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    I FRUM DE DETERMINANTES SOCIAIS EM SADE DO OESTE DO PAR

    Sade se Conquista com Participao Popular

    CARTA DE SANTARM

    De 25 a 27 de abril de 2016 foi realizado o I Frum de Determinantes Sociais naSade, promovido pelo Instituto de Sade Coletiva da Universidade Federal do Oestedo Par em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores eAgriculturas Familiares do municpio de Santarm.

    Ns, trabalhadores(as), gestores(as), conselheiros(as), discentes e professores(as)da rea da sade, trabalhadores(as) na agricultura, indgenas, quilombolas,ribeirinhos(as), extrativista, acampados e assentados da reforma agrria entre outrasrepresentaes, estivemos reunidos para problematizar a realidade local e identificar os

    principais condicionantes que possam estar interferindo ou que venham a interferir nasade da populao local. preciso compreendermos melhor o contexto econmico,

    poltico e social, bem como a agenda de desenvolvimento para desenvolver aes,intervindo na realidade para melhorar a qualidade de vida da populao.

    Reconhecemos que a regio Norte apresenta caractersticas especficas comgrandes extenses territoriais, com disperso populacional e dificuldades dedeslocamento geogrfico, que resultam em injustias sociais com impactos nascondies de sade, de vida, trabalho e renda de nossa populao. Compreendemos queestas diferenas so evitveis, por meio de polticas pblicas e da participao popular.

    Ao longo de diferentes perodos histricos, tem imperado a condio colonial daAmaznia, integrada de forma subordinada aos interesses dos principais centroseconmicos e polticos, dentro e fora do pas. A abundncia em recursos florestais,minerais e hdricos torna a regio alvo dos mais diferentes interesses nas dimenses:econmica, social, poltica e ambiental, onde tem predominado o direito propriedade

    privada da terra sobre a posse ancestral.

    As diferentes polticas de desenvolvimento imposta para a regio, tm sidoregidas pela indiferena s populaes locais, onde a regra tem sido a expropriao e aespoliao das populaes tradicionais.

    O modelo de desenvolvimento imposto pelos grandes projetos em nossa regiono favorece as demandas das nossas populaes, e nem fomenta a reduo dadesigualdade social.

    O estado do Par lder em concentrao de terras na regio, maioria griladas.No nosso Estado acontece o maior nmero de assassinatosde trabalhadores/as rurais naluta pela terra. Lideramos tambm o nmero de situaes de trabalho anlogo escravido. Nos destacamos tambm nos indicadores em desmatamento. E contamos

    com pssimas condies de educao, saneamento bsico, sade e habitao.

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    No caso especfico da sade pblica a realidade de uma Ateno Bsicaprecarizada, com imensa dificuldade de acesso s aes e servios de sade, sobretudo

    para as populaes que j so historicamente marginalizadas. Faltam medicamentos, ascondies de trabalho para as equipes e a estrutura para atendimento so sucateadas. Arede de ateno da regio tem em Santarm a referncia para a mdia e altacomplexidade, porm o municpio no suporta o nmero de pessoas atendidas, ohospital regional, que gerido por uma Organizao Social de Sade, funciona portafechadas. Assim, o hospital municipal fica com a demanda estrangulada e a populaovem padecendo nas filas e corredores. H doenas que foram eliminadas em outrasregies, como por exemplo, a hansenase, a doena de chagas, malria, mas que

    permanecem entre as populaes da regio do oeste do Par.

    So inexistentes polticas que promovam o Saneamento Bsico na nossa regio.No h tratamento de esgoto, o fornecimento de gua potvel no universalizado,como tambm no h coleta e destino adequados do lixo. As poucas experincias emcurso no esto articuladas enquanto poltica pblica e no garantem sustentabilidadeambiental.

    A nossa avaliao que, a agenda de desenvolvimento imposta de formaautoritria, constitui-se como uma ameaa integridade de nossos territrios, s nossasmltiplas formas de uso da terra, da floresta, dos nossos rios, da nossa segurana

    alimentar e da sade coletiva. Os grandes projetos so uma ameaa vida e nossareproduo econmica, social, cultural e poltica.

    O relato da realidade que se apresenta na regio a seguinte:

    Em Juruti, a extrao do minrio gerou inicialmente um aumento de empregos,girando a economia local. Em contrapartida, aumentou muito a populao, aumentandoa criminalidade, a prostituio, sobrecarregando as escolas e a rede de ateno sade.As trabalhadoras e os trabalhadores na agricultura so diretamente afetados pois vem

    suas atividades comprometidas e no h melhoras significativas no municpio.

    Em Oriximin, no incio do projeto de minerao nos anos 1970, as pessoasforam removidas fora de suas casas, gerando muitos conflitos. Logo cresceu muito a

    populao, com forte expressividade do xodo rural, aumentou a prostituio, odesmatamento impactou na atividade extrativista, na pesca e na agricultura familiar, osdejetos contaminaram as guas, inclusive matando o Lago Batata. Com muitamobilizao e organizao poltica da populao, conseguiram minimizar algumassituaes, mas ainda no municpio h grande contradio e pouco desenvolvimentosocial frente aos anos de explorao das riquezas locais. Dentro do porto da minerao,onde vivem os trabalhadores h um investimento na qualidade de vida, apenas para

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    algumas pessoas que trabalham na minerao, para a populao da cidade no houveinvestimento, at os dias de hoje no h saneamento bsico no municpio, no h

    investimento na sade e na educao e ainda h outras ameaas para o municpio, comoa construo de uma hidreltrica que j foi barrada outras vezes, mas est cada vez maisdifcil resistir. Oriximin vista como uma cidade rica, mas com um povo pobre.

    Em Moju dos Campos esto concentradas as maiores reas de plantio de grosem grande escala na regio, com forte desmatamento, comprometimento da soberaniaeconmica e alimentar, contaminao da terra e das guas. Foi no incio dos ano 2000que o agronegcio se instalou no municpio e a expectativa que teria um crescimentoeconmico e desenvolvimento social, mas ningum sabia como seria. Hoje o que se v a expulso dos agricultores de suas terras, pois foram sendo cercados e pressionados

    para vender a propriedade. Mesmo com muito trabalho do STTR para conscientizaodos agricultores para no abrir mo de suas terras, ainda vemos muita expanso do

    plantio de soja e milho. Como consequncia desse xodo rural aumentam as periferiasdas cidades, e os agricultores sem terra para produzir, para plantar seu alimento, ficamsem renda e sem saber o que fazer longe de seu territrio. O uso de agrotxicos indiscriminado e no h fiscalizao. Para agravar, h ainda uma hidreltrica instalada ea comunidade que vive ao lado at hoje no tem energia eltrica.

    Nas regies de Curua-una e Ituqui, comunidades de Santarm a realidade

    tambm de expanso de portos e do agronegcio. Aqueles que venderam seus pedaosde terra no viram melhorias e esto desempregados. Os pequenos produtores que aindaresistem, tentam produzir sem veneno, como sempre fizeram. Mas h lugares que noconseguem produzir mais nada, porque esto devastando nossas terras e contaminandotudo com veneno. As famlias so humilhadas e perseguidas para vender suas terras. As

    pessoas que venderam suas propriedades foram enganadas que iriam trabalhar na terra eforam substitudas pelas mquinas. O que sobra, depois da instalao dos grandes

    projetos o desemprego, a prostituio, a criminalidade e aumento significativo donmero de cncer e outras doenas que necessitam ser investigadas. Para a construodo Porto de Santana do Ituqui e do Porto do Maic, antes reas de preservao

    ambiental, passaram a ser de uso particular.

    Diante destas condies, defendemos e propomos:

    - O reconhecimento dos nossos territrios e respeito aos nossos modos de vida e de usodas nossas riquezas naturais;

    - A implementao da Poltica Nacional de Sade Integral das Populaes do Campo,Floresta e guas, pois defendemos o SUS universal, pblico, de qualidade que atendaas especificidades e a diversidade populacional;

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    - A instalao do comit de polticas de equidade em sade no Estado do Par e nasregies de sade, para contribuir com a gesto participativa desta poltica pblica;

    - A ampliao e manuteno do Programa Mais Mdicos para o Brasil, especialmente spopulaes do campo, da floresta e das guas, que mudou a realidade de acesso s aese servios do SUS no interior do pas;

    - A realizao de estudos e pesquisas sobre as complexas realidades locais, a fim demelhor compreender os determinantes sociais da sade, as injustias sociais e asrelaes com as iniquidades em sade da populao, a fim de contribuir tanto naelaborao de aes para modificar a realidade quanto na qualidade de vida;

    - O desenvolvimento de uma poltica pblica de saneamento bsico, contemplando asdiferenas culturais e territoriais, com sustentabilidade ambiental e controle social, coma instituio de um conselho municipal de saneamento bsico, com representao

    paritria aos moldes do Conselho de Sade;

    - A criao de um frum intersetorial de combate aos agrotxicos na Regio Oeste doPar, frente realidade alarmante do uso indiscriminado de veneno agrcola;

    - O fortalecimento e aprofundamento de polticas que potencializem a agriculturafamiliar em sua diversidade amaznica (ribeirinhos, extrativistas, quilombolas,agricultores, indgenas, entre outros) posto ser esta que mais emprega e produzalimentos, garantindo assistncia tcnica e extenso rural na perspectiva daagroecologia, para a produo de alimentos saudveis;

    - A criao de um observatrio interdisciplinar de polticas pblicas no mbito daUniversidade Federal do Oeste do Par (UFOPA) em parceria com a comunidade local;

    - A garantia que o atendimento prestado pela CASAI no Municpio de Santarm sejaestendido a todos os povos da regio, moradores indgenas na cidade ou no, e emtrnsito pela regio;

    - O destino de recursos financeiros ao servio de sade indgena independentemente dasituao jurdica do territrio indgena junto a FUNAI, enquanto no se implantar umDESEI prprio;

    - Que a realizao da Conferncia de Determinantes Sociais da Sade da regio Norteacontea no Oeste do Par, afim de aprofundarmos os debates aqui disparados earticularmos parcerias na execuo das propostas.

    Por fim, vimos com muita preocupao o momento poltico que estamosvivendo, com uma sria ameaa ao estado democrtico de direito, com um golpe

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    disfarado de impeachmentem curso. E por isso, afirmamos: no vai ter golpe e j temmuita luta!

    Seguiremos combatendo o latifndio, os grandes projetos e o uso de agrotxicos,nos mantendo em defesa da vida, da agricultura familiar, da soberania e da democraciano nosso pas!

    Santarm - PA, 27 de abril de 2016.