Carta pelas aguas
Click here to load reader
-
Upload
marcos-maia -
Category
Documents
-
view
124 -
download
0
Transcript of Carta pelas aguas
CARTA PELAS ÁGUAS
Manifesto coletivo das religiões de matriz afro-‐brasileira pelas águas
Rio de Janeiro
O processo de desenvolvimento da sociedade moderna, que caminha sem o necessário respeito à diversidade cultural e de vida, proporciona um perigoso desequilíbrio nas relações humanas com a natureza, algo que se torna letal quando estamos falando das águas. Convictas da importância das águas para a manutenção da vida no planeta, as religiões de matriz afro-‐brasileira trazem um olhar diferenciado em sua concepção e formas de se relacionar com esse elemento sagrado da natureza.
Nascemos das águas e só vivemos com sua presença. Ela é o sangue que circula na Terra, em nossos corpos e em todos os seres vivos. Tudo está interligado por meio da água e só há vida onde há água, onde há sua vibração e isso, por si só, já é motivo para ser considerada sagrada. A água que existe em nós está em sintonia com a água que circula pelo planeta. Somos gerados e desenvolvidos na água, no útero de nossas mães. Mais de 70% de nosso corpo e do planeta são formados pela água.
Presente em todos os ritos de matriz afro-‐brasileira, a água é criação e representa limpeza, pureza, nutrição, cura, transparência e força, que se manifesta em suas quedas e correntezas.
A água, dentro das instituições religiosas, não é um elemento isolado e sim integrado à terra, aos animais e aos vegetais, a todos os elementos da vida e aos rituais sagrados. Dentre as divindades cultuadas pelas religiões afro-‐brasileiras, podemos contar diversos orixás relacionados à água em suas mais variadas formas: Oxalá, Nanã, Oxum, Iansã, Iemanjá, Logun Edé, Oloxá, Obá, Oxumaré e Ewá.
A conservação das águas, portanto, enquanto elemento sagrado e essencial à vida é também de responsabilidade das religiões de matriz afro-‐brasileira. O momento é de alcançarmos maior consciência da água, de unir esforços, unir forças e gerar mobilização em sua defesa.
Está aí o papel educativo que as religiões devem ter dentro e fora de seus espaços de convivência, assumindo suas responsabilidades na criação de uma cultura de respeito e proteção às águas e florestas, cobrando do poder público o cumprimento das Leis que regulam seus usos e a adoção de medidas que garantam o acesso às águas limpas e preservadas.
Nesse sentido, como contribuição a uma gestão democrática, participativa e compartilhada das águas, relacionamos algumas propostas e medidas que nós, signatários da Carta pelas Águas no estado do Rio de Janeiro, consideramos como prioritárias, a serem assumidas por religiosos e governo.
Nós, povos e comunidades de terreiro do estado do Rio de Janeiro, reivindicamos do poder público:
I. A garantia da representatividade das religiões nas estruturas de gestão ambiental e das águas e das florestas, tais como comitês de bacias hidrográficas e conselhos gestores de unidades de conservação da natureza.
II. A concessão de outorgas que respeitem os usos múltiplos das águas, e seu entendimento como bem comum e elemento sagrado, e o rigor na fiscalização das autorizações de uso.
III. O reconhecimento de fontes, cachoeiras e nascentes sagradas como patrimônio público e histórico-‐cultural de importância para as religiões de matrizes da natureza.
IV. A revitalização de nascentes, rios e fontes, despoluindo-‐os e plantando espécies sagradas em suas margens que sejam nativas dos ecossistemas locais.
V. A garantia de acessibilidade dos religiosos às águas sagradas, o que envolve medidas de conservação, monitoramento, segurança e limpeza de áreas públicas utilizadas regularmente para práticas culturais religiosas.
VI. A proteção e conservação das áreas públicas de entorno dos rios e nascentes (áreas de preservação permanente — APP), impedindo a apropriação privada destes.
VII. A promoção de projetos de captação e utilização de águas de chuva nas comunidades de terreiro, acompanhados de ações que ensinem técnicas para a gestão correta dos equipamentos e no aproveitamento das águas.
VIII. A descentralização de recursos para que cada comunidade de terreiro possa revitalizar seus espaços, fontes, rios e matas.
IX. A realização de projetos de educação ambiental elaborados com os religiosos que promovam culturas e saberes tradicionais e práticas sustentáveis.
X. A divulgação das leis federais e estaduais que envolvem o combate à intolerância religiosa, a gestão das águas e a conservação da biodiversidade.
XI. A realização de eventos públicos em que se discuta o sagrado e a natureza e se promova o diálogo entre saberes científicos e tradicionais.
Nós, povos e comunidades de terreiro do estado do Rio de Janeiro, nos comprometemos a:
I. Trabalhar a importância da água, sua sacralidade e sua conservação no cotidiano das religiões e no momento de seus rituais.
II. Orientar as comunidades de matriz afro-‐brasileira no replantio, em seus territórios, de espécies sagradas originárias dos ecossistemas locais e na adoção de medidas que protejam rios e fontes.
III. Trabalhar com jovens e crianças a relação da água com a ancestralidade, fortalecendo a identidade cultural, a tradição e a autoestima.
IV. Promover práticas sustentáveis, o uso de materiais não prejudiciais à conservação da natureza e a reutilização de materiais.
V. Mobilizar as comunidades para participarem da construção de políticas públicas que conservem a natureza e promovam os direitos dos povos tradicionais e das religiões de matriz afro-‐brasileira, assim como para a ocupação dos espaços públicos de participação na tomada de decisão (comitês de bacia hidrográfica, conselhos gestores de unidades de conservação, conselhos municipais de meio ambiente etc.).
VI. Realizar eventos internos em que se discuta e se compreenda a importância das religiões para a proteção da biodiversidade e das águas.