Carta
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Ao Excelentíssimo Senhor Diretor,
Veio por meio desta, comunicar minhas recomendações em relação a
disciplina a qual leciono, qual seja, Matemática. No Brasil, a maioria das pessoas
tem acesso ao menos a alguns anos da Educação Escolar. Educação esta que
valoriza o conhecimento científico e funciona como um forte filtro social ao
fragmentar o ensino em disciplinas, selecionando de alguma forma os sujeitos que
terão sucesso ou não em suas vidas profissionais.
A história recente na Educação Brasileira foi marcada por um movimento que
interferiu intensamente na maneira em que era concebida a disciplina de
Matemática, o Movimento da Matemática Moderna, como ficou conhecido, atuou na
divisão do conhecimento em duas grandes áreas: Álgebra e Geometria. A primeira
foi elevada ao status de “verdadeira matemática”, enquanto a outra foi deixada de
lado e não considerada necessária no interior da escola. Tal divisão ainda está
presente nas escolas e tem consequências que não beneficiam o objetivo desta
instituição de formar cidadãos críticos e profissionais competentes em suas áreas de
atuação.
Tenho me posicionado contra a divisão entre Geometria e Álgebra ou
qualquer forma de hierarquização dos conteúdos matemáticos ou de disciplinas. A
educação tem tido papel central na sociedade, difundindo valores e conhecimentos,
esta instituição de ensino se apresenta como um local onde é possível cumprir este
papel através do trabalho inter/multi/transdisciplinar, buscando compreender as
relações entre as diferentes áreas do conhecimento.
Geometria e Álgebra são partes de uma mesma ciência e como tais não
podem ser vistas de maneira dissociada. Diversos teóricos da educação trazem
pontos de reflexão que justificam uma matemática integrada. Ovide Decroly, pioneiro
na visão do conhecimento interdisciplinar, parte da ideia da globalização do ensino,
baseando-se na concepção de que se apreende o mundo com base em uma visão
do todo. As experiências que a escola propicia, segundo o pensamento filosófico de
John Dewey, precisam abrir caminhos para novos conhecimentos, experiência esta
que, não vive ou morre por si mesma, mas possibilita experiências futuras para que
nossos educandos não percam o ímpeto pelo aprender. Edgar Morin entende o ser
humano como um ser complexo; a complexidade indica que tudo se liga a tudo e,
reciprocamente, numa rede relacional e interdependente.
O processo de ensino-aprendizagem de Matemática, em particular, e do
conhecimento, em geral, não pode se apresentar de maneira dividida, desunida,
compartimentada em contraposição a realidade ou problemas reais cada vez mais
multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais e
planetários.
Conhecer e discutir cada um dos elos que formam a ciência conhecida como
Matemática propõe a compreensão do todo, não como somatório de partes
individuais, mas como a interligação entre diversas áreas.
Pensar a educação e as relações sociais dentro do paradigma da
complexidade é compreender o conhecimento como multidimensional, retomar as
articulações despedaçadas pelos cortes entre disciplinas, entre categorias cognitivas
e entre tipos de conhecimento.
Se houvesse só uma forma de pensar e fazer Matemática, de torná-la
significativa, não haveria necessidade de estudarmos sempre, aperfeiçoarmo-nos a
cada dia, buscar novas formas de ensinar e construir matemática, como também
não teria sentido os debates entre cientistas e entre filósofos.
O objetivo principal desta carta foi o de alertar para a necessidade de uma
relação íntima entre Álgebra (que comumente chamamos de Matemática) e
Geometria ou qualquer outro ramo dessa ciência. Ciente de que todo o
conhecimento não pode ser reduzido em uma única disciplina e, também, não pode
ser dissociado dos demais, solicito que as turmas desta instituição tenham aula de
Matemática, sem separações entre os conteúdos da mesma, sendo ministradas por
um mesmo professor em cada turma. Além disso, se faz cada vez mais necessário a
articulação entre as diversas disciplinas, trabalhar com projetos é uma alternativa
para um ensino que se propõe motivador e que expanda a capacidade de agir
inteligentemente em novas situações, um ensino que não seja enfadonho nem
tedioso.
Cordialmente,
Kelly Cristina de Lima
Educadora Matemática