Carta para Luc Ferry sobre Espiritismo

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Em sua autobiografia intelectual, Luc Ferry considerou uma comparação menor a que fizeram entre seu pensamento e o espiritismo. Essa carta se utiliza do esquema de explicação deste filósofo sobre as grandes doutrinas para esclarecer o que é a doutrina referida. Esta é uma breve introdução ao pensamento espírita através do pensamento de Luc Ferry.

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S U M Á R I O

Introdução

1 Saudações

2 Hipol l i te Lion Denizard Rivai l

3 No mundo da Théorie, a força dos Espír i tos : uma revolução na f í s ica

4 No mundo da Éthique e da Just iça : a imorta l idade da moral cr i s tã e a balança da reencar nação

5 No mundo da Salut : nem ig reja , nem ciência , nem imorta l idade. O amor como ingresso para a eter nidade

6 O Humanismo é um Espir i t i smo?

7 A santa ingenuidade de Al lan Kardec

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INTRODUÇÃO

Em sua autobiografia intelectual, Luc Ferry, filósofo francês e ex-ministro da educação de seu país, considerou uma comparação inferior  a que fizeram entre seu pensamento e o Espiritismo. Essa carta se utiliza do esquema de explicação deste filósofo sobre as grandes doutrinas para esclarecer o que é a doutrina referida. Esta é uma breve introdução ao pensamento espírita através do pensamento de Luc Ferry. Espero que seja útil para todo e qualquer iniciante que queira ter uma visão geral da doutrina que almeja estudar.

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CAPÍTULO 1

SAUDAÇÕES

Professor Luc Ferry,

É uma imensa satisfação poder falar com o senhor.

Atualmente sou médico do nordeste do Brasil, mas venho acompanhando o seu pensamento desde a faculdade, quando li a grata reportagem de um livro ao mesmo tempo de iniciação, mas profundo, o Aprender a viver.

Particularmente fiquei encantado pela definição sem igual da filosofia como uma “doutrina da salvação por si mesmo”. E desde o esclarecimento da cosmologia grega, passando pelo “pensamento alargado” que o senhor praticou, enquanto ateu, enaltecendo o cristianismo, até a decifração do pensamento de Nietzsche (que me foi sempre palpitante, mas enigmático), consegui organizar meus estudos filosóficos, de tal sorte que me serviu como um curso. Em verdade, ainda me serve, e venho devorando seus escritos com uma ânsia de quem encontrou porto-seguro no mar da filosofia. Estou dentro daquele grupo que quis fazer da filosofia não um mero passatempo, mas uma séria jornada.

De lá para cá, voltei no tempo e li O homem-Deus ou o Sentido da vida e A nova 1

ordem ecológica (sim, eu o li até o final!). Ousei apreciar o diálogo do senhor com Marcel Gauchet em Le religieux après la religion. Tomei a defesa de sua teoria em Vaincre les peurs e compartilhei seus livros da ilha deserta. Amei minha família nesses tempos de crise e encarei a jornada de volta para casa junto a Ulisses e todos os mitos da cultura antiga clássica que sempre me foram distantes relíquias. Nesse momento, em que tento desesperadamente ler o livro La révolution de l’amour em francês, com um dicionário de francês-português a tiracolo, e vou descobrindo o homem atrás do pensamento em sua autobiographie intellectuelle, me atrevo a lhe escrever esta carta e... compartilhar uma

Nesse parágrafo faço referência a vários livros de Luc Ferry que são, além dos já citados em itálico, 1

“Família, Amo vocês”, “A Sabedoria dos Mitos Gregos”, “O Anticonformista, uma autobiografia intelectual”.

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filosofia que, antes da sua, acompanhou o meu nascimento, o meu crescimento e minha história, além do meu espírito.

Após lhe introduzir ao filósofo e a essa filosofia, minha despretensiosa intenção era uma resposta do senhor, que me desse seu julgamento, que sempre considerei sensato, sobre tudo o que vou lhe dizer. O senhor me ensinou que filósofo era mais do que ser formado em filosofia. Estou arriscando, sem medo , filosofar com o senhor. 2

Luc Ferry considera o medo como um dos sentimentos mais deploráveis da atual democracia para se 2

gerir alguma coisa. E arriscar é algo que o homem moderno deveria tentar mais.

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CAPÍTULO 2

HIPOLLITE LION DENIZARD RIVAIL

Nunca entendi porque a França renegou um filho ilustre de suas terras. Hipollite Lion Denizard Rivail (1804 – 1868), filho de advogado, foi educado desde cedo no Castelo de Yverdon, onde Pestalozzi buscava aplicar os revolucionários preceitos de Rousseau em seus alunos. Aprendeu, provavelmente pelo valor que seu estimado professor dava ao senso prático, a investigar a natureza mais do que a aceitar como ela se apresenta em estado bruto.

Tão logo saiu formado das mãos de Pestalozzi, encarregou-se de divulgar aquele método de ensino pela França quando ainda muito moço, tendo escrito muitos textos pedagógicos dos quais posso lhe citar alguns, de recente tradução para o português que tenho comigo:

A. Plano proposto para melhoria da Educação Pública (1828), onde se intitula discípulo de Pestalozzi, diretor de escola da Academia de Paris, membro de diversas sociedades científicas;

B. Discurso pronunciado na Distribuição de Prêmios (1834) de uma Instituição que ele fundou, denominando-a de Instituição Rivail, onde se ressalta algumas filiações a que ele se inscreveu como membro da Academia da Indústria, da Sociedade Universal de Estatística, do Instituto Histórico, da Sociedade Gramatical, da Sociedade de Métodos, Correspondente da Sociedade de Emulação de Ains, etc, etc.

C. Projeto de Reforma de Exames e de Educandários para Moças (1847), sendo agora membro da Academia Real de Ciências em Arras, do Instituto de História, da Sociedade de Ciências Naturais da França, etc, etc.

D. Por fim, uma Proposta tratando da aceitação de obras clássicas pela Universidade em relação ao Novo Projeto de Lei de Ensino. Uma curta resenha, cuja data não é exposta, nem os títulos dele assinalados, mas que fiz questão de colocar para mostrar o quanto estava engajado na formação educacional de Paris.

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Boa parte de sua juventude nos é desconhecida. Alguns biógrafos brasileiros advogaram que teria ele seguido carreira de medicina, mas parece mais certo ter ele escrito obras de anatomia e fisiologia sem ter, contudo, praticado a clínica.

É certo que se dedicou ao ensino, seguindo a vocação de seu professor. Trabalhando particularmente em prol da formação das mentes juvenis, segundo os bons preceitos da moral e da ciência. É certo, também, que se dedicou ao estudo das ciências, em uma época que se adquiria formação superior mais pela filiação a sociedades de interesse específico do que a universidades como nós as conhecemos hoje.

E antes de se dedicar ao estudo da matéria que vai consumir seus dias a partir dos 50 anos, foi defensor de uma ciência rejeitada pela medicina, mas vinda da mente de um bom médico, denominada Magnetismo Animal de Franz Anton Mesmer, também conhecida como Mesmerismo. Essa ciência entrou pelos fundos da academia com o nome de Hipnotismo, e muito embora o famoso Freud a tenha utilizado no início de seus estudos, ele e as ciências psíquicas guardaram-na no baú das velharias.

Foi em torno de 1850 que recebeu um convite que iria mudar os rumos da sua vocação científica. Descobriria uma dimensão da natureza que entendeu revolucionária. Seria para ela que iria dedicar o resto da sua vida a fim de torná-la acessível a todos.

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CAPÍTULO 3

NO MUNDO DA THÉORIE , A FORÇA DOS 3

ESPÍRITOS: UMA REVOLUÇÃO NA FÍSICA

Como herdeiro de uma geração que viu Nietzsche e Heidegger desconstruir a metafísica, entendo que esse tema possa lhe soar estranho. Mas, me valho do seu esforço de pensée élargie que tanto lhe permitiu penetrar na essência de tantos pensamentos alheios a 4

sua posição ateísta. Conseguiu enxergar, por exemplo, por trás do delírio do Deus único, a beleza da ressurreição singular de Lázaro, na potência do amor cristão maior que a morte natural.

Onde o cristianismo coloca a sua coroa, isto é, no Cristo ressurrecto, a nova dimensão que se depara face a face com o Prof. Rivail apenas anunciava sua existência. Permita-me explicar.

Àquela época que mencionei há pouco, no mundo e na França, caiu na moda do povo uma prática de consulta a mesas que emitiam sons como que querendo se comunicar.

Até aqui é de se achar graça com um sorriso irônico no rosto. E, efetivamente, Rivail, no auge dos seus 50 anos, replicou ao amigo que o convidava a avaliar esse evento com um tom jocoso e, por motivos óbvios, desacreditado.

Por respeito ao espírito científico que prometia tudo desvendar, ele cede aos apelos de ir às tais “mesas falantes” e, após colocar à prova aqueles estranhos fenômenos, se convence do contrário do que seu preconceito menosprezara: elas falavam.

Théorie é como Luc Ferry denomina a parte do conhecimento humano que lida com tudo o que existe ao 3

nosso redor, com tudo o que é.

Pensée élargie ou Pensamento alargado é uma atitude que Luc Ferry defende como sendo um dos melhores 4

fundamentos para uma ética atual. Consiste basicamente em você permitir-se enveredar numa excursão ao pensamento do outro, não para perder a própria identidade, mas para tornar-se um eu mais vasto, isto é, alargado.

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Todo o fenômeno foi descrito com os detalhes necessários na introdução do primeiro livro que ele publicou, chamado Le Livre des Esprits (1857) e de forma ainda mais analítica em Le Livre des Médiums (1860). Entre estes dois livros, no hábito de professor de tornar didático aquilo que toca, escreve Qu’est-ce que le Spiritisme (1859), dividido em duas partes. A primeira é composta de diálogos que ele trava com três personagens: o cético, o crítico e o padre. A segunda por considerações gerais sobre a Doutrina dos Espíritos.

Como o senhor deve ter percebido, a conclusão não foi bem que as mesas falavam, mas que inteligências extracorpóreas, os Espíritos, se manifestavam por elas.

Não consigo imaginar e me inquieto muito a responder por que essa descoberta não contagiou o mundo. Talvez por ser grandiosa demais. Houve uma espécie de recalque coletivo. Não coletivo, já que muitas pessoas concordaram com a conclusão de Rivail, mas histórico, uma vez que essa conclusão caiu no esquecimento e foi se esconder no Brasil. Aqui, as descobertas do professor Rivail criaram raízes na forma de religião, embora ele tenha dito na contracapa de Le Livre des Esprits que se tratava de uma filosofia espiritualista e em Qu’est-ce que le Spiritisme que aquilo tudo era uma ciência nascente. Convido o senhor a apreciar esta gestação.

Do que consistia o fenômeno das "mesas falantes"? Um punhado de pessoas se sentava ao redor de uma mesa (uma variante conhecida é o que se faz com um copo) e deixavam suas mãos sobre o objeto. Perguntas eram dirigidas a mesa que “se manifestava” através de batidas ou mesmo se movimentando. Outra variante consistia em uma mesa menor, ou um cesto, ao redor do qual se colocavam letras para que o objeto conduzisse a formação de palavras e frases e textos inteiros. Outra consistia em um lápis preso ao pé de uma pequena mesa, gerando uma escrita.

Por que necessariamente uma inteligência extracorpórea? Rivail desenvolve a argumentação levando em consideração um conjunto de hipóteses em Le Livre des Médiums, buscando a que explicasse melhor todos os detalhes do evento. Entre outros motivos, seguindo uma lógica simples, Rivail não encontrou fraudes mecânicas sobre os objetos dos fenômenos. As informações escritas muitas vezes surpreendiam todos da plateia, inclusive quem se sentava ao redor da mesa. Havia comunicações em línguas estrangeiras ignoradas pela maioria. E, o mais surpreendente, a própria escrita começou a se explicar, isto é, o que quer que seja que manipulava a mesa começou a demonstrar sinais não só de inteligência, mas de identidade, como nome de quando estava viva, endereço, e como havia morrido.

Com o tempo, o professor percebeu que não eram necessários intermediários materiais inertes como uma mesa, um cesto ou um copo para que a comunicação dos Espíritos acontecesse, já que o próprio corpo do ser humano era o intermediário biológico do Espírito. Algumas pessoas pareciam ser mais flexíveis para essa comunicação do que outras, e ao deixá-las sujeitas a essas manifestações, passavam a escrever ou a falar com uma rapidez que permitiu estudos mais profundos sobre o tema. A escrita era tida como melhor meio de estudo em virtude de deixar dados para a análise posterior.

Nesse ponto, a tal ciência nascente que o Prof. Rivail começou a elaborar se utilizou de métodos que apenas depois as ciências humanas se apoderaram. Enquanto a física mexia

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com forças impessoais da natureza, Rivail percebeu que não se poderia tratar da mesma forma as forças que davam mostras de inteligência. Em vez de enclausurá-las em esquemas de laboratório, travava diálogos com elas através de seus intermediários diretos. E qual etnógrafo a conhecer um novo país, se aproximou dos mais diversos habitantes, de todas as classes que ele pudesse distinguir pela forma de se expressar. Percebeu, então, um conceito revolucionário para o estudo das “divindades” que deveria marcar uma ruptura sem precedentes na sociologia das religiões. Provavelmente, os Espíritos que se manifestavam pelos mais diversos xamãs, profetas, sacerdotes, etc., são da mesma natureza dos Espíritos que animam nossos corpos, tendo a única diferença de não estarem mais em corpos carnais. As falas dos Espíritos evidenciaram que eles não assumiam uma posição de sapiência absoluta ou de ignorância irremediável ao abandonar a carne, mas eram dotados das mesmas características que os animava enquanto estavam nela, obedecendo ainda à lei de poderem evoluir em aprendizado mesmo depois de mortos, já que ainda continuavam vivos (Loi du Progres). Isto é, são os mesmos seres humanos submetidos à mesma condição de ser humano. Contudo, mais ou menos livres, mais ou menos esclarecidos, segundo sua maior ou menor intimidade com os assuntos espirituais. Por isso, Rivail não poderia aceitar tudo o que viesse dos médiuns (como ele denominou aqueles que melhor intermediavam o diálogo com os Espíritos) como verdade suprema - eis o erro da maior parte dos idólatras! – mas deveria analisar com sua própria razão aquilo que era bom, belo e justo.

Le Livre des Esprits é uma coletânea do que Rivail considerou as melhores respostas dos Espíritos para as perguntas que ele elaborou. Categorizou essas entrevistas em partes, itens e subitens. Teceu considerações esclarecedoras.

Todos os homens fúteis se aproveitavam dessa oportunidade de diálogo com o invisível para obter vantagens materiais. O insucesso dessa empreitada valia o descaso com que eles consideravam o fenômeno. Todos os fanáticos se submetiam aos dogmas dos médiuns como que prosternados diante de um deus. As atrocidades das guerras religiosas valeram o descrédito em que caiu a religião. Rivail, sensato, iluminado pelos conceitos da razão que não é a nova rainha, mas a reguladora da nossa vontade frente às leis que nos são transcendentes , vai estudando a verdade até o ponto em que ela pode ser assimilada. Não é 5

que o Espiritismo desvendava todos os mistérios do espírito. Ele ia até o ponto onde nossa razão histórica estava preparada para saber e, mais importante, praticar.

Posso imaginar que o senhor, que apreendeu toda a perfeição da doctrine du salut do cristianismo, deva entender que, no fundo, tudo isso era uma demonstração, por fim (ou pretensamente) científica , da imortalidade da alma. E como bem o senhor nos esclarece na 6

Esse papel da Razão como reguladora da vontade para o bem maior foi abordado admiravelmente por 5

Kant em “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, livro que Luc Ferry aconselha a todo iniciante de filosofia ler. Perceba a conotação política desse conceito de Razão: não é a nova rainha (não se trata mais da monarquia), mas a reguladora da vontade das pessoas (a vontade dos indivíduos se submete a cabeça do estado pelo voto livre e esclarecido, que deve, por sua vez, se submeter às leis que, embora declaradas por seres humanos, são colocadas em um patamar que transcende as vontades individuais). Luc Ferry esclarece esse parênteses político em “Vencer os Medos”, Parte II.

Certamente que esse “por fim científica” faz tremer qualquer filósofo da ciência. O objetivo aqui é 6

escandalizar. Por mais que se argumente contra a prova científica da imortalidade da alma, foi isso o que Kardec considerou como tendo acontecido. E eu acredito que sim, também. E não é uma questão de fé, mas de fatos. Abordarei os motivos de se resistir à aceitação desses fatos em outros momentos da carta.

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sua descrição do primeiro humanismo, se era científica, valeria para todo o mundo, tal qual a gravidade. A imortalidade da alma era uma lei em conformidade com a era democrática. Revelava-se não como uma crença tradicional, um dogma de fé, mas como um atributo do ser humano. Aquela sobrevivência da identidade singular simbolizada pela ressurreição dos corpos em carne e espírito do catecismo católico realmente existia, mas não precisava de carne para acontecer . Ela existia por si só. A individualidade da alma não explodia em 7

milhões de átomos a retornarem a um universo anônimo. Ela sobrevivia e tinha possibilidades de se comunicar. Como? Isso é o que Rivail se encarregaria de tentar responder, formando hipóteses que explicassem o fenômeno com uma rigorosidade metódica que até Charles Richet, grande fisiologista da época, louvou.

Contudo, o primeiro livro que Rivail lançou não foi um tratado científico dissecando o fenômeno. Quando ele estava convencido do que se passava, que o que se mostrava em sua frente era um canal de comunicação com a vida depois da morte, que ele denominou de vie spirite, logo compilou um conjunto de perguntas que perpassavam desde a criação do universo, a natureza de Deus, a vida dos Espíritos, sua influência sobre os seres corpóreos, a moral mais sã segundo o que eles haviam visto por lá, e o que concerne ao futuro das pessoas, incluindo considerações sobre o céu e o inferno. Como todas as respostas provinham dos Espíritos, ele denominou esse livro de Le Livre des Esprits e colocou um pseudônimo na capa: Allan Kardec. Ele não queria que as pessoas respeitassem o livro por ser uma obra do notável professor Rivail, discípulo de Pestalozzi, membro das sociedades etc, etc. Queria que aquelas ideias demonstrassem sua própria força.

Em pouco tempo, aquela Doutrina dos Espíritos, ou Espiritismo, ganhou o mundo, saindo da França, entrando nas cortes de outros países, e mesmo queimando nas fogueiras da Espanha em nove de outubro 1861 às dez e meia da manhã, no chamado “Auto de Fé de Barcelona”.

Não há páginas que caibam as argumentações contra e a favor num diálogo infinito para demonstrar a veracidade do fenômeno. Esse diálogo repetiria o que Rivail, ou melhor, Kardec empreendeu de 1858 até 1869 na Revista que ele fundou, a princípio com o próprio pouco dinheiro e depois com a venda dos livros que publicara, e as assinaturas que cresceram vertiginosamente.

Houve quem levantasse suspeita sobre o enriquecimento de Kardec, que no final das contas, se houvesse existido, não teria sido ilícito, já que ele dedicou o resto da sua vida para esse trabalho colossal de divulgar essa nova forma de ver o fenômeno mediúnico. Digo nova, porque mesmo Kardec entendia que a mediunidade sempre havia existido, mas nunca fora tratada com o racionalismo dos modernos. Mas, não enriqueceu ele com isso, e convidava a todos para conhecer sua casa e o escritório da Revue Sprite a Rue Sainte Anne, nº 59, e constatar o inventário de seus bens. Isso porque considerava o desinteresse uma das virtudes mais respeitáveis, principalmente em se tratando da divulgação dessa doutrina que não considerava sua, mas dos Espíritos. Talvez tenha sido por essa humildade, onde o homem e seu trabalho se esconderam tanto por trás das ideias, que Kardec foi esquecido

Luc Ferry considera que essa perspectiva de salvação (doctrine du salut) seria a maior de todas, insuperável, 7

se fosse verdade. No entanto, o único argumento que a Igreja apresentava era a fé, que, a rigor, não é argumento.

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por tudo o que foi. Lembrado simplesmente por ter sistematizado o Espiritismo para os homens, perdeu toda a imagem que Rivail um dia projetou na França.

A Igreja se levantou contra o Espiritismo, o que provou não ser ele religião respeitável. Provou? Muitos homens de ciência da época riram do Espiritismo de Kardec, o que provou não ser ele ciência consistente. Provou? Muitos filósofos ignoraram ativamente aquela doutrina embasada em diálogos com loucos, o que provou não ter ela material filosófico algum. Provou?

Os psiquiatras ainda hoje repetem solenemente o canto dogmático de que não se deve entrar na alucinação de um louco. O máximo que a psiquiatria avançou nesse campo foi o respeito distante por aquilo que não passa de uma aceitação cultural de uma patologia. Ou ainda, a luta por uma forçada normalidade daquilo que se apresenta bem diferente do normal, em um discurso de “viva a diversidade!”, nunca se atrevendo a investigar racionalmente o fenômeno com medo de colonizar essa diferença com a racionalização redutora dos modernos.

Até hoje o que consegui entender é que em uma Europa fervendo contra as autoridades eclesiásticas, de sabedoria revelada, não poderia, em plena transição do que é do homem e do que é de Deus, aceitar uma doutrina que se servisse de conhecimentos puramente inspirados. Esse conflito fica muito evidente no diálogo que Rousseau imagina entre o racionalista e o inspirado no livro Emílio.

Mas, não podemos esquecer que Kardec, sendo discípulo de Pestalozzi, que tentou aplicar o racionalismo de Rousseau ao máximo em seu método de ensino, não poderia deslizar com tanta facilidade em uma fascinação do Antigo Regime.

Quem lê as Revues Spirites de 1858 a 1869, que o movimento espírita mundial guarda como relíquias de museu, escrita quase a uma mão apenas, percebe que aquele homem não era um farsante. Seu discurso não era o de um impostor. Seu objetivo não era o de dominar agressivamente o mundo não civilizado.

Bem no clima de fraternidade universal que reinava na Europa, Kardec havia encontrado no seio da natureza um motivo forte para enxergar em todas as pessoas verdadeiros irmãos. Isso mereceu a sua vida.

Consigo vê-lo, acordando todos os dias às quatro e meia da manhã, escrevendo artigos e mais artigos em defesa do Espiritismo até a ruptura de um aneurisma cerebral em plena madrugada de militância pela verdade que libertaria, acreditava, enfim a humanidade das amarras da superstição e do materialismo no campo da espiritualidade.

Os Espíritos não faziam parte de um mundo sobrenatural, repetia ele, são parte da natureza. O Espiritismo não era do campo da metafísica . Já não trabalhávamos mais com 8

especulações, mas com fatos.

Aqui está o motivo de eu ter colocado no título dessa parte que os Espíritos são uma força, comparando 8

com as forças das leis de Newton. Antes considerados assuntos da meta-física, isto é, do que estava além da natureza (physis), os Espíritos assumem, no Espiritismo, uma posição natural, portanto, da física. Isso pode parecer estranho, mas é um trocadilho filosófico importante de ser abordado.

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O que ele fez foi empreender um diálogo jamais imaginado pela humanidade. Até agora, os fenômenos mediúnicos – aqueles que mostravam a manifestação do outro mundo no meio do nosso – eram tratados como tabus, portanto, intocáveis. Nenhum ser humano, a não ser os sacerdotes, iniciados nas ciências ocultas, poderia ter acesso aos senhores do invisível.

Agora, aquele fogo da natureza havia sido roubado do círculo olímpico dos initiés e entregue para um diálogo desarmado com o homem nu , isto é, vestido apenas com a 9

razão.

Os Espíritos se revelaram nem anjos, nem demônios, mas seres que um dia estavam na carne, e hoje não mais. Todavia, mantinham suas afeições, e seus ódios também. Eis a origem das divindades boas, protetoras das pessoas, e das más, vingativas. Alguns demonstravam sabedoria e exploravam assuntos da mais alta filosofia, outros se disfarçavam em discursos bem elaborados sem conteúdo algum. Eis a origem das grandes sabedorias dos livros sagrados e das mentiras das cartomantes. Não é que a humanidade inventou os deuses. Os deuses fazem parte da humanidade, numa perspectiva completamente diferente do que até então se havia imaginado.

Isso é efetivamente uma apropriação da substância da religião como coisa do povo, como res-publica.

Elevando isso a última consequência, tornaria a casa das pessoas suas igrejas, e os pais, os sacerdotes do lar. Todos, sem exceção, poderiam vir a usufruir da mediunidade, da comunicação com os Espíritos. Não seria bem um individualismo a ilhar os indivíduos, mas um colar de pérolas, em que cada culto do lar teria seu valor especial.

Como em todo dom da natureza, o homem através de seu livre-arbítrio poderia ser direcionado nesses diálogos com a sombra do mundo para o bem, para o que fosse bom para todos, ou para o mal, para o que fosse bom para uma minoria.

A formação dessa sabedoria não mais seria ditada pelos Espíritos única e exclusivamente. Havia chegado o tempo em que a humanidade, atingindo l’âge de raison (idade da razão), deveria exercer um papel regulador de entender como poderia crescer rumo à vie bonne (vida boa). Uma sabedoria de si mesmo (dos vivos) dialogando com as sabedorias dos outros (dos mortos). Uma síntese cósmica do conceito de sabedoria.

O método que Kardec utilizou para separar o joio do trigo das revelações dos Espíritos é exatamente o que o homem racional assumiu para criar um reino humanista. Com a sensatez e a razão deveríamos extrair do mundo invisível, dessa face escondida da natureza, as boas coisas que poderiam surgir para conduzir a humanidade.

Referência à fábula da criação do homem, narrada por Protágoras, o sofista, no livro que Platão escreve 9

sobre ele. Essa fábula conta a história de que todos os seres da natureza nasceram com algum dom. A abelha, o de fazer mel, por exemplo. Mas, o homem nasceu nu. E Prometeu, encarregado de tentar desfazer esse mau, provocou um mau ainda maior, dando ao homem o fogo dos deuses, que o fez extremamente poderoso e desequilibrado. Essa história é muito cara a Luc Ferry.

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Raciocínio semelhante ao que o senhor empreendeu sobre como o homem da democracia deveria lidar com a natureza bruta. Ela não possui uma virtude em si. Nela há o que é contra o homem e a favor dele. É necessário utilizar a razão para fazer a poda.

No fundo, era uma grande ágora em que aos plebeus de dentro da carne 10

somaram-se os patrícios de fora dela em um diálogo de várias vozes em busca de um objetivo comum.

Que moral surgiu desse diálogo?

Praça em que se reuniam as pessoas da Grécia para decidir os destinos da república.10

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CAPÍTULO 4

NO MUNDO DA ÉTHIQUE E DA JUSTIÇA: A 11

IMORTALIDADE DA MORAL CRISTÃ E A BALANÇA DA REENCARNAÇÃO

Para os críticos da razão pura talvez o maior pecado que Kardec cometera no 12

desenvolvimento da Doutrina dos Espíritos foi ter cedido à tentation du christianisme . 13

Não adiantou ele ter dito na introdução de L’Evangile Selon Le Spiritisme (1864) que, daqueles livros sagrados do cristianismo, decidiu extrair apenas aquilo que serviu para definir l’enseignement moral, abstendo-se de les paroles qui ont servi à l’établissement des dogmes de l’Eglise, de les actes ordinaires de la vie du Christ, de les miracles e de les prédictions.

Segunda dimensão do conhecimento humano, de acordo com Ferry, que se refere ao que podemos 11

fazer levando em consideração que temos semelhantes ao nosso redor. Acrescentei aqui a questão da justiça porque considero como sendo a vigia do comportamento ético por um lado e a sua consequência por outro. O adjetivo imortalidade atrelado a moral cristã é proposital, já que essa moral depende intimamente da imortalidade para se concretizar. Esse é um tema que precisaria de mais que uma página para abordar. A balança da reencarnação passa uma imagem ambígua, deve fazer lembrar do balanço de ir e vir em múltiplas encarnações e da balança símbolo da justiça. Sem a reencarnação, muitos males ficam impunes.

Referência ao livro de Kant que vai tratar sobre como a razão pode conceber a realidade objetiva das 12

coisas, isto é, sobre o que Luc Ferry aborda como Théorie. Já que entramos no campo da Éthique, estamos para além da Théorie. Não é mais sobre o que é, mas sobre o que devemos fazer. Muitos gostariam que Kardec tivesse melhor abordado a Théorie dos fenômenos mediúnicos, mas o próprio Kardec disse que se assim tivesse procedido, nunca teria prosseguido nos outros desdobramentos necessários da doutrina. Deixou que os cientistas continuassem a chafurdar nos fenômenos, porque ele precisava colher os frutos dessa nova realidade que já havia dado sinais suficientes, para ele, de sua existência.

Livro que mostra o diálogo de Luc Ferry com Lucien Jerphagnon. Em uma palavra, a tentação do 13

cristianismo não se refere a maçã de Adão e Eva, mas ao amor infinito dado por Deus absoluto aos homens relativos. Que relacionamento tentador!

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A estrutura do livro consiste em dissertações explicativas de Kardec acerca dos preceitos morais que serviriam de suporte aos leitores, endossadas por instruções de Espíritos que trataram do tema.

Uma vez tendo percebido que muitos Espíritos relatavam andar vagando pelas sombras da Terra porque nunca haviam se dedicado ao exercício do desprendimento material, ao contrário dos Espíritos felizes cuja fórmula simples era a prática da caridade lato senso (e não simplesmente a das esmolas), encontrou na moral cristã o melhor dos guias para ensinar aos indivíduos a lei de amor, o melhor móvel da verdadeira caridade, que os poderia fazer encontrar a vie bonne no plano espiritual.

O primeiro humanismo foi o primado da razão, o segundo será o do amor, o senhor nos diz. E Kardec, já em 1864 ensinava a todos os espíritas do mundo a amarem-se e instruírem-se (Spirites! aimez-vous, voilà le premier enseignement; instruisez-vous, voilà le second), tendo como bandeira que fora da caridade não haveria salvação (hors la charite point de salut).

Em um capítulo todo especial para esse tema, é categórico em dizer que o amor é o único sentimento do ser humano ao alcance de todos:

“Enquanto a máxima – Fora da caridade não há salvação – assenta num princípio universal e abre a todos os filhos de Deus acesso à suprema felicidade, o dogma – Fora da Igreja não há salvação – se estriba, não na fé fundamental em Deus e na imortalidade da alma, fé comum a todas as religiões, porém numa fé especial, em dogmas particulares; é exclusivo e absoluto. Longe de unir os filhos de Deus, separa-os; em vez de incitá-los ao amor de seus irmãos, alimenta e sanciona a irritação entre sectários dos diferentes cultos que reciprocamente se consideram malditos na eternidade, embora sejam parentes e amigos esses sectários. Desprezando a grande lei de igualdade perante o túmulo, ele os afasta uns dos outros, até no campo do repouso.” (Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo 15, item 8)

Nem a verdade, no sentido de ciência (vide os idiotas), nem a fé, no sentido de igreja (vide as várias facções rivais e imiscíveis pelo mundo) tinham o mesmo alcance. Por isso que não poderiam ser motivos de salut. Mas o amor pelo próximo, este tinha tudo para ser universal e imortal, já que as afeições não desapareciam com a morte, nem se perdiam na falência do intelecto ou nas trevas das emoções.

Os indivíduos que morriam, embora pudessem vagar de forma ignorante, por vezes persistindo com hábitos que tinham enquanto vivos, não perdiam sua identidade, que muitas vezes era reconhecida nas comunicações mediúnicas, nem seu amor pelos que ficaram, daí voltarem para falar com os seus e adverti-los no bom proceder. A parábola cristã do mau rico que gostaria de voltar para esclarecer os parentes sobre os verdadeiros valores do espírito, mas foi interditado, estava colocada em cheque, ou careceria de uma nova interpretação.

Embora tivesse prometido que os assuntos polêmicos que motivaram dogmas ficariam de fora desse livro, não pode se abster de falar sobre o princípio da reencarnação.

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Nem todos os espíritas entraram em consenso quanto a esse tema. Alguns Espíritos relatavam que poderiam voltar várias vezes à carne, renascendo em novo corpo. Outros negavam essa volta. Essa falta de consenso entre os interlocutores espirituais gerou dissensão entre espíritas. Contudo, pelo próprio fato de entender que nem todos os Espíritos tinham a última ciência, Kardec esclarece na introdução dessa obra os critérios que vinha utilizando para estabelecer os princípios espíritas.

O primeiro era o da universalidade do ensino dos Espíritos. Não bastava que partisse a informação de uma só reunião mediúnica, tinha de haver consenso entre várias de diferentes lugares, até mesmo de países diferentes. Segundo: deveria ser lógica. Terceiro: não deveria desabonar as descobertas mais elementares da ciência de então. A sensatez ponderaria o valor de cada um destes três elementos na equação final.

A reencarnação passou por estes três crivos, a não ser o último.

Embora não houvesse consenso entre os Espíritos, houve maioria. E os textos que seguiam esclarecendo a lógica da reencarnação explicavam vários casos humanos que passavam por aberração, privilégio ou desgraça. A ciência ainda não havia dado o seu parecer final sobre o assunto, embora experiências hipnóticas de regressão de memória apontassem para lembranças antes da vida uterina. Seriam fruto da imaginação? Vários pesquisadores alegavam que não, e defendiam seus motivos.

A questão principal que a reencarnação conciliava era a justiça divina e o mal cotidiano. O mal humano assim como o bem que excediam as condições naturais, isto é, a crueldade e a caridade, deviam-se ao livre-arbítrio que não é bem uma explicação, mas um atributo do homem . O problema, contudo, não é o homem ter livre-arbítrio, mas é a 14

crueldade humana ter um limite ou uma justiça que a contenha e, melhor ainda, a corrija. Uma justiça que não permita as atrocidades vencerem como simples páginas manchadas na história, sem recuperação, apenas lamentos. Em última instância, uma visão de mundo que concilie o cosmos belo, justo e bom com as imperfeições absolutas das relativas vidas humanas.

A reencarnação apresentou-se como a melhor resposta para estas inquietantes questões. A resposta para tudo àquilo que se mostrava no homem para além do que sua história pudesse justificar.

Luc Ferry chama a atenção para a liberdade (e a perfectibilidade) do homem como sendo o atributo 14

mais particular que o diferencia do resto da natureza, mais especialmente, os animais. Desenvolve essa argumentação baseado no livro “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens” de Rousseau. Ela permite que o homem seja um ser de excessos, isto é, que ultrapasse seus limites naturais, o que pode lhe levar a ser um santo, mas também um demônio. Na fala de Rousseau mais emblemática: “É assim que os homens dissolutos se entregam a excessos que lhes provocam febre e morte porque o espírito deprava os sentidos, e a vontade fala ainda quando a natureza cala...”

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A virtude desinteressada ou a aptidão que se apresenta no homem de bem como 15

que de forma natural se justifica pelos esforços que em outras vidas ele já empreendeu 16

para vir a ser assim. A crueldade gratuita encontra justificativa, embora por motivos injustificáveis, em relações desagradáveis de outras vidas que deixaram suas marcas alimentando mágoas e vinganças. As doenças de causa indeterminada, sejam as congênitas ou as que o indivíduo nada fez de arriscado para adquiri-las, era o reflexo da dor que provocou nos outros nesta ou em outra vida. Os motores históricos não deixam de existir, pelo contrário, se tornam ainda mais vivos, porque são movimentados pelos Espíritos que ciclicamente retornam à vida carnal . 17

Onde a justiça? O universo se mostra como uma colossal escola em que nada fica sem correção. A dor é o caminho reparador das almas que se afastam de Deus, isto é, do caminho certo. Toda ação terá uma reação, dizia Newton em suas leis da física. A cada um segundo as suas obras, dizia Kardec. Essa lei continua a mesma para a força que faz girar a roda das encarnações. E essa roda deve ter suas engrenagens bem polidas, não porque já foram criadas perfeitas, mas é como uma máquina das mais inteligentes que vai se aprimorando na medida em que vai trabalhando. O mau funcionamento incita o reparo, o bom, promove o progresso. Em termos mais teológicos, Deus permite o erro para haver o mérito da conquista do acerto. Mas, tudo tende a perfeição, e eis o ponto fraco da nossa liberdade: por mais entraves que coloquemos, a roda do progresso mantém suas revoluções.

André Comte-Sponville, em seu Petit Traité des grandes vertus, tem toda a razão em glorificar a frase mais epicurista de Spinoza: “Nenhuma divindade, ninguém, a não ser um invejoso, pode ter prazer com a minha impotência e a minha dor, ninguém toma por virtude nossas lágrimas, nossos soluços, nosso temor e outros sinais de impotência interior.” Todavia, esse não é o propósito de Deus ao permitir a dor: privar o homem do prazer por uma inveja qualquer. Revelam Espíritos sábios, e concorda Kardec, que a dor moral é gerada pelos nossos erros no mau uso do nosso livre-arbítrio. Não com o intuito de nos humilhar, mas de nos fazer enxergar o nosso verdadeiro destino que é “participar da natureza divina”, ainda segundo Spinoza, o que gerará imensa alegria, quanto maior for a perfeição que tivermos atingido. Allan Kardec desenvolve esse pensamento em Le Ciel et l’Enfer (1865), mostrando o que poderia vir a ser uma espécie de código penal da vida futura, e em La Genèse (1868), ao falar sobre O Bem e o Mal.

Kardec exultava com o poder que essa Doutrina dos Espíritos tinha de fazer retornar à igreja os descrentes (ou à espiritualidade os ateus). Como único inimigo tinha o Espiritismo o Materialismo. E ele está certo do ponto de vista de quem quer o bem da

O que Kant chama de Boa Vontade, entendendo que a Vontade em si não tem nada de bom ou ruim, 15

mas deve ser guiada pela Razão para o bem maior.

O Esforço do homem para a aquisição de alguma coisa, o Mérito, é uma temática muito cara aos 16

modernos. Isso mostra o quanto o Modernismo estava em harmonia com o Espiritismo. Mais na frente, em “O Humanismo é um Espiritismo”, farei este arremate.

Essa perspectiva dialoga com a ideia de Espírito Absoluto de Hegel, que vê um grande sentido mover a 17

história, que podemos considerar como uma perspectiva filosófica de Deus encarnando Sua vontade na história humana. A contradição dessa perspectiva é que se for Deus este Espírito Absoluto, como as atrocidades da humanidade relativa escampam desse direcionamento absoluto? Com esses motores históricos movimentados pelos Espíritos, temos a resolução dessa contradição, já que os Espíritos não são perfeitos por natureza, mas estão se aperfeiçoando segundo o livre-arbítrio e a perfectibilidade.

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humanidade e não exulta quando um cataclisma soterra duzentos mil seres . Vemos este 18

acerto com o senhor e com André-Comte Sponville que, espiritualistas pós-nietzscheanos, promovem reflexões das mais saudáveis em prol da virtude e da humanidade! “Os materialistas também têm espírito”, diz em sua perspetiva epicurista Sponville . Mas, para 19

Kardec, a idéia de Deus era a pedra de toque das doutrinas falsas. Fosse alguma delas contradizer a perfeição de Deus, acreditava estar ela destinada ao fracasso tal qual a parábola da figueira seca que Jesus fez acender em fogo porque não produzia fruto. Não porque Kardec fosse um fanático, a forma dele de se expressar em Qu’est-ce que le Spiritisme mostra bem o contrário, mas é que ele nunca perdeu seu respeito religioso por Deus, ainda mais em uma época em que a vontade de verdade acendia forte no peito de todos os iluminados pela revolução cultural promovida pelo pensamento científico. Ainda mais em um peito que descobria cada dia mais a grandeza de Deus nas relações entre a vida e a morte em uma perspectiva cósmica. Aquelas descobertas vinham tornando Deus, se não um ente que pode ser provado, pelo menos um que não tem porque não existir.

A igreja estranhava aquele Deus que não era uma pessoa a os vigiar. Estranhava aquele respeito por Cristo como modelo a ser seguido e não como supremo senhor a ser idolatrado. Os filósofos estranhavam aquele Deus que tratava os seres humanos como filhos amados e se importava com o crescimento de cada um em particular. Que era grande como o universo, mas que se importava infinita e amorosamente com cada partícula que havia criado. Que tinha tudo para ser impessoal e distante, mas que usava sua onipresença para estar ao lado de cada aflito, como se pudéssemos sentir o seu hálito, cada um de nós. Não, o Deus espírita não era o Deus que deu corda no universo e o abandonou a própria sorte. Era como o pêndulo que dava precisão a esse relógio:

“Do fato de ser inevitável, porque é da natureza o movimento progressivo da Humanidade, não se segue que Deus lhe seja indiferente e que, depois de ter estabelecido leis, se haja recolhido à inação, deixando que as coisas caminhem por si sós. Sem dúvida, suas leis são eternas e imutáveis, mas porque a sua própria vontade é eterna e constante e porque o seu pensamento anima sem interrupção todas as coisas. Esse pensamento, que em tudo penetra, é a força inteligente e permanente que mantém a harmonia em tudo. Cessasse ele um só instante de atuar e o Universo seria como um relógio sem pêndulo regulador.” (A Gênese, Cap. 18, item 3)

Referência ao episódio em que Nietzsche admira o “espetáculo” da natureza que arrasou a Ilha de 18

Java, aniquilando duzentos mil pessoas, citada por Ferry em “Aprender a Viver”.

A perspectiva epicurista de Sponville, grande amigo de Luc Ferry, é a que todos os homens têm espírito, 19

embora este morra junto com o corpo. É apenas uma questão de constatação ver que há no homem mais do que o que as células podem justificar. Só não há como provar que esse algo mais seja imortal. Para Ferry, há todo um conhecimento relacionado à finalidade última da vida que se inscreve no campo da espiritualidade. Esse campo não deve ser propriedade exclusiva da religião, já que interessa a todos, crentes e descrentes. Daí seu esforço filosófico dos últimos anos para a construção de uma spiritualité laïque. O que Kardec abominava e contra o qual declarava guerra seria o que hoje vemos nos movimentos de biologização da vida, contra os quais Ferry vai debater em um livro recente chamado “O que é o homem?”. Vemos, portanto, que entre estes filósofos da espiritualidade laica e o Espiritismo falta só um passo: a prova científica da imortalidade da alma. Contudo, vemos com bons olhos que, mesmo sem essa prova, a alma humana encontra caminhos para chegar a Deus. Isto é, que mesmo na ausência de Deus, o Supremo se revela.

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É que o Deus espírita, aparentemente paradoxal, representava a síntese dialética do Deus-Cosmos grego com o Deus-Pai cristão. O elo que permitia divisar essa conciliação em nosso pensamento era a reencarnação, que fazia com que o tempo do espírito pudesse ser ao mesmo tempo instante e eternidade.

Pertenço a esse mundo enquanto encarnado nele e o fato de a ele poder tornar e retornar me faz ainda mais pertencente a ele. Mas não pertenço por completo, já que a morada de meu pai é o universo inteiro e em qualquer ponto desse infinito posso vir a habitar, segundo necessidades providencialmente determinadas, ou melhor, pedagogicamente planejadas. É a transcendance dans l’imanence . Para o Espiritismo, 20

espírito e matéria são duas dimensões da realidade que, embora distintas, se entrelaçam feito duas cobras espiraladas ao redor do cajado da existência.

A idéia de Deus é abordada com mais profundidade no livro La Genèse (1868), bem como vários assuntos que dizem respeito às religiões e a condição humana. Aliás, ao final deste livro, no capítulo dezoito, intitulado Les temps sont arrives, Kardec fez uma projeção que coincide muito com a análise que o senhor faz hoje da civilização individualista que gerou La révolution de l’amour . Disse ele que não seria das grandes cúpulas que partiriam as grandes transformações da humanidade, mas do meio dos indivíduos, isto é, da história da intimidade. Além de outros detalhes que valem a pena ser conferidos para validar minha comparação.

Para os filósofos do martelo, a reencarnação parece com mais um desses ídolos de barro que tiram o valor da vida presente para colocá-la no nada. Como realmente saber se haverá outra encarnação? E em vez de apostarmos nossas fichas no que está à mostra, esperamos algo além. Esperança, essa negligência da vida!

Por isso que, sem as evidências científicas, o Espiritismo valeria bem menos do que vale. Apenas mais um esforço de pensamento bonito, ainda que sincero, ainda que honesto, apenas um pensamento, um monumento a ser admirado. Mas não é assim. O Espiritismo, entrando em acordo com muitas filosofias que o antecederam, se utiliza delas para explicar o fenômeno que se apresenta verificável a qualquer momento. Obviamente, que se deve respeitar as condições necessárias para ocorrer, como todo bom cientista respeita as condições de seus estudos para não só os reproduzir, mas os validar. Isso era o que Kardec repetia diversas vezes aos caçadores de fraudes. Primeiro, que uma fraude não prova a inexistência do fenômeno, mas apenas a farsa daquela experiência particular. Segundo, que para se reproduzir o fenômeno são necessárias as condições adequadas, que ele detalha em Le Livre des Médiums.

Isso para a mediunidade. Digamos que ela passe na prova do martelo e ganhe salvo-conduto para ser considerada parte da realidade. Como já falei, já seria toda uma revolução na Théorie. Contudo, a reencarnação careceria dessa prova, e poderia perfeitamente

“Transcendance dans l’imanence” é uma concepção da existência trabalhada na filosofia de Edmund Husserl 20

que Ferry evoca para poder conceber a nova forma de trabalhar a transcendência na filosofia sem desconsiderar a desconstrução radical que Nietzsche fez das formas de transcendência da cosmologia grega, do cristianismo e do modernismo cartesiano. Tiro esse dualismo, que eu teci poeticamente nesse parágrafo, do pensamento de Herculano Pires, que é o primeiro filósofo espírita a mostrar que o Espiritismo já possuía essa noção em seu bojo, não tendo nada a invejar dessas perspectivas pós-modernas.

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constar entre as divagações dignas de généalogie , por mais consistente que fosse a 21

argumentação. Ela estaria servindo exatamente a causa necessária, e portanto duvidosa, dos cristãos conseguirem sustentar a idéia do Deus todo bom e todo justo diante de Auschwitz.

Se a hipnose com regressão a memórias de vidas passadas não foi suficiente, na evolução da ciência, outras provas vieram endossar a reencarnação na teoria da nossa existência. Um dos estudos mais conhecidos no meio espírita atual veio de um senhor não-espírita chamado Ian Stevenson que analisou mais de duas mil crianças em países diversos que tinham a anomalia de sustentar a lembrança de uma outra vida que não a sua presente. Colocados a prova, vários casos se mostraram autênticos. Esse estudo clássico, que durou cerca de 30 anos, foi publicado em dois grossos volumes intitulados Reincarnation and Biology (1997), sendo mais conhecido o livro Twenty Cases Sugestive of Reincarnation (1966), de leitura mais acessível.

Por que tudo isso não está nos holofotes do mundo? Não sei. Acredito que o mundo esteja imerso em um tipo de hipnose pela matéria, tal qual a que o senhor presenciou nas palestras de Lacan ou dos jovens intelectuais franceses adoradores de Mao, que o impede de ver as evidências que transbordam por todos os lados acerca da vida espiritual. Até mesmo a igreja católica, que deveria se beneficiar com estes estudos, silencia sobre eles ou os desacredita, quando não os combate ferozmente dizendo ser manifestação do Demônio (este Não-Ser). Eu entendo parcialmente porque ela faz isso: a vida de muitos depende da ressurreição de Cristo. Não vejo porque a ressurreição de todos, independente de acreditar ou não em Cristo ressurrecto, seja algo mortal.

A questão é que se for verdade o que vem se apresentando de forma séria desde 1857, isto é, se for verdadeira a vida espírita, a filosofia tem um prato cheio para mudar completamente os paradigmas.

Pormenores que tentam refutar, quando não ridicularizar, a reencarnação, como a crescente quantidade de habitantes na Terra (se os habitantes são "reciclados", por que aumentam exponencialmente?) ou o retorno ultrajante da alma do homem aos corpos de bichos são questões bem discutidas em Le Livre des Esprits. Não preciso me delongar.

Mas vale aqui partir para o final que já andei pincelando há alguns parágrafos atrás: onde e como a salut?

Généalogie é como se chamava a atividade filosófica exercida por Nietzsche que objetivava revelar as 21

inteções escondidas por trás das ideias que mostram verdades que são superiores à vida aqui e agora. Para este filósofo, nada é superior a vida aqui e agora. Ele foi chamado filósofo do martelo, por ser essa atividade filosófica uma atitude eminenetemente iconoclasta, isto é, com o seu pensamento-martelo ele prosseguia destruindo tudo o que fosse ideal, tudo o que fosse ídolo. É o que também foi chamado de descontrução da metafísica. O princípio da reencarnação teria sofrido com isso se não fossem as provas das memórias de vidas passadas. Não é à toa que Léon Denis insitia tanto em evidenciar essas provas enquanto falava sobre a reencarnação. Não é à toa que, para o mundo pós- moderno, devemos tanto insistir, e não desistir, em denfeder o lado científico do Espiritismo se quisermos triunfar sobre o Materialismo. Devemos encurralá-lo por todos os lados, da emoção e da inteligência, até que, nos dizeres de Hercualno Pires, ele morra por inanição, já que não haverá mais matéria (em todos os sentidos) para sustentá-lo.

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CAPÍTULO 5

NO MUNDO DA SALUT : NEM IGREJA, NEM 22

CIÊNCIA, NEM IMORTALIDADE, O AMOR COMO INGRESSO PARA A ETERNIDADE

O senhor nos lembra que quando Ulisses retorna de sua jornada, chegando em Ithaque, tendo vencido a tentação maior de Calypso, como prêmio, Zeus suspende o instante no momento do encontro íntimo dele com Penélope. E eles vivem um estado de graça. Eis um sentimento pelo qual poderíamos lutar até a morte!

O coroamento da doutrina cristã não se dá com a coroa de espinhos de Jesus no Calvário, mas com sua ressurreição. Eis a pedra angular sem a qual todo o esforço apostólico teria sido vão!

Contudo, se segundo o Espiritismo ninguém morre de fato, a angústia diante da morte das pessoas amadas ou diante da própria morte é uma ilusão da ignorância. E vencer o medo da morte seria apenas uma questão de tempo.

De fato, para o Espiritismo a salut não mais reside em se ver livre do medo da morte. Isso é só a primeira etapa. A meta é mais conforme a salut estóica do reconhecimento da própria imortalidade (já que o cosmos é "imortal"). Mais do que isso, já que mantemos nossa individualidade (uma possibilidade apenas do espírito e não da matéria, que as leis da

Salut é salvação. Ferry entende salvação como sendo o objetivo maior da filosofia. Ela foi sempre 22

abordada no campo da espiritualidade, e nunca foi de uso exclusivo da religião, a não ser depois de a igreja medieval ter tornado a filosofia uma mera ajudante da teologia (pensar melhor para entender Deus). Todos os grandes filósofos da antiguidade clássica abordaram a questão de “o que fazer para ter uma vida boa?”. Esse “o que fazer para”, essa questão da finalidade, esse assunto que muitas vezes coincide com saber como lidar com a angústia que as perdas da vida nos imputam, esse é um assunto das doutrinas de salvação. Os estóicos tinham a sua forma de ver, os epicuristas tinham outra forma, os cristãos mais outra, e o espiritismo tem a sua. Numa perspectiva laica, Ferry vai tentar encontrar uma salvação que prescinda da imortalidade, já que ela não é uma realidade palpável, e a realidade deve ser abraçada acima de tudo.

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termodinâmica já mostraram sua tendência à desorganização ), devemos entender para 23

que essa imortalidade deva servir para o ego.

A pior angústia que pode se instalar no coração do homem, nesta perspectiva, é se ver como Aquiles no Tártaro: apenas uma sombra no mundo dos mortos sem nenhum vestígio do brilho que o animou em vida. Não porque ele está separado de seus amores, mas porque colocou o seu amor no que era perecível.

O propósito da vida é amar o próximo, isto é, expandir o ego, vencer o egoísmo. Esse amor é o daímon, de que Diotima fala a Sócrates, que motiva os seres, dá sentido as rotas dos planetas, coerência aos verbos, coesão à matéria, descoberta aos que andam perdidos. Ajudar uns aos outros por amor nos faz encontrar nosso lugar no seio da humanidade e nosso papel como pequena engrenagem do cosmos. O que os Espíritos felizes fazem na eternidade? Comem e bebem em monótona alegria? Não! Amam-se uns aos outros, aos iguais e aos diferentes que ainda não se encontraram nessa imensa fraternidade. Tal qual Epicuro que vivia feliz entre seus amigos, e Platão em meio a sua academia, e Jesus entre seus apóstolos. Mas, como a fraternidade é de todos os Espíritos, o amor deve se espalhar, e mesmo, principalmente, para os enfermos, para os sofredores de toda ordem. E esse é o mais sublime dos amores: amar os repulsivos, os que não comungam das mesmas idéias e que colocam em risco nossa felicidade.

Jesus, dizem os Espíritos sábios, foi o maior exemplo de todos. Abandonando sua esfera de prazeres nos mais altos círculos espirituais, "ao lado de Deus", mergulha dentro da imperfeição material, enfrentando a condição humana, não se abstendo de experimentar a nossa angústia e as nossas paixões, o escárnio e a ingratidão, não cessa um só minuto de amar o próximo, educando as sombras aflitas e perdidas nesse tártaro de guerra, desigualdade e aflição. Replicando em escala maior o que Henri Dunant fez ao passar por cima de Solferino . 24

Ou mesmo Sócrates, cujo prazer era fazer nascer nos homens os conceitos que os aproximassem da verdade maior.

A salut, portanto, não está condicionada à aceitação dos dogmas de uma igreja particular, nem à descoberta de verdades que nunca acabarão de surgir e submergir na areia do tempo, nem muito menos à conquista da imortalidade que já é nosso inalienável bem, mas ao direcionamento do nosso espírito rumo ao norte do amor.

Imortalidade e Individualidade, cabe aqui falar da diferença entre elas. A matéria, segundo as leis da 23

termodinâmica, tenderá a um estado de equilíbrio térmico, o que vale dizer, que toda a energia organizada deverá estar convertida em calor (energia desorganizada) ao “final dos tempos”. Não é que a matéria deixa de existir, mas ela deixa de ter forma. Ela é imortal, mas não apresenta individualidade. É o universo sem singularidades. Mas, segundo o Espiritismo, o Espírito não só é imortal como mantém para sempre sua individualidade, sua condição de ser delimitada no espaço. É essa individualidade que é louvada por Ferry na doutrina da salvação cristã. É o que simboliza a ressurreição em carne. Esta delimita o Espírito, isto é, ratifica sua individualidade.

Luc Ferry considera essa atitude de Henri Dunant, fundador da Cruz Vermelha, que desceu ao campo 24

de batalha de Solferino para ajudar os homens abstraindo de que lado eles estavam guerreando, a atitude fundadora do humanismo moderno.

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Eis porque Kardec diz em L’Evangile Selon Le Spiritisme, na mensagem Les infortunes cahées: “C'est ainsi que cette mère vraiment chrétienne forme sa fille à la pratique des vertus enseignées par le Christ. Est-elle spirite? Qu'importe!”

No momento que não só entendermos, mas vivermos o amor ao próximo com todas as nossas forças, perceberemos que nunca estaremos sós, nunca estivemos, o universo todo é nossa Ithaque, todos os seres são nossa família, e é por eles que devemos construir um mundo melhor. O excesso de uns alimentará a falta de outros. E todos nós seremos um.

Para esse fim, uma só vida é pouco. Deveremos ter muitas e ser vários, conquanto sejamos sempre o mesmo. Animar diferentes posições sociais, ser criados em culturas diferentes, animar diferentes corpos, uns saudáveis, outros doentes. Colocar-se no lugar para onde vai nossa filosofia, ou em outro lugar onde ela nunca iria, como Simone Weil a se vestir de operária para entender até onde poderia ir o marxismo. A reencarnação é a prática suprema do pensée élargie (pensamento alargado) . 25

Essa integração visceral com a humanidade inteira acredito ser o sentimento de pertença à natureza divina de que Spinoza falava, ou ainda, a dádiva dada por Zeus a Ulisses. No entanto, ao atingirmos esse estado, não será uma questão de minutos de graça, mas a eternidade inteira de serenidade, ou melhor, não estaremos mais serenos, seremos plenos.

É isso o que os Espíritos falaram ao final de Le Livre des Esprits, e desenvolvido por Kardec em Le Ciel et l’Enfer. Antes mesmo de Drewermann, a noção de céu e inferno havia sido relativizada pelo Espiritismo, tornando-os não mais lugares de prêmio ou degredo, mas um estado de consciência.

O que encontraremos do outro lado? Que importa! Se já podemos fazer da nossa vizinhança o céu que merecemos segundo nossas boas obras e nosso bom entendimento.

Pelas próprias palavras de Ferry: “Onde o espírito limitado permanece envisgado em sua comunidade 25

de origem a ponto de julgar que ela é a única possível ou, pelo menos, a única boa e legítima, o espírito alargado consegue, assumindo tanto quanto possível o ponto de vista de outrem, contemplar o mundo como espectador interessado e benevolente. Aceitando descentrar sua perspectiva inicial e arrancar-se ao círculo do egocentrismo, ele pode penetrar nos costumes e nos valores diferentes dos seus; em seguida, ao se voltar para si mesmo, tomar consciência de si de modo distanciado, menos dogmático, e com isso enriquecer suas próprias ideias.”

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CAPÍTULO 6

O HUMANISMO É UM ESPIRITISMO 26

Qu’est-ce que l’homme, alors?

Somos seres infinitos, mas não eternos. Desconhecemos o princípio de todas as coisas. Talvez nunca resolveremos esse enigma, mas chegaremos ao final. Não o nosso final, mas o final da escalada humana. Lá não há perturbação, mas paz, plenitude. É até onde o Espírito pode almejar. Por ser infinitamente superior ao que temos hoje por certo, muitos de nossos julgamentos, no alto daquele point de vue, podem estar errados. Hoje, o que consideramos por crime, pode ser escusável. O que desconsideramos, pode ser o pior dos males. Assim, o ser ainda tem tudo pela frente a percorrer e a vir a ser. Contudo, há uma meta, que dia-a-dia se torna mais clara. E aqueles que lá chegaram voltam como mensageiros, como mártires, como seres incompreendidos para nós que ainda trilhamos o início da caminhada. Porque a paz deles não é uma paz morta, mas cheia de vida e trabalho pela frente de, agora em diante, ajudar aqueles que ainda se encontram na ignorância. Como Sócrates a abordar os transeuntes nas praças e chamá-los a buscar sabedoria.

Muitas humanidades cavalgam no tempo e enchem livros e mais livros de história pelo universo a fora. Todos, por mais distintos que pareçamos, temos o mesmo fim, que, em uma só palavra, é Deus. Não para nos igualarmos a Ele. Isso é impossível, e eis a impossibilidade de concebê-Lo. Nunca participaremos, a rigor, de Sua natureza, mas nos tornaremos o reflexo de Sua vontade. E, como que médiuns de Sua sabedoria, dividiremos o olhar do universo.

Brinco aqui com o título de uma conferência de Sartre cuja leitura é aconselhada por Luc Ferry para os 26

iniciantes de filosofia. Nessa conferência, em resumo, Sartre diz que o homem não tem definição própria (é o nada). E por não ter essa definição, é que ele tem toda a liberdade (mesmo contrariando a natureza) para ser o que quiser (é o devir). Essa concepção encontra ascendente em Rousseau, principalmente. Eu concordo em parte com essa perspectiva: já que temos o infinito pela frente, as noções do que podemos ser são realmente obtusas, e a nossa liberdade fica zonza diante das múltiplas possibilidades que nos acenam. Contudo, no Espiritismo, não é necessariamente tudo que podemos ser, aliás, o próprio Sartre irá guiar essa liberdade suprema para uma ação em prol da humanidade, aderindo ao marxismo. Ele retoma, então, a temática da Boa Vontade de Kant.

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Quando chegarmos nesse ponto, será a plenitude do conhecimento de nós mesmos e o universo será nosso. Teremos o domínio de nossas paixões. Seremos deuses. Senhores do cosmos, co-criaremos em plano maior, manipulando as luzes do espaço. Mas, quando a tarefa estiver com esse peso, não mais estaremos sujeitos ao erro. A dialética terminará. Todos os opostos se reconciliarão em nosso peito. A angústia não mais existirá.

O amor será um único som na boca de todos os Espíritos que chegarem a esse círculo celeste. Iremos nos unir a tantos outros que já habitam por lá e que entoam cânticos lendo as linhas do concerto majestoso da mecânica dos astros e dos atos de todos os seres. Com seus altos e baixos. Vivendo, morrendo e, mudando de tom, renascendo. Conquistar uma alma para somar a esse coro. Sim, ainda que se tenha conquistado apenas uma alma... que divida esse bonheur com todos! 27

Até lá, temos muitos mundos a percorrer, muitos milênios de história a atravessar, e seremos sujeitos dessa história, aprendendo a dominar os elementos naturais que um dia herdaremos com propriedade.

O senhor tem absoluta razão quando diz que “é na própria ideia dessa infinitude que o ser humano, doravante definido por sua perfectibilidade, reordena a questão do sentido” . Os Espíritos sábios já nos haviam dito isso há um século e meio, mas não numa 28

perspectiva de secularização, mas de cosmificação . 29

Delírio? Essa é a parte do Espiritismo em que as almas humildes, abraçadas, apenas prosternam em doce adoração diante da grandeza do plano escrito nas estrelas , que 30

acreditamos apenas por Intuição.

- Como intuir o que não se apresenta aos nossos sentidos? Isso é apenas Idéia, e como toda Idéia, no sentido kantiano, é uma ilusão . 31

Mas a mediunidade nos mostrou que os nossos sentidos captam mais do que aquilo que se apresenta aos olhos. Ou melhor, que temos mais sentidos do que os que Kant trabalhou na sua arquitetônica.

A Intuição, portanto, para o Espiritismo, não só capta o particular existente, mas vislumbra o geral que nos escapa a aisthesis (estética) oficial. Talvez não estejamos mais no campo apenas da Intuição, mas no da Arte. E, por conhecimento de causa, eu sei que

Referência à Ode à Alegria de Friedrich von Schiller. Vale à pena reler essa poesia!27

Em a Nova Ordem Ecológica28

No romance Violetas na Janela tive a grata surpresa de encontrar esta palavra: cosmificação. Vejam só 29

onde ela aparece: “Sabe, Patrícia, enquanto não há a cosmificação (É a autorealização do indivíduo em Deus ou no Cosmo) do espírito, a personalidade necessita preencher o seu vazio com atividades. Os bons construindo, aliviando, crescendo e evoluindo, os avessos à unidade, destruindo, se envolvendo em prazeres e sensações negativas, esbanjando o que pertence à natureza.” (Cap. 7)

Volto à Ode à Alegria.30

A discussão desses termos (Idéia, Intuição e Conceito) acontece na emblemática e enigmática obra 31

Crítica da Razão Pura.

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quando um artista capta a sua obra, nem em seus sentidos ela existia ainda. De onde ela veio? Como penetrou no artista? Talvez estejamos no campo da Mediunidade.

E mesmo não tendo material para responder satisfatoriamente a essas perguntas, sei ainda que a obra de arte, quando bem decodificada, tem o dom de espalhar certo sentido de verdade nos sentidos de outros tantos espectadores, que, mesmo sem entender porque, compartilham o belo.

Pode ser que ainda não tenha conseguido fugir da armadilha do delírio, mas não podemos ignorar, em sã consciência, que se o protestantismo encaixou no capitalismo, o humanismo moderno se encaixava perfeitamente no Espiritismo.

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CAPÍTULO 7

A SANTA INGENUIDADE DE ALLAN KARDEC

Em 1862, Allan Kardec empreende uma viagem pela França para visitar as muitas sociedades espíritas que se proliferavam em seu país. Havia várias pelo mundo todo. A prova eram os remetentes das milhares de cartas que recebia, bem como as visitas, como ele nos narrou em vários artigos da Reveu Spirite.

Decidiu visitar o seu país, e ficou encantado com as maravilhas que o Espiritismo havia operado, fazendo operários sentarem à mesma mesa com os patrões, dividindo o banquete, como que retomando o ágape dos cristãos antigos. 32

Proferia discursos da natureza das epístolas de São Paulo às igrejas nascentes, orientando como poderiam se portar frente a determinadas situações. Uma delas se referia à diferença de culto religioso. Pedia ele que as reuniões espíritas não tivessem demonstrações de nenhum culto exterior particular , já que no meio se encontrava 33

espíritas-católicos, espíritas-protestantes, espíritas-judeus (sic!). E se um culto qualquer fosse colocado em prática, nada impediria que outro o pudesse ser também. Em pouco tempo talvez ninguém mais se entenderia. Coisa bem diversa deveria acontecer no lar, onde cada um tinha o direito de prosseguir com seus rituais.

Kardec, em 1862, imaginava que o Espiritismo tinha o poder de unir as religiões em um campo neutro. Que em pouco tempo as religiões poderiam falar a mesma língua, saindo de seus labirintos suntuosos, guiadas pelo fio da razão que o Espiritismo ia desenlinhando.

Segundo Houaiss: “Festa dos primitivos cristãos que consistia de uma refeição comum com a qual era 32

celebrado o rito eucarístico. Além de propiciar a mistura de pobres e ricos, seu ritual incentivava o beijo da paz.”

Interessante paralelismo: Luc Ferry, em seu mandato no ministério da educação na França, proibiu 33

manifestações religiosas exteriores dentro das escolas, por motivos semelhantes aos de Kardec. O fato de ter sido uma proibição e não uma orientação se deve a pressões governamentais que ele explica em sua autobiografia intelectual.

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De fato, a substância do estudo espírita é a essência de todas as religiões. Mas, em pouco tempo, Kardec iria descobrir que a exterioridade do rito era mais forte que o espírito dos dogmas. Os dogmas: eis o Minotauro das religiões! E que a denominação espírita-católico ou outra qualquer, colocava o profitente em situação de risco para com sua igreja. O Espiritismo teve de se ver independente e assumir o seu lugar como doutrina singular entre tantas outras que não poderiam se misturar sob a pena de perderem a identidade. No entanto, uma doutrina singular não fechada, que assume sua posição de progressista, como vamos ver em La Genèse:

“O Espiritismo, pois, não estabelece como princípio absoluto senão o que se acha evidentemente demonstrado, ou o que ressalta logicamente da observação. Entendendo com todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio das suas próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de qualquer ordem que sejam, desde que hajam assumido o estado de verdades práticas e abandonado o domínio da utopia, sem o que ele se suicidaria. Deixando de ser o que é, mentiria à sua origem e ao seu fim providencial. Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará.”. (A Gênese, Cap. 1, item 55)

Por trabalhar com a essência das religiões, é uma religião? Em 1868, Kardec dirá a palavra final sobre este assunto:

“O laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é, pois, essencialmente moral, que liga os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não somente o fato de compromissos materiais, que se rompem à vontade, ou da realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao espírito. O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, como consequência da comunhão de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas. É nesse sentido que também se diz: a religião da amizade, a religião da família. Se é assim, perguntarão, então o Espiritismo é uma religião? Ora, sim, sem dúvida, senhores! No sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nós nos vangloriamos por isto, porque é a Doutrina que funda os vínculos da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre bases mais sólidas: as próprias leis da Natureza. Por que, então, temos declarado que o Espiritismo não é uma religião? Em razão de não haver senão uma palavra para exprimir duas ideias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; porque desperta exclusivamente uma ideia de forma, que o Espiritismo não tem. Se o Espiritismo se dissesse uma religião, o público não veria aí mais que uma nova edição, uma variante, se se quiser, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; não o separaria das ideias de misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes a opinião se levantou. Não tendo o Espiritismo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual da palavra, não podia nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor inevitavelmente se teria equivocado. Eis por que simplesmente se diz: doutrina filosófica e moral”. (Revista Espírita, Dezembro de 1858)

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O Espiritismo é uma igreja no sentido de assembléia de amigos, de irmãos. Não é uma igreja fechada com ritos, liturgias, sacerdotes.

Em 1858, em Qu’est-ce que le Spiritisme, Kardec já denunciava os maus tratos a que os espíritas eram submetidos por se dizerem espíritas:

Em certas localidades não têm sido assinalados à animadversão de seus concidadãos, a ponto de fazer que sejam nas ruas perseguidos e injuriados? Não se tem imposto a todos os fiéis que os evitem como pestíferos, e impedido que os criados entrem a seu serviço? Muitas mulheres não têm sido aconselhadas a separarem-se de seus maridos, como muitos maridos de suas mulheres, tudo por causa do Espiritismo? Não se têm tirado lugares a empregados, retirado o pão do trabalho a operários e recusado caridade aos necessitados, por serem eles espíritas? (Cap. 1, Terceiro Diálogo)

Em 2012, há ainda quem amargue a boca quando eu me revelo espírita.

Espiritismo! Essa visão de mundo acalenta meu coração e me enche de otimismo quanto ao nosso futuro. Fiquei muito triste ao ler sua autobiografia e ter encontrado a palavra Espiritismo jogada uma única vez em meio aos seus pensamentos como sinônimo de superstição, como se fosse ultrajante comparar o que o senhor chama de espiritualidade laica e a doutrina que lhe expus em rápidas palavras aqui.

Entendo caso o senhor venha a considerar tudo o que falei mais um delírio ao lado da crença em Deus. O que não entendo é por que tantos outros delírios foram respeitados pelos círculos dos filósofos, como a noção do Espírito Absoluto de Hegel, ou a Mônada de Leibniz, e o Mond des Esprits de Kardec nem ao menos mereceu refutação a altura?

Desconheço o movimento ideológico que expulsou as idéias de Kardec da França. Em nenhum momento o seu Pensamento de 57 foi confrontado, apenas calaram-no, 34

amordaçaram-no e o enterraram vivo como se dissessem: sobrevive, agora, do silêncio mortal, ó, tu que espalhaste a imortalidade entre os homens!

Enterrado assim na França, veio florescer no Brasil, um país cheio de negros e índios no sangue de sua história, que não perderam o hábito de cultivar a mediunidade e falar com seus Espíritos. O Brasil é um país mediúnico. As camadas populares e a classe média que dela se originou, isto é, a maioria dos brasileiros, têm muitas histórias de Espíritos para contar. Superstição? Talvez elas, na verdade, não tenham se ofuscado com as tentações da matéria imortal de Calypso e perpetuem a crença de que há algo mais do que essa ilha em que nós estamos. Terreno fértil para o Espiritismo!

Se não temos filósofos com capacidade suficiente para penetrar na profundidade do pensamento de Kardec, temos corações suficientemente generosos para entender as mensagens de amor que enchem o Espiritismo de consolação.

Pensamento 68 foi uma polêmica obra lançada por Ferry e Alain Renault na década de 80 que analisava 34

de forma muito ácida as contradições dos rebeldes de Maio de 68. Entre eles havia grandes filósofos mundialmente respeitados como Foucault e Deleuze. Foi uma obra que levantou o ódio de toda uma geração de filósofos que seguiam um pensamento questionador que, contudo, não gostou de ser questionado.

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Allan Kardec é um dos franceses mais admirados de uma boa parte da população brasileira sem sequer a França suspeitar disso. Ou até mesmo suspeite e sorria dessa nossa ingenuidade.

Espero não ter tomado muito o seu tempo. Continuo acompanhando o seu pensamento com uma alegria enorme. E aguardo ansioso por uma resposta do senhor.

Com estimas sinceras,

Allan Denizard