Cartilha Museus - Patrimônio de Todos

80
 MUSEUS S Patrimônio de todos

Transcript of Cartilha Museus - Patrimônio de Todos

MUSEUSPatrimnio de todos

MUSEUS

Patrimnio de todos

Coordenadoria de Museus: Gabriela Severien

Nilton da Mota Silveira Filho

Jefferson Lincolm Juliana Leite Inai Pantoja Lia Beltro Textos: Fabiana Bandeira Fabiana Sales Gabriela Severien Inai Pantoja Isabela Morais Lia Beltro Lvia Moraes Neila Pontes

Tigre

Relato de experincia (Glossrio) Cynthia de Cssia Diogo Luna Ilka Guedes Josemir Alves da Fonseca (Mir)

Edio: Lia Beltro Fotografias: Isabella Valle | Lia Beltro Priscila Buhr | Val LimaM986

Maria Regina Batista Poliana Freire

Gabriela Arajo Rafaela Valena

Museus: patrimnio de todos / Fundao do Patrimnio Histrico e Artstico de Pernambuco. Recife: FUNDARPE, 2010. 76 p.: il; 19 cm. ISBN 978-85-7240-085-5 1. Museus 2. Museus - Pernambuco 3. Poltica nacional de museus 4. Patrimnio 5. Turismo

FUNDARPE

CDU 069

Sumrio07 08 12 23 33Apresentao Museus da FUNDARPE O museu integrado | Lia Beltro

19

Poltica Nacional de Museus | Gabriela Severien

Patrimnio: um conceito plural | Fabiana Sales e Lvia Moraes Breve glossrio museolgico | Gabriela Severien

37 41 47 49

Plano Museolgico - Entrevista com Regina Batista Conservao e Restauro - Relato de Josemir Alves da Fonseca Pesquisa em Museus - Relato de Diogo Luna Setor Educativo - Experincia de Cynthia de Cssia, Ilka Guedes e Poliana Freire

53 61 66

Mediao cultural em museus: indicaes para a transformao do olhar | Inai Pantoja, Isabela Morais e Neila Pontes Patrimnio e Turismo | Fabiana Bandeira Museus de Pernambuco

NEGO ATIRANDO NAS ONAS Artista: Mestre Vitalino (1909-1963) Acervo Museu do Barro de Caruaru/FUNDARPE Coleo Arte Popular Abelardo Rodrigues Foto: Lia Beltro

ApresentaoA Fundao do Patrimnio Histrico e Artstico de Pernambuco - FUNDARPE tem como principais alicerces de sua misso poltica a preservao e a difuso do patrimnio referente histria e cultura de Pernambuco. Alm da promoo, apoio e incentivo s identidades e novas produes culturais, a FUNDARPE est comprometida com a preservao e a valorizao do patrimnio material e imaterial do estado - um compromisso que se reflete nos espaos mltiplos, cine-teatros e nos seis museus que integram a estrutura da instituio. especialmente em museus (mas tambm em bibliotecas e arquivos) que os bens culturais mveis, vulnerveis que esto ao do tempo e ao esquecimento da sociedade, encontram a possibilidade de serem cuidados, estudados, exibidos e apreciados pelo pblico a partir de um olhar sempre novo. Obras de arte, objetos e documentos histricos e outros registros materiais da cultura e da histria do nosso povo ganham nova significao a partir do trabalho cuidadoso de muselogos, restauradores, historiadores, comunicadores sociais, administradores, pedagogos, arte-educadores e outros tantos profissionais que se dedicam aos museus. Realizada a partir de uma parceira entre a Diretoria de Preservao Cultural e a Diretoria de Difuso Cultural da FUNDARPE e voltada para estes profissionais e todos os interessados no universo museal, a publicao Museus: Patrimnio de todos tem como inteno provocar uma discusso a respeito do papel social dos museus e sua funo educativa, incentivando gestores, funcionrios e estagirios de museus a pensar e trilhar novos caminhos nesse campo que est em pleno processo de transformao.

07

Os museus da FUNDARPEA culturais rede da de equipamentos incluiEX-VOTOS ANTROPOMORFOS CABEAS / MADEIRA ALTURAS VARIADAS ACERVO MUSEU DO ESTADO DE PERNAMBUCO BERO DO SC. XVIII BARROCO/ROCOC PERTENCEU A FAMLIA DO ABOLICIONISTA JOS MARIANO CARNEIRO DA CUNHA ACERVO MUSEU DO ESTADO DE PERNAMBUCO

FUNDARPE seis

atualmente de

espaos e

museolgicos: lugares onde as aes preservao, pesquisa comunicao esto alinhadas com a misso da instituio de democratizar o acesso cultura para construo de uma sociedade mais crtica e atuante.

MUSEU DO ESTADO DE PERNAMBUCO O Museu do Estado de Pernambuco MEPE possui um dos mais preciosos acervos referentes histria de Pernambuco, com colees que vo da arqueologia arte contempornea. Inaugurado em 1930, at 2003 esteve instalado num belo palacete do sculo XIX, hoje transformado em espao para exposies de curta durao. Biblioteca, centro de documentao, auditrio, reserva tcnica, setor educativo e a exposio deFOTO ACERVO FUNDARPE

longa durao do museu esto instalados no Espao Ccero Dias, que insere o MEPE na lista dos mais modernos museus do pas.

Endereo: Avenida Rui Barbosa, 960 Graas - Recife - PE. Horrios de visitao: Tera a sexta, das 9h s 17h Sbados e domingos, das 14h s 17h Telefones: (81) 3427-0766/3427-9322

08

MUSEU DE ARTE CONTEMPORNEA DE PERNAMBUCO

MUSEU DO BARRO DE CARUARU

Um dos mais visitados museus de Localizado no Stio Histrico de Olinda, o Museu de Arte de da Contempornea fundado a partir Pernambuco, o Museu do Barro de Caruaru MUBAC dedicado preservao e divulgao da arte do barro. O museu est localizado ao lado do Ptio de Eventos Luiz Gonzaga, onde todos os anos concentramse as comemoraes do So Joo de Caruaru. O acervo do MUBAC composto por peas representativas dos principais polos de cermica popular da regio. Entre estes, destaca-se o povoado Alto do Moura, representado em peas de Mestre Vitalino e famlia.

Pernambuco - MAC foi coleo doada por Assis Chateaubrian em 1966. AFOTO: ISABELLA VALLE

partir

da,

o

museu

passou a compor seu acervo com obras de arte das mais variadas tcnicas e estilos, de telas do classicismo francs a instalaes de arte contempornea, que somam atualmente cerca de cinco mil peas. Nas dependncias do MAC, que j funcionou como priso eclesistica, acontecem aes culturais e de formao, alm de exposies de curta durao, na Galeria de Arte Tereza Costa Rgo.Endereo: Rua Treze de Maio, 157 Varadouro - Olinda - PE. Horrios de visitao: Tera a sexta, das 09h s 17h Sbados e domingos, das 9h s 13h Telefone: (81) 3184-3153

FOTO: LIA BELTRO

Endereo: Praa Coronel Jos de Vasconcelos, 100 Centro - Caruaru - PE Horrios de visitao: Tera a sbado, das 8h s 17h | Domingo, das 9h s 13h Telefone: (81) 3701-1533

09

MUSEU DA IMAGEM E DO SOM DE PERNAMBUCO

MUSEU REGIONAL DE OLINDA O Museu Regional de Olinda - MUREO uma casa-museu que recompe, em conjunto com seu arredor, o cenrio da vida

Fundado em 1970, a partir de registro emFOTO: ISABELLA VALLE

domstica e social dos moradores da Olinda de 1700. O MUREO est situado numa antiga residncia episcopal, um belo solar em estilo colonial datado de 1745. Dentro da casa, mobilirios, pinturas, painis, louas, pratarias e peas de grande valor histrico para a vida social, religiosa e poltica da cidade, como o braso do Senado da Cmara de Olinda.

udio de entrevistas com importantes personalidades da cena cultural e poltica de Pernambuco e do Brasil, o Museu da Imagem e do Som de Pernambuco - MISPE um espao de preservao e difuso do patrimnio musical e do audiovisual do estado. Possuidor de um delicado acervo de mais de seis mil itens, entre filmes, partituras, discos, fitas de udio, cartazes, cartes postais, fotografias, slides, livros, cordis, recortes de jornal e partituras musicais, o MISPE se consolida hoje como uma das principais fontes de pesquisa sobre a memria cultural do estado, especialmente no segmento do audiovisual.

Endereo: Casa da Cultura de Pernambuco, Raio Norte. Rua Floriano Peixoto, s/n, Bairro de Santo Antnio Recife - PE Horrio de visitao: Segunda a sexta, das 9h s 12h e das 14h s 17h Telefone: (81) 3184-3090FOTO: ISABELLA VALLE

Endereo: Rua do Amparo, 128, Amparo Olinda - PE Horrios de visitao: Tera a sexta-feira das 9h s 17h. Sbados e domingos das 13h s 17h Telefone: (81) 3184-3159

10

MUSEU DE ARTE SACRA DE PERNAMBUCO Conhecido pelos moradores da cidade como antigo Palcio dos Bispos, o prdio onde hoje funciona o Museu de Arte Sacra de Pernambuco - MASPE pertence Arquidiocese de Olinda e Recife. tambm dessa arquidiocese parte do acervo fixo do museu, composto por peas de arte sacra ou de inspirao religiosa, do sculo XVI ao XX. O acervo do museu, que ocupa o trreo e o primeiro andar do prdio, inclui pinturas religiosas, esculturas de santos de procisso, populares e de gesso, relicrios, crucifixos e prespios.FOTO: ISABELLA VALLE

Endereo: Rua Bispo Coutinho, 726, Alto da S Olinda - PE Horrios de visitao: Tera a sexta, das 9h s 17h Sbados e Domingos, das 13h s 17h Telefone: (81) 3184-3154

MOO DE CAMISA AZUL. 1960 WELLINGTON VIRGOLINO (1929 - 1988) LEO SOBRE DURATEX 60 X 74CM ACERVO MUSEU DO ESTADO DE PERNAMBUCO

CLAUSTRO,1942 MRIO NUNES (1889 - 1982) LEO SOBRE TELA 50 X 61CM ACERVO MUSEU DO ESTADO DE PERNAMBUCO

ESTUDO N31, 1942 VICENTE DO REGO MONTEIRO (1899 - 1970) LEO SOBRE CARTO 65 X 81CM ACERVO MUSEU DO ESTADO DE PERNAMBUCO

11

Papel social dos museusMuseu integradoO papel social dos museus e suas tendncias na Amrica Latina Em uma das oficinas voltadas para a capacitao de profissionais que trabalham em museus promovidas pela FUNDARPE, ouvimos da ministrante o seguinte relato: um grupo de alunos em visita escolar a um museu responde, quando lhe perguntado sobre o propsito da atividade: viemos ver coisas velhas. O museu em questo era o Museu de Arte Contempornea de Niteri, no qual a ministrante dessa oficina, Telma Lasmar, trabalhava como museloga. Alm de revelar o pouco zelo do povo brasileiro em relao sua prpria histria, existe, no disparate de dizer que em um museu de arte contempornea possvel encontrar coisas velhas, um forte indicador para o desenvolvimento de um olhar mais atento ao papel social dos museus e s recentes iniciativas de anlise e transformao da museologia brasileira.

Museus por qu?O surgimento dos primeiros museus incerto e, at mesmo entre especialistas, no h uma unanimidade. Talvez uma das razes seja porque o sentido social do museu muitas vezes se mistura com o prprio ato de colecionar e expor objetos, documentos e at mesmo histrias de um determinado tempo e lugar uma prtica presente h muito na histria do homem. Por outro lado, alguns fatos histricos nos ajudam a definir e compreender a origem dos primeiros museus de carter pblico, ou seja, instituies pertencentes ao Estado e abertas, mesmo que de maneira restrita, populao. Para Marcos Jos Pinheiro, autor de Museu, Memria e Esquecimento, essa origem remonta aos fins do12

sculo III a.C. quando, entre a morte de Alexandre Magno e a cristianizao do Imprio Romano, a elite culta dos conquistadores do territrio grego, maravilhando-se com os tesouros de edifcios pblicos, vem-nos como monumentos histricos1. Poucas dcadas depois, j em Roma, os esplios de guerra grandes obras de arte gregas antes enviadas aos deuses romanos como oferendas ou apropriadas por patrcios para serem exibidas em suas residncias, passaram a ser expostas em prdios pblicos. Esta possvel origem, j maculada, aponta certamente para um entendimento do museu como resultante do saqueio e da apropriao indevida da cultura alheia. Ao mesmo tempo, ainda que este precioso patrimnio grego fosse exibido como prova da supremacia romana, a atitude de preservar ou simplesmente no destruir revela em si a capacidade que os registros da arte e da histria tm em apontar ao homem sua prpria humanidade. A mesma capacidade que impulsiona as polticas pblicas de preservao at os nossos dias.

Museus-naoNo entanto, apenas na modernidade, quando o museu abre suas portas definitivamente ao pblico, que ele toma feies mais parecidas com o rosto que conhecemos hoje: um rosto marcado pelo empenho na democratizao do conhecimento e da experincia esttica. o compromisso com os ideais filosficos do Iluminismo que d nascimento ao museu moderno. Antecedentes importantes foram o crescente mercado de antiguidades que tem incio a partir do Renascimento, as expedies cientficas a terras do Oriente e do chamado Novo Mundo, e as descobertas arqueolgicas no continente europeu. Assim, no sculo XVIII j esto abertos ao pblico o British Museum, na Inglaterra, o Museu Pio Clementino em Roma e o Museum Franais na Frana (que seria chamado, aps a Revoluo Francesa, de Museu do Louvre). Marcos Jos Pinheiro realiza em seu livro uma anlise do museu como projeto da modernidade: uma instituio que defende os valores modernos e reproduz, dentro de seu microcosmos, a disputa pelo domnio cientfico e tecnolgico2. Segundo ele, esse papel social dos museus fica especialmente claro a partir da13

proliferao, na Europa do sculo XVIII, dos museus de cincia. L, em grandes museus metropolitanos, eram estudadas, classificadas e preservadas espcimes da fauna e da flora dos pases sob domnio europeu, em sua maioria, colnias. O autor classifica essa prtica como extrativista, seguindo a mesma concepo de explorao do sistema econmico estabelecido entre o Velho e o Novo Mundos. No Brasil, do mesmo modo, o Museu Real do Rio de Janeiro, criado em 1818, teve a misso de funcionar como um centro receptor de produtos locais nicos desta parte do mundo3 provenientes de outras provncias brasileiras. Acabou assim funcionando durante quase todo o sculo XIX como principal provedor dos museus europeus, reproduzindo fielmente o modelo de museu adotado na Europa, mesmo depois da independncia poltica do Brasil, em 1822.Tanto quanto o ouro, a prata, as pedras preciosas, o caf e o acar, foram retirados das colnias pelos seus dominadores, a sua cultura, a sua histria e o seu patrimnio. A espoliao dos bens que antes se fazia aps as batalhas e as guerras, na modernidade ela feita sem a declarao de animosidade, mas como sinal de ajuda ao pas despojado. (PINHEIRO, 2004:61)

Museus-comunicaoSe, por um lado, o museu firma-se como um projeto das elites, por outro, entre o final do sculo XIX e o comeo do XX na Europa, empenha-se em fazer-se entender por todas as classes sociais. Com o surgimento da sociedade de consumo e da cultura visual, aparece o conceito de massas, caracterizadas pela susceptibilidade diante das novas estratgias de estmulo ao desejo pelo consumo que acompanham o crescente processo de industrializao. Nos museus, o momento da realizao de grandes exposies, visitadas por um pblico cada vez maior e mais diversificado. O papel de mediador do museu entre o pblico e a cultura do olhar garante a essa instituio mais uma oportunidade de abertura e comunicao com o pblico, mas ainda mantm intocado o contedo de suas exposies, na maioria das vezes, ainda defensoras dos valores de uma elite.14

Ao contrrio do que possa parecer visto o atual interesse da sociedade pelo tema Marcos Jos Pinheiro aponta que no comeo do sculo XX, com os movimentos de vanguarda, o museu parece fadado no s ao elitismo como ao seu prprio desaparecimento4. No entanto, caracterstico da modernidade e da sociedade industrial como colocam muito bem os filsofos da Escola de Frankfurt em relao Indstria Cultural absorver o diferente como espetculo, neutralizando a possibilidade de questionamento do estabelecido e, consequentemente, de transformao social. Os museus no fogem a essa regra: prontamente so absorvidas por museus europeus obras de arte de vanguarda, seja em espaos criados especialmente para elas ou mesmo em galerias dentro de museus tradicionais.

Enquanto isso, no BrasilSe no continente onde nasceram os museus modernos prognosticava-se a falncia das instituies museolgicas j no comeo do sculo XX, no Brasil das dcadas de 30 e 40 o projeto de fortalecer o sentido de nacionalidade do pas veio acompanhado da criao de grandes museus nacionais. Nessa poca, foram criados mais de uma dezena de grandes museus pblicos, a maioria no mbito federal. Questionar a instituio do museu como um projeto das elites, como acontecia na Europa, estava fora de cogitao. Em 1958, acontecia na cidade do Rio de Janeiro o Seminrio Regional da UNESCO sobre a funo educativa dos museus: o primeiro evento no qual muselogos latino-americanos tiveram a oportunidade de discutir temticas que diziam respeito ao seu prprio continente. Naquele momento, poucos eram os pases da Amrica Latina que ofereciam a possibilidade de uma formao acadmica na rea de museus. No Brasil, h apenas sete anos a Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ) havia conferido Mandato Universitrio ao Curso de Museu ligado ao Museu Histrico Nacional do Rio de Janeiro, e apenas em 1979 o curso ingressaria efetivamente no mbito universitrio. Assim, no final da dcada de 50, o Brasil era um pas onde havia grandes museus, mas ainda possua poucos profissionais formados e com experincia na rea. Outros pases do continente apresentavam um quadro15

bastante parecido. Por esse motivo, o evento da UNESCO foi dominado por palestrantes norte-americanos e europeus e foi para os pases latinos uma grande vitrine das bemsucedidas experincias museolgicas do exterior. Para muitos, funcionou mais como uma provocao do que como uma formao dentro dos moldes esperados.

Museus e mudana social: o marco de SantiagoNo comeo da dcada de 70, a UNESCO movimentou-se no sentido de repetir a experincia dos seminrios sobre museus na Amrica Latina. Desta vez, o encontro foi organizado pelo Comit Internacional dos Museus (ICOM), a pedido da prpria UNESCO. Em 1971, o ICOM havia realizado uma mesa-redonda em Grenoble, na Frana, que balanou as estruturas do museu. Foram revistos Estatutos e a definio de museu, foi introduzida a questo do meio ambiente na vocao dos museus e trazida tona a dimenso poltica, adormecida nessas instituies. O ICOM realizou, assim, uma verso atualizada e provocativa do Seminrio Regional de 1958, chamada Mesa-Redonda de Santiago, que contou exclusivamente com palestrantes latino-americanos, abolindo o16

OS DESBRAVADORES Artista: Leonildo Paiva Coleo Ceramistas do Alto do Moura Acervo Museu do Barro de Caruaru/ Fundao de Cultura de Caruaru Foto: Lia Beltro

Organizaes importantes no cenrio museolgico nacional e internacional: Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional - IPHAN Ano de fundao:1937 Organizao das Naes unidas para Educao, Cincia e Cultura UNESCO Ano de fundao:1945 Conselho Internacional de Museus - ICOM Ano de fundao:1946 Associao Brasileira de Museus - ABM Ano de fundao:1963 Frum dos Museus de Pernambuco FMP Ano de fundao:1991 Instituto Brasileiro de Museus - IBRAM Ano de fundao: 2009

carter dogmtico das palestras realizadas por muselogos europeus e norteamericanos no Seminrio do Rio. Hugues de Varine, que no livro Memria do Pensamento Museolgico Contemporneo faz um comentrio sobre o evento, relata que o grande terico da educao Paulo Freire, naquele momento vivendo em exlio, foi convidado por ele para ministrar a palestra de abertura da Mesa-Redonda de Santiago, relacionando suas ideias a respeito de educao e mudana social com o espao museal. Paulo Freire aceitou o convite, mas por motivos polticos, foi impedido de participar do encontro. Na Mesa-Redonda de Santiago, onde apenas se ouvia espanhol ou portugus, o tema museu foi discutido a partir do contexto social da Amrica Latina, a comear por uma discusso provocada pelo especialista argentino em Urbanismo Jorge Enrique Hardoy, que analisou causas e consequncias da exploso urbana vivida pelas grandes cidades latino-americanas e como a concepo de museus urbanos e rurais em uso ainda aparecia apartada desse processo. A Declarao de Santiago, que veio como resultado dessas reflexes, introduziu o conceito de museu integral, que se posiciona contra o elitismo dos museus e o coloca em contato com as transformaes sociais, econmicas e culturais da sociedade, trabalhando para a formao de conscincia das comunidades e engajando-as no processo de ligao entre o presente e o passado a partir do museu.

Nova museologia?A Declarao de Santiago um documento contundente e corajoso visto que os governos sob ditadura militar estavam em franca expanso em quase toda a Amrica Latina na dcada de 70. Os ideais do manifesto influenciaram, doze anos depois, a ento incipiente nata alternativa da museologia mundial. Insatisfeitos que estavam com as aes do Comit Internacional de Museus - ICOM, profissionais engajados em experincias que caminhavam, de acordo com Mrio Canova Moutinho, em oposio a uma museologia das colees5 e voltadas para preocupaes de carter social, promoveram o Ateli Internacional de Ecomuseus em Qubec, no Canad. A partir desse encontro, o movimento mundial da nova museologia comeou a17

ganhar fora, no tanto conceitual, mas poltica, uma vez que a partir dele foram criadas redes de intercmbio e uma representao poltica do movimento que, em pouco mais de um ano, seria reconhecida pelo prprio ICOM. A Declarao de Qubec de 1984: Princpios de Base de uma Nova Museologia, fruto desse encontro, propunha prticas museolgicas inovadoras, sugerindo que o processo de musealizao de objetos deveria ser coletivizado e que a exposio deveria ser no mais um objeto de contemplao, mas um processo de transformao permanente. Diz a Declarao que:Ao mesmo tempo em que preserva os frutos materiais das civilizaes passadas, e que protege aqueles que testemunham as aspiraes e a tecnologia atual, a nova museologia ecomuseologia, museologia comunitria e todas as outras formas de museologia ativa interessase em primeiro lugar pelo desenvolvimento das populaes, refletindo os princpios motores de sua evoluo ao mesmo tempo que as associa aos projetos de futuro . (ARAJO, 1995:30)

No entanto, hoje, e mesmo durante o encontro em Qubec, os pressupostos da dita nova museologia no desfrutam de aceitao integral. No Canad, os participantes do evento dividiam-se: havia aqueles que enxergavam as novas prticas experimentadas h pouco mais de uma dcada como nico caminho para a museologia; outros se posicionavam a favor de uma transformao dos museus ditos tradicionais, sem deixar de incentivar novas experincias museolgicas.

Caracas: a atualizao dos ideais de SantiagoEm 1992, vinte anos depois de Santiago, muselogos latino-americanos reuniram-se em Caracas com a inteno de atualizar a Declarao de Santiago, trazendo os ideais revolucionrios de mudana da dcada de 70 para o campo da ao. O "museu integral" passou a ser o museu integrado, segundo anlise de Maria de Lourdes Parreiras Horta. Uma das mais importantes muselogas brasileiras, Horta faz uma narrao apaixonada dos dias do encontro de Caracas, onde o sentimento de18

"estarem todos no mesmo barco"6 acompanhou os vinte e trs dias do encontro at o ltimo minuto da redao conjunta do documento, quando a Venezuela anunciava um golpe ao presidente do pas. Apesar de convergir conceitualmente com alguns aspectos da nova museologia traada em Qubec poucos anos antes, a Declarao de Caracas no faz referncia alguma ao encontro. Ao contrrio, alinhados com a experincia de Santiago, os autores dessa Declarao preocupam-se com o contexto local (social, econmico e cultural) de seu continente, de seu pas, de sua cidade, de sua comunidade. Relata Horta que, no encontro de Caracas, os museus[...] descobrem que se no se situarem na trama social, morrero jogados na praia... O monlogo transforma-se em dilogo, a funo pedaggica (afirmada em 1958 no Rio de Janeiro) transforma-se em misso comprometida, mas no mais com a sociedade em termos vagos, mas com a comunidade em que esto inseridos, ou em que buscam inserir-se, para ter alguma razo de existir. (HORTA, Maria de Lourdes Pereira. 20 anos depois de Santiago: A Declarao de Caracas 1992. In: ARAJO; OLIVEIRA BRUNO, 1995:34)

O Brasil por uma poltica nacional de museusHoje o Brasil est testemunhando um verdadeiro boom da museologia. O Estado brasileiro, especialmente o Governo Federal, est empenhado em transformar de maneira profunda e definitiva a estrutura museolgica do pas, ainda bastante tmida em relao a outros pases do continente. A instituio do Estatuto de Museus e a criao do Instituto Brasileiro de Museus - IBRAM como uma autarquia e no mais como um departamento ligado ao Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional - IPHAN, foram os dois principais passos dados nessa direo. Em 2004, foi criado o Sistema Brasileiro de Museus. Com um comit gestor integrado por representantes do setor governamental e da sociedade civil ligados rea, o SBM hoje responsvel por implementar aes que desenvolvam museus, acervos e processos museolgicos do pas, construindo uma rede de cooperao e intercmbio. Um dos principais19

instrumentos do SBM o Cadastro Nacional de Museus, a partir do qual todo e qualquer museu brasileiro, inserido em esferas pblicas ou privadas, registra, atravs da internet, sua existncia e atividade. Alm disso, o SBM est em contato com outros grupos com atuao na rea de museus, como o Frum dos Museus de Pernambuco que, por exemplo, realiza aes de cadastro, fomento e formao na rea. Cada vez a mais, programas culturais governamentais e fundos privados de financiamento projetos que incentivam a criao de museus em comunidades favelas, estiveram indgenas, abertura tradicionalmente margem da sociedade: comunidades rurais. quilombolas, Essa

A Poltica Nacional de Museus foi elaborada entre os anos de 2003-2006 pelo Ministrio da Cultura junto com a comunidade museolgica. O documento norteador desse intenso debate foi o caderno Poltica Nacional de Museus Memria e Cidadania, lanado em 2003. O objetivo da poltica, disposto no documento, : promover a valorizao, a preservao e a fruio do patrimnio cultural brasileiro, considerado como um dos dispositivos de incluso social e cidadania, por meio do desenvolvimento e da revitalizao das instituies museolgicas existentes e pelo fomento criao de novos processos de produo e institucionalizao de memrias constitutivas da diversidade social, tnica e cultural do pas Os museus so espaos onde co-existem vrias reas de atuao: museologia, restauro, conservao, educao, comunicao, administrao dentre outras dependendo da tipologia do acervo existente na instituio. Toda esta diversidade de reas - e consequentemente de aes - exige uma atualizao constante de todos os setores existentes num museu para que se executem aes cada vez mais revolucionrias no campo museolgico. Para atender a todas essas demandas, a Poltica Nacional de Museus apresenta sete eixos programticos, que norteiam as aes a serem desenvolvidas: 1) Gesto e configurao do campo museolgico, 2) Democratizao e acesso aos bens culturais, 3) Formao e capacitao de recursos humanos, 4) Informatizao de museus, 5) Modernizao de infra-estruturas museolgicas, 6) Financiamento e fomento para museus 7) Aquisio e gerenciamento de acervos museolgicos. Assim como a elaborao do Plano foi uma ao democrtica que contou com a participao de toda a comunidade museolgica brasileira, a sua implantao no podia ser feita de forma diferente. O Governo Federal criou o Sistema Brasileiro de Museus, rgo responsvel pela gesto da Poltica Nacional de Museus. A estrutura do Sistema tem como objetivo uma ao abrangente e democrtica visando torn-lo um instrumento legtimo de desenvolvimento do setor museolgico brasileiro.

escancarada do Estado brasileiro para uma "nova museologia", assim como aconteceu em Qubec, assusta aqueles que trabalham e so responsveis por museus atualmente classificados de "tradicionais", que intuem um movimento excludente, como um preconceito s avessas. A nova museologia adotada em partes pelo Brasil segue uma tendncia mundial de preservao da memria (ou segundo uma interessante leitura de Pierre Nora, uma "tirania da memria"7) que se diferencia da Histria por20

privilegiar narrativas daqueles indivduos e grupos normalmente excludos da linearidade que a define. No entanto, paralelo a esse movimento de emergncia da memria e, com ela, de uma nova museologia antigas questes continuam a habitar os sales dos museus, incomodando e estimulando a criatividade do pensamento museolgico contemporneo. Questes provocadas por reservas tcnicas abarrotadas; colees cuja manuteno custa pequenas fortunas; curadorias que no abrem dilogo com outros setores do museu; exposies de curta durao desalinhadas com o plano museolgico da instituio; instituies sem plano museolgico ou planejamento anual; representaes rasas e falhas dos museus na grande mdia. Uma lista interminvel de problemas, enraizados no passado mas cujas solues j despontam em um cenrio que exige um desmonte, um remonte e uma integrao com o novo.

Notas1 2 3 4 5

BibliografiaARAJO, Marcelo Matos; OLIVEIRA BRUNO, Maria Cristina (org.). Memria do Pensamento Museolgico Contemporneo Documentos e Depoimentos. Rio de Janeiro: Comit Brasileiro de Musues ICOM, 1995. MUSAS Revista Brasileira de Museologia, n.4, 2009. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Museus, 2009. PINHEIRO, Marcos Jos. Museu, memria e esquecimento: um projeto da modernidade. Rio de Janeiro: E-papers, 2004. REVISTA DO PATRIMNIO HISTRICO E ARTSTICO NACIONAL Museus: Antropofagia da Memria e do Patrimnio, n.31, 2005. Rio de Janeiro: Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, 2005. 21

(PINHEIRO, 2004:49) (Idem, 2004:60) (Idem, 2004:59) (Idem, 2004:104) MOUTINHO, Mrio Canova. A declarao de Quebec de 1984. In: ARAUJO; OLIVEIRA BRUNO, 1995:26) HORTA, Maria de Lourdes Pereira. 20 anos depois de Santiago: A Declarao de Caracas 1992. In: ARAJO; OLIVEIRA BRUNO, 1995:32)

6

7

NORA, Pierre. Memria: da liberdade tirania. In: MUSAS Revista Brasileira de Museologia, n.4, 2009. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Museus, 2009.

Museu Regional de Olinda Detalhe da exposio de longa durao Foto: Lia Beltro

Patrimnio: um conceito plural

O patrimnio um tema que atualmente suscita discusses e envolve um pblico muito diverso: proprietrios e moradores de bens tombados; estudantes e professores de vrias reas do conhecimento; advogados e jornalistas; integrantes do poder pblico em geral e de instituies oficiais de preservao; integrantes de organizaes no governamentais, entre outros. Usada h bastante tempo pela humanidade, a palavra patrimnio tornou-se polissmica: seus usos e significados variaram bastante ao longo do tempo e, nos dias atuais, o alcance desse termo parece no encontrar limites. Historicamente, e de acordo com o direito romano, a palavra patrimnio (do latim patrimonium) significava o conjunto de bens que deveria ser transmitido dos pais para os filhos, vislumbrados no segundo seu valor pecunirio, mas em sua condio de bens-a-transmitir1. Alm desse significado, o patrimnio tem a ver com a preocupao ancestral de manter em p, reformar, guardar, comemorar elementos que possuem significados relativos a alguma coletividade. Essa ao de celebrar a memria atravs de marcos fsicos ou abstratos parece ter pertencido a todas as sociedades ao longo da histria, sendo essa uma noo universal. Mas o conceito moderno de patrimnio mais recente e est intimamente ligado ideia de construo da nao e da busca da identidade nacional.Utilizado com finalidades polticas, visando unir grupos econmica e culturalmente diferentes, integrar faces politicamente divergentes, no sentido de consolidar um projeto de nao, o conceito de23

patrimnio histrico nacional comeou a ser forjado durante a Revoluo Francesa. (COUCEIRO; BARBOSA, 2008:151)

No Brasil, as ideias sobre a noo de patrimnio cultural formaram-se no contexto do movimento modernista iniciado j em fins do sculo XIX, consolidado ao longo da primeira metade do sculo XX e tendo como marco simblico a Semana de Arte Moderna de 1922. Nesse perodo, uma grande preocupao entre os intelectuais era a necessidade de definio do que constitua e caracterizava a identidade brasileira. Vrios intelectuais desse movimento estiveram ligados institucionalizao da questo patrimonial como, por exemplo, Mrio de Andrade, a maior figura literria e a liderana cultural hegemnica nesse momento-chave de transio de nossa histria intelectual!2. A pedido de Gustavo Campanema (ento Ministro da Educao e Sade Pblica do Governo Vargas) Mrio elaborou, em 1936, o anteprojeto de lei que serviu de base para o decreto-lei 27/37, que deu origem ao Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Sphan)I. Contudo, nem todas as ideias vanguardistas propostas por Mrio foram levadas em conta nesse primeiro perodo, conhecido por fase heroica da histria da preservao no Brasil, que vai de 1937 a 19793. Pode-se afirmar que as primeiras dcadas da prtica da preservao brasileiraII foram norteadas por critrios seletivos pautados pela identificao da caracterstica esttica das obras, sua autenticidade, seu carter excepcional4, alm, sobretudo, da sua materialidade. A escolha dos primeiros patrimnios nacionais foi baseada na vinculao desses bens histria oficial da nao. Dessa forma, os monumentos relacionados s elites polticas, econmicas e religiosas brasileiras como igrejas,

palcios, casas-grandes foram o alvo da aplicao do instrumento de proteo do patrimnio material por excelncia: o tombamento. Jos Reginaldo Gonalves, um24

estudioso brasileiro dessa temtica, acrescenta ainda que, durante esse perodo, a maioria dos monumentos e obras de arte tombados como 'patrimnio cultural' era considerada como representativa do chamado barroco brasileiro. Desde os anos trinta, o barroco tem sido oficialmente usado como um signo totmico da expresso esttica da identidade nacional brasileira5. Os bens ligados s tradies dos povos indgenas e afrodescendentes ficaram margem desse primeiro mpeto preservacionista e tiveram que esperar algumas dcadas para serem tambm considerados bens representantes da identidade nacional. O terreiro de candombl Casa Branca, na Bahia, foi o primeiro bem da tradio afro-brasileira a obter o reconhecimento oficial do Estado Nacional, em 1984, aps longos debates e discusses que trouxeram tona6 a divergncia entre os bens que eram selecionados para representar a cultura do povo brasileiro e aqueles que, de fato, possuam significado simblico para este grupo. A mudana de perspectiva que vai permitir o alargamento do conceito de patrimnio vinculado at ento excepcionalidade dos bens e ligao desses com a histria de grandes personagens da histria tida por oficial inicia-se aps o fim da Segunda Guerra Mundial, com a emergncia das demandas dos pases considerados de terceiro mundo e dos movimentos sociais que se organizavam em torno dos direitos civis, chegando ao seu ponto alto na dcada de 1970.Na esteira da Conveno de 1972, representantes da Bolvia apresentaram UNESCO uma proposta voltada para a regulamentao da proteo e da promoo do folclore. importante lembrar que, na poca, o termo bem imaterial ou intangvel no compunha a pauta dos documentos oficiais nem despontava como um conceito. (COUCEIRO; BARBOSA, 2008:152)

Existe ainda outro importante fato que contribuiu para o enriquecimento25

semntico das discusses em torno da questo patrimonial: a renovao conceitual ocorrida na rea das cincias humanas. A desmaterializao do conceito de cultura, por exemplo, empreendida pela moderna noo antropolgica, veio contribuir decisivamente para o conceito de patrimnio imaterial ou intangvel, uma vez que, de acordo com a nova concepo de cultura, a nfase est nas relaes sociais, ou nas relaes simblicas, mas no especificamente nos objetos materiais7. No Brasil, esse debate encontrava ressonncia em algumas personalidades. Intelectuais como Alosio Magalhes e Luis Cmara Cascudo sem esquecer a atuao pioneira de Mrio de Andrade estiveram no centro das discusses que resultaram em novas perspectivas acerca da cultura popular e na criao de novos instrumentos para o reconhecimento e proteo dos bens intangveis. Nomeado diretor do Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Iphan) desde 1979 e defensor da concretizao do desenvolvimento atravs da insero dos bens culturais nas polticas pblicas, Alosio j havia constatado que o conceito de bem cultural no Brasil continuava restrito aos bens materiais mveis e imveis, e chamava ateno para o fato de que[...] permeando essas duas categorias, existe vasta gama de bens procedentes sobretudo do fazer popular que por estarem inseridos na dinmica viva do cotidiano no so considerados como bens culturais nem utilizados na formulao das polticas econmica e tecnolgica. No entanto, a partir deles que se afere o potencial, se reconhece a vocao e se descobrem os valores mais autnticos de uma nacionalidade. (MAGALHES, 1997:60)

Com a contribuio de importantes pensadores e sob a influncia de novos paradigmas das cincias humanas, a Constituio Brasileira de 1988 se antecipou Recomendao Internacional de 1989III e passou a considerar como patrimnio26

cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira8. No ano de 2003, foi realizada em Paris a Conferncia da UNESCO, que resultou na Conveno para a salvaguarda do patrimnio cultural imaterial. Trs anos antes, o Brasil, numa ao pioneira, havia promulgado o decreto 3.55,1 que estabeleceu o instrumento para a salvaguarda do patrimnio imaterial: o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial. O patrimnio reconhece-se pelo fato de que sua perda constitui um sacrifcio e que sua conservao pressupe sacrifcios(CHASTEL, Andr apud POULOT, 2009:17)

Na maior parte das vezes, quando se fala de patrimnio o que est sendo evocado a sua proteo. Como foi visto, a salvaguarda do patrimnio configurou-se numa atividade de Estado, com a criao de legislaes especficas e suas aplicaes no mbito institucional. Nos dias de hoje, para alm da atuao institucional, a prtica da preservao esbarra na necessidade urgente de unir as aes oficiais de salvaguarda e a participao da sociedade como prenunciou Alosio Magalhes. No mesmo ano da oficializao do Sphan, foi promulgada a lei do tombamento: um instrumento do Poder Pblico que visa proteger os bens materiais, mveis e imveis, colocando o seu uso sob controle de uma legislao especfica. No incio, era aplicado a partir da esfera nacional em todo o seu territrio; mas, com o tempo, foi deslocando-se da esfera federal para os estados e municpios. O tombamento visa manuteno das caractersticas fsicas dos bens e por muito tempo foi o nico instrumento utilizado na esfera institucional para proteger o27

a verdadeira detentora do patrimnio,

patrimnio. Depois de quase seis dcadas e de um longo processo de mudana de paradigmas em torno do conceito de patrimnio, foi criado o instrumento para a proteo do patrimnio imaterial ou intangvel: o registro. Diferentemente do patrimnio de pedra e cal, essa nova categoria patrimonial que representava as celebraes, as expresses, os lugares e os modos de fazer da cultura tradicional possui por essncia um carter dinmico e processual. So

prticas produtivas, rituais e simblicas que so constantemente reiteradas, transformadas e atualizadas, mantendo, para o grupo, um vnculo do presente com o seu passado9 e que necessitam, portanto, de novas formas de abordagem, entendimento e proteo. Mas o tombamento e o registro dos bens culturais no so os nicos instrumentos de proteo disponveis para salvaguardar os bens culturais materiais e imateriais. Analisando a situao preocupante em que se encontram alguns patrimnios culturais brasileiros, pode-se sugerir que a aplicao de instrumentos oficiais de proteo precisa estar em consonncia com as demandas da sociedade, de modo que a mesma se torne parceira no processo de proteo do patrimnio. Se a populao no participa das iniciativas de preservao realizadas por parte do Poder Pblico, tais aes dificilmente alcanam seu objetivo, transformando-se, por vezes, em aes vazias de significado para a populao. O processo de reconhecimento e identificao dos bens patrimoniais por parte da populao pode despertar um sentimento de pertencimento e valorizao que favorece toda e qualquer iniciativa de carter preservacionista. Levando-se em considerao os interesses da sociedade e a diversidade cultural do pas, o patrimnio ter cada vez mais relevncia para a cultura, histria e memria do Brasil, podendo ser, ainda, um importante instrumento de incluso social e cumprimento da cidadania.28

Notas1 2

(POULOT, 2009:16) (MICELI, Sergio. Mrio de Andrade: a inveno do moderno (GONALVES, 1996:49) (FUNARI; PELEGRINI, 2006: 45) (GONALVES, 1996:68) (VELHO, Gilberto. Patrimnio, negociao e conflito. In:

intelectual brasileiro. In: BOTELHO; SCHWARCZ, 2009:162)3 4 5 6

Mana, vol. 12, n. 1, p. 237-248, abr. 2006. Disponvel em:http://www.scielo.br/pdf/mana/v12n1/a09v12n1.pdf.7

(GONALVES, Jos Reginaldo Santos. Ressonncia, e Subjetividade: as culturas como

Materialidade

patrimnios. In: Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre, ano 11, n. 23, p. 15-36, jan/jun 2005. p. 21)8

(In: Constituio Federal de 1988. Art. 216. Disponvel em:

http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/. Acesso em: 22/04/2010)9

(CASTRO; FONSECA, 2008:12)

I

necessrio lembrar que antes mesmo da criao do

Sphan, em 1936, j exista uma preocupao oficial com a salvaguarda do patrimnio brasileiro, como, por exempo, em 1932, quando a cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, foi declarada pelo governo brasileiro Monumento Nacional.II

O modelo da prtica preservacionista, bem como a

legislao sobre a salvaguarda do patrimnio brasileiro foram inspirados no modelo francs.III

Recomendao sobre a salvaguarda da cultura tradicional

e popular derivada da Conferncia Geral da UNESCO 25 Reunio, na cidade de Paris, em 15 de novembro de 1989.

Museu de Arte Sacra de Pernambuco Detalhe da exposio de longa durao Foto: Val Lima

29

BibliografiaBOTELHO, Andr; SCHWARCZ, Lilia Moritz (orgs). Um enigma chamado Brasil: 29 intrpretes e um pas. So Paulo: Companhia das Letras, 2009. CASTRO, Maria Laura Viveiros de; FONSECA, Maria Ceclia Londres. Patrimnio cultural imaterial no Brasil. Braslia: Unesco, Educarte, 2008. CHOAY, Franoise. A alegoria do patrimnio. So Paulo: Estao Liberdade/Editora Unesp, 2001. Constituio Federal de 1988. Art. 216. Disponvel em: www. senado. gov. br / sf / legislacao/const/. Acesso em: 22/04/2010 COUCEIRO, Sylvia; BARBOSA, Cibele. NOGUEIRA, Antnio Gilberto Ramos. Por um inventrio dos sentidos: Mrio de Andrade e a concepo de patrimnio e inventrio. So Paulo: Hucitec; Fapesp, 2005. POULOT, Dominique. Uma histria do Patrimnio no Ocidente, sculos XVIII-XIX: do monumento aos valores. So Paulo: Estao Liberdade, 2009. CURY, Isabelle (org). Cartas Patrimoniais. Braslia: IPHAN, 3 edio, 2000. FUNARI, Pedro Paulo; PELEGRINI, Sandra de Cssia Arajo (orgs). Patrimnio histrico e cultural. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2006.30

GONALVES, Jos Reginaldo Santos. A retrica da perda: os discursos do patrimnio no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, Iphan, 1996. GONALVES, Jos Reginaldo Santos.

Ressonncia, Materialidade e Subjetividade: as culturas como patrimnios. In: Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre, ano 11, n. 23, p. 15-36, jan/jun 2005. MAGALHES, Alosio. E triunfo? A questo dos bens culturais no Brasil. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997.

Patrimnio

imaterial:

debates

contemporneos. In: Cadernos de Estudos Sociais, Recife, v.24, n. 2, p.151-160, jul./dez., 2008.

VELHO, Gilberto. Patrimnio, negociao e conflito. In: Mana, vol. 12, n. 1, p. 237-248, abr. pdf. 2006. Disponvel em: www.scielo.br/pdf/mana/v12n1/a09v12n1.

ESCADARIAS DO MUSEU DE ARTE CONTEMPORNEA DE PERNAMBUCO Foto: Isabella Valle 29

MISSAL (Sc. XIX) Acervo Museu Regional de Olinda/FUNDARPE Foto: Lia Beltro

Breve glossrio museolgicoO primeiro museu do qual se tem notcia foi construdo no Egito, no sculo II a.C. Sua concepo buscava reunir diversas reas do saber, desde a astronomia at a zoologia, com peas expostas sendo em sua maioria objetos 3D. Assim como muitos museus que conhecemos hoje, este tinha biblioteca, anfiteatro, salas de trabalho (nossos atuais auditrios e cafs). Este apenas um exemplo. Muitos outros espaos museolgicos devem ter existido em outros formatos que no temos notcia. Mas este, sem dvida, aproximase a um modelo de museu bem conhecido nos tempos atuais, traduzido pela definio estabelecida pelo Conselho Internacional de Museus ICOM, em 1974:Museu um estabelecimento permanente, sem fins lucrativos, a servio da sociedade, aberto ao pblico, que coleciona, conserva, pesquisa, comunica e exibe, para o estudo, a educao e o entendimento, a evidncia material do homem e seu meio ambiente (ICOM -1974).

Os verbos colecionar, conservar, pesquisar, comunicar e exibir sintetizam os principais eixos de ao de uma instituio museolgica, definindo, ao mesmo tempo, sua funo social. Uma funo que tem como objeto o que o ICOM compreende como a evidncia material do homem e seu meio ambiente, e a que ns, profissionais de museus, chamamos de acervo. Para que determinado acervo passe a fazer parte de uma instituio museolgica preciso que seja musealizado, isto , inserido dentro de um contexto especfico atravs da coleo, pesquisa, conservao e divulgao, seja em um museu tradicional, comunitrio ou um ecomuseu. E como funciona um museu? Curadoria, exposio, reserva tcnica so termos ouvidos diariamente por pessoas que trabalham em instituies museolgicas. Mas, o que querem dizer exatamente? Para entendermos melhor quais so os espaos e as33

Glossrio

aes desenvolvidas dentro e a partir de um museu, relacionamos um breve Glossrio Museolgico1. Alguns dos conceitos presentes no glossrio foram ilustrados e aprofundados a partir de experincias de profissionais, uns no incio do caminho e outros com longas e frteis andanas no universo museal. A inteno que, assim como a cartilha Museus: Patrimnio de todos, esta seo sirva no apenas como fonte de consulta, mas tambm como inspirao para novas aes e parcerias. Museologia: Museologia a rea do conhecimento que estuda as relaes que a sociedade estabelece com seu patrimnio, tendo em vista a preservao e a difuso do mesmo. A museologia tem como base o conceito de patrimnio integral, que consiste em um conjunto de referncias materiais e imateriais definidoras da identidade dos grupos humanos no tempo e no espao. Podemos dizer, ento, que a museologia a rea do conhecimento que investiga e tenta sistematizar o conhecimento relativo s relaes que a sociedade mantm com seu patrimnio, visando preservao e comunicao do mesmo.Tipos de museus

Museu Tradicional: A exposio segue um circuito definido, os seus ncleos so integrados e o trabalho feito a partir de um acervo constitudo historicamente, que tem a classificao de raro e precioso. Museu Territrio: nfase dada ao territrio (meio ambiente ou stio), em vez de enfatizar o prdio institucional em si. Ecomuseu: Os integrantes de uma comunidade tornam-se atores do processo de formulao, execuo e manuteno do mesmo, podendo ser, em algum momento, assessorados por um muselogo.

34

Glossrio

Museu virtual: No existe em materialidade, sua exposio existe apenas na tela do computador. Associao de Amigos do Museu: Uma instituio privada, sem fins lucrativos e de utilidade pblica, que auxilia os museus na gesto de projetos em parceria com a sociedade civil. Algumas fontes de financiamento em museus s so possveis com a parceria de uma Associao de Amigos. Cultura: um conjunto de prticas e aes sociais que seguem um padro determinado no espao. Refere-se a crenas, comportamentos, valores, instituies, regras morais que permeiam e identificam uma sociedade. a identidade prpria de um grupo humano em um determinado territrio e perodo. Patrimnio Cultural: o conjunto de todos os bens, materiais ou imateriais, que, pelo seu valor prprio, devam ser considerados de interesse relevante para a permanncia e a identidade da cultura de um povo. Musealizao: uma das formas de preservar o patrimnio cultural, realizada pelo museu. Constitui a ao, orientada por determinados critrios e valores, de recolher, conservar e difundir objetos como testemunhos do homem e do seu meio. um processo que pressupe a atribuio de significado aos artefatos, capaz de conferirlhes um valor documental ou representacional. Acervo museolgico: o conjunto de objetos/documentos que corresponde ao interesse e objetivo de preservao, pesquisa e comunicao de um museu. constitudo por bens culturais, de carter material ou imaterial, mvel ou imvel, que integram o campo documental de possvel interesse de um museu. A ttulo de exemplo: todo documento que ateste a vida e a obra do poeta Manuel Bandeira apresenta interesse para o Memorial Manuel Bandeira e, independente de encontrar-se ou no sob a sua custdia, constitui-se em acervo museolgico do autor. Onde quer que o documento esteja.

35

Glossrio

Coleo: um conjunto de objetos naturais, artificiais e virtuais reunidos por pessoas ou instituies que perderam seu valor de uso, e so mantidos fora do circuito econmico, sujeitos proteo especial, em local reservado para esse fim. O que de fato caracteriza e distingue os objetos de colees de outros conjuntos de objetos o papel de representarem determinadas realidades ou entidades, assumindo o papel de intermedirios entre aqueles que olham (os espectadores) e o mundo no visvel (o passado, a eternidade, os mortos, etc.). Inventrio: a metodologia de pesquisa que constitui o primeiro passo na atividade de conhecimento, de salvaguarda e de valorizao dos bens culturais de um acervo, consistindo na sua descrio individual, padronizada e completa, para fins de identificao, classificao, anlise e conservao. Tesauro: uma lista de palavras com significados semelhantes, dentro de um domnio especfico de conhecimento. O tesauro uma ferramenta bastante utilizada em museu, especialmente no processo de inventrio do acervo museolgico. Por definio, um tesauro restrito. No deve ser encarado simplesmente como uma lista de sinnimos, pois o objetivo do tesauro justamente mostrar as diferenas mnimas entre as palavras e ajudar o escritor a escolher a palavra exata. Tesauros no incluem definies, pelo menos muito detalhadas, acerca de vocbulos, uma vez que essa tarefa da competncia dos dicionrios. Plano museolgico: a principal ferramenta que utilizamos para gerir um museu. O plano museolgico estabelece uma viso clara a respeito de para onde se dirige o museu e como chegar at l2. , portanto, o documento norteador de uma instituio museolgica. Um plano museolgico bem estruturado responde aos seguintes questionamentos: para qu existimos (finalidade); em qu acreditamos (valores); o que queremos alcanar (metas); o que fazemos (funo); para quem o fazemos (pblico/parceiros).

ESCARIAS DO MUSEU CONTEMP DE PERNA Foto: Isab

36

Glossrio

Museus precisam de planejamentoRegina Batista nasceu e viveu no ambiente mgico dos museus. Menina de seis anos, passeava entre as pinturas, esculturas, arte sacra, mveis do sculo XIX e entre as joias e porcelanas do Museu do Estado da Bahia. Tudo me levava a desvelar um outro tempo e realidade (sic). Sobrinha da primeira museloga do estado da Bahia, Regina foi iniciada pelas mos da tia no mundo da museologia. Formou-se no Rio de Janeiro e l comeou a dar os primeiros passos da sua carreira como museloga. Sua vinda para o Recife foi definida a partir de encontro com um colega, o muselogo Acio Oliveira, ento diretor do Museu do Estado de Pernambuco. Aqui, tornou-se pesquisadora da Fundao Joaquim Nabuco, onde teve a oportunidade de trabalhar em diversas reas da museologia: documentao, expografia e administrao de museus. Regina tambm exerceu o cargo de Diretora de Museus da FUNDARPE. Nesse perodo, de 1999 a 2001, aproximou-se da rea de educao em museus, qual se dedica at hoje atravs de formaes e publicaes sobre o tema da arte-educao e mediao em museus. Atualmente, Regina gere uma consultoria em processos museolgicos, onde coordena uma equipe multidisciplinar que trabalha desde a gesto de museus at a montagem de exposies. Nesta entrevista, Regina fala sobre a importncia e os obstculos das etapas de elaborao e implementao do plano museolgico. A partir da solidez de sua experincia, Regina Batista aponta rumos a tomar numa rea que est em pleno processo de transformao.37

S EXTERNAS U DE ARTE PORNEA AMBUCO bella Valle

Glossrio

- Voc acha que existe resistncia por parte dos museus brasileiros em decidir desenvolver um plano museolgico? Se sim, por que isso acontece?Resposta: Sim, e so muitas as razes para essa resistncia. A primeira e mais gritante porque os museus no esto organizados juridicamente. A poltica muitas vezes anda na contramo da Lei, ou seja, inaugura-se o museu, mas no se sanciona a lei de criao. Esse fato determina em cascata todos os problemas posteriores; por exemplo: em qual instncia governamental (administrao direta, autarquia ou fundao) dever ser filiado o museu? Muitas vezes ele empurrado para uma instncia governamental que no foi sequer consultada se comportaria mais uma instituio! Ento, o que se constata o distanciamento interno entre as diretrizes que o museu precisa implantar para funcionar e a administrao superior, que no tem como atender a nova unidade administrativa. J vi casos em que aps a criao do museu (ato meramente poltico, promocional), fecharam-lhe as portas por falta de condies mnimas de funcionamento no havia pessoal para abrir as portas do museu. preciso que se divulgue isso: os museus, como qualquer instituio, precisam de lei, decreto ou ato de criao para funcionar, assim como de estatuto, regimento interno, normas e procedimentos. Os museus no podem existir sem o respaldo constitucional de lei especfica. Isso porque preciso garantir a sua segurana (do acervo, especialmente), das suas competncias e atribuies, at o momento de sua dissoluo. comum os diretores desconhecerem qual o perfil jurdico da instituio. Foi para isso que os muselogos e tcnicos do IBRAM criaram o Estatuto dos Museus (Lei 1.904, de 14/ 01/2009), definindo-se o que museu e quais seus princpios fundamentais. Agora preciso orientar as instituies museais para o rigoroso cumprimento da lei.

- Uma vez que o museu opta por fazer o plano museolgico, quais os maiores obstculos na hora de elabor-lo?Resposta: O maior obstculo o entendimento do que seja um plano museolgico na sua essncia, ou seja, a conscincia do que o planejamento da instituio museolgica. Muito simples, mas muito difcil para quem no sabe sequer qual o conceito de Museu! preciso, antes de tudo, saber o que caracteriza um museu em suas funes vitais de preservar, de pesquisar e de comunicar. A qualidade dos servios de um museu depende do conhecimento que se tem do objeto de trabalho de cada38

Glossrio

um. Ou seja, s podemos realizar um trabalho de documentao museolgica se existe, como pr-requisito, o domnio dos contedos tericos e prticos da matria. Optar por um plano museolgico tambm requer ouvir a todos em todas as instncias funcionais do museu e fora dele, ou seja, reconhecer o campo de conhecimento de cada um para que se realize um planejamento de resultados. Assim, ser preciso ouvir do presidente ao secretrio de Estado, do diretor ao muselogo, da secretria ao monitor, do vigilante ao bilheteiro. Cada um, a partir de seu repertrio, de seu especfico conhecimento, capaz de responder as perguntas: O qu? Para qu? Como? Quando? Onde? Isso o que nos leva a construir o plano museolgico, definindo misso, funes, objetivos e metas do museu. Nada diferente do que faz, por exemplo, um professor, quando planeja a sua aula. - Quais os maiores obstculos na hora de seguir o plano traado?Resposta: Primeiramente, a escassez do quadro tcnico com formao nessas reas de trabalho dos museus, ou seja, de muselogos, restauradores, pedagogos, designers, historiadores, psiclogos, bibliotecrios e arquivistas, arte-educadores e, claro, administradores. Um corpo tcnico que ponha em prtica as funes do museu e execute o plano museolgico. Alm disso, o avaliar est longe de ser uma prtica na gesto pblica, o que piora em muito o processo de implantao de qualquer plano de trabalho. Mas, seguir o plano requer tambm uma gesto administrativa forte, consciente dos direitos e deveres de todo o corpo funcional e do entendimento de gesto e de organizao; caso contrrio, ser intil qualquer esforo de planejamento. No Brasil por vcios administrativos seculares e tambm por estarem, em sua maioria, no mbito do Estado os museus ficam ao sabor das mudanas no rumo da gesto da coisa pblica e dos apadrinhamentos polticos. Isso atrapalha a gesto, desmotiva o grupo e gera um processo descontinuidade. Houve uma poca que, em Pernambuco, os diretores de museus eram em sua maioria artistas plsticos. Nada contra, porm no vamos ser hipcritas! Ser criativo no campo da arte uma coisa, ser artista no exerccio de cargos pblicos exige minimamente uma experincia e o conhecimento do que se est administrando. No estamos mais no tempo de inventar moda na dimenso pblica e social: precisamos ter qualidade, desempenho e responsabilidade com as instituies que esto a servio da sociedade e do seu desenvolvimento. Se o museu tem a responsabilidade de EDUCAR, como podemos ser educadores do mau exemplo?39

Glossrio

- No caso de museus ligados ao Estado, como fazer com que um plano museolgico seja seguido independente das mudanas de governo? Ou essas mudanas no representam dificuldades?Resposta: Um plano museolgico deve estar acima das mudanas polticas. Alis, enquanto documento norteador da gesto do museu, o plano precisa ser aplicado seguindo objetivos previstos nas estratgias da administrao. Como um plano de gesto se faz com a participao de pessoas e visa o monitoramento dos processos de trabalho no museu, esteja quem estiver no cargo de direo, este dever ajustar-se aos objetivos e metas desse plano. O plano deve ser entendido e aplicado como um instrumento de deliberao tomado de forma conjunta pelas pessoas que trabalham no museu, e deve ser seguido em todas suas instncias administrativas. O que no pode prevalecer a vontade de cada um. No se pode repelir nem as deliberaes colegiadas nem os processos compartilhados pelo conjunto dos profissionais do museu. Hoje, a prpria sociedade exige mais profissionalismo no trato do patrimnio cultural.

40

Glossrio

Reserva tcnica: o local onde so salvaguardadas as obras de arte o que diferente de um depsito. Uma reserva tcnica necessariamente um ambiente climatizado. Museus possuem normalmente diferentes tipologias de acervo. Por isso, o lugar onde guardado um microfilme no pode ter a mesma umidade e temperatura de onde so guardadas, por exemplo, obras em papel. Por isso, as reservas das salas devem ter controles individuais de temperatura e umidade relativa, alm de sensores de abertura de portas com codificador, o que possibilita no s a guarda das obras de maneira adequada, mas tambm a segurana do acervo3. Acondicionamento: proteger em local adequado de maneira adequada. Conservao: o conjunto de medidas destinado a conter as deterioraes de um objeto ou resguard-lo de danos. De maneira geral, sinnimo de preservao, mas dentro do universo dos museus diferencia-se pelo carter mais especfico, pressupondo-se uma materialidade. Identifica-se com os trabalhos de intervenes tcnicas e cientficas, peridicas ou permanentes, repetidos e continuados, aplicados diretamente sobre uma obra ou seu entorno, com o objetivo de prolongar sua vida til e sua integridade. Restauro: No restauro, este conjunto de medidas destinado a conter as deterioraes de um objeto (ao da conservao) vai mais alm. Aqui, so utilizadas medidas tambm de reverso do dano fsico. As intervenes so mais profundas, visando muitas vezes a uma transformao esttica do objeto. Existem muitas controvrsias quanto aplicao de ambas as aes e, por isso, necessrio um diagnstico rigoroso para se definir como intervir em um acervo museolgico. Hoje, sem dvida, a postura adotada pelos profissionais da rea de conservar para no restaurar.

Conservao minha cachaaJosemir Alves da Fonseca, mais conhecido como Mir (ou Mi, como a nota musical), trabalha h mais de duas dcadas na rea de restauro e conservao de bens41

Mir em seu local de trabalho. Ao lado, detalhes da reserva tcnica e da restaurao da obra da artista plstica Tomie Otake. Fotos: Lia Beltro

Glossrio

culturais atualmente o principal responsvel por um acervo de cerca de cinco mil peas. Nesta entrevista-relato, feita dentro da reserva tcnica do Museu de Arte Contempornea de Pernambuco, no Stio Histrico de Olinda, Mir fala de sua paixo pelo trabalho, que considera mais uma terapia do que um ganha-po, e comenta sobre as tcnicas e os dilemas que envolvem a profisso.

Trajetria

Antes de trabalhar na rea de restauro, eu dava aula de artes. Eu nem sonhava em trabalhar com restauro e fui convidado para fazer parte de um projeto de restaurao de livros foureiros. Os livros estavam degradados pela ao de tintas ferroglicas e, para no perder as informaes e para os historiadores poderem manuse-los, fomos chamados para fazer um trabalho de conservao e restauro. No tnhamos acesso ao japons, ento utilizamos papel de cigarro para fazer amarraes, remendos. Como esse um papel muito fino, as pessoas podiam pegar nos livros e fazer a transcrio. Depois de um tempo, consegui um estgio no CECOR (Centro de Conservao e Restaurao de Bens Culturais Mveis) ligado Universidade Federal de Minas Gerais. Fiquei uns cinco meses l em Minas com eles, aprendendo tcnicas de conservao e restaurao no setor de papel. Depois, consegui um trabalho no Centro de Preservao e Conservao da Fotografia da FUNARTE, no Rio. Desenvolvi a parte de tela quatro anos atrs, no Ateli Raul Carvalho (de Restaurao de Obras de Arte). Isso aconteceu atravs de um convite de Emanuel Arajo (artista plstico e muselogo baiano que implementou um dos mais bemsucedidos projetos de restauro do pas enquanto era Diretor da Pinacoteca do Estado de So Paulo). Ele esteve no Recife a convite da FUNDARPE para fazer um trabalho de conservao e acondicionamento de obras de arte pouco antes da inaugurao do (Espao Ccero Dias do) Museu do Estado de Pernambuco. Eu trabalhei nesse projeto com ele. Fiquei responsvel pela parte de acondicionamento e conservao de papel do MEPE aquarelas de Ccero Dias, litografias do Recife Antigo. Tambm trabalhei no restauro de algumas telas de Teles Jnior. Depois desse projeto, Emanuel Arajo me convidou para ir a So Paulo trabalhar com conservao de tela no Atelier Raul Carvalho e fiquei l sete meses.43

Glossrio

Museu de Arte Contempornea

H mais ou menos oito anos trabalho no MAC. Aqui eu sou responsvel pela parte de conservao do acervo, monitoramento da climatizao, higienizao e fixao das telas e ainda realizo aes pontuais de restauro. O que fao dar condies para que as obras de arte possam ser expostas. Por isso, a verdade que preciso mais pessoal aqui dentro. (Um dos prximos trabalhos de Mir no MAC o restauro de uma tela de Tomie Ohtake, uma das mais importantes artistas plsticas brasileiras. uma tela sem ttulo, de 1966, que apresenta fissuras nas extremidades e descolamento da tinta em alguns pontos. Mir vai levar cerca de sessenta dias para realizar o restauro da obra, trabalhando trs horas por dia). A maior parte desse acervo de obras de arte com suporte em papel. A rea de conservao e restauro de papel muito delicada. Talvez por isso mesmo haja to poucos restauradores especialistas em papel.Conservao e restauro de papel

Quando h, por exemplo, uma gravura cheia de manchas de fungo, ns matamos os fungos, um processo razoavelmente simples. Mas, para tirar as manchas, so necessrios banhos qumicos que algo mais delicado. Na verdade, tudo uma questo de dosagem. J o clareamento um procedimento muito criticado, especialmente quando se trata de acervos pblicos, porque h um risco grande para a obra por enfraquecer a fibra do papel. Ento, antes de fazer qualquer interveno preciso conversar e tentar entrar num consenso com o diretor, o muselogo e os responsveis por aquele acervo. Algumas obras no suportam tratamento, ento s possvel desacidificar o papel e fazer uma amarrao do suporte. Papel no feito tela. Se voc comete um erro no restauro de uma tela, possvel remediar. No papel, voc no pode errar. So fibras, muito mais delicado; se voc errar, voc perde tudo. J peguei um caso em que um restaurador foi tentar retirar o fungo e as manchas de um diploma, em troca de um favor de um mdico, dono desse material. S que ele colocou uma dose altssima de hipoclorito no banho. Num caso desses, a fibra do papel vai enfraquecendo de tal forma que chega um ponto que o papel no seca: voc passa o dedo e a fibra do papel vem no seu dedo. Quando ele trouxe para que eu tentasse recuperar o diploma, a parte44

Glossrio

escrita, como as assinaturas e data, j tinha desaparecido. Conseguimos parar o efeito do qumico, mas o diploma foi estragado. Outra coisa muito delicada fotopintura. Alis, um trabalho lindo, que tinha de ter sido mais valorizado. Hoje poucos so os que conhecem essa arte. E muitos no conseguiram passar a tcnica de pai para filho. Conhecia um artista desses, Biu, que morreu sozinho em casa, esquecido pela prpria famlia. Um dia fui visit-lo e me disseram que ele tinha morrido. Quando a famlia foi l, ele j estava morto. Eles usavam anilina, esse corante de colocar em bolo, e no final usavam um verniz que chamavam de asa de barata. muito delicado fazer a conservao desse material.Reserva tcnica: controle sobre o acervo

Uma das coisas que esto sendo feitas na reserva tcnica o levantamento das obras. Desde que o museu foi inaugurado, nunca foi feito nem repassado para o governo seguinte um levantamento minucioso do acervo. Ningum fazia prestao de contas. Tambm tem muitas informaes erradas no livro de tombo referentes s tcnicas utilizadas na obra. H uma prtica de pegar emprestadas obras do museu para enfeitar as salas dos governadores, secretrios, etc. No existia um controle sobre esses emprstimos. At pouco tempo, eram emprestadas molduras e nunca ningum registrava. O acervo perdeu muito com isso. Hoje a gente est fazendo esse controle e a coisa est mais organizada.Detalhes da reserva tcnica e do restauro. Fotos: Lia Beltro

45

Glossrio

Exposio: a exibio pblica de objetos organizados e dispostos com o objetivo de comunicar um conceito ou uma interpretao da realidade. Pode ser de carter temporrio ou de longa durao, fixa ou itinerante.Quando nos referimos uma exposio de longa durao, estamos falando de uma exposio que est fixa em um determinado local e tem uma durao de no mximo 5 anos. J uma exposio temporria, tem um tempo mais curto podendo ir de poucos dias at no mximo 3 meses. As exposies temporrias podem ser fixas ou itinerantes, isto , podem circular por vrios espaos museolgicos ou no. Curadoria: a designao genrica do processo de concepo, organizao e montagem da exposio pblica. Inclui todos os passos necessrios exposio de um acervo, quais sejam: conceituao, documentao e seleo do acervo, produo de textos, publicaes e planejamento da disposio fsica dos objetos. Refere-se tambm ao cargo ou funo exercida por aquele que responsvel por zelar pelo acervo de um museu. Setor Museolgico: o setor museolgico que traa junto aos demais setores do museu a poltica de salvaguarda do acervo. responsvel pelo inventrio do acervo e seu gerenciamento sob o ponto de vista de conservao, salvaguarda, pesquisa e difuso, assim como a poltica de aquisio e descarte de uma determinada coleo. Ao educativa: Consiste em uma ao museolgica de comunicao que visa a interface com a pesquisa e a preservao. Este processo tem como resultante, o processo de mediao que permite um aprendizado amplo do bem cultural com vistas ao desenvolvimento de uma conscincia crtica e abrangente da realidade que cerca um determinado grupo de pessoas. Esta ao realizada pelo setor educativo de um museu que composto por pedagogos e arte-educadores.

46

Glossrio

Experincia no Museu da Imagem e do SomO Museu da Imagem e do Som de Pernambuco - MISPE funcionou durante dezesseis anos em um belo casaro da Rua da Aurora. Em 2008, por motivos de problemas estruturais no prdio, o delicado acervo do museu e toda sua funo administrativa foram transferidos para a Casa da Cultura de Pernambuco. Essa mudana representou de certa forma uma crise para o museu, por exigir dele uma violenta adaptao ao novo espao, onde o grande desafio integrar os itens do acervo muitos em 3D a um ambiente digno para visitao do pblico. Ao mesmo tempo, a partir da necessidade de reorganizao do acervo, a mudana representou uma reabertura do MISPE para o campo da pesquisa. Em 2009, trs bolsistas do Programa de Aperfeioamento em Gesto Pblica da Cultura e uma estagiria do curso de graduao em Cinema deram incio a um processo de catalogao e classificao de trs diferentes tipologias do acervo do MISPE: fotografia, vinis e pelcula. O resultado foi uma minuciosa organizao do acervo e a redescoberta de preciosidades da histria e da cultura do estado escondidas nas estantes do museu. Abaixo, segue o relato de experincia de um desses bolsistas, Diogo Luna, responsvel pela catalogao do acervo em pelcula do MISPE.

Pesquisa no Museu

Na funo em que me instalei nas locaes do MISPE, primeiramente tive que assistir a muitos filmes na bitola Super 8 nova no estado a partir do incio da dcada de 1970 e particularmente aos filmes do importante cineasta Firmo Neto. A inteno de ver esses filmes era a de catalogar a sua obra, sendo ento necessria a eventual descrio dos vdeos, exerccio fundamental para a catalogao de qualquer objeto museolgico. No seria exagero afirmar que Firmo Neto uma personalidade inquestionvel do atual estado de considervel respeito do cinema pernambucano frente cinematografia nacional.Museu da Imagem e do Som Detalhe projetor / Foto: Priscila Buhr

47

Glossrio

poca da chegada das filmadoras de Super 8 no mercado, Firmo j estava convencido de suas vantagens em relao ao 16 mm, apostando, inclusive, que esta seria substituda pelo novo formato nos registros de eventos sociais, o que de fato ocorreu. Firmo Neto montou seu laboratrio e em 1972 j estava apto a realizar qualquer trabalho em Super 8. Foi o primeiro cinegrafista a utiliz-lo nos moldes do que viria a caracterizar a produo nos anos seguintes em 1973, cinco dos onze filmes enviados ao festival da Bahia foram produzidos por ele. Enquanto a gerao superoitista ia experimentando e se fortificando em sua busca de afirmao, Firmo expandia a sua atuao nos registros de eventos sociais. Por ser mais leve e mais verstil, o Super 8 oferece ao operador uma maior mobilidade em relao ao 16 mm. Com isso, qualquer evento poderia ser filmado: aniversrios, casamentos, formaturas, etc. O que todos esses eventos sociais que posaram para a cmera de Firmo e que hoje residem como fantasmas nas dependncias do MISPE tm para nos dizer? O que primeiro salta aos olhos o fascnio, o encanto pela imagem em movimento. Encanto dos que estavam diante e por trs da cmera, mesmo que fosse uma modesta filmadora Super 8. Encanto tambm por parte do espectador, no caso eu. a primeira gerao pernambucana a conviver com um dos imperativos da contemporaneidade: ser filmado. A situao cultural do tempo em questo (entre as dcadas de 70 e de 80) revelada aos olhos por uma infinidade de situaes e signos indiscutveis de um tempo que se passou, to recente e to remoto: a moda, as propagandas, penteados, danas, objetos, os dolos da cultura de massa, as transformaes da cidade, os modelos, etc. Tudo sem a necessidade de uma interpretao profunda, que se espatifa na superfcie da imagem, que se basta.

48

Glossrio

Museu do Estado de Pernambuco: um setor educativo em construoBuscando dinamizar os espaos culturais do Estado, a FUNDARPE possui um programa de aperfeioamento em gesto pblica de cultura com uma equipe de bolsistas graduados. A partir desse programa, mudanas significativas ocorrem nas instituies onde os bolsistas implementam projetos a partir de uma perspectiva interdisciplinar. Ns, bolsistas locadas no MEPE, tivemos como foco principal a formao de educadores. Um trabalho de longo prazo e de extrema importncia para a instituio e os mediadores. Breve histrico do MEPE Na dcada de 1970, o Museu do Estado de Pernambuco possua como espao expositivo o palacete Governador Estcio Coimbra, onde um nmero reduzido de monitores realizava atividades pontuais com a finalidade de atender melhor o pblico visitante. Os demais funcionrios do museu eram capacitados a dar informaes sobre o acervo e encaminhar os visitantes ao setor educativo. Dez anos depois, o mesmo setor tornou-se responsvel tambm pela abertura e fechamento do museu durante os dias teis e fins de semana. Em 2006, com a abertura do Espao Ccero Dias, a FUNDARPE contratou profissionais de diversas reas para especificamente realizar a recepo do pblico visitante. A partir da, o museu passou a contar com sua primeira equipe de educadores. Anos depois essa equipe se desfez, restando apenas dois funcionrios do museu para recepcionar escolas e visitantes, revezando turnos e fins de semana. Desde 2008, o Museu do Estado mantm uma parceria com a Secretaria de Educao atravs de um projeto coordenado pelo Professor Fernando Guerra (UFPE) e idealizado pela primeira-dama Renata Campos. O projeto contempla escolas da rede estadual realizando visitas ao MEPE, Academia Pernambucana de Letras e ao Palcio do Governo. Cada espao49

Glossrio

conta com uma equipe para a recepo e agendamento de grupos. O MEPE possui dez estagirios dividindo-se entre os dois turnos de trabalho e revezando-se em equipes aos fins de semana.Nova Ao Educativa

A fim de construir no MEPE um setor educativo com solidez prtica e terica, iniciamos em 2009 uma srie de atualizaes chamada Educadores como Agentes de Dilogo. So encontros quinzenais compostos do Mdulo Intensivo e do Grupo de Estudo. Os primeiros encontros do Mdulo Intensivo foram intitulados: O que Museu?, O que Ao Educativa? e O que Mediao Cultural?. Passados os conceitos iniciais, a equipe de mediadores foi convidada pelas bolsistas a visitar outras instituies culturais do estado, visando ao estmulo, ao olhar crtico e auto-anlise dos futuros profissionais em educao. Alm disso, o grupo realizou oficinas para o pblico espontneo e tambm jogos e dinmicas para o pblico escolar e professores. Atualmente, a mesma equipe planeja aes educativas direcionadas a jovens de uma comunidade do entorno do MEPE. Uma ao conscientizante que estimular a participao ativa e a criatividade

Acervo Museu Regional de Olinda/FUNDARPE Foto: Lia Beltro

50

Glossrio

Notas1

BibliografiaBALDINI, Isis. Diretora do setor fala de sobre a

Glossrio um conjunto de termos de determinada rea do

conhecimento e seus significados. As definies presentes neste pequeno Glossrio Museolgico foram dadas tanto a partir da experincia prtica da redatora do texto, a museloga Gabriela Severien, como atravs de textos e definies de outros especialistas e publicaes na rea.2 3

reestruturao

Acervo,

Documentao e Conservao: Entrevista. Centro de Salvaguarda e documentao. So Paulo: Centro Cultural So Paulo. [Acesso em 20 de abril de 2010]. Disponvel em www.centrocultural.sp.gov.br/salvaguarda/en trevista1.asp CHAGAS, Mrio de Souza; NASCIMENTO JUNIOR, Jos do. Subsdios para a criao de museus municipais. Rio de Janeiro: Minc/IBRAM, 2009

(DAVIES, 2001, p.15) (BALDINI, I. Entrevista)

DAVIES, Stuart. Plano Diretor 2001

Museologia

roteiros prticos. So Paulo: Fundao Vitae,

Poltica Nacional de Museus: relatrio de gesto. Braslia: Minc/IPHAN/DEMU, 2 0 0 3 / 2 0 06.

SANTOS, Maria Clia T. Moura. Encontros museolgicos reflexes sobre a museologia,a educao e o museu. Rio de janeiro: Minc/IPHAN/DEMU, 2008.

VASCONCELLOS, Camilo de Melo. Turismo e museus. So Paulo: Aleph, 2006.51

Museu de Arte Contempornea de Pernambuco Detalhe da exposio de longa durao Obra sem ttulo. Autora: Ladjane. Foto: Lia Beltro

Mediao cultural em museus: indicaes para a transformao do olhar"O museu tem que despertar para diferentes olhares, formas de vida, formas de arte, para o universo que nos rodeou no passado e nos rodeia hoje e que faz parte da formao do que somos, mesmo que de forma heterognea"Adriana Mortara Almeida (consultora em educao em museus e estudos de pblico)

A partir da segunda metade do sculo XX, os museus comearam a assumir novas posturas, influenciadas principalmente pela forma de vida social e pela diversidade cultural emergentes do movimento de industrializao, que levaram a uma transformao nos processos comunicacionais. Nesse novo contexto, as aes educativas apareceram como uma nova estratgia dentro das prticas tradicionais dos museus. Inicialmente, elas estiveram voltadas para o auxlio ao ensino escolar, travando dilogos com os contedos abordados nas salas de aula. Posteriormente, tornaram-se aes cujo objetivo era provocar encantamentos, reflexes e curiosidades, construindo para tal outras possibilidades narrativas de cunho interdisciplinar. Assim, as aes educativas propostas pelos museus assumiram o papel de ferramenta pedaggica, provocando dilogos entre o pblico e os objetos museolgicos e permitindo aos frequentadores desses espaos culturais irem mais alm do simples contemplar das vitrines.

Mediao como comunicaoO princpio da mediao cultural de ordem comunicacional. A arte-educao53

praticada nos museus utiliza-se da mediao cultural como estratgia de auxlio aprendizagem dos conhecimentos artstico-culturais atravs do contato direto, e mediatizado, com o objeto museolgico. Por outro lado, o conceito de cultura que adjetiva a mediao desenvolvida nos museus bebe das fontes antropolgicas e histricas e implica, necessariamente, a interpretao de objetos simblicos/bens culturais e a construo, individual e coletiva, de significados e sentidos para estes bens. Uma visita mediada muda de configurao a depender do eixo de discusso que se estabelece para o dilogo entre pblico e obra e o mediador quem encaminhar os rumos deste colquio. Portanto, percebe-se facilmente que a mediao cultural deve ser encaminhada de modo a atingir objetivos gerais, estabelecidos pelo museu, e especficos, estabelecidos pelo pblico. Por exemplo, a narrativa do mediador cambiar se o objetivo do visitante for conhecer o museu; estudar o perodo nassoviano em Pernambuco; ou pesquisar sobre os povos indgenas; apreciar obras de um determinado artista ou perodo da histria da arte; reconhecer o discurso curatorial embutido naquele recorte (exposio); conhecer o acervo da instituio... Enfim, so vrios os objetivos que devem guiar a construo do discurso do mediador e indicar os percursos investigativos que deve seguir com seu grupo de visitantes. necessrio ao educador de museu conhecer vrias abordagens para auxiliar o espectador a explorar os objetos e construir pessoalmente sua leitura interpretativa do mesmo. Colaborando com essa perspectiva, Denise Grinspum afirma:[...] os monitores so a fala e o ouvido da exposio. Mas no uma fala aleatria e espontnea. a fala de quem conhece os conceitos da exposio, mas sobretudo conhece os modos de uma fala que no se apoia em verdades, mas que faz emergir sentido na interseco entre os contextos daquilo que est exposto e as interpretaes de cada sujeito fruidor.(GRINSPUM, 2000:42)

54

Sistema de Leitura de Imagens de FeldmanA leitura de imagens a base das aes de mediao cultural, pois neste momento que se estimula o pblico a perceber as informaes que o objeto desprende para, a partir da, construir um sentido ou significado para aquele bem cultural material. O educador Edmund Feldman organizou um sistema de leitura de imagens da arte composto de quatro etapas: descrio, anlise, interpretao e julgamento. Estas etapas interpenetram-se e, em alguns momentos, tornam-se simultneas. A descrio sugere uma observao atenta para os detalhes e permite ver coisas que no captamos num lance de vista. Feldman indica a construo de uma lista detalhada de objetos e formas contidos na imagem. A anlise um aprofundamento da etapa anterior e aqui o intento de descrever as relaes que so estabelecidas entre os objetos daquela imagem. o momento de observar, por exemplo, como as formas afetam ou influenciam umas s outras. O estgio interpretao aquele em que, baseado nos elementos descritos e analisados, o observador atribui significado ao trabalho de arte. Aqui se deve afirmar apenas o que a evidncia visual parece significar. No uma tentativa de explicar o propsito do artista. O momento do julgamento quando o espectador explicita as razes pelas quais o trabalho pode ser considerado ruim ou bom na viso dele. Observamos que, para realizar a leitura crtica de uma obra de arte (ou de qualquer outro objeto), o importante aguar o olhar e os sentidos para analisar com ateno e entender em profundidade o objeto.

O Thought e Image Watching de OTTO autor Robert Ott (OTT, 1998) apresenta uma abordagem que fornece conceitos para a crtica voltada produo artstica, operando nas relaes existentes entre o modo crtico e o criativo de aprender em arte-educao. Comea-se por um perodo de aquecimento, o Thought Watching, onde so realizadas dinmicas para motivao do pblico. Uma vez preparados, inicia-se o Image Watching, composto de cinco categorias, enunciadas no gerndio, para expressar ao: descrevendo, analisando, interpretando, fundamentando e revelando. Fundamentando acrescenta uma extenso leitura a partir de informaes55

adicionais sobre o que outras pesquisas dizem a respeito da obra; revelando a categoria que permite ao observador/leitor a oportunidade de revelar seu conhecimento por meio da expresso artstica. Nesse percurso, o aluno no atribui juzo de gosto obra; no julga, mas sim expressa o que apreendeu de forma criativa. Na prtica, esses estgios podem sofrer cmbios ou articulaes, porm necessrio que o mediador dessa leitura certifique-se do domnio do observador sobre o que diz, caso contrrio, esta prtica poder se revelar reducionista e no crtica.

Arte-educao e pblicoA arte-educao praticada nos museus no encara seus objetos de estudo como um objeto artstico-histrico e um indivduo que observa a obra (o objeto e sua imagem), e sim problematiza a relao que se estabelece entre os dois na promoo de um adensamento crtico do pensamento ocorrida quando se passa pela experincia1. Sem dvida, as estratgias de atendimento ao pblico dos museus caracterizam-se como um jogo de seduo e atrao, que requisitam do mediador um verdadeiro desbravar dos contedos implcitos aos objetos. Dessa forma, devemos ter em mente que necessria uma preparao metodolgica a ser desenvolvida e aplicada pelos profissionais que atuam no setor educativo dos museus, levando em considerao o quadro sociocultural dos indivduos e suas diversidades. O pblico de um museu pode ser conformado em categorias diversas que se interpenetram a depender da formao de cada grupo que chega para a visitao. A forma mais comum de classificao atravs da diviso em duas categorias: escolares, composta por educadores e alunos desde a educao infantil at o ensino superior; e no-escolares, formada por turistas, pesquisadores, grupos de terceira idade, famlias, etc. Nesse contexto, para o museu, o pblico vem deixando de ser apenas um corpo amorfo e indefinido que frequenta exposies, e passa a ter cor, idade, nvel social, cultural, gosto e exigncias.

Realizando aes educativasDesconstruir a imagem de que museu lugar de coisa velha, antiga, que no56

tem nada interessante para ser visto e sentido o primeiro desafio do educador de museus. Esta concepo, que modifica o lugar do pblico por desafi-lo, indica, sobretudo, uma transformao no papel do prprio mediador. Se antes ele exercia a funo de guia, cumprindo um percurso predeterminado e fornecendo uma srie de informaes a respeito de cada objeto, sem oportunizar interao com o grupo, hoje ele deve atuar como mediador sociocultural2, que procura estabelecer conexes entre o pblico e o objeto na tentativa de construir, junto com os visitantes do museu, um sentido para aquilo que se est observando. O objeto museolgico e a intencionalidade da narrativa do mediador desdobram-se no ato museolgico da observao e da reflexo acerca dos temas e contextos que permeiam sua leitura. Estes dois fatores determinaro o direcionamento da narrativa do mediador, que deve contemplar informaes sobre o objeto a ser investigado e provocar questionamentos no debate com o pblico a fim de construir, em conjunto, um sentido para aquela imagem desvelada e oportunizar leituras individuais. Alguns instrumentos foram criados para facilitar a mediao entre os objetos (ou obras de arte) selecionados e o pblico, e so utilizados com frequncia em museus. Textos aplicados em paredes, folhetos, catlogos e materiais pedaggicos, alm da prpria forma de apresentar os objetos de uma exposio (museografia) so estratgias que podem auxiliar a visita mediada, desenvolvida pelos educadores dos museus. Existem vrias formas de estabelecer aes educativas de recepo e atendimento ao pblico nos museus. O emprego de uma em detrimento das demais implica afinidades com as abordagens metodolgicas e os discursos institucionais. Devemos ter em mente que sempre h a necessidade de ajustes e adequaes s possveis estruturas estabelecidas para fins da mediao, pois o encaminhamento das aes e o direcionamento das propostas devem ser condizentes s possibilidades e reaes do pblico e s diretrizes do museu. Enfim, a transformao do olhar uma tarefa intensa e um exerccio permanente que permite a ampliao dos horizontes e a construo de novas formas de ler o mundo.57

Esperamos que este texto tenha-os levado a refletir e incentivado a buscar seus prprios caminhos, contribuindo para o aperfeioamento do seu trabalho de educador(a).

Notas1

Aqui tratamos experincia como conceito construdo por

John Dewey. Para saber mais ler: Dewey, John . A Arte como Experincia In: Os Pensadores. So Paulo. Abril. 19742

Utilizaremos esse termo por acreditarmos ser o mais

apropriado. Segundo Ana Mae Barbosa: Prefiro educadores ou mediadores. Eu no gosto de guia porque est supondo que a pessoa cega; no gosto de monitor porque est supondo que a pessoa no pensa; porque quem pensa o HD, o monitor um mero transmissor da informao do HD. O curador o HD e o monitor tem que dizer o que o curador quer

58

BibliografiaBARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvo (Orgs.) Arte/ Educao como mediao cultural e social. SP: UNESP , 2009. CHAGAS, M.S. Preservao do patrimnio cultural: educao e museu. Cadernos Museolgicos. RJ: n.2. dez. 1989. FIGUEIREDO, Betnia Gonalves; VITAL ,Diana Gonalves. (organizadoras). Museus: dos gabinetes de curiosidades museologia Moderna. Belo Horizonte: Editora: Argvmentvm; Braslia:CNPq,2005. GRINSPUM, Denise. Educao para o ___ Dilogos entre Arte e Pblico. Educadores entre museus e salas de aula: que dilogos so esses? Caderno de Textos v.II 2009. ISNN:1983-9960. Recife: Fundao de Cultura da Cidade do Recife, SANTOS, Anderson Pinheiro dos

(Editor).Dilogos entre Arte e Pblico: Caderno de Textos ,v.I. Fundao de Cultura da Cidade do Recife, 2008. ISNN:1983-9960.

patrimnio: Museus de arte e escola. Unesp.2000.(mestrado) ICOM; Cdigo de tica para os Museus: Conselho Internacional de Museus. 2006. SCHULTZE, Ana Maria et all (org.) Mediando [com]tatos com Arte e Cultura. SP: Instituto de artes da Universidade Estadual Paulista. (mestrado) nov. 2007. OTT, Robert. Ensinando crtica nos museus. In: Arte/Educao: Leituras no subsolo. Ana Mae Barbosa. SP: Perspectiva 199859

Acervo Museu Regional de Olinda/FUNDARPE Foto: Lia Beltro

Patrimnio e TurismoNo contexto do turismo muito se fala em patrimnio, sobretudo como atrativo para a atividade turstica; assim como, ao falar de patrimnio, tambm perceberemos a presena do elemento turismo. Mas qual a relao entre eles? Qual a importncia de um para o outro? Quem so os atores envolvidos nesse cenrio e de que forma interagem tanto com o patrimnio quanto com o turismo? com base nessas questes que direcionaremos uma breve explanao acerca de patrimnio e turismo. Esses dois elementos esto diretamente ligados e podem mutuamente se beneficiar um com o outro. O turismo precisa do patrimnio como seu atrativo principal, o agente estimulante capaz de fazer as pessoas deslocarem-se de seu local de residncia para outro, a fim de conhec-lo e usufru-lo. E, em funo disso, o patrimnio conta com o turismo para fomentar sua divulgao e valorizao, e estimular sua manuteno e preservao, no s pelos turistas, mas tambm pela populao local. Assim, sabendo-se que o patrimnio tem relao direta com a identidade do local, preciso ressaltar que antes de tocar o visitante ele deve, primeiramente, fazer parte do cotidiano dos habitantes e ser valorizado por estes. E isso por vezes acontece devido ao desenvolvimento da atividade turstica. Com base na percepo de que sua cultura valorizada por outros que a localidade passa a cuidar de seus patrimnios.

Turismo?! Como assim?A atividade turstica se constri a partir do deslocamento voluntrio e temporrio de pessoas para fora do seu local de residncia por mais de 24 horas e pela61

organizao de diversos servios oferecidos para suprir as necessidades daqueles que se deslocam, tais como: meios de transporte, meios de hospedagem, servios de alimentao, de guias de turismo, entre vrios outros. O deslocamento de seu local de residncia para outro envolve que as pessoas tenham motivaes para tal, e essas podem ser as mais distintas e variam de indivduo para indivduo. Embora as motivaes das viagens possam ser as mais distintas (a exemplo do lazer, sade, religio, trabalho), os servios anteriormente citados fazemse sempre necessrios e, dessa forma, o turismo faz surgir empregos diretos, indiretos, formais e informais na localidade. Assi