sociais1 se apresentam

como demonstrativo dos hábitos sociais e das relações humanas. Essas redes que se

estabelecem através das afinidades de interesse, de conhecimento, em um processo de

cooperação ou de troca, independente das proximidades geográficas e das filiações

institucionais, são denominadas comunidades virtuais (LEVY, 1999). Estas comunidades

virutais são firmadas através da abilidade em que seus membros interagem, como em uma

conversação comum (WOOD, 2008). O desenvolvimento destes grupos tem despertado o

interesse de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, e traz à tona também a

possibilidade de estudos na área da música, uma vez que este tema está entre os assuntos mais

debatidos na internet, especialmente os relacionados a participação em eventos e sobre escuta

musical. Carvalho (1999, p.3), afirma que “os meios de comunicação e difusão cultural

provocam uma constante renovação na percepção do ouvinte em música, na medida em que

busca avançar na confecção e interação dos produtos musicais com seus consumidores”. Para

este pesquisador, se há vinte anos a execução musical era o tema teórico mais importante para

1 “Aplicação da metáfora da rede para os grupos sociais. Atores constituem os nós e os laços sociais, as

conexões.” (RECUERO, p.177, 2009)

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a compreensão do fenômeno musical, a recepção, atualmente, é o novo foco de interesse dos

especialistas nas relações entre música e identidade.

Sendo assim, compreendo a internet como uma das principais formas na qual as

pessoas vivenciam a música na atualidade e com um “impacto profundo sobre grande parte da

música que é feita fora de um contexto de internet” (WOOD, 2008, p.170). Com o objetivo de

expor partes destas relações da recepção musical com as redes sociais, fiz esta pesquisa

baseada em uma etnografia da música (SEEGER, 1992), na qual o foco da pesquisa está

centrado na observação do público e seu comportamento perante uma performance, tendo

como lócus o ambiente virtual.

Seeger (1992) já sugeria uma análise de performance através da observação do

público, pois esta apresenta:

“certos efeitos físicos e psicológicos sobre a audiência, fazendo surgir um tipo de

interação. Na medida em que a performance avança, o envolvimento entre os

músicos e o público continua, surge a comunicação que geralmente resulta em vários

níveis de satisfação, prazer e êxtase (...) A avaliação de uma performance se dá

quando o evento termina e os músicos e sua audiência tem uma nova experiência

através da qual eles avaliam suas concepções anteriores sobre o que aconteceria e

sobre o que acontecerá na próxima vez.” (SEEGER, 1992, p.1)

Para Seeger (1992) esta avaliação pode ocorrer de três formas: através de publicações,

memorandos internos ou conversas. A partir desta constatação, considerei as publicações

online, chamadas de tweet2, esta formalização da recepção da plateia e a exposição do

pensamento do público sobre a performance em questão.

Assim, neste trabalho etnográfico exponho a combinação de pesquisa de campo com a

investigação das categorias nativas e a descrição cuidadosa do campo, como sugerido por

Anthony Seeger (1992), em um meio online. Turino (2009) já aponta as novas tecnologias e a

globalização como o centro da nova investigação etnomusicológica, um campo emergente

para pesquisas nessa área.

Neste trabalho pretendo apontar a música como fator fundamental de agenciamento de

identidades dentro das redes sociais, e sua importância para gerar debates e significados

sociais. Deste modo, o trabalho está estruturado da seguinte maneira: no capítulo

Música+Internet+TV, contextualizo a relação que existe entre internet, televisão e áudio,

apoiando-me nos autores Pierre Levy e o musicólogo Phillip Tagg e justifico a escolha pela

hashtag #TheVoiceBr. A parte 3 do trabalho (#THEVOICE EM 140 CARACTERES) refere-

se à etnografia virtual feita durante a observação da plateia do programa, apresentando

2 Nome que se dá as mensagens enviadas a rede social Twitter.

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resultados do campo e confrontando a experiência com trabalhos já escritos da área da

música. Nos capítulos 4 e 5 apresento episódios que foram muito expressivos no decorrer do

programa, por isto a divisão em dois capítulos. Nas considerações finais reitero a importância

de se pesquisar as relações sociais virtuais em torno de questões musicais, área pouco

abordada pela comunidade acadêmica da área musical.

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2. MÚSICA+INTERNET+TV

Em 1999, Pierre Levy, previa a conexão entre internet e televisão, o qual chamava de

"gigantesco sistema de televisão interativa" (LEVY, 1999, p.231). Atualmente, as redes

sociais são reflexos deste macrocontexto, sendo espaço de convergência entre os meios

televisivos e a internet. Nesta estrutura os espectadores passam da passividade para se

tornarem agentes influenciadores da estrutura e atores do momento.

Ainda de acordo com Levy (1999, p.119), "a televisão interagindo com outras mídias,

faz surgir um plano de existência emocional que reúne membros da sociedade em uma

espécie de macrocontexto flutuante, sem memória, em rápida evolução". Esta catarse pode ser

muito bem percebida em fênomenos de transmissão "ao vivo", onde os acontecimentos são

mais dinâmicos.

Assim como diversas atividades sociais foram adaptadas as redes de relacionamento,

as impressões musicais também passaram a existir dentro deste sistema online. Compartilhar

as impressões sobre um evento "ao vivo" (seja um show, um programa de tv, etc) gera uma

relação de simultaneidade entre a audiência e o transcorrido. As novas tecnologias tem grande

impacto nesta nova forma de pertencimento e na idéia de liveness3. Para Bennet (2012), a

introdução de novas formas tecnológicas de transmissão visuais, como a televisão e

webcasting4 online, foram os responsáveis pelar transformação na forma de recepção.

O musicólogo Philip Tagg (1989), discute que a comunicação musical desta era se

desenvolve, principalmente, em meios audiovisuais – onde a música está fortemente ligada a

imagem.

“A música é um fenômeno quase onipresente e ubíquo nesta época do vídeo de rock,

da novela, da vídeo locadora, Cds, Muzak e da propaganda na TV. Isto significa que

os significados e ideologias são construídos e comunicados nos meios audiovisuais

(...) e não, essencialmente, em categorias verbais , em uma extensão muito maior do

que nunca antes na história da nossa cultura (TAGG, 1989, p. 17, tradução minha5)

3

Primeiro e acima de tudo uma relação temporal, uma relação de simultaneidade.(AUSLANDER apud

BENNET, 2012, p.547). 4 Consiste na disponibilização de conteúdo ao vivo de vídeos via internet (streaming).

5 Music is an almost omnipresent and ubiquitous phenomenon in this age of the rock video, the soap opera,

video rental, Cds, Muzak and the Tv advertising. This means that meanings and ideologies are constructed

and communicated in the audiovisual media in visual and musical rather than in chiefly verbal categories to a

far greater extent than ever previously in the history of our culture. (TAGG, 1989, p. 17)

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Nos últimos anos, o uso da internet móvel e redes sociais, como Twitter6 e Facebook

7,

permitiu ainda mais essa conexão entre o fato e sua audiência. É possível interagir e

acompanhar a eventos musicais em todos os locais do mundo (seja por streaming8 ou via

televisão) e encontrar pessoas dispostas a discutir sobre aquele conteúdo apresentado.

2.1 #TheVoiceBr: A Escolha Da Tag

Ao perceber essa teia de relações que se formava em torno de assuntos musicais na

rede social Twitter, foi iniciado um trabalho de campo com análises de eventos isolados,

apenas para compreender o campo e fazer pequenos exercícios etnográficos sobre recepção

musical. Estas pequenas inserções serviram para adaptação com a linguagem online que é um

dos primeiros marcadores de identidade do ciberespaço (WOOD, 2008). Da mesma forma,

como existe uma adaptação a linguagem virtual, deve-se tratar os dados recebidos de forma

diferente. Há uma diferença de estilo e formas de tratamento em pesquisas baseadas na Web.

Coisas que as pessoas expressam no e-mail, em contraste com o telefone ou em pessoalmente,

deve ter suas próprias ferramentas para análise, como sugere Turino (2009).

Logo após, foi definido que o objeto para desenvolver este trabalho deveria ser algo

maior, que tivesse alguns dias de repercussão na rede, afim de que o levantamento de dados

pudesse mostrar diferentes pontos de vista sobre a música. A escolha por acompanhar o

desenvolvimento do programa The Voice Brasil, se deu, principalmente, por apresentar esses

dois aspectos: a continuidade da atividade durante algumas semanas, e a repercussão, através

da internet, das audições dos candidatos no programa citado.

O programa The Voice Brasil foi um show de talentos exibido pela rede Globo de

televisão e estreado em 23 de Setembro de 2012. Em seu formato original, o programa

prioriza a voz dos candidatos ao invés da performance ou da aparência, diferenciando-se de

6 “O Twitter é um site popularmente denominado de um serviço de microblogging. É construído enquanto

microblogging porque permite que sejam escritos pequenos textos de até 140 caracteres a partir da pergunta “O

que você está fazendo?”. O Twitter é estruturado com seguidores e pessoas a seguir, onde cada twitter pode

escolher quem deseja seguir e ser seguido por outros.” (RECUERO, p.173, 2009) 7 A idéia original desta rede era focar em alunos que estavam saindo do secundário e estavam entrando na

universidade. Atualmente, é um dos sistemas com maior base de usuários no mundo. Funciona através de perfis e

comunidades, onde, em cada perfil, é possível acrescentar módulos de aplicativos (jogos, ferramentas, etc.)

(RECUERO, 2009) 8 Consiste na disponibilização de conteúdo ao vivo de vídeos via internet (webcasting)

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outras competições televisivas, como o American Idol9. São 13 episódios, um a cada

Domingo, divido em 4 fases: 1) audições, 2) batalhas, 3) semifinais e a 4) final. Na fase das

audições são formadas as equipes de cada jurado, que devem escolher 12 candidatos para

acompanhar durante o decorrer do programa. No total são 48 candidatos, dividos em 4 times.

A segunda fase inicia com as batalhas entre os membros de cada time, onde o jurado escolhe

qual membro da sua equipe segue no programa. Até este momento, o programa é gravado e

sem participação ativa do público. Logo, nas fases 3 e 4, os candidatos competem uns contra

os outros em semanas de shows ao vivo e o público escolhe quem deve permanecer no

programa e, na final, quem deve ser o vencedor da disputa. Por isto, para o desenvolvimento

desta pesquisa foram priorizadas as apresentações "ao vivo" (fase 3 e 4), pois estas

apresentavam maior interação online do público com as performances e é onde inicia a

votação popular. A participação da audiência era instigada pelo próprio programa, que exibia

os comentários da tag10

#TheVoiceBr no ar (Ilustração 1), mostrando gráficos (gerados a partir

do fluxo de mensagens no twitter) sobre qual cantor era mais popular e disponibilizando

meios eletrônicos para que os candidatos estabelecessem comunicação com o público, durante

os intervalos do programa.

Figura 1: Tweet dos espectadores durante as apresentações

9 Programa de calouros que tem intuito de descobrir um ídolo pop.

10 Palavra-chave.

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Figura 2:Participantes do programa seguram tablet para interação com o público

Figura 3: Apresentação da popularidade dos candidatos

Além de toda preocupação do programa com a participação da audiência, a ciberarte

tem como característica a participação nas obras daqueles que as provam, interpretam,

exploram ou leem. Não é apenas uma construção do sentido, mas uma coprodução, já que o

espectador é chamado a intervir na atualização de uma sequência de signos ou acontecimentos

(LEVY, 1999). Esta constatação foi observada logo no início do trabalho de campo. O público

questionava se o programa seria realmente ao vivo e logo o apresentador confirmava via

televisão. Fato este até realçado por uma usuária do site com o seguinte tweet11

: “Todo mundo

reclamando q n parecia ao vivo e falam q estão ao vivo. Reclamamos do som baixo e

aumentaram! Poder do Twitter#thevoicebr”

Um dos primeiros problemas enfrentados com a pesquisa foi o número excessivo de

tweets e uma infinita gama de hashtags12

associadas ao programa nos trending topics13

. Para

11

Nome que se dá a mensagem enviada a rede Twitter 12

Palavras-chave precedidas do símbolo (#) 13

Ranking das hashtags mais populares do twitter

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delimitar a quantidade de material para pesquisa foi escolhida a análise detalhada da tag

#TheVoiceBr. Esta foi escolhida por ser a utilizada pelo próprio perfil do programa no site

Twitter. Mesmo delimitando a tag para análise, os comentários passavam de mil tweets por

bloco do programa. Este grande fluxo de mensagens trazia inúmeras mensagens que não

tinham conteúdo expressivo para a pesquisa, assim, decidi copiar para o caderno de campo

apenas as que tratavam da música ou da performance do candidato e respostas que apareciam

com grande número de repetições.

Para preservar a identidade de quem postava comentários no site, apesar de todos os

tweets estarem disponíveis para consulta pelo buscador do site14

, preferi substituir os

nicknames15

por @usuário. Além da questão da preservação, o trabalho com redes sociais

implica em um número muito grande de colaboradores e é praticamente impossível contatar

todos para obter autorização. Por outro lado, espera-se que quem expõe sua opinião via

internet tenha consciência que as postagens são públicas e podem ser vistas por qualquer

pessoa com acesso à internet.

Como explicado anteriormente, optei pela etapa ao vivo do programa por trazer

respostas mais imediatas da plateia. Essas respostas estabelecem uma situação comunicativa

entre o emissor (no caso o artista) e o receptor (plateia) e isto é uma função ativa

indispensável, sendo um dos determinantes fundamentais da performance (VALENTE, 2005).

Os dias em que escolhi para etnografar as transmissões ao vivo foram: 11 de

novembro, 2, 9 e 16 de Dezembro. Nos primeiro momentos da pesquisa, já se percebe que

quem comenta online acredita fazer parte da plateia real. Como salienta Bennet (2012), esta

sensação de pertencimento é corriqueira nos fãs que frequentam shows via internet:

“(...) as respostas emocionais dos fãs, comumente causados pelos concertos ao vivo,

também pode ser alcançado por meio do engajamento remoto. Apesar da sua

presença não-física, os fãs on-line estão aparentemente experimentando e

reencenando as mesmas reações que os membros da audiência apresentam no show.”

(BENNET, p.551, 2012, tradução minha)16

Ainda, essa sensação de pertencimento associada às emoções do público é o que valida

a receptividade. Esta forma de recepção é validade pela experiência coletiva, mesmo que seus

participantes estejam distantes geograficamente. Como se pode perceber, esta pesquisa lida

com pessoas pertencentes a diferentes estados do Brasil, com diferentes identidades culturais,

14

Disponível pelo link: https://twitter.com/search/realtime?q=%23thevoicebr&src=savs 15

Apelidos dos usuários de internet 16

(...)the emotional responses from fans commonly elicited by live concerts can also be achieved through

remote engagement. Despite their non-physical presence, online fans are seemingly experiencing and re-

enacting the same responses as the audience members present at the show. (BENNET, p.551, 2012)

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porém, ao relatar sua experiência com o programa, estes atores constroem um senso comum

sobre a música que escutam. Digo isto por perceber que alguns aspectos tem predominância

de comentários. É o caso, por exemplo, das questões de afinação dos calouros, excessos nas

performances, críticas as regras do programa..., que resultam em número mais expressivo da

participação na internet.

Pierry Levy (1999, p.230) entende esse senso comum como uma resultante da

observação via televisão, já que “(...) a televisão faz com que eu compartilhe o mesmo olho, o

mesmo ouvido que milhões de pessoas. E a percepção compartilhada é geralmente um forte

índice da realidade”. Esta pode ser uma das causas do conteúdo das mensagens serem tão

próximos uns aos outros, salvo alguns que tem uma opinião diferente e as expõe online.

Talvez em sua intenção, estas respostas possam exprimir coisas antagônicas, por exemplo, se

estiverem sendo escritas ironicamente. Essa questão passou pelos problemas iniciais do

campo, já que não teria como prever se um “Achei lindo” realmente transmitira o que a

pessoa estava sentindo ou se era uma piada sobre o participante e sua performance. Bourdieu

(2008) relata que o registro de uma resposta faz perder a maneira original de uma expressão,

onde o pesquisador é “levado a classificar na mesma classe determinadas respostas que,

apesar de serem idênticas se forem consideras em seu valor facial, podem exprimir

disposições bastante diferentes, preditivas de ações, em si mesmas, bastante diferentes, até

mesmo opostas” (BORDIEU, 2008, p.395). Esta preocupação ocorre a todo o momento em

uma pesquisa online, porém, todos os comentários armazenados tiveram uma relação ora com

o momento musical, ora em concordância com uma maioria dos comentários.

Ao mesmo tempo, é necessário frisar que nem tudo que é comentado exprime uma

opinião pessoal, e pode apenas ser uma vontade de participação de um grupo ou de expor uma

opinião sobre algo. Bourdieu (2008) salienta:

"(...)nem todas as respostas exprimem opiniões: além disso, a possibilidade de que

as respostas de determinado grupo sejam apenas não respostas dissimuladas,

concessões de complacência à problemática imposta ou discursos éticos

ingenuamente recebidos como "opiniões pessoais" varia, sem dúvida, como as

possibilidades de não resposta que as caracterizam" (BORDIEU, 2008, p.391)

Antes de entrar nas observações da pesquisa, acredito ser necessário explicar a

respeito dos participantes e seus respectivos times. Como dito anteriormente, o programa

forma quatro times de calouros, escolhidos pelos jurados. No The Voice Brasil, os jurados

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eram os artistas Lulu Santos, Cláudia Leitte, Carlinhos Brown e Daniel. Cada um deles

escolheu nove cantores para levar a fase ao vivo. Abaixo a tabela com os nomes de cada

participante e a qual time pertencia:

Lulu Santos Cláudia Leitte Carlinhos Brown Daniel

Késia Estácio Thalita Pertuzatti Éllen Oléria Liah Soares

Maria Christina Ju Moraes Ludmilla Anjos Danilo Dyba

Marquinho “O sócio” Ana Rafaela Mira Calado Júnior Meirelles

Lorena Lessa Bella Stone Rafah Alma Thomas

Patrícia Rezende Nayra Costa Dani Morais Pedro Eduardo

Gabriel Levan Gustavo Fagundes Quesia Luz Carol Marques

Luana Mallet Grace Carvalho Mayara Prado Priscylla Lisboa

Greicy Sandra Honda Dani Montuori Fernando Cruz

Thaís Moreira Breno Karla da Silva Vinny Brito Tabela 1: Em Vermelho: candidatos eliminados dia 11 de Novembro | Amarelho: eliminados dia 18 de

Novembro | Azul: eliminados dia 25 de novembro | Verde: eliminados dia 2 de dezembro| Roxo: Eliminados dia

9 de Dezembro | Preto: finalistas do programa.

Como eram muitos participantes que permaneciam na etapa ao vivo, determinei que

fosse etnografado o primeiro programa desta fase (11 de Novembro) e os três últimos (2, 9 e

16 de Dezembro), onde restavam apenas 20 competidores. Este espaçamento entre o primeiro

programa a e os três finais permitiu perceber que, ao passar das apresentações, o foco da

plateia caia sobre diferentes assuntos. No primeiro dia percebe-se uma maior diversidade de

comentários, onde o que é mais discutido são as regras do programa e comentários sobre a

aparência física dos candidatos. Ao passar das semanas, a maioria dos comentários recai sobre

sensações ao ouvir as apresentações e questões técnicas sobre a música, os arranjos, etc. Já na

final, o que se pode perceber é a predominância dos comentários sobre a favorita ao título e a

espera ansiosa por suas apresentações.

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21

Figure 4: Pesquisa de campo durante a final do programa.

A partir do próximo capítulo serão expostas as questões referentes ao comportamento do

público em relação às performances e ao desenvolvimento do programa, encontradas durante

o período da etnografia. Estas questões foram as que considerei mais relevantes na construção

da tag #TheVoiceBr.

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3. #THEVOICE EM 140 CARACTERES

3.1 “Aff, é VOZ ou beleza?”: Discussões sobre a imagem dos

candidatos.

Apesar do formato do The Voice priorizar a voz dos candidatos, como o próprio nome

sugere, as vestimentas usadas para as apresentações e os atributos físicos dos candidatos

passam pelo crivo do público. No primeiro dia acompanhando o programa pela televisão e

pela internet, percebi que algumas apresentações geravam mais comentários sobre a imagem

do candidato do que sua performance musical. A aparência física e as roupas usadas nas

performances eram o mote para os comentários na rede.

Os dois candidatos que obtinham maior número de tweets relacionados a aparência

física eram Jú Moraes (finalista) e Gustavo Fagundes (semi-finalista), ambos do time da

cantora Cláudia Leitte. Muitos eram os comentários questionando se o formato do programa

era sobre a voz, aparência dos candidatos ou carisma, como ilustro nessa fala: @Usuário1: Aff

é VOZ ou beleza? Se esse cara ficar é pela.... conclusões?#TheVoiceBr. Ao mesmo tempo,

maior era o fluxo de mensagens enaltecendo a beleza dos candidatos. Enquanto as

apresentações ocorriam várias mensagens sobre os atributos físicos foram descartados, pois

apresentaram conteúdo semelhante com estes que apresento abaixo:

@Usuário2: Dr Gustavo a gente salva pela beleza néam? #TheVoiceBR

@Usuário3: esse gustavo eh lindo d+ #thevoicebr

@Usuário4: O gato mais gato do #TheVoiceBR

@Usuário5: Aff é VOZ ou beleza? Se esse cara ficar é pela.... conclusões?#TheVoiceBr

@Usuário6: Pinta de John Mayer HAHAHAA lindooo e canta bem *_*

#TheVoiceBr #TheVoiceBrasil #VBR

@Usuário7::Essa morena é lindaaaa, vc ahasa Ju Moraes #TheVoiceBr

@Usuário8:Ju Moraes, lindona! #TeamClaudiaLeitte #TeamCL #TheVoiceBR

@Usuário9:#TheVoiceBR pfv Ju Moraes ela é linda e super talentosa a melhor do grupo

Em meio a inúmeros “lindo” e “linda”, uma espectadora afirma que priorizar a

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23

indumentária pode tirar o foco principal da voz: “#TheVoiceBR hoje resolveu apelar no visual

dos participantes para ver se a gente fala mal de outra coisa que não a voz. Tá dando certo”.

Porém, de acordo com Valente (2005), a indumentária também é parte da performance, pois,

além de ajudar o artista a construir todos os movimentos corporais, ela é responsável por

delinear o gênero musical, o estilo do repertório no qual o performer se identifica. Para ela, o

“o intérprete mostra sua área de atuação a partir da vestimenta que o caracteriza: os caubóis

para música sertaneja, a xale preto para as fadistas, etc.”(VALENTE, 2005, p.4)

Ainda o ambiente online proporciona um grande anonimato para seus usuários e estes

utilizam a rede para xingar e denegrir qualquer coisa, carregando vários comentários

preconceituosos. No caso deste programa de televisão não foi diferente, alguns tweets

chamavam participantes de gordas, lésbicas e quase sempre vinham através de perfis fakes17

,

como em:

@Usuário11: Ridícula essa Ludmila... além de cantar mal se acha, tinha que ser gorda

mesmo... #TheVoiceBr.

@Usuário12: PIRA:POXA DENOVO ESSA MALUKA AI PASSOU A ESSE PUBLICO TA DE

SACANAGEM VSF KKK SÓ PQ ELA É GAYA VA MEU VÁ SE FUDER KKK #TheVoiceBR

Ao mesmo tempo, quando a emissora expôs a expressão sexual da participante Ellén

Oléria, identificando sua namorada na plateia do programa, vários tweets se pronunciavam

surpresos: “#thevoicebr deu na cara: identificou a NAMORADA de Ellen Oléria. #éisso”.

Ainda, já no programa final, após Éllen ser consagrada campeã, recolhi um tweet que criticava

indiretamente todos os outros que falavam mal das participantes: “Ellen

#FinalTheVoiceBrasil \O/.. chupa sociedade rotulista… De bela formas...”

3.2 “#TheVoice é o melhor programa que apareceu na tv brasileira.”

Outro fator muito presente no desenvolvimento do tópico eram as questões sobre o

próprio ambiente online. Muitos assumiam utilizar o twitter apenas para debater sobre o

programa: “Reativando o twitter só pra comentar do #TheVoiceBR ....hhuahaha”. Ainda que

não estivessem presentes fisicamente na plateia do programa, este grupo de usuários cria um

17

Termo usado para denominar contas ou perfis usados na Internet que ocultam a identidade real de um usuário.

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24

“lugar”, mesmo que virtual, para trocar mensagens sobre o programa, já que, uma das

pretensões dos usuários da rede Twitter é expor o que pensa e descobrir o que os outros

pensam sobre o mesmo tema.

O momento em que mais surgiam frases sobre programa, sem tratar dos candidatos ou

suas apresentações, era durante os intervalos comerciais. Este era o tempo disponível para o

foco não estar centrado nas audições. Entretanto, o assunto preferido para os intervalos

consistia em quão genial era a ideia do programa e como esta poderia salvar a música

brasileira.

@Usuário13: Esse é o melhor programa que apareceu na tv brasileira onde julga - se a voz

como quesito principal e nao outros quesitos #Thevoicebr:

@Usuário14: Sério.. #TheVoiceBr é o melhor programa que já rolou na TV em 2012! Talento

vs. Produtos.. Vejo talentos ganhar. Ao vivo é outro papo

@Usuário15: por Deus gente... gravem CDs com todos os participantes do #TheVoiceBR q

cantam de verdade e renovem a música brasileira q tá uma porcaria!

Estas questões sobre a música brasileira foi muito presente durante todo o período da

pesquisa e será apresentada nos capítulos seguintes deste trabalho de uma forma mais

detalhada. Como podemos perceber, os tweets que representam o debate traziam, em sua

escrita, um tom imperativo tanto nos verbos utilizados (gravem, façam, renovem), quanto nas

expressões (“Por Deus, gente”, “Sério”, “Definitivamente”). Esta forma de escrita é comum

dentro de um debate online, pois, não existe alteração de voz ou expressão facial que possa

demonstrar a convicção de quem se pronuncia.

3.3 “Fizeram a pêssega e mudaram as regras”: Regras e erros do The

Voice.

Em uma quantidade significativa surgiam críticas à condução do programa e a forma

como as regras eram estabelecidas. Os espectadores reclamavam da falta de tempo para votar

no candidato preferido e da à ausência de votação via internet. Todos estes pedidos foram

atendidos de uma semana para outra, eliminando, consideravelmente, o número de

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25

reclamações via twitter.

Igualmente, questões sobre a qualidade do áudio transmitido pela televisão fez parte

dos assuntos prediletos para reclamação. Quando havia um erro de sonoplastia, ora por

esquecimento de algum microfone aberto ou pelo som não ter qualidade durante a

transmissão, os comentários se voltavam para o operador de áudio e ignoravam qualquer outra

coisa que poderia estar acontecendo no programa:

@Usuário16: O áudio não esta legal hj no #thevoiceBR

@Usuário17: essa produção do #TheVoiceBr é muito ruim! Não sabe nem desligar o

microfone dos caras na hora que é pra desligar

@Usuário18: gente, esse microfone aberto é muito amadorismo... #thevoicebr

@Usuário19: O cara do áudio vai ser demitido hj ne? #TheVoiceBr

@Usuário20: O técnico de som e vídeo de hoje no #TheVoiceBr já está no R.H da TV Globo

RJ

@Usuário21: Gente, ajustem o audio do programa. Uma hora ta alto de mais, na outra o

volume fica baixiiissimo! #thevoicebr

Pode-se dizer que essas reclamações quanto à qualidade do áudio, assim como as

questões de aparência, já são reflexos de um público que demonstra um grau considerável de

percepção, aliado a capacidade crítica. Como veremos a seguir, as exigências do público

quanto às apresentações e o repertório também sofriam severas críticas.

3.4 Por que cantar em inglês, porquê?”: Crítica ao repertório

internacional e identidade brasileira

Muito se falou das questões de cultura e da “verdadeira” música brasileira durante o

processo do programa. Talvez essa busca tenha dado o título para cantora Ellen Oléria, que

nas apresentações só escolheu músicas consagradas do repertório da dita música popular

brasileira. Falo em dita, pois é extremamente difícil conceituar o que é música popular

brasileira. Para Ulhôa (2002), ao utilizar o termo MPB devemos entender que:

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“O rótulo MPB é um termo altamente ambíguo, pois apesar de no seu sentido

restrito se referir a um repertório e produção musicais ligada a um grupo específico

de músicos, no seu sentido amplo parece abarcar a totalidade da “Música Popular

Brasileira”. No seu uso cotidiano por músicos, produtores, críticos, professores e

historiadores, a sigla MPB ou simplesmente “música brasileira” se refere, de um

lado a músicas de origem tradicional e/ou regional em oposição ao universo da

música pop (contrastando produção artesanal e produção industrializada) e de outro

as músicas com características de vanguarda em oposição também à produção de

música de massa (contrapondo no caso arte e comércio).” (ULHÔA, 2002, p.4)

Portanto, aqui pretendo expor um pouco do que o público do programa entende como

música popular brasileira sem entrar nos questionamentos sobre o que é a tal música. Muitos

usuários diziam ser contra as performances em língua estrangeira. Este já é o ponto de partida

para entender as preferências de quem ouvia o The Voice: “Só acho que no #TheVoiceBR era

melhor esse povo só cantar em português... nada haver cantar música internacional. Cadê a

MPB que temos?.

Em todo o período da pesquisa encontrei apenas um usuário que aprovava as músicas

internacionais apresentadas. Seu argumento era que eram mais animadas, enquanto as

brasileiras seriam as músicas chatas. Entretanto, a maioria julgava cantar em inglês (a maior

parte das músicas internacionais eram norte-americanas) como algo que deveria ser banido do

programa e até poderia ser motivo para eliminação de determinado candidato. Tweets com

tom de indignação (“Por que cantar em Inglês, por que??? #thevoiceBR” / “brasileiro

cantando em inglês... PORQUE BRASIL?’’ / “Posso sugerir uma coisa? Proíbam músicas

internacionais!!! As brasileiras são tão lindas!!” ) dominavam o debate sobre as

apresentações em que o repertório era internacional.

A valorização da cultura nacional era tida como algo acertado para uma

performance:“Os artistas deveriam cantar mais músicas nacionais, dar valor ao que temos de

melhor #TheVoiceBr”. Entretanto, a escolha de um repertório nacional mais popular, como

citado na sequência, sofria uma grande condenação por parte de quem acompanhava o

programa via internet.

@Usuário22:AH MEU... ELA VAI CANTAR "HUMILDE RESIDENCIA" E QUER GANHAR?

Pó parar... #TheVoiceBR #

@Usuário23:A pessoa canta gusttavo lima em uma competição, eh pedir pra dar o

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27

fora #TheVoiceAoVivo #thevoicebr

@Usuário24: Esse kra que vai cantar agora do time do Daniel com certeza tá na vaga de

cotas para sertanejos, nessa final. #TheVoiceBr

De todos os gêneros populares brasileiros, a música sertaneja era um dos pontos de

embate entre o público. Nas mesmas apresentações onde o estilo era julgado como ruim,

apareciam pessoas que parabenizavam os artistas e os consideravam corajosos pela escolha do

repertório. A maior parte da desaprovação deste gênero era por ser popular demais: “É

impressão minha ou os candidatos estão escolhendo músicas mais "populares"? Não estou

gostando muito disso! #TheVoiceBR”.

Assim como o descoberto por Ulhôa (2002) em suas pesquisas sobre recepção

musical, percebi neste campo que aspectos musicais considerados positivos remetiam a

brasilidade e ao protesto/rebeldia. Talvez, por isto, os estilos musicais esperados pelos

espectadores e considerados bons, durante as performances, eram o Rock e a MPB:

@Usuário25: #TheVoiceBr adoro quando cantam MPB... Da um brilho a mais.

@Usuário26: na minha opniao o #TheVoiceBr é um exelente programa mas cade o rock

@Usuário27: Mais uma vez o Brasil para pra assistir a esse espetáculo da Música Brasileira

(: #TheVoiceBr

@Usuário28: O Rock salvo #MariaCristina #thevoicebr

@Usuário29:Mais que nada" essa musica e a cara do Brasil #FinalTheVoiceBrasil

Após avaliar os comentários que continham referência a MPB, cheguei a alguns

artistas que poderiam caracterizar este gênero, de acordo com os tuiteiros. Para tal observei

qual música era passada na tevê enquanto os comentários com a sigla MPB surgiam no

Twitter. Os nomes que relacionei foram: Djavan, Milton Nascimento, Novos Baianos, Lenine,

Jorge Ben, Caetano Veloso, Marisa Monte, etc.

A comparação era outro aspecto importante no campo. Os próprios usuários

confrontavam as apresentações dos calouros com a versão original das canções. Essas

comparações ocorriam tanto para o repertório internacional quanto para o nacional. Eram

publicações que sempre faziam referência ao intérprete que tornou a canção conhecida do

grande público. Ressalto aqui que nomes de compositores ou bandas não aparecem como

referência por, talvez, o público considerar o “dono” da obra aquele que a canta. Em alguns

casos o intérprete é quem compôs a canção, sendo o único tipo de alusão ao compositor.

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28

Os posts tratavam desde questões musicais mais específicas (“putz, não curti a versão dela de

Listen. Na original a Beyonça atinge umas notas absurdas, ela tá toda contida!”) até

depoimentos mais vagos sobre a performance (Marquinho veio com tudo! Otima escolha 'tim

maia' #thevoicebr). No entanto, o que movia esse paralelo entre artistas famosos e os

aspirantes eram os comentários negativos. Se o candidato do programa não fez uma

interpretação tão boa quanto à versão original, sofria inúmeras críticas:

@Usuário30:Uma pessoa que caga uma Musica da Etta James em rede nacional tem mesmo

que recorrer a fat family... #TheVoiceBr”,

@Usuário31:Todo mundo q escolheu Djavan hoje foi mal, muito mal. #thevoicebr”

@Usuário32:Lá vem a Thalita chata... Cantando Ana Carolina pra piorar! Claudinha Milk

não escolha essa gritaria, please! #TheVoiceBR

@Usuário33:Desculpa Thalita, mas é difícil competir com a Ana Carolina cantando essa

música... Curti não... #FinalTheVoiceBrasil #TheVoiceBr

@Usuário34: Liah fazendo Raul parecer canto evangélico. #FinalTheVoiceBrasil

@Usuário35:paciencia mesmo pra ouvir a witney tupiniquim ... não gostei #thevoicebr”

Por outro lado, a escolha de determinado repertório validava a apresentação do

candidato e colocava sua performance a frente da dos outros concorrentes. De acordo com

Ulhôa (1995), isso se dá por que o valor que brasileiros dão a um estilo musical depende em

parte de quem é o artista: o que ele ou ela representa. Nesta pesquisa, o cantor Roberto Carlos

foi um dos mais taggeados pelos usuários, como indicativo de algo bom (“Thalita Pertuzatti

#TheVoiceBr do #TeamClaudiaLeitte mandando muito com roberto carlos” , “Tem que ter

coragem pra cantar o rei na semi. Da-lhe Lia! #TheVoiceBR”) e que trasmitia a emoção que o

público esperava sentir (“#TheVoiceBr Roberto Carlos na voz de Mira callado, pfvr mt

emoção”). Fazer algo novo com uma canção já consagrada, ainda tratando de Roberto Carlos,

implicava em legitimar-se como artista perante a comunidade virtual (“Eu nem lembrei do

Roberto Carlos vendo Liah cantar. #TheVoiceBr”). Outros artistas tratados como bons foram

Engenheiros do Hawaii (“nossa, engenheiros ganhou meu voto HAHA #thevoicebr” / “#Liah

arrasa cantando Engenheiros do Havaí #TheVoiceBr”), Raul Seixas (“RAUL SEIXAS,

CARALHOOOOOO, LIAH! #FinalTheVoiceBrasi”l) e Novos Baianos (“Ju cantando novos

baianos, não tem pra ninguém #TheVoiceBr” / “Olha aí! Ju Moraes lançando Novos Baianos.

Muitos pontos pra ela! #TheVoiceBr”). Estes dados reafirmam os estilos musicais preferidos

da audiência (rock e MPB), como foi abordado no item anterior.

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29

Apresentar-se melhor que o artista que gravou a canção também era admirado pelos

tuiteiros (“Cantou Thiaguinho, melhor do que ele. Se bem que não precisa de muito esforço

pra ser melhor que ele, né? #TheVoiceBR). Ainda, esses paralelos entre o artistas consagrados

e os The Voice ultrapassava questões musicais e partia para uma comparação de aparência

física e comportamental destes candidatos (“sério, minha filha.. o Brasil já teve o mau gosto

de idolatrar uma Preta Gil, não tem espaço pra vc #TheVoiceBR” , “Liah=Imitação da Paula

Fernandes!FIM #thevoiceBR”). Como vimos anteriormente, estas questões de

comportamento e vestimenta são recorrentes nos comentários da comunidade virtual e,

constantemente, permeiam as discussões.

3.5 “Tô mega arrepiada!”: Os sentimentos da plateia virtual.

Uma das expectativas do público do programa era de que as performances fossem

emocionantes. Durante o tempo de pesquisa, poucos concorrentes foram aprovados pela

plateia como performers que transmitiam sentimentos positivos. Ao mesmo tempo, quem

conseguia sensibilizar o público, de alguma maneira, era mais lembrado e comentado na

internet.

Dentre as emoções que a comunidade virtual dizia sentir, se arrepiar durante uma

performance foi a sensação mais publicada. É interessante pensar que assim como a

comunicação do público se dá em meio virtual, seus sentimentos também são gerados de

forma semelhante. Digo isto, primeiramente, por essa “emoção” ser transmitida via televisão

(que cria uma atmosfera para envolver seu telespectador) e, em segundo lugar, por, talvez,

esta sensação não existir realmente. Considero este “arrepio” como uma metáfora para

expressar o quão envolvido se está com a música. Em seus estudos, Ulhôa (1995) ressalta que

para uma performance ser “emocional” o público brasileiro considera quesitos como “bom”,

“bonito” e “verdadeiro”. Ela salienta que essas intensidades emocionais estão ligadas a fatores

musicais, tais como, o uso do rubato e a variação tímbrica dos cantores (ULHÔA, 1995).

Estes fatores musicais podem explicitar a catarse sentimental provocada pela candidata

Ellen Oléria, campeã desta edição desta edição do programa. Enquanto ela se apresentava, os

comentários eram totalmente norteados pelas sensações de quem ouvia, apenas alguns se

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30

prendiam em questões musicais ou qualquer outro fator da performance18

.

@Usuário36:PQP . ME ARREPIO SEMPRE COM ELLEN .. #ThevoiceBr

@Usuário37:A Ellen me faz arrepiar. POTA QUE PAREU =') #TheVoiceBr

@Usuário38:caracassssssss me arrepio todinha quando a Ellen canta, muito foda

#TheVoiceBr

@Usuário39:Me arrepiei c a #Ellen cantando. #TheVoiceBr

@Usuário40:to mega arrepiada #TheVoiceBr

@Usuário41:nossa senhora, to arrepiadíssima #TheVoiceBr

@Usuário42:Quando a Ellen canta nesse palco do de voice brasil eu me arrepio todinho.

#TheVoiceBR

Além desta cantora, outros candidatos tinham, como resposta de suas performances,

sensações da plateia. A candidata Liah, ao performatizar a canção Asa Branca, de Luiz

Gonzaga, foi uma das que recebeu inúmeros comentários sobre o quão linda e emocionante

tinha ficado a versão. Além delas, três candidatos também apareceram com destaque: Vinny

(“O Vinny tem uma voz maravilhosa, mt emocionante #TheVoiceBr”), Marquinhos “O Sócio”

(OSócio canta muuito , arrepia #TheVoiceBr) e Danilo Dyba ( “tô mega arrepiada

#thevoicebr”)

Para entender este afeto com os candidatos, decidi procurar quais eram as canções a

qual os internautas se referiram e cheguei ao seguinte resultado: Maria, Maria (de Milton

Nascimento, interpretada por Éllen); Asa Branca (de Luiz Gonzaga, interpretada por Liah);

Romaria (de Renato Teixeira, interpretado por Danilo Dyba); A lua e eu (de Cassiano,

interpretado por Marcos “o Sócio”); Se eu quiser falar com deus (de Gilberto Gil, interpretada

por Vinny Brito). É interessante pensar que todas são músicas brasileiras e de grande

reconhecimento do público.

Ulhôa (2002) nos apresenta dois níveis de interpretação musical nos quais, no

primeiro, estão os significados musicais (dimensão artística) e, no segundo, significados

sociais (densidade semântica). As questões de sentido, ela afirma situar-se na dimensão

artística onde:

18 Ver capítulo 6.

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31

“Os códigos referentes à capacidade da música de afetar e deleitar as pessoas são

códigos retóricos e estéticos. Retóricos quando percebemos que determinadas

músicas ou interpretações nos afetam e nos comovem; estéticos quando achamos

uma música bonita ou admiramos a criatividade e habilidade instrumental ou vocal

de um artista.” (ULHÔA, 2002, p.12)

Estas interpretações citadas acima podem se enquadrar em ambos os códigos, tanto

retórico quanto estético. Em primeiro lugar, essas canções têm grande aceitação popular. Este

fator pode ser determinante para afetar ou comover. Por outro lado, os candidatos do

programa apresentavam qualidade vocal que poderia também ser um dos motivadores da

comoção do público.

3.6. “Elogio moderno: Você grita muito bem #TheVoiceBr”: O

público e as questões musicais.

Antes de entrar nas questões musicais mais específicas é importante ressaltar que o

que induz as pessoas a comentarem sobre o que ouvem é a distinção dentro de um grupo. Essa

distinção é dada pela exposição de um determinado conhecimento sobre um objeto de

qualidade. No caso desta tag, quanto maior a propriedade com que se fala sobre música,

maior é a qualidade da “pessoa”. Pierre Boudieu (2008) explica que:

"O que está em jogo é precisamente a ''personalidade'', ou seja, a qualidade da

pessoa, que se afirma na capacidade de apropriar-se de um objeto de qualidade. Os

objetos dotados do mais elevado poder distintivo são aqueles que dão melhor

testemunho de qualidade da apropriação, portanto, da qualidade do proprietário,

porque sua apropriação exije tempo ou capacidades que, supondo um longo

investimento de tempo, como a cultura pictória ou a musical, não podem ser

adquiridas à pressa ou por procuração; portanto, aparecem como testemunhos mais

seguros da qualidade instrínseca da pessoa." (BOURDIEU, 2008, p.263)

Possivelmente, esta distinção foi um dos motivadores para a quantidade de

comentários sobre as questões musicais. Em comparação com outras temáticas dos tweets, os

exemplos musicais são quase o dobro do que os outros assuntos. Os assuntos musicais mais

expressivos são questões vocais, de afinação e escolha de repertório.

No que se refere a afinação, os comentários eram vagos e tratavam apenas de frases como:

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“:Eu acho que ela tá nervosa pq! Tá desafiando bem hein !!”, “Ih semi-tonou ao extremo”,

“Ih, desafinou a amiga hein” , “mas moça você cagou a música”, “Cadê o povo cantando no

tom?? #TheVoiceBr ,estranho! A Bella tombou, show”, “Ju Moraes deixou a desejar. Semi

Tonada ao extremo. Salva pelo Refrão!” “Como uma deusa ninguém merece, vai, e tudo

desafinado!!! Péssima escolha da Ludmillah” “Afinação deixou em casa?”, etc. Ulhôa

(1995) ressalta que:

“Independente de qualidade vocal exige-se dos cantores de MPB que cantem

afinados. Este quesito é relaxado somente em performances ao vivo, onde a

comunicação com o público é mais importante que a precisão no cantar. A platéia

espera que o artista tenha um comando absoluto de sua voz, mas que não demonstre

nenhum esforço ao controlá-la.” (ULHÔA, 1995, p.6)

Como acompanhei o programa enquanto lidava com os dados de internet, era possível

perceber se realmente o candidato estava desafinado ou não. Se a pesquisa se desse apenas no

âmbito das respostas via internet e ignorasse o programa, não existiria muito sentido usá-las.

Nota-se que essas respostas foram geradas pelo momento do programa e se referem

diretamente a uma performance específica. Ao pensarmos uma platéia “real” também

encontraríamos comentários que se deslocados do espaço-tempo não teriam sentido fora do

contexto da apresentação.

A dicção também era imprescindível, de acordo com os usuários do twitter, para se

obter uma boa execução musical. A concorrente Alma Thomas ao interpretar a canção “Ainda

Bem”, de autoria de Thiaguinho e Gabriel Barriga, sofreu críticas do público por não cantar

de forma clara: “Alma, sua make ta linda de morrer mas tua emissão dos fonemas tá uma

merda e ta foda entender o q tu canta. #TheVoiceBr”, “A letra da música do Thiaguinho que

está no #TheVoiceBR deve ser linda, pena que não consegui entender metade...”

Nesta etapa sobre o conteúdo musical mais específico foi difícil encontrar termos que

fossem muito característicos da área da música. A única recorrência a qual tenho registrado foi

um comentário sobre uma performance “à capella”, onde o usuário explicava esse modo de

cantar.

Entretanto, o que mais chama atenção neste campo, são os comentários sobre a

escolha das músicas. Muitos dos candidatos eram aprovados ou reprovados pela plateia

apenas por adotar determinadas canções em seu repertório:

@Usuário43:Não gosto muito da Késia mas adorei a escolha da musica

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33

@Usuário44:Não acho Ju Morais a mais forte, mas hoje ela acertou na música. Não

conheço, mas combinou muito com a voz dela.

@Usuário45:Errou na música, Lud. Pena

@Usuário46: #Késia poderia ter escolhido uma música que valorizasse mais a sua voz. Mas,

é muito boa e fez bem #Orappa

@Usuário47:Não foi uma das melhores musicas, mas com essa voz não tem como não gosta.

@Usuário48:To achando as escolhas de musica bem xoxadas hj

Um dos parâmetros utilizados definir a qualidade de um repertório eram as

expressões “forte” e “fraco”, como em: “A Ellen tem uma grande voz....mas a música foi

fraca”, “Ellen precisa de uma música mais forte!” . Esses adjetivos foram constantes em todo

desenvolvimento da tag, sendo utilizados para dar valoração as músicas, as apresentações, aos

arranjos e as vozes dos calouros.

As análises sobre as vozes continha comentários com adjetivos como “ruim”,

“chata” e “fraca”. Em um programa que valorizava a voz do concorrente, ter um comentário

contra poderia ser um indicativo de que não estaria entre os preferidos da plateia.

@Usuário49:Poisé, Lorena esqueceu a letra.. Se bem que ela é ruim, já deveria ter saído.

@Usuário50:TheVoiceBR esse Marquinhos canta bem mas no estilo cantor de barZinho.

Gosto n.

@Usuário51:Eu adorooooooo essa música! Mas acho essa menina fracaaaaa!

@Usuário52:Vou falar a minha opnião não gostei muito da voz do Danilo...

@Usuário53que voz chataaa de thalita, puts...

@Usuário54:Thalita canta muito, OK. Mas não ilumina o palco quando entra, tinha que

entrar com uma lanterna na mão

A interação entre o público e os jurados também acontecia sobre debates musicais.

Como foi dito anteriormente, os jurados, durante os intervalos comerciais, iam para as redes

sociais questionar sobre as apresentações. Assim, recebiam respostas diretas do público

online. Os jurados questionavam se os espectadores estavam gostando das apresentações e

recebiam tweets sobre as performances: “@carlinhosbrown: E os finalistas começam a ser

escolhidos! Estão curtindo?". As respostas, nesse caso, tratavam da escolha do repertório:

“Ana Rafaela escolheu bem a Canção”.

No episódio final do programa, uma das candidatas teve um número expressivo de

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34

tweets sobre sua escolha de repertório. A cantora Maria Cristina defendeu a música “Eu comi

a Madona”, de autoria de Ana Carolina e chocou o público. A letra desta canção discorre

sobre uma relação sexual entre o interlocutor e a Madona. Os comentários demonstravam que

o conteúdo da letra era muito pesado para o horário em que o programa era transmitido.

Muitos tweets reprovavam a escolha (“Que música é essa que Maria Cristina está cantando?

Pesada demais, não curti. Deus me livre!”) enquanto outros riam da situação e da temática da

canção (“Que musica é essa ? kkkkkkkkkk” , “Gente mas Maria Cristina ta sapatão demais

hoje nas escolhas das músicas haha” , “cara de chocada da mãe da maria crist kekeke”).

Entretanto, a característica mais condenada pelo público não estava na escolha do

repertório mas, sim, no excesso de gritos e agudos. Muitos consideravam os improvisos

vocais desnecessários, chegando a questionar se aquilo era canto ou apenas gritos aleatórios

(“Ue n vai cantar? (...) só gritou” , “Musica ñ é grito!" Viu Brasil?”). Os candidatos mais

criticados por suas performances eram o cantor Júnior Meirelles e a cantora Ludmila. Ambos

utilizavam falsetes em suas performances, principalmente nos momentos finais das canções.

Quando se apresentavam, pouco era falado sobre outras questões das apresentações e o foco

do público era julgar estas questões da voz destes participantes:

@Usuário55:#TheVoiceBr Impressao minha ou esse Junior quase não cantou ????

Nao acredito q o rei da gritaria ficou.. Afzz!

@Usuário56:A garota do pah! não precisava gritar tanto.

@Usuário57:Mt ruim Jr meirelles!

@Usuário58:gente, n gosto de gente q grita e n canta

@Usuário59:Ai mto gritado! N curti rs

@Usuário60:Para de gritar fia

@Usuário61:Ludmila... agora vcs vão ver o que é berrar.

@Usuário62:O Junior não cantou nada...ele só dançou incrédula

@Usuário63:tem candidato que só quer ganhar no grito.

O candidato que não utilizava estes artifícios vocais era respeitado pela plateia.

Além, os usuários da internet identificaram um padrão de vocal nas apresentações dos

candidatos, salientando que todos tinham “o mesmo estilo e com um gritinho no final da

música” e que a sensação que tinham era que cantar bem era sinônimo de gritar. Os artistas

são apreciados, geralmente, pela sonoridade, originalidade e pela música envolvente

(emoção), enquanto a rejeição se dá por questões técnicas (músico incompetente) e, também,

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35

pelos excessos (barulho) e carência de poesia nas letras (Ulhôa, 1995). Essas reflexões servem

para explicar o porquê destas críticas serem tão presentes neste estudo de recepção.

3.7. “Tira esse cara da gaita, pfvr!”: Arranjos e instrumentações.

Como dito anteriormente, o valor de uma pessoa está intrinsicamente ligado a quanto

ela se expõe e conhece sobre determinado assunto. A música é um destes elementos de

distinção. Através dela as pessoas apresentam a sua interpretação de si e a sua visão do mundo

(ULHÔA, 1995), dando valor cultural a elementos da linguagem musical:

“Indivíduos articulam a sua mensagem estética escolhendo elementos de uma

linguagem expressiva, no caso da música, ritmos, timbres, formas, contornos

melódicos, elementos que foram construídos ao longo de uma história coletiva e que

pelo uso por um grupo social passam a ter um valor cultural.” (ULHÔA, 1995, p.2)

Por isto é tão importante perante os outros usuários do twitter demonstrar

conhecimentos sobre a música. Deste modo, surgiam comentários que se destacavam por seu

conteúdo mais desenvolvido sobre as músicas. A instrumentação, a banda do programa e os

novos arranjos eram tratados com propriedade por alguns dos usuários da rede.

A concorrente Liah Soares modificava os arranjos e as melodias das canções que

apresentava na fase ao vivo. Estas mudanças favoreceram seu crescimento diante do público

que a via como “original”,“ousada” e com “muita personalidade”. Quando ocorria alterações

de arranjo nas performances, eram comuns comentários usando as palavras “nova roupagem”

“Gosto da roupagem nova que a Liah dá pra músicas.” e “nova versão” “Sempre uma versão

personalizada !! parabéns Liah #TheVoiceBr”. Estas mudanças de melodia tinham seus

apreciadores (“Adoro que a Liah muda a musica e fica boa”), porém, a essa novidade só foi

apreciada na primeira vez em que ocorreu. Nos programas seguintes, quando a participante

alterou os arranjos originais e as melodias, sofreu muitas críticas dos usuários do Twitter:

@Usuário64:não gosto dela mudando todas as músicas #TheVoiceBr

@Usuário65:Odeio melosidades em canções. Por isso não voto na Liah. #TheVoiceBR

@Usuário66:pegando raivinha do #TheVoiceBr! essa mania que os cantores tem de mudar a

melodia da musica me irrita

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@Usuário67:A #LiahSoares matou a música. Num guento essa mania de ficar mudando as

músicas dos outros... #TheVoiceBR

@Usuário68:A Liah tem uma voz linda, só não gosto desse jeito dela cantar/mudar as

músicas.. mas hj ela arrasou. Merece ir pra final #TheVoiceBr

Outro fator de distinção dentro do grupo era ter conhecimento sobre a instrumentação

e reconhecer a qualidade da banda. Comentários referenciando a banda como “espetacular” e

que esta tinha “músicos maravilhosos” eram publicados ocasionalmente. Enquanto, quando se

tratava de instrumentos, o que era relatado era se aquela música emocionava mais por ter

determinada instrumentação (“tem um cara tocando um ukulele tenor no #TheVoiceBr chorei

agora que baita musica”,“olha essa mulher, com um violão e uma gaita, ali é tudo voz, cara.

que coisa linda”,“Esse cara tocando gaita arrasou mais que a moça”).

Entretanto comentários engraçados sobre conteúdo musical apareceram na pesquisa.

Na tentativa de tentar se destacar como conhecedor do assunto, alguns usuários utilizavam

termos musicais sem conhecimento técnico. Para dizer que houve mudança de andamento na

música, usavam o termo mudança de ritmo. Entre todos os comentários com conceitos

musicais confusos, o maior destaque foi o de um usuário que afirmou que uma cantora tinha

alcançado um Dó Maior, sendo que esta terminologia é dada para um acorde (duas ou mais

notas tocadas simultaneamente) e é impossível de ser executada apenas por uma voz.

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4. “EU ELIMINO OS 4 E A CLÁUDIA LEITTE”: RELAÇÃO ENTRE OS

JURADOS E O PÚBLICO

Da mesma maneira que os candidatos tinham grande importância para o

desenvolvimento do programa, os jurados tinham um papel imprescindível. Antes da etapa ao

vivo, eles tinham o poder de escolher os seus preferidos para continuarem no jogo, sem

interferência do público e, após esta etapa, determinavam quem sairia do programa depois da

escolha popular.

O quarteto de jurados (formado por Cláudia Leitte, Lulu Santos, Carlinhos Brown e

Daniel), assim como os calouros, apresentava performances musicais durante os programas e

sofria críticas da mesma maneira que os novatos. Entre as apresentações dos jurados, Lulu

Santos era o que tinha mais comentários positivos ( “- eu torço pro Lulu fiicar HUASHUAS-

aula' no palco' s2”, UAL, adorei a apresentação do Lulu. A-M--E-I a melhor.”).

Entretanto, os outros três eram condenados por suas performances. Em um momento

do programa, Carlinhos Brown decidiu optar por playback na execução de sua música. Tal

situação desencadeou uma série de comentários comparando Brown à cantora Britney Spears

(famosa por utilizar dublagem em seus shows) e questionado se ele não sabia cantar ao vivo.

As críticas se deram principalmente pelo fato de ser cobrada uma apresentação impecável dos

calouros, porém, esta cobrança não afetar a apresentação dos jurados:

@Usuário69:haha o carlinhos nao sabe cantar ao vivo? #TheVoiceBr

@Usuário70:Pq brow deu play e ta fingindo cantar?! #TheVoiceBr

@Usuário71:Carlinhos Brown fazendo a britney !! #thevoicebr

@Usuário72:Playback não, a porra! #TheVoiceBR

@Usuário73:Brown fazendo um vergonhoso playback

Esta apresentação impecável era um dos motivos de maior discordância entre os

usuários. Enquanto, os fãs destes artistas comentavam sobre a beleza das apresentações

(“QUE ARRASO FOI ESSE? #TEAMDANIEL”, “Ok! Chorando! Música liiinda :)

#TeamClaudiaLeitte”), muitos negativavam a apresentação escrevendo que os candidatos

eram melhor que os jurados (“As duas cantaram melhor que o Daniel” , “Depois da Ellen

Oléria, Daniel. Não dá para manter a audiência assim”). Da mesma forma, ainda existia

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espaço para falar mal das interpretações destes artistas já estabelecidos (“Daniel nao canta,

geme”,“Letra da Cladia Leite = sempre tem merda”).

Os fãs, como mencionado acima, foram parte muito importante para estabelecer as

torcidas do programa. Assim como a tag #TheVoiceBr era incentivada pelo programa, as tag’s

dos times eram estimuladas pelo jurados. Cada time tinha uma tag específica na rede:

#TeamClaudiaLeitte, #TeamBrown, #TeamLulu e #TeamDaniel, e estas, conjuntamente com a

principal, apareciam nos trending topics do site. Dessas quatro, as mais mencionadas eram a

do time da cantora Cláudia Leitte e do Carlinhos Brown. A primeira era mencionada por ser

uma artista com grande número de fãs e a segunda por ter os calouros preferidos dos tuiteiros.

É interesse perceber nestes comentários que os internautas não estava preocupados com um

candidato específico e, sim, com a vitória de um time (O time de @ClaudiaLeitte o melhor

time”, “Posso falar? Foi a melhor apresentação do time da Milk”). Por outro lado,

apresentavam uma certa dúvida sobre quem escolher dentro de um time onde todos eram

preferidos (“O time do Carlinhos Brown é o mais difícil pra escolher... mesmo assim ainda

fico com a Ellen”, “o trio de carlinhos é o mais forte de hoje (até agora).”, “Afff... quem sair

desse time vai ser muito triste”, “SÓ FODA NO TIME DO BROWN MDS EU N SEI LIDAR

COM ISSO N SEI O Q FAZER AAAAA VO MORRER DE AGONIA”).

Essa proximidade entre o programa e quem o assistia estabelecia uma relação de

intimidade entre os internautas e o júri (“Torcendo pela ju ela é a melhor voz do time da

claudinha e o time da claudinha é o melhor”). Ao mesmo tempo, o quarteto sofria

xingamentos como se fossem juízes de futebol. Carlinhos Brown era muito ofendido por fazer

suspense e demorar nas suas escolhas de eliminação:

@Usuário74:E, logo depois de Brown terminar o seu voto, vem o Domingo Maior.

@Usuário75:LEVANTOU! TOMA NO CU BROWN #TheVoiceBR

@Usuário76:O Brown é chato no trio elétrico tb? #TheVoiceBR

@Usuário77:Agora é a hora em que o Brown enche nossos colhões, desrespeita a produção

do programa e protege a péssima Ludmilla. #TheVoiceBR

@Usuário78:O Carlinhos é um mala desculpe. #thevoicebr

@Usuário79:Carlinhos ja deu esse teatro #TheVoiceBR

@Usuário80:Só eu q tenho uma antipatia tremenda pelo Brown? #TheVoiceBr

@Usuário81:Alguém mate Carlinhos. Uma arma por favor. #TheVoiceBR

@Usuário82:Alguém corta o microfone do Brown, o pescoço, tanto faz. #TheVoiceBR

@Usuário83:Qual é o número para eliminar o Carlinhos Brown do #TheVoiceBr ???

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Essa brincadeira de querer eliminar os jurados era corriqueira durante os comentários

sobre o programa (“Por mim sai os 4 e a Cláudia Leitte. #TheVoiceBr”, “Qual é o número

para eliminar o Carlinhos Brown do #TheVoiceBr ???”), principalmente quando

contrariavam o público nas escolhas. Além dos comentários normais e não ofensivos sobre as

escolhas erradas (“Claudia Leite como sempre erra nas escolhas nunca vi...”, “A cada

programa mais eu vejo que o público sabe mais que o júri técnico....”), haviam situações em

que o público se revoltava contra os jurados. Em uma das escolhas de Daniel, quando este

optou pela permanência de um candidato ao invés da predileta do público, ocorreu um grande

número de tweets insultando a escolha:

@Usuário84:Gente, que ridículo... Alma muito melhor... #thevoicebr

@Usuário85:Daniel ta drogado? :o SO PODE ! -.- #thevoicebr

@Usuário86:Vai tomar no cu #Daniel!!! Fdp! #TheVoiceBasil #TheVoiceBr

@Usuário87:QUE PORRA FOI ESSA HEEEEEEEEEEIN???? DANILO??????? QUANDO

SE TINHA ALMA E PEDRO??? VÁ SE FERRAR, DANIEL! #THEVOICEBR

@Usuário88:O Daniel é um babacaaaaaa!!!! Fica alma!! #TheVoiceBr

@Usuário89:Que? Alma foi embora? Isso mesmo Produção? Aff... #TheVoiceBr

@Usuário90:#Alma porra ela ñ ficou?? que caralho é esse?? REVOLTADO

A cada episódio do programa, a dinâmica da plateia ia tomando novas formas. Com o

passar dos programas percebeu-se que o público estava convergindo mais em relação as

apresentações. Enquanto no início do programa todos os cantores tinham um número parecido

de tweets, com o tempo apenas os favoritos recebiam publicações. Enquanto um artista, que

não era de interesse do público se apresentava, os comentários eram sobre o quão ansiosos

estavam para ver outras pessoas. No programa final é notoriamente estabelecido um senso

comum e uma aprovação unânime da candidata que sairia campeã. Pierre Bourdieu (2008)

saliente que:

“O gosto adapta-se, ele casa as cores e, também, as pessoas que formam os "casais

bem ajustados", antes de mais nada, no que diz respeito aos gostos. Todos os atos de

cooptação que se encontram na origem dos ''grupos primários'' são atos de

conhecimento dos outros enquanto são sujeitos de atos de conhecimento ou, em uma

lingaguem menos intelectualista, das operações de identificação pelas quais um

habitus adquire a certeza de sua afinidade com outro habitus. (...) Esta identificação

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40

do habitus pelo habitus encontra-se no princípio das afinidades imediatas que

orientam os encontros sociais, desencorajando as relações socialmente discordantes,

incentivando as relações ajustadas, sem que estas operações tenham de se formular,

algum dia, de outra forma que não seja na linguagem socialmente inocente da

simpatia ou da antipatia." (BOURDIEU, 2008, p.227)

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5. “OLÉRIA É O MELHOR CUPCAKE DO THE VOICE”: ANÁLISE

DE PERFORMANCE DA VENCEDORA.

Neste contexto de aprovação, a brasiliense Ellén Oléria se consolidou como a

preferida ao prêmio do programa. Ao analisar sua passagem por cada episódio do programa é

percebida uma aceitação muito grande de suas performances entre os votantes. No primeiro

programa ao vivo (11 de Novembro), ao disputar a preferência do público com duas cantoras

do seu time, Ellen recebeu 51% dos votos e assim foram nos programas seguintes. No dia 2

de Dezembro foi escolhida com 33% dos votos, em 9 de Dezembro com 42% e na final

tornou-se campeã com 39% dos votos.

Desde o primeiro programa havia uma grande mobilização de votos para a cantora

(“Já votei 20 vezes na Ellen Oliveira”) e usuários que previam uma possível vitória da

candidata (“Ellen vai ser The Voice.”, “Alguém tem dúvida que é Ellen Oléria que vai

ganhar.”). Os números de tweets sobre as performances de Éllen, a cada programa, se

multiplicavam e isto talvez ocorresse “porque a plateia aprende a apreciar a beleza,

criatividade e capacidade de despertar emoção de certos artistas, enquanto, se rejeita outros

artistas por razões na realidade mais histórico-ideológicas do que estético-retóricas”

(ULHÔA, 2002, p.16).

Um dos fatores que acredito ter favorecido a candidata, além do seu repertório, foram

questões de identidade. A plateia a reconhecia como a “musa negra do #TheVoiceBr” e a

própria artista afirmava essa personalidade através de suas roupas e escolhas musicais. As

músicas que interpretava ganhavam aspectos da cultura popular brasileira, que foram

herdados da cultura africana. A inserção da ginga de um berimbau em “Jacksoul Brasileiro”, o

acompanhamento de um coral de mulheres negras em “Maria, Maria” e forte presença

percussiva na canção “Um móbile no furacão” são alguns dos elementos que demonstram essa

preocupação da artista em se diferenciar dos outros candidatos e afirmar sua identidade. Além

disto, a forma de cantar também é um dos fatores identitários, onde a voz do intérprete

“carrega os saberes acumulados de experiências arraigadas no passado, que funciona

mediante uma assimilação de elementos estereotipados, ainda que não de forma automática”

(VALENTE, 2005, p.5).

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Figura 5: Éllen acompanhada por coral em "Maria, Maria"

Estes elementos foram observados também pelo público do programa, que salientava

a personalidade da cantora em suas performances. Para a plateia a voz, associada a

interpretação e a escolha certa do repertório a tornaram vencedora da disputa. A comoção que

Éllen causava nos internautas era tamanha que a maior parte dos tweets sobre emoção

referiam-se a suas apresentações. Além de todas as questões identitárias, esse era um dos

conceitos de avaliação estética da intérprete dado por quem a ouvia. Este afeto pode ser

caracterizado pela prosódia de um artista em sua performance, que torna a canção mais livre e

lírica, indicando uma estética “artística”. (ULHÔA, 1995). Ellen Oléria tinha uma forma de

apropriar-se das canções que resultava em alterações rítmicas da linha melódica e até da

própria melodia, além de todos os improvisos vocais que fazia em suas apresentações. Ao

mesmo tempo, suas mudanças eram menos percebidas do que as da candidata Liah, que foi

condenada pelo público por alterar excessivamente a melodia das músicas.

Além das questões musicais, sua performance era marcada pela forte movimentação

de seus braços e expressões faciais. Este comportamento acontecia conjuntamente ao

crescimento da música. Quase todas suas apresentações iniciaram em um clima ameno, onde

o ponto desencadeador do crescimento da peça é o acréscimo de instrumentação no arranjo.

Essa “evolução” é acompanhada pela performer na forma de cantar (do grave ao agudo com

improvisos vocais) e na forma de portar-se no palco. No início, contida no centro do palco e,

logo após, mexendo o tronco e apontando para cima, para a plateia e para as câmeras (já que

também existia público via televisão). Zumthor apud Valente (2005), salienta que em uma

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performance musical, sobretudo a do cantor que tem as mãos livres, o papel dos gestos é de

interesse primordial. Assim, o gesto pode ser definido por dois tipos:

1) os gestos que acompanham os próprios elementos composicionais (marcação

rítmica, crescendo, a entrada de um instrumento) e instrumentais (especialmente

dinâmica, ataque).; 2) os gestos expressivos (acompanha a narração da cena

dramática). (ZUMTHOR apud VALENTE, 2005, p.3)

Na final, Éllen interpretou Anunciação, de Alceu Valença, e Taj Mahal, de Jorge Ben.

Nestas duas performances foi possível observar o que foi relatado acima; a artista altera as

melodias e gesticula todo o tempo da apresentação19

. Enquanto acontecia a performance no

palco do programa, os comentários na internet a tratavam como a vencedora do programa:

@Usuário91: Silêncio que a vencedora do #TheVoiceBR tá cantando!

@Usuário92: Ellen canta muitoooooooo...já ganhouuuuuuuuu,manda muito bemmmmm

@Usuário93: Ellen Oleria unica artista ae, levantou pratéia, canta demais, emociona

@Usuário94: Ellen campeã, pufavô Brasil! #FinalTheVoiceBrasil

@Usuário95: Ellen tem ganhar isso,tem nem comparação

@Usuário96: Plateia grita " JA GANHOU JA GANHOU" Ellen Oléria ja eh Diva ! \0/

@Usuário97: Cara, essa Ellen Oléria é digna de um Grammy #FinalTheVoiceBrasil

@Usuário98: ACIMA d TUDO o q esta em questão é a VOZ, e sem comparação,

beijonoombro para as outras, #EllenOléria é a melhor!

19

Ver anexos

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após esta breve pesquisa etnomusicológica, percebo a internet como uma ótima

ferramenta de análise para uma etnografia musical. Através deste trabalho, foi possível

perceber que o comportamento do público é semelhante ao dos shows e salas de concerto,

caracterizando assim, a internet como um novo espaço de recepção e debate da música.

Contudo, entendo que o ambiente virtual, assim como qualquer outro contexto, apresenta suas

próprias características e regras sociais. Uma delas é que a identidade musical não está mais

associada a questões geográficas e sim, a aproximação por interesses de pessoas que podem

estar distantes fisicamente.

Além disso, o compartilhamento de opiniões faz com que os usuários de internet

criem um ambiente que é resultante da soma da realidade com a experiência online,

resignificando o fazer parte de uma atividade musical. Neste caso da tag #TheVoiceBr,

percebe-se uma preocupação da própria atração de TV de sensibilizar os usuários do Twitter à

participação no programa. O público que antes era passivo passou a ser ativo no ambiente

online e expõe sua opinião sobre o que vê e escuta.

Merriam (1980) aponta que a mudança na cultura é uma constante humana e que

nenhuma cultura escapa destas modificações ao longo do tempo. Talvez a internet seja uma

desses fatores que alteram a experiência cultural, provocando novas formas de relação entre

artista/público, público/obra e público/artista. Deste modo, acredito que o campo da

cibercultura propicia uma abordagem a escuta e produção musical contemporânea, através dos

estudos da etnomusicologia.

Page 45: Carolina Ferreira-A Música Em 140 Caracteres

45

REFERÊNCIAS:

BENNET, L. Patterns of listening through social media: online fan engagement with the live

music experience. Social Semiotics, Wales-Uk, n.5, p.545-557, 2012.

BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. trad. Daniela Kern; Guilherme J.F.

Teixeira. 2ª ed.. São Paulo: Zouk, 2008.

CARVALHO, J. Transformações da Sensibilidade Musical Contemporânea. Horizontes

Antropológicos, Ano 5, No. 11, 59-118, 1999.

LÉVY, P. Cibercultura. (Trad. Carlos Irineu da Costa). São Paulo: Editora 34, 2009.

MERRIAM, A. P. The Anthropology of Music. Evanston, Nortwestern University Press.

1980.

RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009

SEEGER, A.Ethnography of Music: in Myers, H. (org.) Ethnomusicoloy. An Introduction,

London, The MacMillan Press, pp. 88-109, 1992.

TAGG, P. An anthropology os stereotypes in tv music?. In: Swedish Musicological Journal,

1989, Göteborg. P.19-42. Disponível em: http://www.tagg.org/articles/tvanthro.html

TURINO, T. Contemporary trends in north american ethnomusicology. Porto Alegre, 2009.

ULHÔA, M. T. Estilo e Emoção Na Canção-Notas Para Uma Estética da Música Brasileira

Popular. Cadernos de Estudo - Análise Musical, São Paulo; Belo Horizonte, v. 8/9, p. 30-41,

1995.

ULHÔA, M. T. Categorias de avaliação estética da MPB - lidando com a recepção da música

brasileira popular. In: IV Congreso Latinoamericano de la Associación Internacional para el

Estudio de la Música Popular, 2002, Ciudad de México. Actas … p. 1-18. Disponível em:

http://www.hist.puc.cl/historia/iaspm/mexico/articulos/Ulhoa.pdf

VALENTE, Heloísa de Araújo Duarte. Música é informação! Música e mídia a partir dos

conceitos de R. Murray Shafer e Paul Zumthor. In: SILVA, Rafael Souza (Org.). Discursos

simbólicos da mídia. São Paulo: Loyola, 2005.

Page 46: Carolina Ferreira-A Música Em 140 Caracteres

46

WOOD, A. E-fieldwork: a paradigm or the Twenty-first Century?: in Stobart, H. (org) The

new (ethno) musicologies. Unitaded States of America, Scarecrow press, pp170-187, 2008.

REFERÊNCIAS ÁUDIO-VISUAIS

DIVULGAÇÃO, G. img_6710-b. 2012. Color.; 620x500pxl

DIVULGAÇÃO, G. img_7076 2012. Color.; 620x500pxl

BEN, J. Taj Mahal. Intérprete: Éllen Oléria. Rio de Janeiro: Rede Globo, 2012. 1 faixa.

VALENÇA, A. Anunciaçãol. Intérprete: Éllen Oléria. Rio de Janeiro: Rede Globo, 2012. 1

faixa.

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ANEXOS

CD COM ÁUDIO E FOTOS DAS APRESENTAÇÕES DE ÉLLEN OLÉRIA NA

FINAL20

Faixa 1: Taj Mahal, de Jorge Bem. Intérprete Éllen Oléria.

Faixa 2: Anunciação, de Alceu Valença. Intérprete Éllen Oléria.

Fotos: The Voice Brasil/Divulgação Rede Globo.

20

Por questões de direitos autorais, os vídeos das apresentações não podem ser reproduzidos fora do site do

programa. Os vídeos para visualização das performances encontram-se disponíveis em:

http://tvg.globo.com/programas/the-voice-brasil/index.html, na aba “16 de Dezembro”.