Cartilha final ene

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CARTILHA NOME: CIDADE:

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CARTILHA

NOME:

CIDADE:

Apresentamos a Cartilha construída no escopo dos debates deorganização do ENE, no Rio Grande do Sul. Iniciamos nossasdiscussões em dezembro passado, reunindo estudantes eprofessor@s da educação básica, técnica e tecnológica, esuperior, de Pelotas, Santa Maria e Porto Alegre. Agregamos os sete temas propostos pela coordenaçãonacional, em três breves e densos textos, de maneira a termoselementos para avançar na elaboração estadual e contribuircom a síntese nacional.Desejamos, com esta cartilha, embasar nossa reflexão eavançarmos na análise sobre a atualidade e as perspectivas dapolítica educacional pautada nas concepções e necessidades daclasse trabalhadora e dos movimentos sociais de luta!Boa leitura e debate!Comissão Organizadora do ENE, etapa Rio Grande do SulMaio/Junho de 2014

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TEXTOS:

TRANSPORTE PÚBLICO, GRATUITO E DE QUALIDADE! PORQUE

PERCORRER OS CAMINHOS DA CIDADE E DO CAMPO É UM

DIREITO DE TODXS! - Pagina 3

GESTÃO DEMOCRÁTICA E AUTONOMIA NA EDUCAÇÃO: A

DEMOCRACIA EM TEMPOS DE BARBÁRIE E CRIMINALIZAÇÃO DE

QUEM LUTA - Pagina 6

FINANCIAMENTO E PRECARIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE

TRABALHO E FORMAÇÃO - Pagina 9

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Esse texto foi elaborado para contribuir em tornoda discussão do acesso à educação e apermanência de estudantes, servidores eprofessores nas escolas, cursos técnicos, institutosfederais e universidades, pontuando a relação quehá entre a luta por um transporte público gratuitoe de qualidade e a possibilidade de mobilidadeurbana para a ampla maioria da população queutiliza ônibus e metrô para se locomover nacidade.

A situação espacial que ocupamos dentro dacidade está articulada com os processos desegregação que perpassam a história de nossopaís: criação de loteamentos para a população debaixa renda, assim como a criação de novosespaços de consumo e privatizações de áreaspúblicas. O uso do espaço público não se dá apartir de uma perspectiva coletiva, mas édominado por interesses de agentes privados eisso fortalece a segregação dentro da cidade emespaços de ricos e pobres, e em um país deracismo estrutural, em brancos e negros.Para os residentes da periferia pobre a situaçãoda mobilidade e acesso à cidade é ainda maisgrave, visto que os postos de trabalhos (menosremunerados) se encontram em regiões da cidadeque detém maior poder aquisitivo. Lá essapopulação, maioria negra, trabalhará enquantodomésticas, porteiros, pedreiros e prestandoserviços terceirizados, como telemarketing e teleentrega, tendo que se deslocarem horas até esseslocais.

Na região onde moram não há espaços públicosde lazer, cultura e diversão. A violência urbana,fruto da desigualdade social de nosso país, assoladiariamente esses moradores, assediando ajuventude na praça ou fechando os bailes funks.A comunidade convive ao mesmo tempo com otráfico de drogas e com os abusos da PolíciaMilitar que tem como perfil de assaltante o“preto pobre de periferia”.Os locais de saúde próximos são UnidadesBásicas de Saúde que servem paraencaminhamentos e é necessário um meio delocomoção motorizado para ter acesso aos poucos

hospitais do SUS que atendem por regiões. Adisponibilidade de escolas municipais e estaduaisse apresentam como um triângulo invertido atéchegar ao ensino superior, onde tanto o públicoquanto o privado se encontram nas regiõescentrais das grandes cidades.

Uma pesquisa realizada em SP* mostrou que umportador de deficiência que detinha podereconômico – morava em região central e possuíacarro adaptado – tinha maior mobilidade e acessoà cidade do que uma moradora dona de casa deperiferia, que além da relação de tempo e espaçoaté os espaços centrais da cidade, interferia ovalor da tarifa do transporte público.

As possibilidades de se locomover pelo espaço sedão a partir dos meios não – motorizados (a pée/ou bicicleta) ou pelos meios motorizados(públicos e/ou privados, individuais e/oucoletivos). A opção por utilizar algum dessesmeios tem relação com a extensão territorial dopercurso, sofre influência do fator cultural, e édeterminada pela situação econômica, nessesentido a renda dos indivíduos para ter acesso aosbens motorizados. O meio de locomoção utilizadoterá desdobramentos na qualidade do transporte,sua eficiência e no tempo do percurso, ou seja,na acessibilidade. Sendo assim afirmamos quenem sempre a mobilidade garante aacessibilidade.

Para tentar equiparar mobilidade comacessibilidade é necessário um transporte públicoque garanta uma qualidade e segurança nopercurso, facilitando o acesso às necessidades desaúde, educação, trabalho, consumo de bensnecessários à reprodução da vida da população,principalmente periférica. A mobilidade urbana eacessibilidade também estão relacionados asociabilidade dos citadinos. Existe maiorinteração entre moradores de bairros pobrespela própria organização e estrutura dascasas, pela marginalização que sofremproduz um maior convívio e enraizamentocom sua região e comunidade do que embairros nobres.

TRANSPORTE PÚBLICO, GRATUITO E DE QUALIDADE!

PORQUE PERCORRER OS CAMINHOS DA CIDADE E

DO CAMPO É UM DIREITO DE TODXS!

Contudo esses possuem maior acessibilidade àcidade, e produzem uma auto segregação àespaços que consideram violentos e inseguros.Faz-se necessário também um planejamentourbano que descentralize áreas de comércio eserviços essenciais, de forma com que os fluxosda população não precisem ir todos a uma áreacentral. Descentralizando os centros urbanos épossível que se pense alternativas de transportepúblico assim como a desestimular o uso doautomóvel.

Conquistar um transporte público de qualidadearticulado com a proposta de Passe Livrepossibilitará que mais pessoas optem pelo usodesse meio de locomoção não tendo mais ainterferência da questão econômica. Quandoutilizamos o termo ‘qualidade’ nos referimos aoconforto, flexibilidade de rotas e horários e maiorvelocidade. Isso implicaria no tráfego deautomóveis circulando, sobretudo nos horários deentrada e saída do trabalho – horários de pico -diminuindo assim o tempo de deslocamento e daqualidade do ar.

Uma pessoa que utiliza o automóvel para selocomover ocupa oito vezes o espaço físico deuma pessoa que utiliza o transporte coletivo, eisso cria uma ocupação desigual do territóriourbano, diminuindo índice de mobilidade e tendouma relação direta com a renda.

Educação, transporte, acesso e permanênciaA questão da mobilidade urbana tem relaçãodireta com a educação, em todos os seus níveis,afetando toda a comunidade escolar, em principal,aos/às estudantes.

Em se tratando da evasão escolar, dadosdemonstram que cerca de ¼ dos estudantes faltamàs aulas devido à ausência de condições paracustear o transporte. Porto Alegre tem um dosmaiores índices de evasão escolar do país, compercentual de 18,70% (“Motivos da EvasãoEscolar” – FGV/2009).

Quando observamos a evasão escolar no ensinomédio – onde as escolas são distantes daperiferia, situadas nas regiões centrais da cidade –a taxa mais que triplica: saltamos de 2,5% dos

matriculados para 9,8% daqueles que abandonamos estudos, sendo que expressiva maioria destesfaz parte da rede pública (INEP, 2011). No ensinosuperior, onde além dos gastos com transporte, osestudantes despendem com cópias, livros,alimentação, moradia, etc., a taxa de evasãoatingiu 14,4% dos estudantes em 2010 (últimosdados disponibilizados pelo MEC). Vale salientar,que não adianta expandir a entrada no ensinosuperior sem qualidade e sem dar o suportenecessário para manter os estudantes nele.

As condições de acesso ainda são mais precáriasquando tratamos das áreas rurais, pesqueiras,amazônicas e até mesmo das periferias maisdistantes. As dificuldades de locomoção sãoextremas. Quando há transporte, os horários decirculação são enxugados ao máximo e muitasvezes desconectados com os horários da escola.Quando não há, os estudantes têm que caminhardurante horas e em períodos de chuva ficamimpedidos de ir à escola, acarretando muitasvezes em abandono do ano letivo. Contudo, todoestudante da Educação Básica residente de árearural ou distante 2km de sua escola tem direito aotransporte gratuito e de qualidade. Porém, onúmero de alunos que dispõem de transporteescolar corresponde a pouco mais de 17% do totalde matriculados que necessitam do transporteescolar (FNDE/UNB, 2012).

As professoras e professores também sofrem como transporte. Além de lidar com as questõesprovenientes das faltas e evasão dos/as estudantes,mais de 22% dos/as docentes trabalham em maisde uma escola (Inep, 2011) onde além dasdificuldades impostas pelo trabalho, tem seutempo de deslocamento improdutivo devido aos“malabarismos” necessários para chegar de umaescola à outra, se expressando numa jornada detrabalho não paga e na extração de mais valiaabsoluta (que trata das horas destinadas aotrabalho) visto que, por outro lado, ainda terá otempo para planejamento, correção de provas,formação, estudos, etc.

Como grande parte da categoria do magistério écomposta por mulheres, vale somar nesta conta aintensa jornada destinada à mulher na sociedade,e então, podemos afirmar que os problemas de

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mobilidade (seja para levar os filhos à escola, nocuidado de idosos, etc) contribuem profundamentepara o esgotamento do/a professor/a.

Ao mencionar as questões de gênero e transporterelacionados à educação sublinhamos asdificuldades encontradas pelas funcionárias (aindamais precarizadas, porque em sua maioria sãoterceirizadas) e mães que dependem do transporteescolar para seus filhos irem à escolaabandonando muitas vezes o trabalho (ou nem oacessando) devido à necessidade de acompanharos filhos à escola.

Que os ricos paguem a conta!

Há muito tempo movimentos sociais se mobilizamem torno da luta por um transporte realmentepúblico, pautado nas demandas da população enão no lucro de alguns empresários do transporte.Em 2013 vivenciamos no Brasil inteiro umestopim de reinvindicações. Aqui em Porto Alegreiniciamos Contra o Aumento da Passagem queculminou com o rebaixamento da tarifa dotransporte de R$3,05 para R$2,85 e depois paraR$2,80! Esse processo de luta e discussãomostrou inúmeras ilegalidades em torno dalicitação do transporte e expos para toda apopulação porto alegrense as taxas exorbitantes delucro que as empresas recolhiam da tarifa, semnenhum retorno social que justificasse taisaumentos.

O Bloco de Lutas foi a organização que conseguiuaglutinar diversos coletivos, setores dosmovimentos sociais e ativistas e foi uminstrumento fundamental para avançarmos emdebates e ações em torno do transporte.

Ocupamos a Câmara dos Vereadores da cidade emjulho de 2013, e nos sete dias que permanecemosconstruímos principalmente um Projeto de Lei emtorno do Passe Livre para estudantes,trabalhadores desempregados, indígenas equilombolas (nos marcos da reparação).Desocupamos aquele espaço sabendo que somentecom mobilização organizada nas ruasconseguiríamos ter um peso político para pautarnossas demandas.

No ano de 2014 fomos assaltados com mais umaumento da tarifa. Isso na história da cidade nãoé uma novidade, tais aumentos ocorrem hádécadas, mesmo sendo problematizados, se apontaa necessidade de pensarmos um outro projeto detransporte realmente público. Por todos os motivosque apontamos nesse breve texto é quereafirmamos a demanda de luta e organização porum projeto de transporte e de cidade quegarantam a mobilidade e acesso com qualidadepara todxs.

Referência:

PEREIRA, Sílvia Regina. Percursos urbanos:mobilidade espacial, acessibilidade e o direitoà cidade. 5º Coloquio Internacional de Geocrítica.Universidad de Barcelona, 2008.

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Falar em gestão democrática ou autonomia éextremamente instigante para nós trabalhadores daeducação, mas para tanto, necessitamos esclarecerqual o significado e dimensão destes termos eenfatizar o quanto os movimentos sociais e ostrabalhadores da educação organizados pela lutasindical ou não, têm disputado com as políticasgovernamentais este espaço, quer sejam através delutas no interior das instituições educacionais,quer sejam nas lutas colocadas pela sociedade.

A intensificação da precarização das condiçõesbásicas de vida e de trabalho agravadas nestemomento de criminalização dos movimentossociais, onde vozes dos trabalhadores se levantame ousam enfrentar o sistema econômicocapitalista, que impõe políticas de expropriação anação, agudizam as lutas sociais e dostrabalhadores e colocam em relevo as lutas quesão travadas no interior das instituições de ensino.A reorganização da instituição de ensino,assegurada por uma gestão democrática eautônoma, contribui sobremaneira com areorganização da classe trabalhadora e de suaslutas, ao mesmo tempo em que a instituiçãoeducacional é reorganizada pelas demandas daclasse trabalhadora, há um movimento dialéticopermanente.

Salientamos que os princípios da gestãodemocrática educacional alicerçam-se no princípioda descentralização administrativa eorganizacional das instituições de ensino,respeitada à autonomia dos fóruns decisórios easseguradas a participação da comunidade emgeral. Neste sentido, entendemos como gestãodemocrática educacional a composição de órgãoscolegiados e executivos sendo, que os colegiadostem poder deliberativo e os executivos sãosubordinados aos órgãos colegiados e acomposição de ambos deve primar pelaparticipação da comunidade interna à instituição erepresentantes da sociedade. Além disso,defendemos que a escolha dos dirigentes dasinstituições de ensino deva se dar por eleiçãodireta e voto secreto com a participação universalou paritária de todos os membros da comunidade

interna da instituição em questão.

No que tange a autonomia das instituiçõesentendemos que a mesma deva ter três dimensões,que são: autonomia didático-científica e/oupedagógica; autonomia administrativa; autonomiafinanceira e patrimonial. Pois que, dessa forma, ainstituição educacional, independentemente de suaesfera, possa desenvolver suas atividades levandoem consideração sua realidade e especificidades,sem se tornar refém da imposição de políticaseducacionais que não traduzam e respeitem suasescolhas. Dentre as lutas por gestão democrática,situamos que a autonomia universitária foigarantida pela Constituição Federal de 1988 noseu art. 207. Trata-se de conquista importante domovimento da educação, visando reverter omomento de centralização realizado pelosgovernos civis-militares.

Necessário destacar, conforme exposto no PNE daSociedade Brasileira, que a gestão democrática daeducação "não constitui um fim em si mesma,mas um objetivo estratégico no processo desuperação do autoritarismo, do individualismo edas desigualdades sócio-econômicas. Devecontribuir para que as instituições educacionais -escolas e universidades - articuladas com outrasorganizações da comunidade, possam participar daconstrução de uma sociedade fundada na justiçasocial, na igualdade e na democracia".

A conquista do movimento, entretanto, se deu nosmarcos da regulação político-jurídica que seestabeleceu no Brasil para as décadas seguintes.Nunca esteve dissociada de uma forma de Estado,com interesses determinados, que se foidesmontando ao largo do neoliberalismoimplementado na década de 1990. As escolas euniversidades privadas, por exemplo, não contamsequer com a garantia de gestão democrática.Quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação(LDB) menciona a gestão democrática, refere-sesempre às instituições públicas (art. 3, VIII; art.14, art. 56). Este não é um problema secundário,levando-se em consideração que cerca de 90% dasInstituições de Ensino Superior hoje, no Brasil,são privadas.

GESTÃO DEMOCRÁTICA E AUTONOMIA NAEDUCAÇÃO: A DEMOCRACIA EM TEMPOS DEBARBÁRIE E CRIMINALIZAÇÃO DE QUEM LUTA

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Os problemas começam, e apenas começam, narepresentação desigual entre as categorias nasinstâncias máximas de decisão. Mesmo naUniversidade Pública, onde a gestão democráticafoi "conquistada", a representação de docentes éde "no mínimo" 70% nos órgãos colegiados. Osdemais 30% são reservados a uma divisão entretécnicos-administrativos, estudantes e comunidadeexterna.

Mas, repetimos, este é apenas o começo dosproblemas, apenas matemático-formal, ainda quereflita em poderes desiguais entre categorias que,também historicamente, forjam interessesdistintos. O maior problema não está nessarepresentação, mas na própria ideia de que aautonomia universitária se dará por meio da"gestão", como se "decisões acertadas",escolhidas por meio de um "voto maisconsciente", pudessem levar a universidade amodificações substanciais.

É necessário que se perceba que a autonomiaformal está subordinada à autonomia material. Auniversidade pública não depende apenas das"melhores decisões", mas das melhores decisõespossíveis ainda no interior de políticasdeterminadas pelo governo federal.

A universidade privada, ainda mais, é subordinadaà lógica dos seus proprietários, cujo interesse, nogeral, é de busca de mais e mais lucro. Assimsendo, há uma subordinação explícita dos debatespolíticos aos debates "possíveis" na lógica ditadapelos governos. Exemplos como implementaçãode REUNI a portas fechadas e ameaças deimpossibilidade se ter um Hospital Universitáriosenão por meio de uma empresa nacional(EBSERH) são centrais para visualizarmos estalógica.

A autonomia universitária, portanto, é umabandeira histórica, reivindicada por movimentossociais e conquistada em algumas legislações,cujo impacto concreto é muito reduzido, senãoapenas formal. Opera apenas nas instituiçõespúblicas, com subrepresentação dos setoresestudantis e técnico-administrativos, em umalógica de extrema subordinação à autonomiafinanceira ditada pelo governo federal e pelomercado. Isto é, 50 anos de golpe civil-militar decaráter burguês depois, ainda são o governo e osempresários quem ditam o que acontece ou deixade acontecer nas universidades.

No campo da educação básica, a LDB aponta,entre outros, para a criação dos conselhosescolares. Em teoria, eles trariam para o interiordas escolas públicas a possibilidade dedemocratizar as estruturas do poder, permitindoaos seus agentes a formulação de políticas deinteresse local, ao estabelecer um processo dediálogo entre todas as categorias da comunidadeescolar.

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No entanto, vivemos um processo de democraciade cooptação originário da estratégia democráticopopular oriundas dos governos do PT em todas asesferas, restrita à democracia formal. É fácilevidenciar isto na educação, onde são raras asexperiências de participação efetiva de estudantes,funcionários e da comunidade externa na gestãoda escola. A falta de eleições para direções deescolas e a forma desigual dos conselhossuperiores das universidades, além das propostasde "profissionalização" das gestões (através deconcursos para cargos de gestores) acabam porburocratizar a gestão das instituições de ensino,tornando-a apenas um espaço de gerenciar asmetas de governos, empresários e agentespolíticos e econômicos externos à escola euniversidade.

Na sociedade capitalista vigente, a educação nãocumpre um papel de criticidade à ordem, e simde sua manutenção. Ainda mais, busca formartoda uma ideologia baseada em insígnias como“liberdade”, “democracia”, “cidadania” e“autonomia” que, no mais das vezes, reproduzeme legitimam exatamente os valores da dominação,lógica esta presente nas teorias educacionais do"aprender a aprender". Na concretização de umensino verdadeiramente crítico, os responsáveispelo processo educativo devem evitar propagaranálises que levem ao individualismo e a umaparticipação apenas formal na política, visando aoestímulo da criticidade e da organização coletiva.

É nas escolas publicas que estão matriculados osfilhos da classe trabalhadora, portanto devemoslutar por sua valorização, estruturação equalificação. É uma defesa de classe a que apontaa necessidade de que estas escolas possuam ascondições para um bom processo de ensino-aprendizagem, apto a não excluir os alunos ealunas ao mundo do trabalho nem conformá-losacriticamente a ele. Ou seja, que os estimule aparticipar da vida política e cultural e desenvolvera capacidade reflexiva para atuar e transformar arealidade social.

A nossa luta, nesse sentido, é de busca por umaautonomia verdadeira, com bandeiras como os10% do PIB para a educação pública já! Sabemosque bandeiras como essas só poderão serimplementadas se conectadas a debates maisgerais sobre concepção de educação ecentralidade do trabalho, entendendo que a escolae a universidade formam para o trabalho e, noBrasil, para o trabalho precarizado. Nossaautonomia é cortada pelo mercado do trabalho,pelos governos e pelas reitorias. Ter consciênciadisso, e não lutar no interior da lógica dosinimigos, mas sim para superar a sua lógica semperder nossas palavras de ordem, é nosso maiordesafio.

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FINANCIAMENTO E PRECARIZAÇÃO DASCONDIÇÕES DE TRABALHO E FORMAÇÃO“Toda sociedade vive porque consome; e para consumirdepende da produção, isto é, do trabalho. Toda sociedadevive porque cada geração nela cuida da formação dageração seguinte e lhe transmite algo da sua experiência,educa-a, não há sociedade sem trabalho e sem educação.”(Leandro Konder)

Há pouco mais de dois anos, víamos governofederal, empresários e a grande mídiacomemorarem de maneira exaltada a escalada quenosso país dera no ranking das maioreseconomias mundiais. Ocupávamos a sexta posiçãodentre os países mais ricos do mundo.Contraditoriamente, nesse mesmo período,ocupávamos a octogésima quarta posição noíndice de desenvolvimento humano, que leva emconsideração as condições de vida da população,refletindo o investimento em saúde, educação,moradia, transporte, etc.

O governo federal se explica dizendo que porconta da crise econômica internacional, precisaconter os gastos sociais, ao mesmo tempo em queisenta ou minimiza os impostos de grandesempresas e deixa rolar solta a sonegação. Não àtoa, que em seus dois primeiros anos de mandatoa presidente Dilma Roussef cortou 50 e 55bilhões do orçamento geral da União, que seriamdestinados à área social.

Basta uma rápida visita a uma escola, umposto de saúde, ou até mesmo um terminal deônibus, para conferirmos quais são as prioridadesassumidas pelos respectivos governos no país,algo que se tornou ainda mais escancarado com oandamento das obras dos megaeventos esportivostrazidos para o Brasil e custeados em sua maiorparte com dinheiro público.

O gráfico do orçamento geral de 2013* ilustrabem essa preocupante situação. No ano passado,40,13% foi destinado para o pagamento dos jurose amortizações da divida interna e externa doBrasil, enquanto para saúde fora destinado 4,29%,transporte 0,59%, cultura 0,05%, urbanismo0,06%, e alarmantes 3,7% para educação,obviamente insuficientes para fazer o país sair dasua vergonhosa posição no índice dedesenvolvimento humano. Chamamos atenção

aqui para uma informação divulgada pelaCampanha Nacional Direito à Educação**, nasdiscussões que fizemos construindo o plebiscitopelos “10% do PIB para a Educação PúblicaJÁ!”, em 2011: pesquisadores envolvidos noestudo sobre financiamento apontavam àquelaépoca que 10% era o patamar mínimo paracomeçar a reverter a precariedade da educaçãopública.

Este seria o mínimo para começar a revertero processo de sucateamento do público, mas odebate sobre financiamento não para por aí. Os10% PIB para educação implicariam, em 2013,em 484 bilhões de reais. Significa mais ou menoso dobro que hoje é gasto. Entretanto não seriasuficiente a suspensão do pagamento da dívidapública para garantir os recursos demandadospelo movimento para termos uma educação dequalidade. O que ocorre é que os juros da dívidanão são integralmente pagos pelo superávitprimário (a diferença entre o que o governoarrecada e o que ele gasta). O que não é pago seacrescenta ao montante da dívida.

Outra questão a ser colocada em relação aoPIB é que ele é composto pelos impostos pagos(além de diversas outras fontes). Porém, aquantidade de isenção de impostos, incluída aí asonegação, não entram nessa conta, mesmo sendofruto da riqueza produzida no país. Assim a lutapor um percentual do PIB tem alcance apenas departe do que é produzido. São necessáriasmedidas que aumentem a receita pública, quepoderiam resultar de uma profunda reformatributária, que garantisse a progressividade, aocontrário do que acontece hoje, pois quem temmenor renda paga mais impostos que os de maiorrenda.

Não trataremos em detalhe desta questão,porém como exemplo: seria necessário aumentara progressividade do imposto de renda esobretudo regulamentar o imposto sobre asgrandes fortunas, inscrito na constituição a 25anos e nunca implementado.

* http://www.auditoriacidada.org.br/e-por-direitos-auditoria-da-divida-ja-confira-o-grafico-do-orcamento-de-2012/

** http://www.campanhaeducacao.org.br/

O patrimônio é ainda mais concentrado que arenda. Estudos mostram que apenas 5000 famíliasbrasileiras tem um patrimônio equivalente a 2trilhões de reais. Uma taxa equivalente a 10%sobre este montante equivaleria à 200 bilhões dereais, isto sem contar com a aplicação do impostosobre os demais afortunados não tão ricos.

Este é o pano de fundo para que, nos últimostrês anos, trabalhadores de diversos setores têm selevantado para questionar as condições detrabalho derivadas dessa política de precarizaçãodo serviço público. As greves em 2011, aarticulação do comitê em defesa dos 10% do PIBpara educação pública, JÁ!, a histórica grevefederal de 2012, iniciada dentro dos muros deuniversidades, colégios de aplicação, colégiosmilitares e institutos federais mas que logoextrapolou para diversas categorias,contabilizando mais de 30 setores paralisados.

Greves no âmbito da educação básica (redesestadual e municipais), com reivindicaçõessalariais e se contrapondo a projetos de educaçãogovernamentais. A emblemática greve detrabalhadores/as em educação no Rio de Janeiro,que mobilizou a sociedade em seu apoio,somando-se mais de 100 mil pessoas em atos desolidariedade. Lutas também organizadas no RioGrande do Sul, pelo cumprimento da Lei do Piso(salário e 1/3 da jornada para planejamento) e acontraposição ao ensino médio politécnico emprocesso de implementação.

As jornadas de junho de 2013 demarcam umnovo patamar de luta no país. Protestos massivos,sobretudo da juventude trabalhadora, tomaram asruas para questionar todo esse projeto políticoimplementado, que avança a intensificação eexploração do trabalho, assim como aprecarização das condições de vida da maioria dapopulação. Nada mais será como antes!

Mais alguns dados que nos ajudam a pensara questão da educação no país, em pesquisa feitapelo PNAD/IBGE mostrou que em 2012,tínhamos cerca de 13,2 milhões de analfabetos nopaís, ocupando o posto de 8º país com maior taxade analfabetismo adulto segundo a UNESCO***.Também segundo a PNAD cerca de 19% dosjovens entre 18 e 24 anos acessam o ensinosuperior no Brasil, sendo a grande maioria dessesna esfera privada.

Para compreendermos alguns fatores que nos

levam a ter esse quadro preocupante, nãopodemos isolar a educação dos demais fenômenossociais, sobretudo da sua relação intrínseca com otrabalho e consequentemente com a economiapolítica. Não podemos fazer análise de conjunturaapartando política e economia, e a educação é,constitucionalmente, uma política pública deEstado.

Vivemos em uma sociedade marcada porcontradições. A que melhor sintetiza o modocapitalista de produção da vida é, ao mesmotempo em que se prega a liberdade e a igualdade,basear-se na divisão de classe e exploração dotrabalho, onde uma classe detém os meios deprodução e a outra sobrevive exclusivamente davenda de sua força de trabalho. Nessacontradição, ao longo da história, foram sedesenvolvendo as instituições escolares, umasresponsáveis pela socialização do sabersistematizado, para os filhos da classe dominante,e outra pragmática e utilitarista para os filhos daclasse trabalhadora. Esta divisão aponta para aeducação dos trabalhadores como “educaçãominimalista”.

Aprofundam-se estas contradições quando ospaíses centrais passam a impor, por meio deinstrumentos aparentemente neutros, como FundoMonetário Internacional e o Banco Mundial, seusditames para ajustar a economia de paísesperiféricos em meio a uma crise mundial. Comosaída apontavam três grandes modificações, areestruturação produtiva, a financeirização daeconomia e o neoliberalismo como forma degestão do aparelho de Estado. A reestruturaçãoprodutiva carrega como principal marca aflexibilização e a terceirização dos contratos,deixando um rastro de incertezas e desempregoconstante, o que também vem sendo utilizadocomo forma de contratação no serviço público,com os contratos temporários, a falta de planosde carreira, os poucos concursos públicos. Já afinanceirização transfere o capital centralmentepara o sistema bancário, fazendo com quetenhamos uma economia oscilante e dependente,baseada em produção de matéria prima barata,que não exigem mão de obra qualificada, o quese desdobra em uma fraca política educacional.

10*** http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/01/brasil-e-o-8-pais-com-mais-analfabetos-adultos-diz-

unesco.html

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Mas de todos os ditames, sem dúvida oneoliberalismo foi o que abriu o maior caminhopara a situação na qual nos encontramos hoje.Com a ideologia de que as crises são derivadasdos gastos excessivos com as questões sociais, osgovernos passam a cada vez mais reduzir osinvestimentos, no setor público, transferindo paraa iniciativa privada inclusive direitos previstos naConstituição, mercantilizando direito sociais.

Com essa idéia, a educação no Brasil foisendo ajustada ao longo das últimas duasdécadas, a LDB de 96 garante o marco legal parauma educação voltada a atender os interesses domercado, o PNE de 2001 não garante ofinanciamento necessário, o atual PNE tramitandono congresso, através de suas metas transformaem política de Estado os programas de governoimplementados pelos últimos governos. Sãoexemplares, as duas faces da contrarreformauniversitária (1) que transfere boa parte dosrecursos para instituições privadas através deisenções fiscais (PROUNI), e (2) que expandiu oensino superior público (REUNI), mas semgarantir o financiamento necessário, precarizandoainda mais as universidades públicas edescaracterizando o ensino superior baseado notripé ensino-pesquisa-extensão; ainda o avanço doensino à distância e dos cursos técnicos.

E quem não conhece a “fartura” que vivemas escolas públicas da educação básica? A faltade materiais, as péssimas condições de estrutura,falta de professoras/es (ainda que alguns governostenham a cara de pau de não adimitir), falta defuncionárias/os, etc.

Essa “fartura” vem num sentido importante paraos governos: fragmentar e desmoralizar as/ostrabalhadoras/es em educação, visandoimplementar as cartilhas pedagógicas elaboradaspelos agentes do capital (sistema S), e amoldar asconsciências no sentido de responsabilizarindividualmente escolas e trabalhadores, para queresolvam por si os problemas.

É preciso se levar em consideração que boaparte dessa política, sobretudo aquelasimplementadas nos governos do PT, carregamuma forte máscara do ideario democrático epopular, sendo criados fóruns como as CONAEs,que legitimam a política precarizante eprivatizante, e que quando questionam tal lógica,são atropeladas por decretos presidenciais, comoé o caso da defesa dos 10% do PIB que saiucomo apontamento das Conferencias e não foilevado em consideração pelo Governo. A propostado PNE que tramita, indica o investimento de10% do PIB até 2023, como investimento total,isso significa que não será exclusivo para aeducação pública, mas mais uma forma do capitalacumular, espoliando o fundo público.

Tudo isso, somado as grandes mobilizaçõesdo último período, demonstram que não podemosconfiar nos espaços organizados pelo governo. Énecessário que os movimentos sociais tenhamautonomia para debater, questionar e pautarpolíticas para a educação que atendam aosinteresses da maioria da população, o que vai deencontro às atuais políticas implementadas. Dessaforma que surge a necessidade de um EncontroNacional que possa diagnosticar e propor projetospara uma educação que avance na perspectivaemancipatória.