Cartilha Bairro Escola

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formação dos conselhos escolares

Transcript of Cartilha Bairro Escola

  • Transformar a comunidade em um ambiente de aprendizagem, ampliando Transformar a comunidade em um ambiente de aprendizagem, ampliando

    os limites das salas de aula, o desa o dos Bairros-Escola. os limites das salas de aula, o desa o dos Bairros-Escola.

    Educar converte-se, ento, numa responsabilidade coletiva, na qual Educar converte-se, ento, numa responsabilidade coletiva, na qual

    professores e gestores passam a contar permanentemente com as mais professores e gestores passam a contar permanentemente com as mais

    diversas parcerias pblicas e privadas, a comear pelas famlias.diversas parcerias pblicas e privadas, a comear pelas famlias.

    Busca-se, assim, criar a malha multidisciplinar em que se Busca-se, assim, criar a malha multidisciplinar em que se

    aproveitam todas as ofertas possveis em torno da educao: aproveitam todas as ofertas possveis em torno da educao:

    centros de sade, cinemas, teatros, praas, parques, clubes, centros de sade, cinemas, teatros, praas, parques, clubes,

    museus, empresas, universidades, instituies no-governamentais, museus, empresas, universidades, instituies no-governamentais,

    tudo contribuindo para aumentar o apoio aos alunos. tudo contribuindo para aumentar o apoio aos alunos.

    Este livro apresenta o passo a passo dessa tecnologia social de Este livro apresenta o passo a passo dessa tecnologia social de

    baixo custo, visando primordialmente melhorar o desempenho acadmico, baixo custo, visando primordialmente melhorar o desempenho acadmico,

    e, ao mesmo tempo, valorizar a convivncia comunitria e, assim, e, ao mesmo tempo, valorizar a convivncia comunitria e, assim,

    enfrentar os riscos de violncia. Procuramos agregar experincias de enfrentar os riscos de violncia. Procuramos agregar experincias de

    sucesso em So Paulo, Minas Gerais e R

    io de Janeiro que ilustram como

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    possvel planejar, implementar e avali

    ar processos educativos em rede.

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    Esperamos que este material inspire e

    agregue elementos re exo de

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    todos que trabalham para fazer da educ

    ao uma ponte para o desenvolvimento

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    ao uma ponte para o desenvolvimento

    sustentvel de um bairro, de uma cidad

    e e, conseqentemente, de um pas.

    sustentvel de um bairro, de uma cidad

    e e, conseqentemente, de um pas.

    Associao Cidade Escola Aprendiz

    Associao Cidade Escola Aprendiz

    MEC Ministrio da Educao

    MEC Ministrio da Educao

    UNICEFUNICEF

    Prefeitura de Belo Horizonte

    Prefeitura de Belo Horizonte

    Prefeitura de Nova Iguau

    Prefeitura de Nova Iguau

  • CAPTULO 1

    A histria e as estrias da Cidade escola Aprendiz

    Contextualizando a experincia

    Bairro-Escola

    CAPTULO 2

    Educao Comunitria

    Redes de Relaes e Teias de Conhecimentos

    Princpios da Educao Comunitria

    Efeitos de uma Educao Compartilhada

    CAPTULO 3O Passo a Passo do Bairro-Escola

    Passo 1: Construo de Bases Poltico-Comunitrias

    Passo 2: Identi cao de Referncias

    Passo 3: Realizao do Projeto-Piloto

    Passo 4: Mapeamento

    Passo 5: Construo e Gesto de Trilhas Educativas

    Passo 6: Expresso, Comunicao, Mobilizao e Disseminao

    Passo 7: Expanso

    CAPTULO 4

    A Gesto do Bairro-Escola

    CAPTULO 5

    CASOS - Experincias de Educao Comunitria

    Cidade Escola Aprendiz Transforma Vila Madalena

    Trilhas Educativas em So Paulo

    Nova Iguau tem Bairro-Escola

    Belo Horizonte virou sala de aula

    SAIBA MAIS

    Bibliogra a: Pensadores e Temas

    Contatos dos Casos de Bairro-Escola

    FICHA TCNICA

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    Agradecemos a todos os educadores, parceiros e apoiadores da Associao Cidade Escola Aprendiz, assim como, aos gestores e colaboradores do Bairro-Escola Nova Iguau, da Escola

    Integrada em Belo Horizonte e de todas as experincias descritas neste livro.

    Cada uma dessas pessoas torna possvel, atravs de seus projetos e sonhos, a prtica de uma educao genuinamente comunitria e emancipadora.

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  • CAPTULO 1

    A HISTRIA E AS ESTRIAS DA CIDADE ESCOLA APRENDIZ

    CONTEXTUALIZANDO A EXPERINCIA

    A SEMENTE DA CIDADE ESCOLA APRENDIZ germinou em 1997, a partir de um projeto experimental realizado pelo jornalista Gilberto Dimenstein no laboratrio de informtica do conceituado Colgio Bandeirantes.

    Rapidamente a iniciativa ganhou as ruas e passou a nutrir o sonhode revolucionar a educao, transformando o bairro da Vila Madalenaem uma grande escola a cu aberto.

    Em 1998, j constituda como uma organizao no-governamental, a Cidade Escola Aprendiz ganhou endereo prprio ao instalar-se em uma antiga ofi cina de cermica localizada na rua Belmiro Braga, no corao da Vila Madalena, em frente a um beco e uma praa abandonados, construdos sobre um crrego canalizado, cheio de lixo e vtima fcil de enchentes. No bastassem essas caractersticas, a regio era um dos endereos mais freqentados por trafi cantes e moradores de rua, portanto, evitada pelos demais moradores do bairro.

    A respeito do nome escolhido, Gilberto Dimenstein a rma: O projeto de redescoberta da rua resume nosso nome, inspirado na histria paulistana.

    Todas essas adversidades surtiram efeito contrrio entre os envolvidos. Em vezde desnimo, o desafi o da transformao. Foi assim que a organizao comeoua desenvolver seus primeiros projetos de comunicao e arte-educao, os quaismodifi caram radicalmente a vida das crianas e dos jovens que dele participavam,juntamente com todo o seu entorno.

    Um dos primeiros desafi os assumidos pela Cidade Escola foi embelezar e recuperaros espaos deteriorados da Vila Madalena, a comear pelas ruas e praas prximasa sua sede. Nos muros, comearam a ser montados grandes mosaicos com azulejose bolas de gude, criados por artistas plsticos de grande talento. As intervenes,apesar de muito bonitas, no sobreviveram por muito tempo, depredadas pelacomunidade, provavelmente como uma forma de protesto por no teremparticipado daquela construo.

    Como quem ensina tambm aprende, logo em seguida, a Cidade Escola Aprendiz comeou a envolver as crianas e adolescentes da comunidade no plano de recuperao dos espaos deteriorados do bairro. Os mesmos elementos voltaram a ser utilizados, s que, dessa vez, a partir de criaes coletivas, realizadas com a participao dos moradores. O dilogo com a comunidade surtiu os efeitos esperados, e os mosaicos e bolas de gude colocados a partir de ento continuam estampados

    A Vila MadalenaVila Madalena nem sempre foi o bairro da moda, cheio de belos atelis e bares animados, freqentados por bomios, artistas e estudantes. No passado, era chamado popularmente de Risca Faca, pois tinha seu comrcio dominado por botecos que recebiam a visita de pessoas nada amigveis. O cenrio mudou, e a Vila Madalena hoje tambm conhecida como o bairro da Cidade Escola Aprendiz.

    O projetoprojeto consistia em um amplo programa de educao para cidadania, que estimulava os alunos a extrapolar os muros da escola e a assumir responsabilidades comunitrias.

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  • O Caf AprendizCaf Aprendiz, alm de espao gastronmico, cuja renda reverte-se para a instituio, tambm um laboratrio de experincias educativas. Muitos dos programas da organizao acontecem ali, traduzindo mais uma vez a fi losofi a da Cidade Escola Aprendiz, que leva a educao para alm dos limites da escola.

    nos muros e equipamentos pblicos da regio. Hoje, graas a esse envolvimento, impossvel caminhar pela Vila Madalena sem perceber as inmeras intervenes de arte, que transformaram o bairro em um verdadeiro caleidoscpio urbano.

    Nesse processo de educao e re-signifi cao dos espaos pblicos, diversos atores locais se envolveram fortemente e muitos espaos comerciais passaram a abrir suas portas para a comunidade, transformando-se em verdadeiras salas de aula.

    Com todos esses acontecimentos, a Belmiro Braga j no era mais a mesma.Totalmente revitalizada, cada vez fi cava mais atraente, passando a abrigaro Caf Aprendiz, a Praa Aprendiz das Letras e o Beco-Escola, com seus imensospainis de grafi te. A rua, alm de espao de aprendizagem, transformou-seem carto postal da cidade, demonstrando que So Paulo tambm pode serbonita e acolhedora.

    Ao longo dos anos, os educadores e as prprias crianas e jovens foram expandindo suas aes pelo bairro e construindo trilhas educativas. As aulas passaram a acontecer nos mais diferentes lugares, alguns mais convencionais, como uma ofi cina de inveno de brinquedos, escolas de circo e de teatro, outros bastante improvveis, como bufs, atelis de artesos, estdiose restaurantes. Alm disso, tambm foram feitos acordos com mdicose terapeutas que passaram a acompanhar o desempenho das crianas.

    Seguindo sua prpria trilha, a Cidade Escola Aprendiz foi desenvolvendoo conceito de bairro-escola, um novo modelo de gesto de potencialidades educativas, que busca transformar toda a comunidade em extenso da escola, tranando o processo de ensino-aprendizado vida cotidiana.

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    O CONCEITO DE BAIRRO-ESCOLA BASEIA-SE EM DOIS PRESSUPOSTOS:

    1) O ato de aprender o ato de se conhecer e de intervir em seu meio.

    2) A educao deve acontecer por meio da gesto de parcerias, envolvendo escolas, famlias, poder pblico, empresas, organizaes sociais, associaes de bairro e

    indivduos, capazes de administrar as potencialidades educativas da comunidade.

    OS PRINCPIOS ADOTADOS PELA CIDADE ESCOLA APRENDIZ PARA IMPLEMENTAR O BAIRRO-ESCOLA SO:

    1) apostar nas riquezas comunitrias e fortalecer o que j existe, atravs de um permanente trabalho de mapeamento investigativo.

    2) identi car um foco geogr co delimitado e revitalizar constantemente o seu espao pblico, demonstrando que uma nova cidade se torna possvel atravs da educao.

    3) avaliar e sistematizar periodicamente o modelo de gesto, tornando-o mais e ciente.

    4) construir alianas nos mais variados nveis e com diferentes atores, incluindo as trs esferas de governo, o empresariado, as

    organizaes sociais, as universidades e, principalmente, as crianas e jovens, agentes e bene cirios dessas mudanas.

    5) entrar nas escolas para aprender e desenvolver inovaes pedaggicas junto com os professores, formando

    com eles um grande consrcio de vontades.

    6) enfatizar o papel da educao na formao de indivduos autnomos e solidrios e a importncia da escola como parte de um processo de aprendizagem que acontece ao longo de toda a vida.

    7) sensibilizar as lideranas comunitrias e desenvolver entre elas um olhar educativo, capaz de atender s demandas do aprendizado permanente.

    BAIRRO-ESCOLA

    Trilhas educativas Trilhas educativas so percursos pelos quais o processo pedaggico se estende, extrapolando a sala de aula e incluindo praas, parques, atelis, becos, estdios, ofi cinas, empresas, museus, teatros, cinemas, parques de diverso, centros esportivos, bibliotecas, livrarias, entre outros. O conceito, criado pela Cidade Escola Aprendiz, pressupe que o aprendizado pode acontecer em qualquer lugar.

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  • Atualmente, a Cidade Escola Aprendiz trabalha cada vez mais intensamente para desenvolver e disseminar experincias pedaggicas que consolidem essa nova cultura do educar, que transcende a escola, mas se associa a ela com o propsito de potencializar todas as oportunidades educativas existentes na comunidade. Para dar conta desse desafi o, atua em trs dimenses:

    LABORATRIO VILA MADALENA/PERCURSOS FORMATIVOS: Desenvolvimento de metodologias a partir da realizao de projetos educacionais queutilizam arte, comunicao, tecnologia, expresso oral e escrita e integram crianas, jovens, adultos e comunidade.

    LABORATRIOS EXTERNOS: Apoio implementao das metodologias desenvolvidas em outros contextos e municpios, por meio da formao de educadores comunitrios e do fomento construo de redes que integrem e articulem polticas pblicas e potenciais locais.

    CENTRO DE FORMAO: Disseminao das metodologias em larga escala, atravs de apoio publicaode materiais de referncia e promoo de cursosde especializao para gestores e educadores, a partir de um currculo de formao baseado nas experincias dos laboratrios e de outras cidades e pases que trabalham sob a tica da Educao Comunitria.

    Aps implantar o conceito do Bairro-Escola na Vila Madalena, a Cidade Escola Aprendiz comeou a pensar em como compartilhar a experincia para outras comunidades. A opo foi transformar os espaos revitalizados e as trilhas j construdas em centros de formao, a fi m de capacitar educadores comunitrios, que pudessem mapear os ativos, mobilizar as parcerias e construir as trilhas educativas em seus prprios bairros, atravs de articulao com o poder pblico, a iniciativa privada e a comunidade.

    O processo de disseminao ganhou escala a partir da realizao de cursos de especializao em Educao Comunitria atravs de parceria com algumas das principais universidades do pas. Com a USP, a Cidade Escola Aprendiz formou cerca de 1.200 professores da rede municipal de So Paulo. Com a Unicamp, capacitou por volta de 5.000 diretores da rede estadual.

    A experincia do Bairro-Escola implementada na Vila Madalena tambm tem servido de referncia para diversos municpios que decidiram incorporar esse novo modelo de educao, entre eles Nova Iguau, no Rio de Janeiro; Belo Horizonte, em Minas Gerais; Boa Vista, em Roraima; Praia Grande, So Bernardo, So Caetano e Taboo da Serra, em So Paulo. A proposta tambm infl uenciou o Programa Mais Escola, do Ministrio da Educao, que busca criar condies para que os alunos da rede pblica possam aprender em tempo integral.

    O educador educador comunitriocomunitrio pea-chave na implantao de uma proposta de educao comunitria como o bairro-escola. Trata-se de um articulador educacional capaz de fazer a ponte entre a escola e seu entorno.

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  • CAPTULO 2EDUCAO COMUNITRIA

    IMAGINE UMA ESCOLA SEM MUROS, aberta comunidade, que benefi cie a todose tambm seja cuidada por todos. Uma escola imensa, com quadras de esporte,praas e parquinhos, cinemas, teatros, museus, atelis, entre muitas outrasfacilidades. Uma escola em que o saber acadmico tem tanto valor quanto o saberpopular e em que o currculo uma grande trilha, ao longo da qual se vivenciamexperincias e descobertas.

    Muitos de vocs devem estar pensando que toda esta descrio no passa de fantasia. Mas essa escola existe e tem origem na percepo de que a educao, enquanto processo complexo e contnuo, prescinde de mais recursos e oportunidades do que uma instituio educativa convencional capaz de oferecer.

    As exigncias nessa rea so crescentes. As famlias esperam que os professorescuidem, disciplinem e preparem os seus fi lhos para a vida. O mundo do trabalhodemanda profi ssionais cada vez mais qualifi cados. A sociedade necessita de cidadosmais conscientes e participativos, capazes de melhorar a sua prpria realidadee a da sua comunidade.

    As escolas so pressionadas a oferecer todas essas respostas, mas no conseguemdar conta nem das suas funes mais elementares. Em parte por conta de problemaspassveis de serem resolvidos se o nosso pas levar mais a srio a educao,em parte por exigirmos que um nico ator social assuma uma responsabilidadeque cabe a todos ns.

    A Constituio Brasileira, em seu artigo 227, diz que dever da famlia, do Estado e da sociedade cuidar de suas crianas e adolescentes com absoluta prioridade, garantindo-lhes acesso a seus direitos fundamentais, inclusive educao. Somos todos, portanto, constitucionalmente co-responsveis por essa misso.

    A educao no se restringe escola. a escola que est contida na educao. O conhecimento est em toda parte e sua produo e difuso extrapolam o universo acadmico. Saberes igualmente importantes so gerados no cotidianodas pessoas comuns, das empresas e das comunidades. Informaes relevantes estocada vez mais disponveis em ambientes no formais.

    O desenvolvimento das pessoas, enquanto requisito essencial para o desenvolvimento de toda a sociedade, por sua importncia estratgica e indiscutvel magnitude, demanda a participao de cada um de ns. Sob essa perspectiva, fi ca claro que, ainda que isso fosse possvel, no cabe apenas escola a tarefa de educar.

    Isto quer dizer que a escola que descrevemos deixa de ser sonho quando todaa comunidade se transforma numa grande sala de aula. Quando os alunos passama aprender fsica na ofi cina mecnica, literatura na biblioteca do bairro, qumicana cozinha de um restaurante, histria nos museus e monumentos, artes nos teatrose cinemas da cidade.

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  • A Educao Comunitria acontece neste momento, quando os processos formativos extrapolam o contexto escolar e tomam conta das ruas, adentrando espaos pblicos, estabelecimentos comerciais, associaes e centros culturais. Uma invaso consentida e planejada, articulada pela escola em estreita parceria com toda a populao.

    Trata-se de uma nova cultura, forjada a partir desse novo olhar sobre a educao, em que a escola deixa de ser o nico espao educativo, para se tornar catalisadora e articuladora de muitas outras oportunidades de formao. Uma nova forma de pensar e fazer educao, envolvendo mltiplos espaos e atores, que se estrutura a partir do trabalho em rede, da gesto participativa e da co-responsabilizao.

    Um projeto de cidade, que gera autonomia, cooperao e contribui parao desenvolvimento local, uma vez que fortalece simultaneamente o capital humanoe o capital social, expandindo o potencial dos indivduos ao mesmo tempo em queestreita os vnculos entre os atores locais.

    Entendemos por capital humano a capacidade que cada indivduo tem de superar as adversidades e aproveitar as oportunidades com as quais se depara ao longo da sua existncia. Capacidades estas principalmente associadas ao seu nvel educacional e s suas condies de sade e bem-estar. O capital social, por sua vez, diz respeito qualidade das relaes existentes entre as pessoas e as instituies que fazem parte de uma determinada comunidade. Relaes baseadas na confi ana, no compartilhamento e na solidariedade tendem a gerar grupos sociais mais coesos, organizados, participativos e inclusivos, ou seja, mais aptos a enfrentar seus desafi os coletivos e a promover benefcios para todos os seus concidados.

    REDES DE RELAES E TEIAS DE CONHECIMENTOS

    O mundo mudou. Tornou-se mais complexo e exigente. Para dar conta dessas novas demandas, as pessoas se vem obrigadas a lidar com conhecimentos e a dominar ferramentas cada vez mais sofi sticadas. A escola no conseguiu acompanhar essas transformaes. A defasagem perceptvel e se traduz principalmente na falta de interesse e no despreparo dos alunos.

    Processos educacionais que se predispuserem a entrar em sintonia com a realidadecontempornea precisam se estruturar com base em novos parmetros.A humanidade produz um volume cada vez maior de informaes impossveis de serem retidas, mesmo porque esto em constante e rpida evoluo. Filsofo francs radicado no Canad, Pierre Lvy acredita que, com o advento das novas tecnologias, o conhecimento deixa de ser matria para se tornar uma rede de vasos comunicantes e interativos. Essa nova dinmica refora a importncia de se aprender a navegar e no a estocar informaes. A navegao como processo de aprendizagem rompe a linearidade, favorece a atitude exploratria e ldica e torna o conhecer uma aventura prazerosa, marcada pela cooperao e pela inteligncia coletiva.

    Cabe educao, portanto: capacitar os indivduos no para acumular, mas para navegar no conhecimento, acessando-o medida que se torne necessrio e faa sentido para suas vidas. Criar redes de aprendizagem que lhes permita entrar em contato com novos e distintos contedos a toda hora e em todo lugar. Promover a experimentao, a fi m de que vivenciem a descoberta do conhecimento, aguando seus sentidos e expandindo suas habilidades ao mesmo tempo em que ampliam sua capacidade intelectual. Desenvolvera liberdade, autonomia e responsabilidade, para que saibam fazer escolhas, continuem aprendendo ao longo de toda a sua existncia e utilizem os conhecimentos adquiridos para se realizar como pessoas, profi ssionais e cidados.

    Estamos falando de uma educao capazde promover a formao integral e prepararos indivduos para serem agentes do seu prprio desenvolvimento e do desenvolvimento local.Um desafi o que s se mostra capaz de seralcanado se partilhado pelo conjunto dapopulao.

    Por isso, a especialista Rosa Maria Torres defende que a educao deixe de ser vista como funo da comunidade escolar para tornar-se responsabilidade da Comunidade de Aprendizagem, ou seja, de toda uma comunidade humana, formada por alunos, professores, pais e demais cidados locais,que juntos constroem um projeto educativo e cultural prprio, para educar a si,suas crianas, seus jovens e adultos. Tudo isso graas a um esforo interno, cooperativo e solidrio, baseado no diagnstico de suas carncias e, principalmente, no reconhecimento das foras de que dispe para superar essas difi culdades.

    Outros pesquisadores, como a doutora em Educao Jaqueline Moll, expandem ainda mais esse conceito e disseminam a proposta de que as cidades, sejam elas pequenas ou grandes, assumam e exeram funes pedaggicas. As Cidades Educadoras seriam aquelas dispostas a identifi car suas inmeras possibilidades educacionais e a priorizar a formao permanente da sua populao.

    Seguindo essa mesma tendncia, escolas, organizaes e municpios que incorporam a Educao Comunitria enfrentam o desafi o primordial de mapear os potenciais pedaggicos do seu entorno e planejar trilhas de aprendizagem,de maneira a permitir que educadores e educandos extrapolem os limites da sala de aula convencional e circulem por diversos espaos da cidade, para observar,

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  • experimentar e interagir com distintos interlocutores. Essas vivncias tm a funode expandir e contextualizar o processo de construo de conhecimentos, garantindo que o currculo escolar articule-se organicamente com a vida cotidiana.

    Nesse aspecto, a Educao Comunitria encontra-se com o pensamento do fi lsofoamericano John Dewey, que, no fi nal do sculo XIX, j baseava suas propostas educacionais na idia de que a escola a vida e no apenas uma preparao para ela.Ao idealizar a Pedagogia de Projetos, o pensador buscou entrelaar o aprender ao fazer, acreditando que o pensamento estimulado quando as pessoas tma oportunidade de agir concretamente para resolver um problema ou uma questo.Dewey propunha que os contedos escolares fossem abordados de forma menosacadmica e mais centrada nas situaes do cotidiano, principalmente por acreditarque as potencialidades individuais s se desenvolvem realmente quando em contatocom a sociedade.

    Inspirado por essas idias, o brasileiro Ansio Teixeira concebeu a Escola Parque, com o propsito de que as instituies educacionais deixassem de ser lugar somente de letras e de iniciao intelectual, para estimular o pensar, fazer, trabalhar, conviver e participar. A Educao Comunitria apropria-se desse pensamentoe estrutura-se com vistas a permitir que o processo formativo incida sobreo universo cognitivo, assim como sobre os valores, habilidades e atitudes dos alunos.

    Ansio acreditava que a educao precisava ser regionalizada, de maneira que sua gesto e seus programas respeitassem e considerassem as caractersticase especifi cidades locais. o que atualmente chamamos de agir local, pensar global. Profundamente impregnada por esses ideais, a Educao Comunitria busca utilizar todos os ensinamentos disponveis na comunidade como ponto de partida para conectar as pessoas com as mais diversas teias do conhecimento humano.

    O socilogo Boaventura Sousa Santos tambm reconhece a importncia dos saberesque emergem da vida cotidiana. O conceito de emancipao questiona o excessivovalor conferido ao conhecimento cientfi co, que teria produzido progressos, masmuita infelicidade. Por isso, prope novas formas de produo de conhecimento, eminentemente cooperativas, que levem em considerao o senso comum,a democracia participativa e o multiculturalismo, entre outros. Tais elementos assegurariam que a prpria comunidade, a partir de suas redes de troca e interao,pudesse gerar informaes impregnadas pela sua viso de mundo e aptas a respondera suas necessidades especfi cas.

    Vale ressaltar que a Educao Comunitria no prope a contraposio, masa confl uncia entre os conhecimentos acadmicos e os saberes populares. O processo ainda leva em conta o repertrio cultural de cada aluno. A proposta tem eco emPaulo Freire, que em sua Pedagogia Libertria compreende o educando como sujeitoativo, cujas cultura e subjetividade devem ser respeitadas. Freire condenava as prticas autoritrias de ensino e pregava que a relao entre professores e alunosdeveria ser complementar e nunca entre superiores e inferiores.

    Ao reconhecer o educando e desenvolver a sua liberdade com responsabilidade, o professor estaria, ao mesmo tempo, conquistando o seu prprio espao como impulsionador do processo educativo. O Educador Comunitrio tambm percebidocomo um grande mobilizador de potenciais e oportunidades, com os quais ensinae aprende simultaneamente. ele que constri e anima a rede de relaes, que tecea teia do conhecimento.

    A assistente social Maria do Carmo Brant de Carvalho lembra que o conceito de rede tem sido constantemente utilizado para caracterizar a sociedade contempornea e seus novos modelos de gesto. Seguindo essa tendncia,a ao social no mbito pblico tambm tem se estruturado a partir desse tipo de articulao, que mobiliza vontades e integra fazeres, promovendo pactos de complementaridade entre governo, sociedade civil, empresas, comunidade e cidados. O contexto favorece a construo de parcerias cada vez mais slidas, baseadas na participao, democratizao dos processos decisrios, descentralizao e municipalizao.

    H que se reforar que a montagem de uma rede de parceiros de mltiplos setores constitui-se em condio imprescindvel para a implementaoe a sustentabilidade da Educao Comunitria. S a atuao efetiva e conjunta desses aliados poder transformar todo um bairro ou uma cidade em um ambiente educativo, no qual os cidados aprendam a toda hora e em todo lugar.

    PRINCPIOS DA EDUCAO COMUNITRIA

    Preocupada em responder aos novos paradigmas e exigncias da sociedade,a Educao Comunitria confere um novo signifi cado ao processo educacional, que passa a ter um sentido muito mais profundo para a vida das pessoas e uma ligao mais estreita com o seu cotidiano. Mais do que as aes que prope, soseus princpios que a defi nem e a distinguem dos modelos educativos convencionais.

    TRANSCENDNCIA Educao a vida toda, a todo momento e em todo lugar. A Educao Comunitria transcende a escola junto com a prpria comunidade escolar. As fronteiras se expandem, o tempo se alarga. No existe mais um nico lugar, nem uma hora determinada para que as pessoas entrem em contato com o conhecimento. A educao toma conta das ruas e do cotidiano das pessoas. A qualquer instante, um espao aparentemente inusitado pode se transformar em sala de aula, a partir de um processo cada vez mais orgnico, ainda que intencional e organizado.

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  • PERMEABILIDADE Os processos e projetos pedaggicos passam a fazer parte dacultura, da agenda e da rotina de todos os envolvidos. A educao incorporadapela comunidade como direito, dever, mas, principalmente, como um valor construtivo,que lhe pertence.

    CO-RESPONSABILIDADE Poder pblico, empresrios, organizaes sociais e comunidade assumem, todos juntos, o desafi o de promover a formao de suascrianas, jovens e adultos. A escola ganha importncia cada vez maior ao tornar-secanalizadora dessas parcerias, com as quais passa a compartilhar e a respondermelhor s suas inmeras atribuies.

    CONECTIVIDADE A educao, transformada em objetivo comum e superior, passa a ser promovida por meio de uma rede de cooperao e ao conjunta. Cada um dos envolvidos disponibiliza sua expertise, seus recursos e suafora de trabalho, que se conectam e se fundem, constituindo uma malha complementar e coesa,capaz de atender as diferentes demandas levantadas pelo processo.

    PLURALIDADE A Educao Comunitria depende de uma ao intersetorial. Baseia-se na interdependncia, construda por meio do respeito, do dilogo e da valorizao da diversidade como componentes complementares de uma ao integral.Todos podem e devem dar a sua contribuio.

    EFEITOS DE UMA EDUCAO COMPARTILHADA

    A Educao Comunitria provoca impactos em diversos nveis. No mbito dos indivduos, o principal objetivo gerar autonomia e responsabilidade. Ao estreitar a conexo entre as pessoas e seu entorno, tambm permite que compreendam melhor a sua identidade e desenvolvam um sentimento mais forte de pertencimento em relao ao lugar em que vivem. Ao permitir que idias, produtos e aes circulem de maneira mais fl uida pelo bairro ou pela cidade, garante visibilidade e reconhecimento, ampliando a auto-estima dos envolvidos.

    O processo ainda expande o repertrio cultural e as habilidades, tanto na rea da comunicao e expresso, quanto em atividades especfi cas. Amplia a capacidade de navegar pelo conhecimento, de conviver com o diferente, de dialogar, negociar, empreender e construir com o outro. Abre novas oportunidades e perspectivas de futuro e conecta projetos individuais e coletivos. Todos esses efeitos fazem com que os indivduos tornem-se cada vez mais protagonistas de sua prpria histria de vida.

    No mbito da comunidade, a Educao Comunitria amplia o esprito pblicoe o associativismo, uma vez que promove a partilha de responsabilidades e a buscaconjunta de solues para questes de interesse coletivo. A ao em rede fomenta a cooperao, horizontaliza as relaes, oportuniza a gesto participativae democratiza o poder. O estmulo troca entre diferentes atores cria pontes entre as geraes, gera vnculos afetivos e produtivos e amplia a capacidade de dilogo.

    Ao valorizar e socializar os potenciais da comunidade, esse novo modelo educacional tambm fortalece a identidade coletiva, o sentimento de pertencimento e a percepo de que os bens pblicos no so do governo, mas de toda a populao e, portanto, devem ser acessados e cuidados por todos. O processo muda a cara da comunidade, uma vez que re-signifi ca espaos anteriormente deteriorados ou ociosos, conferindo-lhes uma nova esttica, novas funes e um novo status.Como conseqncia de todo esse movimento, a Educao Comunitria acaba por criar novas oportunidades educacionais, culturais e econmicas que fortalecema capacidade da comunidade promover seu prprio desenvolvimentocom sustentabilidade.

    A Educao Comunitria tambm provoca grande impacto nas escolas, que abrem suas portas para o mundo e estabelecem parceria com diversos atores sociais, que passam a complementar suas funes pedaggicas. Vale ressaltar que essa transformao s ocorre quando acompanhada por um reposicionamento efetivo. Existem muitas escolas que organizam passeios e atividades externas para os seus alunos. Tais aes so muito louvveis, mas no signifi cam necessariamente que a populao est se co-responsabilizando pela formao dos seus cidados. A mudana de papel acontece de fato quando escola e comunidade fi rmam uma estreita parceria e comeam a planejar, executar e avaliar conjuntamente os processos educativos dirigidos a seus alunos.

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  • CAPTULO 3

    O PASSO A PASSO DO BAIRRO-ESCOLA

    A EDUCAO COMUNITRIA ACONTECE NO MOMENTO em que a escola e a comunidade verdadeiramente se encontram, se fundem e se confundem. Quando os limites entreesses dois mundos, antes muito apartados, j no so to visveis. Objetivos comuns, complementao de papis, confl uncia de identidade, todos em torno de um objetivo. O encontro tem carter transformador. A educao torna-se comunitria e a comunidade torna-se educadora. Os temas que mobilizam a comunidade transformam o currculo e tornam-se objeto de estudo na sala de aula. As aes pedaggicas transformam o cotidiano e so incorporadas pela comunidade.

    A interao se realiza de diversas maneiras, porque depende fundamentalmente do que cada um dos atores envolvidos traz para o processo. No h um s modo de faz-la acontecer. Algumas experincias acontecem por iniciativa de uma nica escola, que conduz diretamente o processo de articulao com o seu entorno. Outras so lideradas por organizaes no-governamentais, que promovema integrao entre as escolas e as diversas instncias da comunidade em que esto inseridas. Existem ainda aquelas que j nascem como poltica pblica municipale so geridas pela prpria prefeitura com intensa participao da sociedade civil.

    Na prtica, o bairro torna-se uma escola quando os alunos aprendem na sala de aula,em atividades educativas realizadas nos mais variados espaos e quando se garanteuma rede que d suporte s suas diferentes necessidades e tambm (trilhas de apoio)conduzidas por diferentes pessoas da comunidade. Essas aes complementares,viabilizadas a baixo custo em funo da construo de redes de parcerias, tmo desafi o de se conectar com o cotidiano da escola e ampliar efetivamente o nvelde aprendizagem dos estudantes.

    Para dar certo, o processo exige a montagem de um verdadeiro mosaico em que cada pea tem sua importncia para a composio do todo. Em seguida, apresentamos um roteiro de referncia, capaz de orientar os passos a serem dados por escolas, organizaes e, principalmente, municpios que desejam trilhar o caminho da Educao Comunitria, que costumamos denominar de Bairro-Escola. As sugestes que oferecemos foram construdas a partir de experincias desenvolvidas nos estados de So Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, descritas no captulo 5 desta publicao.

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  • Iniciativas estaduais e federais, como Bolsa-Famlia, PETI - Programa de Erradicao do Trabalho Infantil, Sentinela, Agente Jovem, Pr-Jovem, Pontos de Culturae Primeiro Emprego, tambm podem e devem se associar, no mbito municipal,a um projeto unifi cado de Educao Comunitria. A medida rompe com a lgicada fragmentao, articula recursos e oportunidades e permite que os alunos sejamatendidos de forma mais integral.

    Pacto com a Sociedade Civil

    A proposta do Bairro-Escola s se realiza quando os esforos empreendidospelo poder pblico so acompanhados e complementados pela sociedade civil.A populao precisa ser mobilizada para compreender, desejar e participar da suaimplementao. Torna-se interessante, portanto, que lderes comunitrios, organizaes sociais e formadores de opinio, juntamente com a prefeitura, construam uma espcie de pacto capaz de traar objetivos, responsabilidadese metas comuns e garantir o comprometimento de todos com a sua consecuo.

    As parcerias especfi cas, estabelecidas com aqueles que disponibilizam espaos, monitores, instrutores, metodologias, recursos materiais ou fi nanceiros paraa execuo do programa, tambm precisam ser formalizadas. A inteno assegurarque as tarefas e contrapartidas estejam claras e sejam realmente cumpridas poraqueles que se dispem a colaborar. Representantes da comunidade que semostrarem mais envolvidos, capacitados e disponveis tambm podem contribuir com o processo de planejamento, monitoramento e avaliao do Bairro-Escola,a partir da constituio de comits, conselhos ou instncias afi ns, que sejamvalorizadas e reconhecidas pelo poder pblico e pelos cidados.

    Uma rede de parcerias slida e diversifi cada e um processo de gesto transparente e participativo so requisitos essenciais para que a iniciativa tenha qualidade, sustentabilidade e continuidade. Isto porque enriquecem o conjunto de oportunidades oferecidas, geram mecanismos de controle e asseguram que o programa tenha carter efetivamente pblico, evitando que seja confundido com a ao de um governo ou partido.

    Respaldo Legal

    O Bairro-Escola cria uma nova dinmica de interao entre poder pblicoe sociedade civil, escola e comunidade, populao e conhecimento. Essas novas relaes demandam novos procedimentos que, muitas vezes, precisam ser institucionalizados por meio de leis, a fi m de se evitarem os entraves burocrticos, entre outros tipos de impedimentos. As alteraes na legislao tm que respaldar, por exemplo, a formalizao das parcerias entre prefeitura e organizaes da sociedade civil, a criao do cargo de educador comunitrio, a garantia de novas linhas de fi nanciamento, entre outras questes que se mostrarem necessrias.

    PASSO A PASSO

    PASSO 1: CONSTRUO DE BASES POLTICO-COMUNITRIAS

    A Educao Comunitria acontece de forma mais potente quando se confi guracomo um projeto de cidade. Quando deixa de ser uma iniciativa localizada, restritaa uma escola ou regio, e ganha foco municipal. Vale ressaltar que a experincias ganha esse nvel de escala se:

    1. Coordenada pelo poder pblico local;2. Legitimada por um pacto com a sociedade civil;3. Respaldada por leis que viabilizem a sua operacionalizao.

    Coordenao do Poder Pblico Local

    A conduo do Bairro-Escola pela prefeitura facilita a criao das condies estruturais necessrias para que o programa seja executado em sua plenitudee expanda-se gradualmente por toda a cidade. Para tanto, a iniciativa no pode ser assumida por uma nica secretaria. A liderana do processo deve estar nas mos do prprio prefeito ou de um representante por ele designado. J a execuo depende da ao articulada entre diversas instncias do governo, entre eles:

    Planejamento: Apia a construo de um programa integrado, capaz de articularaes, metas e oramentos das diversas secretarias, bem como dos governosestadual e federal.

    Obras Pblicas: Adapta praas, ruas e caladas, a fi m de transformar os espaospblicos em ambientes acolhedores e educativos e conectar as escolas com os locaisonde so realizadas as aes complementares.

    Engenharia de Trfego: Facilita a circulao, permitindo que os alunos desloquem-secom segurana entre os diferentes espaos educacionais.

    Educao: Contrata e monitora os educadores comunitrios, que fazem a ponte entreas escolas e os parceiros locais. Capacita gestores e professores para que integremas atividades complementares ao cotidiano da sala de aula. Mobiliza as famliase acompanha os alunos.

    Sade: Trabalha com as escolas no sentido de prevenir, identifi car e solucionar problemas de sade que prejudicam o aprendizado dos alunos, como difi culdades de viso e audio, verminoses e carncias nutricionais, entre outros.

    Assistncia Social: Cria novos programas sociais e integra os j existentes propostado Bairro-Escola.

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  • Mapeamento dos Indicadores Sociais

    Os indicadores sociais apontam as escolas e bairros com maior nvel de vulnerabilidade e que mais necessitam dos benefcios promovidos pela Educao Comunitria. A identifi cao acontece a

    a partir do cruzamento de diferentes dados, entre eles o cadastro do programa Bolsa Famlia, o ndice de Desenvolvimento Humano (IDH), os nveis de violncia e as pesquisas de avaliao educacional.

    Mapeamento de Oportunidades

    Toda comunidade possui inmeros potenciais educativos, alguns facilmente percebidos, outros nem tanto. No mbito do Bairro-Escola, o mapa do visvel inclui atividades claramente associadas rea educacional, como bibliotecas, museus, teatros e projetos sociais promovidos pelas trs esferas de governo, por empresas privadas e organizaes no-governamentais.

    J o mapa do invisvel incorpora possibilidades pedaggicas mais inusitadas, como uma praa abandonada que se renova com a ajuda dos prprios alunos, um aposentado que vira contador de histrias ou uma ofi cina mecnica que se transforma em laboratrio de fsica. Para identifi car essas oportunidades ainda latentes, a comunidade precisa lanar um novo olhar sobre si mesma, reconhecendo o potencial educativo de pessoas, espaos e equipamentos pblicos que no pertencem tradicionalmente ao universo da educao.

    Ao elencar suas percepes, seus contatos e suas referncias, os participantes do Bairro-Escola identifi cam uma srie de possibilidades de aprendizagem. Diferentes pontos de vista contribuem para a montagem de umcaleidoscpio de alternativas. Uma av que borda, um amigo que faz pipas, um vizinho que constri casas, um conhecido que d aulas de informtica, o conselho tutelar, um poeta, um grupo de teatro, uma banda de msica, uma escola de samba, uma grande loja, um posto de sade, um parque pblico, um salo de festas e at mesmo a piscina de uma residncia particular so alguns dos muitos ativos que j existem na comunidade e podem se transformar em aliados do processo de aprendizagem.

    As oportunidades levantadas passam a compor um mapa, que pode assumir diferentes formatos, como um relatrio, uma tabela, um mapa cartogrfi co

    PASSO 2 - IDENTIFICAO DE REFERNCIAS

    Ao planejar seu programa de Educao Comunitria, escolas, organizaes e municpios devem ter a preocupao de conhecer e analisar experincias semelhantes que j vm sendo realizadas dentro e fora dos seus limites geogrfi cos. Iniciativas localizadas ou de grande escala que esto sendo implementadas em diferentes estados brasileiros podem servir de inspirao, subsidiar o processo de concepo e evitar problemas de execuo que j foram enfrentados e solucionados por outras instituies. Estudos e cursos de especializao oferecidos por algumas das principais universidades brasileiras tambm se constituem em importantes fontes de orientao.

    A busca de referncias deve prever tambm a identifi cao de pesquisas e projetos realizados nas mais diversas reas do conhecimento que interagem com a proposta do Bairro-Escola, entre elas urbanismo, educao, cultura, trabalho, economia e novas tecnologias.

    PASSO 3: REALIZAO DO PROJETO-PILOTO

    Sugerimos s escolas, organizaes ou municpios interessados em implantar o Bairro-Escola que desenvolvam uma etapa piloto antes de consolidar ou dar escala ao seu programa. Inicialmente, preciso defi nir o foco dessa primeira experimentao a partir de critrios quegarantam a sua capacidade de gerar exemplaridade. O piloto pode abranger uma escola ou um bairro da cidade. Seu processo de planejamentoe execuo deve ser registrado, monitorado e avaliado cuidadosamente,a fi m de que se construam referncias para seu aprimoramento e expanso.Ainda assim, importante considerar cada nova experincia como nica,ou seja, os parmetros construdos no devem assumir o carter de receita,mas oferecer orientaes fl exveis e adaptveis s especifi cidadese demandas de cada escola ou localidade.

    PASSO 4: MAPEAMENTO

    A construo do mosaico comunitrio do Bairro-Escola se inicia com o mapeamento de indicadores sociais, oportunidades e parceiros.

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    VILA MADALENA

    PINH

    EIRO

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  • propriamente dito ou um banco de dados digital. Alunos de ps-graduao da Fundao Vanzolini, entidade ligada Universidade de So Paulo, desenvolveram um programa de busca na internet capaz de gerenciar todo o universo de oportunidades oferecidas pelas regies onde o Bairro-Escola implantado.O buscador funciona por meio da digitao de palavras-chave. Quando o usurio digita o termo natao, por exemplo, o programa lista todos os espaos da comunidade onde os alunos podem nadar. Os dados so inseridos e atualizados pelas equipes do Bairro-Escola de cada localidade. A tecnologia est disponvel gratuitamente para qualquer escola, organizao ou municpio que deseje utiliz-la.

    interessante que os processos de aprendizagem promovidos pelo Bairro-Escola incorporem os temas que geram identifi cao e fazem sentido para cada localidade. Da a importncia do mapeamento tambm resgatar a cultura local, as vocaes naturais e as referncias mais signifi cativas para as pessoas do lugar. As informaes obtidas ao longo dessa etapa podem ser registradas atravs de lbuns de fotografi a, entrevistas gravadas, vdeos documentrios e textos narrativos, entre outros materiais capazes de contextualizar processos realizados dentro e fora da escola.

    Mapeamento de Parceiros

    Uma vez identifi cadas as oportunidades, torna-senecessrio mapear, conquistar e formalizar a relaocom os parceiros que iro viabilizar a sua disponibilizao para a comunidade. As parcerias so fi rmadas com pessoascomuns, remuneradas ou voluntrias, instncias do governo municipal, estadual e federal, organizaes sociais,universidades, pequenos empreendimentos locais, empresasnacionais e multinacionais e agncias de cooperaointernacional.

    Cabe aos gestores do Bairro-Escola construir com essesinterlocutores a forma como iro colaborar com

    o programa. Cada uma dessas contribuies tambm precisa se articular com as demais e com as escolas, a fi m de que ofeream uma vivncia educativa ampla,contnua e qualifi cada. A perspectiva nesse caso construir uma rede de parceiroscoesa e diversifi cada, que se co-responsabilize pela implantao e sustentabilidadede todo o processo de Educao Comunitria.

    O fortalecimento dessa rede depende de que esses diferentes atores se conscientizemdo seu papel pedaggico e percebam os benefcios que essa nova atitude traz paraos alunos e a comunidade. Tal movimento, principalmente em funo do seu cartercoletivo, pode provocar grandes impactos no mbito das polticas pblicas e dodesenvolvimento local.

    PASSO 5: CONSTRUO E GESTO DE TRILHAS EDUCATIVAS

    As trilhas educativas do mobilidade ao processo pedaggicoe conectam as diversas oportunidades disponibilizadas pelo Bairro-Escola, com o objetivo de enriquecer, complementar e apoiar o ensino formal. Tais percursos formativos so construdos e gerenciados com a colaborao do Educador Comunitrio, pea-chave de todo o programa e responsvel por mediar a relao entre as escolas, os parceiros e a comunidade. Cabe a cada colgio, organizao ou municpio decidir que trilhas podem ou precisam construir nos diferentes momentos de implantao do seu programa.

    Trilhas Escolares

    As trilhas montadas pelos professores para enriquecero processo de sala de aula permitem que os alunos adquiram conhecimentos por meio da observaoe experimentao da realidade. Tome-se como exemplo um grupo de docentes que decide trabalhar os contedos curriculares a partir da histria da cidade. Analisando o mapa previamente elaborado, eles percebem que podem:abordar os eventos histricos percorrendo museus e monumentos e conversando com grupos de idososdo bairro; trabalhar matemtica em meio a uma visita antiga sede da bolsa de valores e qumica atravs dainterao com um restaurador de obras antigas.Levantadas as possibilidades, professores e alunos constroem conjuntamente seu percurso formativo, defi nindo os locais que visitaro, as pessoas com as quais iro interagir e as datas em que cada evento ocorrer.

    Trilhas Complementares

    Existem trilhas que so construdas com foco na complementao escolar. Algumas delas tm como propsito promover a educao em tempo integral, ampliando a jornada pedaggica por meio de atividades educativas oferecidas no contraturno, em diferentes espaos da comunidade. Aulas de esporte no clube, de desenho animado na escola de cinema, de informtica no telecentro, de recreao na praa, de educao ambiental no parque, de cidadania na associao de moradores, de dana no salo de festas, alm de apoio na elaborao das lies de casa esto entre as inmeras possibilidades.

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  • Nesse caso, o Bairro-Escola tem que estimular seus parceirosa criar diversas atividades, alm de montar uma programao diria, articulada com os contedos trabalhados em salade aula. Tambm precisa facilitar a circulao dos estudantespelos diferentes espaos educativos, atravs da desobstruodas caladas, da ambientao dos trajetos, da modifi caodo trnsito e at mesmo da disponibilizao de nibus. Outro desafi o identifi car e capacitar monitores aptosa transformar cada uma dessas aes em oportunidades concretas de ampliao do nvel de aprendizagem dos alunos.Parcerias estabelecidas com universidades permitem que essetrabalho de monitoria seja realizado com qualidade, por

    estudantes de graduao recrutados como bolsistas e formados em servio por seusprprios professores.

    Algumas trilhas complementares acontecem tambm de forma independenteda jornada ampliada. Envolvem cursos, ofi cinas, palestras, atividades esportivas, culturais e de entretenimento, sempre de carter gratuito, que expandemo repertrio e desenvolvem as habilidades de crianas e jovens nos horrios em queno esto na escola, inclusive nos seus momentos de lazer.

    Trilhas de Apoio

    As trilhas do Bairro-Escola tambm percorrem caminhos que conectam os alunos a servios pblicos capazes de solucionar problemas que comprometem o seu processo de aprendizagem. Nos postos ou com os agentes de sade, por exemplo, cuidam do seu bem-estar, evitando que doenas facilmente tratveis atrapalhem seu nvel de concentrao e absoro de conhecimentos. Em clnicas psicolgicas, trabalham questes emocionais e distrbios de comportamento. Os conselhos tutelares acionam suas famlias quando notifi cados de que no esto freqentando as aulas ou apresentam sinais de maus-tratos e negligncia. A rede da Educao Comunitria ainda envolve diversos outros atores, a fi m de garantir direitosbsicos sem os quais os estudantes no conseguem aprender e se desenvolver.

    PASSO 6: EXPRESSO, COMUNICAO, MOBILIZAO E DISSEMINAO

    O Bairro-Escola, enquanto processo comunitrio, precisa abrir espao paraa expresso e participao de todos os interessados. A populao deve ser encorajada a emitir suas idias, opinies e propostas a respeito da iniciativa, as quais devem ser valorizadas e consideradas sempre que possvel. O programa, por sua vez, tambmprecisa se comunicar permanentemente com a comunidade, a fi m de conscientizar

    as pessoas sobre a importncia da Educao Comunitria, convoc-las a contribuirde maneira cada vez mais intensa e divulgar oportunidades, aes e resultadospara que sejam usufrudos e celebrados por todos.

    Torna-se fundamental, portanto, que se criem canais de comunicao dinmicose interativos, com o propsito de mobilizar a populao, integrar os parceiros,facilitar as conexes, as trocas, o trabalho coletivo e a produo de conhecimentos,elementos essenciais para que o Bairro-Escola torne-se parte da cultura e da rotinadessas localidades. Aes e instrumentos que permitam comunidade se conhecere ser reconhecida, ao mesmo tempo em que divulgam e legitimam o programadentro e fora do municpio.

    Tais recursos de comunicao podem ser produzidos pelos prprios alunos, com apoiode educadores, comunicadores e tcnicos, em meio a ofi cinas realizadas como partedas trilhas educativas. Campanhas de conscientizao e mobilizao social, agendasde oportunidades impressas e eletrnicas, boletins informativos, programas de rdio e tev, vdeos documentrios e exposies fotogrfi cas esto entre os possveisresultados desse processo. Sua execuo depende da montagem de centros de mdiacomunitria, que viabilizem o acesso, a produo e a difuso de comunicaopela populao local.

    Recomendamos ainda que os saberes gerados pelo Bairro-Escola sejam sistematizadose compartilhados interna e externamente, a fi m de que possam subsidiar outrasexperincias e se aprimorar na interao com elas.

    PASSO 7: EXPANSO

    O processo de expanso do Bairro-Escola deve priorizar regies que apresentem: alto nvel de vulnerabilidade e demanda social, capacidade de promover oportunidades e parcerias, receptividade e adeso local. O ganho de escala deve ser acompanhado pela construo de parmetros de qualidade e indicadores de resultados, analisados por meio de mecanismos permanentes de monitoramento e avaliao. A preocupao preservar princpios e conceitos e assegurar o alcance dos impactos esperados. Conselhos ou comits compostos por representantes do poder pblico e da sociedadecivil podem se constituir em importantes aliados desse processo, desde que tenham clareza do seu papel e competncia para cumprir essa funo.

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  • CAPTULO 4 A GESTO DO BAIRRO-ESCOLA

    O Bairro-Escola deve ser gerido com a participao de diferentes representantesda comunidade, capazes de assumir a responsabilidade por tomar decises e executaras aes previstas pelo programa.

    TOMADA DE DECISO

    Sugerimos que as decises relacionadas ao Bairro-Escola, principalmente quandoestruturado como programa municipal, sejam tomadas no mbito de Conselhos Locaise de um Conselho Gestor.

    Os Conselhos Locais seriam formados por representantes de diferentes segmentos (escola, organizaes sociais, empresas, grupos culturais, conselhos, entre outros)e geraes (jovens, adultos e idosos), reconhecidos pela comunidade e qualifi cados para exercer plenamente a sua funo. Suas responsabilidades compreenderiam a escuta e considerao das opinies e propostas feitas pela populao do seuprprio bairro, o planejamento, acompanhamento e avaliao das aes locais,a preservao de conceitos, princpios e parmetros e a deliberao sobre impassese encaminhamento de ordem mais especfi ca e localizada.

    O Conselho Gestor seria composto de forma paritria por representantes do poder pblico, defi nidos pela prefeitura, e da sociedade civil, designados pelos Conselhos Locais, todos devidamente informados e comprometidos com o Bairro-Escola. Suas atribuies incluiriam o planejamento, o acompanhamento e a avaliao do programa em nvel municipal, a defi nio e a preservao de conceitos, princpiose parmetros e a deliberao sobre impasses e encaminhamentos de mbito mais geral.

    EXECUO

    O Bairro-Escola implementado conjuntamente pelo poder pblico municipal, pelasescolas, pelos parceiros e por Educadores Comunitrios que medem as relaes entreessas diferentes instncias.

    PODER PBLICO MUNICIPAL

    Cabe prefeitura transformar o Bairro-Escola em poltica pblica, criar ambinciajunto sociedade e coordenar a sua execuo, criando infra-estrutura, qualifi candoa oferta dos servios pblicos necessrios e fi nanciando parte das aes. Para tanto,precisa potencializar e integrar programas, metas e oramentos das diversas secretariase dos governos estadual e federal.

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  • ESCOLA

    A escola constitui-se em eixo central do programa, por ser, juntamente com a famlia, a principal responsvel pela formao dos seus alunos e por reunirdiariamente as crianas e jovens da regio. Sua contribuio para a Educao Comunitria torna-se inestimvel quando participa do mapeamento das oportunidades e da construo de parcerias com os atores locais, apia a montagemdas trilhas educativas e articula seus contedos e vivncias com o cotidiano escolar,motiva diretores, professores, familiares, e alunos para aderir ao processo, enquantoindivduos e por meio de suas representaes, como o conselho escolar, o grmioestudantil e a associao de pais e mestres.

    O envolvimento mais intenso s acontece quando esses diversos integrantes compreendem a importncia, as vantagens e incorporam o Bairro-Escola comoparte da sua cultura. A sensibilizao interna nesse caso agua a percepo de quea parceria com a comunidade no substitui, nem diminui o seu papel, mascomplementa e fortalece a sua atuao.

    PARCEIROS

    Os parceiros so todos aqueles que oferecem tempo, conhecimento, habilidades,trabalho, espaos e oportunidades para ampliar as vivncias educativas proporcionadas comunidade. Espera-se que os parceiros no apenas disponibilizemapoios especfi cos, mas tambm se comprometam com o Bairro-Escola e seco-responsabilizem pela sua sustentabilidade. Da a importncia de se constituremem uma rede articulada e atuante, reconhecida e valorizada pelos demaisparticipantes do programa.

    EDUCADORES COMUNITRIOS

    O Educador Comunitrio tem o papel de criar pontes entre a escola e a comunidade e construir redes de relaes entre esses dois universos, atuando junto a gruposinternos (grmios, conselhos escolares, alunos, familiares, professores e direo)e externos (empresas, rgo pblicos, organizaes da sociedade civil e cidados).Seu principal desafi o mobilizar esses atores, coloc-los em contato e facilitar a interatividade entre eles, para que possam trabalhar conjuntamente com vistasa identifi car e promover novas oportunidades de aprendizagem.

    O Educador Comunitrio tem ainda a atribuio de: mapear constantementeos potenciais pedaggicos do bairro, transform-los em vivncias concretas, apoiara montagem das trilhas educativas, integrar as diferentes aes e apoiar a sua articulao com o cotidiano escolar. Diante da sua importncia para o Bairro-Escola, alguns municpios esto criando leis para transform-lo em cargo pblicoe facilitar a sua contratao.

    Para cumprir bem a sua funo, o Educador Comunitrio deve mostrar-se aberto,disponvel, criativo, gregrio e fl exvel, mas sempre fi rme em sua inteno de gerartransformaes que elevem a qualidade da educao. Sugerimos ainda que essatarefa seja compartilhada por agentes da escola e da comunidade, a fi m de que cadaum assuma um conjunto especfi co de responsabilidades, conforme seu cargo,suas caractersticas e aptides.

    Vale ressaltar que todo Educador Comunitrio deve ter como atributos essenciaisum profundo compromisso com o desenvolvimento das pessoas e da comunidade, a humildade para saber que jamais conseguir alcanar seu intento sozinho e atenacidade para fomentar a promoo de mudanas de cultura e comportamentoque levam tempo para acontecer.

    O Programa Mais Educao integra o Plano de Desenvolvimento daEducao na perspectiva de contribuir para a articulao local de polticaspblicas voltadas para o atendimento de crianas, adolescentes e jovens. A escola o espao prprio e adequado para oferecer a formao integral. Isoladamente, no entanto, ela no pode responder pelo amplo conjunto de desafi os que a formao integral implica. Por isso, comoexpressa a Secretaria Municipal de Educao de Belo Horizonte em seuprojeto Escola Integral, preciso ampliar o tempo e o espao educativos.

    As avaliaes nacionais peridicas indicam queo desempenho escolar de meninos e meninas alcana melhores resultados quando so oferecidas atividades de natureza cultural, esportiva, comunitria envolvendo equipamentos da sociedade. Um ditado africano, utilizado na formao de educadores que participam do projeto Bairro-Escola de Nova Iguau, resume com propriedade essa concepo: preciso toda uma aldeia para educar uma criana. No contexto do Compromisso Todos pela Educao, do Estatuto da Criana e do Adolescente e da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, o programa Mais Educao traa diretrizes para envolver comunidades, famlias, sociedade e poder pblico na promoo de um ambiente educativo amplo e seguro para crianas, adolescentes e jovens.

    O Programa Mais Educao articula aes dos Ministrios da Educao, da Cultura, do Desenvolvimento Social e do Esporte para fomentar a educao integral e mobilizar tambm estados e municpios. Nos prximos anos, ser necessrio articular aes e medidas que incluema capacitao de professores e funcionrios, a criao e manuteno de espaos de convivncia nas escolas, a oferta de atividades de esporte e lazer, fundamentaispara o processo de aprendizagem. Esse processo uma cadeia que deve ser mantida e alimentada. Promover a educao integral signifi ca garantir aos meninos e meninas brasileiros o direito de aprender, e criar oportunidades para que cada criana, cada adolescente, cada jovem possa desenvolver seus talentos num ambiente rico e acolhedor.

    MAISEDUCAO

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  • CIDADE ESCOLA APRENDIZTRANSFORMA VILA MADALENA

    A Vila Madalena hoje um autntico bair-ro-escola, referncia no Brasil e no mundo. Fruto da Cidade Escola Aprendiz, a iniciativa j faz parte do banco de experincias da As-sociao Internacional das Cidades Educado-ras (AICE) e da Comisso Econmica para a Amrica Latina e Caribe (Cepal), ligada ONU.

    A transformao do bairro em uma escola a cu aberto ocorreu ao longo dos ltimos dez anos, em um processo de re-signi cao dos espaos pblicos, de participao ativa de crianas e jo-vens e do envolvimento de toda a comunidade.

    O pontap inicial foi o site Aprendiz, que se desdobrou em uma srie de projetos em parceria com a comunidade, as escolas, famlias, empre-sas e, mais recentemente, com o poder pblico.

    Hoje, a Cidade Escola Aprendiz atende 60 crian-as e 70 jovens no contra-turno escolar e tem um centro de formao para disseminar o conceito de Bairro-Escola. S em 2006, 10 mil educado-res brasileiros passaram pela organizao.

    As crianas tiveram papel fundamental na formao do Bairro-Escola. Com a criao da Escola da Rua, um ncleo de arte e interveno urbana e comunitria, cinco mil jovens de escolas pblicas e privadas participaram do projeto 100 Muros. Ao longo de 30 meses, eles criaram coletivamente painis de mosaicos para 100 muros da cidade.

    ESCOLA A CU ABERTO Em funo do contato

    com os jovens durante o projeto 100 muros, as crianas da comunidade expressaram o desejo de tambm fazer parte da Cidade Escola Aprendiz. Foi assim que surgiu a Escola na Praa, que realiza atividades educativas no contra-turno escolar com estudantes de 4 a 15 anos.

    O espao utilizado a Praa Aprendiz das Letras, um lugar aberto antes abandonado e transformado pela ONG em praa e sala de aula. Quem conhece aquela praa hoje e a conheceu antes consegue sentir o gosto de ver uma cidade moldada no pela violncia, mas pela educao, comenta Gilberto Dimenstein, fundador da ONG. Surgiram ali ores, cheiros, rvores, brincadeira, na rua mais violenta e suja do bairro, descreve.

    L, as crianas desenvolvem atividades regu-lares nas reas de artes, msica e comunicao, alm de atividades esportivas. A Escola na Praa no apenas um espao dedicado educao. Vai alm. Por meio da arte, contribui para que o pro-cesso de ensino incorpore valores de cidadania, tica e respeito diversidade, diz a diretora geral da Cidade Escola Aprendiz, Natacha Costa. Mais

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    do que isso, estimula o senso esttico, a re exo, a criatividade e o resgate da identidade das crianas e da comunidade da Vila Madalena, acredita.

    DIVISO DE RESPONSABILIDADES E como todas as crianas estudam, o relacionamento da Cidade Escola Aprendiz se estendeu tambm para as escolas, famlias e bairros. Para dividir as responsabilidades com toda a comunidade, a ONG comeou a articular redes de atendimento, servios e recursos da sociedade, tais como escolas pblicas e particulares, postos de sade, hospitais, universidades, bibliotecas, ONGs, abrigos, restaurantes, Conselho Tutelar, Coordenadoria da Educao de Pinheiros e Pastoral do Menor.

    O trabalho em rede possibilitou a troca de informaes sobre as famlias e um olhar inte-gral sobre a criana e o jovem. Os pais dos estu-dantes atendidos pelo Aprendiz so encaminha-dos para receber orientao nas mais diversas reas, como terapia familiar, direito e sade. A rede traz uma srie de benefcios para a comuni-dade: mais legitimidade, otimizao de recursos, reduo de despesas e a transformao do sa-ber acumulativo em saber por conectividade.

    O processo de formao de trilhas educativas e os diversos programas de arte e comunicao para jovens se fundiram em um grande ncleo: as Trilhas Urbanas, cuja perspectiva a mobilidade no bairro e na cidade, seguindo o conceito de Bairro-Escola. A criana e o jovem circulam pelas ruas e os diferentes agentes do bairro colaboram com a formao deles.

    No caso dos jovens, estudantes das escolas do entorno, o foco do trabalho so projetos. Depois de passar por uma srie de experincias socio-culturais, eles escolhem entre as ferramentas de comunicao e arte, como rdio, vdeo, msica, teatro, fanzine. Cada grupo desenvolve um pro-

    jeto que dialogue com a cidade e, a partir da, vo atrs de parcerias, sob orientao do Aprendiz.

    DILOGO COM A CIDADE Os jovens comeam, assim, a freqentar espaos que no frequentavam antes, como centros culturais, museus, cinema, biblioteca. Vale frisar que as trilhas so desenhadas a partir da demanda das crianas e dos jovens. Eles so os protagonistas do estabelecimento dessas redes, diz Natacha. No o educador ou o Aprendiz que decide para onde essa criana ou esse jovem vai. Analisamos as oportunidades educativas e de apoio do bairro, a partir da demanda que eles trazem, de sua vontade, de seu talento e de suas necessidades, reitera.

    medida que os estudantes comearam a estabelecer as Trilhas Educativas, surgiu uma srie de parcerias no bairro. Um exemplo a Gorjeta Solidria, envolvendo os restaurantes Salve Jorge, Posto 6 e Z Menino, que destinam 10% do valor da gorjeta para o projeto Escola na Praa. A quantia nancia as aulas de basquete das crianas na Praa. Os restaurantes custeiam tambm o lanche para os participantes, conta a assistente de direo, Solange Costa Ribeiro, no Aprendiz desde sua fundao.

    Outra trilha a biblioteca da Universidade Belas Artes, que montou uma sala de leitura para as crianas e deu formao para um educador do Aprendiz. O acervo est disponvel para toda a comunidade. A Locadora 2001 outro parceiro e oferece a possibilidade de atividades planejadas a partir da exibio de lmes de seu acervo.

    Os exemplos no pram a. A Associao de Cristos e Moos (ACM) tambm recebe as crian-as. Na C&A, jovens do Aprendiz participaram de um programa de estgio, de onde alguns saram empregados. Uma das parcerias mais recentes com o SESC, que est fomentando a criao de

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    CAPTULO 5CASOS - Experincias de Educao Comunitria

  • um jornal chamado Na Faixa, com informaes sobre eventos culturais gratuitos e distribuio nas escolas do bairro. Tambm o SESC ofereceu a oportunidade de as crianas, jovens e familiares obterem carteirinhas para livre acesso. Tanto as crianas como os jovens podem se envolver com todos esses servios da comunidade e no neces-sariamente todos passam pelas mesmas trilhas. Ano a ano, as o cinas so pensadas e repensadas, seguindo um conceito de percurso formativo.

    Agora, a Cidade Escola Aprendiz busca perspectivas de insero dos jovens no mercado de trabalho. Mostra disso so dois projetos em andamento. O Centro Paula Souza, por meio do programa Bairro Sustentvel, d formao em competncias ligadas a pro sses relacionadas aos talentos do bairro. Como a Vila Madalena tem mui-tos bares e restaurantes, os jovens esto recebendo formao de chapeiro na Escola Tcnica Guaraci Ribeiro, em Pinheiros. A idia oferecer ainda cursos de pizzaiolo, confeteiro e padeiro, revela Na-tacha. Outra parceria com a empresa de bebidas Diageo, que oferece, no Brasil e em outros pases, formao para jovens como bartender e baristas.

    PARCERIA FUNDAMENTAL Por muito tempo, o poder pblico teve pouca presena na Cidade Escola Aprendiz. Hoje, no entanto, isso est mudando. Natacha conta que a experincia de levar as pessoas para a rua, de fazer com que elas desejem cuidar do bairro, comeou a chamar a ateno e rgos pblicos comearam a apoiar as iniciativas.

    O Jornal Na Faixa, por exemplo, vai receber apoio das Secretarias Municipal e Estadual de Educao de So Paulo. Durante a Virada Cultural, evento cultural patrocinado pela Prefeitura de So Paulo, uma das atraes foi realizada na Praa, com

    suporte da Subprefeitura de Pinheiros que, por sua vez, abraou a idia de Bairro-Escola e est con-struindo para si seus referenciais (veja box). Nossa concluso, ao nal desse tempo todo, que o poder pblico tem um papel fundamental. E por isso que apoiamos tanto as experincias de Belo Horizonte e de Nova Iguau, diz Natacha. No h organiza-o no governamental, no h escola que consiga viabilizar esse processo sem que o poder pblico d suporte, coloque suas secretarias para olhar, para dar apoio e entenda de fato que tem que haver uma gesto intersetorial, um dilogo da educao com a sade, com a assistncia social, en m, entre todos, defende. Em parceria com o poder pblico, o Aprendiz comea a abrir portas para a cidade.

    Segundo Natacha, a Cidade Escola Apren-diz ainda tem alguns desa os, principalmente com relao manuteno da rede. preciso fomentar essa rede, para que ela continue acon-tecendo, avalia. Outro ponto a organizao e divulgao das experincias. Fazemos um tra-balho forte de divulgao, mas, s vezes, falta dar conta do uxo de informaes, diz Natacha.

    Outro desa o a avaliao dos indicadores. Temos feito um esforo muito grande para levantar os indicadores do Bairro-Escola, que so diferentes dos convencionais, conta Natacha. Como se trata de um movimento da cidade e do bairro, os indica-dores esto ligados a fatores como a integrao da criana e do jovem sociedade, relacionamento com a famlia e dessa famlia com a comunidade, alm da capacidade das crianas e dos jovens de sonhar, de projetar seu futuro. O bairro-escola quebra paradigmas e traz a referncia de que a educao no responsabilidade nica da escola, e, sim, de uma comunidade inteira, diz Natacha.

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    PINHEIROS NA TRILHADO BAIRRO-ESCOLA

    A experincia da Cidade Escola Aprendiz da Vila Madalena, em breve, vai se expandir para os bairros vizinhos. A Subprefeitura de Pinheiros est empenhada em transformar num Bairro-Escola a regio, formada por 20 bairros de quatro distritos: Pinheiros, Alto de Pinheiros, Jardim Paulista e Itaim Bibi. Os primeiros passos j foram dados. Apesar de a regio apresentar os maiores ndices de De-senvolvimento Humano (IDH), a Subprefeitura est enfrentando uma srie de desa os na implanta-o da iniciativa. Resistncia da comunidade em trabalhar com o poder pblico, falta de compro-metimento e di culdades na formao de redes so alguns dos obstculos a serem superados.

    Tudo comeou com o interesse mtuo da Cidade Escola Aprendiz e da Subprefeitura de Pinheiros em ampliar o Bairro-Escola Vila Madalena para o Bairro-Escola Pinheiros. Com essa misso, o educador Piat Stoklos Kignel assumiu, em maro de 2007, o cargo de supervisor de Cultura da Subprefeitura de Pinheiros. Piat, que trabalhou no Aprendiz por dois anos, conta que a primeira ao da Subprefeitura foi a abertura do Frum Permanente de Formulao de Polticas Pblicas para Cultura, na Regio de Pinhei-ros. O Frum de Cultura tem como objetivo criar um espao para a comunidade local pensar conjunta-mente aes de poltica pblica na rea cultural.

    O primeiro encontro foi em abril de 2007 e reuniu 60 pessoas ligadas a galerias de arte, cen-tros culturais, ONGs, poder pblico e empresas. Nessa reunio, a Subprefeitura apresentou um pr-projeto para que os participantes pudessem

    tirar dvidas, dar sugestes e oferecer participa-o. Para Piat, a receptividade foi mdia. Algumas pessoas demonstraram resistncia em realizar aes conjuntas com o poder pblico, lamenta.

    Alm do Frum, a Subprefeitura estabeleceu quatro comisses de trabalho. A de Meio Ambi-ente e Cultura vai de nir a ocupao dos espaos pblicos na perspectiva da responsabilidade ambiental. A de Ocupao e Espaos Pblicos vai pensar em como ocupar os espaos urbanos com arte, elaborar projetos e operacionaliz-los. Outra comisso a Rede do Brooklin/Itaim. Notamos que esses bairros tm uma cultura local muito diferente, alm da questo geogr ca. A idia dessa rede fortalecer a articulao local, justi ca.

    A Comisso de Educao e Cultura a que mais avanou nos trabalhos e j conta com mais de 30 pessoas interessadas na implanta-o do Bairro-Escola, ligadas a museus, insti-tuies, empresas, escolas, associaes.

    Segundo Piat, nesse incio do processo, a Sub-prefeitura age como facilitadora da rede. Enfatizei que cada um teria que convidar outros atores sociais de suas prprias redes de contato. Em algumas ocasies, tive a impresso de que no quiseram as-sumir a responsabilidade. Faltou comprometimento, avalia. Caso as pessoas no convidem outros atores se far necessrio pensar em nova estratgia de articulao local e de fortalecimento comunitrio, diz Piat, lembrando que uma rede se concretiza quando os participantes se apropriam do coletivo e passam a ser co-gestores daquela atividade.

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  • TRILHAS EDUCATIVAS EM SO PAULO

    O conceito de Bairro-Escola nasceu na Vila Madalena, foi se espalhando pela cidade de So Paulo e j desceu a Serra do Mar. As iniciativas surgiram das formas mais variadas. Entre elas, um ponto em comum: o uso dos espaos pblicos para criar novas oportunidades de aprendizagem para crianas e adolescentes. Outra caracterstica o trabalho voluntrio de pais, professores e outros integrantes da comunidade, empenhados em contribuir para a melhoria da qualidade do ensino.

    No centro da capital, Teatro Municipal, Sala So Paulo e Ptio do Colgio, entre outros cones culturais paulistanos, viraram locais de estudo para os alunos das escolas municipais da regio. A iniciativa partiu da Subprefeitura da S, que desde 2005, coloca em prtica o projeto O centro pode ser uma sala de aula. A idia fazer com que os alunos ocupem e vivam sistematicamente todos os espaos culturais oferecidos pelo cen-tro, explica Olga Arruda, assessora especial da Subprefeitura da S desde o incio do projeto.

    Com o tempo, Olga percebeu que s levar as crianas a esses locais no era su ciente. Entramos em contato com as instituies para que elas plane-jassem formas educativas e criativas de receber nossos alunos, conta. Constatamos que a escola se fecha para o seu entorno e vice-versa. Porm, no desistimos e, aos poucos, seduzimos diversas

    instituies culturais. Hoje, o projeto conta com cerca de 80 parceiros, entre eles a organizao Cidade Escola Aprendiz, responsvel pela forma-o dos professores e gestores educacionais.

    O educador comunitrio uma pea-chave no processo, uma vez que atua como elo de ligao com o bairro. Cada escola tem, em mdia, dois educado-res comunitrios. Para se tornar um deles, o professor apresenta um projeto que pode ser aprovado ou no.

    As visitas aos centros culturais so gratuitas e, geralmente, realizadas no contra-turno escolar. Se-gundo Olga, as escolas procuram envolver as famlias nas atividades. Pais e lhos comearam a perceber que o centro tambm um bairro e mudaram a viso sobre o lugar onde moram e estudam, avalia.

    VIZINHOS UNIDOS Localizada na Avenida Paulista, a Escola Estadual Rodrigues Alves tambm conquistou uma rede de parceiros na sua vizinhana. O Ita Cultural, por exemplo, localizado na mesma quadra da escola, coloca todos os seus equipamentos disposio e capacita os professores para que acompanhem melhor seus alunos nas visitas s exposies em cartaz.

    Com o Hospital Santa Catarina, a escola realiza uma srie de atividades. Um exemplo o Conta-dor de Histrias, projeto em que os estudantes contam histrias para as crianas internadas. O coral de primeira a quarta srie tambm or-ganizado voluntariamente por um funcionrio do hospital. O Banco Real assumiu o projeto de restauro da escola e a organizao Paulista Viva desenvolve cursos de informtica para os estu-dantes. Segundo a diretora Ivete Mitico, a inicia-tiva fez com que muitos estudantes passassem a levar os pais para a Paulista no m de semana, o que aumentou a sua interao com a cidade.

    Com cerca de 2,4 mil alunos e 80 professores, a Rodrigues Alves abriu as portas para a comuni-

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    dade em 1998, quando a Secretaria da Educao do Estado comeou a difundir a proposta do voluntari-ado. Para a diretora, os voluntrios so o que h de mais precioso na escola: So pais, professores e alunos com vontade de contribuir e doar o seu tempo, diz Ivete. Ela conta que as parcerias foram surgindo aos poucos, medida que as pessoas procuravam a escola. O objetivo ampliar o cur-rculo escolar. O professor j comea a perceber que necessrio expandir os espaos de aprendizagem, pois o aluno est cansado da sala de aula, avalia.

    MODELO PARTICIPATIVO Na cidade de Praia Grande, na Baixada Santista, as escolas municipais esto trabalhando para aumentar o tempo de permanncia escolar dos alunos, aproximar famlia e comunidade da escola e diminuir o ndice de repetncia. Tudo comeou quando a Secretaria de Educao do Municpio veri cou que os altos ndices de reteno estavam associados ausncia da famlia na vida escolar. Este cenrio nos fez pensar no pedagogo comunitrio, lembra a Secretria de Educao, Maura Lgia Costa Russo. O cargo destina-se a professor titular formado em pedagogia, que tem a funo de fomentar o elo entre a escola e seu entorno.

    Em 2005, o municpio criou uma poltica pblica para incluir o pedagogo comunitrio nas escolas da rede municipal. Cada uma das 52 unidades elegeu seu educador e, no ano seguinte, eles iniciaram suas aes. Por meio de um modelo participativo, cada escola discute sua prpria proposta pedaggica e a apresenta para a Secretaria de Educao.

    Em 2006, foi traado um per l do bairro e do entorno das escolas e, a partir desse ma-peamento, cada pedagogo constri suas prprias trilhas. Todas as aes devem ser relacionadas com o currculo escolar, pontua Maura Lgia. Nosso grande desa o trazer a famlia para perto da escola. Sabemos que no existe receita

    e apenas com a prtica poderemos perceber a amplitude e os impactos dessas aes, avalia.

    SEM PAREDES Quando chegou Escola Municipal Amorim Lima, no Butant, a primeira providncia da diretora Ana Elisa Siqueira foi fortalecer o conselho escolar, formado por pais, funcionrios, coordenao, direo e professores. Em funo disso, os familiares aproximaram-se cada vez mais e montaram um grupo para identi car e solucionar os problemas da escola.

    Para melhorar os processos escolares, a di-retora contratou uma assessoria especializada que promovia reunies a cada dois meses para discutir educao. Todo mundo participava, dos funcionrios da limpeza diretora, recorda Ana Elisa. Um dia, a assessoria trouxe um vdeo sobre a experincia da Escola da Ponte, de Portugal, que refora a natureza democrtica do conhecimento. As crianas sabem o que tm que fazer e cada uma responsvel pelo seu projeto, explica Ana Elisa.

    Todos caram encantados com a proposta e passaram a desejar a construo de um novo projeto pedaggico. Para implantar esse sonho, os pais pediram apoio Secretaria Municipal de Educao. O pressuposto do projeto, segundo Ana Elisa, a busca de aprendizado pessoal den-tro de um processo e de um espao coletivos.

    Para concretizar a teoria, o primeiro passo foi derrubar as paredes entre as classes. Alunos de sries variadas e professores de diferentes discipli-nas passaram a trabalhar juntos. Depois inseriram na grade curricular o cinas de ingls, arte, educa-o fsica, teatro, capoeira, leitura, informtica e educao ambiental. Os alunos revezam-se entre as aes em classe e as o cinas. Estudam coleti-vamente, em atividades pessoais, e podem pedir ajuda aos colegas. Uma vez por semana, uma tutoria discute a cha de organizao semanal e o progresso de cada um, completa Ana Elisa.

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  • UNIO PELA PAZ Para o diretor da Escola Estadual Campos Salles, Bras Nogueira Rodrigues, tudo passa pela educao e a escola s vai fazer bem a sua parte quando se aproximar da comunidade. Foi com essas idias que ele assumiu o cargo em novembro de 1995. A escola tem que ocupar um espao central na comunidade em que atua e, para isso, necessrio aproximar-se das lideranas locais, acredita.

    Localizada em Helipolis, bairro paulistano com 120 mil habitantes, a escola comeou a promover encontros entre pais de alunos e lideranas comu-nitrias, nos quais nasceram quatro comisses. A Comisso Relao Escola Comunidade mobiliza as famlias a participar da vida escolar. A Comisso de Reivindicao articula as pessoas quando ne-cessrio, mostrando a importncia do voluntariado. Se a gente precisar de 50 pessoas para fazer uma reivindicao de um dia para o outro, a Comisso consegue articular e mobilizar essas pessoas, conta Rodrigues. A Comisso de Cultura, Esporte e Lazer promove o cinas e organiza uma mostra cultural anual. A Comisso de Limpeza, Conservao e Manuteno do Prdio Escolar, por sua vez, lidera o processo de pintura da escola, entre outras aes.

    Segundo Bras, a violncia na escola e no bairro diminuiu bastante nos ltimos anos. No comeo, havia um medo que paralisava a todos, conta. Aos poucos, fomos mobilizando as pessoas, diz ele, lem-brando da caminhada pela paz que organizaram em 1999, aps o assassinato de uma aluna de 16 anos.

    A primeira Passeata da Paz de Helipolis reuniu mais de cinco mil pessoas. A partir da, o evento se tornou anual e j est na oitava edio. No incio, foi difcil conseguir o envolvimento dos professores. Muitos estavam desmotiva-dos e no tinham o hbito de construir coi-sas por si, recorda. Agora, o professor da Escola Campos Salles tem outro per l, garante.

    SAMBA NA ESCOLA No Parque do Peruche, periferia de So Paulo, a Escola Municipal Garcia Dvila contribuiu para diminuir a violncia no bairro. O diretor, Waldir Romero, conta que quando assumiu o cargo, h 11 anos, encontrou uma escola degradada. Aqui dentro tinha drogas, violncia e at assassinatos, recorda. Hoje, nossa escola no tem mais problema com violncia, bem cuidada e as pessoas tm orgulho de estudar e trabalhar aqui, relata.

    Para reverter a situao que encontrou, Wal-dir comeou a conversar com os estudantes so-bre tica e cidadania, mas encontrou resistncia. Decidiu pensar em um projeto de longo prazo. A primeira ao foi abrir a escola nos nais de semana. S os jovens apostaram na idia, pois era a nica opo de lazer para eles, recorda.

    O passo seguinte foi estabelecer parcerias com a comunidade. Waldir passou a visitar as escolas de samba do bairro e percebeu o potencial educativo desses espaos. Comeamos a desenvolver um trabalho que envolve educao, cidadania e car-naval, lembra. As pessoas passaram a tomar para si a escola e a partir do samba, transformaram a comunidade em um espao de aprendizagem, diz ele. Temos uma grande participao das famlias nas atividades, acrescenta. Houve ainda um trabalho de reconstituio da histria do bairro a partir das trajetrias das escolas de samba da regio.

    A partir de 2003, a Garcia D vila passou a orga-nizar diversos eventos, como a festa de aniversrio do bairro e o Folia da Cidadania, um des le em meio ao qual os adolescentes e jovens aprendem todas as atividades ligadas a uma escola de samba.

    A prxima meta transformar o Parque do Peruche em um plo de recepo de turismo voltado ao samba e ao carnaval. Waldir conta que h reunies pedaggicas, visando inserir esses temas no currculo escolar. Hoje em dia no temos mais separao entre escola e comunidade, conclui.

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    NOVA IGUAU TEM BAIRRO-ESCOLA

    Ruas, praas, clubes e academias, entre muitos outros lugares esto virando espao educativo, territrio frtil para receber as polticas pblicas integradas em torno da Educao, na cidade de Nova Iguau, na Baixada Fluminense. No perodo complementar ao turno regular das escolas mu-nicipais, crianas e adolescentes participam de atividades educacionais no entorno da escola. A grade inclui reforo escolar e o cinas de esporte, teatro, dana, cinema, artes plsticas, msica e informtica. Toda a comunidade chamada para participar desse processo, que est transfor-mando Nova Iguau em uma cidade educadora.

    Desde que comeou, em 2006, o Programa Bairro-Escola vem mudando a cara do municpio. A comear pelos murais espalhados pela cidade, com o aviso: Bem-vindo! Voc est entrando numa rea Bairro-Escola. fcil identi car as ruas mais limpas e bem sinalizadas, com faixas de pedestres e muros pintados no caminho percorrido pelos alunos.

    Nas ruas comerciais, os lojistas j no expem mercadorias nas caladas. J havia uma lei no mu-nicpio proibindo o uso da calada para exposio de produtos. A Prefeitura aumentou a scalizao para garantir que a lei fosse cumprida. A nal, era preciso deixar os passeios desobstrudos para garantir o vai-e-vem dos estudantes. Lcia Silva, funcionria

    de uma loja de ferragens, conta que o movimento caiu um pouco, mas acredita que a iniciativa foi muito positiva para a cidade. As mes trabalham sossegadas, enquanto as crianas tm alimenta-o e recebem orientao o dia todo, observa.

    Em Nova Iguau, a iniciativa de implantar o ensino em tempo integral, utilizando a cidade como espao de aprendizagem, partiu da pre-feitura, que tem a educao como eixo central. O projeto-piloto comeou em maro de 2006 no bairro Tingu. Em meados de 2007, a iniciativa j integrava 31 escolas em 20 bairros, atendendo cerca de 25 mil alunos. A meta envolver todas as 100 escolas do municpio at o nal de 2007, conforme Maria Antnia Goulart, coordenadora geral do Programa Bairro-Escola de Nova Iguau.

    Depois de conhecer experincias como os Cieps, do Rio de Janeiro, os CEUs, de So Paulo, e a Cidade Escola Aprendiz, da Vila Madalena, Maria Antnia e sua equipe comearam a pensar em como adaptar a proposta da educao integral realidade de Nova Iguau, uma cidade com graves problemas sociais e de infra-estrutura. Dobrar o nmero de escolas para implantar a dupla jornada seria invivel. A gente entendia a importncia do conceito de Cidade Educadora, de Bairro-Escola, de integrar o que o municpio possui, recorda Maria Antnia. Tiramos da a linha de trabalho sobre a qual todas as secre-tarias se debruaram e deram sua contribuio para a montagem da estratgia do programa, recorda.

    A Secretaria de Participao Popular cou respon-svel por fazer um levantamento das lideranas e equipamentos pblicos, privados e comunitrios existentes em cada bairro, bem como de traar a rede de potenciais parcerias. Durante o trabalho, surgiram colaboradores bastante inusitados, como um barbeiro que tem uma biblioteca e empresta

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  • livros para os alunos, e uma senhora que ofereceu a piscina da sua prpria casa para que as crianas do bairro pudessem ter aula de natao. Para ns no h mais distino entre o pblico, o privado e o comunitrio. Existe o bairro e seu nvel de engaja-mento no desenvolvimento local, diz Maria Antnia.

    Escolas particulares disponibilizaram biblio-teca, quadras e salas vazias. Igrejas, academias de ginstica e at salo de festas emprestaram seus espaos em horrios ociosos. Concludo o mapeamento, os parceiros assinam um termo de adeso, comprometendo-se formalmente em ceder gratuitamente o que foi oferecido nos dias e horrios determinados, em regime de como-dato. A Prefeitura cobre os custos extras com gua, luz e at mesmo cloro, no caso das piscinas.

    GRANDE CIRANDA As Secretarias de Cultura, Esportes, Desenvolvimento Econmico e Educao caram responsveis, respectivamente, pelas o cinas culturais, esportivas, de informtica e de aprendizagem. Quem conduz as atividades so os agentes educadores, estudantes do Ensino Mdio ou Superior e alunos das escolas de Formao de Professores (magistrio), que recebem bolsa da prefeitura. Entram no circuito ainda jovens bolsistas de programas do governo federal, como Agente Jovem e Segundo Tempo, entre outros.

    Cada rgo dispe de um coordenador geral que monitora as atividades promovidas em cada bairro, a m de alinhar a metodologia. As o cinas culturais, por exemplo, procuram desenvolver a criatividade e valorizam a cultura de cada regio. Na rea de esportes, a proposta pedaggica desenvolver habilidades psico-motoras e estimular a cooperao e a solidariedade em detrimento da competio. Nas o cinas de aprendizagem, objetivo garantir o desenvolvimento da autonomia e, nelas, as crianas reforam o que foi visto nas aulas e fazem a lio de

    casa. A iniciativa faz com que as crianas de primeira a quarta srie passem por todas as o cinas em sistema de rodzio, para, quando chegarem na 5 s-rie, poderem escolher uma delas para se aprofundar.

    Em cada escola, h os coordenadores de cada rea, que monitoram os estagirios, alm de um coor-denador geral do programa, que gerencia o conjunto das atividades oferecidas no horrio complementar. Na Escola Municipal Ana Maria Ramalho, por exem-plo, quem assume esse papel o professor David dos Santos Moura. O Bairro-Escola uma grande ciranda. Dentro da escola, no existem aes isola-das. A Educao d a mo para a Cultura, que d a mo para o Esporte e assim por diante, diz ele. A unio imprescindvel. Sem o apoio de qualquer uma das secretarias, da escola ou da comunidade, o programa no tem como funcionar, a rma. Outro ator importante o agente pedaggico, que faz a ponte entre as escolas e a Secretaria de Educao.

    VOLUNTARIADO - O Bairro-Escola conta ainda com voluntrios, em sua maioria mes de alunos e integrantes do Grupo de Convivncia de Idosos, formado por participantes do programa Brasil Alfabetizado. Eles cam com as crianas principalmente no horrio intermedirio, entre um turno e outro, quando os alunos almoam, escovam os dentes, tomam banho e fazem atividades de relaxamento. Todos os voluntrios passam por uma capacitao nas reas de sade, cultura e educao.

    Uma dessas voluntrias Djanira dos Santos Lou-reno da Silva, 40 anos, me de uma aluna da Escola Ana Maria Ramalho. Muitas mulheres criam seus lhos sozinhas, saem para trabalhar e no tm com quem deixar as crianas, relata. Hoje, podem contar com um lugar seguro, onde os lhos tm oportuni-dade de fazer cursos que a me no poderia pagar.

    LOGSTICA - Estabelecidas as parcerias, a equipe do Bairro-Escola procurou facilitar a

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    circulao dos alunos entre a escola e o local onde realizariam as aes do contra-turno. Entraram em ao a Secretaria de Obras e Urbanismo e os servios pblicos da prefeitura. Sinalizao, controle de trnsito, construo e desobstruo de caladas, redutor de velocidade, instalao de lixeiras e comunicao visual so algumas das aes dese