Cartel fantasma alexandre figueiredo

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artciencia.com (ISSN 1646-3463) Ano I Número Dois Fevereiro-Abril 2006 1 CARTEL FANTASMA Alexandre Figueiredo Novembro de 1995

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artciencia.com (ISSN 1646-3463) Ano I ● Número Dois ● Fevereiro-Abril 2006

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CARTEL FANTASMA Alexandre Figueiredo

Novembro de 1995

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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Capítulo 1

- Jorge?!...

- Sim, sou eu... Cheguei em má altura, foi? - começou o jovem entrando na espaçosa

sala em que a sua prima Ana e um rapaz que ele desconhecia, estavam sentados, vendo um

filme.

- Não, claro que não - respondeu a rapariga um pouco atrapalhada - chega aqui por

favor - pediu - quero apresentar-te o meu namorado, o Rui Pedro.

- Ela fala muito de ti - disse o outro, estendendo-lhe a mão direita, enquanto que

mantinha a esquerda sobre os ombros de Ana, acariciando-lhe suavemente o cabelo

castanho ondulado.

- Bom, foi um prazer conhecer-te, ... - declarou Jorge encaminhando-se para a saída

da sala de estar - mas fiquem à vontade que eu vou só ao quarto buscar umas coisas e saio

já...

- Vais-te já embora? - inquiriu a prima, com um brilho nos olhos castanhos que não

enganava ninguém; ela estava ansiosa para se livrar do recém-chegado, para poder ficar de

novo a sós com o companheiro.

- Sim, prometi à Isabel que chegava antes das nove, e já são sete e cinco! Estive com

a Rita, a Joana e a Sofia no salão de jogos e atrasei-me um pouco - concluiu, abandonando

aquela divisão e dirigindo-se ao quarto que ocupava e que ficava ao fundo do enorme

corredor.

Alguns minutos mais tarde, voltou a entrar na sala de estar, no intuito de se despedir

da prima.

- Bom fim-de-semana! - exclamou, beijando Ana na face, e apertando a mão a Rui

Pedro - Portem-se bem! - recomendou, sorrindo maliciosamente pegando nos dois sacos de

viagem que deixara à entrada da sala, e encaminhando-se para a porta de entrada, enquanto

que a rapariga e o seu namorado se voltavam a sentar muito juntinhos no confortável sofá.

Por fim, saiu, fechando a porta atrás de si. Depois de cruzar o portão lançou um rápido

olhar sobre a rua deserta, iluminada apenas pelos escassos candeeiros de iluminação

pública. Soprava uma ligeira brisa que lhe levantava os cabelos louros. Caminhou

tranquilamente alguns metros no passeio, e atravessou a estrada ainda molhada em

consequência da chuva que caíra na manhã daquele dia de Dezembro, dirigindo-se ao seu

automóvel que estava estacionado do outro lado da rua. Abriu em primeiro lugar o porta-

bagagens , onde colocou os dois sacos de viagem que transportava, entrando de seguida no

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Rover preto. Rodou a chave na ignição e arrancou calmamente, logo que o motor começou a

funcionar. Após ter percorrido alguns metros, tomou a estrada que conduzia a Coimbra...

Jorge, era estudante do primeiro ano do curso de Direito da Universidade de Coimbra,

e partilhava com a sua prima Ana uma habitação que pertencia aos pais da rapariga. Ele,

contava com vinte anos de idade, tinha cabelos louros, e olhos azuis. Era bastante alto, e

fisicamente muito forte, e para além disso praticava também karaté, o que fazia qualquer um

pensar duas vezes antes de o desafiar para alguma luta...

Naquele momento, o jovem cruzava uma das principais avenidas da cidade de

Coimbra, e que dava acesso à auto-estrada. Contudo, aguardava-o uma surpresa

desagradável...

- Grande merda! Só faltava mais isto! - desabafou, muito pouco satisfeito, quando

alguns metros mais adiante foi forçado a parar atrás de uma interminável fila de trânsito.

Jorge aguardou serenamente até que os automóveis que estavam parados à sua

frente começassem a andar. Contudo, estes permaneceram imóveis, e ele resolveu ligar o

auto-rádio no intuito de se distrair. Alguns minutos mais tarde, porém, a música foi

interrompida pela voz de um locutor que anunciou:

“ - Em Lisboa e Porto , o trânsito processa-se com normalidade e não existam filas... A

situação mais complicada regista-se em Coimbra nos acessos ao IP1 e à auto-estrada, onde

o embate entre dois pesados provocou um engarrafamento enorme, impedindo assim a

fluidez do tráfego... Também em... “

Ele, colocou uma cassete no auto-rádio e ao som da música que esta continha

esperou pacientemente que a circulação fosse restabelecida, o que aconteceu cerca de

quarenta e cinco minutos mais tarde, quando por fim o veículo que se encontrava imobilizado

à sua frente retomou a marcha aumentando progressivamente de velocidade. Porém,

somente alguns instantes mais tarde, o jovem estudante conseguiu entrar na via de acesso à

auto-estrada, constatando que de facto haviam colidido dois veículos pesados, e que apesar

de terem sido já retirados para a berma continuavam a obstruir uma boa parte da estrada,

dificultando a passagem ao intenso trânsito.

“ - Agora é sempre a andar! “ - pensou aliviado, quando parou na portagem para retirar

o titulo que deveria apresentar à saída, e olhando para os ponteiros do seu relógio de pulso,

acrescentou ainda - porra, já são oito e dez! A Isabel não vai ficar nada satisfeita!

Jorge, efectuou ainda uma curta paragem na Área de Serviço de Pombal, de modo a

encher o depósito de combustível do seu automóvel, retomando a viagem não muito tempo

depois...

Alguns instantes após ter saído da auto-estrada, já no acesso a Santarém, o telefone

que estava instalado no veículo tocou, e ele apressou-se a responder:

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- Ah, és tu, Isabel!? - inquiriu quando identificou a voz da personagem que do outro

lado da linha lhe falava - Não,... não me demoro muito... acabei agora mesmo de sair da

portagem - explicou, fazendo uma breve pausa para escutar aquilo que a rapariga lhe dizia -

Pronto, está descansada, eu estou quase aí,... depois falamos, o.k.? - concluiu, voltando a

pousar o auscultador do aparelho, e centrando de novo a sua a tenção na condução.

Cerca de quinze minutos mais tarde, já no interior da cidade de Santarém, entrou

numa rua deserta, olhando atentamente para a sua frente. Lá ao fundo, erguia-se o edifício

onde habitava com a sua irmã. O automóvel contornou o prédio de apartamentos, e nas

traseiras do mesmo, dirigiu-se para uma entrada que dava acesso à cave, que servia

simultaneamente de garagem e arrecadação.

Jorge, estacionou o Rover preto que conduzia, ao lado do BMW amarelo que também

lhe pertencia, e depois de ter aberto o porta-bagagens, retirando do seu interior os dois sacos

de viagem que trouxera de Coimbra, deu alguns passos para a direita, encaminhando-se para

o elevador...

No momento em que pousou a bagagem no chão, à entrada do seu apartamento para

abrir a porta, deu uma rápida olhadela para o seu relógio de pulso. Faltavam então cinco

minutos para as dez horas da noite. Rodou a chave na fechadura e entrou, fechando a porta

atrás de si.

- És tu, Jorge? - perguntou uma voz do interior da habitação.

- Sim, Isabel, sou eu... - respondeu ele, carregando os sacos até à entrada de um

espaçoso e comprido corredor - Onde estás - inquiriu ainda.

- Estou na cozinha - gritou Isabel, enquanto o irmão se dirigia para aquela divisão -

Nunca mais chegavas e eu já estava a ficar preocupada. Pensei que te tivesse acontecido

alguma coisa. Porque é que te atrasaste tanto?... - questionou a rapariga colocando dois

pratos sobre a mesa.

- O trânsito em Coimbra estava infernal - justificou-se o jovem, aproximando-se da

irmã puxando-lhe os longos cabelos dourados e apanhando-os, fazendo um rabo-de-cavalo,

enquanto a beijava suavemente na face - Como é que te correu o dia?

- Bem,... - respondeu ela, beijando-o igualmente no rosto, e olhando-o fixamente

através dos seus lindos e intensamente brilhantes olhos azuis - Então e a Ana, como é que

está?

- Ela está óptima! - principiou ele rindo-se - Na verdade deve estar na maior. Quando

eu me vim embora ficou sozinha com o namorado, por isso, deve estar radiante. Ainda por

cima eu não estou lá para atrapalhar... - concluiu com um sorriso malandro.

- Já entendi,... não precisas de dizer mais nada! - disse, sorrindo, o que deu origem a

que no seu rosto angelical aparecesse uma covinha muito original - Vocês homens, são todos

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iguais! Bom, senta-te que o jantar está pronto - anunciou ela, pegando num tabuleiro que

pousou sobre a mesa, sentando-se em seguida.

- Bacalhau com Natas! - exclamou Jorge, satisfeitíssimo - És um amor!...

Ambos saborearam tranquilamente aquela esplêndida refeição, enquanto relatavam

um ao outro os acontecimentos mais significativos da semana que estava prestes a terminar.

Após o final do jantar, os dois irmãos lavaram e secaram a louça em conjunto, sentando-se

depois ambos no confortável sofá da sala de estar, perto da lareira onde ardiam alguns

pedaços de lenha, que aqueciam o ambiente, tornando-o bastante mais acolhedor. Ainda

ligaram o televisor porém, como nenhum dos programas lhes agradou, Isabel dirigiu-se ao

fundo da sala e ligou a excelente aparelhagem de som, que se encontrava arrumada entre os

dois pequenos sofás individuais. Ambos permaneceram naquela divisão ouvindo música, até

que no relógio de parede baterem as zero horas...

- Vou-me deitar! - anunciou ele, e passando com a sua mão sobre os longos cabelos

louros da irmã - Também vens? - inquiriu por fim, pondo-se de pé.

- Não,... acho que ainda vou ficar mais um pouco - respondeu a rapariga com uma voz

doce e meiga - não tenho sono, por isso, talvez vá ler um pouco...

- Então não fiques levantada até muito tarde - recomendou o rapaz aproximando-se

dela - Até amanhã! Dorme bem! - acrescentou, beijando-a com ternura na testa, ao que ela

respondeu com um boa-noite, envolvendo com os seus braços frágeis e delicados os ombros

fortes e musculados do irmão, num gesto de apreço e amizade.

Assim Jorge, abandonou aquele espaço, e encaminhou-se para o quarto de dormir

que habitualmente ocupava, enquanto que Isabel se dirigiu até à magnífica estante da sala

de onde retirou um livro, que instantes mais tarde folheava serenamente. Contudo, não muito

tempo depois os seus olhos começaram progressivamente mais pesados, e as letras

impressas no livro desfocavam... O cansaço vencera, e a jovem adormecera profundamente,

confortavelmente enroscada no acolhedor sofá de pele...

- Isabel!... - chamou Jorge baixinho, quase sussurrando ao ouvido da irmã, e

abanando suavemente o seu corpo adormecido - Isabel!... Que fazes tu aqui? - questionou,

quando por fim ela abriu os olhos.

- Isso pergunto eu, - respondeu a rapariga, afastando os cabelos que entretanto lhe

tinham caído sobre o rosto, e bocejando longamente - deixa-me dormir!- pediu ainda, virando-

se para o outro lado.

- Então,... vá lá, vai-te deitar - continuou ele pacientemente.

- Mas,... mas,... onde estou eu? - interrogou-se, compreendendo finalmente que não

estava deitada na sua cama, mas sim no sofá da sala de estar - Devo ter adormecido! -

concluiu, pegando no livro que havia caído no chão.

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- Eu vim beber água, e fiquei admirado quando ainda vi luz aqui - esclareceu o rapaz -

Depois, quando te vi, percebi logo que te tinhas deixado dormir... Bom, vamos lá deitar-nos...

- Desculpa lá,... não foi com intenção...

Jorge conduziu a irmã até ao quarto dela, e em seguida regressou ao seu, deitando-se

sem mais delongas. Cinco minutos, foi o tempo que Isabel demorou até se encontrar enrolada

no meio dos lençóis e cobertores, adormecendo quase de imediato. Em breve aquele

magnífico apartamento voltou a ficar mergulhado num silêncio quase absoluto...

A manhã de Sábado surgiu bastante luminosa, com o sol a brilhar intensamente no

azul do céu, aqui e ali salpicado por uma ou outra nuvem mais persistente. a temperatura

estava amena, e na rua uma fresca e agradável brisa. Passavam apenas alguns minutos das

dez e meia da manhã quando Jorge acordou, encaminhando-se em seguida para o quarto de

banho. Tomou um prolongado duche, surgindo algum tempo depois com um toalhão enrolado

à volta da cintura. Vestiu-se, e dirigiu--se para o quarto da irmã. Deu três pancadinhas suaves

na porta e, não obtendo qualquer resposta rodou a maçaneta, entrando silenciosamente.

Aproximou-se da cama onde Isabel descansava tranquilamente e ajoelhou-se no chão,

observando fascinado a beleza angelical do rosto adormecido da irmã. Alguns dos compridos

louros da rapariga pendiam-lhe sobre a face, brilhando intensamente devido à incidência da

luz solar que irrompia pelas frinchas da janela fechada, iluminando palidamente o quarto

ainda mergulhado na escuridão. Jorge não resistiu e passou suavemente a sua mão, primeiro

pelos cabelos, e depois pelo rosto sereno e tranquilo da jovem, o que deu origem a ela

despertasse quebrando aquele momento de magia.

- Olá, bom dia! - saudou a rapariga na sua voz doce e ternurenta.

- Bom dia, dormiste bem? - indagou ele, beijando-a suavemente na face.

- Sim, foi óptimo. Há já muito tempo que não acordava e me sentia assim,...,...tão

bem! - respondeu, bocejando longamente e beijando o irmão no rosto.

- Então arranja-te, e vem ter comigo à sala, o.k.? - pediu ele, com um ar muito

misterioso, e abandonando o quarto a fim de a deixar à vontade...

Cerca de trinta minutos mais tarde após Jorge se ter confortavelmente sentado no

sofá da sala, surgiu por fim Isabel, usando um elegante vestido preto.

- Estás linda! - observou o rapaz, observando-a atentamente - Mas falta qualquer

coisa,... - acrescentou, abrindo uma pequena caixinha de onde retirou um reluzente fio de

ouro - ... talvez um fio não ficasse mal no teu pescoço.

- É tão lindo! - exclamou ela surpreendida - Lembraste-te? - perguntou, olhando para

ele fixamente, através dos seus magníficos olhos azuis.

- Feliz aniversário! - começou o jovem dando alguns passos na da rapariga,

mostrando-lhe o seu presente - Segura os cabelos, por favor... - pediu, colocando-lhe o fio à

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volta do pescoço - pronto, já está, podes largar os cabelos - anunciou ele, enquanto ela se

aproximava do espelho que estava pendurado numa das paredes.

- Obrigado!... És um amor!... Eu,... não tenho palavras! Desde que te conheci tens sido

tão bom para mim, e eu nunca te conseguirei mostrar o quanto gosto de ti. Tu és

maravilhoso!... Obrigado... - acrescentou, não conseguindo com a emoção evitar uma lágrima

mais teimosa que lhe surgira ao canto do olho.

- Bom, é quase meio-dia, por isso é melhor irmos... - anunciou ele, olhando para os

ponteiros do seu relógio de pulso.

- Onde vamos? - perguntou Isabel, ardendo em curiosidade, e tentando descobrir

através da expressão de Jorge descobrir qual seria a sua ideia.

- Já vais ver! - respondeu ele, mantendo o mesmo ar enigmático e sorridente...

O jovem conduziu a irmã até à porta e saíram ambos, entrando em seguida para

elevador, que os levou até à cave do majestoso edifício. Aí, dirigiram-se ambos para o BMW

M3 amarelo que estava estacionado ao lado do Rover, e entraram. Jorge, rodou a chave na

ignição, e aguardou que o ruído do motor em funcionamento se fizesse ouvir. Depois,

engrenou a primeira velocidade, e abandonou calmamente a garagem subterrânea daquele

prédio de apartamentos...

- Onde é que queres almoçar? - inquiriu o rapaz, quando cerca de vinte minutos após

terem saído de casa se encontravam numa das mais movimentadas avenidas de Almeirim.

- Ali! - respondeu de pronto a jovem, apontando com o indicador direito para uma

construção de dois pisos que se situava uns quantos metros mais à frente, na esquina do

cruzamento entre duas ruas. caminharam alguns metros, e entraram ambos no restaurante.

Já no interior do estabelecimento, escolheram uma mesa próxima da janela, e sentaram-se

aguardando que um funcionário lhes trouxesse a ementa.

Cerca de meia hora mais tarde, o empregado deixou em cima da mesa duas travessa

com aquilo que tinham pedido; Carne de Porco à Alentejana, acompanhada de batatas fritas

e amêijoas que ambos saborearam, enquanto conversavam animadamente. Terminaram a

refeição bebendo um cremoso café, tendo-se ainda deliciado com uma esplêndida

sobremesa, que comeram entre o prato principal e o café. Em seguida, Jorge pagou a

despesa, e os dois irmãos abandonaram aquele restaurante, encaminhando-se para o BMW

amarelo que ficara estacionado não muito longe daquele local.

- Onde é que vamos? - perguntou Isabel, quando concluiu que o irmão não tomara a

estrada que conduzia a Santarém.

- Eu espero não me enganar... - principiou ele, olhando receoso para as muitas

nuvens que entretanto haviam coberto o céu azul - ... a ideia, seria irmos ver o pôr-do-sol à

Nazaré, e jantarmos lá - esclareceu por fim, virando-se para a irmã, que sorria radiante - mas

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se as coisas continuarem como estão, palpita-me que o que vamos ver é uma bela chuvada.

- Então queres dizer que não vamos? - questionou Isabel, olhando para ele com uma

expressão triste nos seus brilhantes olhos azuis.

- Não, claro que vamos! - esclareceu ele peremptoriamente passando a palma da mão

com ternura sobre os ombros de Isabel - É evidente que vamos, quanto mais não seja para

vermos as ondas do mar, que nesta altura do ano são espectaculares - acrescentou por fim,

voltando a colocar a sua mão direita no volante.

...

- Lindo, não é? - perguntou Jorge, virando-se para a irmã que continuava sentada a

seu lado, observando as monstruosas muralhas água que se desfaziam em enormes

manchas de espuma de encontro aos rochedos que ficavam dentro do mar, não muito longe

do extenso areal, que do local onde se encontravam facilmente podiam ver.

- Se pelo menos parasse de chover, poderíamos sair e ver melhor - lamentou-se

Isabel com uma expressão cabisbaixa.

- Tem calma, - tranquilizou-a ele - temos muito tempo, ainda é tão cedo, são... -

continuou o jovem fazendo uma breve pausa para consultar o seu relógio de pulso - ... seis

menos um quarto, por isso.

- Mas depois começa a anoitecer, e aí é que não vemos mesmo nada - replicou ela.

Porém, alguns minutos mais tarde, a chuva parou de cair, e ambos puderam então

sair do automóvel, aproximando-se uma falésia, embora muito cuidadosamente, pois, o

pavimento estava muito escorregadio devido à chuva que caíra momentos antes, e por isso o

risco de quedas era bastante grande.

- Vê! - exclamou Jorge de súbito, apontando para o horizonte - ali,... - acrescentou,

indicando com o dedo à irmã aquilo que vira - Afinal parece que sempre vamos ver o pôr-do-

sol! - concluiu sorridente, quando lá ao longe se começavam a vislumbrar alguns raios de sol,

que tentavam irromper pelas espessas e numerosas nuvens, que continuavam a cobrir

ameaçadoramente o céu, prometendo chuva.

- É maravilhoso! - observou a rapariga, radiante - Repara,... nos sítios onde os raios

brilham parece que existe uma espécie de nevoeiro amarelo,... é lindo...

Os dois jovens, ficaram ainda por mais algum tempo a observar maravilhados aquele

cenário deslumbrantemente belo, tendo ainda oportunidade de assistir ao pôr-do-sol. Porém,

depois do último raio de sol ter desaparecido no horizonte, não demorou muito tempo até que

silenciosamente a noite chegasse, envolvendo tudo ao redor numa penumbra cada vez mais

escura, sendo acompanhada por uma acentuada descida de temperatura...

- Tenho frio! - anunciou Isabel, abotoando mais alguns botões no casaco que trazia

vestido.

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- Tens razão, - concordou o irmão - arrefeceu bastante... - prosseguiu, deitando um

último olhar para o mar, antes de conduzir a rapariga até ao automóvel em que haviam

chegado até ali - Bom, vamos procurar um restaurante para jantarmos - concluiu por fim,

usando o controle remoto para destrancar as portas do veículo, vestindo também ele o

casaco que trouxera consigo, entrando no interior do BMW coupé logo em seguida.

Dirigiram-se para o centro daquela pitoresca vila do litoral , e depois de deixarem o

carro parado num parque de estacionamento, percorreram tranquilamente a pé algumas

centenas de metros na avenida marginal. Finalmente, encontraram um restaurante com o

qual simpatizaram de imediato, por causa da sua fachada tipicamente tradicional, e

resolveram entrar. Sentaram-se numa mesa perto de uma das janelas, e optaram por

experimentar um prato de Caldeirada, que algum tempo depois ambos saboreavam com

satisfação, enquanto conversavam animadamente. Como sobremesa, escolheram um

delicioso Doce de Amêndoa, e terminaram aquela refeição bebendo o habitual café,

abandonando o sossegado restaurante logo após Jorge ter liquidado a despesa. Em ritmo de

passeio turístico percorreram calmamente em sentido contrário a avenida marginal, que

naquele momento se encontrava quase deserta, sendo apenas iluminadas pela lua, e pelos

candeeiros de iluminação pública. De súbito, o ruído da rebentação das ondas na praia foi

abafado por um outro; começara a chover naquele preciso instante, intensificando-se muito

rapidamente.

- Corre! - pediu Jorge a Isabel, que acelerou o passo, colocando-se ao seu lado - Vá

lá, mais depressa, senão vamos ficar totalmente encharcados - insistiu o jovem.

- Encharcados já nós estamos! - replicou a rapariga, sorrindo satisfeita, começando a

correr, enquanto passava as mãos pelos longos cabelos louros que estavam já bastante

molhados - É maravilhoso! - exclamou radiante, quando por fim chegaram próximo do BMW

amarelo, entrando ambos rapidamente no interior do mesmo, a fim de se abrigarem da chuva,

que caía em grande quantidade lá fora...

- Atchiiiim! - começou o rapaz, rodando a chave na ignição, e colocando o potente

motor do automóvel em funcionamento - Porra, de certeza que me vou constipar! - lamentou-

se, acrescentando ainda - Burro, porque é que não trouxeste o chapéu-de-chuva?

- Deixa lá, respondeu Isabel confortando-o, enquanto passava a sua mão pelos

cabelos molhados do irmão - quando chegarmos a casa, tomamos um bom banho, bebemos

qualquer coisa bem quente, e vamos logo deitarmo-nos, o.k.?...

Aproximadamente hora e meia depois de terem deixado a pitoresca vila de Nazaré,

entraram na cave do prédio em que habitavam. Jorge, estacionou o automóvel no local

habitual, e ambos subiram apressadamente até ao apartamento deles, de modo a poderem

trocar aquelas roupas molhadas que provocavam arrepios de frio em ambos. Tomaram um

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prolongado e reconfortante banho, e após terem vestido os pijamas e robes de chambre,

encaminharam-se para a cozinha, onde Isabel preparou um cacau bem quente, que beberam

ambos, acompanhando a bebida com alguns biscoitos de chocolate.

- Bom, vou-me deitar - anunciou Isabel, bocejando longamente - Também vens? -

inquiriu ainda, passando as mãos pelo largos e robustos ombros do irmão.

- Sim, também estou cheio de sono - respondeu o rapaz, conduzindo a irmã para o

compridíssimo corredor que dava acesso aos quartos de dormir, desligando os interruptores

de luz à medida que ia passando por eles.

- Obrigado, Jorge!... Foi um dia maravilhoso!... - começou Isabel, já à porta do seu

quarto - És um amor... - continuou a rapariga, tentando encontrar as palavras certas para

exprimir aquilo que sentia - és,... estupendo,..., e foste a melhor coisa que me aconteceu...

- Ainda bem que gostaste - respondeu ele, satisfeito por ter agradado à irmã - Boa

noite, e bons sonhos! - exclamou o jovem por fim.

- Para ti também! - acrescentou a irmã, beijando-o suavemente na face, e tentando

através daquele ternurento beijo exprimir toda a alegria e gratidão que sentia naquele

momento - Até amanhã! - concluiu ela sorrindo radiante...

Jorge passou ainda a sua mão delicadamente pela pele macia do rosto dela,

abraçando-a também de encontro a si, encaminhando-se depois para o seu quarto de dormir,

enquanto que Isabel fechava a porta. Deitaram-se ambos quase de imediato, e não demorou

muito tempo até que estivessem os dois mergulhados num tranquilo e profundo sono.

Contrastando com o ambiente calmo e silencioso que se verificava no interior daquele

magnífico apartamento, lá fora, no entanto, recomeçara a chover, com uma intensidade

apreciável, acompanhada por algumas rajadas de vento que de vez em quando se faziam

sentir com alguma violência...

A manhã seguinte surgiu bastante desagradável. Para além da chuva que teimara em

ficar, associaram-se-lhe ainda um frio intenso, e o vento forte, que já se havia feito sentir

durante a noite, mas que agora marcava a sua presença de uma forma mais vigorosa e

regular.

Passavam já alguns minutos do meio-dia, quando Isabel, que fora a primeira a

levantar-se, se sentou no sofá de sala de estar, entretendo-se com uma revista. Não tardou

muito até que a cabeça de Jorge assomasse à entrada da porta da espaçosa divisão.

- Bom dia! - cumprimentou ele.

- Olá, então, dormiste bem? - inquiriu a rapariga, enquanto trocavam um beijo.

- Sim, foi uma noite óptima - respondeu o jovem sentando-se ao lado da irmã, no

confortável sofá de pele - Bem, vou comer qualquer coisa, porque tenho aí uns apontamentos

que a Sofia me emprestou, e tenho também que rever algumas matérias, por isso, não posso

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perder muito tempo.

- A que horas é que voltas para Coimbra? - indagou Isabel pousando a revista sobre a

pequena e elegante mesa de madeira escura que se encontrava no meio da sala.

- Não sei bem, mas não é muito conveniente sair muito depois das oito, porque senão

só lá chego à uma e tal, como aconteceu na semana passada, e amanhã tenho aulas às oito

e meia... - esclareceu o rapaz, levantando-se, e encaminhando-se para o corredor - Vou

almoçar, vens comigo? - pediu ainda.

Os dois jovens dirigiram-se então para a cozinha. Jorge, foi ao congelador do

frigorífico, retirando de lá uma embalagem de pizza congelada, que a irmã colocou dentro do

forno de micro-ondas. Alguns minutos mais tarde saboreavam ambos com prazer aquela

refeição rápida, que acompanharam com sumo de laranja. Em seguida Jorge, foi ao seu

quarto de dormir, pegou nos seus livros e nuns quantos cadernos de apontamentos, e fechou-

se no magnífico e espaçoso escritório da habitação, que tinha igualmente a função de

biblioteca. Isabel, pelo contrário, depois de ter colocado os pratos e a restante louça de que

se haviam servido ao almoço na máquina de lavar louça, regressou à sala de estar, e sentou-

se num dos mapples lendo um livro e ouvindo música em simultâneo.

Os dois irmãos, permaneceram totalmente absorvidos nas suas ocupações, até cerca

das cinco da tarde. A essa hora Jorge, fez uma pausa nos estudos, e foi até à cozinha no

intuito de lanchar. Porém, passou em primeiro lugar pela divisão, onde Isabel continuavam

totalmente absorvida pela leitura.

- Queres vir lanchar? - perguntou, enquanto carinhosamente fazia um rabo-de-cavalo

com os longos cabelos da irmã.

- Não, agora não me apetece. Mas quando acabar sou capaz de ir trincar qualquer

coisa - respondeu ela, olhando-o através dos seus expressivos e brilhantes olhos azuis - Já

só faltam quarenta páginas, por isso agora quero ficar a saber qual é o final da história -

rematou, voltando a centrar a sua atenção no livro.

Jorge, dirigiu-se para a cozinha, e pegou numa maçã que mastigou rapidamente,

regressando logo depois ao escritório. Isabel por seu lado, continuou entretida com a leitura

durante mais uns quantos minutos. Quando por fim terminou, levantou-se e foi até à cozinha.

Comeu alguns biscoitos, que acompanhou com um copo de sumo de laranja. Em seguida,

começou calmamente a preparar o jantar.

Passavam alguns minutos das seis e meia, quando o irmão se juntou a ela na

cozinha...

- Queres ajuda? - perguntou aproximando-se dela, que observava atentamente o

jantar que cozinhava no forno.

- Não, não é preciso. Mas, se quiseres ir arrumar as tuas coisas, sempre é trabalho

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que adiantas, que o jantar ainda deve levar aí uns vinte minutos.

O jovem deixou a cozinha, e entrando no espaçoso corredor subiu as escadas que

conduziam ao andar superior, onde se situava o seu quarto de dormir, assim como o de

Isabel, e ainda um terceiro. Após ter entrado nos seus aposentos, colocou cuidadosamente

algumas roupas dentro de um dos sacos de viagem que trouxera de Coimbra, enquanto que

reservou o outro para guardar os seus livros e cadernos de apontamentos. Em seguida,

retornou ao piso inferior, deixando a bagagem no hall de entrada junto à porta,

encaminhando-se posteriormente para a cozinha.

- Queres que ponha a mesa? - ofereceu, abrindo uma gaveta pegando numa toalha

que estendeu sobre a mesa.

- Sim, o jantar está pronto, por isso se não te importas... - respondeu a rapariga,

enquanto abria o forno, puxando para fora um tabuleiro onde se podia observar um apetitoso

peixe assado com pequeninas batatas igualmente assadas.

Jorge, espalhou ainda sobre a toalha de linho branca os pratos e talheres, bem como

os guardanapos e os copos. Em seguida, sentaram-se ambos nas cadeiras, e principiaram a

saborear aquela refeição preparada por Isabel.

- A que horas te vais embora? - perguntou Isabel, olhando para os ponteiros do relógio

que estava pendurado na parede por cima da cabeça do irmão, que indicavam passarem

exactamente dezasseis minutos das sete da tarde, levando o garfo à boca.

- Vamos beber café, e quando voltarmos eu deixo-te lá em baixo na entrada, e sigo -

esclareceu ele, passando o guardanapo pelos lábios, e terminando a sua bebida...

...

- Guia com cuidado... - recomendou Isabel, quando cerca de quarenta minutos mais

tarde, ambos se encontravam nos degraus que davam acesso à entrada principal do edifício

onde habitavam.

- Não te preocupes, serei prudente - descansou-a ele, sorrindo, no momento em que

um pingo de água caiu em cima dela - Vá, vai para dentro que está a começar a chover...

- Está bem - concordou a rapariga, abraçando o irmão uma última vez, antes de este

entrar para o BMW amarelo que estava estacionado ali mesmo junto a eles - Faz boa viagem

- acrescentou por fim , subindo depois apressadamente os degraus até se encontrar

protegida da chuva, que entretanto aumentara de intensidade, vendo ainda o automóvel que

Jorge conduzia, afastar-se rapidamente, até desaparecer totalmente, na sinistra escuridão da

noite...

A chuva que caía com abundância não impediu no entanto que o jovem efectuasse a

sua viagem. Alguns minutos depois de ter saído de Santarém, parou na portagem da auto-

estrada de modo a retirar o título que aproximadamente duas horas mais tarde entregou ao

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portageiro, na saída da via rápida em que circulara.

Eram quase dez e meia, quando o veículo que o rapaz conduzia estacionou em frente

da casa dos pais de Ana, a prima com quem dividia a habitação. Após ter retirado do porta-

bagagens as duas malas, trancou o carro, usando o comando à distância, e dirigiu-se de

imediato para a porta de entrada da vivenda, entrando sem mais delongas.

- Ana! - chamou, avançando às escuras pelo corredor, e constatando com alguma

surpresa que não havia qualquer divisão iluminada - Ana! - insistiu o jovem, ligando o

interruptor, e atirando as chaves do BMW para cima da pequena mesa da entrada, sobre a

qual se encontrava o telefone - Ana, onde estás? - chamou de novo, percorrendo todo o

comprido corredor, e concluindo por fim que não se encontrava ninguém em casa...

Após ter transportado a bagagem até ao seu quarto de dormir, entrou na ampla sala

de estar da habitação, e sentou-se confortavelmente no sofá. Quando esticou a mão até à

mesinha que se encontrava no centro daquela dependência, para agarrar no controlo remoto

do televisor, reparou num pequeno envelope endereçado a si. Abriu-o, e desdobrou o papel

que estava no seu interior, reconhecendo de imediato a letra da prima:

“Jorge, vou passar as férias de Natal ao Brasil! Eu sei que deves ficar surpreendido, mas quem nos convidou

foi a mãe da minha madrasta. A princípio ainda hesitei, mas depois acabei por aceitar, quando o meu pai me disse que o

Rui Pedro também podia ir.

Partirei amanhã Domingo), e só voltarei no início de Janeiro para os exames.

Agora que estás sozinho em casa, vê lá o que fazes. Porta-te bem!...

Mil beijinhos da tua prima:

Ana”

Jorge, estava de facto surpreendido. Rapidamente voltou a ler a carta, não

acreditando naquilo que lia.

- “ Não pode ser! “ - pensava, enquanto pousava a carta sobre a mesa, e pegava no

comando do televisor - “ Sortuda!... Ao Brasil hem!?... Que pinta!... “ - disse em voz alta,

passando os pés por cima da pequena mesa de madeira, ao mesmo tempo que se esticava

no sofá, de modo a encontrar uma posição o mais cómoda possível - “ Afinal, vendo bem as

coisas a viagem dela até tem algumas vantagens, senão vejamos; a casa é toda minha

durante três semanas, que óptimo!... “ - acrescentou ainda, sorrindo radiante.

Permaneceu estendido no sofá com os pés assentes na mesa durante mais alguns

momentos. contudo, e como a programação televisiva não lhe agradava, optou por ir dormir,

até porque na manhã seguinte as aulas começavam bem cedo. Assim, dirigiu-se ao seu

quarto de dormir, deitando-se breves instantes depois. Ao contrário daquilo que era habitual,

Jorge, demorou bastante tempo até adormecer. Porém, o cansaço acabou por vencer, e

quando no mostrador digital do relógio despertador, apareceram as zero horas, já o jovem

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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estava mergulhado num profundo e tranquilo sono...

Fim do 1º Capítulo

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Capítulo 2

- “ Antena 3,... bom dia,... são sete horas!... Vamos às notícias com...”

Jorge despertou, e ainda bastante ensonado esticou o braço e desligou o rádio. Em

seguida, levantou-se e bocejando bastante encaminhou-se para o quarto de banho., tomando

o seu habitual prolongado duche matinal. Após se ter vestido, dirigiu-se à cozinha e bebendo

um iogurte líquido, pegou nos livros, vestiu o blusão, e abriu a porta de entrada da

habitação...

- “ Que frio!... “ - exclamou arrepiado - fechando a porta atrás de si, e percorrendo

apressadamente a curta distância que o separava do BMW M3 coupé amarelo.

Entrou no automóvel, atirando os livros para o assento do lado, e logo após ter ouvido

o ruído característico do motor em funcionamento, engrenou a primeira velocidade, e

arrancou bruscamente, fazendo patinar os pneus no asfalto húmido. Já em Coimbra, deixou o

veículo num parque de estacionamento próximo da Universidade, cruzando os portões da sua

faculdade às oito e meia em ponto. Por isso, não perdeu tempo, encaminhando-se logo para

a sala de aulas...

...

- Jorge!... - chamou uma voz feminina, quando o jovem percorria tranquilamente o

extenso corredor do edifício, dirigindo-se para o anfiteatro onde teria a aula seguinte.

- Rita..., olá! - exclamou, virando-se para trás e reconhecendo a cara sorridente da

rapariga que se aproximava dele - Onde estão a Sofia e a Joana? - inquiriu surpreendido por

encontrar a colega sozinha.

- Só vêm para a próxima semana. Tinham uns trabalhos para fazer, e por isso

resolveram ficar mais uns dias no Porto... - esclareceu a jovem beijando-o na face.

- Já se resolveram a aceitar o meu convite? - perguntou ansioso

- Acerca do fim-de-semana? - indagou a rapariga, fazendo uma breve pausa, e

prosseguindo após um sinal afirmativo de Jorge - Elas dão-te a resposta quando voltarem,

pode ser?...

- Sim, claro - anuiu ele, olhando de repente para o relógio de pulso - Porra, já estou

atrasado! - exclamou muito pouco satisfeito - Tenho que ir,... - anunciou, - almoças comigo? -

propôs ainda.

- Não posso, tenho que preparar uns apontamentos, - respondeu a colega - mas se

quiseres podemos jantar juntos, podes ir lá ter..., às... oito! - sugeriu ela.

- Está bem, - concordou o jovem - então até logo, ...às oito - concluiu por fim, dirigindo-

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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se apressadamente para a porta do anfiteatro que ficava um pouco mais à frente...

Duas horas e meia mais tarde o espantoso BMW amarelo parava a alguns metros de

distância da habitação que Jorge ocupava com Ana, sua prima, e que pertencia aos pais da

rapariga. O rapaz, pegou nos seus livros, atravessou rapidamente a estrada, e entrou em

casa, depois de ter rodado a chave na fechadura, fechando a porta logo em seguida. Atirou

os livros para cima da secretária do escritório, e foi à cozinha buscar uma lata de cerveja para

acompanhar com a pizza que trouxera de Coimbra. Sentou-se descontraídamente no sofá da

sala de estar, descansando as pernas sobre a pequena mesa de madeira, que para ele tinha

outra utilidade para além da de decoração. Serenamente foi trincando as fatias da pizza

bebendo também a cerveja, enquanto assistia na televisão às noticias da uma hora. Mais

tarde, instalou-se confortavelmente na cadeira do escritório, ligou o computador, e entreteve-

se durante bastante tempo a jogar um simulador de corridas de Fórmula 1. Quando

finalmente se fartou do jogo, pegou nos cadernos de apontamentos, e após ter ido buscar o

seu walkman, releu atentamente as notas que tirara das aulas daquela mesma manhã, ao

som do seu grupo musical favorito.

Por volta das cinco e meia da tarde, deu por fim o estudo, dirigindo-se à cozinha a fim

de lanchar, sentando-se depois em frente do televisor, vendo um filme que a prima gravara na

semana anterior...

Jorge, fechou a porta atrás de si, e deu alguns passou em direcção ao automóvel que

estava estacionado do outro lado da rua deserta. Ao entrar no BMW M3 coupé, uma ligeira

brisa desagradável soprou, levantando-lhe os cabelos louros, e causando-lhe um pequeno

arrepio. Por fim, pôs o veículo em marcha, tomando a estrada que levava a Coimbra,

deixando o carro estacionado quase em frente ao prédio em que Rita dividia um apartamento

com Sofia e Joana. Cruzou serenamente a porta de entrada do edifício, e subiu as escadas,

dando depois três leves pancadinhas na porta de madeira, que a colega lhe veio abrir quase

de imediato, convidando-o a entrar:

- Vens cedo! - observou, voltando a fechar a porta, e conduzindo o amigo para a sala

de estar - O jantar ainda vai demorar um pouco, por isso senta-te aqui! - convidou, apontando

para o sofá que estava encostado a uma das paredes daquele espaço um tanto ou quanto

apertado.

- Não obrigada, eu quero ajudar em qualquer coisa... - respondeu o jovem num tom

decidido.

- Bem, se fazes tanta questão nisso,... - começou Rita, dirigindo-se para a cozinha, -

...podes pôr a mesa aí mesmo - acrescentou por fim, regressando com uma toalha branca na

mão que entregou ao colega...

...

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- Passa-me a salada, por favor - quando ambos estavam já sentados à mesa,

saboreando um delicioso prato de carne assada, acompanhada por batatas fritas.

- Quando acabarmos, queres ir dar uma volta? - propôs Jorge, pousando os talheres e

terminando a sua refeição - Conheci um sítio, que não fica muito longe, e é lindíssimo à

noite...

- Está bem... - concordou a rapariga, limpando os seus doces e suaves lábios ao seu

guardanapo, dirigindo-se posteriormente à cozinha e levando consigo os pratos que ambos

haviam utilizado - ...mas antes, quero que proves isto, - anunciou ela, regressando momentos

depois, apresentando-lhe um esplêndido bolo, decorado com natas e algumas pepitas de

chocolate.

- É óptimo! - elogiou Jorge, provando um pouco do cremoso bolo...

Alguns minutos mais tarde, os dois jovens sentaram-se no interior do automóvel

amarelo que pertencia a Jorge, e que arrancou quase de seguida...

- Afinal, aonde é que vamos? - inquiriu a rapariga, ardendo em curiosidade, e

recebendo apenas como resposta um sorriso misterioso do companheiro, que a deixou ainda

mais intrigada.

- Estamos quase a chegar!... - anunciou Jorge, cerca de dez minutos depois, virando-

se para a atraente rapariga que seguia a seu lado - É ali à frente - concluiu por fim, quando o

automóvel que guiava acabava de descrever uma curva apertada - Vem! - acrescentou,

abrindo a porta do veículo logo após este se ter imobilizado completamente.

- Que lindo! - exclamou Rita, saindo igualmente do carro e aproximando-se do colega,

passando o seu braço sobre os robustos ombros dele.

- Repara,... - principiou Jorge, fazendo uma breve pausa, enquanto procurava as

palavras que mais adequadamente exprimissem aquilo que sentia - ...as luzes da cidade, ...o

rio, ...o movimento dos carros, e ...este silêncio e tranquilidade cá em cima. Não achas que é

harmoniosamente belo?...

- Sim, é maravilhoso,... - concordou a jovem - ...e olha as estrelas,... vê como

cintilam... Aquela é a Estrela Polar, não é? - perguntou ela, apontando para um minúsculo

ponto de luz que brilhava ao lado de muitos outros na negra escuridão do céu...

- Não sei bem, - respondeu Jorge - Quem gostava muito de observar as estrelas era o

meu pai, até chegou a comprar um telescópio... - esclareceu ele, em voz baixa e deixando

escapar uma lágrima mais teimosa, sem que no entanto Rita se apercebesse.

- Então, agora já não tem tempo para isso?

- Não... - começou ele suspirando, enquanto outra lágrima lhe correu pela face triste -

Na verdade..., o meu pai,... e a minha mãe,... morreram num acidente de carro à cerca de um

ano e meio... - disse por fim, limpando o rosto húmido por causa das lágrimas que acabaram

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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por vencer e corriam abundantemente pela face ensombrada por memórias tão dolorosas

como eram as do desaparecimento dos pais.

- Desculpa se,..., eu não sabia,..., nunca pensei,..., que,... bem,... - começou a

rapariga, simultaneamente surpreendida e confusa, tentando, embora um pouco embaraçada,

confortar o colega - Tu és sempre tão alegre e divertido, que,... a,... bem,... eu não queria,...

- Não tens que pedir desculpa,... Afinal, tu não sabias de nada, por isso,... não tens

culpa... - interrompeu ele com uma voz trémula, quando se apercebeu da atrapalhação de

Rita, passando a sua mão pelo cabelo castanho da jovem...

- Como é que..., como é que os teus pais,...?

- Como é que eles..., como é que foi, é isso que queres saber...? - questionou Jorge,

continuando logo após um sinal afirmativo da colega - Morreram num acidente de carro... -

respondeu vagamente, fazendo uma pausa, e continuando em seguida - Foi numa noite,

quando vinham de Lisboa..., o meu pai não mediu bem uma ultrapassagem, e quando

percebeu que não dava, já estavam debaixo de um camião,... o carro explodiu, eles tiveram

morte imediata, e o condutor do camião morreu dois dias depois no hospital... - esclareceu

por fim com alguma dificuldade, enxugando as lágrimas com um lenço que a rapariga lhe

emprestara.

- E a Isabel, como é que reagiu?

- A principio,... ficou mais perturbada que eu, mas ela acabou por se recompor muito

mais rapidamente que eu. Ela conseguiu aceitar os factos, e eu ainda não fui capaz de

enfrentar essa situação... - respondeu Jorge, aproximando-se da beira do miradouro,

observando atentamente as luzes da cidade, que brilhavam lá ao longe - Bom..., mas se não

te importas eu preferia mudar de assunto... - pediu, envolvendo com um braço os ombros

delicados da companheira - ...falar disto ainda me é muito difícil... - concluiu por fim,

sentando-se numa enorme pedra uma pouco mais recuada em relação ao precipício.

- Eu compreendo... - anuiu Rita, sentando-se a seu lado - Responde-me só a uma

pergunta; porque é que queres ser advogado?

- Para ser sincero, eu até nem gosto muito disto...

- Porquê? - insistiu a companheira interrompendo-o, surpreendida com tal revelação -

Se não gostas deste curso, porque razão o escolheste?

- No fundo, eu não gosto da advocacia, porque acho que não é um jogo limpo. Não é a

verdade que está em causa, mas tudo se resume ao ganhar ou perder o caso. Não interessa

que o réu seja culpado ou inocente; o que interessa para todos, é ganhar a qualquer preço,

entendes?

- Sim, mas continuo sem compreender; se não concordas com o sistema porque é que

queres ser advogado? - inquiriu Rita um tanto confusa.

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- Porque o maior desejo dos meus pais, era que eu me licenciasse em Direito, e um

dia mais tarde ficasse eu como dono da firma de advogados que eles tinham em Lisboa... -

esclareceu ele, demonstrando com a sua atitude o quanto respeitava os pais - ... por isso,

jurei sobre a campa deles que iria fazer aquilo que eles sempre haviam desejado, mas que

por outro lado, iria combater o sistema com todas as armas que tivesse.

- Então, qual era o curso que gostavas realmente de tirar? - perguntou Rita de novo.

- Tens frio...? - interrogou Jorge, reparando que a companheira tremia - Queres ir

embora?... - sugeriu, despindo o blusão, e colocando-o sobre os ombros da colega.

- Não..., podemos ficar mais um pouco...

- Bem, eu gostava de ter podido estudar Engenharia Mecânica, ou então Informática,

que foi o meu curso no secundário, mas...

- Mecânica?!... - exclamou a rapariga surpreendida - Tu gostas de mecânica...?

- Sim..., adoro... - respondeu ele sorrindo, e sem alterar o tom de voz - ... na verdade,

até tenho um Volkswagen Carocha de 1969, que comprei num ferro-velho, e que estou a

restaurar para oferecer à Isabel... Já comprei um motor de um Porsche em segunda mão, e

adaptei-o para o Carocha; vai ficar com quase 3000 cm3 de cilindrada, e mais de 200 cavalos

de potência. Também pedi a um amigo que tem uma grande oficina perto de Lisboa, para me

reforçar a estrutura do carro, de modo a aguentar com aquele motor, e agora ando a arranjar

os travões, porque quero instalar ABS, e umas jantes de alumínio com 20 ou 22 polegadas de

largura. Depois, vou mandar pintá-lo de cor-de-rosa, ou então bordeaux.

- Uaaaaauuu!... Nunca pela ideia me passou que fosses tão engenhoso!... - exclamou

Rita, não conseguindo disfarçar a simpatia e admiração que sentia pelo colega - Então, e

como é que vai ficar; coupé ou cabriolet?

- Cabrio..., aliás, quando o levei ao meu amigo em Lisboa, ele deixou-mo logo

descapotável, e pronto a levar uma capota em tecido impermeável... - esclareceu Jorge,

satisfeito com o interesse demonstrado pela companheira - ...mas estou a ver que também

percebes disto, muito bem, estou a gostar de ver!... Vem cá... - pediu ele levantando-se, e

dirigindo-se para o espectacular BMW M3, que estava parado alguns metros mais acima - ...

quero mostrar-te uma coisa... - acrescentou, esperando que a colega chegasse junto dele -

Este carro tem de série...

- É um belo carro... - observou alguém, intrometendo-se na conversa - Talvez mo

queiras emprestar para eu ir dar uma volta... - continuou o indivíduo do rabo-de-cavalo,

aproximando-se dos dois jovens.

- Não me parece... - respondeu o rapaz, sem se mostrar muito impressionado com a

enorme e reluzente lâmina que acabara de surgir na mão direita do intruso, apesar de Rita ter

ficado petrificada - Bom..., vou dar-te um conselho; pira-te daqui, imediatamente. Estou-te a

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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avisar!...

- Ouviram...!? - recomeçou o outro, falando para os dois homens que acabavam de

sair de entre um arbusto - Ele está-me a avisar... - prosseguiu em tom irónico, dando alguns

passos na direcção de ambos, enquanto brandia com destreza a enorme faca - ... quem te

avisa, sou eu; tenham juízinho, e nada vos acontecerá..., só queremos verificar um pequeno

pormenor, e depois soltamo-vos...

- Marco,... - chamou o indivíduo que vestia fato e gravata, usando uma gabardina por

cima - ...tem calma,... não nos precipitemos... Tu,... - disse, falando para Rita, que

permanecia imóvel - ...vem cá...

- Lamento desiludir-vos, mas infelizmente não me parece que ela vá a lugar algum... -

respondeu de pronto Jorge, continuando muito pouco impressionado com o ambiente hostil

criado pelos três malfeitores.

- Marco,... - insistiu o outro - ... trá-la cá, e se aí o nosso amigo fala-barato se

manifestar trata-lhe da saúde!... - concluiu com cara de poucos amigos.

- Não é preciso Dr.,... - disse o terceiro homem, falando para o do fato, que parecia ser

o chefe do grupo - ... não é ela...

- Tens a certeza do que estás a dizer? - insistiu o outro.

- Absoluta... - prosseguiu ele - não é ela, a outra miúda não tinha sardas, era mais

baixa, e o cabelo era mais escuro do que o desta... - esclareceu por fim.

- Vê lá, não te precipites, o chefe não quer perder mais tempo com esta história -

insistiu o homem do fato.

- Eu tenho a certeza, não é ela, ...garanto-lhe Dr. -

- Marco,... deixa-os,... vamos embora... - ordenou o tal Dr. ao fulano do rabo-de-

cavalo.

Porém, Marco não parecia estar pelos ajustes, e antes de se afastar presenteou o

desprevenido Jorge com um soco na cara, que de imediato ripostou, agredindo o outro com

um pontapé violentíssimo no baixo ventre, e depois com dois murros na cara, que deixaram o

tipo que se chamava Marco estendido no chão sangrando do nariz e dos lábios.

- Toma lá filho da puta!... Para a próxima toma atenção aos conselhos que te dão -

comentou o jovem, quando o outro com alguma dificuldade se começou a levantar.

- Agora é que vais ver como elas te mordem!... - gritou Marco de cabeça perdida,

avançando furioso para o rapaz.

- Tu não aprendes!?... - ironizou Jorge - Queres levar outra vez?...

- Marco!... - chamou o indivíduo que tratavam por Dr. - Vamos embora..., já... é uma

ordem!... - ordenou o tipo que vestia fato, num tom de voz que não deixou dúvidas ao homem

do rabo-de-cavalo.

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- Fica para a próxima,... não te esqueças da minha cara!... - ameaçou por fim, antes

de se juntar aos outros dois, que desapareceram rapidamente pela colina acima.

Alguns segundos depois, ouviu-se um automóvel arrancar a grande velocidade, não

muito longe dali...

- Pronto..., já se foram embora!... - observou Jorge aliviado - Estás bem? - perguntou à

colega.

- Sim... - principiou ela, tentando enxugar as lágrimas que entretanto começaram a

cair - ... mas tenho medo..., não gostei muito das últimas palavras do gajo do rabo-de-

cavalo...

- Não te preocupes..., não ligues..., aqueles gajos só são duros com uma arma na

mão..., são uns cobardolas, jamais terão coragem de nos chatear outra vez... - comentou o

jovem, tentando tranquilizar a colega, que agora tremia de medo.

- Achas!?...

- Tenho a certeza... - esclareceu o rapaz não deixando lugar a qualquer tipo de

dúvidas - Só não entendi bem o que queriam..., ...é óbvio que se enganaram, pelo menos foi

o que percebi das palavras do gajo que estava com o “ fato “, devem andar atrás de alguém.

É melhor prevenirmos a polícia...

- Eu trato disso amanhã... - ofereceu-se Rita de imediato, já mais calma.

- Está bem... - concordou o companheiro - ...mas agora, o melhor é irmos embora, já

chega de surpresas por uma noite...

Jorge conduziu a colega ao magnífico BMW M3 coupé amarelo, e abriu a porta para

que ela entrasse. Depois, deu a volta ao veículo, e entrou também. Em seguida, rodou a

chave na ignição, engrenou a primeira velocidade, e arrancou em direcção à estrada que

conduzia a Coimbra.

- Queres ir dormir lá a casa? - sugeriu o rapaz, reparando que a colega estava muito

nervosa.

- E a Ana? - lembrou a rapariga com a voz trémula...

- A Ana não está lá..., foi passar o natal ao Brasil com os pais e o namorado... Ontem

quando cheguei de Santarém, já ela não estava. Deixou-me um bilhete a explicar tudo.

Então..., ficas no teu apartamento, ou queres vir comigo... - insistiu ele

- Se não te importares, eu preferia ir contigo...

- Bom..., então vamos...

Cerca de dez minutos mais tarde, o espectacular automóvel conduzido por pelo jovem

estudante, parou em frente à habitação que pertencia aos pais de Ana, e que ele dividia com

a prima. Depois, Jorge, conduziu Rita até à porta da casa, e após ambos entraram, fechou a

porta com cuidado. Em seguida, encaminhou a colega até ao quarto de dormir que

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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habitualmente estava vago, e foi procurar um pijama da prima que entregou a Rita.

- Estás tão tensa... - observou, reparando que a rapariga continuava a tremer - ...

queres um calmante para te ajudar a dormir? - sugeriu, tentando confortá-la apertando-a de

encontro ao seu peito robusto.

- Sim,... se não te der muito trabalho.

O jovem, dirigiu-se para a cozinha, e voltou alguns minutos mais tarde, trazendo um

copo de água, e o calmante que deixou sobre a mesa-de-cabeceira do quarto.

- Se precisares de alguma coisa,... seja o que for, é só chamares, está bem? -

recomendou, encaminhando-se para o corredor - Vá, vai descansar, e esquece aquilo que se

passou. Tudo não passou de um engano, foi só um grande susto... Até amanhã!... - concluiu

por fim, saindo e fechando simultaneamente a porta do quarto.

- Jorge!?... - chamou Rita.

- Sim,... - respondeu ele de pronto abrindo de novo a porta.

- Nada,... só... obrigado!... - disse, aproximando-se dele, e apanhando-o desprevenido,

beijou-o com ternura nos lábios - Boa noite!...

O jovem, puxou mais uma vez a porta, e afastou-se em direcção ao seu quarto de

dormir, pensando surpreendido no prémio que acabara de receber. Após ter tomado um

duche rápido, o rapaz vestiu o pijama, e enrolou-se confortavelmente no meio dos quentes e

acolhedores cobertores, recordando confuso os acontecimentos daquela mesma noite no

miradouro; “ Quem seriam aqueles indivíduos? Quem procuravam? Porque razão perseguiam

alguém? “ A única coisa que ele compreendia, é que obviamente os três malfeitores haviam

confundido Rita com a outra pessoa que por algum motivo perseguiam.

Apesar de entretido com aqueles pensamentos, não demorou muito porém até que

adormecesse, embora o sono fosse muito pouco tranquilo. No quarto ao lado, pelo contrário,

Rita, com a ajuda do calmante rapidamente se encontrou mergulhada num tranquilo e

profundo sono, mexendo-se de quando em vez na cama...

...

- Bom dia! - cumprimentou Jorge, entrando na cozinha - Já estás levantada!?... -

exclamou surpreendido, apertando o cinto do roupão - São oito e meia, não me disseste que

hoje não tinhas aulas de manhã?

- Olá! - saudou a colega, sorrindo - Sim..., não tenho aulas, mas tenho que ir ao Porto.

- prosseguiu ela bebendo um gole de café - Só hoje quando acordei é que me lembrei que

tenho uma consulta no médico.

- E como é que passaste a noite? Dormiste bem? Estás mais calma? - questionou

Jorge atenciosamente, pegando numa chávena e servindo-se igualmente de um pouco de

café.

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- Sim, graças ao calmante que me deste, dormi bem, e já me convenci que apesar dos

tipos de ontem serem perigosos, não nos vão chatear nunca mais. Mas ontem tinha tanto

medo!... Obrigado!... Foste bestial, um verdadeiro amigo!...

- Ainda bem que já estás mais calma... - observou Jorge satisfeito - Queres que te vá

pôr à estação para apanhares o comboio? - ofereceu-se o rapaz.

- Isso era óptimo! - agradeceu Rita, terminando o pequeno-almoço - Mas antes de

irmos, queria pedir-te que não dissesses a ninguém o que aconteceu ontem, porque eu não

quero que os meus pais descubram isso..., senão há logo sarilho.

- Nem mesmo à polícia?

- Não, está descansado que eu vou lá apresentar queixa... Só não quero que mais

alguém saiba disto... Posso contar contigo? - inquiriu, aguardando ansiosa pelo voto de

silêncio do colega.

- De acordo. Prometo que nada direi a ninguém... - garantiu ele, acrescentando depois

- Então, dá-me um quarto de hora, enquanto vou tomar um banho e vestir-me... - pediu

abandonando apressadamente a dependência onde ambos se encontravam.

Alguns minutos mais tarde, Jorge entrou na sala de estar, pegou nas chaves do BMW

amarelo, e conduziu Rita até à saída. Depois de fechar a porta, dirigiram-se os dois para o

espectacular automóvel que estava estacionado do outro lado da estrada. Logo que se fez

sentir o ruído do potente motor do veículo em funcionamento, o rapaz engrenou a primeira

velocidade, e iniciou a marcha suavemente, tomando a estrada que conduzia a Coimbra...

- Voltas a que horas? - indagou, quando já no interior da cidade avistou ao longe o

edifício da estação ferroviária.

- Ainda não sei. Possivelmente até ficarei esta noite em casa da Joana... - respondeu

falando quase em surdina, no momento em que o automóvel parou em frente da velha

construção - Até amanhã! - disse, despedindo-se do colega, com um beijo na face - Obrigado

pela boleia, e obrigado por ontem... - concluiu por fim, fechando a porta do BMW, e dirigindo-

se para a entrada da estação.

- Faz boa viagem!... - respondeu Jorge, ficando por mais uns instantes a observar a

rapariga que se afastava.

Em seguida, arrancou bruscamente, tomando o caminho de regresso a casa, onde

chegou aproximadamente dez minutos mais tarde, entrando na habitação sem mais

delongas. Como era ainda muito cedo, passavam alguns minutos das nove e meia da manhã,

pegou no seu walkman e sentou-se no escritório em frente do computador, entretendo-se

com alguns jogos, enquanto recordava de novo os estranhos acontecimentos da noite

anterior.

- “ Há aqui qualquer coisa que não bate certo!... “ - pensou, desviando

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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momentaneamente a sua atenção do jogo, suspeitando que a colega lhe escondia algo - “

Está-me a escapar algo!... A Rita deve saber de alguma coisa!... Tenho que apertar um pouco

mais com ela!... “ - concluiu, voltando a centrar a sua atenção no monitor do computador, e no

simulador de futebol que estava a jogar.

Aquela viagem súbita era no mínimo bizarra, e a tentativa de ocultar a situação da

polícia, ainda que velada, bem como o ocorrido na noite anterior alimentavam de

sobremaneira as suspeitas do jovem...

...

- Good Afternoon!... - saudou amavelmente o professor de Inglês, rodando a maçaneta

da porta da sala de aulas - How was the week-end?...

- Short... - começou um colega de Jorge que seguia mesmo atrás do altíssimo

indivíduo britânico - ...as usually, it was very short!... - acrescentou depois no meio da

gargalhada geral.

- Sir... - principiou um outro, rindo divertido - ...this morning a little bird told me that

Liverpool have lost, ...again!...

- No comments, please... - respondeu bem humorado o professor, que numa das aulas

anteriores havia cometido o erro de revelar aos seus alunos ser associado daquele clube

inglês, tendo alguma dificuldade em se fazer ouvir perante a gargalhada bem-disposta que

surgiu após aquela perspicaz observação - Okay, now... please, ...enough!... - pediu - Now...,

lets go to work! - disse por fim, aguardando que todos se sentassem de modo a poder

principiar a leccionar a matéria para aquela aula...

- Vou-me “ baldar “ a Direito! - anunciou Jorge, quando cerca de duas horas mais tarde

cruzou os portões da faculdade, acompanhado por um grupo de colegas.

- Isso é que é falar! - aprovou uma rapariga, dando-lhe uma palmada amigável nas

costas - Vou para o salão jogar, querem vir? - convidou ainda.

- Que se lixe,... também vou - concordou um outro, acendendo o seu cigarro, e

oferecendo um à jovem que os acompanhava - Estou farto daquela merda!... - disse por fim

pontapeando furioso uma lata de cerveja que fora deixada no passeio.

- Vamos jogar o quê, Marta? - perguntou alguém quando o grupo entrou no salão de

jogos.

- Snooker a quatro! - sugeriu Jorge, pegando num taco, e dirigindo-se para a

esplêndida mesa que se encontrava a um canto daquele espaço de diversão.

- Vamos tornar as coisas mais interessantes... - começou um dos rapazes sorrindo -

...quem perder, ...paga, o.k.?

- De acordo, André! - aprovou Marta, pegando também num taco - Vocês podem jogar

juntos, que eu fico com ele - disse, apontando para Jorge, que se aproximava trazendo as

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bolas do jogo.

- Está no papo! - comentou o outro rindo - Preparem a “ massa “, que aqui o mestre

vai dar uma aula de bem jogar isto ao pessoal, ... e à borla... - anunciou, virando-se para

Jorge e Marta, que permaneciam quietos a um canto da mesa...

- Convencido... - principiou Marta, aproximando-se discretamente do parceiro, e

perguntando-lhe em surdina - Percebes alguma coisa disto?

- Talvez... - respondeu vagamente o jovem, esquivando-se à pergunta, e não

revelando os seus verdadeiros conhecimentos acerca do jogo.

Meia hora mais tarde...

- Falas demais! - observou o colega de André, olhando acusadoramente para este - Tu

e as tuas ideias! Devias pagar isto sozinho, ...animal! - continuou, puxando da carteira muito

pouco satisfeito, para pagar a despesa do jogo, uma vez que Jorge e Marta haviam levado a

melhor - As miúdas não percebem nada de snooker, ...aqui o grande mestre dá bem conta

deles - repetiu, imitando de uma forma irónica a voz e os gestos do parceiro.

- Foi sorte de principiante! - defendeu-se o outro, lamentando-se da sua pouca sorte.

- Queres repetir?... - desafiou Marta, pegando de novo no seu taco e aproximando-se

da mesa, perante o olhar atento dos três rapazes.

- Não... - desculpou-se o outro um tanto atrapalhado enquanto se afastava com o

parceiro para pagar a despesa - Tenho que me ir embora, senão ...era já!...

- E eu também! Foi fixe, mas tenho que me pirar! - anunciou Jorge, pegando nos seus

livros, e despedindo-se dos colegas, encaminhando-se depois para a saída do salão de

jogos.

Tranquilamente percorreu as cerca de duas centenas de metros que o separavam do

parque de estacionamento em que deixara o seu BMW. Por fim, avistou o espantoso coupé

amarelo, usando o controle remoto para destrancar as portas do automóvel, logo que chegou

a uma distância suficientemente perto para que o pequeno aparelho funcionasse

adequadamente. Já sentando ao volante do veículo, atirou os livros para o assento traseiro,

arrancando bruscamente logo em seguida.

Alguns minutos volvidos, o jovem encontrava-se já à entrada da habitação que

ocupava, a mesma que pertencia aos pais da prima com quem a dividia. Entrou, fechando a

porta atrás de si deixando as chaves do BMW e os livros em cima da pequena mesa sobre a

qual se encontrava também o telefone.

Não demorou muito tempo até que Jorge se instalou confortavelmente no acolhedor

sofá da sala de estar, saboreando umas sanduíches de pastéis de bacalhau, que ele mesmo

preparara instantes antes, enquanto assistia ao noticiário na televisão. De súbito, porém,

lembrou-se de ir à cozinha buscar uma bebida para acompanhar a refeição.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- “ Porra, ...já não há cerveja! “ - exclamou desiludido, quando abriu a porta do

frigorífico, e constatou que apenas restavam algumas latas de refrigerantes - “ Bom, ...lá terá

de ser!... “ - pensou conformado, pegando numa lata de cola, e voltando a sentar-se em

frente ao televisor, aproveitando, como era hábito, o tampo da pequena mesa de madeira

escura que se encontrava ao centro daquela divisão...

Após a refeição, esperou ainda pelo programa desportivo, que era transmitido noutro

canal, entretendo-se depois com um livro que começara a ler há bastante tempo, ouvindo

música em simultâneo. Contudo, não demorou até que se começasse a sentir sonolento, e

embora fosse ainda muito cedo, optou por ir dormir, pelo que, desligou a potente

aparelhagem sonora, dirigindo-se em seguida para o seu quarto. Assim, quando nos dígitos

vermelhos do rádio relógio apareceram as zero horas, já o jovem estava mergulhado num

tranquilo e profundo sono...

- “ ... Antena 3, falta um minuto para as nove da manhã... Vamos entrar na próxima

hora com... ‘ Crazy ’ dos Aerosmith, depois ...‘ About a Girl ‘ do álbum ‘ Unplugged in New

Yorq ‘ dos Nirvana, e no final da sequência..., ‘ Tudo o que te dou ‘ de Pedro Abrunhosa,...

Deixem-se ficar..., esta é a Antena 3, a partir de Lisboa para todo o país...”

Jorge deu meia volta na cama, e ficou mais um pouco deitado, ouvindo com atenção

os temas musicais que o locutor anunciara alguns instantes antes. A muito custo, lá se

resolveu por fim a levantar, encaminhando-se apressadamente para o quarto de banho, não

sem antes ter aumentado o volume ao rádio, de modo a continuar a ouvir música, enquanto

se aprontava para mais um longo dia de aulas, como ele muitas vezes gostava de referir...

Depois de trancar as portas do vistoso BMW M3 coupé amarelo, Jorge deu uma

rápida mirada aos ponteiros do seu relógio de pulso. Eram então exactamente dez e um

quarto da manhã... O jovem, olhou ainda receoso para as muitas e ameaçadoras nuvens que

cobriam totalmente o habitual azul do céu, atravessando em seguida a estrada ainda molhada

pela chuva que caíra com persistência durante quase toda a madrugada. Por fim, cruzou a

entrada da sua faculdade, dirigindo--se de imediato para o edifício principal, para se proteger

melhor do intenso frio que se fazia sentir...

- Hei,... então... - chamou uma voz feminina quando Jorge entrou no enorme corredor

que dava acesso às salas do 2º piso - Já não ligas às colegas - insistiu a voz, quando ele

finalmente se voltou para trás, deparando-se com três caras conhecidas.

- Sofia!?... Joana!?... - exclamou surpreendido - Não era suposto ficarem no Porto até

segunda? - inquiriu, cumprimentando as três raparigas com um beijo na face.

- Bom, resolvemos voltar mais cedo - respondeu a atraente jovem dos cabelos louros,

que inicialmente o chamara, sem no entanto revelar o motivo pelo qual haviam decidido

antecipar o regresso.

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- Ainda bem que voltaram mais cedo... - começou Jorge com uma expressão grave -

...estou preocupado com a Rita...

- Nós sabemos... - principiou a outra, olhando o colega fixamente através dos seus

lindos olhos, que não tinham uma cor definida, embora se situassem algures entre o azul e o

verde - ...a Rita quando ontem nos visitou pôs-nos a par da história toda - esclareceu por fim.

- Fico mais tranquilo, agora que sei que vocês regressaram - observou Jorge aliviado,

olhando para o relógio de pulso.

- Tens alguma aula agora? - indagou Rita, apercebendo-se da insistência com que o

colega olhava para o relógio.

- Sim. Na verdade, já estou atrasado quase um quarto de hora, e hoje era conveniente

chegar a horas...

- Tu..., chegares a horas..., a uma aula!? - exclamou rindo a bela e atraente jovem dos

cabelos louros - Estiveste a beber? - perguntou brincando.

- Não! - respondeu Jorge, compreendendo que a rapariga estava a entrar com ele -

Agora a sério, a aula de hoje é muito importante... Além disso, ontem dei folga ao professor,

por isso...

- Ó Sofia, vai chamar um médico!... - insistiu a outra, interrompendo-o de novo - Ele

está mesmo doente!... Agora até já quer ir às aulas! - prosseguiu dando-lhe uma palmada

amigável nas costas - Desde quando é que há aulas importantes? - inquiriu indignada,

estendendo os braços em sinal de reprovação...

- É um brincalhão este Jorge! - exclamou divertida a colega, cujos olhos de uma cor

indefinida tanto fascinavam o rapaz, fingindo não o levar a sério.

- Bom, tenho mesmo que ir andando... - concluiu, suspirando longamente, dando dois

passos na direcção do corredor.

- Queres jantar connosco? - convidou ainda Rita.

- Aaaaaa... - principiou, fazendo uma pausa para pensar - Hoje jantamos em minha

casa! - Vou buscá-las às sete, o.k.? - terminou, encaminhando-se apressadamente para a

sala de aulas, deixando as três raparigas conversando animadamente à entrada do

corredor...

Alguns minutos depois do meio-dia, Jorge, abandonou o recinto da faculdade,

despedindo-se da colega, logo após ambos terem cruzado o enorme portão. Ela, seguiu para

uma estreita e pouco movimentada travessa, enquanto que o jovem estudante continuou em

frente, descendo até uma ampla praça, que se encontrava quase deserta àquela hora. Em

seguida, atravessou a estrada entrando no snack-bar, onde almoçava sempre que não tinha

tempo para ir a casa, e que não ficava muito longe da sua faculdade...

Optou por um hambúrguer com batatas fritas e salada, que lhe puseram à frente

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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poucos instantes depois, bem como a cerveja que tinha pedido para acompanhar o prato

principal. Para terminar, saboreou uma deliciosa sobremesa, bebendo ainda o habitual café.

Por fim, pegou nos livros, pagou a despesa, saindo de imediato.

Como lhe restava ainda bastante tempo antes da aula seguinte, foi caminhando

tranquilamente até ao seu espectacular BMW, sentando-se descontraídamente no assento do

condutor. Inclinou um pouco as costas do banco, de modo a ficar mais confortavelmente

instalado, ligando também o potente auto-rádio que se encontrava montado na consola

central do automóvel. Depois, fechou os olhos, ficando a ouvir a excelente música que estava

a ser transmitida pela estação de rádio que sintonizara. Contudo, alguns minutos mais tarde o

jovem dormia profundamente, totalmente alheado do intenso movimento naquela rua. De

súbito, porém, um veículo que circulava próximo travou bruscamente, buzinando com

insistência. O irritante ruído da buzina, depressa chegou aos ouvidos de Jorge, que despertou

de imediato, compreendendo instintivamente que se deixara dormir...

- Merda!... Já estou atrasado, ...que porra!... - disse, enquanto olhava muito pouco

satisfeito para o seu relógio de pulso, e pegando precipitadamente nos livros que estavam

sobre o assento ali mesmo ao seu lado abriu a porta do BMW sem perder mais tempo.

Depois, encaminhou-se apressadamente para a faculdade que não ficava muito longe

do local em que se encontrava...

...

- Uaaaaaaauuuu!!!... - exclamou Jorge surpreendido, quando Joana lhe abriu a porta

de entrada do apartamento que dividia com Rita e Sofia - Tu estás..., a... um... espanto! -

concluiu observando boquiaberto a colega que, estava de facto deslumbrante...

- Não queres entrar enquanto elas não vêm? - convidou a jovem dos cabelos louros,

que naquela noite usava um lindo vestido negro, que não só realçava o sensual corpo da

jovem, como também os seus magníficos cabelos.

- Elas não demoram muito, pois não? - indagou Jorge, algo inquieto.

- Acho que não... - principiou a rapariga - ... mas há algum problema?

- Bem..., é que..., deixei o carro estacionado à balda, e estou com medo, não apareça

a bófia e se ponha a implicar. - esclareceu ele, encostando-se ao corrimão de madeira da

escada - A última vez, avisaram-me que não me voltavam a perdoar uma multa de

estacionamento... - acrescentou ainda.

- Eu vou ver se elas ainda demoram... - anunciou Joana, desaparecendo no interior da

habitação, perante o olhar atento de Jorge.

- Que corpo espectacular..., ufa!... Qual das três a melhor... - desabafou entredentes,

sorrindo-se cumplicemente dos seus pensamentos mais ousados...

- Vamos?... - inquiriu Joana, regressando acompanhada por Sofia e Rita que vinham

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logo atrás de si.

- É só um jantar garotas!... Não era preciso tanto!... - comentou, enquanto desciam os

quatro as escadas que conduziam à saída daquele prédio de apartamentos - Bem..., assim

sendo, ...tenho uma ideia melhor... - acrescentou, abrindo a porta da frente para que Sofia e

Joana pudessem entrar para os lugares traseiros.

- Em que é que estás a pensar? - inquiriu Rita ardendo em curiosidade, enquanto

Jorge dava a volta para entrar do outro lado.

- Surpresa... - respondeu ele vagamente com um sorriso misterioso, sentando-se ao

volante, e rodando a chave na ignição.

Logo que o ruído do potente motor do BMW M3 coupé se fez ouvir, Jorge engrenou a

primeira velocidade, iniciando suavemente a marcha logo em seguida. Alguns instantes mais

tarde, circulavam numa estrada pouco movimentada em direcção ao sul...

- Não sejas chato... - recomeçou Rita pela milionésima vez - ..diz lá onde vamos!...

- Já não precisas de esperar muito... - respondeu o jovem pacientemente - ...estamos

a chegar - concluiu, apontando para uma construção de um piso único, que se erguia um

pouco mais à frente...

...

- Já escolheram?... - inquiriu delicadamente o empregado daquele restaurante

aproximando-se da mesa que Sofia escolhera.

- Sim... - principiou Jorge, dando uma última vista de olhos pela ementa - ...queremos

quatro doses de Bacalhau com Natas...

- E para beber?... - prosseguiu o outro, enquanto tomava nota daquilo que o rapaz

pedira.

- Para mim uma imperial... - respondeu o jovem, fazendo um sinal às companheiras

para que pedissem a bebida que queriam.

- Pensava que os caloiros só bebiam leite!... - comentou Joana, logo que o empregado

se retirou...

- Ah!... Ah!... Ah!... Que piada!... - brincou Jorge, fingindo-se ofendido pela observação

da colega - E, em relação ao meu convite, já tomaram alguma decisão?

- Bem..., nós estivemos a pensar, e... - começou Sofia, fazendo uma breve pausa,

enquanto bebia um gole do sumo de laranja que o empregado havia acabado de lhe pôr à

frente.

- E...?... - insistiu o companheiro, mostrando-se bastante impaciente.

- Resolvemos aceitar!... - esclareceu por fim, passando os seus finos e doces lábios

pelo guardanapo, terminando finalmente com aquele momento de suspense, para gáudio do

colega que sorria satisfeitíssimo com a notícia - Mas... - acrescentou ainda - tem que ser

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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antes das férias de Natal.

- Se quiserem, pode até ser já neste fim-de-semana... Que dizem?... - propôs ele,

pedindo mais uma bebida ao empregado.

- De acordo! - anuíram as três raparigas, após uma breve troca de olhares - Mas tens

a certeza de que não há nenhum inconveniente? - indagaram, ainda hesitantes.

- Absolutamente nenhum! - respondeu o colega decididamente, começando a servir-se

do esplêndido Bacalhau com Natas que o empregado acabara de trazer naquele mesmo

instante. - Só preciso de prevenir a Isabel. Mas quanto a isso, não há problema, ...amanhã

telefono-lhe.

- Então, está combinado. Na sexta, vamos contigo para Santarém...

...

- Vêmo-nos amanhã? - perguntou Jorge, quando o vistoso BMW amarelo parou por

alguns instantes em frente ao edifício em que habitavam as três jovens.

- Não queres subir só por um bocadinho? - convidou Rita, libertando o fecho do cinto

de segurança.

- Sinto muito, mas não posso. Tenho umas tretas para ler, e uns apontamentos para

reler, por isso, não dá - lamentou-se o rapaz, com tristeza, dando um murro no volante do

automóvel.

- Então, vemo-nos amanhã! - concluiu a companheira, despedindo-se dele com um

beijo na face, e abrindo a porta da viatura, deixando que as duas raparigas que seguiam no

assento traseiro pudessem igualmente sair.

- Até amanhã! - disseram simultaneamente Sofia e Joana, que se juntaram no passeio

a Rita, vendo o potente veículo desaparecer rapidamente na curva que ficava algumas

dezenas de metros mais abaixo.

Jorge, após uma noite bem passada na companhia das colegas com quem travara

conhecimento através da prima Ana, dirigiu-se para casa, conduzindo velozmente o

espantoso BMW M3 coupé, que deixou estacionado como habitualmente em frente da

habitação que partilhava com a prima, agora de férias no Brasil. Atravessou tranquilamente a

estrada, olhando fixamente para o céu estrelado, que era iluminado pela luz intensa da lua

cheia, que naquele momento brilhava a descoberto de umas quantas nuvens que se podiam

igualmente observar. Passavam apenas alguns minutos das dez e meia da noite, quando o

jovem rodou a chave na fechadura da porta de entrada da habitação, entrando logo em

seguida...

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Fim do 2º Capítulo

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Capítulo 3

- Olá, bom dia! - cumprimentou o jovem estudante, chegando junto dos seus colegas

de turma, que aguardavam junto da entrada da sala de aula a chegada do professor de

Direito.

- Chamas bom dia, ...a isto!?... - exclamou uma rapariga, protestando contra o tempo

cinzento, húmido, desagradável e frio que se fazia sentir naquela manhã de Dezembro.

- Não deviam existir aulas de manhã! - prosseguiu um outro, terminando

disfarçadamente um cigarro que acendera poucos tempo antes, visto que não era permitido

fumar nos corredores da faculdade, e naquele momento aproximava-se um funcionário.

- Aulas só um dia por semana, e com férias pagas treze meses por ano! - comentou

de súbito alguém dando origem a uma gargalhada bem-disposta, que fez esquecer por

breves instantes aquela manhã fria e chuvosa.

Em seguida, chegou o professor, cumprimentando delicadamente os seus alunos, e

abrindo a porta, de modo a que todos pudessem entrar.

À aula de Direito, seguiu-se uma outra de Economia, tendo existido de permeio entre

ambas um curto intervalo com uma duração de quinze minutos, que o jovem aproveitou para

rapidamente tomar o pequeno-almoço, num simpático café, que embora minúsculo, não

deixava de ser bastante acolhedor, e que ficava próximo, regressando depois à faculdade, a

fim de assistir à aula de Economia...

Por volta da uma da tarde, quando finalmente terminaram as aulas daquele dia

sombrio, Jorge, dirigia-se apressadamente para o seu automóvel, quando foi interpelado

pelas três raparigas com quem jantara na noite anterior.

- Não queres ir à aula de Inglês por mim? - principiou Rita, brincando com ele,

enquanto se cumprimentavam trocando alguns beijos.

- Não..., ...não me parece que esteja muito interessado na tua extraordinária oferta... -

declarou o jovem rindo, enquanto abria a porta do espantoso BMW M3 coupé, atirando com

os livros que segurava na mão direita para cima do assento contíguo ao do condutor - Não sei

como, nem porquê, mas a verdade, é que recentemente auto-diagnostiquei-me como

extremamente alérgico a aulas, prejudicam seriamente a saúde, especialmente a minha -

prosseguiu, encostando por momentos a porta para que o veículo que surgiu de frente

pudesse passar sem problemas - Mas se quiserem, podemos ir beber qualquer coisa, antes

de eu ir embora, que dizem?...

- Se tu pagares, aceitamos, ...não é? - prontificou-se imediato Joana, trocando um

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olhar cúmplice com as duas companheiras.

- Pago pois!... Vamos!... - propôs ele, pegando nas chaves do automóvel para o voltar

a fechar.

- Ela está a brincar! - explicou Sofia, apontando de imediato para o mostrador do seu

relógio de pulso - Já estamos atrasadas mais de dez minutos, e faltámos às duas primeiras

aulas da semana, por isso temos mesmo que ir - esclareceu por fim.

- Têm a certeza?... - insistiu Jorge, desistindo logo em seguida, quando as raparigas

acenaram com a cabeça, indicando que não podiam mesmo - E que tal jantarmos?

- Hoje não dá... - respondeu Rita muito vagamente, escusando-se a revelar mais

pormenores.

- Porquê? - indagou o jovem não ficando satisfeito com aquela recusa aparentemente

sem justificação.

- Amanhã falamos... - concluiu a colega, fechando-se num enigmático sorriso, e

afastando-se rapidamente com Joana e Sofia - Agora temos que ir... - acrescentou ainda,

encaminhando-se depois as três para o interior do recinto da faculdade, deixando Jorge junto

do seu carro, que apesar de não ter compreendido muito bem a estranha atitude das três

raparigas, entrou no automóvel, não dando demasiada importância ao ocorrido.

- “ Provavelmente devem ter algum trabalho para fazer, e como também já estavam

atrasadas... ” - pensou, rodando a chave na ignição do BMW coupé, e arrancando velozmente

sem perder mais tempo, dirigindo-se para casa.

Depois do almoço, o jovem resolveu telefonar à irmã, para a pôr ao corrente do

convite que fizera às colegas, e que as mesmas haviam aceite. Por isso, pegou no telefone, e

marcou nas teclas correspondentes ao seu número em Santarém. Esperou alguns instantes

até que do outro lado da linha soasse a voz conhecida da irmã, que de imediato disse:

- Ainda bem que telefonas... - principiou a rapariga, com uma voz trémula -

...recebeste a minha mensagem?

- Que mensagem!?... - inquiriu Jorge surpreendido.

- Eu telefonei-te anteontem, e ontem, mas como não estavas, deixei recado no

gravador de chamadas, ...não o ouviste? - insistiu ela.

- Não, mas... passou-se alguma coisa? - perguntou Jorge inquieto, depreendendo pela

voz insegura da Isabel, que algo sucedera.

- Sim... - recomeçou a irmã a medo - Bem, a... eu... tive um acidente com o Ford, na

terça... - concluiu por fim soluçando.

- O quê!?... - exclamou o rapaz, um tanto confuso pela revelação que a irmã acabara

de lhe fazer - Mas..., e estás bem..., isto..., quer dizer, ...tu estás bem? - indagou preocupado

- Não te aconteceu nada?...

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- Não... - disse, soluçando cada vez mais, e começando também a chorar - Não..., não

me aconteceu nada..., mas o carro ficou sem o pára-choques, os vidros dos faróis, e... os

piscas ficaram partidos. Desculpa, ...está bem...?

- Acalma-te... - pediu o jovem, verificando que ela ainda não recuperara do susto -

escuta, ...isso não interessa. O que interessa é que estás bem... Então, ...acalma-te, ...não há

razão para isso... - prosseguiu, tentando confortar e descansar a irmã, minimizando o

problema - Então, ...como é que isso aconteceu?

- Anteontem, quando ia a caminho da escola, ia a parar atrás de uns carro que

estavam parados nos semáforos, ... e quando carreguei no travão o carro continuou a

deslizar, ...e eu para não bater nos que estavam à minha frente, dei uma guinada no volante,

e fui bater de frente num muro... - esclareceu a rapariga um pouco mais serena.

- E depois, ...o que fizeste?

- Depois, ...peguei no telemóvel, e telefonei aos tipos da oficina para irem lá buscar o

carro. Disse-lhes onde estava, e esperei que eles lá chegassem para me vir embora...

- E eles disseram o que foi?

- Sim..., foi falta de travões, ...ao que parece, uma das mangueirinhas do óleo tinha

uma fuga, e o nível estava no zero. Desculpa, ...está bem? - esclareceu Isabel ainda um

pouco perturbada.

- Ouve, já te disse que não há problema nenhum. O que me importa, é que a ti não te

aconteceu nada. Por isso, esquece esse assunto, ...já faz parte do passado, o.k.? - pediu o

irmão, não se preocupando muito com o sucedido - E, a propósito, ...quando é que te

devolvem o carro?

- Já cá o tenho. Vieram-no entregar hoje de manhã, e até já paguei o arranjo. Antes do

almoço fui dar uma volta com ele, e fiquei contente porque tiraram aquele baralho que eu te

disse, e tiraram aquele risco que tu fizeste na porta.

- Ainda bem. Pronto, ...então podes esquecer isso duma vez por todas. Tiveste um

acidente, e daí?

- Sim, vou fazer como dizes... - respondeu a irmã muito mais calma - Mas, diz-me uma

coisa, ...se não recebeste o meu recado, porque razão telefonaste?

- Ah! É verdade, ainda bem que me lembras, que eu com esta história já me estava a

esquecer!... A Rita, a Sofia, e a Joana resolveram finalmente aceitar o meu convite para

passarem o fim-de-semana connosco, e eu queria prevenir-te que elas amanhã vão comigo -

explicou Jorge, esperando que a irmã não visse qualquer inconveniente em relação àquele

assunto - Não te importas, pois não?

- Não, claro que não! Na verdade, ainda bem que as trazes... Estou ansiosa para as

conhecer...

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- Pronto, está assente. Obrigada! - agradeceu Jorge contente pelo anuimento pronto

da irmã - Bem, então posso ficar descansado que tu estás bem, ...certo? - insistiu de novo o

rapaz, querendo certificar-se que de facto Isabel não sofrera quaisquer danos físicos.

- Sim, ...podes ficar descansado, que eu estou óptima. Só tenho uma nódoa negra no

joelho direito, e ontem doía-me um bocadinho a barriga... - respondeu a rapariga

convictamente.

- E foste ao médico? - indagou o irmão

- Não, ...não é necessário... Isto foi só o susto, e aquilo do carro, portanto fica

tranquilo... - esclareceu ela - E, ...mudando de assunto, a que horas chegas amanhã?

- Não sei bem...

- Mas, ...não estás a contar chegar tão tarde como na semana passada, pois não?

- Livra!... Espero bem que não!... Já me chegou uma vez, porra!... Não estou muito... -

principiou, interrompendo-se logo em seguida - Olha, vou ter que desligar, está alguém a

tocar à campainha... Vemo-nos amanhã, está bem? Um beijinho... - concluiu, pousando

rapidamente o auscultador do telefone e, precipitando-se para a porta de entrada, quando

uma vez mais o ruído da campainha ecoou pelo corredor...

- Boa tarde! - cumprimentou o carteiro, quando Jorge abriu finalmente a porta,

recebendo das mãos do indivíduo um pequeno volume e duas cartas.

- Obrigado!... - agradeceu o jovem delicadamente, voltando a entrar em casa, e dando

uma vista de olhos pelo correio, constatando com alguma surpresa que a única

correspondência que lhe era dirigida, tinha o remetente do Rio de Janeiro, Brasil...

Espantado, abriu rapidamente o envelope, desdobrando de imediato o papel que este

trazia no seu interior... De imediato reconheceu a letra de Ana...

“Jorge, espero que esteja tudo bem por aí. Isto aqui é espectacular. O Rio de Janeiro é uma cidade enorme, e

igualmente linda. As praias são maravilhosas, com areais longuíssimos, e águas límpidas e cristalinas. A vida

nocturna é agitadíssima e as discotecas muito animadas, estão sempre cheias. Eu e o Rui estamos óptimos, e temo-nos

divertido imenso. Espero que tu estejas a aproveitar a minha ausência para fazeres o mesmo.

‘Quem disse que a vida não é bela?’

Um beijo meu e da Paula, e um abraço do meu pai, e outro do Rui.

Mil beijinhos da tua prima:

Ana “

Jorge, sentou-se confortavelmente na cadeira do escritório, e após ter ligado o

computador foi observando com atenção a restante correspondência que era dirigida à prima,

enquanto esperava que o jogo que escolhera entrasse, e com o qual se ocupou durante

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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bastante tempo. Por volta das cinco e meia da tarde, o jovem entrou na cozinha, e depois de

beber um copo de água, dirigiu-se para a sala de estar, levando consigo uma apetitosa maçã.

Pegou no livro que começara a ler há já algumas semanas, instalando-se no acolhedor sofá

de pele, trincando descontraidamente a suculenta maçã e lendo em simultâneo. A leitura

ocupou-o por completo até próximo das oito horas, quando por fim ficou a conhecer o

desenlace da história. Nessa altura, voltou a dirigir-se para a cozinha, a fim de preparar o

jantar. No congelador do frigorífico encontrou uma embalagem de lasanha, que apenas teria

de aquecer no forno micro-ondas, para que esta estivesse pronta a comer. Quando por fim

aquela refeição rápida ficou pronta, Jorge abriu o forno e usando uma luva para não se

queimar, pegou no prato em que espalhara a lasanha, pousando-o sobre a mesa.

- Porra..., esqueci-me outra vez de comprar cerveja! - exclamou, pegando desiludido

numa lata de sumo de laranja, continuando a lamentar-se pelo seu esquecimento, sentando-

se finalmente à mesa.

A seguir à refeição o jovem juntou toda a louça que utilizara e arrumou-a

cuidadosamente no interior da máquina de lavar, onde já se encontrava também uma

quantidade apreciável de louça suja. Por isso, Jorge decidiu-se a premir o botão que fazia

funcionar o aparelho de modo a que este pudesse lavar tudo aquilo que ele fora acumulando

às refeições durante vários dias. Mais tarde, voltou a sentar-se comodamente no confortável

sofá da sala de estar, descansando as pernas, como era hábito em cima da pequena e

elegante mesa de madeira escura que se encontrava ao centro da dependência, enquanto

esperava pelo filme que ia ser transmitido por um dos canais de televisão naquela noite...

A manhã seguinte surgiu de novo escura e fria à semelhança do dia anterior, e

embora não chovesse, a verdade é que o intenso nevoeiro que se formara durante a noite,

tornava mais desolador um cenário que era por si só suficientemente sombrio. Por sorte,

Jorge não tinha qualquer aula naquela manhã, pelo que já passavam alguns minutos do

meio-dia, quando por fim ele se decidiu a sair debaixo do aconchego que lhe era

proporcionado pelos inúmeros cobertores que tinha na sua cama, dirigindo-se de imediato

para o quarto de banho a fim de tomar o seu habitual duche matinal, que tanto apreciava.

Logo após terem soado as treze horas no antiquíssimo relógio da sala de estar, Jorge,

terminou o almoço, e precipitando-se para a entrada da habitação, pegou apressadamente

nos seus livros, saindo rapidamente, e fechando a porta atrás de si com um provocando um

estrondo enorme. Depois, em passo de corrida, encaminhou-se para o espantoso BMW M3

coupé, que permanecia estacionado em frente da habitação. Já no interior do automóvel,

rodou a chave na ignição, arrancando de uma maneira um tanto brusca, o que provocou que

os pneus do veículo tivessem deixado alguma borracha agarrada ao asfalto irregular daquela

estrada. Um pouco mais à frente, o jovem virou à direita num cruzamento, tomando o

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caminho que conduzia a Coimbra...

- Jorge!... Jorge!... - gritou uma voz ao longe, no momento em que ele cruzava os

portões da faculdade - Estamos aqui!... - anunciou a voz, quando finalmente o jovem se virou

para trás, reconhecendo surpreendido as três colegas que ocupavam uma mesa na

esplanada daquele pequeno café que ficava próximo da faculdade.

- Queres beber alguma coisa? - inquiriu Rita, convidando-o a sentar-se, logo que ele

chegou junto delas, após ter atravessado a estrada.

- Pode ser um café... - pediu o jovem, quando o empregado se aproximou da mesa

que ocupavam - Então, está tudo bem?

- Sim... - principiou Sofia, trincando mais um pedaço do cremoso bolo que tinha num

pequeno prato mesmo à sua frente - Queríamos saber a que horas nos vais buscar?

- Bem, ...eu saio às ...seis e meia - começou ele, fazendo uma curta pausa para

pensar - ...portanto, ...estejam prontas às sete menos um quarto - concluiu, abrindo uma

saqueta de açúcar, e despejando o seu conteúdo no interior da chávena de café que o

empregado acabara de pousar sobre a mesa.

- Avisaste a Isabel? - inquiriu Joana, prosseguindo após um aceno afirmativo do

colega - Ela não se importa?

- Não, claro que não! Na verdade, ela até ficou bastante contente com a notícia, e ao

mesmo tempo, também um pouco mais animada... - esclareceu Jorge, terminando

rapidamente o seu café, e dando a entender que algo sucedera com a irmã.

- Passa-se alguma coisa? - indagou Rita curiosa, depreendendo pelas palavras do

companheiro que tinha acontecido qualquer coisa com Isabel.

- Ela teve um acidente com o nosso Ford Escort RS Cosworth, na terça... - respondeu

vagamente o jovem, pegando nos seus livros - Mas felizmente, segundo ela me disse foi só

um grande susto. Ela está óptima, e o carro também não deve ter sofrido muito, uma vez que

também já está arranjado - acrescentou por fim, resumindo aquilo que a irmã lhe dissera na

véspera pelo telefone, e levantando-se da cadeira - Bem, eu tenho que ir embora, que já

estou demasiado atrasado...

- Tu tinhas aulas agora!?... - perguntou Joana, olhando-o surpreendida, através dos

seus magníficos olhos azuis - Então pira-te que nós pagamos isso!... - ordenou, após mais

um sinal afirmativo do rapaz, que puxava da carteira para pagar a despesa.

- Está bem! - concordou ele, voltando a guardar a carteira no bolso traseiro dos jeans

enquanto se despedia das três raparigas - Então até logo, ...às sete menos um quarto! -

disse, afastando-se apressadamente logo em seguida...

...

- Bom fim-de-semana, pá!...

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

38

- Obrigado! Para ti também! - agradeceu Jorge, retribuindo as palavras simpáticas do

colega, enquanto abria a porta do BMW amarelo, entrando de imediato no elegante

desportivo...

Quando já estava próximo do prédio no qual as três colegas dividiam um apartamento

o rapaz, lembrou-se de súbito da bagagem que preparara na noite anterior para levar no

regresso a Santarém, e da qual se esquecera por completo, quando já de tarde saíra

precipitadamente de casa. Daí, que tenha feito meia volta, e resolvido ir primeiro à casa que

partilhava com a prima buscar os dois sacos de viagem que estavam no hall de entrada,

mesmo junto à porta. Jorge, pegou nos dois volumes, e sem perder mais tempo, dirigiu-se

apressadamente para o automóvel cujo motor nem se dera ao trabalho de desligar,

arrancando bruscamente, tomando o caminho de volta a Coimbra. Cerca de dez minutos

mais tarde, voltou a sair apressadamente do BMW M3 coupé que conduzia, dirigindo-se para

a entrada do edifício onde habitavam as três raparigas. Subiu os degraus da escada dois a

dois, e não demorou muito até que chegasse ao segundo andar, carregando duas vezes no

botão da campainha correspondente ao apartamento do lado direito. Poucos segundos

volvidos, a porta abriu-se, aparecendo a cabeça de Rita.

- Estão prontas? - inquiriu o rapaz, avançando para o interior da habitação,

observando umas quantas malas de viagem que se encontravam logo ali à entrada, no

momento em que Sofia e Joana surgiram trazendo às costas uma pequena mochila cada -

Podemos ir?

- Onde estiveste? - indagou rispidamente a atraente rapariga dos cabelos louros

fingindo-se zangada - Estás quase meia hora atrasado!...

- Também não é tanto assim... - defendeu-se ele, olhando para o seu relógio de pulso

- ...são só vinte minutos... Então, estão prontas?

- Sim, só temos que levar estas malas para baixo... Importas-te? - pediu Rita, olhando

para ele e apontando simultaneamente para os quatro volumes que estavam cuidadosamente

dispostos mesmo ali à sua frente

- Não, claro que não! - respondeu Jorge, pegando cavalheirescamente em duas das

malas, e dirigindo-se para o patamar exterior - Trazem tudo?...

- Sim, está tudo aqui, e é só a Joana fechar a porta que vamos já... - replicou Sofia,

agarrando numa mala, enquanto que Rita pegava na última, e Joana tirava do bolso um

molhe chaves a fim de fechar a porta de entrada.

Os quatro jovens, desceram tranquilamente os vários lanços de degraus, até

chegarem à saída do edifício. Depois Jorge, abriu o espaçoso porta-bagagens do BMW

coupé, e juntou aos dois sacos de desporto que fora buscar a casa, os quatro volumes

pertencentes às colegas. Em seguida, deu a volta ao automóvel, entrando também ele no

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interior do veículo, ocupando o lugar do condutor. Por fim, iniciou cautelosamente a marcha,

dirigindo-se a velocidade moderada para a via de acesso à auto-estrada, por força do intenso

tráfego que se registava àquela hora.

Eram sete e meia da tarde, quando o BMW amarelo parou na portagem da via rápida.

Jorge abriu o vidro, e esticando o braço esquerdo retirou o título que devia entregar à saída.

- Segura nisto, por favor... - pediu a Rita, que seguia a seu lado, entregando-lhe o

pedaço de papel, e arrancando sem perder mais tempo.

- Queres que eu guarde? - sugeriu a colega, colocando o tiket no bolso dos seus

jeans...

- Sim, se não te importas. E é melhor pores o cinto... - aconselhou, reparando que Rita

não fazia uso do cinto de segurança.

Enquanto que nos lugares da frente Rita e Jorge conversavam animadamente, lá

atrás, Sofia e Joana permaneciam aparentemente silenciosas, escutando com atenção o

desenrolar da conversa entre os dois primeiros...

- Trouxeste aquilo? - indagou a dada altura Sofia, falando ao ouvido da colega que

seguia ao seu lado.

- Que disseste...? - perguntou a outra talvez um pouco mais alto do que devia,

recebendo por isso uma cotovelada.

- Cala-te que eles podem ouvir!... - ordenou-lhe de imediato a rapariga furiosa,

suspirando de alívio, uma vez que nem Jorge, nem Rita se aperceberam da suspeita troca de

palavras em surdina, que se desenrolava no assento traseiro - Eu perguntei se não te

esqueceste de trazer “ aquilo “...

- Fica descansada que está tudo aqui dentro... - esclareceu Joana falando baixinho, e

apontando para a mochila que estava junto aos seus pés.

- Se a Rita alguma vez te perguntar por isto, tu não sabes de nada... - recomendou ,

sussurrando-lhe ao ouvido - Se ela descobre o que vamos fazer, ...estamos fritas...

- Não te preocupes... - principiou a sedutora jovem dos cabelos louros - ...olha bem

para ela, está completamente caídinha por ele...

- E ele por ela... - observou Sofia com perspicácia, trocando um olhar cúmplice com a

amiga.

- ...Então, ...não dizem nada? - indagou de súbito Jorge, levantando um pouco a voz,

falando para Sofia e Joana, que continuavam entretidas, conversando em surdina - Joana!?...

Sofia!?... - chamou ele observando-as pelo espelho retrovisor.

- Diz, ...o que é?... - respondeu Joana, levantando a cabeça um tanto comprometida.

- Eu e a Rita estávamos a combinar darmos um passeio amanhã ou no Domingo para

vocês ficarem a conhecer um pouco do Ribatejo, ...o que acham?

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- Óptima ideia!... - concordaram ambas prontamente.

- Gostávamos imenso! - acrescentou Sofia.

...

- Vou ter que parar ali à frente em Pombal para meter gasolina... - anunciou Jorge,

quando passavam a grande velocidade por uma placa que indicava a distância a que se

encontravam da Área de Serviço mais próxima.

Alguns instantes mais tarde o BMW amarelo desviou-se da auto-estrada, entrando na

via de acesso ao posto de abastecimento. Após o veículo se ter imobilizado surgiu o

gasolineiro ao qual o rapaz entregou a chave que abria o depósito de combustível do

automóvel...

Minutos depois, quando já rodavam de novo na auto-estrada, foram surpreendidos por

alguns pingos de água que à medida que o tempo passou foram aumentando

progressivamente, até que a dada altura chovia quase diluvianamente. Por volta das oito e

meia, passavam ao lado de Leiria, e mais tarde próximo de Fátima, onde os esperava uma

surpresa desagradável; à chuva que caía torrencialmente, juntou-se-lhe também um nevoeiro

muito intenso o que obrigou Jorge a reduzir ainda mais a velocidade por força das difíceis

condições de visibilidade.

- Se isto continua assim até Santarém, não chegamos lá hoje!... - observou o jovem,

mostrando-se bastante desagradado com o mau tempo.

- Ainda falta muito? - indagou Rita lá de trás, que aquando da paragem na Área de

Serviço de Pombal havia trocado de lugar com Joana.

- Um pouco, ...mais ou menos cinquenta quilómetros, e se apanhamos nevoeiro aqui,

o mais certo é termos que o aguentar até Torres Novas. Talvez...

- E falta muito para Torres Novas? - interrompeu Sofia.

- Cerca de vinte quilómetros... - esclareceu Jorge, guiando com perícia naquelas

condições tão adversas...

...

- É naquele prédio lá ao fundo... - disse o rapaz, respondendo à pergunta de Joana,

apontando também para a enorme construção que fora erguida no final da rua em que

circulavam - Vamos entrar pela garagem subterrânea... - prosseguiu, contornando o edifício,

enquanto procurava simultaneamente no tablier do veículo o controlo-remoto que fazia abrir o

portão que dava acesso à cave do prédio.

Jorge deixou o BMW coupé estacionado não muito longe do elevador, e logo que abriu

a porta do automóvel, repetiu o gesto com o comando à distância, para que o portão fechasse

de novo. Ainda antes de sair do interior do espantoso coupé amarelo, puxou a alavanca que

se encontrava ao lado do assento do condutor para que se abrisse o porta-bagagens,

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puxando depois para fora todas as malas, que pousou com cuidado no chão, transportando-

as logo em seguida para o elevador. Após todos terem entrado, Rita premiu o botão no qual

estava inscrito o numero nove, e o elevador iniciou lentamente a ascensão...

- Isabel!... Onde estás? - gritou Jorge, pousando a bagagem no chão do hall de

entrada do apartamento, fazendo um sinal às colegas para que fizessem o mesmo.

- Estou aqui, ...na sala, ...eu vou já!... - respondeu uma voz feminina do interior da

habitação - Olá!... - cumprimentou a rapariga surgindo de súbito à entrada do corredor,

dirigindo-se a Jorge, e abraçando-o com ternura - Por fim chegaste, já começava a ficar

preocupada...

- Havia nevoeiro na Serra D’Aire... - esclareceu o jovem - Bom, mas isso não

interessa... Olha, estas são as colegas de quem te falei: esta é a Rita, a Sofia, e aquela é a

Joana - disse, apontando respectivamente para cada uma delas à medida que ia

pronunciando os seus nomes - E esta, é a Isabel, a minha irmã - acrescentou, apertando

contra si o corpo frágil e delicado da irmã.

- Pára... - protestou ela, rindo-se divertida - Está quieto, ...estás a fazer-me cócegas,

...pára, ...por favor...!...

Isabel conseguiu por fim libertar-se dos braços fortes que a envolviam, e

cumprimentando delicadamente as colegas do irmão, convidou-as para a enorme e

acolhedora sala de estar, onde na lareira ardia um agradável fogo que aquecia e tornava mais

agradável aquele espaço.

- Que bela casa! - observou Joana, sentando-se no confortável sofá de pele em frente

da lareira.

Isabel não respondeu ao comentário da lindíssima rapariga dos cabelos louros,

limitando-se a sorrir, e anunciando que ia ver se o jantar já estava pronto saiu,

encaminhando-se para a cozinha. No entanto as visitas insistiram em ajudar, e juntas

esticaram uma toalha de linho branco sobre a mesa da sala de jantar, distribuindo depois

cinco pratos, e igual número de copos, talheres e guardanapos.

- Isto está óptimo! - observou Rita, saboreando mais um pouco do suculento assado

que Isabel preparara para a refeição - Batatas assadas com carne de... ...de quê...? -

indagou, virando-se na direcção da irmã de Jorge que ocupava um dos topos da mesa.

- É cabrito assado...

- Cabrito, ...hem, acho que nunca tinha provado.

- Gosto mais de javali... - interrompeu Jorge bebendo um gole de sumo de laranja.

- Javali!?... - exclamou surpreendida Sofia.

- Sim, tem uma carne muito saborosa e compacta, muito diferente daquilo a que

estamos habituados - explicou o anfitrião, ajudando a irmã a recolher os pratos, depois de

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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todos terem terminado.

Isabel pegou na louça que havia sido utilizada durante a refeição, e desapareceu no

corredor em direcção à cozinha. O irmão acompanhou-a, regressando pouco tempo depois,

trazendo um prato, sobre o qual se podia observar um apetitoso bolo gelado. atrás dele surgiu

Isabel com taças e talheres para todos.

- Espero que gostem disto... - principiou a rapariga, cortando a deliciosa sobremesa

em fatias - porque foi tudo o que consegui encontrar. hoje saí muito tarde, e já não tive tempo

para fazer nada. - acrescentou ainda, entregando uma taça a Rita, que agradeceu sorrindo...

Depois de terem terminado a refeição, Jorge propôs que fossem beber um café à

pastelaria que ficava ali próximo. Porém, Sofia lembrou que já passavam alguns minutos das

onze horas, pelo que os cinco jovens optaram por se sentarem nos confortáveis sofás da sala

de estar, em frente da acolhedora lareira, vendo o filme que Isabel alugara no clube de vídeo,

nessa mesma tarde.

Quando por volta da uma hora da manhã o filme terminou, Joana sugeriu que fossem

dormir, o que agradou a todos, pelo que foram buscar as malas que haviam deixado no hall

de entrada. Depois, Jorge distribuiu pelas três visitas os quartos que estavam vagos,

entregando a cada uma das colegas a respectiva bagagem.

- Aquela porta ali..., é da casa de banho privativa - indicou a Rita, que ficara com o

último quarto - Boa noite e até amanhã!... - acrescentou ainda.

- Então, ...até amanhã!... - respondeu a jovem, empurrando a porta até esta ficar presa

no trinco.

Após Rita, Sofia e Joana terem sido instaladas, Jorge e Isabel subiram tranquilamente

os degraus que conduziam aos seus quartos. Já no piso superior, depois de se abraçarem

com ternura, trocaram um beijo na face, e despediram-se com um “ Boa Noite! “.

Por fim, Jorge entrou no seu quarto, e fechando a porta dirigiu-se para o seu quarto de

banho privativo, regressando poucos minutos volvidos já preparado para dormir. Por isso,

enrolou-se confortavelmente nos lençóis, desligando o pequeno candeeiro da mesinha de

cabeceira em seguida. não tardou muito até que os cinco jovens dormissem profundamente e

aquele magnífico apartamento estivesse mergulhado num silêncio quase absoluto...

A meio da noite, porém, a tranquilidade reinante foi subitamente interrompida... A dada

altura, o ruído de uma porta a ranger fez-se ouvir... Alguém circulava pela casa... Um vulto

sinistro foi sucessivamente abrindo as portas de todos os quartos de dormir, espreitando para

o seu interior, procurando talvez certificar-se de que todos os ocupantes da casa dormiam.

Depois, movendo-se silenciosamente a misteriosa personagem dirigiu-se para a sala... Sem

fazer barulho, abriu várias gavetas da enorme estante, afastou alguns livros, voltando a

arrumar tudo cuidadosamente... De súbito, ouviu-se novo ruído; desta vez a madeira a

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estalar, precedida de uns quantos passos que pareciam vir da escada e se aproximavam

depressa... O intruso, agindo quase por instinto ocultou-se rapidamente atrás de um dos

mapples, arrastando consigo o cinzeiro de metal que caiu com estrondo sobre o chão... De

imediato a sala ficou iluminada, e um segundo indivíduo penetrou no seu interior... Era Jorge,

que olhava surpreendido para todos os lados, pegando confuso no pequeno objecto de metal,

e voltando a colocá-lo sobre a elegante mesa de madeira que servia de objecto de decoração

àquela divisão. Antes de sair, deu ainda uma última vista de olhos sobre a sala, e não

encontrando nada fora do comum, desligou o interruptor, e afastou-se tomando a direcção da

cozinha... Aí, tomou um copo de água fresca, e regressou ao seu quarto...

Entretanto, o que se passara com a misteriosa personagem que se refugiara

precipitadamente atrás de um dos sofás individuais quando escutara os primeiros ruídos...?

Aparentemente nada, pois permanecia ajoelhada no mesmo local em que se escondera

momentos antes... Logo que pressentiu que Jorge fechara a porta do seu quarto, o vulto

voltou a movimentar-se, e erguendo-se, continuou a sua estranha busca... Depois da sala de

estar, dirigiu-se ao escritório, revistando todas as gavetas da secretária sobre a qual se

encontrava um computador pessoal. Na segunda, encontrou um rolo de fita-adesiva, que tirou

para fora, cortando duas tiras que colou no estranho objecto que segurava na mão esquerda.

Em seguida, abriu a última gaveta da secretária, , e tirando-a para fora, colou sob o seu

fundo o bizarro volume... Por fim, voltou a colocar a gaveta no seu devido lugar, pegando

também no rolo de fita-adesiva... Porém, logo a seguir ouviu-se novo ruído... Alguém acabara

de entrar na cozinha. Aquela misteriosa personagem arrumou a fita no seu lugar, e sem

hesitar abandonou o escritório, fechando cuidadosamente a porta, e indo discretamente

espreitar quem estaria a pé àquela hora; era Isabel, que encostada a u armário trincava

descontraidamente uma maçã. Esta, viu uma sombra em movimento, e intrigada correu para

fora da cozinha... O indivíduo, quando pela atitude de Isabel suspeitou que a sua presença

fora detectada, esgueirou-se rápida e silenciosamente para o escuro corredor,

desaparecendo em seguida, pelo que, quando Isabel chegou à entrada do mesmo e não

vislumbrou nada de anormal, acabou tranquilamente de saborear o fruto, regressando depois

ao seu quarto... Eram então cinco e meia da madrugada, e aquele apartamento voltou a ficar

mergulhado num silêncio quase absoluto...

...

- Naquele armário encontras melhor que isso... - principiou Jorge, entrando na cozinha

ainda em roupão, e encontrando Sofia que já pronta tirava pacientemente a pele a um kiwi.

- Caramba, assustaste-me!... - exclamou a colega que não se apercebera da presença

do rapaz, dando um salto e deixando cair o fruto.

- Olá, ...bom dia! - cumprimentou o jovem - Desculpa, não quis assustar-te... -

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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prosseguiu - ... mas deve haver para aí bolachas e biscoitos, por isso serve-te à vontade

enquanto eu vou tomar um duche.

Jorge terminou a frase, e sorrindo afastou-se tranquilamente em direcção ao seu

quarto de dormir. Quando alguns minutos mais tarde o jovem reentrou na cozinha, Sofia já lá

não se encontrava. Tirou uma porção de biscoitos de chocolate do interior do pacote que a

colega deixara sobre a mesa, e resolveu procurá-la. Tentou em primeiro lugar na sala de

estar, mas um ruído vindo do escritório chamou-lhe a atenção, pelo que para lá se

encaminhou sem grandes pressas. pela nesga da porta entreaberta, avistou a rapariga, que

parecia entretida com um jogo de computador.

- Não sabia que gostavas destas coisas!...

- Tu..., ...outra vez!... Já é a segunda vez hoje... Queres matar-me de susto? - acusou,

fingindo-se indignada.

- Tenho aí jogos melhores que esse! - principiou Jorge, puxando uma cadeira, e

sentando-se ao lado de Sofia.

- Também queres jogar?

Os dois passaram um pedaço divertido, competindo um contra o outro num simulador

de corridas de automóveis. Algum tempo depois, a porta do escritório voltou a abrir-se, e

apareceu a cara de Joana, que rindo foi perguntando:

- Posso juntar-me à festa?

- Podes, ou melhor, até me podes substituir, enquanto eu vou acordar a minha irmã.

Temos que aproveitar hoje, uma vez que não está a chover, para darmos o tal passeio pelo

Ribatejo... - esclareceu, cedendo o seu lugar à recém-chegada, e saindo em seguida.

Após Jorge ter fechado a porta, e os seus passos terem deixado de se ouvir, Sofia

perguntou com uma expressão pouco inocente.

- Já te livraste daquilo?

- Sim... - respondeu a outra, e baixando a voz, prosseguiu cumplicemente quase em

surdina - ...mas quase fui apanhada por duas vezes. Quando estava na sala à procura de um

esconderijo para aquilo, apareceu o Jorge, que não me descobriu por pouco... Depois,

quando tinha acabado de esconder os negativ...

- Chiiiiuuuuuuu!!!... Cuidado, - avisou Sofia - ...não fales nisso, ...pode aparecer

alguém! Então e depois, ...que aconteceu...? - indagou por fim.

- Quando eu acabei, ouvi um barulho na cozinha; ...era a Isabel. Como ela estava

distraída, aproveitei a altura para me pôr ao fresco, ...mas ela deve ter-me topado, porque

veio atrás de mim...

- E apanhou-te?

- Não, quando chegou à entrada do corredor, e não viu ninguém, desistiu, e voltou

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para a cozinha...

- E aonde é que os escondeste?

- Estão aqui... - respondeu a atraente jovem dos cabelos louros, abrindo a última

gaveta da secretária sobre a qual estava o computador, e mostrando à companheira onde

estava escondido o objecto de que tanto se queriam ver livres...

- Guarda isso, porra!... - ordenou Sofia rispidamente - E não digas nada à Rita, está

bem? - insistiu ainda.

- T’ ás louca! - replicou a outra, voltando a colocar a gaveta no seu lugar - Se ela

descobrisse, dava cabo de nós!...

Estava então desvendado o enigma acerca da misteriosa personagem que durante a

madrugada anterior vagueara pelo apartamento. Fora Joana, que errara pela habitação na

tentativa de esconder o volume que acabara de mostrar à sua cúmplice. esta situação era no

mínimo bizarra; porque teriam as duas raparigas teriam escolhido a casa de Jorge e Isabel

para ocultarem tão suspeito objecto, e porque razão insistiam em não dar a conhecer o facto

à companheira e amiga, Rita.

Entretanto, e enquanto se desenrolava tão comprometedora conversa, o anfitrião fora

despertar a irmã. Porém , após ter entrado no quarto dela, o jovem compreendeu que Isabel

já se levantara, e estaria provavelmente naquele momento debaixo do chuveiro, pois de onde

estava o rapaz ouvia nitidamente o som da agua a cair na superfície da banheira. Por isso,

Jorge saiu, e desceu os degraus que conduziam ao piso inferior. Depois encaminhou-se para

o quarto em Rita ficara instalada, e bateu levemente três vezes, chamando em simultâneo

pela jovem. Não obtendo qualquer resposta, rodou a maçaneta, e entrou, deixando a porta

entreaberta. Sem ruído, aproximou-se da cama, e ajoelhou-se junto da mesinha de cabeceira,

contemplando o rosto adormecido da colega.

Alguns dos longos cabelos castanhos pendiam-lhe sob a face tranquila, iluminada

pelos escassos raios de luz que conseguiam timidamente penetrar pelas frinchas da janela. O

rapaz passou-lhe as mãos pelos cabelos, beijando-a com ternura no rosto, e pronunciando o

seu nome em seguida:

- Rita!... - chamou com voz doce, quase sussurrando - Rita!... Acorda!... - insistiu,

abanando suavemente o corpo sensual e franzino da rapariga.

Por fim ela abriu os seus magníficos olhos castanhos, fitando-o com um olhar puro e

singelo.

- Madrugaste, hem!?... - observou, bocejando longamente - Que se passa?

- Como está bom tempo, eu pensei que poderíamos dar hoje aquele passeio,

conforme tínhamos combinado ontem. - esclareceu ele, beijando-lhe suavemente a pele

suave do rosto - Então, ...que dizes?

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- É uma óptima ideia! - concordou a colega - Que horas são?

- Dez e meia - respondeu Jorge, consultando os ponteiros do seu relógio de pulso - Vá

lá, levanta-te e arranja-te para não perdermos mais tempo.

- Está bem, eu vou só tomar um duche num instante, e já lá vou ter, o.k.? - anunciou,

levantando-se, e passando a sua mão com ternura pelos cabelos louros do companheiro.

- Não te demores!...

Depois Rita, dirigiu-se apressadamente para o quarto de banho, fechando suavemente

a porta. Ainda Jorge não tivera tempo de se levantar, quando a porta de abriu de novo:

- Não vale espreitar, ouviste? - avisou ela gravemente, falando para o anfitrião que

permanecia serenamente sentado na cama desarrumada, desaparecendo novamente no

interior do quarto de banho logo em seguida...

...

- Que paisagem espectacular! - comentou Joana, chegando-se à beira da espessa

muralha que se erguia sobre a vasta extensão de planícies verdejantes que se estendiam à

sua frente por vários quilómetros, e que a rapariga contemplava maravilhada. - Com uma

vista assim, não era muito difícil a quem estivesse no aqui castelo avistar qualquer inimigo

que se aproximasse.

- Sim, é verdade... - concordou Isabel, que estava mesmo ao lado da colega do irmão.

- Em que ano tomou D. Afonso Henriques este castelo? - perguntou Sofia.

- Não sei bem... - principiou a irmão de Jorge hesitando um pouco - ...talvez...., talvez

o Jorge saiba!... - disse, vendo o rapaz aproximar-se, acompanhado por Rita.

- Bem, é melhor irmos embora, ou não conseguiremos ver tudo - propôs ele chegando

junto das três raparigas - Que dizem?

- Talvez seja boa ideia... - aprovou Joana.

- Onde é que vamos a seguir? - indagou Rita.

~- Ainda vos queria mostrar o Museu de S.João de Alporão, e a Igreja de Marvila

antes do almoço... De tarde, podíamos ir a Tomar, se vocês quiserem. Se no fim ainda sobrar

tempo, depois logo vemos. - anunciou o jovem.

- Então, ...estamos à espera de quê? - inquiriu Sofia, tomando a iniciativa e dando um

passo em frente.

Os cinco jovens encaminharam-se tranquilamente em direcção ao distinto Rover 620

preto, deixando para trás as Portas do Sol. Isabel ocupou o assento do condutor, tendo a seu

lado Joana, enquanto que o irmão dividia o assento traseiro com Rita e Sofia...

À uma e meia da tarde, , já depois de terem visitado o Museu de S. João de Alporão, e

a Igreja de Nossa Senhora de Marvila, entraram num restaurante típico que ficava no centro

histórico da cidade de Santarém. Escolheram uma mesa não muito longe da entrada, e por

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fim sentaram-se, aguardando pacientemente que um dos indivíduos de casaca preta que

circulavam entre as várias mesas lhes trouxesse e ementa. Jorge e a irmã escolheram “

Bacalhau com Natas”, enquanto que as três colegas do rapaz optaram por provar a “ Carne

de Porco à Alentejana “. Para a sobremesa, decidiram-se pelo “ Doce de Amêndoa ”,

seguindo o conselho do empregado de mesa, que o recomendava vivamente. A refeição

terminou com o habitual e quase inevitável café.

Após aquele esplêndido almoço puseram-se a caminho de Tomar, a fim de visitarem

alguns dos inúmeros locais de interesse turístico da cidade...

- Onde é que vamos agora? - perguntou Isabel ao irmão a dada altura.

- Podemos começar pelo Convento de Cristo, que fica já ali naquele monte - sugeriu

Jorge, apontando para uma elevação que se via a curta distância do sitio onde se

encontravam.

- Não é lá que fica aquela janela muito famosa, ...a janela... do..., do..., do..., -

principiou Rita, tentando recordar-se do nome da célebre obra de arte, que aparecia

frequentemente nos livros de História.

- Do Capitólio!... - ajudou Sofia.

- Capítulo... - corrigiu o colega, rindo-se divertido da confusão da rapariga.

- Janela do Capítulo!... - repetiu ela - è isso mesmo, falámos dela muitas vezes

quando estudámos o Manuelino em História no secundário. - concluiu com um sorriso

triunfante.

Aquele grupo bem-disposto chegara a Tomar pouco tempo antes. Apesar da

sugestão de Jorge, acabaram por passear primeiro por alguns dos muitos jardins da cidade.

Sofia ficou encantada com a tarambola que girava lentamente ao sabor das águas tranquilas

do Nabão. Rita e Joana, por sua vez ficaram bastante impressionadas com as pinturas que

foram encontrar na Igreja Matriz, de onde acabavam de sair naquele momento...

Jorge, que entretanto trocara de lugar com a irmã, ocupou o lugar do condutor do

lindíssimo Rover negro, iniciando suavemente a marcha, poucos instantes após ter

engrenado a primeira velocidade, e libertado igualmente a alavanca do travão de mão do

automóvel. Não tardou muito, apenas uns quantos minutos, até que se encontrassem todos à

entrada do imponente monumento. Uma vez dentro do Convento de Cristo, observaram

atentamente não só a famosa Janela do Capítulo, como também as belas pinturas e os

riquíssimos azulejos, e ainda as curiosas e antiquíssimas ruínas que foram descobertas no

espaço envolvente do majestoso monumento de estilo Manuelino, que outrora pertenceu aos

Templários e posteriormente à Ordem de Cristo.

Após deixarem o Convento de Cristo, Jorge propôs que fossem lanchar, e sem

esperar pela resposta das companheiras entrou decididamente na primeira pastelaria que

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encontrou, ocupando de imediato uma mesa...

- Isto não é nada bom para a “ linha “ ! - observou Sofia a dada altura, saboreando

gulosamente mais um pouco do seu cremoso bolo - Supostamente eu estou a fazer dieta!... -

acrescentou ainda despreocupadamente.

- Eu também!... - respondeu o colega, prontamente, acabando de comer a deliciosa

fatia de torta com chantilly - Traga-me outra, por favor!... - pediu quando a simpática

empregada passou pela mesa onde se tinham instalado.

- Realmente nota-se!... - observou a irmã com um ar de reprovação - Não tens mesmo

emenda!... Guloso!...

As quatro raparigas esperam pacientemente até que ele terminasse a sua bebida,

saindo depois todos juntos. Já à saída, Jorge sugeriu que visitassem a Sinagoga da cidade.

Aquele templo de culto hebraico, adquiriu particular importância uma vez que é o único do

género em Portugal, pelo que o rapaz, argumentando que seria uma pena não o visitarem,

voltou para trás em busca do monumento...

Faltavam escassos minutos para as seis da tarde quando deixaram Tomar. A caminho

de Santarém, passaram ainda por Torres Novas no intuito de irem ao Castelo da cidade, e

visitarem o Museu Municipal Carlos Reis. Contudo, não tiveram sorte, uma vez que ambos

haviam encerrado pouco tempo antes; às três horas. Por isso, foi com alguma tristeza que

entraram de novo no elegante automóvel negro, e iniciaram a viagem de regresso a

Santarém...

Ainda não eram sete da tarde, quando Jorge estacionou o Rover 620i na garagem

subterrânea do imponente edifício em que o jovem habitava com a irmã. Na rua, os últimos

raios de sol há muito que haviam já descido no horizonte, dando lugar à escuridão da noite.

- Foi uma pena não termos chegado a tempo de vermos o museu e o castelo em

Torres Novas... - lamentou-se Isabel à entrada do apartamento, esperando que o irmão

abrisse a porta.

- Não faz mal... - retorquiu de pronto Rita - ...fica para a próxima.

- Afinal o que interessa é que ficamos a conhecer um bocadinho de uma região

diferente, e que não imaginávamos que fosse tão bonita...

- Em todo o caso, poderemos sempre combinar outro fim-de-semana, ou talvez até

uma semana inteira! - disse Jorge, abrindo finalmente a porta de entrada.

- E porque não...? Até é uma boa ideia!... - concordou a irmã de pronto, encantada

com a ideia de poder receber de novo as três companheiras, com quem tanto simpatizara...

Sem perderem mais tempo dirigiram-se todos rapidamente para a cozinha, a fim de

prepararem o jantar. Como haviam almoçado bem, Sofia propôs que jantassem qualquer

coisa mais leve, e que sobretudo não desse muito trabalho a confeccionar, pois o serão no

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mínimo prometia. Na televisão ia ser transmitido o desafio de futebol entre o Benfica e o

Sporting, e uma vez que os dois clubes seguiam empatados no primeiro lugar da

classificação, o interesse era redobrado, pelo que, nenhum dos cinco jovens, como grandes

admiradores que eram daquele desporto, queria perder o encontro por nada. Por isso,

optaram por grelhar uns hambúrgueres, que acompanharam com um suculenta salada de

alface e outros vegetais. Jorge, pegou ainda nalgumas laranjas, que transformou num

fresquissímo sumo natural, com a ajuda do espremedor de citrinos. Por fim, dividiram o que

restava do enorme saco de biscoitos de chocolate, e voltaram a guardar tudo, arrumando

também a louça suja na máquina de lavar-louça.

Às oito e vinte, instalaram-se todos nos cómodos sofás de couro castanho da sala de

estar, aguardando com grande expectativa pelo início do derby, que principiaria dez minutos

mais tarde. Não tardou muito até que estivessem os cinco com os olhos pregados no

televisor. O ambiente não poderia der melhor no que diz respeito às cores clubísticas, havia

de tudo um pouco; os anfitriões eram ambos sócios do Benfica, e enquanto que Joana torcia

pelo Sporting, Rita e Sofia mantinham-se um pouco mais distanciadas da disputa. A primeira

gostava do Boavista, enquanto que a simpatia da segunda recaía no F.C. Porto.

- Não tens vergonha!?... - principiou Jorge com um ar de troça, fingindo-se indignado

ao mesmo tempo, falando na direcção de Joana - Nasceste e cresceste no Porto, quando não

estás em aulas é no Porto que vives, e és sportinguista? Poderias pelo menos ter feito como

elas; - continuou, fazendo uma breve pausa, e apontando para Sofia e Rita - mal por mal, é

preferível apoiar os clubes da terra. Mas tu, ...sem comentários!...

- Não sabia que tinhas nascido em Lisboa!... - respondeu prontamente a colega na

mesma moeda.

- Um igual: estão empatados!... - exclamou Isabel divertida servindo de árbitro na

discussão - Vamos ao segundo assalto!...

O despique estava ao rubro, e as duas raparigas que até então se tinham mantido em

silêncio, resolveram também entrar na disputa. Por isso, quando alguém propôs que

apostassem a dinheiro, para tentarem adivinhar o resultado do jogo, todos alinharam de

imediato, e em breve cinco notas de mil escudos apareceram em cima da pequenina mesa de

madeira que se encontrava no centro da sala de estar. O par que torcia pelo Benfica,

apostava numa vitória das suas cores; Joana, pelo contrário, afirmava que seria o Sporting a

vencer o derby. Rita e Sofia que se mantinham neutrais, sempre iam dizendo que o ideal para

os clubes dos seus corações seria que perdessem ambos. Porém, e como tal não era

possível Sofia apostava num empate a zero, enquanto que a amiga dizia que tinha acabado

de ter uma visão, na qual previra que o resultado seria um empate, mas a dois golos.

Entretanto, o desafio principiara, e de imediato se fez silêncio, apenas interrompido

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aqui e ali pelas poucas palavras do comentador da televisão, ou pelo ruído da assistência

quando se manifestava com maior vivacidade... E, quarenta e cinco minutos após o início,

chegou o intervalo com o resultado ainda sem alteração para desespero de Jorge e Isabel,

que pareciam ser os mais insatisfeitos...

- Eu bem vos falei da minha visão! Tenho a impressão que talvez não fosse má ideia

começar a apostar mais vezes com estes nabos! - dizia Rita, após o final do jogo, recolhendo

as cinco notas de mil escudos que se encontravam sobre a mesinha da sala de estar.

A jovem não cabia em si de contente; tinha acertado em cheio no resultado do derby.

Apesar da primeira parte ter sido nula em golos, o segundo tempo trouxe quatro; dois para

cada lado, exactamente aquilo que a rapariga previra aproximadamente duas horas antes, e

por isso, os cinco mil escudos da aposta foram direitinhos para a sua carteira.

- Já sabes, ...para a semana és tu a pagar os lanches!... - avisou Jorge brincando,

embora tivesse conseguido manter um ar sério - Nem vale a pena discutires... - acrescentou

ainda, não deixando que a colega tivesse oportunidade de ripostar.

- Está bem, ...de acordo!... - anuiu ela, levantando-se enquanto anunciava - Hoje foi

um dia um bocadinho cansativo, e eu estou a ficar com sono. Vou-me deitar! - concluiu,

encaminhando-se para a entrada do corredor...

...

A manhã de Domingo, à semelhança do dia anterior surgiu igualmente radiosa, com o

sol a brilhar intensamente sob o esplendoroso azul do céu, aqui e ali salpicado por algumas

nuvens mais persistentes. Porém, a temperatura não estava tão amena, e a brisa que

soprava de norte tornava-se por vezes muito desagradável.

Apesar de na véspera ter sido o último a deitar-se, uma vez que após o jogo ainda

ficou levantado para ver o filme que ia começar de madrugada, Jorge foi naquela manhã o

primeiro a levantar-se, alguns minutos antes de baterem as dez horas.

- “ Nada melhor que um belo duche para começar bem o dia!... “ - pensou, correndo

apressadamente para o quarto de banho privativo.

Não demorou muito tempo, até que o jovem entrasse na cozinha a fim de tomar o seu

pequeno-almoço. Não começara ainda a saborear os seus cereais, quando foi surpreendido

por Rita que surgiu à entrada da divisão usando ainda um roupão por cima da camisa de

noite:

- A pé tão cedo!?... - exclamou admirada - Vais sair...? - indagou curiosa,

aproximando-se do colega e beijando-o com carinho na face.

Sim..., tenho umas coisas para fazer... Queres vir?... - convidou ele.

- Se não te importares de esperar um pouco enquanto me vou vestir, ...aceito!

- Não, claro que não me importo, ...temos muito tempo!...

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Depois de ter terminado o seu pequeno-almoço, Jorge foi sentar-se na sala de estar

folheando distraidamente as páginas de uma revista que ficara esquecida em cima da

minúscula mesinha de madeira escura, enquanto aguardava pela rapariga. Rita voltou alguns

minutos mais tarde, e em seguida saíram ambos.

- Onde vamos? - inquiriu a atraente companheira entrando no elevador.

- Já vais ver... - respondeu o colega com um sorriso enigmático, ao mesmo tempo que

carregava no botão do painel que correspondia ao piso subterrâneo.

Já na garagem imensa do imponente edifício Jorge conduziu a jovem em direcção ao

espectacular Ford Escort RS Cosworth que estava estacionado não muito longe do poço do

elevador.

- Então?... Anda daí, ...entra! - pediu, vendo que Rita parecia hesitar, sentando-se ao

volante do automóvel.

Rita acedeu ao convite do colega entrando finalmente no interior do espantoso

veículo. Jorge engrenou a primeira velocidade, e o carro dirigiu-se muito devagar para a saída

do prédio de apartamentos, tomando depois o caminho que conduzia aos arredores de

Santarém. Poucos quilómetros mais à frente o automóvel vermelho desviou-se da estrada em

que circulava, e parou junto de uma construção que a julgar pelo aspecto exterior não seria

muito recente. Jorge tirou do bolso do seu casaco um molhe de chaves e saiu do carro,

fazendo um sinal à companheira para que fizesse o mesmo. Rita seguiu-o de perto, embora

não compreendesse porque razão o colega a trouxera até àquele lugar deserto e sinistro que

mesmo à luz do dia lhe causava arrepios.

- Que sitio é este? - perguntou a rapariga, um pouco intimidada pelo aspecto um tanto

desolador daquele local.

- Antigamente isto tudo servia de armazém a uma grande cadeia de supermercados,

mas um dos sócios enganou os outros, e fugiu para o Brasil com todo o dinheiro da empresa.

Depois foi declarada falência, e desde então que ninguém cá vem ...

- Então o que estamos aqui a fazer? Não achas que deveríamos ir embora? - sugeriu

Rita ansiosa por sair daquele cenário pouco tranquilizador.

- Tem calma... - descansou-a ele, mostrando-lhe as chaves que tinha na mão

avançando para um porta lateral.

- Isto é teu?

- Bem... - principiou o jovem hesitando - ...sim e ...não. Na verdade, o dono é o pai da

Ana, mas na prática é como se fosse meu, porque o meu tio nunca cá veio. A empresa devia-

lhe muito dinheiro, e quando foi declarada a falência o meu tio exigiu aquilo que lhe deviam.

Como não lhe queriam pagar, ele processou-os e como a firma estava falida acabaram por

lhe entregar este armazém e mais um escritório em Lisboa - concluiu, abrindo a porta e

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deixando que a colega entrasse em primeiro lugar.

Já no interior do espaçoso armazém, Jorge conduziu a acompanhante para próximo

de um volume que Rita não conseguiu identificar por este se encontrar protegido debaixo de

uma capa de tecido grosseiro bastante suja. Depois de ter solto as pontas de tecido que

estavam presas ao objecto, o jovem começou cuidadosamente a enrolar a capa, deixando

finalmente à vista um automóvel, provavelmente de colecção, cujo restauro não estava ainda

totalmente concluído.

- Então, que tal, o que achas? - indagou Jorge, apontando com orgulho para o veículo.

Uaaaaaauuuuuu!!!... - exclamou a rapariga, surpreendida - Parabéns, está um

espectáculo! Foste tu que fizeste tudo?

- Não, ...por exemplo a capota e as alterações na estrutura foram feitas em Lisboa por

um amigo meu que tem uma oficina, o motor comprei-o em segunda mão, mas de resto e

excepto a pintura e os travões que mandei instalar, fui eu quem fez. - principiou o jovem,

tentando recordar-se de alguns pormenores - Aos fins de semana, ou quando tinha tempo

livre, vinha para aqui trabalhar no carro. Quando o comprei estava um miséria, comecei por o

desmontar todo, quase peça por peça para fazer um inventário de tudo o que iria precisar,

depois foi só percorrer lojas de acessórios de automóveis, sucatas, etc. e arranjar as peças

que precisavam de ser substituídas, embora não tenha sido fácil, porque algumas partes

demorei vários meses até encontrar exactamente aquilo que queria.

- Mas valeu a pena, ou não?

- Claro que sim. É recompensa suficiente olhar para o carro agora, e lembrar-me de

como ele estava quando mo vieram aqui trazer, nem sequer andava, e estava a desfazer-se

em ferrugem, para além das amolgadelas, riscos na pintura, os farolins partidos, estava

mesmo muito mal cuidado.

- Já vi alguns Carochas lindos, e muito bem artilhados, mas este é de longe o mais

bonito, e a pintura em azul metalizado ficou impecável - observou Rita, que ficara de facto

maravilhada com o aspecto do gracioso automóvel.

- É verdade, ...modéstia à parte, mas ficou um espanto! Espero que a Isabel goste

tanto como tu... - findou, voltando a colocar cuidadosamente a capa sobre o veículo - Anda,

quero mostrar-te uma coisa, mas tens que me prometer que não falas disto a ninguém, nem

mesmo à Joana e à Sofia.

- De acordo, mas o que é? - concordou Rita, deixando-se guiar pelo companheiro até

uma porta de madeira um tanto inestética, e toscamente acabada.

Jorge pegou de novo no molhe de chaves que trazia consigo, e abriu o cadeado que

cerrava a porta. Em seguida, entrou, recomendando à colega que esperasse um pouco

enquanto através do tacto procurava o interruptor da electricidade. Finalmente aquele recanto

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mais obscuro iluminou-se deixando à vista um patamar, e um buraco no chão que daria

possivelmente acesso a uma cave através da escada de ferro que a rapariga vislumbrava do

local onde se encontrava...

- Tem cuidado, porque os degraus são um bocado falsos... - avisou o rapaz, descendo

com uma agilidade notável, ajudando-a também depois na descida.

- Mas o que é isto? - indagou Rita, olhando incrédula à sua volta.

- Isto é o meu santuário, a minha paixão. Facas, catanas, espadas, sabres, estiletes,

punhais, em suma, tudo aquilo que tiver lâminas é uma loucura para mim. Tudo o que aqui

vês fez parte da minha colecção privada, ...mas lembra-te, ...ninguém pode saber da

existência deste material - pediu, fazendo uma expressão grave, e acrescentando depois -

...tu és a primeira pessoa que aqui trago. Nem mesmo a Isabel sabe da existência deste

lugar, portanto é muito importante para mim que continue secreto.

- Está descansado, podes contar comigo - garantiu Rita, fazendo igualmente uma

expressão séria, porém orgulhosa por o colega ter decidido partilhar consigo a sua secreta

paixão. Mas, tens aqui uma colecção impressionante! Como é que conseguiste reunir tanta

coisa? - inquiriu Rita, pegando num punhal cravejado de pedras multicores que estava

exposto mesmo à sua frente - São verdadeiras? - indagou.

- São... - respondeu o jovem acenando com a cabeça em sinal afirmativo - Esse

punhal é a jóia da coroa da minha colecção. Para além de ter sido o primeiro, é o mais

valioso. Foi-me oferecido pelo meu pai no dia em que fiz doze anos - explicou, não

conseguindo disfarçar uma certa emoção na voz quando se referiu ao progenitor - ...é uma

herança de família. Eu limitei-me a acrescentar alguns exemplares. Depois fui-me virando

para outro tipo de objectos, que ia comprando em feiras de coleccionismo, a coleccionadores

particulares, até chegar a isto que vês.

- É impressionante, mas porque razão manténs verdadeiras obras de arte neste lugar

tão escondido, tão poeirento. É uma pena, peças tão lindas como estas estarem-se aqui a

estragar. Já pensaste em fazer uma exposição?

- Não quero...

- Mas porquê, que mal é que tinha?

- Mesmo que eu te pudesse explicar tu não compreenderias. Há coisas no meu

passa... - principiou, interrompendo-se logo em seguida, e mudando imediatamente de

assunto - Já viste as horas. É quase uma da tarde, temos que ir!... - concluiu, após ter

consultado o seu relógio de pulso.

Rita compreendeu de imediato que o colega deixara escapar qualquer coisa que não

queria, e por isso preferiu não insistir, deixando-se guiar de novo ao piso superior, e depois

até ao magnífico Ford Escort Rs Cosworth que permanecia imóvel junto da cerca metálica

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que delimitava a área envolvente do armazém e impedia simultaneamente a aproximação de

estranhos...

...

- Onde é que estiveram? - inquiriu Sofia com cara de poucos amigos, quando ambos

cruzaram a porta de entrada do apartamento pertencente ao jovem.

- Não achas que estás a querer saber de mais? - replicou Rita, sem se atrapalhar por

um segundo.

- Então não querem lá ver que convidei um membro da Inquisição para minha casa -

acrescentou Jorge, concluindo o raciocínio da cúmplice - Queres mesmo saber onde fomos?

- Sim, ...aliás, não quero, ...exijo! - prosseguiu a colega conseguindo manter-se séria.

- Tens a certeza? - insistiu Jorge

- Certeza absoluta! - respondeu Sofia convictamente.

- Desiste... - aconselhou Isabel - ...quando ele começa com essa conversa ninguém

lhe arranca nada! Mais vale irmos almoçar - sugeriu, encaminhando-se para a cozinha.

- É isso mesmo... - aprovou o rapaz, seguindo a irmã - ... o que é que temos para o

almoço? - perguntou.

- Já vais ver! Por agora, podes ir levando para a casa de jantar aquilo que for preciso,

e lembra-te que temos visitas, ...não faças o mesmo do costume.

Jorge ainda tentou protestar. Porém Isabel lembrou-lhe um jantar de há poucas

semanas. Ele calou-se de imediato, e um pouco embaraçado pegou na tolha de linho que a

irmã lhe entregou, saindo em direcção à sala de jantar. O jovem voltou volvidos apenas

alguns instantes, ajudando depois Rita e Joana a levarem pratos, talheres, e copos, que

espalharam cuidadosamente sobre a distinta mesa de madeira exótica. Quase em seguida

entraram Isabel e Sofia, trazendo uma travessa cada, finamente decoradas com rodelas de

tomate e ovo cozido, folhas de alface, e cobertas por uma razoável camada de maionese, que

pousaram delicadamente em cima da mesa.

- Então o que é que vamos fazer esta tarde? - indagou Jorge, insistindo para que as

colegas e a irmã se servissem em primeiro lugar.

- Podíamos ir ao cinema... - sugeriu Isabel, fazendo uma pausa enquanto ingeria um

gole do seu sumo de maçã - ...li no jornal que estreia hoje um filme espectacular na sessão

das quatro, por isso talvez pudéssemos ir.

- Está combinado! - decidiu Joana - E como até nem é muito tarde, dá tempo para

jantarmos descansados e voltarmos cedo, porque amanhã há aulas logo de manhã...

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Fim do 3º Capítulo

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Capítulo 4

- “ ...Antena 3, são sete horas da manhã. Vamos às notícias com Car... “

Jorge acordou de imediato e esticou a mão para desligar o despertador. Em seguida

levantou-se e foi até à janela. Ao longe no horizonte surgiam os primeiros raios de luz de mais

uma fria manhã de Dezembro.

- Segunda-feira!... - suspirou, falando de si para si - ...detesto as segundas-feiras!... -

lamentou-se bocejando longamente.

Antes de se dirigir para o quarto de banho optou por ir desfazer as malas, e arrumar

as roupas que trouxera na véspera de Santarém, visto que na noite anterior quando chegara

não atirara toda a bagagem para cima do brilhante soalho do hall de entrada, e lá a deixara

até àquele momento. Essa tarefa ocupou-o durante aproximadamente vinte minutos. Por fim,

entrou então no quarto de banho repetindo uma vez mais o seu habitual duche matinal,

vestindo-se logo depois. Antes ainda de sair, passou pela divisão onde habitualmente se

encontrava o computador, e pegou nos livros que se encontravam sobre a secretária. Depois,

dirigiu-se até à cozinha e bebeu apressadamente um iogurte liquido, e finalmente saiu,

fechando a porta de entrada atrás de si. Atravessou a rua pouco movimentada àquela hora da

manhã, e entrou no seu carro que ficara estacionado mesmo em frente. Rodou a chave na

ignição, e arrancou como sempre o fazia, bruscamente, tomando a estrada que conduzia a

Coimbra no cruzamento que ficava umas dezenas de metros mais à frente.

O dia estava um pouco frio, e algumas nuvens cinzentas pairavam sob o céu azul

ameaçando chuva. O sol, já há alguns minutos que surgira no horizonte, sendo por vezes

ocultado pelas sinistras nuvens que vagarosamente passavam.

Quando cruzava os portões da faculdade, Jorge foi surpreendido pelas colegas que

surgiram nas suas costas tentando discretamente surripiar-lhe a carteira que como

habitualmente o jovem trazia no bolso traseiro dos jeans. Porém, Joana tocou-lhe

suavemente no braço, o suficiente para que de imediato o jovem lhe agarrasse

instintivamente a mão:

- Vocês!?... - exclamou incrédulo, libertando a rapariga.

- Tens que ter mais cuidado com a carteira... - avisou a atraente colega dos cabelos

louros rindo divertida, devolvendo-lhe o objecto de pele que segundos antes quase

conseguira furtar com êxito.

- Estou a ver que sim. Com vocês por perto ninguém está seguro. Mas, ...olá! Bom dia!

- cumprimentou, beijando uma a uma as três companheiras.

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- Então, estás melhor? - indagou Rita passando-lhe a mão pela testa - Ontem estavas

mesmo em baixo.

- Já está tudo bem... - principiou Jorge sorrindo aliviado - Depois de ter chegado a

casa tomei um comprimido, e enfiei-me logo na cama, nem arrumei nada, ficou a tralha toda

espalhada à entrada. Hoje de manhã felizmente acordei bem disposto, e sem febre.

- Queres ir almoçar connosco lá a casa? - convidou a colega.

- Está bem, porque não. Eu tenho aulas até à uma menos um quarto... - disse fazendo

uma curta pausa para consultar o seu horário - ...é isso mesmo! - confirmou, voltando a

guardar o papel na carteira - Por isso, o mais tardar estou lá à uma!

- Então está combinado, à uma estaremos à tua espera. E não te atrases... - avisou

Sofia com uma expressão grave.

- Estejam descansadas, serei pontual... - disse sorrindo - ...prometo!

- Se fores tão pontual como estás a ser agora... - gracejou Joana, exibindo o

mostrador do seu discreto relógio de pulso.

- Mal parecia ao professor era se eu chegasse a horas, ...podia ficar ofendido! -

interrompeu o jovem despedindo-se apressadamente das três raparigas, e afastando-se com

passos rápidos na direcção do edifício da sua faculdade.

Quando chegou junto da porta da sala onde ia ter a primeira aula do dia, que à

Segunda-feira era Inglês, estavam ainda a entrar os últimos colegas...

- “ Afinal até nem cheguei muito atrasado! “ - comentou com os seus botões sorrindo-

se.

À aula de Inglês segui-se uma outra de Direito, que começou por volta das dez e meia

da manhã. O professor tinha adoecido, e estaria ausente durante algum tempo, pelo que a

aula seria assegurada por um substituto. A dada altura um dos alunos lançou uma questão

relacionada com a custódia dos filhos do casal nos casos de divórcio, o que gerou de

imediato uma acesa discussão entre todos, e que acabou por se arrastar pelo restante tempo

da aula, sempre com o professor a esclarecer prontamente as dúvidas que iam surgindo...

Passavam pouco mais de quarenta minutos depois do meio dia quando Jorge

abandonou o recinto da faculdade, encaminhando-se para o vistoso Ford Escort RS

Cosworth, que alguns segundos depois arrancava velozmente do parque de estacionamento,

parando poucos minutos mais tarde em frente do nº23 da rua em que fora construído anos

antes o prédio em que as três colegas dividiam um apartamento. Subiu apressadamente os

vários lanços de degraus, e quando por fim se encontrou em frente à porta de entrada do 2º

direito, premiu o botão da campainha. Não teve que esperar muito tempo até que diante dele

a porta se abrisse, surgindo Joana, que de imediato o convidou a entrar.

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- Como vês, fui pontual!... - disse, apontando para o relógio de pulso, no momento em

que cruzava a entrada - Não sabia que tinham visitas... - observou tranquilamente ao deparar-

se com o indivíduo que vestia de negro e segurava Rita mantendo-lhe uma arma de fogo

apontada à nuca...

- Não somos propriamente convidados... - respondeu um outro trazendo Sofia,

igualmente armado com um revólver, usando os cabelos compridos apanhados - Ainda te

lembras de mim? - indagou com um sorriso pouco tranquilizador - Eu disse-te que nos

voltaríamos a encontrar, não disse?

- Realmente eu tinha a impressão que já te tinha visto o focinho algures. Agora

lembrei-me; tu és aquele durão do rabo-de-cavalo que me quis bater há uns dias! - respondeu

de pronto, mostrando-se muito pouco incomodado com os dois intrusos.

- Marco! Marco! - avisou um terceiro sujeito que vestia fato completo e gravata,

surgindo subitamente do interior da habitação, impedindo que o outro agredisse Jorge -

Vamos ter calma. Primeiro vamos resolver aquilo que nos trouxe aqui, depois terás a tua

oportunidade de tratares da saúde aí ao nosso amigo comediante. E voltando ao nosso

assunto... - continuou, virando-se para as três raparigas - é a vossa última oportunidade. Se

se portarem bem, e nos derem aquilo que pretendemos, isto não passará de um interessante

passeio turístico! - concluiu com à-vontade.

- Mas, ... mas afinal que merda vem a ser esta? - perguntou Jorge com cara de

poucos amigos - O que é que querem estes gajos? - insistiu, falando para as colegas.

- Elas têm algo que nos pertence... - explicou o indivíduo do rabo-de-cavalo - ...e nós

queremo-lo. Se nos derem aquilo que pretendemos, tudo se resolverá a bem, caso contrário

as coisas poderão ficar bastante desagradáveis... - ameaçou com um sorriso amarelo.

- Nós já revistamos a casa toda... - principiou o homem do fato - ...e não encontrámos

nada. Por acaso não nos quererão indicar um local onde não tenhamos verificado bem? -

sugeriu, mantendo uma postura incrivelmente calma.

Porém, as três raparigas mantiveram-se em silêncio, olhando cumplicemente umas

para as outras, perante a surpresa de Jorge, que embora não se mostrasse muito enervado,

estava no entanto bastante surpreendido. Que teriam feito Sofia, Rita e Joana? Que queriam

delas os três perigosos malfeitores?

- Têm a certeza que não querem acrescentar nada...? - repetiu o outro, fazendo uma

pausa esperando que alguém falasse - Receio, que assim sendo tenhamos que vos levar

connosco.

- Então isso quer dizer que já não vamos almoçar!?... - perguntou Jorge pondo um ar

inocente, permanecendo sereníssimo, falando para as companheiras, que esboçaram um

sorriso muito tímido.

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- Tu aí, ...ó espertinho, ...vamos a calar, ...antes que te arrependas! - ordenou

rispidamente aquele a quem tratavam por Marco.

- Bem, eis o que vai o que vai acontecer... - principiou aquele que parecia ser o líder

do grupo - vocês quatro vão-se portar bem, e vêem connosco fazer uma viagem, e quem

sabe até umas curtas férias para visitarem uma pessoa muito, muito importante. Por isso,

juízinho... - recomendou, e pegando num revólver continuou - Eu não quero ter que usar isto,

...mas se for preciso, ...vocês sabem o que eu quero dizer. E agora, ponham-se em fila,

vamos sair - acrescentou, friamente guardando a pistola.

Eles obedeceram de pronto, e enquanto que o perverso homem que usava fato e

gravata se colocou à frente, os outros dois ficaram na retaguarda, imediatamente atrás de

Rita. Jorge, embora calmo, estava perplexo com aquela situação, visto que continuava sem

compreender qual a ligação das colegas aos três indivíduos. Porém o jovem não estava

disposto a obedecer e a deixar-se levar fosse onde fosse sem que antes esgotasse todas as

hipóteses de fuga. Por isso, logo que o primeiro abriu a porta, pôs em prática a primeira ideia

que lhe surgira:

- Têm a certeza que isto não é para os “apanhados”...? - perguntou, tentando através

da ironia provocar os três sujeitos, enquanto representava, olhando para todos os lados à

procura de uma pretensa câmara de filmar - Onde é que está a câmara, mas onde é que

vocês meus malandros esconderam a porra da câmara, está muito bem escondida...

O trio não parecia estar contudo para brincadeiras, porque de imediato rodearam

Jorge, falando num tom que não deixava grandes dúvidas:

- Ouve com atenção meu merdas, porque não vamos voltar a repetir; ...ou estás

quietinho, ou levas uma ameixa aqui mesmo, lembra-te que depres...

Porém, não chegaram a acabar, pois o jovem com um exímio golpe de karaté

derrubou de imediato dois dos comparsas, atirando-se de imediato ao outro mesmo antes

deste ter tido tempo de sacar da sua arma, agredindo-o com vários socos violentíssimos até

que ele caiu desamparado no chão...

- Cuidado!... Atrás de ti... - gritou Joana, vendo que os dois primeiros acabavam de se

erguer.

Jorge com mais um pontapé certeiro derrubou o primeiro, socando depois o segundo...

- Vamos embora, aproveitem enquanto eles estão no chão - disse - Rápido porra!... -

insistiu chegando junto do sujeito que voltava a levantar-se, e sovando-o de novo até este cair

por terra.

Depois pegou nas pistolas dos malfeitores e atirou-as para bem longe, juntando-se às

colegas que desciam as escadas a correr.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- Outro!... - exclamou Jorge, quando viu aparecer um quarto homem que avançava

para eles de arma em punho vindo do exterior do edifício - Vão para o carro e esperem por

mim - pediu, atirando as chaves na direcção de Sofia, enquanto que atacava decididamente o

perigoso desconhecido.

Primeiro desarmou-o com mais um pontapé, e em seguida já com o revólver em seu

poder, usou-o para agredir o indivíduo na nuca, aproveitando depois para fugir. Quando o seu

opositor se começou a levantar surgiram os comparsas ainda cambaleando. Porém, no

exterior já o Ford vermelho arrancava bruscamente, deixando atrás de si dois rastros de

borracha marcados no pavimento. O bando de malfeitores vendo que era inútil disparar,

precipitaram-se para o interior de dois Mercedes negros, e foram em perseguição dos quatro

jovens...

- Afinal, o que é que estes gajos querem? - perguntou Jorge olhado muito pouco

satisfeito para Rita que ocupava o assento ao seu lado.

- Querem que nós lhes entreguemos umas fotografias que tirámos nas férias... -

principiou a colega a medo.

- E porque é que essas fotografias são tão importantes?

- Não sabemos ao certo, mas desconfiamos que foi alguém que pode ter ficado por

acaso numa das fotografias.

- Então e ...onde é que vocês as esconderam?

- A... - Sofia hesitou antes de responder, trocando um olhar cúmplice com Joana, no

entanto, e perante a insistência de Jorge acabou por revelar com voz sumida - ...estão em...

estão... em Santarém, no teu apartamento...

- O quê!?... Estão onde!?... Repete lá... - respondeu Jorge não ficando muito agradado

com aquilo que acabava de ouvir.

- Jorge, olha, eles já vêm aí atrás! - preveniu Joana

- Vamos à polícia... - decidiu o rapaz, observando através do retrovisor o Mercedes

que seguia mesmo colado à sua retaguarda...

- Não... - implorou Rita - ...à polícia não, não pode ser, eles têm grande poder lá

dentro. Ouve... - continuou com um ar preocupado mas sincero - ...a nossa única chance é

fugirmos e escondermo-nos por uns tempos. Por favor confia em mim... logo que estivermos

a salvo eu prometo contar-te a história toda.

- De acordo... - anuiu Jorge, virando inesperadamente num cruzamento quase

perdendo o controlo do veículo - ...farei como me pedem. Agora, ponham os cintos porque

vão ser precisos, e não façam barulho - pediu, efectuando uma ultrapassagem mesmo no

limite, evitando no último instante o veículo que circulava em sentido contrário.

artciencia.com (ISSN 1646-3463) Ano I ● Número Dois ● Fevereiro-Abril 2006

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O automóvel cruzava as ruas de Coimbra a uma velocidade alucinante, sempre

perseguido de perto pelos dois Mercedes pretos que não descolavam. Jorge pensou ainda

em tentar fugir na auto-estrada, porém acabou por desistir da ideia pois receou que os carros

dos malfeitores fossem mais velozes que o seu, pelo que a melhor solução seria sair da

cidade, e tentar despistá-los numa estrada sinuosa...

Os pneumáticos do Ford Escort RS Cosworth chiavam em cada curva de uma forma

assustadora. Também, o caso não era para menos, pois o ponteiro do velocímetro raras

vezes fora abaixo dos 120 Km/h, e nem mesmo nas curvas o jovem abrandava, seguindo

muito para além dos limites do próprio veículo, sem que no entanto tenha perdido por uma

vez que fosse o controle do mesmo. As colegas apesar de espantadas e completamente

surpreendidas pela perícia do amigo, seguiam amedrontadas, receando o pior a cada

manobra mais arriscada que o audaz rapaz efectuava. Contudo, mantinham-se em silêncio,

respeitando o pedido do companheiro. Era absolutamente necessário que Jorge não

perdesse a concentração, pois àquela velocidade qualquer distracção poderia revelar-se fatal.

Apesar do automóvel seguir bastante para lá dos limites, a distância que conseguira ganhar

aos perseguidores resumia-se em algumas escassas dezenas de metros, o que era

manifestamente insuficiente para as pretensões do jovem. Por isso, ele carregou ainda mais

fundo no pedal do acelerador, numa tentativa desesperada de ganhar terreno, e apesar de

não estar muito calor, já era visível o suor que lhe corria abundantemente pelo rosto.

Subitamente, e logo após uma curva sem visibilidade surgiu-lhes pela frente um veículo

pesado... Em sentido contrário, e não muito distante circulava outro que se aproximava

rapidamente... Jorge não hesitou, e num acto quase suicida ultrapassou o camião, quase

embatendo no outro, cujo condutor buzinou fortemente protestando contra a ousada manobra

do jovem. Atrás do camião com quem acabavam de se cruzar surgia uma coluna composta

por vários ligeiros, e logo a seguir aparecia mais uma sucessão de perigosas curvas e

contracurvas. Os dois automóveis de cor negra ficaram retidos atrás do pesado, o que

provocou uma considerável perda de tempo, que favoreceu em muito os quatro fugitivos, que

juntaram alguns segundos às escassas dezenas de metros que já haviam conquistado...

Quando aproximadamente cinco quilómetros mais à frente apareceu uma pequena

povoação, Jorge olhou uma vez para os espelhos, depois uma segunda vez, até que por fim

pediu:

- Vejam lá se eles já lá vêm.

- Não consigo ver nada - respondeu Joana, voltando-se de pronto para trás.

- Então vamos aproveitar, e escondemo-nos já aqui... - anunciou o colega, procurando

um cruzamento, ou um local onde se pudessem ocultar, embora sem reduzir a velocidade -

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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...depois é só esperar que eles passem, e fazermos o caminho de volta a Coimbra - concluiu

serenamente.

De súbito vislumbrou um cruzamento que aparecia à esquerda. De imediato carregou

no pedal do travão, tentando contudo não deixar marcas da borrachas dos pneus no

pavimento, e torceu o volante, iniciando em seguida a íngreme subida. Por fim ocultou o

automóvel nas traseiras de um casebre em ruínas.

- Não saiam daqui! - pediu, libertando o fecho do cinto de segurança, ao mesmo

tempo que abria precipitadamente a porta - Eu volto já... - concluiu, correndo apressadamente

para a zona de onde calculava poder ver a estrada principal.

Com efeito, e apesar de escondido atrás dos ramos de uma frondosa figueira, Jorge

podia facilmente observar a faixa de asfalto que passava uns metros mais abaixo. Ainda não

tivera tempo para se dissimular totalmente, quando a grande velocidade apareceu o primeiro

dos dois Mercedes... Logo a seguir, a curta distância surgiu o segundo... Para alívio do jovem,

ambos passaram bastante depressa por aquele cruzamento, prosseguindo a marcha sem

suspeitarem que acabavam de ser enganados...

As três raparigas esperavam ansiosamente no interior do admirável veículo vermelho

vivo, quando de súbito viram aparecer o colega que corria velozmente:

- Por agora, estamos safos! - anunciou sorridente, enquanto limpava o suor que lhe

corria abundantemente pela face - Vamos voltar para minha casa, para pensarmos com

calma naquilo que vamos fazer a seguir.

Jorge, rodou a chave na ignição, e logo que o ruído do potente motor do sensacional

Ford Escort RS Cosworth se fez ouvir engrenou a primeira velocidade, e arrancou sem perder

mais tempo. Em seguida, desceu a encosta da pequena colina, voltando a apanhar a estrada

em que circulara momentos antes, porém agora em sentido contrário...

Passavam alguns minutos das três da tarde, quando o vistoso automóvel parou em

frente da vivenda que o jovem partilhava com a prima Ana algures nos arredores da cidade

de Coimbra.

- Achas que aqui estamos seguros? - indagou Rita

- Penso que sim, pelo menos por agora. Mas por via das dúvidas, vou levar o carro lá

para trás para o quintal - decidiu, pegando no molhe de chaves que guardava no bolso dos

jeans, e saindo para abrir o portão que dava acesso às traseiras da habitação.

- Vamos lá conversar então... - principiou Jorge, esperando que Joana entrasse, e

fechando a porta de entrada, rodando também cautelosamente a chave na fechadura -

...quero que me contem essa história tintim por tintim.

- Tudo começou quando...

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- Venham, ...vamos para a cozinha - interrompeu o colega, dirigindo-se para essa

divisão - ...estou a morrer de fome. Deve haver qualquer coisa no frigorífico para podermos

almoçar. E vocês devem-me um almoço, ... não pensem que se escapam! - acrescentou,

tentando pôr as três raparigas à vontade.

- Tudo aconteceu em Setembro, - recomeçou Sofia - quando a Rita nos convidou para

passarmos as férias com ela em casa de uns tios na Costa da Caparica. Quando numa tarde

passeávamos numa praia deserta, muito pequenina, que quase não tinha areia, era tudo só

rocha, vimos um iate enorme e espectacular ancorado a poucos metros da costa, e

resolvemos fotografá-lo. Na praia, estavam uns tipos com metralhadoras à espera que o bote

que acabara de ser lançado à água chegasse a terra. Achámos aquilo muito estranho, e

como estávamos escondidas atrás de umas rochas eu peguei na máquina e fotografei

também. Só que, um dos tipos que tinha ficado no iate deve ter visto o reflexo da objectiva, e

através dum rádio deu o alarme para terra, porque logo a seguir o bote voltou para trás, e os

fulanos que estavam na praia, começaram a vasculhar tudo. Conseguimos esconder-nos

numa pequena saliência entre dois rochedos e usamos uns ramos secos de palmeira que

ajudaram ao disfarce. Eles andaram muito perto de nós, um deles, aquele gajo do rabo de

cavalo até atirou um cigarro para cima da Joana.

- É verdade, - confirmou a jovem dos cabelos louros, abrindo a porta do forno micro-

ondas e retirando do interior do mesmo uma pizza já cozinhada que colocou sobre a mesa -

...quase que nos apanhavam, porque aquilo caiu-me mesmo em cima da perna, e eu era a

única que estava em fato de banho. Ainda tenho a marca da queimadura, na altura quase que

gritei, não fosse a Rita a tirá-la de cima de mim, tenho a impressão que teria deitado tudo a

perder - acrescentou.

- Depois eles começaram a discutir entre eles sempre em espanhol. A dada altura

houve um que disse que já lá não devia estar ninguém, e logo a seguir apareceu o tipo do

fato, aquele que eles tratam por Dr. que começou a ralhar com eles, mas em português.

- E o que é que ele disse? - indagou o atento ouvinte, cortando mais uma fatia da

apetitosa pizza - Conseguiram ouvir alguma coisa?

- Sim, mas é melhor ser a Joana a contar porque era ela quem estava mais perto e por

isso ouviu melhor do que nós...

- Ele disse que era vital não nos deixarem escapar, porque nós poderíamos ter

fotografado o senhor Escobar, e que essas fotos poderiam por em causa toda a operação, e

que por isso jamais poderiam ser encontradas. Como os outros lhe disseram que nós já

devíamos ter conseguido fugir, porque já tinham procurado em todo o lado e não tinham

encontrado ninguém, o tal homem do fato disse que ia de imediato para Lisboa falar com um

tal de Dr. Álvaro de Matos, e que esse outro, com os conhecimentos e as influências que

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

64

tinha na polícia arranjaria uma forma de nos descobrir, ou mesmo se nós levássemos as

fotografias à polícia ele ficaria a saber, e então que não seria difícil arrumar a questão, como

ele mesmo disse.

- Nós ficámos tão assustadas que mesmo depois de eles terem ido embora estivemos

por mais de duas horas no mesmo sítio sem nos mexermos com medo que eles tivessem lá

deixado alguém para nos apanharem... acrescentou Rita.

- E, ...como eles não nos apanharam nessa altura, pensámos que tinhamos escapado,

e que eles tivessem desistido do assunto - rematou Joana.

- Até à semana passada... - comentou Rita - ...naquele dia em nós fomos passear à

noite e que eles apareceram recomeçou o pesadelo. Por isso é que eu fui na Quarta ao Porto,

e foi também por essa razão que elas voltaram mais cedo - revelou a rapariga apontando

para as duas companheiras.

- Por isso, como medida de precaução resolvemos esconder os negativos e as

fotografias num local seguro - ajudou Sofia - O teu convite para irmos no fim-de-semana a tua

casa era a nossa melhor chance de podermos estar mais ou menos descansadas, porque se

eles querem tanto as fotografias, não nos podem fazer mal enquanto não as tiverem.

- Assim, resolvemos esconder os negativos no teu apartamento, sem a Rita saber

porque quando lhe falámos na nossa ideia ela disse logo que se o fizéssemos que te diria, e

mantivemos as fotos na nossa casa - esclareceu Sofia.

- Não está mal visto, não senhor... - aprovou Jorge - foi muito bem pensado! - felicitou

o rapaz, que fora totalmente apanhado de surpresa pela audácia das três companheiras.

- Percebes agora porque é que eu não quis ir à polícia da outra vez, e porque razão te

dissemos à bocado que não lhes podíamos falar neste caso? - prosseguiu Rita, terminando a

sua bebida.

- O mistério, é saber como é que eles nos descobriram...

- Não é mistério nenhum... - interrompeu de pronto o colega.

- Não é!?... Então, nós não deixámos vestígios, não fomos à polícia, não contámos

esta história a ninguém...

- É verdade, tu és a primeira pessoa a quem contámos isto, - ajudou Joana - e para

além disso, o mais importante é que nenhum dos homens nos viu...

- Pois, é aí que está o engano... - voltou Jorge a interromper - ...eles viram uma de

vocês. Como não sei, mas de alguma forma eles devem ter visto a Rita, e foi por essa razão

que nos atacaram a semana passada no Miradouro - explicou o jovem olhando para Rita -

Lembras-te que houve um deles que disse: “ Podemos ir embora, não é esta! “ e afirmou que

tinha a certeza, por isso deve ter-te visto bem. Tivemos sorte porque ele confundiu-se e não

foi capaz de te reconhecer, caso contrário ter-nos-iam apanhado logo.

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- Então e o que é que pudemos fazer agora? - perguntou Sofia

- Só temos uma solução, ...desaparecer, ...mas desaparecer por completo e sem

deixar rasto durante algum tempo, pelo menos até termos a certeza de que eles desistiram de

nos procurar.

- E como é que vamos saber quando eles desistirem?

- Não se preocupem, eu também tenho as minhas fontes, e os meus conhecimentos...

- tranquilizou-as Jorge, sem no entanto querer abrir o jogo.

- E como é que vamos desaparecer, de modo a que eles não descubram - inquiriu

Joana não totalmente convencida pelas palavras do colega.

- Tenho cá umas ideias, depois vêem... - respondeu o anfitrião vagamente,

escusando-se novamente a revelar mais pormenores.

- Mas vamos ter que sair daqui, não é? - insistiu Joana

- Sim, tem mesmo que ser. Não vai tardar muito até que eles descubram quem sou e

onde moro, e ...esperem lá... a Isabel também pode correr perigo - disse, precipitando-se para

o telefone e marcando o número correspondente ao seu apartamento em Santarém.

- Isabel? - chamou, quando segundos depois, do outro lado da linha alguém levantou

o auscultador, reconhecendo de imediato a voz da irmã - Ouve... quero que tomes muita

atenção àquilo que te vou dizer, e que faças o que te peço...

- Passa-se alguma coisa? - indagou a jovem, compreendendo que algo de anormal se

passava com Jorge - Tu estás bem? - insistiu.

- Por favor, faz aquilo que te peço, e não faças perguntas... - pediu - Separa algumas

roupas, pega no BMW, e sai de casa já! Não voltes enquanto eu não te disser para o fazeres.

Toma atenção ao telefone do carro, que eu depois ligo para te dar mais instruções. Mas por

favor, não me ligues, nem para casa, nem para o carro, percebeste, aconteça o que

acontecer não me telefones, o.k.?

- Sim, compreendi. Mas diz-me o que se passa. Há algum problema? - perguntou de

novo Isabel.

- Sim, ...há, e... bem grande. Mas por enquanto está tudo bem, por isso faz o que te

peço, e não te preocupes. É muito importante que faças tudo o que te disse. Olha, eu agora

vou desligar, depois voltamos a falar... - disse por fim, pousando o auscultador em seguida.

- Ó Jorge, se nós vamos desaparecer, também vamos precisar das nossas roupas.

Temos de ir a casa buscar tudo... - lembrou Joana logo que o colega se virou para elas.

- Sim, ...têm razão. Esse pormenor não me tinha ocorrido... - começou com um ar

pensativo - E se eles estão a vigiar a casa? - continuou apreensivo.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- Já não devem estar. Afinal, devem pensar que nós a esta hora já vamos longe, e

devem estar a reunir esforços para nos localizarem, por isso acho que não devem perder

tempo a vigiarem o prédio - replicou Sofia.

- Hum, não sei... - duvidou Jorge - aquilo que dizes não é mal visto. Por outro lado,

eles também se podem lembrar disso.

- Mas nós precisamos das nossas roupas! - pediu Rita - Para além disso, as

fotografias estão lá em casa...

- Mas não estavam em minha casa? - indagou Jorge confuso.

- Não, só os negativos... - esclareceu Joana.

- Está bem, vamos lá, embora eu continue a achar que é muito arriscado. Por via das

dúvidas, só vai uma comigo - decidiu ele - É mais seguro assim, ...e vamos esperar que

comece a anoitecer

- Então vou eu! - ofereceu-se Rita prontamente...

...

- Traz todos os agasalhos, e as roupas mais quentes que aí tiverem - pediu o jovem,

ficando à entrada do apartamento para evitar surpresas, enquanto que Rita tentava no meio

de toda a desarrumação reunir os mais quentes agasalhos das três.

- Calçado, também? - perguntou a colega lá de dentro.

- Sim, - respondeu ele dirigindo-se à janela do patamar daquele andar, tentando

certificar-se que estavam em segurança e que ninguém vigiava os seus movimentos.

Dez minutos mais tarde...

- Trazes tudo? - inquiriu Jorge, olhando para os três sacos de viagem que Rita

amontoara à entrada da habitação, mais a mochila que segurava.

- Sim... - respondeu, e fazendo uma pausa para pensar, prosseguiu concluindo -

Roupas e agasalhos, sapatos e botas, escovas de cabelo, etc.. Está tudo, podemos ir

embora.

- E as fotografias? - indagou o companheiro

- Não as trouxe, deixei-as no mesmo sítio. Se eles não as encontraram até agora,

acho que é preferível deixá-las onde estão.

- Sim, é uma óptima ideia - aprovou o jovem - Cachecóis e luvas, trouxeste?

- Não, ...é preciso? - perguntou ela, voltando a entrar no apartamento a um sinal

afirmativo do jovem, e regressando instantes depois, trazendo mais uma mochila.

- Vamos embora - disse o rapaz, pegando decididamente nas três malas.

Já no exterior atiraram tudo para dentro do porta-bagagens do desportivo vermelho e

entraram ambos no automóvel que arrancou logo em seguida. Durante a viagem de regresso,

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várias foram as vezes que Jorge olhou para os retrovisores, e a companheira notando a

insistência com que o jovem repetia aquele gesto não se conteve, e perguntou:

- Somos seguidos?

- Não, penso que não. Mas... com tipos como estes nunca se sabe, por isso o melhor

é não facilitar nem um pouquinho.

Por fim, o automóvel estacionou de novo em frente da habitação que pertencia aos

pais da prima Ana, agora de férias no Brasil, entrando os dois logo depois.

- Esperem aqui que eu vou só buscar umas roupas para levar - pediu ele,

desaparecendo no extenso corredor, e voltando alguns minutos mais tarde carregando dois

sacos de desporto - Pronto, estou despachado, vamos embora!

Jorge deixou que as colegas saíssem em primeiro lugar, saindo ele por último

certificando-se que a porta ficara bem trancada. Depois, juntou-se às companheiras, e em

grupo atravessaram a estrada, encaminhando-se para o automóvel estacionado quase

paralelamente à habitação. Os dois sacos que o rapaz transportava foram igualmente

arrumados no porta-bagagens do veículo, e por fim entraram todos. No momento em que

Jorge se preparava para fazer trabalhar o potente motor do Ford vermelho, apareceu de

súbito um carro em sentido contrário, que efectuou um pião, barrando-lhes o caminho...

- Merda!... São aqueles filhos da puta outra vez!... - exclamou o jovem reconhecendo

de imediato um dos dois Mercedes pretos aos quais se conseguira escapar nessa mesma

tarde - Devem-nos ter seguido desde vossa casa!... - concluiu, e sem se atrapalhar por um

instante, engrenou a marcha-atrás - Segurem-se bem que isto agora vai ser a doer! - avisou,

libertando o travão de mão, e acelerando a fundo.

Imediatamente o automóvel respondeu percorrendo umas boas dezenas de metros

andando ao contrário. Em seguida, Jorge puxou decididamente o travão de estacionamento,

e deu uma volta completa ao volante. O magnífico Ford fizera meio pião. Sem perder um

segundo que fosse, o condutor libertou de novo o travão, engrenou a primeira velocidade, e

arrancou bruscamente. Porém, de frente apareceu o segundo Mercedes, que se imobilizou

mesmo à frente deles. Jorge, puxou mais uma vez a alavanca do travão de estacionamento,

recuou, repetiu a manobra do pião, e com uma destreza e frieza notáveis avançou a grande

velocidade na direcção do primeiro automóvel. Depois, meio no passeio, meio na estrada

passou miraculosamente entre o obstáculo e o muro de uma das habitações vizinhas,

afastando-se velozmente. Contudo, ainda os perseguidores não tinham desaparecido nos

retrovisores, quando se ouviu um estrondo, e o espectacular Ford descontrolou-se quase

embatendo num poste de iluminação, antes de efectuar vários piões, até que se imobilizou

por completo.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- Os cabrões atiraram-me aos pneus. Agora é que não há mais nada a fazer, estamos

perdidos - lamentou-se ele, embora não totalmente rendido - Só temos uma hipótese... -

principiou - ...talvez nem tudo esteja perdido. Façam aquilo que eu vos pedir sem fazerem

perguntas, e sobretudo deixem-me ser eu a falar, entendido? - pediu, falando muito depressa,

e quase em surdina, pois os perigosos malfeitores acercavam-se do veículo.

Do lado de fora, houve um cano de metralhadora que bateu suave e

provocadoramente no vidro...

- É outra vez aquele cabrão do rabo de cavalo... Filho da puta, começo a perder a

paciência com ele...

O outro, com a arma fez sinal para que todos saíssem do carro...

- Então, senhor Jorge de Melo, parece que nos voltamos a encontrar, não é - observou

com um sorriso muito pouco tranquilizador - Não te julguei tão ingénuo - observou, retirando

um aparelho minúsculo que estava escondido no pára-choques traseiro do Ford... - Voltar ao

apartamento foi estúpido - concluiu, atirando o objecto na direcção do rapaz.

- Um sinalizador! - exclamou Jorge - Assim podiam seguir-nos sem que eu vos visse...

- A aula acabou... - anunciou o outro, mudando imediatamente de expressão - Quero

as fotografias, e quero-as já! - ordenou, num tom de voz que não deixava grandes dúvidas.

- Nem penses... - respondeu Jorge tranquilamente, sem se mostrar muito

impressionado com a má-disposição do indivíduo do rabo-de-cavalo - As fotografias já estão

em segurança, com uma pessoa da minha total confiança e que tem as instruções para as

tornar públicas logo que eu falhe um contacto.

- Vais dizer-me onde elas estão, e já! - insistiu o homem com maus modos.

- Só podes estar a delirar... - replicou Jorge friamente, enervando ainda mais o sujeito.

Marco fez um sinal para que um dos seus cúmplices agarrasse Sofia, e encostando-

lhe o cano de um revólver à nuca ameaçou:

- Ou me dás as fotografias, ou quem paga são elas. Não queres ver os lindos miolos

delas espalhados pelo chão, pois não?

- Não queres começar antes por esta? - sugeriu Jorge empurrando Rita de encontro

ao seu interlocutor com um à-vontade no mínimo provocante - Ou porque não esta? -

continuou, apontando na direcção de Joana, que olhava para ele incrédula - Ou eu? E porque

não todos? Afinal o que são umas fotografias comparadas com...

- Estás a fazer bluff...

- Porque não tentas descobrir? Porém, devo-te avisar que cada um de nós tem que

confirmar com uma senha que só o próprio conhece que está bem. Só assim as fotos não

serão reveladas.

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- Não brinques comigo... - voltou a ameaçar o homem a quem os outros chamavam

Marco - Vou começar a contar, e não chego aos três... Um!... Dois!...

- Marco! - chamou a sinistra personagem do fato saindo do interior de um dos

automóveis - Pára com isso imediatamente! - ordenou rispidamente.

- Mas, ...mas, Dr. a nossa missão é...

- Cala-te imediatamente! Aqui quem dá ordens sou eu... - disse, falando num tom de

voz que não permitia discussão - O que é que queres em troca das fotografias? - perguntou

falando para Jorge.

- Não falo com lacaios... - principiou o jovem estudante - Só faço acordos com o outro

gajo, ...o chefão!

- O chefe sou eu, e quero as fotografias, se no-las entregares, bem como aos

negativos soltar-te-emos a ti e a elas, e não vos perseguiremos mais. Caso contrário as

coisas poderão ficar bastante feias para o teu lado... - avisou - Então, como é que é?

- Já te disse que não falo com lacaios. Eu quero falar é com o tal gajo de quem tu

falaste hoje de manhã, ... o tal que é uma pessoa muito importante...

- Mas meu caro amigo, essa pessoa foi uma invenção minha para vos convencer a

entregarem-me aquilo que pretendo.

- Deixa-te de merdas, e leva-me ao estrangeiro, ...ao Escobar.

- Mas deve haver algum engano, desconheço a pessoa a quem te estás a referir -

retorquiu o Dr., tentando ludibriar o rapaz, que no entanto não parecia totalmente convencido,

e muito menos disposto a ceder.

- Já te disse, que quero falar é com o argentino, colombiano, ou lá o que ele é. Eu só

falo com o Escobar, aquele que aparece nas fotografias, e que não quer ser encontrado -

arriscou o jovem - E escusam de fazer ameaças, ou nos levam a esse gajo, ou nada feito... -

terminou decididamente.

- Está bem - concordou o outro, concluindo que não tinha alternativa - Marco... -

chamou - ...traz as algemas, e distribui-os pelos carros.

- Mas Dr., os dois carros não chegam para tanta gente...

- Então, levamos também o dele - respondeu, apontado para o Ford vermelho -

mudem a roda. Não temos tempo a perder.

- Ninguém a não ser eu toca nesse carro... - ameaçou Jorge - ...e elas vão comigo no

meu carro.

- Não creio, meu amigo. Vamos fazer assim: tu vais guiar realmente o teu carro, ...e

vais-te portar bem, porque ali aquela moça vai comigo - disse apontando para Rita - e aqui o

Marco vai-te fazer companhia para garantir que tu desta vez não te enganas no caminho. Já

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andei um dia inteiro atrás de ti, por isso não estou disposto a perder mais tempo. E em

relação a ela, vai no meu carro para eu ter a certeza que tu vais ser um menino bonito...

- Nem pensem...

- Acalma-te rapaz - insistiu o sujeito do fato - ...não me parece que estejas em

condições de fazer exigências, portanto é como eu digo. E não te atrevas a pôr-nos à prova,

lembra-te que nós também temos os nossos trunfos... - acrescentou puxando Rita pelo braço

direito.

- Vais-te arrepender, eu ainda te hei-de lixar, cabrão! - insultou Jorge.

- Bem, ...cuidadinho com a linguagem - avisou, virando-se depois para Marco - Vocês

vão no meio, e tu vais sentar-te ao lado dele para mais facilmente o poderes controlar, e tem

muita atenção, o.k.? - findou o Dr., dirigindo-se com Rita para o mais próximo dos dois

Mercedes pretos.

- Então e as algemas? - lembrou Marco.

- Não são precisas. Era preciso ele ser muito estúpido para tentar alguma coisa com a

miúda ali.

- Entrem vocês, ...já! - ordenou Marco, logo que o homem que fora encarregado de

trocar a roda do automóvel terminou a sua tarefa, falando para Sofia e Joana, que

obedeceram de pronto - Agora vou entrar eu, ...e depois tu, entendeste?

Jorge acenou com a cabeça em sinal afirmativo, e aguardou em silêncio que o

malfeitor ocupasse o seu lugar, para que também ele pudesse entrar.

- Podes ir-te embora “ Rosé “ - disse ao homem que de arma em punho vigiava

atentamente todos os movimentos de Jorge - E tu, estás a ver isto? - perguntou, apontado

para o seu revólver - Espero que para teu bem não seja necessário servir-me dela...

- “ Rosé “!?... - repetiu o rapaz, vendo o outro afastar-se em direcção ao Mercedes

mais próximo - O gajo é espanhol? - indagou curioso.

- Não tens nada com isso! - respondeu o carcereiro com os maus modos e a antipatia

habituais - E agora silêncio. Põe o motor a trabalhar, e segue aquele carro... - ordenou, no

momento em que eram ultrapassados pelo primeiro veículo.

Jorge obedeceu em silêncio, e colocou-se entre os dois luxuosos automóveis negros.

Dirigiram-se primeiramente para Coimbra, e já no interior da cidade tomaram o caminho que

conduzia à auto-estrada. À entrada da via rápida o jovem compreendeu que viajavam para

sul, porém não fez comentários. Também no assento traseiro as duas raparigas não ousaram

contrariar a ordem de Marco, permanecendo mudas...

- Para onde vamos? - inquiriu Jorge alguns quilómetros mais à frente.

- Cala-te e guia! - foi a resposta rude que obteve do captor.

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- Preciso de saber... - insistiu o condutor, acrescentando depois - ...é que o carro não

tem muita gasolina, e estamos a chegar a uma bomba - informou avistando a placa indicativa

da distância a que se encontravam da Área de Serviço, seguida da distância até à próxima.

- A seguir a esta, onde é que há outra?

- Não sei bem... - principiou o jovem - ...mas sei que perto de Santarém existe uma! -

esclareceu, sem desviar os olhos da estrada.

- A gasolina chega até lá? - questionou a dura personagem do rabo-de-cavalo,

olhando fixamente para o ponteiro indicador do depósito de combustível, enquanto aguardava

por uma resposta do condutor que pensativo, acenou a cabeça em sinal afirmativo - Então

continua, paramos lá! - decidiu friamente...

...

- Posso pôr música? - pediu Jorge, quando o perigoso sujeito voltou a arrumar o

telefone móvel no compartimento do porta-luvas, depois de ter estado a conversar com os

comparsas, a fim de os prevenir para a paragem que iram efectuar.

- Eu ponho, - anunciou, baixando a cabeça - ...mas se tentas alguma coisa és um

homem morto - ameaçou rispidamente - Onde é que isto se liga? - perguntou ainda.

Jorge com a mão direita tacteou o painel do auto-rádio, e quando se apercebeu que o

outro estava distraído, não hesitou, e segurando-o pelos cabelos compridos, fez com que a

nuca do perigoso malfeitor fosse embater com bastante violência no tablier do Ford. Em

seguida, apanhou a arma que Marco deixara cair, e agrediu-o várias vezes com o punho da

pistola até que este tombou para o lado, desmaiado. Tudo isto se desenrolou em apenas

alguns segundos, no entanto o suficiente para que os papéis se invertessem.

- Tu és completamente louco! - exclamou Sofia, com uma expressão apreensiva - O

que é que vai acontecer quando eles chegarem às bombas de gasolina, e virem que tu lhe

trataste da saúde.

- Não se preocupem... - principiou o jovem - Eu ouvi a conversa dele ao telefone... e

sei o que tenho a fazer. Mas não há tempo a perder. Vou já telefonar à Isabel para vos vir

buscar... - decidiu Jorge, falando para as duas companheiras que seguiam no assento

traseiro, a cada momento mais surpreendidas pela imensidão de recursos, e facilidade de

improvisação do amigo.

- Mas onde é que vamos ficar? - indagou Joana, não conseguindo esconder as suas

inquietações.

- Na Área de Serviço, é claro! - respondeu ele, procurando no corpo inerte do agora

seu prisioneiro as mesmas algemas que o outro exibira em Coimbra, ao mesmo tempo que

guiava - Dois pares! - observou - Que sorte! - concluiu sorrindo com satisfação, guardando os

objectos metálicos num pequeno compartimento que integrava a consola central do tablier.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- Que vais fazer com isso?

- Prendê-lo... não posso correr riscos, ou ele avisa os outros, e então é que estará

mesmo tudo perdido - explicou gravemente - Agora escutem: - prosseguiu - A Isabel há-de

vir-vos buscar, ela saberá como vos esconder num sítio seguro, e não se esqueçam de levar

os negativos convosco. Estamos a chegar... - anunciou o rapaz, desviando-se da via rápida e

entrando na zona do posto de reabastecimento, continuando a circular entre os dois

automóveis negros, que seguiram em frente, imobilizado-se algumas dezenas de metros mais

à frente. - Atenção, logo que eu parar, vocês só têm três ou quatro minutos no máximo para

fugir. Eu vou deixar a porta deste lado e a mala aberta, para ser mais fácil. Sejam rápidas e

discretas - pediu.

Jorge parou o espectacular Ford desportivo mesmo ao lado de uma das bombas, e

abriu a porta, saindo em seguida. Todos os seus movimentos eram atentamente seguidos a

curta distância a partir dos dois Mercedes. O jovem dirigiu-se para a bomba mais próxima e

pegou na pistola, introduzindo-a no bocal do depósito de combustível do seu veículo... No

interior, Sofia e Joana permaneciam sentadas, aguardando desesperadamente por uma

oportunidade para se esgueirarem. Entretanto, o rapaz atestou o depósito, sempre debaixo

do olhar do bando de malfeitores que aguardava mais à frente, e dirigiu-se para o edifício do

posto a fim de pagar o combustível que metera. Esta operação não demorou mais que dois

minutos. Já no caminho de regresso constatou desapontado que as colegas não tinham ainda

conseguido fugir. Porém, acabara de parar um camião enorme entre o Ford Escort RS

Cosworth e os dois luxuosos automóveis que impedia que os seus movimentos pudessem ser

observados pelos captores.

- “ É agora ou nunca! “ - pensou, correndo velozmente na direcção do seu carro -

Saiam! - pediu - Rápido, não podemos perder mais tempo - disse, dirigindo-se ao porta-

bagagens do Ford, e tirando para fora toda a bagagem que pertencia às companheiras.

- Então e tu? - indagou Joana, com uma expressão apreensiva.

- Eu vou atrás deles... - respondeu - Não vou deixar a Rita sozinha! Eu sei cuidar de

mim, está descansada! - tranquilizou-a, sentando-se apressadamente ao volante, enquanto

se servia das algemas para amarrar o perigoso patife que jazia desmaiado e sem sentidos no

assento contíguo ao seu.

- Por favor, tem cuidado! - recomendou Sofia partilhando da preocupação da amiga.

Primeiro prendeu os pulsos de Marco passando-os por detrás das costas do assento,

prendendo-lhe depois as pernas à estrutura metálica do banco, e por fim amordaçou o outro

servindo-se para tal do lenço que tirara do bolso do seu casaco. Em seguida, ligou o motor, e

seguiu devagarinho, para junto dos dois Mercedes, que permaneciam imobilizados no

exactamente no mesmo lugar. Estes, quando o viram aproximar-se, iniciaram a marcha,

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formando de novo a coluna que ali chegara, com o desportivo vermelho a circular outra vez

entre os dois carros alemães.

- “ Por agora, está tudo bem! “ - pensou aliviado, regressando à via rápida, enquanto

procurava no compartimento do porta-luvas o mesmo telefone móvel de que Marco se servira

momentos antes.

Logo que o encontrou, e sempre sem desviar os olhos da estrada foi marcando o

número do telemóvel que estava instalado no BMW amarelo, que lhe pertencia igualmente.

Do outro lado Isabel atendeu de imediato:

- Isabel, sou eu!...

- O que é que se está a passar, para quê tudo isto? - inquiriu a irmã um tanto confusa,

e muito pouco satisfeita.

- Primeiro escuta-me... - pediu - Quero que vás às bombas de gasolina da auto-

estrada, aí em Santarém e que apanhes a Sofia e a Joana que já lá estão à tua espera.

Depois quero que as leves a casa para elas irem buscar uma coisa muito importante que lá

deixaram, e depois vão todas para a casa de férias, e deixem-se lá ficar até eu lá chegar.

Posso contar contigo?

- Claro que podes, mas por favor explica-me o que se passa. O que é que me estás a

esconder? Estás em perigo?

- Está tudo bem, não te preocupes. - mentiu Jorge - Mas agora não posso falar... -

continuou vagamente, escusando-se a revelar mais pormenores que pudessem assustar a

irmã - Tudo o que te posso dizer é que andam uns tipos atrás delas por causa dumas

fotografias, e apanharam a Rita... Compreendeste tudo? - questionou o rapaz.

- Sim, vou buscá-las à área de serviço, e depois levo-as para a Serra da Estrela, é

isso?

- É isso mesmo. Mas não te esqueças de passar por casa, é muito importante, e

deixem-se estar em lá em casa até eu aí chegar... Eu agora vou desligar. Vai buscá-las já,

que elas põem-te ao corrente da história. E aconteça o que acontecer deixem-se ficar na

serra, e sobretudo, não me telefones, por favor, não telefones - recomendou Jorge uma vez

mais, despedindo-se da irmã, e voltando a guardar o telefone portátil no porta-luvas.

Tanto à frente, como atrás, ninguém nos dois elegantes automóveis pretos parecia ter

notado nada de anormal. A fuga das duas jovens não teria, pelo menos aparentemente, sido

detectada.

- “ Tanto melhor! Assim a Isabel tem tempo suficiente... “ - pensou aliviado,

recostando-se descontraídamente no confortável assento de desenho desportivo,

continuando absolutamente compenetrado na condução.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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A viagem continuou por auto-estrada durante bastante tempo. Sempre alinhados em

fila, separados por escassos metros, os três veículos continuaram seguindo a direcção de

Lisboa. Antes porém de entrarem na cidade, e embora continuassem numa via rápida,

tomaram o caminho que conduzia ao sul. Na altura em que rolavam por cima do “tabuleiro” da

Ponte Sobre o Tejo, igualmente conhecida por Ponte 25 de Abril, o passageiro que seguia ao

lado do jovem parecia dar sinais de ter começado a recuperar a consciência. Por fim, ergueu-

se com bastante dificuldade no assento desportivo do Ford vermelho, abrindo os olhos e

fitando o condutor com dureza. Em seguida, olhou para o banco traseiro, e constatando

furioso que as duas raparigas haviam fugido soltou alguns grunhidos imperceptíveis por

causa da mordaça.

- Ah! Sim, ...elas... - principiou Jorge, tranquilamente, sem se mostrar demasiado

preocupado com a expressão ameaçadora do seu prisioneiro - ...bem, elas não estavam a

apreciar o passeio, e por isso tiveram que sair mais cedo... - continuou sorrindo, enervando o

outro que em vão tentava libertar-se - ...sabes, tu não foste nada simpático! Assim nunca

conseguirás apanhar nenhuma!... - concluiu, sem que Marco deixasse de se contorcer, não

conseguindo fazer grandes progressos, embora continuasse a emitir os mesmos ruídos

estranhos, tentando a todo o custo falar, mas que a mordaça abafava, tornando-os

incompreensíveis - É música que tu queres? Não há problema... - disse, premindo a tecla que

fazia com que o auto-rádio funcionasse - Vês, já temos música! Se pedires com delicadeza...

Marco não parecia porém disposto a calar-se, e muito menos no que diz respeito ao

manter-se quieto, movendo-se continuamente no assento dianteiro do sensacional automóvel,

não desistindo de dar safanões no banco, na ânsia de se libertar.

- Importas-te de te calares... - pediu Jorge fitando-o por momentos - E pára quieto

porque não vais conseguir libertar-te. Por isso, o melhor será estares quietinho, e apreciares

a música, ou voltarei a usar isto... - ameaçou o jovem com mau-humor, mostrando

prontamente a arma de fogo de que se apropriara.

O outro, compreendendo que os seus esforços na tentativa de se libertar eram inúteis,

e perante a ameaça do captor que tinha um ar de quem não parecia disposto a brincadeiras,

calou-se de imediato, e recostou-se no confortável assento, não voltando a esboçar o mais

leve sinal de se pretender movimentar.

- Assim está melhor! - observou Jorge, prosseguindo viagem, sempre de permeio

entre os dois carros de fabrico estrangeiro - Ainda falta muito? - inquiriu, voltando a dirigir-se

ao prisioneiro, que se limitou a acenar negativamente com a cabeça...

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Fim do 4º Capítulo

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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Capítulo 5

- É aqui? - interrogou Jorge, quando cerca de uma hora após terem atravessado a

ponte sobre o rio Tejo, o primeiro Mercedes estacou junto a um enorme portão, cercado por

um muro elevadíssimo...

Marco não respondeu, limitando-se a confirmar com um aceno de cabeça que haviam

chegado ao destino.

Por fim, o portão abriu-se lentamente... O automóvel que estava imobilizado à frente

do admirável Ford vermelho avançou muito devagar, seguindo o trilho do asfalto que alguns

metros mais à frente fazia uma ligeira curva, começando também a subir. Só no fim de

contornar a curva é que o jovem conseguiu enfim avistar a sumptuosa mansão que se erguia

à sua frente, por causa das frondosas árvores que cresciam em grande número, rodeando

por completo a grandiosa habitação. Mesmo assim, e apesar de ser noite, o rapaz conseguiu

distinguir claramente os contornos da construção. Era uma moradia de dois pisos,

provavelmente com águas-furtadas, pois podiam-se observar várias janelas separadas em

intervalos regulares que saíam do telhado. A forma desta seria aparentemente rectangular,

muito próxima no entanto da quadrangular, e tinha uma entrada riquíssima, com uma

cobertura que era sustentada por seis enorme colunas possivelmente em pedra, e que

lembrava a Jorge as entradas das antigas domvs romanas. Finalmente o automóvel que

seguia na dianteira imobilizou-se, mesmo ao lado da entrada principal da mansão. O jovem

parou logo atrás, ficando de imediato trancado entre os dois luxuosos Mercedes negros. Em

seguida, o espectacular Ford vermelho foi rapidamente cercado por vários sujeitos munidos

de armas de fogo que se distribuíram estrategicamente em redor da viatura. Sem perder o

sangue frio, Jorge pegou na pistola que tirara ao prisioneiro, e apontou-lha à nuca...

- Trá-los cá para fora Marco! - ordenou o Dr.

- Vamos fazer uma troca... - gritou o destemido rapaz abrindo a porta do veículo - O

vosso homem pela Rita! - continuou, deixando que os bandidos vissem claramente que Marco

fora feito prisioneiro - Quero-a aqui já!

A um sinal da pérfida personagem do fato, “Rosé” dirigiu-se ao primeiro automóvel da

fila, e pediu à jovem que saísse, aprisionando-a logo que ela saiu. Depois, puxou habilmente

de uma enorme faca e passou-a à volta do pescoço da atraente rapariga.

- Larga isso, e solta-o ...imediatamente - ordenou impaciente o Dr. - Será que estás

mesmo disposto a arriscar a vida dela? - prosseguiu com uma expressão de dúvida - Então,

desistes ou não?

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Jorge hesitava... Não queria de forma alguma colocar a vida da colega em risco, além

disso ainda tinha um trunfo na manga. Desse modo, decidiu render-se. Contudo, antes que

tivesse tempo para o fazer, a colossal porta da mansão foi aberta, surgindo à entrada um

homem alto, forte, de cabelo já grisalho, sentado numa cadeira de rodas, que conduzido por

um sujeito que vestia de negro avançou decididamente para o Dr., acompanhado de perto por

vários seguranças.

- Que se passa? Porque razão não os levam para dentro?

- Ele apanhou o Marco! - esclareceu o outro.

O recém-chegado ouviu atentamente as palavras do seu subalterno, e sem responder

pediu com um sinal que o levassem para perto do Ford vermelho. Depois, pausadamente, fez

com que as rodas da cadeira onde estava sentado deslizassem muito devagar, aproximando-

se ainda mais da viatura.

- Como podes ver estou desarmado... - disse serenamente, levantando ambas as

mãos e fitando Jorge nos olhos - Não tens hipóteses. Rende-te, estás cercado...

- Nem penses...

- Eu sou um homem honrado... - insistiu o sujeito - Se te entregares, nada te

acontecerá, tens a minha palavra. Mas se continuares a resistir as coisas poderão ficar muito

feias, especialmente para a tua linda amiga... - terminou, aguardando que o jovem tomasse

uma decisão - Sê sensato... - recomendou ainda mantendo-se imóvel no assento.

Jorge reconheceu que os seus recursos se tinham esgotado. Estava completamente

cercado, e isolado. O seu único trunfo era Marco. Ainda para mais, “Rosé” mantinha a faca

sob a garganta de Rita. A melhor atitude a tomar seria entregar-se sem resistir mais,

pensava, olhando uma última vez para a colega, enquanto entregava a pistola do prisioneiro

do rabo-de-cavalo ao desconhecido. Depois, foi puxado violentamente para fora do automóvel

e algemado de imediato. Entretanto do outro lado do carro vários homens ocupavam-se da

tarefa de libertar Marco, que de pronto correu para Jorge tentando agredi-lo.

- Marco, ...pára imediatamente! - repreendeu com autoridade a altiva personagem -

Eu dei a minha palavra, ...e vou cumpri-la... - acrescentou.

- Mas este filho da puta, soltou as outras duas miúdas...

- Ele fez o quê? - perguntou irado o indivíduo estrangeiro, apanhado totalmente

desprevenido com a revelação de Marco - Como foi isso possível se o Fontes ainda há vinte

minutos me telefonou a dizer que tudo corria bem!?...

- Mas Enrique o Dr. não sabia de nada... - principiou, enquanto alguns dos seguranças

revistavam o Ford Escort RS Cosworth - Tivemos que parar para meter gasolina, e este

cabrão deu-me um soco, bateu-me com a arma, eu devo ter desmaiado, e ele aproveitou para

as soltar.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

78

- Não está cá mais ninguém, só duas malas de viagem - informou um cúmplice.

- Mas como? - perguntou-se Fontes, acercando-se de Jorge com cara de poucos

amigos - Nós só deixámos de o ver por alguns segundos porque meteu-se um camião no

meio, mas ele apareceu logo, é impossível que tenha tido tempo...

- Como é que foi possível duas miúdas terem fugido mesmo nas vossas barbas,

...quando já as tinham apanhado!?... - interrogou Enrique, levantado a voz pela primeira vez,

gritando irritadíssimo - Vocês são umas bestas!... - acrescentou furioso, dando um murro

violento no braço da cadeira de rodas na qual continuava instalado.

- Mas Enrique...

- Não quero desculpas... Quero resultados!... - interrompeu furioso, pouco disposto a

escutar as justificações que o Dr. lhe queria transmitir - Ando eu a pagar-vos uma fortuna, e

vocês só fazem merda... Imbecis!... Idiotas!... Incompetentes!... - insultou cada vez mais

agastado e exaltado.

- Ele deve saber onde elas estão! - lembrou Marco, aproveitando uma pausa do amo,

apontando colérico para Jorge, que permanecia imóvel vigiado atentamente por diversos

homens que vestiam de negro.

- Tragam-nos para dentro... - decidiu Enrique recuperando o sangue-frio - Temos que

as encontrar rapidamente! É absolutamente necessário apoderamo-nos dessas fotografias... -

acrescentou apreensivo, fazendo um sinal ao homem que conduzia a cadeira de rodas para

que o levasse de novo para o interior da moradia.

Jorge e Rita seguiram-no sem oferecerem resistência, e embora sempre sob apertada

vigilância conseguiram trocar discretamente algumas curtas palavras:

- Estás bem? Não te fizeram mal? - indagou o jovem quando penetraram no amplo hall

de entrada da deslumbrante habitação.

- Não, ...só me ameaçaram... - respondeu vagamente, e quase em surdina - E tu,

...como estás?

Porém, ela foi empurrada mais para a frente, pelo que não tiveram oportunidade de

dizer mais nada. Instantes mais tarde estavam ambos sentados lado a lado numa divisão que

servia simultaneamente de escritório e biblioteca sumptuosamente decorada e mobilada, na

presença do enigmático indivíduo que convencera o rapaz dos cabelos louros a entregar-se.

- Permitam que me apresente... - disse, falando pausadamente enquanto fumava um

charuto, oferecendo um a Jorge, que educadamente recusou - ...o meu nome é Enrique

Escobar, e tanto para a polícia boliviana, como para a Interpol, ou até mesmo para a DEA, eu

estou morto... - continuou, sorridente - Há alguns meses atrás eu simulei a minha morte, ...um

trágico acidente de automóvel nos Estados Unidos, e com muitas testemunhas, ...como

convém. Só que não era eu que ia no carro, e por sorte a minha ficha dentária coincidia com

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os dentes do infeliz agente da DEA que tão voluntariosamente tomou o meu lugar.

Coincidências... - observou com uma expressão mordaz - Depois, foi tão somente sair do

país, e encontrar um lugar agradável onde tranquilamente pudesse gozar a minha reforma...

- E Portugal era o paraíso...? - antecipou-se Jorge com perspicácia.

- Brilhante dedução meu jovem... - disse, fazendo uma pausa, prosseguindo depois -

Portugal era o país ideal, tem muito sol, leis favoráveis, e é um país onde tendo os amigos

certos, e desde que eles estejam contentes, tudo se arranja. Para além disso eu vivi muitos

anos cá, conheço os costumes a língua, e é cá que tenho, ...digamos que... bem... a minha

organização estende-se por toda a Europa, mas é aqui em Portugal que eu tenho conseguido

maiores lucros no meu negócio. Como naturalmente já devem ter compreendido eu dedico-

me ao comércio de...

- Comércio, hem... - interrompeu Rita, não conseguindo conter a sua indignação -

Chama comércio a isso que faz, destruir as vidas de milhares de pessoas...

- Sim, - recomeçou o anfitrião delicadamente, não se ofendendo com o comentário da

jovem - ...é um comércio limpo, ainda que ilegal, reconheço. No entanto, eu vendo e as

pessoas compram. Eu não obrigo ninguém a tomar drogas, eles procuram, pagam o meu

preço e eu vendo, livremente, e sem qualquer tipo de pressões... Além disso, também o

tabaco e o álcool matam e destroem milhares de vidas todos os anos, provocam igual

dependência, e ninguém parece condenar isso; os narcóticos e os estupefacientes não são

mais perigosos do que a bebida e os cigarros, e em público quem mais os condena é quem

em privado mais os procura, ou até obtém altos dividendos à sua custa... - disse com uma

expressão sincera - Mas, ...mudando de assunto, vamos ao que realmente interessa. Visto

que fui descoberto por vós, já não é para mim seguro permanecer em Portugal, e por isso

terei que procurar um paraíso alternativo. Contudo, eu não me quero ir embora sem ter a

certeza absoluta de que ninguém poderá provar que eu estou vivo, e como devem

compreender, depois de todo o trabalho que tive a encenar a minha morte, é para mim muito

importante que essas fotografias que vocês conseguiram, ...desapareçam.

- E se nós não estivermos dispostos a colaborar? - interpelou Jorge, sempre com uma

frieza a toda a prova.

- Por certo que vão colaborar. Eu estou disposto a entrar num acordo convosco. As

fotografias, e respectivos negativos em troca da vossa liberdade. Com vêem, é simples,

vocês dão aquilo que eu pretendo, e eu libertar-vos-ei. Porém, existe uma condição: quero

que me digas onde é que as nossas duas amigas que tu ajudaste a fugir estão escondidas.

Então, temos acordo? - questionou Enrique, pedindo uma bebida a um dos seguranças

presentes.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- Não me parece mal... - começou Jorge, fingindo analisar a proposta do interlocutor -

No entanto, não sei porquê, mas não confio muito... - disse, duvidando da amabilidade do

outro.

- Tens a minha palavra... Enrique Escobar é um homem honrado - garantiu,

principiando a saborear a sua bebida - Então, vais dizer-me onde é que elas estão?

- Não... - respondeu Jorge provocadoramente.

- Não abuses da minha paciência. Eu sou um pessoa tolerante, mas...

- Chefe, dê-me meia-hora a sós com ele... - pediu Marco interrompendo o amo - ...eu

arranco-lhe a verdade a murro.

- Chega Marco... - retorquiu Enrique olhando duramente para o seu segurança - Eu dei

a minha palavra!... Mais uma vez te pergunto onde é que escondeste as duas moças - insistiu

de novo o sujeito sul-americano, virando-se outra vez para o jovem estudante que

permanecia tranquilamente sentado na poltrona continuamente vigiado pelos sinistros

homens que vestiam de negro.

- A verdade é que não sei... - repetiu Jorge confiante.

- Quanto vale para ti a vida da tua linda companheira? - indagou Escobar, mostrando-

se um tanto impaciente com a persistência do seu prisioneiro

- Já te disse que não sei...

- Parece que não compreendeste a minha mensagem. Ou começas a colaborar, ou

então vais vê-la morrer, ...devagarinho - ameaçou colérico - Não me menosprezes pela minha

deficiência, já outros o fizeram, e arrependeram-se...

- Eu não sei de facto onde é que elas estão. Tudo o que te posso dizer, é que as

deixei realmente nas bombas da auto-estrada em Santarém. Depois, telefonei à minha irmã, e

pedi-lhe que as fosse lá buscar, alugasse um carro, e que desaparecesse pelo menos

durante duas semanas... - revelou por fim Jorge, perante a surpresa do inquisidor - A minha

irmã é uma rapariga cheia de recursos, e principalmente de amigos. Se ela fizer aquilo que

lhe pedi resta-vos esperar que ela apareça, pois com os conhecimentos dela jamais a

encontrarás, a não ser que ela o queira - acrescentou ainda com um ar triunfante.

- Se isso é verdade, tenho que reconhecer que por agora levas uma vantagem

importante no nosso joguinho, mas conforme te disse, eu também tenho os meus recursos, e

ainda não joguei todos os meus trunfos... - replicou sem se mostrar demasiado impressionado

por mais este contratempo - E quanto a vocês... - prosseguiu falando mansamente para os

seus subordinados - ...são umas bestas!... Uns incompetentes!... Como é possível que um

tipo sozinho possa pôr em causa a toda a minha organização, e meses e meses de

trabalho!... - gritou visivelmente irado, dando um murro violento sobre a secretária de madeira

exótica - O que é que têm a dizer acerca disto?

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Contudo, ninguém ousou responder, e fez-se um silêncio quase absoluto na sala,

unicamente interrompido pelo próprio anfitrião que continuou ordenando:

- Vão procurá-las! E não se atrevam a voltar de mãos a abanar. Eu quero sair do país

o mais breve possível, e tenho que ter as fotografias! Saiam! - exigiu agastado.

Os perigosos sujeitos que vestiam de negro abandonaram de pronto a divisão não

ousando contrariar a ordem dada por Enrique. Na ampla sala, ficou apenas o líder da

organização, os dois prisioneiros, o Dr. Fontes, Marco, e ainda o tal que todos tratavam por

“Rosé”.

- Bem, até que aqueles inúteis me consigam trazer outras moças, vocês serão meus

convidados nesta casa - anunciou amavelmente o anfitrião, começando outro charuto.

- Haverá alguma hipótese de nós recusarmos o seu amável convite? - indagou o

jovem com ironia.

- Não me parece, ...e se o fizerem eu insistirei energicamente para que fiquem. São

meus hóspedes até conseguirmos recuperar as nossas fotos...

- Ah, bem me parecia - redarguiu Jorge mordazmente - Já agora, não causaria muito

transtorno, e já que somos visitas, tirarem-nos as algemas?

- Tirem-lhas - solicitou o altivo sujeito boliviano, falando para os dois seguranças que

haviam permanecido no escritório - Bem, ...já passa bastante da meia-noite, e depois de um

dia tão agitado e atribulado decerto que os meus hóspedes estarão exaustos...

- Sim, de facto - admitiu o rapaz bocejando longamente - Perdão... - desculpou-se.

- Uma vez que assim é, - decidiu Enrique - instala-os a ambos no quarto do sótão, e

certifica-te que a porta fica bem fechada, para que os nossos amigos não possam ser

importunados - recomendou friamente a “Rosé” - Ah, ...desculpem, ...que falta de educação a

minha. Não se importam de ficar no mesmo quarto?

- Não, claro que não, de modo algum... - respondeu Jorge aliviado - “ Pelo menos

vamos ficar juntos! “ - pensava, enquanto acrescentava - ...não queremos abusar da sua

hospitalidade...

“Rosé” solicitou a Marco que o acompanhasse, e os dois levaram Rita e Jorge para o

magnificente hall de entrada, fazendo-os subir uma escada em madeira exótica ricamente

esculpida; uma verdadeira obra de arte pensava o rapaz. Ao chegaram ao primeiro andar

ficaram em frente de um extenso corredor para o qual foram encaminhados pelos dois

perigosos sujeitos que seguiam atrás, sempre de arma em punho. Enquanto cruzavam o

passadouro, Jorge ia olhando de relance para as inúmeras pinturas penduradas nas paredes

em intervalos mais ou menos regulares, provavelmente bastante valiosas supôs. No final do

corredor voltaram a subir um segundo lanço de escadas, este bastante mais simples que

aquele que partia do piso térreo, encontrando-se de novo num corredor igualmente comprido.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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Por fim, “Rosé” abriu uma porta, fazendo-lhes sinal para que entrassem. Indicou-lhes onde

era o quarto de banho, e em seguida, já de saída preveniu:

- Estão a ver aquilo ali...? - disse apontando para uma câmara de vigilância instalada

por cima da entrada para o quarto de banho - Aquilo permite-nos ver tudo o que fizerem aqui

dentro. Se tentarem fugir nós vemos, se taparem a objectiva, nós estaremos logo aí, e do

lado de fora vai estar sempre um guarda. Por isso é inútil tentarem fugir.

- Ali no roupeiro têm tudo aquilo de que precisam... - informou Marco com a rudeza

habitual, aproximando-se sorridente de Jorge - E tu, ...tem cuidado. Quando eu te apanhar,

...nem queiras saber, entendeste? Dá-me só um pretexto, ...cabrão!... - findou, agredindo

Jorge com um soco certeiro que o deixou estendido no chão, saindo de imediato.

Rita, acercou-se do companheiro de pronto, ajudando-o a erguer-se, enquanto que do

lado de fora chegava o ruído da chave rodando na fechadura.

- Está fechada! - concluiu o jovem tentando forçar a porta - Nada feito, é muito forte... -

acrescentou, começando cuidadosamente a afastar móveis, virando quadros, espreitando

debaixo da cama...

- Que procuras? - inquiriu a colega chegando junto dele.

- Microfones... - esclareceu o rapaz - ...quero saber se para além de observados não

estamos também a ser escutados. - disse, prosseguindo a sua busca - Bem, parece-me que

está limpo, podemos falar à vontade, não há microfones escondidos, e a câmara só capta

imagens.

- E agora, que vamos fazer? Tenho medo... - principiou Rita receosa, falando

sumidamente.

- Tem calma... - redarguiu Jorge, abraçando-a com ternura, na tentativa de acalmar a

inquieta e dócil jovem - Temos o tempo a nosso favor. Em duas semanas por certo que

conseguiremos arranjar uma forma de escapar... - tranquilizou-a falando com confiança.

- Mas aquele tipo nojento do rabo-de-cavalo, ...tenho tanto medo do que ele te possa

fazer...

- Está descansada, não te preocupes. Enquanto for o estrangeiro a mandar...

- Mas eu ainda confio menos nesse fulano! - interrompeu Rita quase soluçando -

Assim que ele tiver as fotografias, por certo que se vai livrar de nós. E tu não devias confiar

nele nem um bocadinho. Ele serve-se da sua deficiência para manipular as pessoas. E tu

estás a cair no jogo dele, ele é muito mais perverso do que parece. Aquela cadeira de rodas é

uma arma que joga a seu favor - acrescentou Rita, muito nervosa.

- E quem te disse que eu confio nele?

- Se desconfias dele, porque razão lhe disseste que elas vão aparecer daqui a duas

semanas?

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- Tu acreditaste nisso...!? Fui assim tão convincente!?... - exclamou surpreendido -

Bem, se te enganei a ti, talvez também o paralítico de merda tenha engolido a história... -

acabou, deitando-se radiante em cima de uma das camas.

- Estavas a mentir!?... - exclamou atónita, já bastante mais calma.

- Claro que sim! - respondeu Jorge sorridente - Mas, cuidado... - avisou baixando a

voz e continuando quase sussurrando - não podemos facilitar, e embora eu não tenha

conseguido encontrar microfones, não quer dizer que eles não existam.

- Então tu sabes onde elas estão escondidas? - perguntou Rita, sentando-se na outra

cama.

- Vem cá... - pediu, fazendo uma pausa enquanto esperava que a companheira se

aproximasse - Elas estão escondidas numa casa que tenho na Serra da Estrela...

- E a Isabel...?

- Está com elas. Por isso, não te apoquentes. Elas estão em segurança. A casa é

isolada, e ninguém, a não ser a Isabel sabe que sou eu dono. Se não tivéssemos sido

apanhados era para lá que iríamos todos... - revelou, falando muito baixinho ao ouvido da

rapariga.

- E, ...a história das duas semanas?

- É tudo treta. Foi uma bela história, que nos acabou de dar duas semanas para

elaborarmos um plano de fuga... - continuou, falando quase em surdina.

- Só que há a câmara, os seguranças, e lembra-te que estamos num sótão fechados à

chave... - retorquiu a jovem

- Detalhes... - minimizou Jorge, parecendo extremamente seguro de si, e igualmente

confiante - ...facilmente ultrapassáveis - acrescentou, sempre com a mesma frieza - Há

muitas coisas sobre mim que tu não sabes... - disse, vagamente.

- Queres falar sobre isso? - sugeriu Rita mostrando-se bastante interessada no

passado do companheiro.

- É uma longa história que um dia te contarei, ...prometo. Por agora tudo o que te

posso dizer é que, há três quatro anos atrás, quando eu era mais novo, afastei-me do

caminho de Deus, e fiz muitas coisas reprováveis. A menos grave, foram as drogas;

...consumi de tudo, desde haxixe a heroína, LSD, cocaína, etc... Bem, mas isso felizmente já

pertence ao passado. Agora vamos mas é dormir que eu estou mortinho de sono - terminou,

mudando rapidamente de assunto.

Vou-me trocar - assentou Rita, compreendendo que o colega não estava ainda

preparado para lhe revelar todos os pormenores sobre a sua vida, enquanto se dirigia para o

quarto de banho com um pijama debaixo do braço esquerdo.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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A rapariga voltou apenas volvidos alguns minutos, e em seguida também Jorge entrou

na acolhedora dependência a fim de vestir o pijama que a esbelta jovem lhe entregara. Enfim,

enrolaram-se ambos no meio dos lençóis, procurando a melhor posição para repousarem.

- Jorge!? - chamou a rapariga baixinho.

- Sim...?

- Posso ir dormir contigo? - arriscou a medo.

- Claro que podes... - anuiu o companheiro, chegando-se mais para a sua direita.

- És bestial... - elogiou Rita, passando-se para a cama contígua à sua, acomodando-

se entre os vários cobertores - Até amanhã!... - disse, envolvendo o rapaz nos seus braços ao

mesmo tempo que o beijava apaixonadamente nos lábios, que recuou surpreso - Desculpa,

...fiz mal?

- Não, ...gostei muito, ...só que apanhaste-me desprevenido, não estava nada à

espera... - explicou Jorge algo confuso.

- A sério que não ficaste zangado?

- Juro. E para ser sincero adoraria repetir, mas não à frente da câmara, porque fico

sempre um pouco embaraçado.

- Ainda bem... - redarguiu aliviada - Só te queria dizer mais uma coisa:

- Podes falar.

- Queria dizer-te que gosto muito de ti, que tens sido um amigo espectacular, e pedir-

te desculpa por te termos envolvido em toda esta trapalhada...

- Esquece isso... Embora estejamos prisioneiros, nada está ainda perdido... -

descansou-a Jorge, com a sua habitual serenidade - Vais ver, daqui a uns dias estaremos

todos juntos outra vez. Vá, agora dorme...

- Boa noite! - desejou Rita, voltando-se para o outro lado, deixando que Jorge

passasse os seus fortes braços em torno do seu corpo frágil e delicado...

Depois de um dia tão extenuante, recheado de inúmeras emoções e peripécias,

estavam ambos exaustos, pelo que não demorou muito até que dormissem profundamente,

sempre vigiados através da câmara de segurança instalada numa das paredes do quarto.

Repousando tranquilamente no último piso da soberba mansão, os dois jovens não

suspeitavam da conversa que se desenrolava no mesmo escritório onde haviam estado

pouco tempo antes.

- Mas Enrique, escuta....

- És uma besta Fontes!... - insultou com arrogância o sujeito boliviano - Eu não quero

desculpas, ...quero resultados. Vocês falharam porque foram incompetentes. Como é

possível que um miúdo de vinte anos vos consiga iludir. Isso só aconteceu porque vocês o

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subestimaram - continuou não muito contente - Temos que conseguir essas fotografias a todo

o custo, e depois livramo-nos deles...

- Ele sabe de certeza onde as outras duas estão escondidas! - interrompeu o Dr. - Eu

podia....

- Eu também sei disso... - revelou Escobar.

- Então porque não me deixou arrancar-lhe a verdade a murro? - indagou Marco algo

confundido pelas palavras do amo.

- Não valeria o esforço... - limitou-se a responder o perigoso traficante com a frieza

habitual - Eu tenho uma ideia melhor... - prosseguiu com serenidade, acendendo mais um

charuto - Será o nosso amigo a levar-nos até às outras duas miúdas e às fotografias!

- Não estou compreendendo... - declarou “Rosé” pensativo.

- Para vencermos o inimigo teremos que aprender a pensar como ele, e se necessário

deixarmos que seja ele a jogar primeiro. Lembras-te disto? - indagou Enrique falando para o

seu segurança.

- Foi o “pátron” quem me disse isso uma vez há muitos anos atrás, quando a

organização do Ramirez andava a tentar dar cabo de nós...

- Exactamente “Rosé”, e com este gajo teremos que deixar que seja ele a jogar

primeiro...

- Como...?

- Vamos convidá-lo a fugir, e deixamos que ele nos leve até às outras duas...

- Ou três... - lembrou o Dr. - Não sabemos se a irmã dele está realmente com elas!

- Mas como é que estás a pensar fazer isso Enrique?

- Não te preocupes, Marco. A seu tempo verás, - respondeu vagamente o líder, com

um sorriso enigmático - ... amanhã jogaremos a nossa primeira cartada, e depois é só esperar

que o peixe morda no anzol - acrescentou não querendo revelar mais pormenores - Estou

muito cansado. Leva-me para os meu aposentos, “ Rosé” - pediu por fim aguardando que os

seus homens o ajudassem a instalar-se na cadeira de rodas que estava mesmo ao lado da

poltrona em que se encontrava naquele momento.

...

Entretanto, o que sucedera com Sofia e Joana, que Jorge deixara no posto de

abastecimento da auto-estrada em Santarém?

Depois de o jovem ter abandonado o local, as duas raparigas sempre protegidas pelo

camião que acabara de chegar, viram o colega afastar-se, e depois voltar a rodar entre os

dois Mercedes negros, enquanto aguardavam que Isabel aparecesse.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- Ele conseguiu! - exclamou Sofia radiante - Aqueles idiotas caíram mais uma vez! -

concluiu, vendo os três automóveis regressarem à via rápida.

- Tenho fome... - anunciou Joana - Vamos comer qualquer coisa? - sugeriu, pegando

na carteira...

- Eu também estou mortinha de fome, afinal só almoçámos, e já passa das nove -

observou consultando o seu relógio de pulso - ...mas mesmo assim, ...não sei... - hesitou -

Não achas que era melhor ficarmos por aqui não vá a Isabel demorar pouco tempo a chegar?

- lembrou a companheira.

- Tens razão... - concordou Joana - Eu vou lá, e compro qualquer coisa para as duas -

decidiu a jovem, encaminhando-se para o pequeno café que existia no local, voltando alguns

minutos mais tarde, trazendo duas latas de Coca-cola, um pacote de batatas fritas, e dois

chocolates.

- Anda, vamos sentar-nos ali - sugeriu Sofia, apontando para um pequeno jardim um

pouco mais afastado, onde se podiam ver vários bancos de madeira.

- Achas que vai correr tudo bem com a Rita e com o Jorge? - perguntou a colega,

pousando os sacos de viagem na chão, e instalando-se igualmente no assento de madeira

pintada de verde.

- Não sei... - principiou a outra - ...mas os outros gajos até se passam quando

descobrirem que ele arrumou aquele nojento do rabo-de-cavalo, e que nós fugimos...

- É disso que eu tenho medo... Já pensaste se eles se resolvem vingar neles dois? -

notou Joana, trincando com um olhar apreensivo mais uns pedaços de batata frita.

- Já me tinha ocorrido, mas não te preocupes, o Jorge é um tipo às direitas... -

contrapôs Sofia, terminando a sua bebida, ao mesmo tempo que rasgava o papel que

envolvia o seu chocolate - Ele sabe o que faz. Viste como ele guiou o carro hoje à tarde

quando fugimos de Coimbra?

- É verdade, lá atrás eu estava completamente acagaçada, já reparaste se nos

despistássemos àquela velocidade. Eu consegui ver o velocímetro duas ou três vezes, e

reparei que ele deu curvas a cento e sessenta, e até mais!... - prosseguiu não conseguindo

conter a admiração pelo rapaz que havia conhecido na faculdade poucos meses antes - A

cada curva que ele dava, eu já nos via esborrachados numa árvore ou noutro gajo que viesse

de frente, mas ele controlou o carro sempre com uma perícia como eu nunca tinha visto, nem

o meu irmão consegue guiar assim.

- E a ultrapassagem ao camião?

- Aquilo foi de cortar a respiração!... - reconheceu Sofia, reunindo as duas latas de

refrigerante, bem como as restantes embalagens daquilo que haviam consumido, e deitando

tudo no caixote do lixo que estava a poucos metros de distância.

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- É verdade, eu nunca pensei que conseguíssemos, naquele momento eu paralisei por

completo...

- Então e eu... - replicou a colega, não chegando a terminar o seu raciocínio, pois

Joana interrompeu-a:

- Olha ali... - começou - ...aquele BMW, não será a Isabel?

- Parece, mas não tenho a certeza. Vamos esperar que alguém saia, ou então que o

carro se aproxime mais - sugeriu Sofia, observando o veículo com atenção.

Porém, segundos depois o espantoso coupé amarelo debaixo da cobertura das

bombas de combustível, e a porta abriu-se, saindo de pronto uma personagem familiar que as

duas fugitivas reconheceram de pronto. Desse modo, pegaram ambas nas malas de viagem

que Jorge lhes deixara, e correram velozmente na direcção do elegante desportivo, enquanto

que a recém-chegada aproveitava para encher também depósito de gasolina.

- Vá, entrem! - pediu Isabel, abrindo o porta bagagens, e arrumando tudo no seu

interior - Entrem que eu vou só pagar a gasolina, e depois já falamos - assentou a rapariga,

correndo apressadamente para o edifício que se erguia mesmo na sua frente, regressando

volvidos escassos segundos.

- Agora que ninguém nos pode ouvir, quero que me contem o que se está a passar,

tintim por tintim! - pediu a irmã de Jorge, entrando no carro, e fechando a porta com estrondo

- Grande porra!... - exclamou - ...agora para sairmos da auto-estrada temos que ir até

Aveiras... - lamentou-se, no momento em que o BMW coupé voltava a rolar velozmente na via

rápida - Afinal, que história é essa das fotografias, e porque razão andam esses gajos atrás

de vocês?

- O que se passa, é o seguinte... - começou Sofia, contando a Isabel toda a história,

sempre ajudada por Joana que ia lembrando os pormenores que a companheira esquecia.

Isabel continuou a conduzir com perícia o magnífico automóvel, enquanto que as duas

raparigas prosseguiam com o seu relato. Pouco tempo depois, Joana avistou uma placa que

indicava a distância para a saída de Aveiras de Cima, avisando de pronto a irmã de Jorge que

abandonou a auto-estrada, voltando a entrar logo em seguida, porém no sentido inverso.

Instantes mais tarde, Sofia terminava a sua narração, enquanto Isabel recapitulava tudo

resumidamente para se assegurar que tinha compreendido bem toda aquela bizarra situação:

- Então, estão a dizer-me que anda um estrangeiro qualquer atrás de vocês por causa

de umas fotografias, e que os conseguiu apanhar a todos. Só que o meu irmão foi às trombas

a um, ajudou-vos a fugir e quer que eu vos esconda, enquanto ele vai buscar a Rita? É isso,

não é?

- Sim, é isso mesmo - confirmou Sofia, que seguia no assento contíguo ao da irmã do

colega.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- Se ele quer que eu vos esconda, será o que faremos... - assentou Isabel, carregando

no botão que fazia descer o vidro, quando chegaram à saída da auto-estrada - ...eu vou levar-

vos para um sitio seguro! - anunciou, entregando uma nota de mil escudos ao portageiro.

- Eu tenho medo, é que os outros fulanos se resolvam vingar no teu irmão e na Rita

por causa da nossa fuga... - lembrou Joana, quando o automóvel amarelo arrancou de novo

já depois de ter parado na portagem.

- Eu também estou um pouco preocupada... - revelou Isabel - ...mas não há razão

para isso. Eu conheço o Jorge, e sei do que ele é capaz. Ele é muito inteligente, e tem alguns

trunfos que a maioria das pessoas desconhecem. Quase que aposto, que ele vai jogar com a

vossa fuga para arranjar o tempo suficiente até pensar numa maneira de escapar...

- Mas estes tipos são muito perigosos... - advertiu Sofia - ...eles têm muito poder, e

amigos influentes no governo, na polícia, etc. - acabou com uma expressão cabisbaixa - O

Jorge pode correr grande perigo, e a Rita também...

- Há coisas no passado do Jorge, que mesmo eu desconheço...

- Que espécie de coisas...? - indagou curiosa a atraente rapariga dos cabelos louros,

enfiando a cabeça entre os dois assentos dianteiros do BMW.

- Tudo o que te posso dizer, é que ele consegue ser tão Macgyver quanto o original, e

sem ser o Houdini, já fez milagres do género... - acrescentou vagamente.

- Que queres dizer com isso do Macgyver, e do Houdini? - insistiu Joana, cada vez

mais interessada nas proezas do colega.

- Não te posso dizer mais do que aquilo que disse... - concluiu, fechando-se em

seguida num sorriso enigmático, e escusando-se a revelar mais pormenores.

- Então agora para onde é que vamos? - indagou Sofia, mudando o rumo da conversa.

- Para já vamos a Santarém, o Jorge pediu-me para vos levar ao nosso apartamento,

buscar qualquer coisa muito importante que vocês lá deixaram.

- É verdade, os negativos estão lá!... - confessou inocentemente a jovem dos cabelos

louros.

- O quê!?... Os negativos estão onde!?... - perguntou Isabel assombrada, sendo

apanhada desprevenida pela revelação de Joana - Bem, estão de parabéns... - reconheceu

rindo divertida - Quem iria pensar que vocês tinham sido cuidadosas a esse ponto. Foi

inteligente... - observou a irmã de Jorge largando o volante por segundos, e dando uma

palmada amigável nas pernas de Sofia.

- Isso já o teu irmão nos disse! - confidenciou a jovem que seguia a seu lado - Espero

que não fiques muito aborrecida, mas quando percebemos que eles estavam a chegar muito

perto resolvemos jogar pelo seguro. Quem é que se ia lembrar que os negativos estavam no

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vosso apartamento, se nem vocês mesmos sabiam - explicou Sofia com um ar triunfal,

continuando depois - Ficaste chateada...?

- Nem um pouquinho! - respondeu Isabel com sinceridade, anunciando depois -

Chegámos!...

O admirável BMW M3 coupé amarelo parou em frente da entrada principal do

majestoso prédio, pelo que, ao contrário daquilo que era habitual não entraram no edifício

pelo piso subterrâneo, subindo apressadamente os degraus que conduziam ao interior do

prédio. Passavam então escassos segundos das dez horas da noite. Em seguida, dirigiram-

se rapidamente em direcção ao elevador...

- Onde é que...? - indagou Isabel procurando na sua bolsa as chaves da porta, quando

ficaram em frente da entrada do apartamento.

- Estão no escritório... - declarou Joana, enquanto Isabel rodava a chave na

fechadura.

Sofia e Joana deixaram-se conduzir por Isabel até ao escritório. Em seguida, Joana,

aproximou-se da secretária sobre a qual estava instalado um completo equipamento

informático, e puxou para fora a mesma gaveta onde poucos dias antes tinha escondido os

comprometedores negativos.

- Aqui estão! - exclamou triunfante, entregando o pequeno volume a Isabel, ao mesmo

tempo que voltava a colocar a gaveta no último espaço da secretária.

- Os meus parabéns! - felicitou a irmã de Jorge - Só mesmo por sorte é que alguém

conseguiria descobrir isso! Vê se falta alguma coisa... - pediu ainda.

- Não..., está aqui tudo - assegurou a jovem, depois de ter aberto o envelope, e

verificado cuidadosamente o conteúdo do mesmo.

- Então vamos embora... - decidiu Isabel - ...não temos mais nada a fazer aqui!

Querem comer alguma coisa, ou beber...? - indagou a rapariga - ... a viagem ainda é longa -

preveniu depois.

- Não, ...trincámos qualquer coisa enquanto estivemos na Área de Serviço à tua

espera, por isso agora não temos fome, - recusou Sofia delicadamente - ...mas obrigada!

- Vamos... - pediu Isabel, escoltando as duas companheiras em direcção à saída -

...pode ser perigoso permanecermos aqui por mais tempo, além de que ainda temos muitos

quilómetros pela frente.

Depois de ter rodado a chave na fechadura da porta de entrada do apartamento,

Isabel guardou a mesma no bolso dos jeans juntando-se de pronto a Sofia e Joana que já

esperavam no interior do elevador. Já no piso térreo do imponente edifício, saíram dirigindo-

se apressadamente ao BMW M3 coupé que havia ficado estacionado mesmo em frente do

prédio. Joana deixou que Sofia entrasse em primeiro lugar ocupando ela em seguida o

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assento contíguo àquele em que se sentara Isabel. Sem mais delongas, a jovem pôr o

potente motor o automóvel amarelo em funcionamento, arrancando de imediato, e da mesma

forma que o irmão o costumava fazer; bruscamente...

...

- Afinal para onde é que nós vamos? - indagou a dada altura Joana, algum tempo

depois de terem deixado Santarém, quando teve a certeza que se dirigiam algures para o

interior.

- Vamos para a Serra da Estrela... - esclareceu a companheira desviando por

momentos o olhar da estrada - ...vamos para casa dos avós do Jorge...

- Do Jorge e teus, não é?

- O quê...?

- Os avós do Jorge também são teus, não é?

- Não, por acaso até nem são... - revelou a rapariga, deixando as outras duas

completamente mudas de espanto...

Compreendendo que deixara as duas jovens sem fala, Isabel apressou-se a explicar:

- Os pais do Jorge não são os meus verdadeiros pais, nem tão pouco o Jorge é meu

irmão...

- Não!?... - exclamaram ambas ao mesmo tempo, cada vez mais confusas - Então

como é que... - inquiriu Sofia, recompondo-se mais rapidamente que a colega, embora sem

conseguir articular uma questão.

- Queres saber como é que eu vivo com o Jorge, e porque é que ele me trata por irmã,

não é? - indagou Isabel, adivinhando os pensamentos da rapariga, e prosseguindo após um

sinal afirmativo de ambas - É uma longa história, que começou nas urgências do Hospital de

S. José...

- Conta, conta... - pediu Joana.

- Eu nasci em Lisboa... - principiou a jovem, fazendo uma pausa para melhor organizar

as ideias, e continuando quase de seguida - ... mais ou menos na zona de Chelas, e vivia

numa barraca. Sempre fomos pobres, o meu pai estava constantemente desempregado, e a

minha mãe ganhava muito pouco. Desde sempre que o meu pai bebia muito, batia-me a mim

e à minha mãe, e ela de vez em quando fugia, e estava vários dias sem aparecer em casa, às

vezes até semanas. Só que de há alguns anos atrás, eles começaram a mudar, passaram a

beber os dois, brigavam cada vez mais vezes, e começaram a roubar e a drogar-se. Só que o

aquilo que conseguiam com o roubo deixou de chegar para a droga, como estavam os dois

desempregados, o dinheiro mal chegava para comermos, quanto mais para sustentar os

vícios deles. Então, obrigaram-me a roubar também. A princípio, foi só isso, mas depois,

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começaram a obrigar-me a fazer-lhes certos serviços, até que a dada altura vendiam o meu

corpo a quem mais pagasse...

- O que queres dizer com isso...?

- Exactamente aquilo que disse, Sofia. Para além de me obrigarem a roubar, e do meu

pai ocasionalmente violar-me, chegou a um ponto em que fizeram de mim uma puta que

servia unicamente para pagar os malditos vícios daqueles dois marginais. Tanto podia ser um

qualquer desconhecido, como o próprio gajo que lhes fornecia a merda do pó, ou até mesmo

os amigos deles. Era preciso é que pagassem..., e de preferência ...bem, para logo a seguir

poderem ir fumar mais um charro, mandar mais um chuto, ou até mesmo cheirar um pózinho!

- concluiu Isabel por fim, não conseguindo esconder a sua revolta, bem como todo o ódio que

sentia para com os progenitores - Os meus pais são uns miseráveis, umas pessoas

desprezíveis, de quem não tenho saudades nenhumas, ou remorsos por aquilo que lhes

aconteceu...

- E nunca tentaste fugir, ...ou ir à polícia? - perguntou Sofia que seguia no assento

traseiro.

- Nunca tive coragem para fugir, e a polícia nunca se interessou, pelo menos até uma

noite...

- E o que é que aconteceu nessa noite...? - insistiu Joana.

- Houve uma noite em que eu cheguei a casa com menos dinheiro que o habitual, eles

já deviam ter bebido bastante, e bateram-me. Depois só me lembro de ter acordado no

hospital cheia de dores. Os médicos desconfiaram que eu tinha sido vítima de maus tratos, e

contactaram o tribunal de menores, porque eu ainda não tinha sequer 17 anos. Fizeram uma

investigação, e eu embora estivesse cheia de medo que os meus pais me voltassem a bater,

acabei por contar tudo. A Sra. Melo, a mãe do Jorge foi escolhida para me representar, e

conseguiu que os meus pais fossem ambos condenados por aquilo que me fizeram; o meu

pai apanhou 28 anos, e a minha mãe 16.

- Foi bem feita para aqueles dois pulhas! - observou Joana não se conseguindo

conter.

- Os filhos da mãe tiveram o que mereciam... - retorquiu Sofia, não conseguindo

esconder a sua satisfação pelo destino cruel que havia sido reservado aos velhacos

indivíduos - ...desculpa, falei sem pensar... - acrescentou de imediato, apercebendo-se que

Isabel poderia de algum modo ficar ofendida.

- Está descansada, no que diz respeito àqueles dois nada me ofende, nem nada me

faz ter pena deles...

- Assim é que é!... - apoiou de novo a lindíssima rapariga dos cabelos louros.

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- Depois de concluído o processo tinham que arranjar uma família que me acolhesse,

porque eu não tinha familiares que quisessem tomar conta de mim. Então, a Sra. Melo,

responsabilizou-se por mim, enquanto não me arranjassem um lar definitivo, e convidou-me a

ir morar com eles. Alguns meses mais tarde, e a pedido do Jorge os pais dele, acabaram por

tratar da papelada necessária para que eu fosse adoptada por eles, mas...

Isabel fez uma pausa, as últimas palavras havia-a-as dito com a voz alterada pela

emoção. Por qualquer razão era-lhe difícil falar do assunto, e ela não conseguira disfarçar.

- O que tu queres dizer, é que eles tiveram aquele trágico acidente antes de as coisas

se resolverem em concreto, não é? - questionou Joana - O Jorge contou à Rita, e ela contou-

nos... - revelou a rapariga reparando que a companheira fora apanhada de surpresa pelo seu

comentário.

- Sim, é isso mesmo. Depois, o Jorge atravessou uma crise emocional muito longa e

profunda. Desistiu de estudar, fechava-se em casa, e recusava-se a sair, passava os dias a

beber, e não queria ver ninguém. Até ele conseguir aceitar a morte dos pais foram uns meses

muito difíceis. Mas o Jorge acabou por conseguir ultrapassar a situação, e hoje embora não

esteja ainda completamente recuperado, porque por vezes ainda lhe é muito penoso falar no

assunto, mas pelo menos parece ter aceite as coisas, e tenta lidar com elas o melhor

possível. Durante esse tempo, eu nunca o abandonei, e tentei ajudá-lo em tudo o que pude.

Quando eu precisara, não só os pais, como ele foram impecáveis comigo, por isso senti-me

na obrigação de o apoiar naquele momento tão terrível.

- Então é por isso que te trata por irmã?

- Com a morte dos pais dele, o Jorge não poderia à luz da lei ser o meu tutor. Porém,

conseguiu-se de certa forma contornar a lei, uma vez que eu entretanto tinha feito os 18 anos,

e então aí, o Jorge exigiu que eu passasse a viver com ele, e ocupasse o lugar da irmã que

ele sempre desejou, mas que nunca teve. E assim foi...

- O Jorge realmente é um tipo impecável; sincero, directo e frontal, simpático, alegre e

bem-disposto, inteligente, etc, etc, etc... - enumerou Joana num tom elogioso.

- Estás a esquecer um qualidade muito importante: acima de tudo, é um borracho! -

replicou Sofia satisfeita - Mas vocês não têm nada um com o outro, isto é, não andam...? -

indagou depois.

- Não, claro que não! - respondeu Isabel de pronto - Nós gostamos apenas muito um

do outro, tal como dois irmãos, partilhamos tudo, entre nós não há segredos, mas não

namoramos! - esclareceu em seguida, acrescentando ainda - Está descansada, que não serei

eu a intrometer-me entre o meu irmão e a Rita...

- Como é que soubeste? - inquiriu Joana assombrada - Ele disse-te?

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- Nem era preciso. Mesmo antes de eu conhecer a Rita já sabia. Via-se nos olhos dele

quando falava dela, e embora o Jorge nunca tenha dito nada, o fim de semana que vocês

passaram lá em casa confirmou todas as minhas suspeitas!... - concluiu a jovem com um

sorriso maroto.

- Bolas que tu não deixas escapar nada! - observou Sofia rindo divertida - E, mudando

de assunto, falta muito para chegarmos?

- Não... - principiou Isabel pensativa - ...embora eu não tenha vindo com atenção às

placas, devemos estar a poucos quilómetros da Covilhã. Logo a seguir começa a estrada

para a Torre, e a casa fica a cerca de quinze, vinte minutos do centro da cidade...

Com efeito, aproximadamente quarenta minutos mais tarde, o exuberante coupé

amarelo, depois de ser ter desviado algumas centenas de metros da estrada principal,

estacou junto a um enorme portão de ferro, ladeado por um muro exageradamente alto

erguido em pedra de granito. Isabel precipitou-se para fora do automóvel, dirigindo-se

apressadamente para o enorme portão. Em seguida, usou uma chave que tirara do bolso dos

jeans, abrindo o portão. Sem perder tempo, voltou a entrar no automóvel, deixando-o

estacionado debaixo de um espaçoso alpendre que fora construído precisamente para esse

fim.

- Brrrrrrrrr!... Bolas, que frio!... - queixou-se Joana abrindo a porta do automóvel -

Uaaaaauuu!... Que casa...

- Tiraste-me as palavras da boca! - interrompeu Sofia - Sempre sonhei ter uma casa

assim num sítio como este. Tudo aqui é tão belo, tão silencioso, tão harmonioso, tão perfeito.

- Tens razão... - concordou Isabel - ...eu e o Jorge vimos aqui sempre que podemos. O

lugar é encantador. O Jorge adora isto aqui em cima. Às vezes, senta-se em frente à lareira,

e fica horas seguidas a ver nevar, parece hipnotizado... - foi dizendo, ao mesmo tempo que

abria o porta-bagagens do BMW - Vá, dêem-me aqui uma ajuda com as malas, que eu estou

a ficar gelada! - pediu, pousando a última mala no chão e fazendo accionar o fecho

centralizado do veículo, através do respectivo controlo remoto.

De pronto, as duas raparigas auxiliaram a irmã de Jorge a transportar as três malas de

viagem até à entrada da soberba habitação.

- Olha que engraçado... - observou Joana enquanto esperava que Isabel abrisse a

porta - ...uma sineta! Hoje em dia já não se vêem muitas...

- Esta casa é muito antiga... - explicou Isabel, deixando que as duas companheiras

entrassem em primeiro lugar - ...tem quase trezentos anos. Segundo dizia o Sr. Melo, outrora

pertenceu a um fidalgo. Quando o avô do Jorge a comprou estava completamente

abandonada e praticamente em ruínas, mas ele restaurou-a totalmente, e já depois de ele ter

falecido os pais do Jorge fizeram o mesmo, por isso por dentro tem todas as comodidades

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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modernas! Até temos parabólica, e ligação à Internet!... - terminou, pousando as malas no

chão, e voltando a sair em passo de corrida.

- Onde vais? - inquiriu Joana seguindo-a de perto.

- Não te preocupes, vou só fechar o portão!

A rapariga entrou de novo no interior da habitação, deixando a porta entreaberta para

quando Isabel regressasse, e foi juntar-se à colega que entretanto desaparecera no extenso

corredor que se seguia ao hall de entrada, em busca da cozinha.

- Joana!? Sofia!?... Onde estão? - chamou a anfitriã, orientando-se pelas luzes acesas

ao mesmo tempo que avançava pelo interior da habitação.

- Estamos na cozinha... - respondeu a voz de Sofia não muito longe - Espero que não

te importes... - começou a jovem, logo que a companheira cruzou a entrada - ...mas com o

frio que está pensámos em beber qualquer coisa quente antes de nos irmos deitar, só que

não conseguimos encontrar o café...

- Está aqui!... - mostrou Isabel, abrindo uma das portas do armário que envolvia todo o

perímetro da dependência, exibindo uma embalagem de café para máquina - Serve?...

- Perfeitamente... Bem, vamos lá fazer isto, porque eu estou mesmo a precisar de

dormir um bocado. Bolas, estou mesmo estafada...

- Safa, foi um dia mesmo cansativo! - concordou a rapariga dos cabelos louros.

- E pelo que me contaram igualmente agitado... - comentou Isabel, distribuindo três

chávenas de café em cima da mesa.

- Sim, é verdade. Espero é que o teu irmão e a Rita estejam bem... - lembrou Sofia

com uma expressão algo apreensiva, puxando de uma cadeira e sentando-se - Tenho muito

medo do que aqueles gajos lhes possam fazer, eles estão desesperados, e querem as

fotografias a qualquer preço!...

- Eu também não estou muito tranquila... - revelou a anfitriã, procurando um pacote de

bolachas no armário - ...mas estou confiante que o Jorge arranjará uma solução! Hão-de ver

se tenho ou não razão! O Jorge tem sempre um trunfo na manga, e neste caso, tem pelo

menos dois: vocês e as fotografias!...

- Tens razão, enquanto os outros gajos não nos apanharem e não tiverem as

fotografias, eles estarão em segurança...

- Também acho que sim... - admitiu Joana, estendendo a sua caneca a Isabel que a

encheu com o café que acabara de fazer.

- Temos é que tomar algumas precauções... - principiou a colega - ...não devemos sair

daqui, nem telefonar a ninguém porque se eles têm tantas influências podem muito bem ter

os telefones dos nossos pais sob escuta, enfim, temos que nos fingir de mortas!

artciencia.com (ISSN 1646-3463) Ano I ● Número Dois ● Fevereiro-Abril 2006

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- Vamos ser duas mortas-vivas! - acrescentou a companheira sorrindo divertida com a

ideia.

- Terminem lá isso, para eu vos levar aos vossos quartos... - pediu Isabel, pousando a

sua chávena em cima da mesa - Estou a precisar de uma bela noite bem dormida. Amanhã,

depois de termos descansado algumas horas, e com a cabeça fresca, será mais fácil

pensarmos em alguma coisa. Agora não tenho cabeça para nada! Safa, estou mesmo

estafada!... - concluiu com um suspiro profundo, bocejando longamente logo em seguida, ao

que Sofia e Joana corresponderam de imediato, imitando-a.

- Bolas que isto pega-se! - observou a esbelta morena rindo.

- E de que maneira, ...é pior que um vírus!... - concordou a segunda juntando a sua

caneca já vazia à da irmã do colega.

As duas raparigas terminaram rapidamente o seu café, e depois de pegaram nas

malas de viagem, acompanharam Isabel até às escadas que conduziam ao piso superior. Já

no andar de cima, Sofia e Joana encontraram-se num amplo hall, decorado com requinte. A

anfitriã deteve-se em frente de uma porta, que abriu instantes depois.

- Aqui é o quarto de banho, mas qualquer um dos quartos tem uma casa de banho

privativa, a diferença é que nos outros só podem tomar duche, e este tem uma banheira

enorme... - informou, voltando a fechar a porta logo após Sofia e Joana terem dado uma

rápida espreitadela - Neste quarto podes ficar tu... - continuou apontando para a jovem dos

cabelos louros, rodando a maçaneta, e empurrando a porta simultaneamente - Têm pijamas?

- interrogou - Se for preciso eu empresto... - ofereceu ainda.

As duas companheiras trocaram um olhar, e encolheram os ombros, respondendo que

não sabiam, uma vez que fora Rita a preparar a bagagem para todas. Porém, Joana abriu a

sua mala, encontrando de pronto dois dos pijamas que habitualmente usava.

Logo depois, Isabel indicou a Sofia qual o quarto em que poderia ficar, mostrando-lhe

também onde poderia encontrar cobertores no caso de ter frio, ou até mesmo um roupão para

quando tomasse banho.

Por fim, a rapariga completamente extenuada recolheu ao quarto de dormir que

habitualmente ocupava, e após um reconfortante e um tanto prolongado duche enrolou-se

confortavelmente no meio dos lençóis, adormecendo quase em seguida. Nos outros dois

quartos, também Sofia e Joana, se deixaram vencer facilmente pelo cansaço...

Lá fora, a temperatura descera ainda mais, e em breve da sinistra escuridão do céu

carregado de nuvens começaram abundantemente a cair finos farrapos alvos, que

silenciosamente foram salpicando toda a zona envolvente, dando origem a que com o

avançar da madrugada se fosse formando um espesso manto branco...

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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Fim do 5º Capítulo

artciencia.com (ISSN 1646-3463) Ano I ● Número Dois ● Fevereiro-Abril 2006

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Capítulo 6

O dia seguinte amanheceu quente e soalheiro. Porém, ao longe podiam avistar-se

algumas nuvens negras que ameaçavam cobrir todo o azul do céu. Em breve, o céu ficara

totalmente encoberto, escurecendo bastante.

Rita e Jorge repousavam tranquilamente, encarcerados no último piso da faustosa

mansão que pertencia ao vil Enrique Escobar, e sempre observados com atenção através da

camera de vigilância instalada no interior do quarto.

A dada altura, num dos raros momentos em que os raios solares conseguiram

irromper através da espessa camada de nuvens, Rita foi despertada por um desses feixes

luminosos que incidiu em cheio no seu rosto ainda adormecido, despertando-a de imediato. A

principio, a jovem sentiu-se um tanto confusa, pois ao abrir os olhos deparou-se com um

quarto estranho, não reconhecendo nada daquilo que a rodeava. Contudo, não demorou

muito até se recordar dos últimos acontecimentos da noite anterior, concluindo que, tal como

Jorge que a seu lado dormia profundamente, continuava prisioneira do poderoso malfeitor sul-

americano.

Rita levantou-se, vestiu o roupão e aproximou-se de uma das janelas do amplo quarto,

abrindo-a de par em par. Depois, olhou ao seu redor, contemplando maravilhada a magnifica

paisagem que se estendia à sua frente por vários quilómetros. Porém, no exterior corria uma

brisa fresca, que de quando em vez se tornava bastante desagradável, pelo que a jovem

voltou a fechar ambas as portadas da janela. Em seguida, escolheu uma toillete do armário

que servia de roupeiro, e dirigiu-se ao quarto de banho a fim de se arranjar. Voltou não muito

tempo mais tarde, usando um sensual vestido negro, que realçava de sobremaneira a

elegância do seu corpo. A jovem preparava-se para acordar o colega que continuava

sossegadamente a dormir, quando de súbito ouviu alguns passos do lado de fora da porta

que lentamente se aproximavam. Então, o ruído deixou de se ouvir, e alguém bateu ao de

leve, perguntando em seguida:

- Posso entrar?

- Quem está aí? - indagou a rapariga.

- Sou apenas eu, o “Rosé”! - respondeu a voz - Vou entrar... - avisou ainda, fazendo

rodar a chave na fechadura, empurrando depois a porta - A señorita está uma brasa... -

observou com simpatia, olhando por momentos fixamente para Rita.

- Obrigado “Rosé”!... - respondeu a jovem, ficando um tanto embaraçada com o

galanteio do carcereiro.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

98

- O patrón manda dizer que o almoço será servido á uma hora em ponto. Como já

passam alguns minutos do meio-dia, eu aconselhava a señorita a acordar o seu

companheiro... - disse, apontando para o rapaz que permanecia enrolado nos inúmeros

cobertores - ...porque o señor Enrique não tolera atrasos.

- Assim farei... - respondeu Rita na sua voz meiga e doce - obrigado “Rosé”! -

agradeceu, tentando imitar o sotaque espanhol, do segurança de Escobar.

O captor abandonou o aposento, voltando a trancar a porta, enquanto que a rapariga

se decidiu ir despertar o colega, a quem a visita do outro indivíduo não teria incomodado, pois

não havia mexido um só músculo. Começou por lhe acariciar o cabelo, ao mesmo tempo que

enrolava caracóis louros entre os dedos, até que o beijou docemente na face, repetindo

meigamente o seu nome:

- Jorge!... Jorge..., ...acorda ...seu dorminhoco! Então, ...vais passar o dia na cama?

Por fim Jorge abriu os seus olhos azuis, fitando-a longamente. Depois, agarrou-a com

os seus braços fortes, e puxou-a decididamente para o seu lado, abraçando-a de imediato.

Rita tentou em vão libertar-se...

- Estás linda! - observou o companheiro com um brilho especial nos olhos,

aproximando os seus lábios dos dela, e beijando-a apaixonadamente.

- E a câmara? - volveu a rapariga, libertando-se por um segundo.

- Estou-me nas tintas para a câmara!... - respondeu despreocupadamente, retomando

o beijo.

- Por favor pára! - pediu Rita, afastando o colega de novo.

- Porquê, não gostaste!?... - indagou Jorge, algo surpreendido pela recusa da

companheira.

- Não, ...não é isso, ...é ...que ...hoje sou eu que estou com vergonha - confessou Rita

bastante embaraçada, corando muito - Por favor, não fiques chateado...

- Está bem... - compreendeu Jorge - Então vou tomar um duche e vestir-me! - disse,

escolhendo algumas roupas do guarda-vestidos, e encaminhando-se para o quarto de banho.

Faltavam cerca de cinco minutos para a uma da tarde, quando Jorge já pronto voltou

para junto da colega, usando umas calças negras, e uma camisola de gola subida, de igual

cor. Por cima, vestia uma casaco bordeaux de corte elegante :

- Uaaaaauuu!... Que chique! - observou a rapariga, observando atentamente o distinto

conjunto do companheiro.

- Gostas!? - perguntou sorridente - O teu vestido também não te fica nada mal, ...estás

uma brasa! - acrescentou, retribuindo o cumprimento, no momento em que alguém do lado de

fora da porta rodava a chave na fechadura, entrando logo a seguir; ...era Marco:

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- Venham! - ordenou - o señor está à vossa espera!... - concluiu, com os habituais

maus modos.

Os dois jovens obedeceram-lhe de imediato, e saíram do quarto de dormir, sempre

vigiados de perto pelo perigoso malfeitor, que seguia atrás de ambos. Este, conduziu-os pelo

infindável corredor até às escadas, e depois de novo por um extenso corredor, até chegarem

às sumptuosas escadas que ligavam o rés-do-chão ao piso superior. Chegados ao hall de

entrada, foram encaminhados para uma porta aberta de par em par, e que dava acesso á

sala de jantar. Ao fundo da longa mesa, e no topo da mesma, estava o anfitrião, instalado na

sua cadeira de rodas. Logo que os viu entrar, fez-lhes sinal para que se sentassem num dos

lugares vagos, cumprimentando-os com o cinismo próprio da situação:

- Boa tarde! - principiou sorridente - Como estão os meus hóspedes? Estão bem

instalados? Têm sido bem tratados? - inquiriu, com falsa delicadeza, fingindo-se empenhado

no bem-estar dos seus prisioneiros.

- Boa tarde, passou bem? - respondeu Jorge educadamente - Sim, agradecemos o

seu amável convite, e a sua extraordinária hospitalidade... - findou com descaramento e um

à-vontade notáveis.

- Penso que já conhecem todos... - prosseguiu Escobar não parecendo minimamente

afectado pelos comentários do rapaz - Este é o Dr. Fontes o meu advogado e representante

em Portugal, o Marco, o “Rosé”, e aquela moça bonita... - disse, apontando na direcção de

uma rapariga bastante atraente que ocupava o lugar mesmo em frente de Jorge que a

cumprimentou com um sorriso - ...é a Claudia. Tal como vocês, também é minha convidada,

só que está á espera que o pai se decida a reconsiderar uma proposta bastante aliciante que

eu lhe fiz... - concluiu, escusando-se a revelar mais pormenores, embora deixasse implícito

que a jovem fora raptada de modo a pressionar o pai em relação a algo.

- A sua generosidade é inigualável... Certamente na hora da verdade, Deus não se

esquecerá de si!... - observou Jorge mordazmente, o que provocou que as duas raparigas até

então quase imóveis deixassem escapar um sorriso tímido.

- Em breve eu terei todos os meus assuntos devidamente tratados, e logo que isso

aconteça vocês serão postos em liberdade, enquanto eu discretamente escolherei outro local

para gozar a minha reforma... Ibiza, talvez até o Hawai, ou quem sabe, um país nórdico,

Suécia, Finlândia, Noruega, e há sempre a possibilidade de poder comprar uma ilhazinha

jeitosa... - lembrou - Para isso, só faltam mesmo alguns detalhes, e claro está as minhas

fotografias que a tua irmã e as vossas colegas têm na sua posse, mas que não tardarão a

entregar-me. É tudo uma questão de oportunidades... - frisou, com uma expressão de quem

aparentava estar totalmente seguro do que dizia.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

100

- Por acaso não tem piscina? - perguntou Jorge com uma expressão enigmática,

perante o olhar de interrogação de Enrique e seus comparsas.

- Fica nas traseiras da casa... - informou o anfitrião, terminando a apetitosa sopa de

legumes - ...mas receio não ter conseguido acompanhar o teu raciocínio.

- Concerteza não me vai recusar uns mergulhos quando chegar o Verão? - prosseguiu

o jovem sem adiantar mais

- Aqui o Fontes vai fazer com que isso não seja necessário - replicou o outro

adivinhando-lhe o pensamento - A seu tempo verás que tenho razão; provavelmente no Natal

até já estarás junto da tua irmã, e eu bem longe deste país! - revelou o estrangeiro sem

hesitar.

- Não duvido das suas capacidades, ...já das deles!... - retorquiu o rapaz com ar de

troça, olhando na direcção dos capangas do traficante sul-americano.

- Então, não provas a lagosta? - observou Escobar, mudando rapidamente o assunto

da conversa, e falando com um ar de reprovação para a desconhecida Cláudia, reparando

que ela havia recusado o requintado prato que o indivíduo de casaca preta foi distribuindo por

todos os que se sentavam à mesa - Olha que está uma delícia! - insistiu, provando um pouco.

- O problema não é da lagosta, mas sim da companhia! - respondeu a outra com

desdém, o que lhe valeu um sorriso de aprovação de Jorge.

De súbito, fez-se silêncio, e até final da refeição ninguém mais falou. Aos sucessivos

sinais do anfitrião o seu empregado ia servindo as iguarias que faziam parte da refeição.

Após a lagosta, foi servido um suculento assado, e depois uma deliciosa sobremesa. Por fim,

e como habitualmente, o inevitável café. Depois de ter pousado a sua chávena no respectivo

pires, Enrique puxou do seu charuto, e com um sinal pediu a Marco que o levasse para fora

da dependência. Antes porém, preferiu algumas palavras, dirigindo-se aos três prisioneiros:

- Se quiserem passar a tarde a passear pelo jardins da minha propriedade, poderão

fazê-lo à vontade, desde que respeitem as ordens que lhes sejam dadas - convidou, falando

pausadamente e com delicadeza - Peçam a algum dos meus homens que vos levem até lá

fora - acrescentou, desaparecendo no hall de entrada da faustosa mansão.

Os dois jovens aceitaram com agrado sugestão do infame captor, e Cláudia ofereceu-

se para lhes fazer companhia. Alguns minutos mais tarde, estavam os três confortavelmente

instalados nas cómodas cadeiras de jardim ao redor de uma mesa que pertencia ao mesmo

conjunto, conversando animadamente, sempre sob o olhar atento dos seguranças do vil

Enrique Escobar...

- Afinal o que é que estás aqui a fazer? - indagou Rita curiosa.

- Como devem percebido pela conversa daquele canalha, ele raptou-me para poder

chantagear o meu pai... - principiou a esbelta rapariga dos cabelos louros.

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- Mas que interesse pode ter em te raptar? - interrompeu Jorge - Dinheiro...? Não

acredito, ele deve ser riquíssimo...

- O meu pai, é dono de uma das maiores empresas de importação e exportação de

arte em Portugal, e faz negócio com centenas de outros comerciantes de arte, um pouco por

todo o mundo. - revelou a jovem - O ordinário do Fontes era o advogado da firma, só que há

algum tempo atrás o meu pai descobriu o que ele andava a fazer, e despediu-o...

- Então o tipo andava a servir-se do negócio do teu pai como cobertura para as

operações dele de tráfico de droga, certo? - antecipou-se Rita, prevendo o que Cláudia ia

dizer a seguir.

- Certíssimo!... - confirmou a outra - Ele foi despedido, mas ameaçou o meu pai que se

denunciasse o caso eu seria morta. Depois disto desapareceu, e nós nunca mais o vimos. Só

que há algumas semanas atrás foi ao escritório chantagear o meu pai; ou ele colaborava com

eles, e dava cobertura às operações, ou nunca mais me via... Suponho que não é muito difícil

adivinharem qual foi a resposta do meu pai - acabou a rapariga com um olhar de raiva

contida.

- Há quanto tempo te trouxeram para aqui?

- Fez ontem uma semana.

- E o teu pai ainda não fez nada para te libertar? - indagou Rita surpreendida.

- Sabes, eu e o meu pai nunca tivemos uma relação muito pacífica, mas desde que ele

casou com aquela fulana, as coisas pioraram bastante, agora mal nos vemos, e raramente

nos falamos.

- Então e a tua mãe?

- A minha mãe, eu..., ...eu não quero falar dela... - respondeu friamente, deixando

transparecer que também não nutria grande afecto pela mãe.

- E ainda não tentaste fugir daqui? - questionou Jorge, mudando o rumo da conversa,

apercebendo-se que o tema dos pais irritava a rapariga.

- Não tenho feito outra coisa, senão pensar numa maneira de escapar, mas até agora,

de todas as vezes que tentei, o melhor que consegui foi chegar ao portão... Não há hipóteses,

eles vêem tudo através das câmaras. Ainda nós não chegámos ao chão já eles lá estão à

nossa espera...- respondeu, mostrando-se algo desalentada pelos sucessivos insucessos - Já

me convenci que é impossível sair daqui...

- Impossível não é palavra que conste do meu vocabulário... - interrompeu o audaz

rapaz - acredito que não seja propriamente fácil, mas nada é impossível, é tudo uma questão

de se saber jogar a cartada certa, no momento oportuno - concluiu, fechando-se no seu

habitual sorriso enigmático, sem revelar mais pormenores.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- Estás a pensar fugir? - inquiriu Cláudia, mostrando-se de súbito muito interessada no

assunto, fitando-o fixamente nos olhos.

- Claro que sim!

- Então e as câmaras?

- São apenas mais um obstáculo! - respondeu o Jorge com segurança, não se

mostrando demasiado preocupado abstendo-se no entanto de revelar mais pormenores, e

levantando-se anunciou - Vou dar uma volta... - disse - tive umas ideias que preciso pensar

melhor.

As duas raparigas ainda se ofereceram para o acompanhar, porém o jovem para

grande surpresa de Rita recusou decididamente, e afastou-se logo em seguida sem mais

palavras.

Jorge acabara de ter uma ideia, que podia ser o ponto de partida para a fuga.

Contudo, precisava de reflectir tranquilamente sobre ela, de modo a elaborar um plano

infalível. Cláudia dissera que de todas as vezes que tentara fugir, tinha sido sempre

alcançada pouco tempo depois. Mas a bela rapariga dissera mais, algo que de repente deu

uma grande esperança a Jorge; as câmaras... As câmaras eram o maior obstáculo, porém

poderiam tornar-se também no melhor dos aliados... O rapaz ia compondo os seus

pensamentos, enquanto caminhava tranquilamente sobre a verdejante relva da extensa

propriedade.

- " Se a câmara do quarto transmitisse as imagens que eles querem ver, só se

aperceberiam da nossa fuga quando já estivéssemos bem longe... " - idealizava, passeando

próximo do portão pelo qual entrara na noite anterior - "Agora só preciso de 'fabricar' as

imagens certas, e bye... bye!..." - concluiu com um sorriso triunfante - " Hum, ...tal como

eu suspeitava, ...deve ser comandado a partir da casa!... " - comentou, aproveitando a sua

proximidade ao portão para fazer uma inspecção detalhada, fingindo observar algo do lado de

lá, sempre vigiado a curta distância por um capanga do indivíduo estrangeiro.

Em seguida, o jovem afastou-se do elevado muro que delimitava a área da fabulosa

mansão, prosseguindo a sua caminhada aparentemente inocente ao redor da propriedade,

sentando-se por fim debaixo de um semi-despido plátano colorido de um tom de amarelo

muito próximo do castanho. Depois, serviu-se do volumoso tronco da árvore como apoio para

as costas, ao mesmo tempo que o sol mais uma vez era ocultado pelas inúmeras nuvens que

cobriam quase por completo o azul do céu. Porém, não demorou muito tempo até que se

erguesse de novo, resolvendo ir procurar o seu automóvel, embora sem grandes resultados,

pelo que foi forçado a pedir a um dos homens de negro que a curta distância vigiavam os

seus passos que lhe indicasse onde fora guardado o soberbo Ford Escort Rs Cosworth. O

outro prontificou-se de imediato a acompanhá-lo, levando-o até um espaçoso telheiro

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concebido para no seu interior poder albergar um número apreciável de viaturas, embora

naquele momento apenas se encontrassem ocupados cinco lugares; os dois luxuosos

Mercedes já bem conhecidos de Jorge; uma limusine que mais parecia tirada dos filmes

americanos; um maravilhoso Ferrari cabriolet, e por último o seu Ford Escort RS Cosworth. O

jovem examinou cuidadosamente o seu automóvel, concluindo aliviado que tudo estava em

ordem, aproximando-se depois do esplêndido desportivo vermelho:

- Que belo carro! Um dia hei-de ter um assim! - observou, abrindo a porta para melhor

poder observar o interior do fantástico automóvel.

- Já chega! Fora daqui! - ordenou o outro mostrando-se repentinamente muito

nervoso, apontando-lhe a arma.

- Está bem! Está bem, ...eu saio! - Só estava a ver como era por dentro... - concluiu,

afastando-se obedientemente do local.

Em seguida, retomou o seu passeio, caminhando pensativamente pela calçada da

propriedade. A dada altura, desviou-se do caminho que seguia, aproximando-se da mesma

árvore onde minutos antes estivera a descansar, sentando-se de novo.

- " É isso mesmo!... - disse entredentes com um sorriso de orelha a orelha - Uma

televisão, um vídeo, um bocado de sorte, ...e estamos safos! Ah! Ah! Ah! Sou um génio! -

terminou, rindo, abrindo os braços em sinal de contentamento.

Porém, entretido que estava a pensar na melhor forma de convencer Enrique a dar-lhe

aquilo que pretendia, nem sequer se apercebeu da aproximação das duas raparigas:

- Ah, ...então é aqui que tu estás! - observou Cláudia sentando-se a seu lado.

Jorge que não tinha dado conta da aproximação das duas companheiras, não estava

a contar ser surpreendido daquela forma, pelo que apanhou um valente susto.

- Então que já voltavas, hem? - comentou Rita com uma expressão de reprovação,

sentando-se também a seu lado, ao mesmo tempo que passava o seu braço pelos ombros do

colega.

- Desculpem, entretive-me a passear, fui ver o meu carro, e nunca mais me lembrei

que vos tinha deixado sozinhas. Por acaso até tinha acabado de me sentar aqui...

- Então génio, diz lá porque é que estás tão contente? - indagou Cláudia.

- Já arranjei maneira de sairmos daqui! Tudo o que precisamos é de um pouco de

sorte, e da colaboração do nosso amigo Enrique...

- Se estás a contar com isso, ...esquece - informou a bela jovem dos cabelos louros -

Jamais ele te dará seja o que for!

- Não percebeste... - retorquiu o rapaz - ...ele vai colaborar, ...só que ainda não sabe! -

acabou rindo.

- Qual é afinal o teu plano? - insistiu Cláudia...

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

104

- É simples. Tudo o que temos que fazer é usar as câmaras a nosso favor...

- Desculpem... - interrompeu Rita, - ... o lanche não é agora às quatro e meia?

- É verdade... - confirmou Cláudia - ... olha está ali um gajo a fazer-nos sinal para

irmos para dentro, deve estar a chamar-nos para o lanche. - supôs a rapariga - Vamos?

- Vai andando, que nós vamos já... - respondeu Rita abraçando Jorge, e deitando-se

no chão, beijou-o com ternura, enquanto a companheira se afastava apressadamente em

direcção à imponente mansão.

- Não pares! - pediu Jorge quando Rita pôs fim aquele momento de paixão.

- Não é que não tivesse vontade, mas agora foi só foi uma manobra de diversão! -

revelou a rapariga, não permitindo que ele se levantasse.

- Mas porquê?

- Foi a única maneira que encontrei de podermos falar a sós, sem a víbora ouvir...

- Quem?

- A Cláudia! Temos que ter muito cuidado, há qualquer coisa na história dela que não

bate certo...

- Mas o quê?

- Não sei, é só um pressentimento de que ela não é tão inocente quanto quer fazer

crer, por isso tive que desviar a conversa, porque tu parecias um papagaio.

- Se não tens a certeza não deves acusá-la de nada. Quando fugirmos, também

tencionas deixá-la aqui com este bando de criminosos? - perguntou Jorge indignado.

- Não, não é isso, só não precisamos é de lhe dizer tudo, pelo menos até termos a

certeza de que lado é que ela está. E, quando fugirmos, logo se vê, mas até lá peço-te que

lhe digas o menos possível.

- Está bem... - concordou o rapaz - mas acho que estás a ser paranóica - observou

erguendo a cabeça, e avistando Cláudia ao longe - Vamos, ela está a chamar-nos - disse por

fim, ajudando Rita a levantar-se, e de mãos dadas caminharam romanticamente como um

parzinho de namorados em direcção à soberba mansão...

Instantes depois, encontravam-se já confortavelmente sentados nas cómodas

cadeiras do salão de chá, apenas acompanhados à mesa por Cláudia e "Rosé".

- Onde estão todos? - indagou Jorge surpreendido, falando na direcção do segurança

de Escobar.

- O senõr saiu com o Dr. Fontes e o Marco. Apenas voltarão ao jantar - respondeu o

outro, escusando-se a dar mais informações.

- Olha lá..., ó "Rosé", ... se eu quiser ver televisão, ou até mesmo uns filmes de vídeo

à noite depois de ir para o quarto como é que eu devo fazer? - questionou Jorge.

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- Como o quarto não tem nem uma coisa nem outra, só mesmo pedindo ao señor, e

talvez ele consinta nisso.

- E achas que ele permitirá? - perguntou ainda o prisioneiro.

- Não sei - foi a resposta obtida - mas se quiser, eu poderei interceder por si junto do

patrón - ofereceu-se o outro prontamente.

- Seria óptimo "Rosé" - agradeceu Jorge - Não compreendo como é que sendo tu tão

diferente, continuas misturado com esta gente.

- Desculpe-me, ...mas vou ter que sair - anunciou este bastante comprometido, não

chegando sequer a terminar a fatia de torta que acabara de partir.

Após a precipitada saída de "Rosé", os três jovens ficaram de novo a sós no amplo

salão, e logo Cláudia voltou a tocar no assunto do plano de fuga:

- Há bocado não acabaste de explicar a tua ideia - principiou - ...afinal como é que

estás a pensar contornar as câmaras?

- A seu tempo verás... - respondeu o rapaz prudentemente, seguindo o conselho de

Rita - ...até porque não tenho a certeza se resulta ou não, ainda tenho que limar algumas

arestas, e por isso não vos quero dar falsas esperanças. - respondeu vagamente - Bem, mas

mudando de assunto, sabes onde é que se pode ver um bom filme aqui? - perguntou à

esbelta companheira dos cabelos louros.

- Boa ideia - aprovou a rapariga - ...vamos para a sala. Normalmente é o que faço.

- E não há problema? - lembrou Rita

- Não, até ao jantar podemos andar por onde quisermos. Todo o interior da casa está

vigiado por câmaras, e há seguranças por todo o lado, por isso é melhor aproveitarmos

enquanto podemos, porque a seguir ao jantar fecham-nos nos quartos.

- Então vamos... - decidiu o rapaz.

Dirigiram-se então para a sala de estar que Cláudia indicara, e acomodaram-se nos

sofás do aposento, enquanto Jorge escolheu uma cassete que de imediato colocou no

aparelho de vídeo. Permaneceram nesse espaço sem serem incomodados até próximo das

oito horas, altura em que o sujeito do rabo-de-cavalo abriu a porta da sala, informando que o

jantar seria servido de imediato. Assim, os três jovens foram encaminhados para a mesma

sala onde havia decorrido o almoço, onde o anfitrião, sentado na sua cadeira de rodas, já os

aguardava, com um outro convidado que nunca tinham visto.

- Ah, estão aí! - principiou com a habitual fria delicadeza - Creio que ainda não

conhecem o Dr. Álvaro de Matos... - disse, apresentando o desconhecido - ...é ele que me vai

ajudar a encontrar as tua irmã e as tuas colegas.

- Muito prazer... - cumprimentou Jorge com educação, antes de ocupar o seu lugar à

mesa - ...mas permita-me que lhe diga, está a perder o seu tempo! A Patrícia jamais se

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

106

deixará apanhar... - acrescentou pleno de confiança, trocando um olhar cúmplice com Rita,

que de imediato compreendeu a mensagem: Jorge estava a dar aos captores uma pista falsa.

- Muito em breve verás como estás enganado - respondeu o outro secamente,

mostrando igual à-vontade.

Para além do anfitrião, dos três prisioneiros, e do Dr. Álvaro de Matos, estavam ainda

presentes, o Dr. Fontes, Marco e "Rosé". Este último teria já por certo discutido o pedido de

Jorge com o patrão, pois foi mesmo Enrique quem mencionou esse assunto:

- Soube que queres uma televisão e um vídeo no teu quarto, posso saber para quê

também o vídeo, não será a televisão suficiente?

- Não, porque à noite a televisão raramente transmite programas com interesse, e

como eu estou habituado a deitar-me bastante tarde, e adoro filmes, pensei nessa solução

para nos distrairmos.

- Está bem, de acordo. Amanhã mesmo o "Rosé" tratará de vos instalar os aparelhos

no quarto - aprovou o anfitrião, após trocar alguns olhares com a personagem que se

encontrava a seu lado - Agora experimentem os bifes que estão uma delícia - sugeriu - Por

acaso já provaram disto, ou não?

- Mas que porra é esta, peixe, outra vez! - reclamou Cláudia não escondendo o seu

descontentamento.

- Minha querida, são bifes de atum grelhados, é óptimo, devias provar, e o Pablo

cozinha-os divinalmente - retorquiu Enrique permanecendo inalterável.

- Estou-me nas tintas para estas mariquices; lagostas, camarão, bifes de atum,

caviar... - enumerou com ar de troça, podes enfiá-los todos, ...onde tu bem sabes! - terminou

em tom desafiador, atirando ainda ao chão o prato que o mordomo acabara de lhe colocar na

frente.

- A verdade, minha menina, - recomeçou o estrangeiro dominando a sua fúria - ...é

que começo a ficar cansado destas cenas às refeições - prosseguiu aborrecido, embora sem

levantar a voz - Marco, acompanha a nossa amiga até ao seu quarto, por favor.

O outro obedeceu contrariado, agarrando a atraente jovem dos cabelos louros pelo

seu braço direito, e conduzindo-a para fora da sala. Cláudia ainda se tentou libertar, no

entanto Marco pouco disposto a brincadeiras, torceu-lhe o braço atrás das costas, e a jovem

deixou de resistir.

- Solta-me!... Larga-me!... Filho da puta!... - insultou a rapariga perante a indiferença

do segurança - Eu mato-te... Estás a ouvir... dou cabo de ti!... Cabrão!...

Instantes depois a voz de Claudia deixou de se ouvir, e o silêncio apenas foi

interrompido por Jorge, que perguntou na direcção do anfitrião:

- Que vão fazer com ela?

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- Está descansado, não lhe faremos mal... - informou Enrique calmamente - ...se ela

se portar bem - acrescentou em seguida, tentando deixar claro que a sua paciência tinha

limites.

O sujeito do rabo-de-cavalo voltou volvidos poucos minutos, ocupando de novo o seu

lugar, e depois daquele episódio ninguém mais ousou falar durante o tempo que ainda

demorou a refeição. Finda a mesma, "Rosé", e Marco levantaram-se de pronto, fazendo sinal

a Jorge e Rita para que os acompanhassem...

Assim que passaram a porta de entrada do último piso da casa de habitação, Marco

avançou alguns metros, abrindo a porta do mesmo quarto que os dois jovens haviam

ocupado na noite anterior, empurrando-os depois para o seu interior:

- Bons sonhos! - disse, com um sorriso amarelo.

- Tchauu! Bons sonhos para ti também, Marco... - respondeu Jorge com cortesia, ao

mesmo tempo que Rita se despedia com um provocador piscar de olho, que o outro fez por

ignorar.

Logo que os passos dos dois capangas de Enrique Escobar deixaram de se ouvir,

Jorge escapou-se sorrateiramente para debaixo da câmara de vigilância, ficando coberto pelo

ângulo morto da mesma. Em seguida, puxou a cadeira que se encontrava a seu lado, subindo

para cima dela...

- Então, depois daquilo que se passou ao jantar ainda estás convencida de que a

Cláudia está com eles? - perguntou, enquanto observava minuciosamente o sistema de

vigilância.

- Fiquei com a certeza absoluta. Reparaste nos sinais que ela fez ao tal gajo novo e ao

Enrique quando lhes disseste que a tua irmã se chamava Patrícia?...

- Estás a ser paranóica... - replicou Jorge.

- E tu cego... - retorquiu a rapariga - Só espero que quando perceberes não seja

demasiado tarde... - acrescentou com um ar muito sério - Mas mudemos de assunto; afinal o

que estás para aí a fazer?

- Espera um pouco... - pediu, remexendo nos fios que saíam da parte de trás da

câmara - ...só preciso de ver mais uma coisa... Pronto!... - exclamou, saltando da cima da

cadeira com um sorriso no rosto - ...Vai ser mais fácil do que eu pensava!

- Que estás para aí a dizer? - indagou a colega sem compreender o significado da

última expressão do companheiro.

Jorge porém, não respondeu, e avançou decididamente na sua direcção...

- Não estragues tudo... - pediu, deitando-a suavemente sobre o leito da cama -

...vamos apenas distraí-los - findou, deitando-se a seu lado, e encostando os seus lábios aos

dela, envolvendo com os seus braços fortes o corpo frágil e delicado da jovem.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

108

- Por favor pára... - implorou Rita, tentando em vão afastar o colega.

- Está descansada, não faremos nada enquanto não te sentires preparada, isto é

apenas uma manobra de diversão... - sossegou Jorge, acariciando a face da companheira

que deixou de resistir - Já sei como vamos sair daqui! - disse, segredando-lhe ao ouvido - Vai

ser o sistema de vigilância a dar-nos cobertura!

- Como? - questionou Rita, puxando Jorge para cima de si, e beijando-o com ternura.

- Vamos interferir no sistema de vigilância... - principiou, falando em surdina, ao

mesmo tempo que apertava o tronco da rapariga contra o seu - ...fabricamos umas imagens,

e depois só teremos que as pôr no ar na altura certa, e enquanto eles vêem um filme, nós

piramo-nos nas calmas! - acrescentou depois.

- Tens a certeza que resulta? - questionou Rita não parecendo totalmente convencida,

afagando-lhe o cabelo.

- Acho que sim... - recomeçou Jorge, esticando-se ao comprido na espaçosa cama, e

puxando a companheira para o seu lado - ...a câmara é fixa, não tem zoom, e mesmo as

ligações não são muito difíceis de violar.

- E onde é que entra a televisão e o vídeo? - inquiriu a jovem, deixando que o colega

passasse o seu braço por detrás dos seus ombros, ficando a servir-lhe de apoio para a

cabeça.

- A televisão não tem utilidade nenhuma, só serve para justificar o vídeo. Nós só

precisamos do vídeo e de uma cassete...

- Então a televisão, é só para disfarçar, porque eles iam desconfiar se pedisses só o

vídeo, certo? - deduziu a atraente estudante.

- Certíssimo!... - continuou Jorge - Nós vamos interferir no sistema de vigilância duas

vezes; a primeira para gravarmos uma noite de sono, ou seja vamos gravar aquilo que eles

estão a ver, e depois na noite a seguir cortamos a ligação da câmara, e pomos no sistema as

imagens da gravação. Como a câmara é fixa, eles só podem descobrir que nós estamos a

fugir se entrarem no quarto, ou se os guardas que estiverem lá fora nos apanharem.

- Brilhante! - exclamou Rita, saltando para cima do colega, e beijando-o

apaixonadamente - Mereces!... - disse, interrompendo por breves instantes aquele momento

íntimo para tomar fôlego - Agora nem uma palavra à Cláudia, ...promete!

- Mas ela vai connosco! - replicou Jorge, não deixando lugar a discussão.

- Está bem, mas não precisa de saber de nada... - concordou a companheira com

relutância - ...e só lhe dizemos mesmo quando já estivermos a fugir para ela não ter tempo de

avisar os amigos, ...vá, ...jura!

- Juro... - garantiu o rapaz levantando a mão direita, fazendo também uma expressão

muito séria - ...mas ainda acho que estás enganada.

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- Caíste no jogo dela que nem um patinho! - retorquiu a atraente rapariga, insistindo

mais uma vez nas suas desconfianças - Ela vai-nos trair, ...espera, e verás!

- Estás a ser injusta...

- Desculpa... - redimiu-se ela, apercebendo-se que o seu último comentário magoara o

colega - ...não vale a pena zangarmo-nos por causa disso! - concluiu, acariciando-lhe o rosto.

- Vá, deixa-te disso, ...eu não fiquei chateado... - sorriu Jorge, tentando desvalorizar

aquele mal-entendido - Ainda é muito cedo, ...queres jogar alguma coisa?

- Que tal Batalha Naval?- sugeriu Rita - Temos papel e canetas...

- De acordo! - aprovou o rapaz, indo buscar o material necessário - Eu fico daquele

lado... - disse, entregando uma caneta e um bloco de apontamentos à colega, sentando-se

depois na cama do lado.

- O que é que apostamos?

- E se for..., - principiou Jorge pensativo - ...um jantar? - propôs.

- Está no papo!

Começaram ambos por espalhar os seus "navios" de maneira a que o rival não os

pudesse descobrir facilmente. Rita deixou que fosse o companheiro a começar, jogando ela

logo a seguir.

O jogo prolongou-se por mais de uma hora, pois os dois jovens ao mesmo tempo que

tentavam através de palpites descobrir a localização dos barcos do adversário, iam contando

anedotas, pelo que ambos passaram um pedaço bem animado. Porém, quando já não

restavam muitas hipóteses Rita arriscou:

- H7...!

- Bem, ...haaaa, ...huuumm, ... - balbuciou Jorge adiando uma resposta - Tiro, ...e

barco ao fundo! - acrescentou desconsolado.

- Ganhei!... Há! Há! - exclamou radiante - Já estou a imaginar onde será o nosso

jantar: ...um belo restaurante à beira-mar, ou porque não um jantarzinho romântico à luz da

vela num sítio bem sossegado...

- Combinado!... - decidiu Jorge de pronto - Conheço um restaurante francês que é o

máximo!... E não vale a pena dizeres que não... - continuou, reparando que dissera aquilo por

brincadeira - Está decidido!

- Depois se vê... - replicou Rita, bocejando longamente - Vou-me deitar! - anunciou,

colocando a mão à frente da boca para esconder o segundo bocejo.

- Também estou a ficar com sono... - declarou o companheiro, espreguiçando-se em

cima da cama - Queres ir trocar-te primeiro?

A jovem acenou com a cabeça em sinal afirmativo, e pegou na camisa de noite que

estava arrumada no guarda-vestidos, encaminhando-se em seguida para o quarto de banho.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

110

Rita regressou poucos minutos após ter entrado, indo acordar o companheiro que entretanto

adormecera tranquilamente deitado sobre o confortável colchão da cama. Em seguida,

também o rapaz se dirigiu para a mesma dependência a fim de se trocar. Demorou

igualmente não muito tempo, voltando para junto da colega, que já se refugiara entre os

lençóis da cama:

- Fica comigo... - pediu, notando que ele se aproximava da cama contígua.

- Está bem! - anuiu Jorge, juntando-se à jovem debaixo dos vários agasalhos.

Por fim, trocaram um ternurento beijo na face, e muito aconchegadinhos preparam-se

para dormir...

Lá fora, a temperatura descera bastante, e para além do intenso nevoeiro que

entretanto se formara, ao longe ouviam-se os primeiros trovões de um temporal que

ameaçava perturbar o tranquilo repouso dos dois prisioneiros...

Fim do 6º Capítulo

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Capítulo 7

A manhã seguinte surgiu bastante tristonha... Apesar de ser ainda Outono, aquele dia

de Quarta-feira anunciava uma chegada antecipada do Inverno. Na verdade, desde que o dia

rompera a chuva não deixara ainda de cair, e o vento assobiava vigorosamente de encontro

às robustas paredes da velha mansão. Também a espessa camada de nevoeiro que durante

a noite se formara, teimara em ficar, pelo que o cenário em redor da faustosa habitação era

quase irreal, mais parecendo tirado do guião de um filme de suspense.

Jorge, foi o primeiro a acordar naquela escura e sombria manhã de Dezembro. No

entanto, tendo-se deparado com aquela situação muito pouco convidativa, deu meia volta,

aconchegou-se ainda mais entre os lençóis, e voltou a adormecer não muito tempo depois.

Antes porém, olhou por instantes para colega que a seu lado repousava tranquilamente. Por

fim, as pálpebras fecharam-se lentamente...

...

- Señor!... Señor!... - chamou uma voz conhecida, abanando o corpo inerte do rapaz -

Señor, ...acorde! - insistiu a voz.

- Que se passa? - inquiriu Jorge despertando estremunhado, abrindo então os olhos, e

identificando a personagem que o acordara - Que queres "Rosé" ? - indagou, bocejando ao

mesmo tempo.

- Vim acordá-lo a si e à señorita, pois já passa do meio-dia...

- Meio-dia!? - interrompeu o jovem surpreso - Mas o meu relógio só tem dez e meia... -

contrapôs, observando os ponteiros do seu relógio de pulso que continuava em cima da

mesinha de cabeceira - Porra! Está parado! - disse, verificando que o ponteiro que marcava

os segundos estava imóvel.

- Se quiser, eu mesmo posso providenciar uma pilha nova... - ofereceu o prestável

indivíduo sul-americano.

- Obrigado... - respondeu Jorge, entregando-lhe o relógio.

- Tenho também aqui aquilo que me pediu ontem... - recomeçou "Rosé", apontando

para o televisor e o videogravador que deixara à entrada do quarto.

- Deixa ficar, que eu mesmo monto logo à noite... - agradeceu o prisioneiro falando

delicadamente, enquanto o outro se encaminhava para o exterior.

- Voltarei à uma hora... - informou, saindo e fechando a porta atrás de si, fazendo

rodar a chave na fechadura logo depois.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

112

Por fim, Jorge saiu debaixo dos lençóis, não sem antes contudo observar a

companheira, que docilmente a dormia a seu lado. Em seguida, escolheu umas roupas do

guarda-vestidos, e correu em direcção ao quarto de banho. Regressou volvidos

aproximadamente vinte minutos, usando uns jeans azul desbotado e uma camisola de gola

alta negra. Depois, constatando que Rita ainda não acordara, decidiu-se por despertá-la:

- Rita... - chamou baixinho ao ouvido da jovem, não obtendo no entanto qualquer

resposta - Rita... - repetiu, afastando os cabelos que lhe pendiam sobre o rosto - Acorda... -

pediu, passando ao mão ao de leve pela pele suave da colega, ao mesmo que a beijava com

ternura na face.

A rapariga deu enfim sinais de vida, primeiro mexendo-se entre os cobertores, e

abrindo os olhos logo a seguir.

- Bom dia! - disse, saudando o companheiro com um carinhoso beijo nos lábios - Que

horas são? - indagou, espreguiçando-se repetidamente.

- Preguiçosa... - comentou Jorge, enquanto procurava o relógio da jovem - Faltam

vinte e cinco minutos para a uma da tarde... - anunciou, voltando a arrumar o relógio

cuidadosamente em cima da mesinha de cabeceira - ...vamos, é melhor ires arranjar-te, o

"Rosé" disse que voltava antes da uma.

- Ele esteve aqui?

- Sim, veio trazer a televisão e o vídeo... - esclareceu o rapaz, apontando para os dois

aparelhos que o segurança de Enrique Escobar havia deixado à entrada do quarto - Vá, vai-

te vestir, que eu vou ver o que consigo fazer com aquilo.

Rita resolveu-se finalmente a sair debaixo do aconchego da cama ainda quente,

saltando descalça para o chão.

- Brrrrrrr!... Que frio!... - exclamou arrepiada, escolhendo à pressa uma toillete do

guarda-roupa, antes de se precipitar em direcção ao quarto de banho.

Jorge entretanto, examinou cuidadosamente os dois volumes, tentando certificar-se se

porventura em algum dos dois tivesse sido colocado algum dispositivo de escuta, concluindo

aliviado que tudo parecia estar em ordem. Deste modo, ocupou-se de imediato de arranjar o

melhor local para instalar ambos os aparelhos, de forma a que ficassem o mais próximo

possível da câmara de vigilância, escolhendo para isso uma enorme peça de mobiliário, com

cerca de um metro e meio de altura, e aproximadamente dois e meio de largura.

- "É já aqui!" - decidiu prontamente, transportando a televisão para cima da colossal

cómoda, à qual juntou depois o videogravador, terminando a operação ligando todos os

cabos entre os dois aparelhos.

Em seguida, deu uma rápida vista de olhos pelo painel de botões do vídeo. Procurava

uma função em particular:

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- Esplêndido! - exclamou felicíssimo - LP! - disse, referindo-se à tecla que indicava a

função de Long Play, que permitia que o tempo normal de gravação/reprodução de uma

cassete fosse duplicado.

Este pormenor, iria permitir um importante ganho de tempo aquando da fuga, caso

esta se concretizasse. No preciso momento em que Jorge terminava a sua tarefa, ouviram-se

passos do lado de fora da porta, seguindo-se duas pancadas na porta.

- Podes entrar "Rosé"... - respondeu o jovem, deduzindo que se tratava de novo do

indivíduo estrangeiro.

Porém, não foi "Rosé" quem assomou à entrada do quarto quando a porta se abriu.

Era Marco, que nos seus habituais maus modos foi dizendo:

- Vamos!... O señor Enrique está à vossa espera para almoçar... - informou

rispidamente.

- Espera um pouco, por favor. - pediu Jorge com delicadeza - A Rita ainda não está

despachada. - concluiu.

- Nesse caso, ...eu vou apressá-la! - disse, avançando decididamente em direcção ao

quarto de banho, sendo no entanto impedido pelo prisioneiro que o puxou firmeza, não

permitindo que o outro levasse avante os seus intentos.

- Nem penses... - avisou ainda.

- Ou me largas já, ou desta vez parto-te os cornos!... - ameaçou furioso, mostrando

que não estava disposto a brincadeiras, ao mesmo tempo que tentava libertar-se.

- Não sejas estúpido, espera um pouco. Ela deve estar a sair... - repetiu o jovem, sem

levantar a voz, soltando Marco, que de imediato fez menção de o agredir, chegando mesmo a

atingi-lo com uma cotovelada, embora não muito violenta.

- Ninguém me dá ordens, entendeste? - disse, encaminhando-se de novo para o

quarto de banho, sendo de novo puxado por Jorge - Desta vez é que é! Vou acabar com a tua

raça, ...filho da puta! - gritou, totalmente fora de si.

- Não te admito que insultes a memória da minha mãe... - respondeu o rapaz,

agredindo o outro com um soco na cara, que o deixou agarrado ao nariz.

- Eu mato-te, ...cabrão!

- Anda cá, ...vá! - desafiou o prisioneiro - Ou não és homem suficiente... - duvidou

Jorge, fazendo com que Marco perdesse a cabeça por completo.

O perigoso sujeito do rabo-de-cavalo, puxou de uma enorme faca que guardava no

interior do blusão de cabedal preto, manejando-a com destreza, tentando atingir o indefeso

jovem, que se desviava com uma elasticidade impressionante dos golpes do atacante. Nesse

mesmo momento, abriu-se a porta do quarto de banho. Era Rita, que alertada pelos gritos

que ouvia do exterior, resolveu ir ver o que se passava. Ao deparar-se com aquele cenário de

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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violência, não conseguiu conter um grito de terror, enquanto o companheiro se desviava de

mais uma investida do temerário malfeitor.

- Rita! Volta para dentro, ...já!... - ordenou o destemido colega, logo que se apercebeu

da presença da rapariga - Faz o que te digo, ...volta para dentro! - repetiu, num tom de voz

que não deixava lugar para qualquer discussão.

Rita obedeceu aterrorizada, voltando a fechar-se no quarto de banho, enquanto Marco

mais uma vez brandia a enorme faca. Porém Jorge, aproveitando-se de um deslize do rival,

conseguiu com um exímio pontapé acrobata, fazer com que a faca saltasse da mão direita de

Marco para o outro lado da cama. Em seguida, aplicou-lhe uma série de rudes golpes de

karaté, concluindo com um duro pontapé, que fez com que Marco saísse do quarto, indo

esbarrar violentamente com "Rosé" e o Dr. Fontes que se aprestavam para entrar,

estatelando-se todos três sobre a alcatifa do corredor.

- Que se passa aqui? - inquiriu o Dr. num tom autoritário.

- Foi este filho da puta... - principiou Marco furioso.

- Vê lá como falas... - ameaçou Jorge, recolhendo do chão a faca com que o sujeito do

rabo-de-cavalo o atacara - Já te fui aos cornos uma vez... - prosseguiu, sendo prontamente

interrompido pelo Dr. Fontes.

- Parem com isso, ...imediatamente, ...ouviram? - gritou irado, no mesmo tom

autoritário que usara instantes antes - Dá cá isso! - ordenou a Jorge, referindo-se à enorme

faca que o jovem segurava na mão esquerda, no preciso momento em que Rita saía do

quarto de banho, constatando aliviada que aparentemente o companheiro se encontrava bem

- Viste o que aconteceu? - indagou de novo o Dr. Fontes, mostrando-se bastante irritado com

toda aquela situação.

- Não sei de nada... - respondeu a rapariga com sinceridade - ...eu estava-me a vestir,

quando ouvi uma grande gritaria, vim ver o que se passava, e só vi aquele tipo... - disse ao

mesmo tampo que apontava para Marco - ...com uma faca na mão. Depois o Jorge mandou-

me voltar a entrar, e a partir daí não vi mais nada.

- Eu vou fingir que nada aconteceu. - recomeçou o Dr. Fontes visivelmente agastado -

Seria muito aborrecido que o Enrique tomasse conhecimento da vossa gracinha. Mas espero

que esta palhaçada não se volte a repetir, ...ouviram bem? - concluiu com cara de poucos

amigos - Vamos almoçar! - acrescentou ainda.

Posto isto, dirigiram-se todos em silêncio para a sumptuosa sala de jantar, onde

Enrique já algo impaciente os aguardava, sentado como habitualmente na sua cadeira de

rodas.

- Porque se atrasaram tanto? - indagou pouco satisfeito.

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- A moça atrasou-se um pouco a arranjar-se... - esclareceu o Dr. Fontes, enquanto

Jorge e Marco trocavam um olhar azedo, que felizmente ninguém percebeu.

- Ha... - limitou-se a dizer o anfitrião, fazendo um sinal ao mordomo para que

começasse a servir a sopa, que constava de um fino creme de legumes com espargos.

Cláudia desta vez não ousou reclamar da comida que era servida, mantendo-se em

silêncio como todos os restantes presentes. O prato seguinte era constituído por escalopes

de vitela panados, acompanhados por esparregado de espinafres, e arroz branco. Foi por fim

Enrique quem quebrou o silêncio:

- Vou ter que me ausentar durante alguns dias... - principiou, dirigindo-se aos três

prisioneiros que o olharam com uma expressão interrogativa - ...espero que sejam sensatos,

e não arranjem problemas aos meus homens. Seria muito desagradável que algum de vocês

tivesse um qualquer acidente... - prosseguiu, deixando bem claro que deixara ordens precisas

aos seus capangas, no intuito de prevenir alguma tentativa de fuga dos reclusos.

- Decerto que não causaremos o mínimo transtorno aos seus soldadinhos... - começou

Jorge com insolência - ...afinal, estas férias têm sido de tal forma reconfortantes, que para

quê estragá-las com pormenores tão fúteis...

- Óptimo... Como disse, seria mesmo muito aborrecido, que algo sucedesse com

algum de vós... - insistiu o anfitrião, ao mesmo tempo que com um sinal autorizava o

mordomo a servir a sobremesa.

- Vai em negócios? - questionou de novo o jovem estudante, provando um pouco do

doce de ananás que o indivíduo da casaca preta acabara de lhe colocar na frente.

- É apenas uma reunião para discutir orçamentos, e planear estratégias a adoptar

futuramente...

- O negócio da "coca" vai de vento em poupa... - observou Rita com desdém - ...se

calhar até tem um departamento que se ocupa da lavagem de dinheiro...

- Para além de muito bonita, és também uma moça muito inteligente...

- Vindo de si, esse elogio soa a insulto... - respondeu Rita de pronto, não deixando

sequer que Enrique terminasse a frase.

- Agora não é a melhor altura, no entanto, quando eu voltar, terei imenso prazer em

discutir este assunto contigo. Estou certo, que depois de conversarmos a tua opinião será

diferente.

- O senhor deve estar a delirar... - respondeu a sensual prisioneira com convicção.

- Gostaria de ficar mais um pouco, no entanto o meu avião espera-me... - anunciou,

bebendo o seu café de num só gole.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- Boa viagem!... - desejou Cláudia, em tom de ironia observando o vil malfeitor ser

conduzido por Marco para fora do imponente salão, acompanhados de perto pelo Dr. Fontes,

e por "Rosé".

Um a um, também os três jovens terminaram o seu café, abandonando igualmente a

ampla dependência. Em seguida, após terem chegado à conclusão que naquele dia não iria

ser possível passar a tarde nos jardins da mansão, encaminharam-se algo desapontados

para a sala de estar. Durante um bom pedaço, entretiveram-se conversando animadamente,

no entanto, algum tempo depois, Jorge optou por ir procurar um livro para se ocupar,

deixando as duas raparigas distraídas com um filme.

Deste modo, o jovem começou por explorar o piso térreo no intuito de encontrar a

biblioteca, espreitando para o interior de todas as portas que lhe surgiam na frente.

- Será aqui? - interrogou-se, parando defronte uma entrada, depois de ter já

examinado uma boa parte das divisões daquele piso - És o maior! - exclamou, explorando o

interior da sala pela frincha da porta entreaberta, concluindo sorridente que acabara de achar

aquilo que procurava.

Em seguida, penetrou no amplo espaço, ricamente decorado e mobilado, fechando a

porta atrás de si com todos os cuidados. À sua volta, uma descomunal estante ocultava por

completo as paredes da biblioteca, totalmente recheada das mais diversas obras literárias. Ao

fundo, duas enormes janelas forneciam ao espaço uma ténue iluminação, por causa da pouca

luz proveniente do exterior. A curta distância podia-se observar uma sumptuosa secretária em

madeira exótica, e logo por cima desta, fixa na parede, encontrava-se uma câmara de

vigilância. Jorge percebeu enfim que se encontrava na mesma divisão onde Enrique Escobar

se apresentara aos dois prisioneiros escassos dois dias antes. Sobre a imponente secretária

encontrava-se um excelente equipamento informático, que de imediato prendeu a atenção do

audaz rapaz. Jorge instalou-se na luxuosa e agradável cadeira, ligando o computador sem

mais delongas. Primeiro decidiu listar todos os ficheiros contidos no disco duro...

- Hm! Interessante... Será que... - disse, falando para os seus botões - Com um

bocadinho de sorte, ...quem sabe?

Ao executar o comando que listava os ficheiros da unidade fixa do computador

pessoal, o jovem deparou-se com alguns programas que não conhecia. À atracção inicial pela

máquina, juntou-se a curiosidade de saber até que ponto poderia o vil Enrique Escobar ter

armazenadas no disco rígido daquele PC informações importantes das suas actividades

ilícitas, de que o jovem se pudesse posteriormente servir em caso de necessidade. Os

conhecimentos informáticos de Jorge eram bastantes vastos, pelo que não demorou muito a

localizar alguns ficheiros que ele suspeitava estarem relacionados com os negócios menos

claros do anfitrião. De súbito, porém ouviram-se vozes junto da porta do escritório... Alguém

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acabara de passar mesmo em frente da entrada da sala, sem suspeitar sequer do ousado

intruso, que sem perder o sangue-frio, continuou a sua tarefa logo que as vozes se afastaram.

Contudo, quando o rapaz se aprestava para pesquisar os segredos do perigoso malfeitor,

surgiu-lhe uma dificuldade adicional:

- Merda!... Esta porra está codificada... Gaita!... Gaita!... Gaita!... - exclamou

desanimado, não se dando no entanto por vencido - Pensa... Pensa... Pensa... Vou demorar

demasiado tempo para tentar descobrir a password, ...além de que é muito perigoso... Pensa,

porra... pensa... - repetiu, procurando uma solução que lhe permitisse aceder àquela

informação, que se poderia revelar muito importante... - Internet... é isso mesmo! - exclamou -

Não, ...não pode ser... podiam descobrir o rasto... - concluiu, tentando ser o mais prudente

possível - Uma disquete, ... preciso duma disquete... - disse, procurando precipitadamente

nas gavetas da impressionante secretária - Ora aqui está..., que sorte! - prosseguiu,

introduzindo o disco flexível, na ranhura do computador.

Por fim, digitou no teclado os dados necessários para que os ficheiros que pretendia

fossem copiados para a disquete, e a máquina iniciou a operação. No exterior, mais uma vez

se ouviram vozes que se aproximavam. Em seguida, os passos estacaram próximo da

entrada do escritório, e alguém mexeu na maçaneta... Nesse mesmo instante, o computador

terminou a tarefa, e Jorge com o coração aos pulos escondeu o precioso disco sob a

camisola de gola alta que vestira nessa manhã, desligando o aparelho sem tomar as

precauções recomendáveis, pois se o fizesse corria um risco ainda maior de ser apanhado

com a "boca na botija".

- "Vou ser caçado!" - pensou alvoraçado, quando enfim a porta foi aberta.

- Que fazes aqui!?... - inquiriu asperamente o Dr. Fontes fitando-o surpreendido.

- Estou a ler!... - respondeu o intruso mostrando o livro que segundos antes tirara ao

acaso da enorme estante.

- Não sabes que não podes entrar aqui? - indagou rispidamente a irritante

personagem.

- Não sou adivinho... - retorquiu com descaramento o prisioneiro.

- E estás a gostar da história? - insistiu o perverso indivíduo, apontando para o livro,

tentando aquilatar-se se de facto o estudante falava verdade.

- É bastante interessante... - prosseguiu o jovem sem se atrapalhar, lendo os

pensamentos ao inquisidor - Quer que lhe conte a história? - acrescentou com uma tal

confiança que deixou o outro sem argumentos.

- Não, não é necessário... - redarguiu o recém-chegado, observando discretamente a

secretária, tentando certificar-se que o atrevido recluso não tivera acesso a nada que

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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pudesse comprometer ainda mais a organização - Agora sai! - ordenou por fim, num tom mais

sereno.

Jorge obedeceu de pronto, dirigido-se sem demora para a saída, dando graças pela

sorte que tivera ao pegar justamente num livro que tinha lido fazia algum tempo. Antes de ter

tempo para alcançar a porta, o Dr. Fontes perguntou:

- Que vieste cá fazer?

- Andava à procura de um bom livro com que me pudesse entreter - esclareceu o

estudante com sinceridade

- Há quanto tempo cá estavas?

- Não sei ao certo... - respondeu de novo o jovem, fazendo uma pausa para pensar -

... mas devia ser para aí há uma hora, talvez...

- E ninguém te veio avisar que não podias estar aqui? - insistiu o pouco escrupuloso

advogado.

- Absolutamente ninguém.

- Muito bem, ... podes sair. Mas não voltes a repetir a gracinha! - avisou o Dr. Fontes,

puxando do isqueiro para acender o charuto que acabara de tirar do bolso do casaco,

murmurando qualquer coisa que o arrojado rapaz não conseguiu compreender.

Jorge saiu por fim do escritório, dando um suspiro de alívio, e fechando a porta atrás

de si. Conseguira safar-se com relativa facilidade duma situação algo comprometedora, e

igualmente arriscada. Um segundo mais poderia ter deitado tudo a perder. Se tivesse sido

apanhado, por certo ele próprio e Rita ficariam em maus lençóis. Em seguida, resolveu ir

procurar as duas raparigas, que provavelmente continuariam na sala de estar.

- De volta tão cedo? - observou a sensual companheira dos cabelos louros - Não

encontraste nada que te interessasse, ou mudaste de ideias?

- Mudei de ideias... - respondeu o rapaz, seguindo o conselho de Rita, e não

adiantando muito mais, acomodando-se depois entre as duas jovens no acolhedor sofá

assistindo ao final do filme.

...

Faltavam apenas dois minutos para as oito horas, quando um segurança que

desconheciam entrou na divisão onde haviam passado a tarde, informando que o jantar seria

servido de imediato. Os três prisioneiros acompanharam a sinistra personagem, que os

conduziu até à sumptuosa sala de jantar, ocupando em seguida os lugares habituais. Nesse

mesmo instante também o Dr. Fontes entrou naquela dependência. Antes porém de se

sentar, dirigiu-se a Jorge, que ficou lívido:

- Tens aqui o teu relógio! - disse, entregando-lhe o elegante adereço - Há bocado não

me lembrei de to dar... - justificou-se ainda.

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- Qual era o problema? - indagou o prisioneiro, recobrando o sangue-frio.

- Era a pilha que estava fraca... - revelou o outro, regressando ao seu lugar, sentado-

se por fim, ao mesmo tempo que autorizava o mordomo a servir a sopa.

Para aquela refeição, encontravam-se apenas presentes os três jovens, o perverso

advogado de Enrique, e ainda o mesmo segurança que os escoltara até àquela dependência,

vigiava atentamente os movimentos dos prisioneiros, especialmente os de Jorge. Após se

terem sentado à mesa, ninguém mais falou, pelo que o silêncio apenas foi quebrado pelo

mordomo ao recolher os pratos usados para a sopa. Em seguida, o indivíduo da casaca preta

pousou com primor defronte os quatro presentes um prato refinadamente apresentado do

qual constavam filetes de bacalhau fresco, acompanhados por uma boa quantidade de

legumes; cenouras minúsculas, couve roxa, brócolos, ervilhas, etc.. Cláudia voltou a torcer o

nariz, não muito contente com aquilo que via. Porém, ao contrário daquilo que fizera na noite

anterior, desta vez optou por nada dizer.

- Então, não comes? - indagou Fontes, falando pela primeira vez desde que se

sentara à mesa, reparando que ela mais uma vez não fazia tenção de provar a comida.

- Não muito obrigado... - respondeu a rapariga, com indiferença, optando por

experimentar o sumo de laranja.

- Tu lá sabes... - limitou-se a dizer, abanando a cabeça em sinal de reprovação.

Depois de todos terem terminado o prato principal, o mordomo recolheu a louça suja,

arrumando-a com cuidado no carrinho que trouxera consigo para servir a refeição. Em

seguida, distribuiu com esmero uma requintada sobremesa, confeccionada à base de frutos

secos; nozes, amêndoas, passas, avelãs, pinhões, envolvidos depois em natas e bolachas

semi-geladas. Por fim, o habitual café, pôs fim ao opulento repasto.

- Ei, Miguel... - principiou o detestável advogado, terminado o seu descafeínado -

...assim que os nossos amigos terminarem acompanha-os até aos respectivos quartos.

- Si señor! - anuiu o segurança, ao mesmo tempo que o Dr. abandonava

apressadamente a magnificente sala de jantar.

...

- Para que queres isso? - indagou Rita, logo que os passos do segurança que dava

pelo nome de Miguel deixaram de se ouvir nas proximidades da porta, apontando para a

cassete de vídeo que o companheiro trouxera consigo.

- Precisamos dela... - respondeu o rapaz vagamente dirigindo-se ao quarto de banho.

- Onde vais?

- Espera um pouco... - pediu, desaparecendo por breves instantes, regressando logo

depois, trazendo um rolo de adesivo e uma tesoura.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

120

- Que estás a fazer? - insistiu a colega, observando intrigada o colega tirar uma

disquete que tinha guardada sob a roupa que trazia vestida.

Posteriormente, o colega cortou duas tiras da fita adesiva, com as quais envolveu o

disco flexível, colando-o cuidadosamente na parte inferior do fundo da enorme cómoda sobre

a qual estavam a televisão e o vídeo.

- O que é isso? - repetiu Rita impaciente com tantos segredos.

- Não sei ao certo... - principiou Jorge com sinceridade - Esta tarde estive no escritório,

e encontrei um computador. Andei a espiolhar no disco rígido, e encontrei alguns ficheiros

que suspeito conterem informações importantes sobre as actividades do nosso amigo

paralítico. Como estava com medo de ser apanhado, e porque os ficheiros estão codificados,

resolvi copiar tudo para uma disquete. Mesmo assim foi à justa, mais um segundo e o filho da

puta do Fontes tinha-me caçado...

- E que vais fazer com isso?

- Guardamo-la bem escondida, e quando fugirmos levamo-la connosco. Estou

convencido que com um bocadinho de paciência consigo decifrar o código - disse, olhando ao

seu redor - Agora precisamos de nos concentrar na fuga. Para a primeira fase do nosso plano

é indispensável que arranjemos uma ficha eléctrica.

- Para quê?

- Vou provocar uma falha de energia.

- É mesmo necessário?

- Sim, porque quando mexer nos cabos do sistema de vigilância, eles vão notar

interferências na imagem, e podem desconfiar - explicou Jorge, tentando em vão encontrar o

acessório que pretendia - Por isso, mais vale jogar pelo seguro.

- Porque não usamos a ficha de um dos candeeiros da mesa de cabeceira? - sugeriu a

companheira tentando ajudar.

- Não pode ser... porque eles estão a vigiar-nos, e iam ver pela câmara...

- Mas nós podemos resolver isso facilmente... - retorquiu Rita, puxando-o

energicamente para o raio de alcance do sistema de vigilância.

- Que estás a fazer? - perguntou surpreendido, enquanto a companheira lhe despia a

camisola de gola alta, atirando-a de encontro à câmara, ao mesmo tempo que o beijava

meigamente nos lábios.

- Porra! Não resultou... - lamentou-se, constatando com uma pontinha de desilusão

que a camisola de Jorge não acertara no alvo.

- Deixa-me tentar! - pediu o jovem, ajudando a colega a despir o seu pulóver,

enquanto mais uma vez trocavam um carinhoso beijo, atirando depois ao acaso a peça de

vestuário, que voltou a não acertar na câmara.

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- Também falhaste! - exclamou - Por este andar acabamos nus e não conseguimos

nada! - concluiu rindo divertida - Temos que os despistar, senão começam a desconfiar... -

preveniu a rapariga, segredando-lhe ao ouvido - Tira-me a camisa, e lança-a para perto das

camas...

- T'ás louca!?...

- Não te preocupes, ainda fico com o soutien...

Jorge obedeceu sem protestar, arremessando a camisa da colega propositadamente

para longe da câmara, de modo a afastar as suspeitas dos carcereiros. Depois auxiliou Rita,

que em vão se esforçava para lhe tirar a t-shirt, uma vez que se mantinham abraçados,

beijando-se de quando em vez, agindo sempre o mais naturalmente possível. Rita conseguiu

por fim deixar o companheiro em tronco nu, mantendo nas suas mãos a camisola de mangas

curtas, preferindo esperar alguns segundos para efectuar o lançamento com mais precisão.

- Espera! - pediu Jorge, procurando evitar sem sucesso que Rita consumasse o

arremesso da t-shirt, uma vez que a rapariga se encontrava de costas para o alvo - Não

acredito!...

- Acertei!? - inquiriu ela.

- Em cheio... - completou Jorge, observando incrédulo a camisola branca que

permanecia pendurada na objectiva da câmara de vídeo, impedindo deste modo que os

captores pudessem o que se passava naquela dependência - Mas, ...não há tempo a

perder... - acrescentou, libertando-se da rapariga, e precipitando-se em direcção ao candeeiro

que estava colocado sobre a mesa de cabeceira mais afastada da porta.

Sem demora, puxou a ficha que ligava o candeeiro à tomada de electricidade,

cortando logo depois o fio com uma faca que tirou da meia da perna direita...

- Onde é que arranjaste isso? - questionou Rita, não querendo acreditar no que via.

- Palmei-a ao jantar!

- Como é que conseguiste sem que ninguém percebesse?

- Prometo que um dia te explico... - disse não revelando mais pormenores, e

fechando-se no seu habitual sorriso enigmático.

- Ouço qualquer coisa!... Vem aí gente! - alertou a companheira alarmada pelos

passos que se aproximavam rapidamente.

- Depressa, tira as calças! - pediu o companheiro raciocinando quase

instantaneamente.

- Hã!?

- Despe as calças e atira-as para o chão... - repetiu Jorge quase em surdina, perante a

surpresa da colega, enquanto tratava de ocultar as comprometedoras provas.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

122

A rapariga obedeceu prontamente, confiando plenamente no companheiro, que quase

em desespero escondeu todos os utensílios mesmo por detrás da pesada cómoda sobre a

qual se encontravam o vídeo e a televisão. Rita, semi-desnuda, aguardava junto da cama

mais próxima da entrada da divisão que o jovem lhe explicasse o que pretendia... Ele porém,

nem sequer falou, descalçando-se precipitadamente, deitando-se enfim por cima do corpo

franzino da sensual rapariga... Nesse mesmo momento, a porta do quarto abriu-se...

- Hum! Parece que temos festa! - observou Fontes, penetrando no amplo espaço, e

dirigindo-se aos dois jovens, que se separaram de pronto, enquanto se aparentavam algo

comprometidos - Vejo que estão a aproveitar, para se conhecerem melhor... Seus marotos... -

continuou a detestável personagem, ironizando a situação.

- Que querem daqui!? - perguntou o prisioneiro, fingindo-se surpreendido e indignado

com a violação da sua privacidade, apanhando furioso do chão a sua camisola e entregando-

a a Rita para que ela se cobrisse.

- Desculpem a interrupção, ...mas nós temos que ver tudo o que fazem... - explicou o

infame indivíduo, com um sorriso de malícia - A manobra da t-shirt não vale... - disse com

sarcasmo destapando a lente da câmara - Parece-me que isto te pertence... - continuou,

entregando seguidamente a peça de vestuário ao prisioneiro.

- Podiam pelo menos ter batido antes de entrarem... - protestou Rita, nada satisfeita

com a intromissão dos recém-chegados.

- E perdíamos a oportunidade de te ver quase nua? - comentou o cúmplice que

acompanhava o Dr. Fontes - Deixa-me dizer-te, tens um corpo formidá...

O atrevido sujeito não teve tempo sequer de terminar a frase. Rita, com um soco

certeiro rebentou-lhe o lábio inferior, e deixou-o agarrado ao queixo, perante o olhar

estupefacto de Fontes e Jorge.

- Puta... - insultou o outro furioso.

- Queres outro? - desafiou a rapariga, não parecendo muito disposta a tolerar aquele

género de comentários.

- Cala-te Miguel! - ordenou o insuportável advogado - Tiveste aquilo que merecias,

vamos embora...! - acrescentou, encaminhando-se em direcção ao exterior - Espero ter sido

bem claro, ...não repitam a gracinha, ...fiz-me entender? - concluiu por fim, saindo para o

corredor.

Os dois prisioneiros limitaram-se a acenar com a cabeça em sinal afirmativo, vendo o

par de intrusos desaparecer do outro lado da porta. Depois, ficaram muito atentos ao ruído

dos passos que rapidamente deixaram de se ouvir, tentando deste modo assegurarem-se que

estavam de novo completamente sós.

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- Onde é que aprendeste a bater daquela maneira? - questionou o jovem, ainda

surpreso pela reacção da sedutora companheira - Será que temos aqui uma Barbie

Rambo...? - brincou, enfiando a t-shirt sobre o robusto e musculado tronco.

- Eu também tenho alguns segredos... - respondeu a jovem, imitando a expressão

misteriosa que Jorge fizera minutos antes - Diz a verdade, ...representamos bem, hem? -

observou depois, mudando de assunto, voltando a vestir os jeans azul desbotado.

- Parecíamos duas vedetas de Hollywood!... - exclamou o rapaz, rindo-se divertido do

seu último comentário - Bem, ...mas vamos ao trabalho! - findou, reunindo de novo os

objectos que ocultara atrás do aparelho de televisão - O primeiro passo, é deixarmos a casa

ás escuras... - explicou, juntando os dois fios condutores que saíam da ficha eléctrica que

subtraíra ao pequeno candeeiro, de modo a que estes provocassem um curto-circuito na

instalação de energia da mansão.

Em seguida, o engenhoso jovem, isolou a ligação, servindo-se do adesivo que

surripiara da malinha de primeiros socorros que encontrara no armário do quarto de banho...

Mais tarde, com uma frieza impressionante, pediu a Rita que se afastasse, introduzindo a

preciosa ficha na tomada de electricidade... Depois tudo aconteceu muito rapidamente;

primeiro ouviu-se um estouro vindo da instalação eléctrica, que soltou igualmente algumas

faíscas, e de imediato a enorme divisão ficou mergulhada na mais completa obscuridade...

- Bonzai!... - exclamou o rapaz com um ar triunfal, revolvendo os seus bolsos - Não te

mexas, ...é só um segundo! - pediu à colega, acendendo enfim a minúscula lâmpada da

lanterna que tinha no seu porta-chaves.

- E agora? - questionou Rita, juntando-se ao companheiro, que examinava

atentamente os fios que partiam da traseira da câmara de vigilância - Queres ajuda com a

luz? - ofereceu.

Jorge agradeceu, e acenando que sim, entregou o simpático objecto à rapariga, que

atentamente seguia os seus gestos.

- Basicamente, aquilo que temos que fazer, é um shunt, ...estás a compreender? -

indagou, enquanto descarnava o cabo que ligava o aparelho de televisão ao videogravador.

- Para ser sincera isso é chinês...

- É simples. Fazes de conta que tens por exemplo duas estradas... - começou por

dizer, fazendo uma pausa para que Rita pudesse seguir o seu raciocínio - ...para as ligares

uma à outra o que é que fazes?

- Um cruzamento? - arriscou a companheira.

- Exactamente! É o mesmo que estamos aqui a fazer... - explicou Jorge, acabando

também de abrir dois pequenos furos no cabo da câmara - ...a seguir, só tens que juntar

malha com malha, e o condutor com o condutor, e já está! - concluiu, enrolando

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

124

cuidadosamente os finíssimos fios de cobre uns nos outros - Depois, é sempre conveniente

isolares muito bem as ligações que acabaste de fazer, e certificares-te de que não há

contacto algum entre as malhas e os condutores - acrescentou ainda, enquanto enrolava

pequenas tiras do mesmo adesivo que pedira emprestado do estojo de primeiros-socorros.

- E porque é que foi preciso desligar a luz? - questionou Rita algo confusa.

- Porque se não tivéssemos desligado a luz, quando mexi naqueles fiozinhos, eles

teriam notado um montão de interferências, e iam desconfiar... - resumiu Jorge, totalmente

seguro daquilo que dizia.

- És um génio! - elogiou a sedutora companheira, premiando-o com um meigo beijo na

testa.

- Agora, vai-te trocar... - pediu ele, reunindo os utensílios operação que acabara de

executar, e escondendo-os cautelosamente por debaixo do pesado guarda-vestidos - Espera,

leva isto... - disse, entregando o rolo de adesivo a Rita - ...guarda-o na mala de primeiros-

socorros.

- Já não vais precisar?

- Não..., ou melhor, se calhar até vou - respondeu, procurando às apalpadelas a

videocassete que trouxera consigo para o quarto - Afinal, preciso mesmo. É só um

bocadinho... - acrescentou, verificando que o selo que permitia a gravação fora retirado -

...para tapar este buraco - terminou, ao mesmo tempo que apontava para um pequeno orifício

na cassete, que à ténue luz da lanterna do porta-chaves mal se vislumbrava.

Rita entrou enfim no quarto de banho, regressando poucos minutos mais tarde. Jorge

recomendara-lhe que não se demorasse, pois seria demasiado arriscado prolongarem a

sabotagem por muito mais tempo. Ele receava que os captores acabassem por se aperceber

da situação, o que os deixaria a ambos numa posição algo delicada. Embora enquanto a ficha

permanecesse na tomada, não existisse o perigo de serem vigiados através da câmara, uma

vez que sempre que a energia fosse ligada, ocorria um novo curto-circuito, e por conseguinte

a corrente eléctrica voltava a ser interrompida, no entanto impunha-se prudência...

- Prepara-te, que eu vou tirar a ficha... - avisou, regressando ao quarto de dormir, já

depois de ter trocado de indumentária - Ai... porra! - gritou soltando um uivo de dor.

- Que se passa? Estás bem? - instou a companheira aflita

- Não foi nada... - disse, desviando arrastando algo no soalho de madeira - ...bati com

o joelho na porcaria da cadeira - revelou finalmente.

De súbito, o quarto iluminou-se, e o impassível prisioneiro introduziu a cassete no

aparelho de vídeo, pegou no controlo remoto do mesmo, e sorrateiramente levou o acessório

para a cama. Antes porém, desligou o interruptor, deitando-se na mesma cama que Rita

escolhera.

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- A partir de agora mexe-te o menos possível, e não fales... - pediu, carregando

discretamente na tecla que correspondia à função de gravação - Pronto, já está... - confirmou,

consultando o display do comando...

Fim do 7º Capítulo

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

126

Capítulo 8

- Jorge!... Jorge!... Acorda por favor! - pediu Rita, sacudindo o corpo do companheiro,

que a seu lado dormia tranquilamente - Jorge!... - insistiu de novo, com uma voz doce -

Acorda, ...já passa das onze e meia!

- Hum! Hum! Deixa-me dormir! - protestou ele, virando-se para o outro lado.

- Não pode ser, ...e se entra alguém... - continuou ela pacientemente - Vá, tens que ir

desligar os cabos... - acrescentou ainda, abanando uma vez mais o corpo do rapaz.

Jorge abriu enfim os seus olhos azuis, fitando o rosto angelical da sensual colega.

Depois, aproximou os seus lábios dos dela, e beijou-a com afecto.

- Estás linda como nunca!... - disse, com uma voz rouca, afastando os cabelos que

pendiam sobre a face da rapariga, não conseguindo conter dois longos bocejos.

- Não digas tolices... - retorquiu Rita, algo embaraçada pelo galanteio - É melhor

recolheres o fio, não vá alguém entrar de surpresa - avisou.

O jovem estudante de Direito, resolveu-se por fim sair debaixo dos cobertores,

primeiro saltando descalço para o chão gélido, e depois precipitando-se para a entrada do

quarto de banho.

- Porra, ...está um frio do caneco! - exclamou, posicionando-se mesmo por debaixo da

câmara de segurança - Age como se eu não estivesse aqui... - pediu, agachando-se ao lado

do guarda-vestidos, que por sorte também ficava fora do alcance do aparelho de vigilância,

procurando a faca que pedira emprestada no jantar da última noite.

Em seguida, puxou ainda a ficha que igualmente na véspera subtraíra ao pequeno

candeeiro da mesa de cabeceira, introduzindo-a prontamente na tomada de energia que se

encontrava mesmo a seu lado. De novo, em apenas escassos segundos, ouviu-se um fraco

estouro, soltaram-se algumas faíscas, e mais uma vez a instalação eléctrica da velha mansão

fora sabotada pelo audacioso prisioneiro.

- Cortaste a luz outra vez!? - indagou Rita assombrada, apercebendo-se da acção do

companheiro - T'ás louco?

- É só por alguns minutos... - replicou Jorge com uma expressão insolente - ...preciso

de tirar o adesivo, desligar o cabo do vídeo, e consertar o da câmara para que não se veja

que fio violado - explicou, metendo mãos à obra.

...

- Venham! - ordenou um segurança que ambos desconheciam, entrando de surpresa

na ampla dependência.

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127

Os dois cativos obedeceram prontamente, deixando que o mal-encarado indivíduo os

conduzisse para fora do quarto, e depois até ao piso térreo. Eram treze horas em ponto,

quando ambos se sentaram defronte a majestosa mesa de madeira exótica da sala de jantar.

Quase simultaneamente entrou Cláudia, acompanhada pelo mesmo segurança que Rita tinha

sovado na noite anterior. Para além dos três jovens e dos dois seguranças, ninguém mais se

encontrava na sala.

- O nosso amigo Fontes não almoça connosco? - indagou Jorge, quando o mordomo

principiou a servir a sopa.

- Mas que tipos sociáveis... - notou Cláudia, concluindo que nenhum dos dois

carcereiros parecia disposto a responder.

Ambos os indivíduos mantiveram a mesma expressão dura, ignorando os comentários

dos jovens, enquanto que o sujeito da casaca negra aguardava tranquilamente junto da porta

de entrada para poder servir o prato seguinte. A atenção de Jorge prendeu-se por alguns

segundos naquele homem. Aparentava cinquenta e muitos anos, tinha cabelo grisalho, e

barba igualmente grisalha. Por debaixo do vestuário escuro engomado com rigor,

apresentava-se uma personagem fria e rígida, fiel aos princípios e valores. A sua expressão

fria e distante dava-lhe uma aparência algo severa e até mesmo sinistra. Ali, imóvel, quase

encostado à parede mais parecia uma estátua sem vida. A dada altura, o mordomo mexeu-

se, e aproximando-se da mesa, recolheu os pratos num gesto rigoroso e seguro repetido

inúmeras vezes. Em seguida, sempre com o mesmo primor colocou na frente de cada um dos

presentes um prato de salmão grelhado acompanhado por batatas cozidas e maionese,

apresentado com o requinte habitual. Durante o tempo que ainda durou a refeição ninguém

falou, a logo após terem bebido o cremoso café expresso que mais uma vez lhes foi servido

pela altiva personagem, os três jovens abandonaram rapidamente a ampla sala de jantar.

Ao contrário do dia anterior, naquela tarde optaram pelo jardim, uma vez que apesar

do céu estar coberto de ameaçadoras nuvens não chovia. Cláudia propôs que dessem um

passeio pelo jardim para ajudar a passar o tempo, sugestão que foi de pronto aceite pelos

dois companheiros...

...

- Duas e dez! - observou Jorge, consultando os ponteiros fosforescentes dos seu

relógio de pulso que se encontrava em cima da mesa de cabeceira - Está na hora do

espectáculo! - pensou, abanando suavemente o corpo adormecido da colega - Rita!... -

chamou ao ouvido sussurrando - Rita!... - insistiu não obtendo qualquer resposta.

A rapariga porém nem reagiu, continuando sossegadamente ali mesmo a seu lado,

pelo que o jovem decidiu pôr em prática o plano de fuga que se ocupara a aperfeiçoar

durante as últimas horas...

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

128

Jorge definira anteriormente que a primeira tarefa seria sabotar uma vez mais a

instalação eléctrica da velha mansão. Para essa operação recorreu de novo à ficha de

tomada que já utilizara na véspera, e que discretamente trouxera consigo para a cama,

quando escassas horas antes se deitara junto com Rita. Usando de todas as precauções, o

audaz estudante de Direito pegou na preciosa ferramenta, e disfarçadamente introduziu-a na

tomada de energia, que quase simultaneamente soltou as já conhecidas faíscas seguidas de

um pequeno estrondo que deixou a enorme habitação às escuras...

Não havia tempo a perder... Em primeiro lugar era necessário ir resgatar Cláudia ao

quarto contíguo àquele em que se encontravam. No entanto Rita poderia arranjar-se

enquanto ele se encarregava dessa missão. Jorge optou por acordar a companheira antes

mesmo de se preocupar com a tarefa de ir buscar Cláudia.

- Rita, ...acorda! - pediu, abanando suavemente o corpo adormecido da colega -

Rita!... - chamou, falando um pouco mais alto, ao mesmo tempo que com a sua mão direita

lhe tapava a boca, não fosse a rapariga assustar-se e como consequência deitar tudo a

perder - Rita, ...tem calma, sou só eu... - disse-lhe em surdina, quando por fim ela abriu os

olhos fitando-o quase em pânico.

- Está na hora? - indagou mais calma, logo que Jorge lhe destapou a boca.

- Sim, temos que aproveitar agora, porque até o tempo parece jogar a nosso favor... -

principiou, fazendo uma breve pausa - ...ouviste? - inquiriu, prosseguindo depois - É um

temporal dos feios, e ao que parece aproxima-se desta zona! - concluiu, esfregando as mãos

de contentamento.

- Já trataste da electricidade?

- Sim... - respondeu o companheiro acenando com a cabeça em sinal afirmativo -

...mas não podemos perder tempo. Veste qualquer coisa prática enquanto eu vou num pulo

buscar a Cláudia...

- Não vais mesmo desistir dessa ideia suicida de levares a víbora connosco? - indagou

com uma expressão de reprovação.

- Não... - retorquiu Jorge com convicção, preparando-se para abrir a janela.

- Nesse caso não vou permitir que estragues tudo... - principiou com dureza -

...escolhe, ou me levas a mim, ... ou a ela! - findou, friamente.

- Estás a ser injusta e egoísta... - argumentou o rapaz tentando chamá-la à razão -

Afinal que tens tu contra ela?

- Nada, a não ser que ela está a jogar dos dois lados... Por isso escolhe, ...ela, ...ou

eu!

- Estás a agir como uma criancinha mimada! Afinal de que lado estás?

- Do teu, grande burro. Estás tão cego que nem consegues ver isso!

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- Não vou permitir que os teus ciúmes mesquinhos e parvos impeçam a Cláudia de ir

connosco... - disse em tom acusador e severo - Espero que quando eu voltar pares com essa

parvoíce... - concluiu abrindo a janela e saltando para cima do telhado escorregadio.

- Muito bem, será como queres! - replicou Rita furiosa entredentes, observando o

colega desaparecer do lado de fora da janela de águas-furtadas.

Jorge parecia um gato em cima das telhas cada vez mais encharcadas, pois naquele

momento chovia já a cântaros. Movendo-se com uma agilidade impressionante o jovem

rapidamente chegou junto da janela do quarto onde Cláudia se encontrava enclausurada. Em

seguida, tentou sem êxito forçar as portadas de madeira da janela. De súbito um raio que

caíra perto assustou-o quase o fazendo perder o equilíbrio.

- Porra, foi por pouco! - exclamou, recobrando o sangue-frio, concentrando de novo a

sua atenção na enorme janela.

Porém, nem precisou de se esforçar muito, aproveitando o contínuo ribombar dos

trovões para abafar o ruído que provocou quando rebentou a fechadura. Sem perder tempo,

acercou-se rapidamente da cama onde a prisioneira repousava.

- Cláudia! - chamou, tapando-lhe igualmente a boca - Sou eu, o Jorge - disse, perante

o espanto da rapariga, que de imediato abriu os olhos.

- T'ás louco!? - indagou perplexa, logo que o intruso a libertou - Eles vêem-nos através

das câmaras!... - avisou ainda, fitando-o incrédula.

- Não te preocupes. Tenho tudo controlado... - tranquilizou-a o imperturbável

companheiro - Enfia qualquer coisa rapidamente, enquanto eu trato de arranjar a cama -

pediu, procurando algo que pudesse simular o cabelo louro da jovem.

Com os vários cobertores que encontrou no roupeiro Jorge moldou um volume que no

escuro, e pela distância a que se encontrava a câmara de vigilância por certo facilmente

iludiria os seguranças de Enrique. Em seguida, pegou na toalha de banho que encontrou

noutra gaveta, e com destreza embrulhou-a entre os lençóis, deixando propositadamente uma

ponta sobre a almofada, de modo a dar a ideia que se tratava da cabeça da prisioneira.

- Estou pronta... - anunciou Cláudia regressando do quarto de banho.

- Descalça os ténis! - recomendou Jorge - O telhado está muito escorregadio... -

complementou, reparando que a rapariga não compreendera a razão do pedido.

O estudante de Direito subiu primeiro para o parapeito da janela, equilibrando-se nas

telhas encharcadas, ajudando depois a companheira.

- Vai devagar... - pediu, ficando para trás, tentando fechar as portadas da janela, de

modo a que estas não ficassem a bater, alertando assim os carcereiros.

Instantes mais tarde, o rapaz juntou-se a Cláudia e a Rita que também já arranjada o

esperava com uma expressão carrancuda. Jorge no entanto nada disse, aproximando-se do

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

130

local onde se encontrava fixa a câmara de vigilância. Em seguida, subiu para o assento da

cadeira, puxou da lanterna do seu porta-chaves, e com uma perícia invejável sabotou o

sistema de segurança, reunindo o fio de ligação do circuito de vigilância, com o cabo que

emitia o sinal do videogravador. Por fim, pegou na cassete de vídeo, introduzindo-a na

ranhura do aparelho destinada a esse efeito.

- Que estás a fazer? - indagou Cláudia, observando com atenção os movimentos do

rapaz.

- Lembras-te de te ter dito que as câmaras podiam ser o nosso melhor aliado para dar

cobertura à fuga. É apenas uma questão de as pormos a trabalhar para nós - foi dizendo,

perante o ar de reprovação da colega de estudos - Rita, ...tira a ficha, por favor - pediu,

premindo de pronto a tecla de reprodução - Agora esperem um pouco enquanto eu visto

qualquer coisa - rematou, desaparecendo no interior do quarto de banho...

- Tens a certeza que queres sair agora? - indagou Cláudia, contemplando a chuva que

caía copiosamente.

- É agora ou nunca - decidiu o jovem, sentando-se sobre o parapeito da janela - Tu

vens primeiro - acrescentou ainda, falando para Rita, ao mesmo tempo que a ajudava a subir

- Agora tu, Cláudia.

Após ter ajudado ambas a subir para o telhado, Jorge conduziu-as cautelosamente até

ao local onde ele calculava estarem fixos os apoios da hera, e que iriam utilizar como apoio

na descida. O destemido rapaz tomou de novo a iniciativa, acercando-se perigosamente do

limite das telhas, deixando-se depois escorregar nos últimos centímetros do beirado,

apoiando-se por fim na estrutura que segurava a hera ao redor da habitação. Mais uma vez

auxiliou Rita, amparando igualmente Cláudia, deixando depois que as duas raparigas

descessem na frente. A colega chegou ao chão sem problemas, no entanto, Cláudia não teve

tanta sorte, pois já bastante próximo do solo escorregou, e caiu desamparada sobre a relva

encharcada, soltando um grito de dor. Jorge que se encontrava logo atrás ainda tentou

segurá-la, embora sem sucesso, terminado depois a descida em grande velocidade.

- Magoaste-te? - indagou, chegando junto da enferma.

- Não sei, mas acho que parti o pé!... Dói-me imenso! - declarou, com uma expressão

de angústia.

- Deixa-me ver... - pediu o jovem, examinando o tornozelo magoado - Parece-me que

está apenas torcido - anunciou aliviado - não é grave... - completou, despindo rapidamente o

seu blusão, e a t-shirt que rasgou em tiras com as quais envolveu o pé da rapariga, voltando

a calçar-lhe o sapato de desporto após ter terminado a tarefa.

- Aproxima-se alguém! - avisou Rita entredentes, avistando dois vultos que pareciam

dirigir-se para aquele local.

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- Para baixo do arbusto, ...depressa - ordenou, sem perder o sangue-frio, ajudando as

companheiras a esconderem-se.

- Onde vais? - indagou Cláudia vendo que ele não se lhes juntava.

- Silêncio! - pediu, subindo a uma árvore ali mesmo ao lado.

De cima do ramo sobre o qual se encontrava sentado, Jorge podia facilmente observar

os movimentos do duo de malfeitores que rapidamente se acercavam daquele local. Os dois

homens pararam mesmo em frente do arbusto onde as duas raparigas se tinham escondido.

O estudante, com o calculismo e frieza habituais, atirou-se em voo sobre os intrusos,

deitando-os por terra. Primeiro puxou a pistola de um, agredindo-o depois com a coronha da

arma, deixando-o estendido inconsciente no chão, a sangrar da cabeça. Em poucos

segundos, Jorge, com um par de duros e exímios golpes de karaté dominou o segundo

segurança, deixando-o igualmente sem sentidos deitado sobre a relva molhada.

Chovia cada vez com mais intensidade, e a tempestade que o rapaz previra dirigir-se

para aquele local parecia estar no auge. Os trovões ribombavam incessantemente no silêncio

da noite, e os relâmpagos iluminavam o céu escuro quase sem interrupção. O jovem, pegou

no seu blusão completamente encharcado, enfiando-o por cima do tronco nu. Em seguida,

aproximou-se do arbusto onde as duas raparigas permaneciam abrigadas.

- Podem sair, ...já passou o perigo - disse, ajudando Cláudia a levantar-se, e

agarrando-a ao colo.

- Não é preciso isso... - protestou a companheira, rindo divertida da situação.

- Não há tempo a perder! - argumentou Jorge - Se estes dois vieram cá fora, é porque

devem desconfiar de algo, e por isso não tardarão aí mais uns quantos... - advertiu ainda -

Segue-me sempre o mais agachada possível... - pediu depois, falando para Rita, que pela

sua cara de poucos amigos continuava amuada.

Jorge, fez por ignorar a expressão da colega, começando a correr velozmente,

levando Cláudia ao colo, e fazendo sinal à rapariga para que o seguisse. O pequeno grupo de

fugitivos seguiu sempre por entre as inúmeras árvores do jardim da propriedade, alguns

instantes mais tarde encontravam-se albergados debaixo do amplo telheiro que servia de

guarida às diversas viaturas de Enrique, bem como ao Ford Escort Rs Cosworth do

prisioneiro.

- Dêem-me só um segundo... - pediu, aproximando-se do Mercedes negro estacionado

mesmo ao lado do seu desportivo.

O impassível sujeito, com uma tranquilidade impressionante, abriu o capôt do

automóvel, voltando a fechá-lo depois de lhe ter subtraído uma peça, e alguns cabos. Em

seguida, repetiu a mesma operação, primeiro com o segundo Mercedes, e segundos depois

com o espantoso Ferrari vermelho.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

132

- Jorge, ...depressa vêm aí cinco gajos! - gritou Rita quase em pânico, antes mesmo

do jovem ter tido tempo para concluir a operação, apontando para o grupo de indivíduos que

corria naquela direcção com lanternas numa mão, e as metralhadoras na outra.

- Só um segundo... - pediu ele, olhando rapidamente para o local que a colega lhe

apontava, e concluindo que ainda teria tempo para concluir a sabotagem - Já está! -

exclamou por fim, precipitando-se para o interior do carro, quando o grupo de malfeitores

estava já bastante próximo - Baixem-se! - gritou, ao mesmo tempo que os primeiros tiros

disparados pelos homens atingiram a carroçaria do veículo.

Sem perder o sangue-frio, o jovem colocou o motor em funcionamento, arrancando

ainda mais bruscamente do que era hábito, dando depois uma guinada no volante quando

seguia já a uma velocidade considerável, na direcção dos perigosos atiradores, que quase

por milagre se conseguiram desviar do veloz automóvel. Jorge seguiu depois pelo estreito

caminho que conduzia ao portão da propriedade, ao mesmo tempo que os cinco seguranças

tentavam em corrida perseguir o Ford vermelho.

- Agarrem-se bem! - gritou uma vez mais Jorge, quando o pesado portão lhes surgiu

pela frente.

O estudante de Direito, sem hesitar carregou ainda mais no pedal do acelerador,

embatendo estrondosamente no portão, que no mesmo instante se abriu de par em par

saltando dos eixos, sendo mesmo arrastado pelo carro durante algumas dezenas de metros.

- És completamente louco! - repreendeu-o Cláudia, quando o rapaz entrava em slide

noutra estrada - Tu és um perigo! - observou por fim.

- Ai é!? Então repara... - disse rindo, ao mesmo tampo que sem avisar puxou o travão

de mão e virou o volante para a esquerda.

Com o asfalto completamente encharcado, de imediato a potente viatura entrou em

pião, ficando virado em sentido contrário. Rapidamente, Jorge engrenou a marcha-atrás,

repetindo a mesma manobra que fizera segundos antes, voltando a colocar o carro na

direcção inicial, prosseguindo a marcha.

- Tu és mesmo doido! - continuou a rapariga, abanando a cabeça em sinal de

reprovação - E se eles viessem atrás de nós?

- Não vêm... - respondeu Rita secamente, abrindo a boca pela primeira vez desde que

haviam escapado aos captores - ...pelo menos de carro! - concluiu, mostrando os cabos e as

peças que o colega surripiara aos carros de Enrique, deixando igualmente escapar um tímido

sorriso.

- És um génio, pensas em tudo! - elogiou Cláudia, dando-lhe uma palmada amigável

nas costas - Mas fizeste um belo trabalho, não haja dúvida, o pára-brisas está todo estalado,

espelhos nem vê-los, e a frente deve estar toda amassada.

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- Azar... - limitou-se a responder o jovem, não dando a menor importância aos

estragos...

Passavam poucos minutos das três e meia da manhã, quando o automóvel vermelho

passou a grande velocidade sobre o tabuleiro da Ponte 25 de Abril, seguindo para Este em

direcção à auto-estrada do norte. Jorge, começava a sentir arrepios de frio, e as roupas

encharcadas só acentuavam o desconforto. A seu lado, Rita parecia ter cedido ao cansaço, e

adormecera. O mesmo teria certamente sucedido com Cláudia, enroscada no assento

traseiro pois há já um bom pedaço que se mantinha em silêncio...

...

- Ei, meninas, ...acordem! - pediu Jorge, desligando o potente motor do Ford Escort Rs

Cosworth - Vá lá, não sejam preguiçosas... - prosseguiu, abrindo também a porta do

automóvel.

Primeiro Cláudia, depois Rita, as duas raparigas deram sinais de vida. Somente ao

cabo de algumas tentativas o jovem conseguiu despertar ambas.

- Onde estamos? - indagou ainda ensonada a companheira dos cabelos louros,

desconhecendo em absoluto o local onde se encontravam.

- Estamos em Santarém... - revelou enfim o estudante, ajudando a enferma a sair do

veículo - Ainda temos umas duas ou três horas de viagem, por isso achei boa ideia pararmos

aqui. Tomamos um duche, vestimos roupas secas, descansamos um bocadinho, e depois

seguimos - concluiu.

- Esplêndida ideia! - aprovou a jovem de pronto.

Jorge pegou em Cláudia, transportando-a ao colo até ao elevador. Em seguida, os três

fugitivos aguardaram até que o elevador os levasse até ao nono andar. Por fim o anfitrião

empurrou a porta de entrada do seu luxuoso apartamento, auxiliando mais uma vez a

companheira a deslocar-se.

- É aqui que vives? - indagou algo surpreendida, ao que o jovem correspondeu com

um sinal afirmativo - Que bela casa... - observou, enquanto se deixava conduzir até um dos

quartos de dormir.

- Podes ficar já aqui. - decidiu Jorge, pousando-a sobre a cama - Depois de trocares

de roupa eu vejo melhor o teu pé - declarou o rapaz, apontando para o tornozelo inchado,

encaminhando-se em seguida para a saída - Se precisares de alguma coisa, é só chamares -

acrescentou ainda, fechando por fim a porta.

De imediato o anfitrião foi em busca da colega que permanecia na entrada do

apartamento com uma expressão carrancuda.

- Ainda estás chateada comigo? - indagou aproximando-se dela, e abraçando-a com

ternura.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

134

Rita não parecia porém na disposição a perdoar a traição do companheiro, afastando-

o energicamente. Perante nova investida do estudante, a rapariga presenteou-o com uma

violenta estalada na face que o deixou atónito.

- A resposta parece-me óbvia... - gracejou Jorge, em tom de brincadeira.

- És um canalha... - insultou Rita, tentando agredi-lo de novo - Porque não voltas para

junto daquela cabra? - sugeriu furiosa.

- Então Rita, acalma-te... - pediu Jorge, tentando chamá-la à razão - ...assim não

resolves nada. Estás muito tensa... Um duche vai ajudar-te a aclarar as ideias... - aconselhou

o anfitrião, abraçando-a de novo.

- Larga-me, não quero nada contigo, ...és um filho da puta! - gritou a rapariga

empurrando o companheiro - Vai lá ver o pézinho da víbora que eu viro-me sozinha, não

preciso de ti para nada, ...traidor! - findou, correndo para o quarto de dormir contíguo àquele

em que se encontrava Cláudia.

Jorge optou por deixar a colega sozinha. Apenas ao cabo de alguns segundos se

recompôs, dirigindo-se perplexo para os seus aposentos que ficavam no piso superior,

tentando em vão descobrir uma explicação para a atitude agressiva da colega. Embora

compreendendo que Rita pudesse estar algo ressentida com consigo, Jorge ficou algo

magoado com as últimas palavras proferidas pela colega, pois não conseguiu encontrar uma

justificação para aquele comportamento.

Após um rápido duche e depois de ter trocado de roupa, o rapaz retornou ao piso

inferior do apartamento, parando junto à porta do mesmo quarto onde Rita se refugiara após

a acesa discussão entre ambos. A rapariga estaria por certo no duche, pois Jorge conseguia

escutar o som de água corrente vindo do quarto de banho. O anfitrião encaminhou-se então

para o quarto contíguo, observando através da frincha da porta entreaberta, a atraente

companheira dos cabelos louros que acabava de se sentar sobre a descomunal cama,

trazendo um toalhão de banho enrolado à volta do seu corpo sensual.

- Posso? - perguntou, abrindo totalmente a porta, penetrando na dependência após

um sinal afirmativo da rapariga - Como está o pé? - indagou depois, chegando junto dela.

- Dói-me bastante... - confessou Cláudia, deixando que o jovem lhe examinasse o

tornozelo.

- Está um pouco inchado, mas não deve ser nada de grave. Continuo a achar que está

apenas torcido... - disse, repetindo o diagnóstico anterior - Se dentro de dois dias ainda

tiveres dores, então levo-te ao hospital - prosseguiu apalpando cuidadosamente a zona

magoada...

- Ai! - queixou-se a enferma - Essa doeu!

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- É melhor por uma ligadura... - decidiu Jorge, encontrando uma na gaveta da cómoda,

que depois foi enrolando à volta do pé da rapariga.

- Também és enfermeiro?

- Não, mas como pratico karaté aprendi a avaliar, algumas lesões que por vezes

acontecem connosco, luxações, rupturas, torções, ou às vezes mesmo fracturas. Para tratar

entorses, na maior parte dos casos basta ligar o pé e pôr um pouco de gelo - Pronto, já está.

Agora não deves andar, nem mesmo apoiar-te nesse pé - terminou, calçando uma meia de

algodão por cima da ligadura.

- És um amor - agradeceu Cláudia premiando-o com um beijo na face.

- Escolhe qualquer coisa do armário para vestires, enquanto eu vou fazer um café

quente - anunciou o anfitrião dirigindo-se para o corredor.

Jorge preparava-se para colocar água a aquecer quando Rita entrou na divisão,

envergando igualmente roupas secas. Algo envergonhada a colega sentou-se numa cadeira,

mantendo-se em silêncio. Jorge, embora ainda um pouco magoado com as palavras que a

rapariga proferira minutos antes optou por não mencionar o assunto, pousando a cafeteira a

escaldar sobre a mesa.

- Bebe um café... - sugeriu, passando-lhe uma chávena.

- Obrigado... - respondeu Rita timidamente, deitando duas colheres de café solúvel na

caneca, juntando depois uma porção de água quente, ao mesmo tempo que a cabeça de

Cláudia assomou à entrada da cozinha.

O anfitrião dividiu com as duas raparigas um saco de biscoitos de canela, que os três

acompanharam com a reconfortante bebida.

- É melhor irmos - decidiu Jorge consultando os ponteiros do seu relógio de pulso -

São quase quatro e meia, e ainda teremos entre duas e três horas de viagem - completou

ainda, arrumando cuidadosamente a loiça no interior da máquina de lavar...

Poucos minutos depois, e após ter ainda escolhido alguns agasalhos e outras peças

de vestuário que arrumou dentro de um saco de desporto, já na garagem subterrânea do

edifício de apartamentos o jovem instalou ambas companheiras no Rover preto. Em seguida

aproximou-se do seu Ford Escort Rs Cosworth examinando com atenção os consideráveis

estragos na viatura.

- Que merda! - suspirou não muito satisfeito - Mesmo assim não é tão mau como eu

esperava... - acrescentou também, pensando em voz alta.

Por fim, juntou-se às duas raparigas, rodando a chave na ignição, e conduzindo com

serenidade o veículo para o exterior da garagem...

...

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

136

- Não façam barulho... - pediu Jorge, fechando a porta do automóvel com mil cuidados

- Não quero que elas acordem, porque senão nunca mais me deixam dormir! - concluiu

bocejando repetidas vezes.

- És um sortudo... - observou Cláudia caminhando apoiada no jovem até ao alpendre

da habitação - Que sítio magnífico!

- Já nem consigo enfiar... - riu-se o anfitrião, ignorando o comentário da rapariga, ao

mesmo tempo que tentava sem sucesso enfiar a chave na fechadura - Porra que está um

briol do caraças! - murmurou entredentes, tiritando por causa do intenso frio que se fazia

sentir.

O estudante conseguiu enfim abrir a porta de entrada da habitação, deixando que as

duas companheiras entrassem em primeiro lugar, e trancando-a depois atrás de si...

Passavam dez minutos das sete da manhã, quando o jovem estudante de Direito se

enrolou finalmente nos acolhedores lençóis da sua cama. Embora completamente extenuado,

Jorge demorou ainda algum tempo até adormecer, recordando por instantes os

acontecimentos vividos nessa mesma noite. Ao cabo de dez minutos no entanto, todos

dormiam profundamente.

...

- Isabel! Isabel! - chamou alguém, abanando o corpo da rapariga.

- Deixa-me dormir... - pediu ela com voz rouca.

- Vá lá, não sejas preguiçosa, acho que tenho boas notícias... - insistiu a personagem

com grande ansiedade.

- Que queres, ...Sofia? - indagou Isabel, abrindo por fim os seus olhos azuis, e fitando

a rapariga que a despertara.

- Vem ver uma coisa... - pediu, quase arrancando a outra da cama, conduzindo-a até à

sala da estar - ...chega aqui à janela... - continuou com uma expressão misteriosa.

- Então nevou, e depois, ...qual é a novidade... - disse a anfitriã, contemplando através

da janela o manto branco que cobria tudo ao redor.

- Não é isso palerma - interrompeu Sofia - Olha ali... - prosseguiu apontando na

direcção do BMW coupé em que tinham chegado até ali - ...aquele Rover preto, não é do teu

irmão? - indagou por fim.

- Achas que...? - sugeriu Isabel, não terminando a frase e correndo até ao quarto de

dormir do rapaz.

Em seguida, abriu a porta com cuidado, constatando felicíssima que Jorge se

encontrava tranquilamente deitado na sua cama.

- Então? - indagou Sofia chegando junto a ela.

- Dorme que nem um bebé...

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- Espera, ...onde vais? - indagou a recém chegada, puxando Isabel não permitindo

que ela entrasse no quarto - Ele deve ter chegado muito tarde, e por certo está cansado, ...é

melhor deixarmo-lo dormir até lhe apetecer.

- Tens razão - concordou - Será que ele conseguiu libertar a Rita? - perguntou-se

ainda.

- Só há uma maneira de saber... - sugeriu a companheira.

As duas raparigas desceram então as escadas evitando fazer barulho, parando ambas

junto porta da primeira dependência.

- Então?

- Não sei, mas aquela não é a Rita!... - afirmou Isabel, espreitando pela frincha da

porta entreaberta, deixando que Sofia pudesse também observar o vulto que estava deitado

na cama.

- Que estão a fazer!? - indagou Joana, chagando sorrateiramente junto delas.

- O meu irmão já voltou...

- Ai sim...? - fez a recém-chegada.

- Ele ainda está a dormir, e por isso não o quisemos acordar... - principiou Sofia - Mas

estávamos curiosas se ele tinha conseguido libertar a Rita...

- E então resolvemos pesquisar... - confessou Isabel.

- Só que aquela moça que ali está não é a Rita... - completou a colega dos cabelos

castanhos, deixando que Joana espreitasse também para o interior da dependência.

- Tens razão - concordou a recém chegada - Mas se não é a Rita quem será? E onde

está a Rita?

- Pode estar no quarto ao lado do teu... - sugeriu a irmã de Jorge, seguindo as outras

duas...

- Despacha-te! - pediu Sofia, agachando-se junto da colega, que cautelosamente abria

a porta, tentando apressá-la - Então, é ela? - indagou, logo que a primeira se voltou para trás.

- Apesar de estar um bocado escuro parece-me que sim, mas...

- Afinal é ela ou não? - indagou - Deixa-me ver - disse espreitando igualmente para o

interior divisão - É a Rita... - confirmou depois.

- Nesse caso resta-nos saber quem é a outra fulana.

- Tenho a leve impressão que para isso ainda vais ter de esperar, ...um bom bocado -

gracejou Joana.

- Parece-me que tens razão - confirmou Sofia, voltando a fechar a porta do quarto

onde Rita repousava.

- Então, é melhor irmo-nos arranjar - sugeriu Isabel, afastando-se das duas

companheiras em direcção ao piso superior.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

138

Segundos mais tarde, a rapariga voltou a entrar nos seus aposentos. Logo após

pegou numa enorme toalha de banho, entrando no quarto de banho, e fechando a porta atrás

de si. Isabel demorou-se cerca de vinte e cinco minutos, regressando com o mesmo toalhão

enrolado à volta do corpo. De súbito, o seu olhar fixou-se num pedaço de papel depositado

sobre a mesinha de cabeceira com o seu nome inscrito. Ela reconheceu de pronto a letra do

irmão, desdobrando a folha de caderno sem mais delongas, lendo rapidamente as escassas

linhas que Jorge lhe dirigira:

"Isabel, cheguei esta madrugada, já passava das sete da manhã. Consegui libertar a Rita, e também trouxe

uma rapariga chamada Cláudia que estava prisioneira dos bandidos. Estamos todos bem, mas muito cansados. Peço-te

que nos deixem dormir à vontade.

Um beijo.

Jorge. "

Isabel, escolheu finalmente uma toillette, vestindo-se logo depois. Em seguida, foi

procurar as duas companheiras...

- Olhem o que eu achei na minha mesa de cabeceira... - começou, entrando na

cozinha.

No entanto, Sofia e Joana encontravam-se acompanhadas por uma personagem que

ela não conhecia, embora tenha deduzido que se tratasse da rapariga que Jorge tinha

libertado das garras dos vis captores.

- Esta é a Cláudia! - apresentou Joana.

- Olá, eu sou a Isabel... - disse a recém chegada cumprimentando Cláudia com um

aperto de mão.

- Ela estava a contar-nos como conseguiram fugir - explicou Sofia - ...mas continua -

pediu ainda.

- Deves ter muito orgulho no teu irmão, ...ele é um génio! - principiou a outra elogiando

Jorge, ao que Isabel correspondeu com um sorriso.

- Continua... - insistiu Joana.

- Bem, ... então, depois de eu ter torcido o pé, ele rasgou a camisola, e ligou-me o

tornozelo. Entretanto, apareceram dois fulanos, e o Jorge em três tempos tratou-lhes da

saúde. A seguir, agarrou-me ao colo, e corremos até ao telheiro onde estavam os carros. A

seguir, enquanto eu e a Rita entrávamos para o Ford, ele sabotou todos os outros carros, até

um Ferrari. Mas de repente, apareceram cinco gajos a correr. Nessa altura, o Jorge entrou no

carro e arrancou. Foi quando eles começaram aos tiros. Mas o Jorge nem hesitou e passou

por eles sem abrandar, aliás até os tentou atropelar. Por fim, ... à saída... o teu irmão é

completamente doido... - fez a jovem abanando a cabeça na direcção de Isabel, enquanto

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bebia um gole de café - ...bem, ...à saída, levou o portão na frente. Deu cá um tratamento ao

carro... E depois, a loucura maior foi que logo ali ainda se meteu a fazer piõezinhos. Então,

antes de virmos para aqui passamos também por Santarém. Tomamos um duche, vestimos

roupas secas, bebemos um café quente, e viemos embora. Como o outro carro ficou um

bocado mal tratado, ele resolveu trazer este.

- Conta lá à Isabel como é que fugiram dos quartos! - pediu Sofia.

- Não sei bem, mas o teu irmão criou um estratagema para sabotar a luz da mansão, e

conseguiu também interferir no sistema de segurança da casa...

- Os gajos tinham câmaras para vigiarem tudo aquilo que eles faziam - explicou Joana.

- Como eu estava a dizer, o Jorge arranjou maneira de quando fugisse eles ficarem a

ver imagens dele e da Rita a dormir, ele é um génio...

- Parece-me que começo agora a compreender aquela história do Macgyver e do

Houdini! - observou Joana falando para a anfitriã.

- Quem!? - indagou Cláudia, não compreendendo absolutamente nada.

- A Isabel disse-nos no dia em que nós fomos apanhadas, depois do Jorge nos ter

libertado, que ele conseguia ser tão bom ou melhor que o Macgyver, e que sem ser o Houdini

já fez milagres do género.

- O Jorge tem um período na sua vida em que andou muito afastado de Deus -

confidenciou Isabel - Nessa altura ele conseguiu proezas dignas de um super herói.

- Não queres contar-nos - pediu Cláudia, ficando subitamente bastante interessada

nos feitos do jovem.

- Lamento, mas não posso. O Jorge não sabe sequer que eu tenho conhecimento

desse assunto, pois foi a mãe dele quem me contou... - revelou a rapariga - ...mas felizmente

ele conseguiu emendar-se a tempo, e hoje isso já pertence ao passado. No entanto, o meu

irmão, fez muitas coisas das quais por certo não se orgulhará, a não ser no aspecto de que

realmente conseguiu feitos incríveis.

- Quem é que conseguiu feitos incríveis? - indagou Jorge, entrando de surpresa na

divisão.

- Tu! - apressou-se a responder Isabel, indo abraçar o "irmão" - A Cláudia estava a

contar-nos as tuas proezas...

- Segundo nos contou a Cláudia, andaste a fazer de Macgyver, e saíste-te tão bem

quanto o original...

- Ela é uma exagerada... - principiou - ...mas modéstia à parte, até nem foi muito

difícil... - revelou Jorge, cumprimentando ambas as colegas com um beijo - Para ser sincero,

estive a pensar, e acho mesmo que foi tudo demasiado fácil... - observou, fitando Cláudia nos

olhos - ...começo a desconfiar se não quiseram que fugíssemos. Só não consigo

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

140

compreender porquê. Que te parece? - perguntou finalmente, dirigindo-se para a

companheira de fuga.

- Talvez tenhas razão... - concordou a rapariga - Embora tenhas conseguido enganar

as câmaras, e isso é uma grande vantagem... - acrescentou ainda.

- Estás a ser paranóico... - tranquilizou-o Isabel - Está tudo bem, e isso é que

interessa.

- És capaz de ter razão... - admitiu Jorge, apesar de não parecer totalmente

convencido - Bem, uma vez que já não é preciso apresentar-vos, vou tomar um duche! -

anunciou, fazendo menção de abandonar a cozinha - Ah, já me esquecia... - disse, voltando

atrás - ... como está o teu pé? - questionou, falando de novo para Cláudia.

- Bastante melhor... - respondeu a jovem, deixando que o rapaz pudesse examinar o

tornozelo magoado - ... hoje até já quase nem tenho dores - acrescentou depois.

- Como te disse ontem, é apenas uma pequena entorse, o inchaço já desapareceu, e

mais dois ou três dias já podes andar normalmente - concluiu ele, dirigindo-se por fim para

fora da dependência.

Antes porém de regressar aos seus aposentos, Jorge resolveu ir despertar Rita. Uma

vez diante da porta, deu algumas pancadas suaves na madeira, não obtendo no entanto

qualquer resposta. Em seguida, entrou silenciosamente no quarto, ajoelhando-se ao lado da

cama.

- Rita, estás acordada? - inquiriu aproximando-se um pouco mais da colega - Rita! -

chamou, passando-lhe a mão pela pele suave do rosto - Rita, acorda! - insistiu beijando-a

também na face.

- Deixa-me dormir - resmungou ela, tentando afastá-lo.

- Vá lá, não sejas chata, levanta-te - continuou Jorge, não desistindo dos seus intentos

- Não tens vergonha? Um dia tão lindo lá fora e tu na cama, ...anda, toma um duche, e veste-

te enquanto eu vou fazer o mesmo.

- Tenho sono, não chateeis!

- Eu já venho... - disse, dirigindo-se para o exterior da divisão - ...e quando voltar,

quero-te pronta, senão... - avisou em tom de brincadeira, fechando a porta atrás de si.

Tinham decorrido aproximadamente vinte minutos desde que o jovem estudante de

Direito abandonara o quarto de dormir onde se encontrava Rita. Quando regressou,

encontrou a colega ainda deitada, confortavelmente enroscada entre os inúmeros cobertores

que lhe serviam de aconchego. Com efeito, após Jorge ter fechado a porta do quarto, Rita

virara-se para o outro lado, e adormecera de novo.

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- Se não te levantas a bem, eu trato de te convencer... - disse fingindo-se duro,

tentando mais uma vez despertar a rapariga - Então, decides-te ou não - continuou, quando

ela abriu os olhos.

- Tu!? Outra vez!? Deixa-me em paz, quero dormir! - refilou Rita, escondendo a

cabeça debaixo dos lençóis.

- Não, desta vez só saio daqui quando te levantares - argumentou o anfitrião,

envolvendo o corpo da colega mesmo por cima dos cobertores - Olha que eu recorro à

tortura! - ameaçou fazendo uma expressão séria.

- Não serias capaz...

- Não me tentes... - retorquiu Jorge, beijando-a com ternura nos lábios.

Rita não se ficou correspondendo ao gesto de afecto do companheiro, trocando um

carinhoso beijo.

- Tortura-me outra vez! - pediu Rita, recobrando o fôlego, apertando o tronco do rapaz

de encontro ao seu - Amo-te! - acrescentou igualmente, retomando o apaixonado beijo.

- Também te amo... - retribuiu Jorge, deixando-se conduzir pela atmosfera palpitante

daquele momento de paixão...

- Rita, já estás levanta... Mas... - principiou Joana entrando de surpresa no quarto -

Não interrompi nada, pois não? - indagou a rapariga com ar de troça, perante o embaraço dos

dois jovens que de imediato se separaram.

- Ah, não, ...não interrompes nada, nós estávamos só a... - balbuciou Rita, não

conseguindo encontrar desculpa alguma.

- Eu sei, estavam a fazer exercícios de respiração boca a boca... - observou

mordazmente a intrusa, rindo divertida pelo flagrante que dera nos colegas.

- Mas vinhas a quê? - inquiriu Jorge recuperando o discernimento.

- A tua irmã pediu-me para acordar a Rita, ...mas parece-me que já não é necessário!

- Concordo plenamente! - correspondeu o rapaz, rebatendo o comentário pouco puro

de Joana.

- Nesse caso, estou a mais... - concluiu ela, encaminhando-se para o exterior - ...até

já! - acrescentou, dobrando a porta.

- Espera! Eu vou contigo... - ofereceu-se Jorge, acompanhando a atraente colega, ao

mesmo tempo que piscava o olho a Rita.

Jorge seguiu Joana até à cozinha, onde Isabel, Sofia e Cláudia se ocupavam do

almoço. Enquanto a irmã cortava as batatas já descascadas em pequenos cubos, Cláudia

desfiava cuidadosamente algumas postas de bacalhau previamente demolhadas.

- Então, que temos para o almoço? - indagou o rapaz, entrando na divisão, e

espreitando o conteúdo do tacho que cozinhava sobre o fogão, sob o olhar atento de Sofia.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

142

- Este é ao contrário... - antecipou-se Joana - ...primeiro come a sobremesa, e depois

é que pergunta pela ementa... - findou, perante o olhar de interrogação das companheiras, à

excepção de Jorge que corou de imediato.

- Que se passa? - questionou Sofia, observando atentamente o colega - Sentes-te

bem Jorge? Estás tão vermelho...

- Ele está bem, não se preocupem... - atalhou Joana entrando com ele uma vez mais,

recebendo por isso um olhar fulminante do rapaz - ...é só falta de fôlego! - acrescentou em

seguida, ignorando os repetidos gestos do colega.

As restantes raparigas não puderam deixar de rir com a insolência de Joana, e

compreenderam de imediato a mensagem, trocando entre si olhares de troça.

- Posso ajudar em alguma coisa? - ofereceu Jorge, cada vez mais comprometido,

tentando a todo o custo mudar o assunto da conversa.

- Podes ir pôr a mesa, se não te importares... - sugeriu Isabel, para alívio do "irmão"

que viu naquele pedido uma oportunidade para se escapar a um ambiente pouco confortável,

sem ser forçado a uma retirada estratégica.

...

- Estava divinal! - aplaudiu Jorge, engolindo com prazer o último pedaço do apetitoso

Bacalhau com Natas, que a irmã confeccionara junto com Cláudia e as suas colegas de

estudos - Passamos directamente ao café, ou há alguma sobremesa? - perguntou ainda.

- A Sofia ontem fez uma salada de frutas, serve? - declarou Isabel.

- Perfeitamente! - aprovou o anfitrião - Deixa, que eu vou buscar... - disse, recolhendo

rapidamente a louça suja, e desaparecendo da sala de jantar em direcção à cozinha.

O anfitrião regressou volvidos alguns instantes, trazendo consigo um recipiente de

vidro no qual fora preparada a sobremesa, que posou sobre a mesa. Em seguida, distribuiu

também as taças e respectivas colheres pelas cinco companheiras, servindo-as

sucessivamente com todo o requinte, tentando imitar os gestos que observara no mordomo

de Enrique Escobar.

- Oh!... Bravo Ambrósio!... - agradeceu Joana, tentando meter-se com ele mais uma

vez.

- Não tem de quê, ...senhora! - gracejou o rapaz, correspondendo ao comentário da

colega.

Sempre bastante animados, terminaram a sobremesa, bebendo o café que Jorge mais

uma vez voluntariosamente se ofereceu para fazer. Por fim, dividiram pelos seis as tarefas de

levantar a mesa e arrumar a loiça na máquina de lavar.

Em seguida instalaram-se na sala de estar, vendo televisão e contando uns aos outros

as aventuras vividas nos últimos dias. Primeiro, Jorge relatou à irmã, e às duas colegas todas

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as peripécias da estadia, ainda que curta, na luxuosa mansão de que era proprietário o vil

Enrique Escobar. Rita e Cláudia escutavam com atenção, interrompendo-o de quando em vez

para acrescentarem algum pormenor que o rapaz esquecera. Após o jovem ter terminado a

sua narração, foi a vez de Sofia e Joana contarem resumidamente todos os acontecimentos

desde o momento em que Jorge as deixara na Área de Serviço da auto-estrada em

Santarém. Isabel encarregou-se depois de explicar o que tinham feito desde que ali haviam

chegado.

- Já levaste as nossas convidadas à Torre? - perguntou Jorge à irmã quando esta

concluiu o seu relato, ao que a rapariga correspondeu com um sinal afirmativo.

- Estivemos lá ontem de tarde... - explicou Joana - Porque não vão vocês? - lembrou,

ainda.

- É uma excelente sugestão - concordou o rapaz, ao mesmo tempo que nas suas

costas a colega fazia sinais a Cláudia, pedindo-lhe para que não fosse - Queres ir? -

questionou o anfitrião.

- Adorava... - principiou a rapariga - ...mas com o pé assim, talvez não seja boa ideia.

Fica para outra vez!... - acrescentou depois, fingindo-se desapontada.

- E tu Rita, queres vir comigo - instou, com um brilho especial nos olhos.

- Vai... - aconselhou Sofia - ...tu sempre quiseste ver neve! Ora aí tens a tua

oportunidade.

- Está bem! - aceitou a jovem, juntando-se ao colega, que procurava no armário da

entrada as botas que habitualmente usava quando nevava.

- Ora cá estão elas! - exclamou sorridente, calçando-as num instante - Nós não nos

demoramos nada! - disse, conduzindo depois a acompanhante para o pátio coberto de neve.

- Obrigado por não teres aceite... - agradeceu Joana, falando para Cláudia logo que

Jorge fechou a porta de entrada - Assim os pombinhos podem estar à vontade! - concluiu

rindo.

- Era por isso que te estavas a meter com o meu irmão á hora de almoço? - indagou

Isabel, acomodando-se no chão mesmo em frente da lareira.

- Havias de ter visto aquilo que eu vi... - confidenciou, relatando minuciosamente às

companheiras o flagrante que dera nos colegas na manhã desse mesmo dia...

...

Entretanto, nesse mesmo momento, Jorge e Rita instalavam-se nos assentos do

Rover 620i preto. Em seguida, com grande tranquilidade, o jovem rodou a chave na ignição, e

libertou a alavanca do travão de estacionamento antes de engrenar a marcha-atrás. Depois,

com igual serenidade manobrou o automóvel para fora do telheiro. Quando se preparava para

arrancar em direcção ao portão, o motor do veículo soluçou e deixou de se ouvir.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

144

- Azelha! - riu-se Rita, percebendo pela expressão do colega que a asneira fora

cometida por si.

- É o motor que ainda está frio! - justificou-se o rapaz, carregando duas vezes o pedal

do acelerador até ao fundo, iniciando a marcha logo após, conduzindo a viatura até á estrada

principal que passava a curta distância dali.

Por fim, Jorge tomou o caminho que conduzia até ao cume da Serra da Estrela, cujo

lugar era conhecido por Torre, por nele ter sido erguido uma torre artificial com nove metros

de altura, que somados aos mil novecentos e noventa e um da Serra perfaziam um total de

dois mil metros exactos de altitude. A viagem não demorou mais que quinze minutos, apesar

mesmo do piso se encontrar um tanto escorregadio, por causa da neve que se acumulara

sobre o asfalto. Por fim, Jorge estacionou o seu estupendo Rover negro, junto a um grupo de

outros carros.

- Que grande confusão! - observou Rita, libertando o fecho do cinto de segurança, ao

mesmo tempo que contemplava a multidão que circulava em torno das cerca de três dezenas

de barracas dispostas ao acaso.

- Hoje é feriado, depois mete-se o fim-de-semana, e o pessoal aproveita para cá dar

uma saltada... - explicou Jorge, saindo do automóvel - ...eu faço isto muitas vezes, dá-me na

cabeça, e venho com a Isabel passar o fim-de-semana à Serra - acrescentou também - Bem,

podemos começar por dar uma voltinha pelas barracas, que te parece? - indagou.

Rita aceitou de bom grado a sugestão do companheiro, acenando com a cabeça em

sinal afirmativo. Os dois jovens deram então as mãos, e o apaixonado par misturou-se na

pequena multidão de turistas, percorrendo também uma a uma as várias tendas de venda de

recordações e produtos tradicionais da região.

- Prove menina... - convidou uma vendedora, quando os dois se aproximaram da sua

barraca - ...este é o verdadeiro Queijo da Serra, não é daquelas imitações sem qualidade que

vendem aí nos supermercados - disse, cortando com destreza uma fatia de amostra que

ofereceu a Rita.

- É excelente! - aprovou a rapariga deliciada - Queres um pouco? - perguntou ao

companheiro, dividindo com ele a pequena fatia.

- Dos melhores que tenho saboreado... - observou Jorge, igualmente agradado com o

paladar do nobre queijo - Arranje-me um, ...por favor! - pediu, puxando prontamente da

carteira.

O jovem esperou serenamente enquanto a vendedora pesou e embrulhou

cuidadosamente o artigo solicitado. Em seguida, Jorge pagou o queijo, afastando-se com Rita

em direcção à tenda seguinte, que ao invés da primeira exibia uma variedade apreciável de

enchidos dependurados numa trave de madeira. A disposição dos artigos, bem como a

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decoração da própria barraca, ainda que bastante simples, tentava recriar um ambiente

semelhante ao dum fumeiro tradicional. Jorge começou por examinar atentamente alguns

chouriços, virando-os, e revirando-os várias vezes, enquanto o comerciante atendia um outro

casal.

- Vejo que o senhor é entendido... - observou o indivíduo, com um sorriso franco,

quando finalmente lhes deu atenção - Acertei?

- Mais ou menos... - redarguiu o rapaz rindo - ...o meu avô vivia aqui perto, e quando

eu era miúdo ensinou-me alguns truques... - explicou Jorge, escolhendo três chouriços

daqueles que examinara anteriormente.

- Se me permite... - principiou o vendedor, escolhendo um exemplar doutro grupo -

...estes são a minha especialidade, têm um paladar divinal... - disse, exibindo o chouriço - ...é

um pouco mais caro, mas afianço-lhe, ...é uma categoria de chouriço, não encontra mais

nenhum aqui na zona com esta qualidade!

- Aceito a sua sugestão - consentiu o estudante - E, que mais especialidades é que

tem? - indagou.

- Tenho estas morcelas, que são excelentes, sou eu mesmo que as faço, com carne

da melhor qualidade, e depois, tenho ainda umas farinheiras que o senhor não encontra em

lugar algum. Só eu faço farinheira desta maneira... - disse com orgulho.

- Adoro morcelas, quanto às farinheiras não sou lá muito adepto, não gosto da

farinha... - declarou o rapaz.

- Isso, é porque ainda não provou as minhas! - exclamou o comerciante - As minhas

não são umas farinheiras quaisquer, são feitas com muita carne, vinho, mas o segredo está

mesmo na quantidade, e no tipo de farinha que lhes meto. Eu asso-lhe uma, ...então, que

diz?

- Não é necessário, ...confio em si - respondeu ele, examinando o enchido que o

homem lhe passara para as mãos.

- Apalpe, vai ver que quase não encontra farinhas - garantiu o indivíduo.

- De facto, tem razão - concordou Jorge - Sendo assim, pese-me quatro chouriços dos

tais que me mostrou, três farinheiras, e três morcelas - decidiu por fim o rapaz - Queres levar

mais alguma coisa? - perguntou à companheira.

- Que tal um naco de presunto... - sugeriu Rita, pegando num enorme pedaço.

- Acrescente mais isto... - pediu rapaz sem hesitar, entregando o artigo ao

comerciante.

...

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

146

Já depois de terem comprado também uma apreciável porção de nozes e figos secos,

o parzinho de namorados parou defronte de uma barraca de artesanato, que comerciava

sobretudo artigos manufacturados em pele.

- Gostas? - questionou Jorge, mostrando à companheira um par de luvas castanhas

em pele de carneiro.

- São tão fofinhas... - respondeu Rita, enfiando uma na mão esquerda - ...Uaaauuu, e

que quentinhas!

- Escusas de as tirar... - principiou o rapaz, procurando outro par igual - Essas são

para ti, e estas para mim! - decidiu, voltando a puxar da sua carteira - Quanto é que eu devo?

- perguntou ainda para ao homem já de idade avançada que sentado numa cadeira de

madeira unia habilmente dois pedaços de pele.

- És um amor - agradeceu a rapariga, premiando-o com um meigo beijo nos lábios -

Anda ali ver uma coisa... - pediu, quase arrastando o companheiro que guardava ainda o

troco que recebera das mãos do artesão.

Rita conduziu o colega em direcção a uma tenda que ficava quase ao lado. À

semelhança do espaço que haviam visitado antes, também ali se comerciavam artigos

manufacturados em pele, e que haviam lhe haviam despertado a atenção.

- Que te parece, ...gostas? - indagou ao colega, exibindo um conjunto de carteira,

porta-chaves, e porta-moedas.

- Adoro... - apreciou o jovem, examinando minuciosamente as três peças que

constituíam o conjunto.

- Nesse caso, ...levo! - decidiu a companheira abrindo a sua carteira - Agora é a minha

vez de te oferecer algo... - acrescentou ainda, entregando duas notas ao comerciante.

Jorge guardou cuidadosamente o presente de Rita juntando-o às compras que haviam

realizado até ao momento. Em seguida, deram de novo as mãos, circulando tranquilamente

entre os inúmeros parzinhos de namorados, que como eles haviam escolhido aquela mesma

tarde para um descontraído passeio na Serra completamente vestida de branco. De quando

em vez, os dois jovens trocavam um ou outro gesto de maior afecto, sempre rodeados por

uma pequena multidão de turistas.

- Queres alugar uns esquis para experimentares, ou preferes ir dar uma voltinha a pé?

- questionou Jorge, parando junto da última barraca daquele mercado improvisado.

- Em que é que estás a pensar?

- A minha ideia é fazer algum tempo para vermos o pôr do sol, que aqui de cima é

espectacular! - explicou, colocando a mão direita sobre os ombros da companheira.

- Então, talvez seja melhor darmos um passeio a pé, ...não te quero deixar ficar mal! -

respondeu Rita rindo, não muito segura das suas capacidades de esquiadora - Fica para

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outra vez... - adiantou ainda, passando também a sua mão esquerda à volta das costas do

colega.

Os dois jovens dirigiram-se então ao vistoso Rover negro, deixando os sacos das

compras que haviam efectuado cuidadosamente arrumados no espaçoso porta-bagagens do

automóvel. Em seguida, deram de novo as mãos, caminhando descontraidamente sobre a

espessa camada de neve, optando por se afastarem um pouco dos olhares indiscretos das

pessoas que se encontravam concentradas sobretudo em torno das diversas tendas que eles

tinham já visitado. A dada altura porém, quando passavam mesmo ao lado de uma área

completamente gelada, Jorge com astúcia deu um empurrão subtil à companheira, que de

imediato se estatelou no gelo escorregadio.

- Isto não fica assim! - gritou, tentando levantar-se, mas caindo de novo - Vais pagá-

las!...

- Aaaahhhh!... Aaaaaaaahhhhhh!... Aaaaaaahhhhh!... - ria Jorge, dando uma sonora

gargalhada de cada vez que a companheira escorregava no chão congelado -

Aaaaaaahhhhh!... Isto é de morrer a rir! - dizia, já quase com as lágrimas nos olhos de tão

hilariante que era a cena.

- Se te apanho nem sei que te faça... - ameaçou Rita, estatelando-se uma vez mais.

- Queres que te vá buscar? - ofereceu-se o jovem voluntariosamente.

- Não, eu consigo amanhar-me sozinha... - recusou convictamente - ...mas não deixes

que te apanhe, senão...

- É tudo uma questão de equilíbrio! - explicou Jorge, não conseguindo parar de rir,

vendo Rita dar mais uma queda - Não me digas que não és capaz... - continuou dando largas

à sua felicidade.

- Está bem, ganhaste, ...mas tira-me daqui, por favor - pediu a rapariga cedendo

finalmente, deixando-se ficar sentada no chão gélido.

- Está bem, mas tens que me prometer, que não tentas nada... - contrapôs o colega,

insolentemente.

- De acordo, ...prometo! - anuiu a companheira.

Jorge dispôs-se enfim a auxiliar a rapariga, saltando com destreza para aquele

pequeno lago gelado, e caminhando cautelosamente sobre o gelo escorregadio, resgatou

Rita transportando-a depois ao colo para a margem da poça congelada por causa das baixas

temperaturas.

- Engordaste, desde a última vez que te peguei ao colo!... - queixou-se o jovem

sorrindo com descaramento, pousando-a por fim em terra firme - Porra, já não tenho idade

para estas coisas! - disse depois, fingindo-se cansado.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

148

Rita porém não perdeu tempo a consumar a sua vingança. No mesmo momento em

que o colega a libertou, agarrou numa porção de neve, moldando uma bola, que atirou à cara

do camarada.

- Então, ...isso não vale, ...tu prometeste! - protestou Jorge, desviando-se por um triz

doutra porção de neve arremessada pela rapariga.

- Fiz figas, ...sabes o que é, ...não sabes? - questionou com sarcasmo, enquanto

modelava mais uma mão-cheia de gelo, apontando de novo à cara do colega.

- Se é guerra que queres... - começou Jorge enfiando as mãos na espessa camada

alva - ...então é o que vais ter! - exclamou, correndo atrás da parceira, tentando enfiar-lhe a

neve pelas costas abaixo.

- Está quieto, ...pára! Jorge, por favor páraaaaaaaaa!... - pediu Rita, soltando um grito

agudo quando os pequenos pedacinhos de gelo entraram em contacto com a sua pele -

Desta vez não há perdão, ...tens que ser severamente castigado! - declarou fazendo uma

expressão muito zangada, puxando compulsivamente o companheiro de encontro a si, e

beijando-o com doçura.

- Castiga-me mais! - exigiu Jorge, risonho - Sê má, ...maquiavélica, ...não tenhas

piedade!... - continuou, parecendo cada vez mais agradado...

...

- Vamos para baixo? - sugeriu Jorge, subindo o fecho do o seu blusão impermeável.

- Está bem... - concordou a acompanhante, contemplando encantada um último raio

de sol que desaparecia no horizonte distante - Jorge... - começou a jovem, deixando-se

conduzir até ao distinto Rover.

- Sim...

- Bem... - recomeçou Rita ainda a medo - queria agradecer-te esta tarde maravilhosa...

- Não tens que agradecer, isto não foi nada... - interrompeu o colega - ...sabes bem

que te adoro, e sou capaz de tudo para que a minha coisa linda esteja feliz! - declarou o

rapaz com um brilho especial nos olhos azuis.

- Deixa-me acabar por favor... - pediu a rapariga - Eu..., bem, ...eu quero pedir-te

desculpas por ontem à noite. Estava com ciúmes por estares a dar mais atenção à lambisgóia

do que a mim...

- Não tem importância... - desvalorizou Jorge - Já estavas perdoada, não precisavas...

- Mas eu ontem fui egoísta e disse coisas sem pensar, fui muito injusta contigo, e se

estiveres magoado comigo eu compreendo...

- Não te rales, ...eu entendo, ...estavas de cabeça perdida. Ás vezes também me

acontece, por isso sei como é... E além do mais eu também tenho culpa, porque deixei que

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pensasses que estava a dar mais importância à Cláudia... - retorquiu o colega, perdoando-a

de pronto - Vamos pôr uma pedra sobre o assunto, ...está bem? - acrescentou por fim.

Rita acenou com a cabeça em sinal de anuência, esperando que Jorge destrancasse

as portas do sublime Rover para depois entrarem em simultâneo. Logo que o ruído do motor

do automóvel se fez ouvir, o jovem iniciou vagarosamente a marcha, apanhando alguns

metros mais à frente a estrada que conduzia ao sopé da Serra.

Passavam poucos minutos das seis e meia da tarde quando o Rover negro cruzou

lentamente os portões da casa que servia de refúgio aos seis fugitivos procurados pela

organização de Enrique Escobar. A noite caíra fazia algum tempo, envolvendo tudo ao redor

numa sinistra escuridão. Jorge estacionou cuidadosamente a viatura, indo depois a correr

fechar o portão. Em seguida voltou para junto da colega, auxiliando-a com os diversos sacos

das compras que haviam trazido do passeio dessa tarde. Enfim, encaminharam-se ambos de

mão dada para a entrada da habitação, abrigando-se debaixo do pequeno alpendre enquanto

o anfitrião procurava a sua chave. Tal não foi no entanto necessário, pois volvidos apenas

alguns instantes Sofia veio abrir-lhes a porta, tornando a fechá-la logo que os dois entraram.

- A Torre devia estar o máximo! - começou a rapariga metendo-se com o recém-

chegado parzinho.

- Na verdade, ...um espanto! - retorquiu Jorge, fingindo-se desentendido - Aliás,

fartámo-nos de fazer compras... - acrescentou ainda.

- Trouxemos um queijo, um naco de presunto, quatro chouriços, três morcelas

enormes, três farinheiras, nozes, e figos... - enumerou Rita, à medida que tirava tudo para

cima da pequena mesa de centro da sala de estar.

- Então, estão à espera de quê!? - questionou o anfitrião indignado - Vá, podemos

começar pelo queijo e pelo presunto...

- Será possível que já tenhas fome outra vez! - repreendeu a irmã com uma expressão

de reprovação.

- Claro, estava a pensar que alinhavam todas numa espécie de lanche ajantarado.

Provávamos o queijo e o presunto como aperitivos, e depois assávamos os enchidos na

brasa.... - explicou, fitando as companheiras - ...e para terminar, nada melhor que uns

figozinhos recheados com nozes.

- Tenho que admitir, ...é uma excelente ideia! - aprovou Joana - Sofia, ...dás-me uma

ajuda?

A rapariga concordou de pronto, acompanhando a colega em direcção à cozinha.

Isabel, foi procurar a grelha que habitualmente usavam sempre que faziam grelhados na

lareira. Jorge por seu lado ocupou-se de atiçar o lume de modo a conseguir brasas mais

rapidamente.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- Traz essa mesa para aqui, por favor - pediu, falando para Cláudia ao mesmo tempo

que apontava para a elegante mesa decorativa que se encontrava no centro da dependência

- Rita, tu podias ficar aqui a olhar pelas brasas, enquanto eu vou procurar uma mesa

desmontável que nós temos e que serve perfeitamente para aquilo que queremos.

- Está bem! - concordou a colega, aceitando a tenaz que o companheiro lhe entregou.

...

- Estou cheia, não consigo comer mais nada! - queixou-se Isabel, engolindo a muito

custo um último pedaço de farinheira.

- Eu também já não sou capaz de engolir mais nada - reforçou Cláudia igualmente

satisfeita.

- Então e este chouriço, vai ficar aqui? - indagou Jorge fingindo-se desapontado.

- Podes comê-lo à vontade, que eu cá, não quero mais nada...

- Nesse caso... - agradeceu o rapaz, cortando o enchido em grossas rodelas - ...não

podemos deixar esta maravilha aqui, ...pode estragar-se!... - findou rindo.

- Não tens emenda... - repreendeu Isabel, observando o irmão devorar o chouriço num

abrir e fechar de olhos - ...és sempre o mesmo glutão!

- E agora, para terminar, nada melhor que umas rodelas de ananás para queimar as

gorduras.

- Eu não quero...

- E eu se comer mais alguma coisa rebento...

- Eu adorava, mas não consigo comer mesmo mais nada.

- Então, não há ananás para ninguém... - decidiu Isabel prontamente - ...ouviste? -

questionou, falando para o irmão que parecia não estar muito convencido - Não há

discussão!... - concluiu depois.

- Pronto, pronto, não se fala mais nisso... - aceitou Jorge - E que tal se fôssemos lá

abaixo à Covilhã... - sugeriu ele - podíamos ir à discoteca fazer a digestão, ou então, a um bar

espectacular que abriu há pouco tempo, que dizem?

- Talvez não seja boa ideia expormo-nos demasiado - lembrou Cláudia - o tal Álvaro

de Matos pode ter usado os conhecimentos dele, e quem sabe se não distribuiriam fotos

nossas à policia, ou podem ter mesmo gajos à nossa procura.

- Ela é capaz de ter razão - corroborou Isabel - se eles têm assim tantas influências, é

melhor termos cuidado, e não arriscarmos.

- Não me tinha lembrado disso... - concordou Jorge - Sendo assim, que vamos fazer?

Alguma sugestão? - indagou, fitando as cinco raparigas que se mantiveram em silêncio -

Não? Bem, nesse caso proponho um joguito de "soneca"?

- De quê?

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- Sueca... - corrigiu Isabel - ...ele é sempre assim, não liguem.

- Escolham os pares enquanto eu vou procurar um baralho - anunciou o estudante de

direito, levantando-se com uma agilidade admirável e deixando a sala por alguns instantes,

regressando poucos segundos depois com dois baralhos de cartas... - Estão ambos viciados,

mas não faz mal porque só eu é que sei... - disse com um sorriso malandro - Escolhe um... -

pediu, estendendo ambos a Joana.

Fim do 8º Capítulo

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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Capítulo 9

- Levanta-te!...

- Não me chateiem, deixem-me dormir! - resmungou Jorge, acordando sobressaltado

por alguém que o pontapeou duas vezes.

- Levanta-te! Imediatamente! - insistiu a voz masculina num tom autoritário - Não me

faças perder a paciência - prosseguiu a voz asperamente.

- Que porra! Será que não se pode... - principiou o jovem irritadíssimo, abrindo os

olhos ao mesmo tempo - Tu!?... - exclamou reconhecendo surpreendido o indivíduo que o

despertara - Não!... Não, ...não pode ser! Tu outra vez!? Isto não está a acontecer... - disse

ele - é apenas um pesadelo! - concluiu o rapaz beliscando-se.

- Não, sou mesmo eu, - recomeçou a personagem - ...em carne e osso, queres ver? -

indagou, agredindo Jorge com soco violento no ventre.

- Filho da puta! - insultou o rapaz - T'ás fodido! - gritou, levantando-se subitamente, e

agredindo o homem com dois socos violentos que o deixaram estendido na chão.

De imediato, dois outros intrusos se acercaram dele, tentando dominá-lo. No entanto,

o bravo jovem esquivou-se agilmente a ambos, e pegou no candeeiro da mesa de cabeceira

que arremessou com toda a força acertando em cheio na cabeça do primeiro agressor,

presenteando o segundo com uma série de exímios pontapés de karaté.

- Alto! - ordenou outra voz com autoridade, entrando de súbito nos aposentos - Mais

um gesto e a tua namorada vai ter com os antepassados! - ameaçou, apontando uma pistola

à nuca de Rita - Estão à espera de quê, ...agarrem-no! - gritou o recém chegado aos dois

homens que se levantavam - Marco, chega-lhe!

- Com todo o prazer doutor!

Marco Abelardo não perdeu tempo a cumprir a ordem do líder, socando violentamente

o indefeso estudante. Primeiro acertou-lhe com alguns murros na cara, agredindo-o depois no

ventre, e concluindo com dois pontapés certeiros que fizeram o rapaz soltar-se dos dois

sujeitos que o agarravam, indo estatelar-se no chão.

- Levanta-te! - exigiu o estrangeiro, pontapeando-o mais uma vez - Ouviste? Mandei-te

levantar! Queres apanhar mais? - questionou com presunção.

Jorge porém não respondeu, conseguindo a muito custo erguer-se, sangrando

bastante do nariz e da boca, e queixando-se também da barriga. À distancia Rita conseguiu

observar ainda que o companheiro tinha igualmente um inchaço no sobrolho direito, e uma

ferida no ombro do mesmo lado.

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- Veste-te! - ordenou o detestável segurança de Enrique Escobar - E não te armes em

engraçadinho, ou limpo-te o sebo aqui mesmo, ...fiz-me entender? - perguntou outra vez,

parecendo bastante à-vontade - Lava a tromba imbecil, não queremos que sujes os estofos

do carro - acrescentou ainda.

O rapaz acenou com a cabeça em sinal afirmativo, dirigindo-se a coxear da perna

esquerda para o quarto de banho dos seus aposentos, regressando poucos instantes mais

tarde. Nessa altura, já Rita e o pouco escrupuloso advogado tinham desaparecido. Marco

Abelardo e os dois seguranças que o acompanhavam continuavam na dependência,

encostados a um canto, mantendo-se alerta a todos os gestos do prisioneiro, não fosse este

tentar algum truque.

- Vamos a despachar, não temos a noite toda! - refilou Marco, exigindo a Jorge que se

apressasse.

Logo que o rapaz enfiou o seu blusão de cabedal negro, foi empurrado com maus

modos para fora do quarto, sendo depois conduzido à sala de estar. Para além das cinco

companheiras, e dos sujeitos que o vigiavam, encontravam-se ainda presentes "Rosé",

Fontes, o Dr. Álvaro de Matos, e alguns seguranças que o rapaz conhecia da sua estadia na

mansão do poderoso Enrique Escobar.

- Boa noite, caro jovem... - começou por cumprimentar o Dr. Álvaro de Matos -

...pareces um tanto inferiorizado, espero que não seja nada de grave - continuou com falsa

cortesia.

- Vai-te foder! - retorquiu Jorge com atrevimento, sendo prontamente presenteado com

uma dolorosa pancada nas costas dada com o cabo de uma metralhadora.

- Conforme podes ver, a minha profecia bateu certo - principiou com presunção -

Decerto que estás recordado da nossa interessante troca de ideias no dia em que fomos

apresentados? - lembrou a altiva personagem com vaidade - Bem, mas não é por isso que

estamos aqui, não é verdade? Tudo o que pretendemos é um pouco de colaboração, em

troca da vossa liberdade, então, ...que dizes? - propôs o impassível sujeito.

- Vai levar no cú!...

- Resposta errada! - limitou-se a dizer o outro sem alterar o tom de voz, fazendo um

sinal a Fontes.

O comparsa correspondeu com um sinal afirmativo, puxando Rita pelos cabelos para o

centro da divisão. Em seguida, rasgou as roupas que cobriam o tronco da rapariga, deixando-

a apenas em soutien. Depois, dois dos seguranças que o acompanhavam desapertaram os

jeans que a rapariga envergava descendo-os até meio das pernas.

- Eu mato-vos, filhos da puta! - gritou Jorge, agredindo com um soco violentíssimo o

homem que o vigiava, fazendo menção de avançar sobre Fontes.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

154

- Quieto! - ordenou Marco, encostando um revólver à nuca de Isabel - Para trás,

imediatamente! - exigiu, colocando o dedo sobre o gatilho.

Jorge obedeceu, sendo de pronto agarrado e algemado. Mesmo assim o jovem não

deixou de se debater, quase arrastando os dois seguranças que lhe prendiam os braços na

direcção do perverso advogado.

- Se lhe tocas, juro que te mato! - gritou furioso, esperneando com todas as suas

forças - Ouviste, mato-te!

- Podes começar Fontes! - pediu o Dr. Álvaro de Matos, acendendo tranquilamente um

charuto.

O outro pegou no chicote que um dos capangas lhe entregou, fazendo-o estalar com

força nas costas frágeis de Rita que não conseguiu conter um grito de dor. Em seguida,

Fontes repetiu o mesmo gesto, uma, duas, três vezes, perante a fúria de Jorge que mesmo

preso e algemado conseguiu arrastar os dois indivíduos que o seguravam até muito próximo

do cobarde advogado, agredindo-o com um feroz pontapé na cara que o deitou por terra. Rita

permanecia quieta, escondendo a cara húmida por causa das lágrimas que corriam a quatro e

quatro entre as mãos trémulas.

- Juro que vos fodo a todos! - ameaçou o rapaz, quase conseguindo libertar-se por

duas vezes - limpo-vos o sarampo a todos!

- Já pudeste ver que não estamos para brincadeiras, por isso é melhor acalmares-te -

sugeriu o Dr. Álvaro de Matos com frieza, fumando descansadamente o seu charuto - Olha

que é ela quem sofre as consequências...

- Vai à merda! - gritou Isabel do local onde se encontrava, recebendo com prémio pela

insolência algumas bofetadas fortes, que a atiraram ao chão.

- Onde estão as fotografias? - perguntou a execrável personagem falando para Jorge

que entretanto parecia mais prudente.

- Não lhe dês nada - suplicou Isabel, agarrada à face esquerda.

- Façam-na calar - ordenou o outro.

Assim, a rapariga foi de novo agredida, recebendo desta vez dois pontapés que a

deixaram no chão contorcendo-se com dores.

- O próximo filho da puta que tocar na minha irmã há-de se haver comigo. Esmurro-

vos a tromba a todos!... - ameaçou Jorge, enfurecendo-se de novo.

- Talvez seja melhor moderares a tua linguagem - aconselhou o sinistro Dr. Álvaro de

Matos, falando com à-vontade - Podes continuar Fontes, pelo menos até o nosso amigo

recuperar da amnésia.

O detestável advogado ergueu de novo o chicote, fazendo menção de bater em Rita.

- Não lhes dês nada! - implorou a rapariga, tapando a cara com as mãos.

artciencia.com (ISSN 1646-3463) Ano I ● Número Dois ● Fevereiro-Abril 2006

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- Espera! - pediu Jorge - Eu digo-te onde estão a merda das fotografias - disse enfim.

A um sinal do Dr. Álvaro de Matos, Fontes baixou o chicote. Contudo, os dois

capangas que seguravam os braços de Rita mantiveram-na na mesma posição para qualquer

eventualidade.

- As fotos estão no meu apartamento em Santarém... - revelou o jovem parecendo dar-

se por vencido.

- Lembra-te meu menino, eu não nasci ontem... - principiou o outro não se deixando

enganar - Foste muito inteligente quando me deste uma pista falsa acerca do nome da tua

irmã, mas não me tomes por um totó... - continuou falando com clareza - O teu apartamento

já foi revistado. As fotografias não estão lá. - revelou com a mesma frieza de sempre - Queres

evitar o sofrimento da tua linda namorada, ou preferes que o Fontes continue?

- Não lhe dês as fotografias, eles matam-nos na mesma... - implorou Rita, fitando o

colega.

- Então, decides-te ou não? - insistiu a maquiavélica personagem.

- Está bem... - suspirou Jorge reconhecendo que nada mais havia a fazer - Eu vou

buscá-las.

- Vai com ele Marco, e assegura-te que o nosso amigo não faz disparates.

Jorge deixou a ampla sala, encaminhando-se em direcção ao lanço de degraus que

conduzia à cave. Apesar do prisioneiro se encontrar algemado, Marco optou por guardar uma

cautelosa distância, vigiando atentamente todos os movimentos do jovem. Já no piso inferior

o traiçoeiro sujeito do rabo de cavalo seguiu Jorge até uma espécie de escritório,

aproximando-se depois dele.

- Estão nesse envelope... - disse Jorge, indicando com a cabeça um sobrescrito

branco que se encontrava por debaixo do teclado do computador.

- E as chapas, onde estão? - inquiriu o outro com rudeza.

- Abre a segunda gaveta - pediu o prisioneiro - Estão dentro desse livro... - disse por

fim, quando o carcereiro puxou a gaveta.

Marco Abelardo folheou o livro que o jovem indicara, encontrando finalmente os

malfadados negativos, que cuidadosamente guardou no bolso interior do seu blusão.

- Vamos embora, e nada de gracinhas... - avisou ainda, empurrando Jorge em

direcção às escadas.

Jorge obedeceu em silêncio, começando a subir lentamente os degraus que

conduziam ao piso térreo da habitação. Em seguida, voltou a entrar na ampla sala de estar

onde se encontravam todos.

- Então? - questionou o Dr. Álvaro de Matos quando ambos penetraram na sala.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

156

- Tenho aqui tudo! - exclamou Marco com um sorriso de orelha a orelha que

contrastava com a desilusão estampada no rosto das cinco raparigas.

- Deixa ver! - pediu Fontes, recebendo das mãos de Marco o precioso envelope,

examinando rapidamente o conteúdo do sobrescrito - Veja aqui doutor, se estas fotos

caíssem nas mãos erradas o Enrique estaria em maus lençóis.

- De facto... - concordou o outro - nestas três especialmente reconhece-se

perfeitamente.

- Felizmente que lhes deitamos as mãos a tempo, o Enrique vai ficar satisfeito - disse

com um ar vitorioso.

- Não percamos mais tempo. Vistam qualquer coisa a essa miúda, e algemem-nos a

todos... - ordenou uma vez mais o insuportável Dr. Álvaro de Matos, dirigindo-se a Marco -

Vá, vamos embora, rápido! - acrescentou ainda.

- Com todo o prazer... - cumpriu o malvado capanga.

Em poucos minutos, todas as raparigas foram algemadas. Antes porém de

aprisionarem as mãos de Rita, os horríveis carcereiros permitiram que esta se compusesse,

entregando-lhe uma camisola de lã grossa, e deixando que ela voltasse a subir os jeans. Por

fim, também os pulsos da rapariga foram envolvidos por um par de algemas.

- Ah, quase me esquecia... - recomeçou o odioso advogado - Decerto que não te

importas que levemos os teus carros emprestados?

- Vai-te foder! - foi a resposta dada por Jorge, que como habitualmente foi premiado

com dois socos pela impertinência.

- Deduzo que isso seja um "sim"! - sorriu-se o outro bastante satisfeito.

Enfim, os seis prisioneiros foram empurrados até à porta de entrada. O audaz rapaz,

não parecendo disposto a entregar-se sem lutar, aproveitou um momento de distracção dos

seguranças que o vigiavam para lançar a confusão. Primeiro empurrou energicamente todos

quantos seguiam à sua frente, que se estatelaram no chão, usando depois o pé direito para

fechar a porta aos perseguidores. Logo a seguir, correu velozmente, tentando mais uma vez

escapar-se.

- Acerta-lhe com um tranquilizante... - ordenou Fontes a Marco que a seu lado se

levantava precipitadamente - ...o Enrique disse que os queria vivos! - explicou em seguida.

O outro assim fez, e o fugitivo foi prontamente atingido pelo projéctil caindo

desamparado no chão coberto de neve.

- Jorge! Jorge! - gritou Isabel em pânico, quando a porta se abriu, temendo pela vida

do irmão, que alguns metros à frente jazia deitado sem reacção no chão gelado.

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- Bom trabalho! - elogiou o pérfido advogado, enaltecendo a pontaria o comparsa -

Não se preocupem... - continuou a detestável personagem falando para Isabel que estava

inconsolável - ...ele não está morto, ...ainda! - findou com um sorriso de maldade.

- Filho da puta! - insultou a rapariga desvairada - Eu mato-te! - gritou ela de cabeça

perdida tentando agredir o outro sujeito.

- Está calada! - ordenou o outro perdendo a paciência, e esbofeteando-a com força - O

teu irmão está apenas a dormir, atingimo-lo com um tranquilizante... - explicou, com desdém -

Vai dormir até amanhã de manhã! - acrescentou depois.

- Por que esperam? - questionou Marco algo irritado - Vão buscá-lo... - disse para os

dois homens que se encontravam a seu lado.

- Vamos embora, não percamos mais tempo... - concluiu o Dr. Álvaro de Matos - estes

putos já nos deram trabalho de sobra - concluiu secamente, entrando para o primeiro dos dois

Mercedes negros que acabara de parar junto à entrada da habitação...

...

- Jorge!?... Ei, ...venham, ...ele já está acordado, ...depressa! - chamou Rita - Estás

bem? - perguntou, fazendo-lhe uma festa carinhosa na face, no momento em que as três

raparigas se acercavam de ambos.

- Que se passa...? Onde estamos...? - questionou o rapaz algo desorientado - Que

merda é esta, porque razão estou algemado?

- Tem calma... - pediu Isabel tentando serená-lo - Por favor, fala comigo... Como te

sentes? Estás bem? - indagou depois.

- Mais ou menos, ...tenho uma dor de cabeça horrível, estou muito cansado e cheio de

sono, e a merda das algemas magoam-me!... - queixou-se - Mas respondam-me, onde

estamos, e porque é que estou algemado?

- Estamos em casa do Escobar... - revelou enfim Sofia - Não te lembras, de ontem à

noite?

- Lembro-me que lhes entreguei as fotografias, e que fugi quando estávamos a ser

levados para os carros, ...ou será que sonhei? - interrogou-se ainda bastante confuso.

- Não, ...não sonhaste, foi real! - esclareceu Joana.

- E não te lembras de mais nada...? - inquiriu Rita, ajudando-o o sentar-se.

- Não sei bem... - começou ele, fazendo uma pausa, tentando recordar os

acontecimentos da última madrugada - ...lembro-me, ... lembro-me de ir a correr, ...de repente

senti-me muito cansado e com muito sono. As pernas não me obedeciam, parecia que o meu

corpo não era realmente meu, ...e depois, bem, ...comecei a ver tudo enevoado. Devo ter

desmaiado, porque antes de perder os sentidos ouvi umas vozes, mas não consegui perceber

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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o que diziam, mas acho que antes disso caí!? Será, é que não me consigo mesmo lembrar

com exactidão.

- Sim, foi isso mesmo - ajudou Isabel - Tu empurraste toda a gente, fechaste a porta,

largaste a correr.

- Mas entretanto, aquele tipo nojento do rabo de cavalo acertou-te com um

tranquilizante, e tu caíste - completou Sofia - Havias de ter visto a Isabel, estava convencida

que tu tinhas morrido, e quase comeu o Fontes vivo! - acrescentou rindo.

- Esses dois filhos da puta!... - exclamou furioso - Não descanso enquanto não limpar

o sebo aos dois - prosseguiu furioso - Só não consegui ainda perceber foi como é que eles

nos conseguiram descobrir.

Ao mesmo tempo que o rapaz se interrogava acerca do modo como haviam sido

localizados, as quatro raparigas enrugaram a testa trocando entre elas um olhar pouco

inocente, que no entanto não passou despercebido a Jorge, compreendendo de imediato que

algo se passava.

- Que sabem vocês acerca disto? - indagou - Não vale a pena esconderem-me nada,

eu vi como vocês olharam umas para as outras quando eu toquei no assunto - insistiu - Foi a

Cláudia, não foi? - arriscou.

- Achamos que sim, embora não tenhamos a certeza... - explicou Rita - Não ouvimos

nada a esse respeito, e desde que nos fecharam aqui, ainda não apareceu ninguém.

- Fui um burro! Caí que nem um patinho no jogo daquela ordinária! - suspirou furioso

consigo mesmo - E agora estamos nesta situação, e tudo por culpa da minha teimosia... Se

eu te tivesse dado ouvidos... - concluiu tentando conter a revolta que sentia naquele momento

- Desculpa... - lamentou-se ainda o rapaz, tentando compensar a companheira

- Já estavas perdoado... - tranquilizou-o Rita - ...não precisavas.

- Não te preocupes, afinal ela também nos enganou a nós - acrescentou Joana.

- Mas não se apoquentem, talvez nem tudo esteja perdido... - revelou Jorge, sorrindo

de novo - ...eu ainda não joguei todas as cartas...

- Que dizes, ...tens um plano? - questionou a irmã.

- Não, mas tenho um trunfo que, ...

- E que trunfo é esse? - interrompeu o Dr. Álvaro de Matos entrando de surpresa na

sala, acompanhado pelo Dr. Fontes, "Rosé", Cláudia, e outros três seguranças.

Por fim, surgiram Enrique Escobar, e Marco que empurrava a cadeira de rodas do

amo.

- Então, que trunfo guardas tu? - insistiu a personagem.

- Julgavas-te então muito esperto... - provocou o jovem estudante com ironia - És

outra besta como todos os outros, - continuou com enorme serenidade - o único aqui que

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merece algum crédito é o teu chefe. Pensavas então, que me tinhas vencido, ...imbecil.

Precisas de muito mais...

- Diz-me meu caro amigo... - começou o anfitrião metendo-se na conversa - ...qual é

então o teu trunfo?

- Achas mesmo que eu vos entregava as fotografias sem ter feito cópias delas...?

- Mas isso não te serve de nada, com todos aqui, basta-nos eliminar-vos, para que as

fotografias deixem de ser ameaça.

- Na verdade, tens razão...

- Quem é afinal o imbecil? - questionou o outro esfregando as mãos de

contentamento.

- Contudo, o trunfo a que me referia não é esse... - recomeçou Jorge, absolutamente

tranquilo - Lembras-te de me teres apanhado uma vez no escritório? - indagou o jovem,

falando para Fontes.

- Sim, e daí...?

- Gostavas de saber o que lá estive a fazer? - perguntou o prisioneiro, prolongando o

suspense - Estive a brincar com o vosso computador, e achei bastante interessante o

conteúdo de todos aqueles ficheiros codificados, que por acaso, tive o cuidado de copiar para

uma disquete, que por sua vez enviei a alguém de confiança, que se encarregará de a fazer

chegar à polícia.

- Ele está a fazer bluff!... - contrapôs Cláudia.

- És uma putéfia! - insultou Isabel, tentando agredir a infame traidora.

- Tem calma Isabel... - pediu o irmão - ela não sabe o que está a dizer... - prosseguiu

com enorme à-vontade.

- Fontes, é verdade o que o miúdo está a dizer? - questionou Enrique de sobrolho

franzido.

- Eu de facto apanhei-o no escritório... - respondeu o outro algo comprometido - Na

altura não desconfiei, uma vez que ele me disse que estava a ler. Mas se a Cláudia disse que

ele está a fazer bluff, devemos acreditar na palavra dela.

- Bluff uma ova! - recomeçou Jorge - A Rita desconfiou dela logo no primeiro dia, por

isso eu tomei muito cuidado... - continuou com enorme segurança - Porque razão é que eu

não lhe disse quando iríamos fugir?

- Foste descuidada... - repreendeu-a Enrique - Quanto a si doutor, - disse ainda,

dirigindo-se ao Dr. Álvaro de Matos - ...trate de encontrar essa disquete quanto antes - findou,

atirando o charuto para o chão.

- Que fazemos com eles? - inquiriu o execrável advogado, falando para o amo.

- Marco... - chamou o outro, fazendo um gesto com a cabeça.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

160

De súbito, deu-se uma cena bizarra. Correspondendo à sinalética de Enrique, Marco

apontou uma arma à nuca de "Rosé", que recuou surpreendido.

- Que quer isto dizer? - perguntou incrédulo - Enrique, que se passa? - insistiu.

- Desiludiste-me muito "Rosé"... - respondeu o anfitrião mostrando-se desapontado -

Sabes que não suporto a traição...

- Mas, ...Enrique, sabes bem que jamais te trairia, és como um pai para mim... -

defendeu-se o segurança em pânico.

- Tens razão, depois de tudo o que fiz por ti nunca pensei que me vendesses por uns

míseros... Quanto é que foi? Dois milhões? Três? - perguntou.

- Enrique, estás enganado! - gritou "Rosé" alarmado - Não sei de que estás a falar...

Peço-te Enrique! - suplicou o estrangeiro - Estou inocente!

- Não percamos mais tempo... - decidiu o anfitrião com frieza - Marco, amarra-o com

os outros e vai buscar a bomba - ordenou, fazendo sinal a um dos capangas para que o

levasse dali.

- Enrique! Enrique! - gritou "Rosé", tentando apelar ao amo que se afastava

imperturbável - Enrique, espera! Tem piedade! Eu estou inocente! Enrique!

- Cala-te! - exigiu Fontes, brindando-o com um soco no baixo ventre.

- Doutor, por favor, estou inocente, fui incriminado! - continuou o sujeito.

- Desiste "Rosé", eles são todos da mesma laia... - suspirou Rita comovida.

"Rosé" porém, não parecia disposto a ceder, continuando a clamar pela sua inocência.

Contudo, nenhum dos ex-comparsas ousou interceder por ele, receando possíveis

represálias. Em seguida, uma a uma, as quatro raparigas foram aprisionadas com resistentes

cordas. Depois de lhe terem sido tiradas as algemas, também Jorge foi amarrado primeiro

nos pulsos e logo após também nos tornozelos.

- Agora prendam-nos aos pilares - ordenou o irritante Marco, acabando de laçar as

cordas em torno dos pulsos e dos tornozelos de "Rosé" - Isso mesmo, costas com costas... -

aprovou, aproximando-se de Cláudia, e abraçando-a - Vamos chéri?

- Que mau gosto!... - observou Rita não se contendo.

- Vou despedir-me do nosso amigo... - respondeu Cláudia, chegando perto de Jorge, e

beijando-o carinhosamente na face.

- És uma putéfia de segunda! - censurou Jorge, tentando esquivar-se da inimiga - Não

me toques, cabra!...

- Estúpido! - retribuiu ela, aplicando-lhe duas sonoras bofetadas.

- Eras como um irmão mais velho... - disse Marco, agachando-se junto de "Rosé" -

estou muito desapontado contigo, não tenho palavras... - concluiu cuspindo com altivez na

cara do ex-companheiro, que optou por se manter em silêncio - Quanto a ti, meu merdas... -

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recomeçou, presenteando Jorge com um par de pontapés nas pernas - ...primeiro ninguém

chama puta à minha noiva... - continuou sovando-o sem misericórdia.

- Mas ela não passa disso mesmo... - retorquiu o rapaz com um ar provocador -

...havias de ter visto como ela gemeu quando a comi...

A insolência custou-lhe mais alguns duros golpes, que o deixaram a sangrar da boca.

Foi enfim a insuportável Cláudia, quem afastou o noivo do prisioneiro, acompanhando-o

depois em direcção à porta.

- Adeus! - disse, despedindo-se com um beijo - Gozem bem estes momentos,

...porque serão os últimos - acrescentou, desaparecendo junto com Marco no corredor do

lado de fora.

- Não estejas tão certa disso!... - replicou Jorge entredentes.

Um a um, também os seguranças do vil traficante de droga foram abandonando a

dependência. O último, ligou o interruptor que fazia accionar o detonador do engenho

explosivo, saindo depois. Por fim, a porta fechou-se com um estrondo, e do lado de fora uma

chave rodou na fechadura, trancando-a. Instantes mais tarde ouviu-se claramente o ruído de

passos que se afastavam rapidamente, depois, nada..., apenas o silêncio.

- "Rosé", quanto tempo temos? - perguntou Jorge, que se encontrava de costas para o

detonador.

- Menos de vinte minutos... - revelou o outro algo conformado.

- Jorge faz qualquer coisa! - pediu Sofia alarmada - Só tu nos podes salvar.

- Não vale a pena entrarmos em pânico... - tranquilizou-a o colega - Preciso que me

ajudem, e não que me enervem - continuou falando com clareza - Se têm ideias partilhem-

nas connosco, senão calem-se! - ordenou, um tanto bruscamente - "Rosé", de que lado

estás? - inquiriu depois.

- Do seu señor! - redarguiu o outro decididamente.

- Óptimo! Nesse caso, quero que te tentes levantar ao mesmo tempo que eu... - pediu,

tentando a todo o custo erguer-se - Está quase! - disse, empenhando-se ao máximo.

- Conseguimos!... - exclamou o parceiro ofegante.

- Agora temos que nos tentar soltar das cordas que nos prendem ao poste - explicou

Jorge, esforçando-se por se libertar da corda que o amarrava pela cintura.

- Não sou capaz... - queixou-se "Rosé" - ...as cordas estão muito apertadas. Não

vamos conseguir.

- Tens razão... - concordou o jovem - ...não há nada a fazer, temos que pensar noutra

solução - completou ainda algo desalentado.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- Tive uma ideia! - exclamou subitamente o ex-capanga de Enrique - Talvez resulte... -

disse, esticando as pernas, e tentando puxar o charuto que o amo deitara para o chão algum

tempo antes.

- Que estás a fazer "Rosé"? - indagou Jorge, algo inquieto por desconhecer em que se

ocupava o parceiro - Que disseste? - insistiu, sendo incapaz de descodificar os sons que o

indivíduo emitiu - Esta não é a altura ideal para te pores com brincadeiras! - disse,

começando a perder a paciência.

- Faça força na corda! - pediu o sujeito - Mais! - repetiu "Rosé" - Está quase! - disse,

encorajando o companheiro - Vai partir... - continuou, sentindo que a amarra começava a

ceder - Já está! - concluiu enfim vitorioso.

- Como conseguiste? - questionou Jorge erguendo-se, ao mesmo tempo que afastava

para longe os restos da corda.

- Usei o resto do charuto que o Enrique deitou fora... - declarou a personagem com

modéstia - Temos que ser rápidos... - avisou - ...restam-nos pouco mais de dez minutos!

- O.k., não percamos tempo. Vira-te de costas para mim - pediu o jovem - Vou tentar

libertar-te as mãos... - explicou depois...

- Não está a dar... Assim não vamos conseguir - verificou "Rosé" ao cabo de alguns

minutos - Continuo sem conseguir mexer as mãos... - completou logo após.

- Tens razão... - concordou Jorge algo desalentado - Assim não dá...

- Estamos perdidos!... - disse Joana - Vamos morrer todos... - continuou assustada.

- Cala-te, não sejas parva... - repreendeu-a Sofia com severidade - O Jorge há-de

pensar em alguma coisa.

- Tenham calma, ainda não estamos vencidos... - redarguiu Jorge, tentando transmitir

às companheiras a tranquilidade que estava longe de sentir - Se perdemos a cabeça agora é

o fim, portanto, calma... - continuou serenamente.

- Alguém tem um canivete? - questionou "Rosé", fitando desalentado as quatro

raparigas que responderam negativamente.

- Só temos uma solução... - recomeçou o estudante olhando pensativo ao redor da

sala - "Rosé", qual é a espessura daquela porta?

- Não é muito grossa, mas se está a pensar arrombá-la, ...esqueça, amarrados nunca

conseguiremos... - respondeu o outro.

- Mas se nos conseguirmos libertar... - sugeriu, avançando decidido para um móvel

que se encontrava ao fundo da dependência.

Em seguida, o inventivo rapaz deitou-se de costas no chão, posicionando-se depois

mais próximo do móvel. Sem perder tempo, acertou com violência nas portadas envidraçadas

da magnifica peça de mobiliário, despedaçando os vidros que se estilhaçaram no chão. Por

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fim, sentou-se no chão de madeira, recolhendo cuidadosamente um pedaço de vidro,

servindo-se deste para cortar as cordas que lhe prendiam os pulsos.

- O señor é um génio - aprovou "Rosé" com admiração, não perdendo tempo em imitá-

lo.

Após alguns momentos de intenso esforço, o jovem conseguiu enfim libertar-se das

cordas que lhe envolviam os pulsos, perante o olhar atento das companheiras, que não

paravam de o incentivar. Em poucos segundos Jorge desembaraçou-se habilmente das

amarras que lhe prendiam as pernas. A seu lado "Rosé", parecia sair-se igualmente bem,

pois já se encontrava a desatar o último nó da corda que Marco lhe havia enrolado à volta dos

tornozelos.

- Liberta as raparigas, que eu abro a porta!... - pediu, logo que o parceiro se ergueu,

correndo precipitadamente para a porta - Quanto tempo temos?

- Três minutos e meio... - respondeu o outro, virando-se para trás por um instante,

enquanto se ocupava de soltar Sofia.

O rapaz deu um primeiro encontrão à porta. Esta porém não cedeu, mantendo-se

firmemente encaixada nas dobradiças. Jorge nem pensou duas vezes, tomando balanço para

um novo embate. Após o choque a madeira pareceu enfim vacilar, abrindo algumas brechas.

Sem perder tempo, Jorge encetou nova tentativa para arrombar a porta, recuando primeiro

alguns passos, investindo depois em grande estilo sobre a teimosa madeira. Desta vez, o

jovem foi bem sucedido, fazendo com que a porta saltasse fora do aro, ficando apoiada numa

única dobradiça que resistiu à violência da colisão.

- Vão! - ordenou "Rosé", falando na direcção de Sofia e Joana que havia libertado em

primeiro lugar - Rápido, ...e afastem-se o mais possível da casa! - disse enquanto desatava

as cordas que prendiam Rita.

- Dois minutos! - informou Jorge, ajudando o parceiro a libertar a colega - Eu solto a

Isabel! Agora, vão! - exigiu com firmeza.

O coração de Isabel palpitava desordenadamente. Apesar no nervosismo a rapariga

nada disse, receando atrapalhar o irmão. Jorge pelo contrário, apesar da forte tensão

conseguiu manter o habitual discernimento que o caracterizava em situações difíceis,

libertando Isabel num ápice.

- Cinquenta e três segundos! - exclamou ajudando-a a levantar-se - Vamos!

Os dois correram velozmente pelo estreito corredor, chegando rapidamente ao lanço

de degraus que conduzia ao piso térreo da luxuosa habitação, subindo-os dois a dois.

Contudo, e com a precipitação da fuga, Isabel apoiou mal o pé direito, caindo desamparada

sobre o cruel chão.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- Aaaiiiiiii!... - gritou, contorcendo-se com dores - Torci o pé, não consigo andar. Foge,

deixa-me aqui, mas salva-te... - pediu emocionada.

- Não digas tolices! - repreendeu-a o irmão pegando-lhe prontamente ao colo, subindo

rapidamente os restantes degraus.

Em seguida, correu o mais depressa que conseguiu, transportando Isabel nos seus

braços ao longo doutro corredor que parecia interminável. Enfim, chegou ao sumptuoso hall

de entrada da casa... No preciso instante em que alcançava a porta de entrada, suou um

barulho aterrador, ao mesmo tempo que uma força desconhecida os impelia violentamente

para o exterior da mansão...

De súbito, apenas silêncio, e uma nuvem de poeira que envolvia tudo ao redor da

habitação...

- Onde estão eles? - perguntou Rita inquieta, não conseguindo vislumbrar nada para

além do pó que cercava a construção - Será que não escaparam a tempo... - pensou,

aterrorizada com tal ideia, começando a choramingar.

- Tenho a certeza que estão bem! - tranquilizou-a "Rosé" - Venha, vamos procurá-los -

acrescentou ainda.

Assim, correram ambos em direcção à entrada principal do edifício, buscando pelos

dois últimos companheiros.

- Señorita, olhe! - exclamou "Rosé" radiante - Estão ali! - completou, apontando para

os corpos dos dois jovens que estavam deitados sobre a espessa camada de relva do jardim.

- Jorge! Isabel! Estão bem? - questionou a rapariga chegando junto deles.

Jorge e Isabel, tranquilamente abraçados riam sem parar, cobertos de pó e com as

roupas em desalinho.

- Uaaauuuuu! Que pedrada! - principiou o rapaz sem deixar de rir - A isto é que eu

chamo adrenalina pura! - continuou excitadíssimo.

- Oh! Que bom... Ainda bem que estão bem! - exclamou Rita aliviada, chorando de

felicidade - Por momentos pensei que não tivessem saído a tempo...

- Atrasámo-nos porque eu torci um pé, e o Jorge teve que me trazer ao colo - explicou

Isabel levantando-se.

- Que se passa... - indagou Jorge, enxugando o rosto da namorada - Estiveste a

chorar?

- Pensei que te tinha perdido... - respondeu a rapariga algo envergonhada.

- Então, também não é caso para isso... Pronto, já passou - tranquilizou-a o

companheiro, não se importando com os presentes, e beijando-a apaixonadamente nos

lábios.

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- Meninos... Então, que vem a ser isto! - censurou Sofia juntando-se ao grupo - Estão

todos bem? - questionou depois, deixando-se cair exausta sobre o manto verde do jardim.

- Nós fartámo-nos de esperar... - principiou Joana - ...e como ouvimos a explosão e

não apareceu ninguém, resolvemos vir ter convosco - explicou por fim.

- E agora "Rosé", que fazemos? - inquiriu Jorge ajudando Rita a erguer-se...

...

- "Rosé", tens a certeza que é este o local? - indagou Jorge, observando através dos

binóculos o monte deserto - Não se vê ninguém...

- Certeza absoluta... - respondeu o outro - ...Eu e o Marco estudámos vários sítios, e

chegámos à conclusão que esta baía seria o melhor lugar para fazer o Enrique sair do país

em segurança. Eles estão aí, ...tenho a certeza - assegurou o companheiro, espreitando entre

a folhagem dos arbustos.

- Mas poderiam mudar de planos... - sugeriu o rapaz, entregando os binóculos ao

estrangeiro.

- Eles nunca fariam isso, seria demasiado arriscado... - garantiu "Rosé" - Veja... -

pediu o ex-segurança de Enrique passando de novo os binóculos para as mãos de Jorge -

Olhe só quem apareceu no cimo do monte...

- É outra vez aquele filho da puta! - exclamou o rapaz, reconhecendo de pronto a

figura de Marco - O que é que ele está a fazer? - interrogou-se observando atentamente os

movimentos da detestável personagem.

- Baixe os binóculos! Rápido! - ordenou "Rosé" de súbito, arrancando energicamente o

objecto das mãos do estudante - Ele assim vê-nos... - explicou - ...estamos contra o sol, e as

lentes reflectem a luz... - acrescentou depois.

- Não me parece que nos tenha topado... - disse Jorge, seguindo os passos de Marco

que parecia voltar para de onde quer que tivesse surgido - Que estava ele a fazer?

- Reconhecimento...

- Será que dali ele conseguia ver os carros?

- Não, as ruínas são demasiado altas, e tapam-lhe o campo de visão... - explicou

"Rosé" - Não se preocupe, as señoritas estão em segurança - garantiu ainda.

- Talvez não tenha sido boa ideia deixar que viessem connosco... - lamentou-se Jorge,

algo inquieto.

- Eu também achei isso, mas a sua irmã...

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- É verdade... - concordou Jorge - ...a Isabel é uma miúda muito teimosa, mas talvez

seja por isso que consegue sempre aquilo que quer - sorriu-se o rapaz - Espero que elas

tenham conseguido convencer a polícia a aparecer, senão nada feito...

- Estou certo que a sua irmã teve êxito!... - afiançou "Rosé" sorrindo muito seguro

daquilo que dizia.

- Espera!... - alertou Jorge alvoraçado - Onde é que vão aqueles gajos?

- Algo se passa... - afirmou o companheiro, afastando alguns ramos para poder ter um

maior campo visual - Viu onde é que se enfiaram? - perguntou o estrangeiro, perdendo os ex-

parceiros de vista.

- Não, desapareceram sem deixar rasto... - concluiu Jorge, olhando em todas as

direcções.

- Errado... - respondeu uma voz conhecida, afastando a folhagem dos arbustos -

Estamos mesmo aqui!...

- Não pode ser... - protestou o rapaz virando-se para trás incrédulo - Tu!? Outra vez... -

acrescentou, reconhecendo Marco.

- Venham! - ordenou com os habituais maus modos - Rápido! - insistiu, pontapeando

"Rosé" que não parecia muito disposto em fazer-lhe a vontade.

- Hijo de puta! Cabron! - vociferou o outro furioso.

Os dois intrusos, foram então empurrados até à face oculta da pequena elevação. Já

do outro lado, uns quantos seguranças vigiavam atentamente a estrada que passava

próximo. Ao invés, mais ao fundo, Enrique e Cláudia observavam tranquilamente o mar.

- Mierda!... - exclamou "Rosé" subitamente - Elas foram descobertas! - observou

desalentado, apontando para o grupo que acabava de dobrar o alto da colina.

- Que lindo... - notou o desprezível sujeito do rabo-de-cavalo com à-vontade - ...uma

reunião de família!

- Gaita! Isto está a complicar-se... - desabafou Jorge com o companheiro.

- Desculpa a minha teimosia... - lamentou Isabel baixando humildemente a cabeça,

esgueirando-se para junto do irmão - A polícia vem a caminho... - acrescentou entredentes,

piscando o olho direito.

- Enrique!... - chamou Marco - Enrique! - insistiu, chegando junto do líder - Olha quem

nos veio visitar.

O outro virou-se então para trás, fitando surpreendido o recém chegado grupo de

prisioneiros. Em seguida trocou algumas palavras com o vassalo, certamente pedindo-lhe

explicações. Os dois sujeitos conversaram ainda por mais alguns instantes, parecendo

discutir o que fazer dos intrusos. Por fim, Enrique fez um gesto para Marco que se apressou a

conduzir o amo até ao local onde se encontrava o destemido grupo.

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- Confesso que a tua persistência me começa a irritar seriamente - principiou com uma

expressão carrancuda - ...mas a tua sorte está prestes a terminar!

- Poupa-me... - retorquiu Jorge com um ar insolente - ...esses discursos de gangster

de segunda já eu conheço dos filmes americanos!

- Não abuses da minha paciência, fedelho... - ameaçou o malfeitor começando a

perder a calma.

- Não passas de um velho, ainda por cima paralítico... - continuou o rapaz insistindo

em provocar o opositor - ...e a tua organização, ou melhor, desorganização mete água por

todos os lados...

- Talvez tenhas razão... - admitiu Enrique cabisbaixo, conseguindo controlar a sua ira -

...na verdade, devo estar a amolecer, pois de contrário, há já muito que tinhas ido ter com os

anjinhos!... - redarguiu o vil personagem com frieza - De facto, subestimei-te, ...demasiado,

mas isso não acontecerá mais, verás como desta vez falo a sério...

- Não tenhas tanta certeza disso... - argumentou "Rosé" serenamente, metendo-se na

conversa.

- Diz-me espertalhão... - teimou o perverso bandido - ...como pensas escapar desta? -

questionou ainda com vaidade.

Depois de estacionarem o automóvel,

- Não tardarás muito a descobrir...

- Não é muito boa ideia confiares nesse traidor... - prosseguiu Enrique Escobar

referindo-se ao seu ex-segurança - Talvez queiras saber como foi que descobrimos onde

estavas depois da tua brilhante fuga... - sugeriu o detestável sujeito com ironia - Foi graças a

um brilhante plano aí do teu amigo "Rosé", que se lembrou de colocar um emissor no teu

relógio...

- Tretas... - vociferou Rita interrompendo o estrangeiro - Não acredito numa só palavra

do que estás a dizer.

- Porque não lhe perguntas...

- Ele diz a verdade... - confirmou "Rosé" cabisbaixo, perante a expressão de desilusão

estampada no rosto dos cinco prisioneiros.

- Enrique! - chamou Cláudia, descendo do alto da falésia - O barco vem aí... - disse

depois.

- Óptimo!... - exclamou o outro com satisfação - Já não falta muito...

- Señor! Señor! - interrompeu um dos seus homens descendo velozmente a pequena

elevação, correndo na direcção do amo - A polícia vem aí! - gritou ofegante.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- O quê!? - exclamou Enrique surpreendido, ficando de súbito muito nervoso - Tens a

certeza? - perguntou ainda.

- Absoluta... - garantiu o indivíduo - E quase parece um exército... - acrescentou em

seguida.

- Filho da puta!... - berrou Cláudia, acertando com duas bofetadas em Jorge que sorria

de felicidade - Que fazemos? - indagou, de cabeça perdida.

- Traz esse para aqui! - exigiu Escobar apontando para Jorge - Dá-me essa pistola... -

disse para Marco - Eu ainda não perdi! - concluiu, virando-se furioso para o jovem.

No cume da pequena elevação, surgiram enfim os primeiros agentes da polícia

portuguesa, de armas bem erguidas. Eram seguramente mais de trinta elementos, que

corriam velozmente na direcção do grupo de malfeitores. Porém, quando se encontravam já a

poucos metros de distância, pararam, acedendo à ameaça de Enrique.

- Se dão mais um passo, rebentou-lhe os miolos - ameaçou, apontando a arma que

Marco lhe havia entregue instantes antes à nuca de Jorge.

- Você não tem hipóteses, está completamente cercado - argumentou o comandante

das forças policiais - Entregue as armas imediatamente, e garantimos que será tratado com

justiça.

- Não, nem pensar. Larguem as armas, e em troca liberto os miúdos, quando estiver

em segurança.

- Nada feito... - recomeçou o agente - Ordeno-lhe que se entregue de imediato, ou

seremos obrigados a abrir fogo.

- Desafio-o a fazê-lo - retorquiu Enrique sem perder o sangue-frio - Porém, se o fizer

eles vão começar a comer chumbo - avisou ainda.

- Se resistir, só tem a perder

- Pensa que estou a brincar? - questionou, encostando a pistola à cabeça de Jorge -

Tem trinta segundos para decidir, ou me deixa partir, ou aqui o fedelho vai juntar-se aos

antepassados... - findou, com cara de poucos amigos - Aconselho-o a não me pôr à prova... -

acrescentou depois, algo impaciente.

- Então, decidem-se ou não? - inquiriu Cláudia com autoridade - Será preciso tratar da

saúde ao nosso herói para compreenderem que não estamos a brincar?

- Se não se entregarem imediatamente, abriremos fogo... - informou o comandante da

polícia.

- Se é assim que querem... - redarguiu a rapariga pegando numa pistola - ...não é

nada de pessoal... - continuou, apontando a arma com frieza a Jorge - ...talvez se não fosses

tão teimoso pudéssemos ter tido qualquer coisa...

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- Tem calma Cláudia... - ordenou Enrique desviando-lhe o braço - Não nos

precipitemos, se os matarmos agora eles atiram, é melhor negociarmos...

- Cala-te, velho tonto, não sabes o que dizes... - respondeu a jovem desafiando o amo

- Quem dá ordens sou eu...

- Silêncio! - exigiu Enrique, erguendo-se miraculosamente da cadeira de rodas em que

se encontrava sentado, e esbofeteando Cláudia - Não tolerarei outra brincadeira do género -

advertiu com cara de poucos amigos.

- Mas tu não és paralítico? - perguntou-se Jorge incrédulo.

- Uma bela encenação, ...não? - questionou Enrique satisfeito pelo efeito causado -

Agora nós menina... - prosseguiu, dirigindo-se severamente a Cláudia - O facto de seres

minha sobrinha não te dá o privilégio de me desautorizares. Para teu bem, espero que não

repitas a graça...

- Ele é teu tio!? - perguntou o prisioneiro seguindo atentamente o desenrolar do

diálogo.

- Esta organização é tanto minha como tua... - retorquiu a rapariga revoltada - ...sem a

ajuda do meu pai, jamais terias conseguido dar aquele golpe sozinho!

- Não faças com que eu perca a calma... - preveniu Enrique, parecendo ter atingido o

limite da sua paciência - Não passas de uma fedelha, por isso põe-te no teu lugar...

- O meu pai não chegou onde chegou a negociar... - lembrou Cláudia teimosamente -

...se for preciso eliminamo-los a todos...

- Cala-te imediatamente! - ordenou Enrique, perdendo as estribeiras, agredindo a

jovem com duas violentas bofetadas que a deitaram por terra - Quem manda sou eu! Se eu

digo que negociamos, então negociamos...

- Não Enrique, desta vez não... - retorquiu a destemida rapariga, apontando ao amo a

pistola que segurava na mão direita - Chegou a hora de reclamar aquilo que por direito me

pertence... - prosseguiu totalmente fora de si preparando-se para disparar sobre o tio.

- Tem calma Cláudia... - argumentou Enrique temendo pela vida - ...não faças nada de

que te venhas a arrepender... - continuou algo transtornado - ...eu e o teu pai demos juntos o

golpe do século... - acrescentou com a voz trémula - ...roubámos um bilião de dólares ao

governo do México, e conseguimos enganar toda a gente - revelou enfim, com um ar triunfal -

Isso não significa nada para ti?

- Miguel Ângel Valdez, considere-se preso pelo crime de desvio de fundos do estado

mexicano! - pronunciou Marco, apontando a sua arma à cabeça de Enrique - Alto! - gritou

Marco aos companheiros - Polícia do México, ninguém se mexe! - ordenou com autoridade.

- Chui, ...tu!? - indagou Jorge, cada vez mais confuso - Há qualquer coisa neste filme

que está ao contrário - observou com perspicácia - Não estás enganado?

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

170

- Não, sou mesmo agente da polícia federal mexicana... - garantiu o outro rindo, - Há

cinco anos que actuo como agente infiltrado na organização do nosso amigo Enrique

Escobar, que não é mais do que a reencarnação de Miguel Ângel Valdez, um ministro

mexicano, que ficou famoso por ter conseguido roubar um bilião e cem milhões de dólares ao

estado mexicano, há quinze anos atrás. Há seis anos descobri-lhe a pista, e desde então

tenho tentado reunir provas da ligação entre Enrique Escobar e Miguel Ângel Valdez. Hoje

consegui a única que me faltava para o poder prender, a confissão do próprio... - concluiu

Marco radiante.

- Filho da puta! Como pudeste fazer-me isto! Traidor! - vociferou Cláudia desesperada,

disparando contra o agente - Morre traidor! Morre! - berrou completamente descontrolada.

Marco caiu desamparado no chão, ferido no ombro direito, em consequência do

disparo efectuado pela rapariga. Cláudia, apercebendo-se que não atingira Marco

mortalmente, empunhou de novo a arma, tentando desta feita vingar-se do astuto agente.

Jorge porém, conseguiu com um pontapé providencial desviar o braço da jovem, que por

esse motivo falhou a pontaria. De súbito, ouviram-se dois disparos. Marco, mesmo ferido no

ombro direito, empunhou corajosamente a sua arma alvejando-a com uma bala certeira no

peito. A sedutora rapariga desequilibrou-se perigosamente em direcção ao enorme precipício.

"Rosé" ainda tentou socorrê-la, contudo chegou demasiado tarde, não conseguindo evitar a

queda de Cláudia. Jorge, Enrique, e dois outros seguranças, que de imediato se acercaram

do alto penhasco tiveram tempo apenas para ver o corpo da jovem ser rapidamente engolido

pelas bravas ondas.

- Não te devias ter metido fedelho... - gritou Enrique perdendo o controle - Agora vais

pagá...

Porém não terminou, pois no mesmo momento em que empunhou o seu revólver, foi

atingido na perna esquerda por um disparo efectuado pelo comandante da polícia

portuguesa, que havia aproveitado a confusão gerada em torno da revelação de Marco para

dominar a maior parte dos homens do vil malfeitor.

- Alto! - ordenou - Ninguém se mexe! - ordenou - Considerem-se todos detidos!

...

Oito meses mais tarde...

- Chegámos a pensar que se tinham perdido!... - exclamou Isabel, abrindo a porta da

habitação.

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- Fui eu que pedi ao Jorge para ficarmos mais um pouco... - explicou Rita com um

brilho especial nos olhos - ...queria ver o pôr-do-sol com ele! É tão lindo... - acrescentou

radiante.

- Pois, pois, essa história já nós conhecemos... - retorquiu Sofia sorrindo - ...já ontem

deram a mesma desculpa, "É tão lindo, que não resistimos a ficar mais um pouco!" - lembrou,

imitando com uma expressão trocista a voz da colega.

- Mas tu não imaginas... - defendeu-se ela - Só nós dois, sem ninguém num raio de

quilómetros, é magnífico...

- Venham mas é comer que eu estou cheia de fome... - refilou Joana do interior da

casa - Essa história já eu estou cansada de ouvir!

- O que é o jantar? - questionou Jorge, tentando através do olfacto descobrir a

resposta.

- Ainda pensámos oferecer-te o jantar lá em baixo na Covilhã... - principiou Sofia.

- Mas depois decidimos fazê-lo nós próprias... - continuou Joana, mantendo o

suspense.

- Bon apetit! - concluiu Isabel colocando sobre a mesa uma enorme travessa onde se

podia observar um convidativo Bacalhau com Natas.

- Mas que óptima ideia... - aprovou o jovem, premiando cada uma das raparigas com

um beijo de agradecimento.

- Ah, é verdade... - interrompeu Isabel - O Marco e o "Rosé" telefonaram!

- Ai sim!?

- Sim... - confirmou ela - ...queriam enviar-te os parabéns pelo teu aniversário, e

deram-me também o teu presente via telefone... - disse, fazendo uma breve pausa,

continuando depois - O Enrique, ou melhor o senhor ministro Miguel Ângel Valdez foi

condenado a cinco penas de prisão perpétua, e os todos os outros camaradas, apanharam

pelo menos vinte anos cada. O único que ficou em liberdade foi o "Rosé", porque colaborou

com a investigação, e contribuiu decisivamente para a conclusão do processo - revelou a

rapariga.

- Óptimo! - exclamou Jorge radiante, não conseguindo conter a sua satisfação -

Brindemos a isso - acrescentou, enchendo uma por uma as taças das companheiras.

- À tua! - disseram em coro as quatro raparigas.

- À nossa... - emendou ele prontamente - ...para que nos momentos menos bons nos

tenhamos uns aos outros!

- À nossa... - completaram as convivas.

- Toma... - disse Isabel, entregando ao irmão um envelope que lhe era destinado -

...vieram levá-la à cerca de meia-hora.

Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo

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- Estranho, de quem será... - interrogou-se o aniversariante, abrindo cuidadosamente

o envelope - ...não tem qualquer remetente!

- Queres que eu leia? - ofereceu-se Rita.

- Está bem, pode ser... - concordou o namorado entregando-lhe o sobrescrito já

aberto, de onde ela retirou uma folha dobrada em quatro partes.

- É uma carta bastante curta... - anunciou ela, observando o papel - ...tem apenas

cinco linhas...

- Despacha-te - protestou Joana - Vá lá, quero jantar...

- Ora cá vai, prestem atenção:

"Espero que estejam todos bem, porque eu também estou, apesar de poderem pensar o contrário.

Aproveito esta oportunidade para te desejar um óptimo aniversário, e porque não, um feliz dia para todos.

Mil beijos

Da vossa grande amiga:

Cláudia.

P.S. - Tenham cuidado convosco, pois nos dias que correm ninguém está seguro.”

- Não pode ser ela...

- Não é possível...

- Filha da puta...

- Afinal a cabra sobreviveu...

FIM