CARTAS A NORA querida, 'minha linda flor agreste das sebes! Minha flor azul-marinho, encharcada de...

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Massao Ohno l-.ililor K. Consolarão, 3(>7<> - CUMH41ÍI - São Paulo, SI» I.apelas: Munira Mülran Capa: diacho de .Ilicl.eirner Impressono Brasil /'riiilcilin lirtcil CARTAS A NORA James Joyce Tradução: Mary Pedrosa Massao Ohno Editor f u

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Massao Ohno l-.ililor

K. Consolarão, 3(>7<> - CUMH41ÍI

- São Paulo, SI»

I.apelas: Munira MülranCapa: diacho de .Ilic l.eirner

Impressono Brasil

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CARTAS A

NORA

James Joyce

Tradução:Mary Pedrosa

Massao Ohno Editor

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Dublin / Pola — Junho/Dezembro 1904

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JU

27 de novembro de 1909 sábado à noite

Caríssima Nora. Sigo hoje daqui a uns instantes para Bel-fast e tenho de perder tua carta que deve chegar logo Voltoamanhã e tornarei a escrever. Sonha comigo. Teu amante.

Jim

Dublin, 2 de dezembro de 1909

Meu bem. Eu devia começar pedindo-te perdão pela cartaordinária que te escrevi ontem à noite (nota: esta carta não foiencontrada). Escrevi-a com a tua carta em frente a mim e deolhos grudados, como ainda estão agora, em uma de suas palavras. Ha qualquer coisa de obsceno e libidinoso até nas própriasletras. Ela soa também como o ato mesmo, curta, brutal irresistível e diabólica.

Meu bem, não te ofendas com o que escrevi. Tu me agradeces pelo lindo nome que te dei. Sim, querida, 'minha lindaflor agreste das sebes! Minha flor azul-marinho, encharcada dechuva!' e um nome bonito. Como vês, ainda sou um poucopoeta. Vou dar-te também de presente um livro encantador e éum presente do poeta para a mulher amada. Mas, lado a ladoe no âmago deste amor espiritual que tenho por ti há tambémum desejo bestial e bruto por todos os pedacinhos de teu corpotodas as partes secretas e vergonhosas dele, pelos cheiros todos^dele e por tudo que ele faz. Meu amor por ti me leva a orar aoespirito de ternura e de beleza eterna de que teus olhos são o espelho ou a te derrubar debaixo de mim sobre esta tua barrigamacia e te foder por trás, como um cerdo cobrindo sua porca,

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incensado com o próprio fedor e suor que saem de teu ânus, incensado com a vergonha patente de teu vestido levantado e ascalças brancas de menina e com a confusão de tuas faces en-rubescidas e teu cabelo emaranhado. Isso me faz romper emlágrimas de piedade e amor por qualquer palavrinha, tremer deamor por ti ao som de algum acorde ou cadência musical ou aodeitar-me contigo pé com cabeça sentindo teus dedos a acariciarem e fazerem cócegas no meu saco ou enfiados em mimpor trás e teus lábios quentes chupando meu pau enquanto minha cabeça está inserida entre tuas coxas gordas, com as mãosgrudadas nos coxins redondos de tua bunda, eu lambo com voracidade tua cona vibrante e vermelha. Ensinei-te a quase desmaiar quando ouves minha voz cantando ou murmurando à tuaalma a paixão e a tristeza e o mistério da vida e ao mesmo tempo ensinei-te a fazer trejeitinhos indecentes com a língua e oslábios, a excitar-me por meio de toques e ruídos obscenos, eaté a fazer na minha presença o ato mais sujo e vergonhoso docorpo. Lembra-te do dia em que levantaste a roupa e me dei-xaste ficar deitado por baixo de ti vendo-te fazê-lo? Depoisficaste com vergonha de me olhar nos olhos.

És minha, querida! Eu te amo. Tudo que acabo de escrever é somente um ou dois momentos de loucura brutal. A últimagota de sêmen mal esguichou por tua cona adentro antes dechegar ao fim e meu verdadeiro amor por ti, o amor de meusversos, o amor de meus olhos por teus olhos estranhos e tentadores sopra sobre minha alma como um sopro de condimentos.Minha pica ainda está quente e dura e palpitante do últimoataque brutal que te fez e já se ouve um hino em surdina quese eleva como devoção terna e apiedada por ti dos comparti-mentos sombrios de meu coração.

Nora, meu amor leal, minha colegial travessa de olharlânguido, minha puta, minha amante, tanto quanto queiras (minha amantezinha punheteira, minha putinha fodedora!) serássempre minha linda flor agreste das sebes, minha flor azul-marinho encharcada de chuva.

Jim

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3 de dezembro de 1909

perto^emais^dritmenÍnÍnha de COnVenta Há ^™ es^laritll.r, • , f, a P°rque eu continuo num acesso febril dedesejo animal. Varias vezes hoje eu parei de repente na rua comuma exclamação toda vez que me lembrava das cartas que Sescrevi ontem eanteontem ànoite. Elas devem parecTr horóve sídõ tTj7J° dla- Ta'VeZ a'gr°SSerÍa del"S te tenh* "jaao. Se que tens uma natureza muito mais fina que a de m,

extraordinário amante eembora tenhas sido tu gaíotafogosaque primeiro escreveste para mim dizendo que estlvas com saudades de ser fodida por mim ainda assim suponho queaTuieira"desbragada e a obscenidade de minha resposta fosse além detodos os; hrmtes da modéstia. Ao receber tua carta expres ahoíde manha e ver o cuidado que tens com teu desSd Jimfiquei envergonhado do que tinha escrito. Mas SSÍTa nofo?noite pecaminosa e secreta, baixou de novo sobre o mundo êde novo estou sozinho a te escrever e tua carta P<£ Tdobrada diante de mim sobre amesa Não"™ ^JlnlTàdeitar-me, quenda. Deixa-me escrever para ti, quSa *

mmmmBem me lembro daquela noite em Pola, na caL. Cansada de56

ficar debaixo de um homem uma noite arrancaste com violênciaa camisola e montaste em mim para me cavalgar nua. Enfiastemeu caralho em tua boceta e começaste a cavalgar-me paracima e para baixo. Talvez o pau que eu tinha não fosse bastantegrande para ti pois lembro-me que te inclinaste sobre meu rostoe murmuraste com ternura "fode mais, amor! fode mais, amor!"

Nora querida, estou todo o dia morrendo de vontade de tefazer uma ou duas perguntas. Deixa-me, querida, pois eu játe disse tudo que fiz e assim posso por minha vez perguntar-te.Não sei se vais responder. Quando aquela pessoa cujo coraçãoeu desejo parar com um disparo de revólver pôs a mão ou asmãos por baixo de tua saia ele só te titilou exteriormente oumeteu o dedo ou os dedos em ti? Se ele o fez, os dedos avançaram bastante até alcançar aquele grelozinho na extremidadede tua boceta? Ele te tocou por trás? Levou muito tempo teesfregando e te fez gozar? Pediu-te que o bolinasse e tu o fizeste? Se não o bolinaste ele se esfregou em ti até gozar e tu osentiste?

Outra pergunta, Nora. Sei que fui o primeiro a penetrarem ti mas houve alguém que te fodesse nas coxas? Aquele rapaz de quem gostavas algum dia o fez? Diz-me agora, Nora,verdade por verdade, honestidade por honestidade. Quando estavas com ele no escuro à noite teus dedos nunca, nunca desa-botoaram as calças dele e escorregaram para dentro como ca-mundongos? Tu nunca o bolinaste, querida, ou a alguém mais,diz-me a verdade? Tu nunca, nunca, nunca sentiste uma picade homem ou de menino entre teus dedos até que me desabo-toaste? Se não te sentes ofendida não tenhas medo de me dizera verdade. Meu bem, meu bem, hoje sinto um desejo tão loucode teu corpo que se estivesses aqui ao meu lado e mesmo queme contasses com tua boca que metade dos cafagestes de cabelovermelho do condado de Galway tinham fodido contigo antesde mim eu ainda me atiraria em ti com ardor.

Santo Deus, que linguajar é este com que estou escrevendoà minha orgulhosa rainha de olhos azuis! Irá ela recusar-se aresponder às minhas perguntas grosseiras e insultosas? Sei que

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estou me arriscando consideravelmente ao escrever desta maneira, mas se ela me ama de verdade ela saberá ver que eu estoulouco de desejo e que tenho de saber tudo.

Minha amada, responde-me. Mesmo que eu fique sabendoque tu também pecaste talvez isto ainda me prendesse maisestreitamente a ti. Em qualquer circunstância eu te amo Já tedisse e escrevi coisas que meu amor próprio nunca mais mepermitiria dizer a mulher nenhuma.

Minha Nora adorada, estou arfando de avidez por ter tuasrespostas a estas minhas cartas infectas. Escrevo-te sem rodeiosporque sinto agora que posso manter minha palavra contigo.

Não te zangues, cara, cara Nora, minha pequenina florselvagem das sebes. Amo teu corpo, tenho saudade dele, sonhocom ele.

Falem comigo, lábios queridos que com lágrimas eu beijeií>e esta sujeira que escrevi te ofende faz-me novamente voltar àrazão com o chicote como já fizeste antes. Deus me acuda!

Amo-te, Nora, e parece que isto também faz parte de meuamor. Perdoa-me! Perdoa-me!

Jim

6 de dezembro de 1909

Noretta mia! Recebi esta noite tua carta lamentável em quedizes que estas saindo sem roupa de baixo. Não recebi 200coroas no dia 25 mas só 50 e mais 50 no dia 1°. Chega de falarem dinheiro. Mando-te aqui uma notinha e espero que com ela58

possas comprar pelo menos uma calcinha bonita com babado:para ti e vou mandar-te mais quando receber novo pagamentoGostaria que usasses calças com três ou quatro babados pocima do outro nos joelhos e nos quadris e grandes laços vermelhos neles, quer dizer não calças de estudante com uma beirada de renda pobre e escassa, apertada nas pernas e tao fin;que a carne aparece entre elas mas calças de mulher ou (spreferes a palavra) de senhora de fundo solto cheio e pernalargas, todas de babados e rendas e fitas e carregadas de peifume de modo que quando quer que as mostres, seja ao levantadepressa a roupa para fazer uma coisa ou ao te agachares lirdamente para seres cravejada, eu só vejo um amontoado creícente de fazenda branca e babados e de modo que quando eme debruço por cima de ti para abri-las e te dar um beijardente e sensual na tua travessa bunda nua eu cheire o peifume de tuas calças juntamente com a emanação quente de tucona e o odor pesado de teu traseiro.

Escandalizei-te pelas coisas feias que te disse? Talvtpenses que meu amor é uma coisa imunda. E é, querida, eicertos momentos. Às vezes sonho contigo em poses indecenteImagino coisas tão escabrosas que não quero escrevê-las eiquanto não souber como tu mesma escreves. As menores cois;provocam em mim um grande tesão — um trejeito putescde tua boca, uma manchinha escura no assento de tuas calçbrancas, uma palavra feia que salta de repente de teus lábíúmidos, um súbito barulho indiscreto feito por ti atrás e depcum mau cheiro que sobe lentamente por tuas nádegas. Em mmentos assim sinto um desejo louco de fazer aquilo de algumodo nojento, de sentir teus lábios quentes e libidinosos chpando-me, de foder-te entre as maminhas de bico rosado,acabar contra teu rosto e esporrar sobre teus olhos e tuas facquentes, de meter o pau entre as tuas bochechas traseiras eenrabar.

Basta per staseraÁ1)

(1) Basta por hoje.

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Espero que tenhas recebido e compreendido meu telegrama.Adeus, minha querida que eu estou procurando degradar

e depravar. Como neste mundo de Deus é possível que possasamar uma coisa como eu?

Ó, estou tão aflito para receber tua resposta, meu bem!

Jim

8 de dezembro de 1909

Minha doce Norazinha putazinha. Fiz o que me pedistepequena sacana, e me esporrei duas vezes enquanto lia tuacartaEstou feliz de ver que gostas de ser fodida no eu. Sim, lembro-me agora daquela noite em que tanto tempo te fodi portrás. Foi a foda mais suja que jamais te dei, meu bem. Mantivea pica metida em ti horas a fio, entrando e saindo de teu traseiro virado para cima. Sentia tuas nádegas gordas e suadas de-Z^J6 mr /6ntre 6VÍa t6U r°St0 em f°Sacho e teu* olhosaloucados. Cada vez que eu metia, tua língua despudorada sepunha de fora de teus lábios e se uma foda era maior e maisviolenta que as outras, saíam peidos gordos e úmidos espocan-do por tuas ancas. Naquela noite, bem, tua bunda estava cheiade peidos, ecom afoda eu os fiz sair, grandes egordos, prolongados e cheios de vento, estalinhos rápidos e alegres e umaporção de peidinhos pequeninos e travessos que terminavamnum jorro demorado por teu buraco. É maravilhoso foder umamulher peidorreira quando cada metida faz sair um. Penso queeu reconheceria um peido de Nora em qualquer lugar. Penso60

que poderia distinguir o dela numa sala cheia de mulheres pei-dando. É um barulhinho bem de menina, não como o peitomolhado e cheio de vento que imagino ser o das esposas gordas.É inesperado e seco e indecente como o que uma menina atrevida soltaria de pândega num dormitório de colégio à noite.Espero que Nora nunca pare de soltar peidos na minha carapara que eu fique conhecendo também o cheiro deles.

Dizes que quando eu voltar vais chupar-me até o fim equeres que eu lamba tua cona, malandrinha depravada. Esperoque alguma vez me surpreendas dormindo vestido, escorreguespor cima de mim com um brilho de puta em teus olhos sono-lentos, abras de leve, um por um, os botões de minha braguilhae tires com delicadeza o peru gordo de teu amante, enfiando-ona boca e chupando até que ele engorde e fique duro e se entorne na tua boca. Alguma vez também eu te surpreendereidormindo, levantarei tuas saias e abrirei com cuidado tuas calçasquentes, e depois me deitarei quieto ao teu lado e começarei alamber preguiçosamente em redor de teus pêlos. Começarás aremexer-te desajeitadamente e então lamberei os lábios da conade meu amor. Começarás a gemer e suspirar e balbuciar e peidarde lascívia no teu sono. Lamberei então cada vez mais depressacomo um cão voraz, até que sua cona seja uma papa viscosa eteu corpo se contorça loucamente.

Boa noite, minha Norinha peidorreira, minha sacana pom-binha de foder. Há uma palavra deliciosa meu bem, que su-blinhaste para me fazer esporrar melhor. Escreva-me mais sobreisso e sobre ti, com carinho, mais indecente, mais indecente. . .

Jim

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9 de dezembro de 1909

Minha doce e travessa palometa. Aqui vai outra nota paracomprar calças bonitas ou meias ou ligas.

Compra calças para putas, meu amor, e não te esqueçasde derramar um bom perfume nas pernas delas e também desbotá-las um pouquinho atrás.

Pareces sôfregas por saber como eu recebi tua carta quedizes ser pior que a minha.

Em que ela é pior que a minha, amor? Sim, é pior em umaou duas partes. Quero dizer a parte em que dizes o que faráscom a língua (não quero dizer chupar-me até o fim) e naquelapalavra adorável que escreves com letras tão grandes e sublinhas, safadinha. É excitante ouvir essa palavra (e mais uma ouduas que não escreveste) na boca de uma jovem. Mas eu queriaque falasses de ti e não de mim. Escreve-me uma carta muitocomprida, cheia disso e de outras coisas, sobre ti, benzinho.Sabes agora como me fazer ter tesão. Diz-me os menores detalhes a teu respeito contanto que eles sejam obscenos e secretos e porcos. Não escrevas nada mais. Que cada frase sejacheia de palavras e sons sacanas e impúdicos. São sempre adoráveis de ouvir e mesmo de ver no papel mas os mais sacanassao os mais lindos.

As duas partes de teu corpo que fazem coisas sujas sãoas mais adoráveis para mim. Prefiro teu eu, querida, a teusseios porque ele faz uma coisa tão suja. Eu podia passar o diainteiro deitado dando punhetas enquanto olhava para a palavra divina que escreveste e para o que disseste que farias coma língua. Eu queria poder ouyir teus lábios perdigotando essaspalavras feias excitantes celestiais, ver tua boca produzindoruídos e sons obscenos, sentir teu corpo se retorcendo debaixode mim, ouvir e cheirar os peidos gordos e sujos de meninapipocando para fora de tua bonita e juvenil bunda nua e foderfoder foder foder a boceta de minha ardorosa palometa parasempre.

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Estou feliz agora, porque minha putinha me diz que querque eu trepe com ela do lado do eu e quer que eu a foda pelaboca e quer desabotoar-me e tirar meu pinto e mamar nele comouma teta. Mais e mais feio do que isso ela quer fazer, minhafodedorazinha nua, minha punheteirazinha travessa e menea-dora, minha doce e imunda peidorreirazinha.

Boa noite, minha bocetinha. Vou deitar-me e puxar pormim até esporrar. Escreve mais e com mais sacanagem, querida.Esfrega o teu grelo enquanto escreves para te fazer dizer coisascada vez piores. Escreve as palavras feias em grande, sublinha-as e beija-as e encosta-as por um instante em tua deliciosaboceta quente, querida, e também levanta o vestido por uminstante e coloca-as debaixo de tua cara bundinha peidorrenta.Faz mais se quiseres e então manda-me a carta, minha adoradapaloma de eu escuro.

Jim

10 de dezembro de 1909

Caríssima. Estou terrivelmente decepcionado com tua cartade hoje. Passei o dia pensando em providenciar a notinha quevai, apenas e imaginando o que me escreverias.

Telegrafei-te Cuidado. Eu queria dizer que tenhas cuidadoem esconder minhas cartas, cuidado em não deixar que outrospercebam tua excitação e cuidado em não (estou meio envergonhado de o escrever agora). Eu estava com medo, Nora, quefícasses tão afogueada que fosses capaz de te entregar a alguém.

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Compra algo de bonito com esta nota, caríssima. Ficareimuito infeliz se estas nossas últimas cartas se acabarem. Estouexausto com esse negócio aqui. Ontem não fui para cama senãoàs cinco, entre cartas e anúncios e telegramas.

Tua carta é tão fria que não tenho coragem de te escrever como dantes. Contemplei demoradamente tuas outras cartas e beijei certas palavras que elas contêm, uma repetidamente.

Talvez amanhã voltes a escrever. Boa noite, caríssima.

Jim

11 de dezembro de 1909

Caríssima Nora. Outra vez hoje sem carta tua. Não res-pondeste.

Os quatro italianos sairam do Finn's Hotel e moram agoraem cima da sala de espetáculos. Paguei cerca de 20 libras à tuaex-patroa, retribuindo o mal com o bem. Antes de deixar ohotel disse à copeira quem eu era e lhe pedi que me deixassever o quarto em que dormias. Ela me conduziu até o andar decima e me fez entrar no quarto. Podes imaginar a excitação demeu aspecto e minhas maneiras. Vi o quarto de meu amor, suacama, as quatro paredezinhas entre as quais ela sonhava commeus olhos e minha voz, as cortininhas que ela puxava para olado de manhã para olhar para o céu cinzento de Dublin, aspobres bobagens modestas nas paredes que ela percorria comos olhos à noite quando despia seu belo corpo jovem.

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Ó, não foi o desejo carnal, caríssima, não foi a loucuradesenfreada e brutal de que te escrevi nestes últimos dias enoites, não a cobiça selvagem e bestial de teu corpo, caríssima,o que me atraiu em ti então e que me prende a ti agora. Não,caríssima, não é isto obsolutamente e sim o amor mais terno,cheio de piedade e adoração por tua mocidade e criancice efraqueza. Ai, a dor gostosa que puseste no meu coração! Ai, omistério de que tua voz me fala!

Hoje não te escreverei como fiz de outras vezes. Todos oshomens são animais, caríssima, mas pelo menos em mim hátambém às vezes uma coisa mais elevada. Sim, eu também jásenti em certos momentos arder em minha alma aquele fogosagrado e puro que está sempre aceso no altar do coração demeu amor. Eu podia ajoelhar-me junto daquela caminha eabandonar-me a uma torrente de lágrimas. As lágrimas me vinham aos olhos ao contemplá-la. Eu podia ter me ajoelhado alie rezado como os três reis do oriente se ajoelharam e rezaramdiante da manjedoura em que Jesus estava. Eles tinham viajadopor mares e por desertos e traziam suas dádivas, sua sabedoriae seus trens régios para se prosternar diante de uma criancinharecém-nascida e eu trazia meus erros e loucuras e pecados eminha imaginação e minhas saudades para deitá-los na caminha em que uma jovem menina tinha sonhado comigo.

Caríssima, estou tão triste de não ter sequer uma pobrenota de cinco liras para te mandar hoje mas na segunda-feiravou mandar-te uma. Embarco para Cork amanhã de manhãmas preferiria estar indo para o oeste, para aqueles lugares estranhos cujos nomes ditos por teus lábios me fazem vibrar.Oughterard, Clare-Galway, Coleraine, Oranmore, para aquelescampos selvagens de Connacht em que Deus fez crescer "minhalinda flor agreste das sebes, minha flor azul-marinho encharcada de chuva".

Jim

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(Fragmento de uma carta)

13 (?) de dezembro de 1909

procurar outras? Podes dar-me tudo que elas podem e aindamais. Acreditas enfim no meu amor, caríssima? Ah, crê Nora'Ora, todos os que já me viram podem ler isso nos meus olhosquando falo em ti. Como tua mãe diz "eles se acendem comovelas na minha cabeça".

O tempo vai voar agora, meu bem, até que teus braçosamorosos e ternos me cerquem. Nunca mais me separarei deti. Nao so eu quero teu corpo (como sabes) como tambémquero tua companhia. Meu bem, creio que comparado com teusoberbo e generoso amor por mim meu amor por ti parece muito pobre e corriqueiro. Mas é o que de melhor posso dar-teminha cara namorada. Aceita-o, meu amor, abriga-me e mèsalva. Sou teu filho, como te disse, e deves ser severa comigominha maezinha. Castiga-me tanto quanto queiras. Eu ficariaencantado de sentir minha carne arder debaixo de tua mãoSabes o que quero dizer, Nora querida? Quero que me dêspancadas ou mesmo me açoites. Não de brincadeira, queridade verdade e na minha pele nua. Eu queria que fosses forte'forte, querida, e tivesses seios grandes, cheios e empinados ècoxas grandes e gordas. Eu adoraria ser chicoteado por tiNora, amor! Gostaria de ter feito qualquer coisa que te desagradasse, mesmo qualquer coisa de trivial, talvez um de meushábitos um tanto sujos que te fazem rir; e então ouvir-te chamar-me para dentro de teu quarto e então encontrar-te sentadanuma poltrona com as coxas gordas bem separadas e a caratoda vermelha de raiva e uma vara na mão. Ver-te indicar oque eu tinha feito e então com um movimento de ódio puxar-me para perto de ti e atirar-me atravessado no teu colo de rostopara baixo. Então sentir tuas mãos arrancando minhas calçase roupas de baixo e levantando minha camisa, e me debaterentre teu colo e teus braços fortes, e te sentir inclinar-te (comouma ama zangada surrando a bunda de uma criança) até que

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tuas maminhas grandes e cheias quase me tocassem e sentir-teaçoitar, açoitar, açoitar furiosamente minha trêmula carne nua!Perdoa-me, querida, se isso é uma bobagem. Comecei esta cartacom tanta serenidade e no entanto tenho de terminá-la à minha maneira alucinada.

Estás ofendida com minha escrita horrível, sem vergonha,querida? Presumo que algumas das coisas abjetas que eu dissete fizeram corar. Ficaste ofendida porque eu disse que adoroolhar para a mancha escura que tuas calças brancas de meninatêm às vezes no fundo? Suponho que me consideras um desgraçado imundo. Como hás de responder a essas cartas? Espero e espero que tu também me escrevas cartas ainda maisloucas e indecentes que as minhas a ti.

Podes fazê-lo, bastando que o queiras, Nora, pois devodizer-te também que (pára aqui)

15 de dezembro de 1909

Caríssima. Não veio carta! Só uma curta e áspera deStannie. Pelo amor de Deus poupo-me qualquer dos vexamesantigos senão acabarei num hospício. Meu bem, procura fazerque as coisas corram suavemente até a volta de teu amante. Nãoposso escrever mais. Por que ele briga comigo? Estou fazendoo que posso para todos nós. Por favor, querida, dê-lhe bastanteque comer e faz que ele se sinta bem. Não o amoles por causade dívidas; e pelo amor de Deus não me amoles por causa delas. Mandei-te estampas. Pede a ele que as pendure na cozinha,a maior em frente do fogão. Pendure bem.

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Sem carta! Agora estou certo de que minha pequena ficouofendida com minhas palavras indecentes. Estás ofendida, querida, com o que eu disse sobre tuas calças? Tudo isso é bobagem, benzmho. Sei que elas são tão imaculadas quanto teucoração. Sei que eu podia lambê-las todinhas, babados, pernase tundo. So que eu a minha maneira indecente gosto de pensarque eas estão sujas num dado lugar. É bobagem também que-cente 5. „°, ^ ^ *"* *** * enrabar- * só ° s™ íde-e acanhada r3 T "^ agrada' a Ídéia de uma Íovem h™^vebndn Tv a levantando as roupas nas costas e revelando suas deliciosas calças brancas de menina a fim deexcitar o sujeito indecente de que ela tanto gosta; e depoisínhV116,?6 mfa SEU Pau Vermdho SUJ° «entumescidoaderido enTre ^T ^ C Suba Suba no Saquinhoquerido entre suas nádegas rechonchudas e frescas.

Meu bem, neste instante eu ejaculei nas minhas calças demodo que estou inteiramente fora de combate. Não So irao Correio Central embora tenha três cartas aexpedir. ^

Para cama — para cama!Boa noite, Nora mia!

Jim

16 de dezembro de 1909

Minha doce queridinha. Até que enfim tu me escreves'Deves ter a tua bocetinha levada uma esfregação feroz para meescrever uma carta tão desconexa. Quanto a mim, querida estou tao esgotado que tu terias que levar bem uma hora a lam-

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ber-me para que eu ficasse com o pau duro bastante mesmopara meter nas bordas de tua boceta, quanto mais para umafoda completa. Tenho feito tanto e tantas vezes que tenho medode olhar para ver como está aquele troço que eu tenho depoisde tudo o que fiz a mim mesmo. Meu bem, por favor não mefodas demais quando eu voltar. Faz-me foder o mais que possana primeira ou nas primeiras noites mas faz-me ficar curado.Todo o foder tem de ser feito por ti, querida, porque estou tãopequeno e tão mole agora que não há nenhuma mulher na Europa a não ser tu capaz de perder tempo nessa tarefa. Fode-me,querida, de tantas maneiras novas como tua libidinagem possasugerir. Fode-me vestida com teu costume de rua completo ede chapéu e véu, o rosto corado do frio, do vento e da chuva,e de botas enlameadas, seja montada nas minhas pernas estando eu sentado numa cadeira e me cavalgando para cima epara baixo com os babados da calça aparecendo e minha picaespetada dura na tua cona ou montada em mim por cima dascostas do sofá. Fode-me nua de chapéu e meias apenas deitadano chão com uma flor vermelha no teu buraco de trás, montadaem mim como um homem com as coxas entre as minhase tuas nádegas muito gordas. Fode-me de penhoar (espero queainda tenhas aquele bonito) sem nada por baixo, abrindo-o derepente e mostrando-me tua barriga e coxas e traseiro e puxan-do-me para cima de ti na mesa da cozinha. Fode-me para dentro de teu eu, deitada com a cara na cama, nua, de cabelosolto esvoaçando, mas com umas deliciosas calças cor de rosaperfumadas despudoradamente abertas atrás e escorregando umpouco para baixo pela tua bunda que se mostra. Fode-me sepuderes agachada no toalete, de roupas levantadas, grunhindocomo uma porca nova a defecar, e um troço grande grosso sujoserpenteante a descer lentamente de teu traseiro. Fode-me naescadaria, no escuro, como uma ama seca fodendo com o soldado dela, desabotoando as calças dele jeitosamente e enfiando a mão pela braguilha e brincando com a camisa dele e sen-tindo-a ficar úmida e depois retirando-a com delicadeza e tam-borilando seus dois sacos cheios de estourar e por fim puxando

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audaciosamente o pinto que ela gosta de manusear e esfregan-do-o para ele suavemente, enquanto murmura no ouvido delepalavras feias e histórias indecentes que outras mulheres lhecontaram e coisas feias que ela disse, e todo o tempo mijandonas calças de prazer e soltando lá atrás peidinhos mornos, suaves e silenciosos até que seu próprio e juvenil grelo esteja tãoduro como o dele e enfiando-o nela de repente e o cavalgando.

Basta! Basta per Dio!

Já gozei e acabaram-se as fantasias. Agora às tuas perguntas.

Ainda não houve a inauguração. Mando-te cartazes. Pretendemos inaugurar no dia 20 ou 21. Conta 14 dias dessa datae três dias e meio para a viagem e estarei em Trieste.

Apronta-te. Bota um linóleo marrom bem quente na cozinha e pendura um par de cortinas vermelhas nas janelas ànoite. Arranja uma espécie de poltrona confortável comum ebarata para teu amante preguiçoso. Faz isso acima de tudo,querida, pois eu não vou sair daquela cozinha durante toda umasemana depois da chegada, lendo, espreguiçando-me, fumando,vendo-te aprontar as refeições e falando, falando, falando, falando contigo. Ó como me sentirei supremamente feliz! MeuDeus do céu, vou ser feliz ali! I figlioli, il fuoco, una buonamangiata, un caffè nero, un Brasil (charuto), il Piccolo deliaSerá, e Nora, Nora mia, Norinha, Noretta, Norella, Noruccia,etc. etc.

: Eva e Eileen têm de dormir juntas. Arranja algum lugarpara Georginho. Quisera eu que Nora e eu tivéssemos duas camas para o trabalho noturno. Estou mantendo e vou manterminha promessa, amor. Voa, tempo, voa bem depressa! Querovoltar ao meu amor, minha vida, minha estrela, minha Irlandi-nha de olhos estranhos!

Cem mil beijos, meu bem!

Jim

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20 de dezembro de 1909

Minha pequena boa e levada. Recebi hoje tua carta fogosae venho tentando imaginar-te esfregando tua boceta na latrina.Como é que fazes? Ficas de pé encostada na parede com amão friccionando por baixo da roupa ou te agachas no buracocom as saias arregaçadas e a mão em grande atividade atravésda abertura de tuas calças? Cagar agora te faz ter tesão? Nãosei como podes fazê-lo. Gozas no momento de cagar ou temasturbas até gozar primeiro e depois cagas? Deve ser algo deterrivelmente excitante ver uma mulher de roupa arregaçadaesfregando furiosamente a boceta, ver suas bonitas calças brancas abertas atrás com a bunda aparecendo e um troço gordo eescuro saindo a meio caminho pelo buraco. Dizes que vaiscagar nas calças, querida, e então deixar que eu te foda. Eugostaria de te ouvir cagá-las, querida, primeiro e depois fo-der-te. Uma noite quando estivermos em algum lugar no escuroe falando sacanagem e sentires que tuas fezes estão a ponto desair passa os braços ao redor de meu pescoço com vergonha evai cagando devagar. O ruído me enlouquecerá e quando eupuxar teu vestido para cima

Não adianta continuar! Podes calcular porque!O cinematógrafo inaugurou-sejioje. Parto para Trieste no

domingo 2 de janeiro. Espero que tenhas feito o que te recomendei sobre o linóleo da cozinha e a poltrona e as cortinas.De passagem, digo-te que não cosas aquelas calças na presençade ninguém. Teu vestido está pronto? Espero que sim — comum casaco comprido, cinto e punhos de couro, etc. Como mearranjarei para pagar a passagem de Eileen eu não sei. Peloamor de Deus dá um jeito de tu e eu podermos ter uma camaconfortável. Não estou com grandes desejos de te fazer nada,querida. O que quero é tua companhia. Podes estar tranqüilaquanto a relações minhas com...(1). Compreendes, isso nãoacontecerá, querida.

(1) A palavra "putas" foi suprimida por Joyce.

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Ó, estou com fome agora. No dia de minha chegada pedea Eva que faça um dos pudins de três vinténs e prepare ummolho qualquer de creme sem vinho. Eu gostaria de ter rosbife,sopa de arroz, capuzzi garbi<2>, pirão de batatas, pudim e café.Não, não, eu gostaria de straccato di maccheronK3), uma saladamista, ameixas em calda, torroni, chá e fresnitz. Ou não, eugostaria de enguias cozidas ou polenta com.

Perdoa-me, querida, estou faminto hoje.Nora, meu bem, espero que passemos um ano feliz juntos.

Amanhã escreverei a Stannie sobre o cinematógrafo.Estou contentíssimo porque agora o Miramar está à vista.

A única coisa que espero é não estar de novo carregado daquela maldita coisa pelo que fiz. Reza por mim caríssimaAddio, addio, addio, addio!

Jim

(2) Choucroute.(3) Carne assada com macarrão.

: 22 de dezembro de 1909

Caríssima Nora. Mando-te hoje pelo correio registradoexpresso e segurado, um presente de NatalC). É o que de melhor (mas muito sem valor afinal de contas) posso oferecer-teem troca de teu sincero e verdadeiro e fiel amor. Imagineitodos os detalhes dele deitado à noite com insonia ou percorrendo Dublin de bonde e creio que afinal ele saiu bem. Mas

d) O manuscrito encadernado de Chamber Music.

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ainda que traga somente um ligeiro rubor de prazer às tuasfaces quando o vires ou faça teu coração terno amante e lealdar um salto de prazer eu me sentirei bem, bem, bem pago pormeu trabalho.

Talvez este livro que te mando agora sobreviva tanto a tiquanto a mim. Talvez os dedos de algum ou alguma jovem (osfilhos de nossos filhos) venham a virar reverentemente suaspáginas de pergaminho quando os dois amantes cujas iniciaisestão entrelaçadas na capa tiverem de há muito desaparecidodeste mundo. Nada restará então, caríssima, de nossos pobrescorpos humanos arrastados pela paixão e quem sabe onde estarão então as almas que se entreolhavam através de seus olhos.Eu rezaria para que minha alma se dispersasse no vento seDeus só me deixasse soprar de leve para sempre em volta deuma estranha e solitária flor azul-marinho encharcada de chuva numa sebe agreste de Aughrim ou Oranmore,

Jim

23 de dezembro de 1909

Caríssima Nora. Quando esta carta chegar às tuas mãosjá terás recebido meu presente e minha carta e terás passadoteu Natal. Agora quero que te aprontes para minha chegada.Se nada de extraordinário acontecer saio da Irlanda no sábado

1 de janeiro às 9 e 20 da noite com Eileen, embora não saibacomo ou onde vou conseguir o dinheiro. Espero que tenhaspregado os cartazes na cozinha. Tenciono completá-los de semana em semana com os programas. Se pudesses arranjar umaspoucas jardas de linóleo ou mesmo um tapete velho e qualquerespécie de cadeira velha e barata confortável para a cozinha e

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um par de cortinas vermelhas comuns e baratas penso que eume sentiria com muito conforto ali. Haverá qualquer possibilidade de termos mais uma cama? Talvez Francini nos vendesse a dele por mês. Mandei-te os tostões que pude poupar,caríssima, mas agora estou encalhado porque o presente quete mandei, ó amolaçãozinha, custou-me um terrível montão de

'soldi. Mas não penses que estou arrependido, meu bem. Estouencantado de te ter dado uma coisa tão fina e bela. Agora,querida insiste com Stannie que me ajude a voltar logo comEileen e então começaremos mais uma vez nossa vida juntos.ó como vou gostar da viagem de volta! Cada estação me levarápara mais perto de minha paz de espírito. Ó como me sentireiao ver o castelo de Miramar entre as árvores e o comprido caisamarelo de Trieste! Por que será que meu destino é olhar tantas vezes na vida com olhos cheios de saudade para Trieste?Meu bem, quando eu voltar quero que sejas sempre pacientecomigo. Verás, querida, que eu não sou um homem mau. Souum pobre poeta impulsivo, pecaminoso, generoso, egoísta,ciumento, mal satisfeito, de natural bom, e não uma pessoa máe enganadora. Procura abrigar-me, caríssima, das tempestadesdo mundo. Eu te amo (agora acreditas nisso querida?) e óestou tão cansado depois de tudo que fiz aqui que penso quequando eu chegar na Via Scussa irei logo para cama, dar-te-eium beijo amoroso na testa, me encolherei nos cobertores eirei dormir, dormir, dormir.

Benzinho, estou tão contente de ver que gostas de meuretrato de menino. Eu era uma criança de aspecto feroz, nãoera? E na verdade, minha cara, sou tão criança agora comoera então. As idéias mais absurdas estão sempre acudindo àminha cabeça. Lembras-te do retrato de um homem de dedoem riste no Piccolo delia Será que dizes ser "Jim sugerindo alguma novidade". Estou certo, querida, que no fundo de teucoração deves pensar que eu sou um coitado dum menino bobo.ó tu, cara menininha orgulhosa ignorante atrevida afetuosa,como é que eu não posso impressionar-te com as poses sublimes com que impressiono os outros? Sabes ler meus pensa-

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mentos, marotinha de olhos azuis, e sorris convencida de quesou um impostor, mas ainda assim me amas.

Caríssima, há uma parte de tua carta a que não gosto dealudir.C) Não tenho o menor direito de intervir e reconheçoque és livre de fazer o que quiseres. Não te pedirei que te lembres de nossos filhos. Mas lembra-te que nós nos amamos sinceramente quase como um rapaz e uma moça naquele verãocelestial há cinco anos em Dublin! Querida, sou na realidadeum homem de coração triste e creio que se uma coisa como aque parece estar concebendo acontecesse, ó, eu não poderiaviver. Não, minha cara, sou por demais ciumento, orgulhoso,por demais triste, por demais solitário! Não continuaria a viver,creio. Mesmo agora meu coração fica tão triste e quedo quando penso nisso que só posso olhar fixamente as palavras queestou escrevendo. Como é triste a vida, de desilusão em desilusão!

Jim

(1) Nora ameaçou separar-se dele.

24 de dezembro de 1909

véspera de Natal

Minha adorada Nora. Acabo de te telegrafar o lindo temado último ato da ópera Werther de que tanto gostas: "Nel lietodi pensa a me". (') E como era tarde demais para te mandardinheiro pelo telégrafo paguei 1 libra a meu sócio Rebez aqui

(1) Pensa em mim no dia feliz.

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e pedi-lhe que telegrafasse a Caris em Trieste para pagar àSignora Joyce imediatamente 24 coroas. Espero que tenhas umNatal alegre, querida.

Agora, caríssima, espero que Stannie me mande por telégrafo tudo que puder para o dia 1.° a fim de que eu possaembarcar.

Querida, estou atualmente no mais terrível estado de exci-tação. Passei o dia inteiro no meio da multidão agitada deNatal no cinematógrafo. Tinha lá um jovem oficial de políciade serviço especial. Depois do espetáculo levei-o ao andar decima para oferecer-lhe uma bebida e descobri que ele era deGalway e que as irmãs dele tinham estado no Convento daApresentação contigo. Ficou espantado de saber onde NoraBarnacle acabara. Disse que se lembrava de ti em Galway,uma moça bonita cheia de cachos e com um andar altivo. MeuDeus, Nora, como eu sofri! Mas não podia parar de falar comele. Ele parece ser um jovem fino e de maneiras cortezes. Fiqueipensando será que meu benzinho, meu amor, minha caríssima,minha rainha algum dia pôs nele seus olhos juvenis. (Carta19/8/1909). Eu tinha que falar com ele porque ele é deGalway mas ó, querida, como sofri! Estou terrivelmente excitado. Não sei o que estou escrevendo, Nora, quero voltar parajunto de ti. Esquece todo mundo mais, menos eu, querida.Estou certo de que há em Galway homens superiores ao teupobre amante mas ó, meu bem, um dia verás que eu vou seralguém na minha terra. Como me sinto excitado e em desassos-sego! Mando aqui os nomes das irmãs dele. Vi que ele ficouespantado de saber como acabaste. Mas, ó Deus, não te dariaeu todos os reinos deste mundo se pudesse. Ó, querida, sou tãociumento do passado e contudo mordo as unhas de excitaçãoquando quer que eu veja alguém da estranha cidade moribundado oeste em que meu amor, minha linda flor selvagem dassebes, passou seus anos alegres de menina. Caríssima Nora, porque não estás aqui para me consolar? Tenho de terminar estacarta de tão terrivelmente excitado que estou. Tu me amas, nãoé, minha caríssima noiva? Ó, como me tens enroscado ao redor

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de teu coração! Sê feliz, meu amor! Minha mãezinha, leva-mepara o sombrio santuário de teu útero. Protege-me, cara, domal! Sou impulsivo e pueril demais para viver só. Ajuda-me,querida, reza por mim! Pensa em mim! Estou tão desamparadohoje, desamparado, desamparado!

Um milhão de beijos para minha adorada flor do oestecarregada de orvalho, um milhão milhão de beijos a minha caraNora dos cachos.

Jim

Tua mã''. mandou aquele presente e escrevi agradecendo.

(Cartão postal)

26 de dezembro de 1909

dia de Santo Estevão

Caríssima. Recebi tua carta (e uma bastante maluca) hojede manhã e o cartão de casamento que mandas junto. Nãome mandes nenhum presente. Guarda tudo que puderes. Pedea Stannie que me mande o que puder pelo telégrafo na semanaque vem. Espero que tenhas recebido em boa ordem meu presente e o telegrama e a libra que mandei por intermédio deCaris. Espero partir daqui a uma semana. Obrigado por teusvotos de bom Natal e espero que te tenhas saído bem. Diz aGel que vou chegar em breve e que andem de nariz limpo.Espero que tenham passado um Natal agradável. Addio.

Jim

Guarda um torronezinho e um mandorlato 0) para Eileen.

(1) Doce de Natal feito com amêndoas.

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