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http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 CARTOGRAFIA DA REPRESSÃO: A DITADURA MILITAR, CAMPESINATO E CONFLITOS NO ESTADO DO PARÁ Paulo Olívio Correa de Aquino Junior Graduando em Geografia pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - IFPA - Campus Belém [email protected] INTRODUÇÃO O conhecimento do espaço a partir da cartografia é de fundamental importância no ensino e na produção do saber geográfico. No Brasil, esta marcadamente tem como nó inicial a divisão do território entre as potências marítimas-colonizadoras, através da bula que estabelecia o Tratado de Tordesilhas. Não é fato novo que a cartografia tenha sido usada ao longo da história em geral como instrumento não apenas de conhecimento, mas de dominação: seja através das viagens de Von Humbolt, da divisão das sesmarias para expansão do litoral para o Sertão, as capitanias hereditárias, da atuação dos bandeirantes e outros demais fatos históricos que procuraram representar, enquadrar e dividir a terra, o território; a cartografia real ou mais ou menos imaginada, conjecturada, foi uma ferramenta para dominação e/ou imposição dos colonizadores, exploradores e classes dominantes. A diferença de escalas é importante. Se de maneira geral cada indivíduo tem em mente a cartografia de seu lugar, uma espécie de mapa mental, esta representação comumente se limita ao vivido. A diferença fundamental entre o indivíduo comum e o colonizador, ou dominador, é que a cartografia deste último ultrapassa o vivido, abarcando uma escala bem mais ampla, ainda que em muitos casos, seja consideravelmente mais genérica. O que queremos dizer é que o espaço representado não diferencia apenas quanto amplitude da escala, mas como objeto de uso, justamente por isso. É evidente que os indígenas, por exemplo, auxiliaram na descoberta do Novo Mundo, e talvez a partir do recorte de cada etnia, cada povo nativo, foi possível conhecer e dominar de maneira mais efetiva o território. Se um nativo não tinha conhecimento de áreas mais amplas, isto não se dava por incapacidade ou ociosidade, como muitos podem supor, mas principalmente pela 4083

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CARTOGRAFIA DA REPRESSÃO: A DITADURAMILITAR, CAMPESINATO E CONFLITOS NO

ESTADO DO PARÁ

Paulo Olívio Correa de Aquino Junior

Graduando em Geografia pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará -

IFPA - Campus Belém

[email protected]

INTRODUÇÃO

O conhecimento do espaço a partir da cartografia é de fundamental importância

no ensino e na produção do saber geográfico. No Brasil, esta marcadamente tem como nó

inicial a divisão do território entre as potências marítimas-colonizadoras, através da bula

que estabelecia o Tratado de Tordesilhas. Não é fato novo que a cartografia tenha sido

usada ao longo da história em geral como instrumento não apenas de conhecimento, mas

de dominação: seja através das viagens de Von Humbolt, da divisão das sesmarias para

expansão do litoral para o Sertão, as capitanias hereditárias, da atuação dos bandeirantes e

outros demais fatos históricos que procuraram representar, enquadrar e dividir a terra, o

território; a cartografia real ou mais ou menos imaginada, conjecturada, foi uma ferramenta

para dominação e/ou imposição dos colonizadores, exploradores e classes dominantes.

A diferença de escalas é importante. Se de maneira geral cada indivíduo tem em

mente a cartografia de seu lugar, uma espécie de mapa mental, esta representação

comumente se limita ao vivido. A diferença fundamental entre o indivíduo comum e o

colonizador, ou dominador, é que a cartografia deste último ultrapassa o vivido, abarcando

uma escala bem mais ampla, ainda que em muitos casos, seja consideravelmente mais

genérica. O que queremos dizer é que o espaço representado não diferencia apenas quanto

amplitude da escala, mas como objeto de uso, justamente por isso. É evidente que os

indígenas, por exemplo, auxiliaram na descoberta do Novo Mundo, e talvez a partir do

recorte de cada etnia, cada povo nativo, foi possível conhecer e dominar de maneira mais

efetiva o território. Se um nativo não tinha conhecimento de áreas mais amplas, isto não se

dava por incapacidade ou ociosidade, como muitos podem supor, mas principalmente pela

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ausência de necessidade para tanto. Era importante conhecer o espaço vivido no cotidiano,

e nada muito além disso, exceto nas expedições de guerra entre etnias.

De qualquer forma, ainda hoje a cartografia, com o crescente número de

satélites, mapas, fotos e outras representações acessíveis pela internet continua sendo um

importante meio para conhecer outros Estados, Regiões e lugares, definindo ações

individuais e coletivas, como manifestações e ocupações.

O que é pouco levado em conta ainda é o uso da cartografia para entendimento

da história. Não apenas a diferença de técnicas de produção das cartas marítimas ou

terrestres, o grau de precisão, mas os processos de apropriação e uso, e seus impactos em

fronteiras, paisagens, economia, população, etc. O feedback entre representação e ação

sobre o espaço, que assim se altera, para ser novamente representado.

Nossa proposição neste trabalho parte de um momento histórico e suas

implicações atuais, a partir do uso da cartografia. O recorte temporal é desde o Golpe Militar

em 1964 até um breve período após a redemocratização, especificamente 1988, tendo em

conta principalmente os conflitos no campo no Estado do Pará, impulsionados por uma

série de fatores, em geral ligados a expansão das relações capitalistas e seus impactos em

comunidades tradicionais, geralmente povoadas por pequenos produtores e extrativistas.

Além de consultarmos alguns autores para descrevermos brevemente o

campesinato no Brasil e sua organização no século XX, as informações sobre conflitos no

campo são de documentos de órgãos do Governo Brasileiro, como a Secretaria de Direitos

Humanos da presidência da república e o Ministério do Desenvolvimento Agrário, além de

algumas consultas aos documentos da Comissão de Direito à Memória, Verdade e Justiça,

especificados na bibliografia deste artigo.

Na primeira parte, iremos tratar um pouco a respeito da formação do

campesinato e da possibilidade de entendê-lo como sujeito histórico, principalmente no

Brasil. Na segunda parte, trataremos das políticas do Estado, sua presença direta ou velada

em regiões e municípios e suas políticas. A partir da terceira parte, usando de mapas –

principalmente sobre a violência no campo -, buscaremos discutir as consequências

imediatas e posteriores a municípios do Estado, relacionando com a realidade atual destes.

Por fim, pretendemos apresentar um estudo de caso, e as considerações finais.

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A ORGANIZAÇÃO DO CAMPESINATO NO BRASIL

Os movimentos sociais no campo não passaram a existir e se mobilizar durante

a ditadura Militar do Brasil. Desde a colonização, através de uma pesquisa um pouco mais

perspicaz, é possível identificar presença e atuação desta classe. Também sua organização

em sindicatos não data deste período de repressão, podendo ser situada especificamente

no primeiro governo Vargas, na década de 1930, paralela a industrialização e a

modernização da agricultura.

Já na segunda metade do século XX, com a crescente organização e consequente

importância desta classe social no cenário político, a Reforma Agrária entraria com mais

intensidade da pauta política do Brasil. A concentração de terras era inegável, seja esta

identificada como herança das sesmarias ou da primeira Lei de Terras (1850),ou ainda da Lei

Áurea (1888).A partir dos anos de 1950-60, é comum identificar-se três principais influências,

quase concorrências, pela representação e/ou aliança com os movimentos rurais: um setor

da Igreja Católica, em geral ligado à Teologia da Libertação, alguns Partidos políticos e

individualmente Políticos populistas. Esta dita disputa auxiliou no desenvolvimento e

maturação do campesinato brasileiro. Em 1954, o PCB organizou a primeira conferência

nacional dos trabalhadores rurais e fundou a União dos Lavradores e Trabalhadores

Agrícolas do Brasil (ULTAB), seguida da fundação da Confederação Nacional dos

Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), em 1963, logo após implantação do Estatuto do

Trabalhador Rural (ETR). Ainda em 1963 fora criado um novo órgão no Governo – a SUPRA –

Superintendência Para Reforma Agrária. A importância desta classe ficou ainda mais clara

com uma de suas exigências presentes nas chamadas reformas de base, do governo de João

Goulart – a Reforma Agrária.

Ainda que em diversos trabalhos sobre movimentos sociais, a organização dos

trabalhadores rurais seja colocada em segundo plano, quando não ignorada, sendo então

retratada apenas as classes urbanas, a agitação no campo foi uma das principais motivações

para implementação do Golpe Militar no Brasil, principalmente pela colaboração de Partidos

de Esquerda e a crescente importância das Ligas Camponesas. Com o embargo do

Congresso na aprovação das Reformas de Base do governo de Jango, e o comício realizado

por este na Central do Brasil no dia 13 de março, a tensão do governo eleito com a oposição

e uma parte dos comandos militares apenas se acentuou, culminando no Golpe Militar de

1964.

Com isto, temos o desmantelamento da Democracia no país e

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consequentemente, barreiras e finalmente a perseguição a lideranças e movimentos sociais

de maneira geral, e ao campesinato militante, no caso de nosso trabalho.

A organização sindical rural e urbana foi então ou articulada com a classe

dominante de vez, ou perseguida pela aliança clara entre Estado e Capital, já que este

período da história do Brasil foi marcado pela entrada da influência do capital estrangeiro

no Brasil. Assim, o “martelo do capitalismo” bateu mais forte do que antes, com a

perseguição e proletarização dos trabalhadores do campo.

A Amazônia foi uma região geopoliticamente importante neste período,

principalmente com a expansão da fronteira agrária. De fato

“A partir de 1964, passou a Amazônia a merecer do Governo Federal tratamento

consentâneo com a dimensão de sua problemática geopolítica, voltado para os

objetivos do desenvolvimento e da segurança nacionais, e que procura tirar

partido da complementariedade inter-regional dos recursos naturais e dos

fatores de produção que se verifica no Brasil”. (Conselho de Desenvolvimento

Econômico, Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia,

POLAMAZÔNIA, 1974, pp. 1 -4. apudIanni, 1986).

Mas afinal, existia também organização do campesinato na Amazônia? Se a

resposta é positiva, como se era esta organização? É o que tentaremos responder a seguir.

O campesinato na Amazônia

Assim como no Brasil, o campesinato da Amazônia foi ganhando crescente

importância durante o século XX. Como no restante de nosso território, a militância da Igreja

pode ser considerada uma ponte entre o urbano e o rural a partir da segunda metade do

século, com movimentos como o Movimento de Educação de Base - MEB que entre seus

objetivos tinha a alfabetização de moradores do campo, no interior do Estado. Partidos de

esquerda, como o PCB e posteriormente o PC do B também auxiliaram na articulação dos

trabalhadores rurais, que desde os anos 30 no Brasil passaram a se organizar em sindicatos

rurais.

O isolamento entre a maioria das cidades contribuiu para o atraso na

organização sindical em algumas regiões do Estado. Além disso, havia certo desinteresse (e

desconhecimento) pelas terras da Amazônia. Após o esgotamento dos ciclos da borracha e

da castanha, a Amazônia continuou sendo uma Região que povoava mais a imaginação do

brasileiro que o planejamento do Governo Brasileiro. É só com a abertura de rodovias e

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início da migração de massas vindas do Nordeste do país que será necessário organizar-se

de maneira mais efetiva para manter-se na terra. A existência de Sindicatos de

Trabalhadores Rurais, delegacias rurais e outras organizações não deve, entretanto, ser

negada no período que antecede o Golpe Militar de 1964. Eram antes incipientes, muitas

vezes mais como lugares para buscar receber algum benefício do que lutar pela terra, na

maioria dos municípios, que ainda levavam uma pacata vida, marcada pelo tempo de plantio

nas roças e festividades de santos padroeiros. Este tempo será transformado à medida que

o espaço vai sendo integrado por terra ao restante do Brasil.

RODOVIAS E VIOLÊNCIA

A evolução da malha viária brasileira se acentua a partir da década de 1960. O

governo militar, com o discurso “integrar para não entregar”1 desenvolveu

consideravelmente a rede de rodovias do Brasil, tendo relevante impacto no modo de vida

caboclo e ribeirinho no Norte. Não foram apenas os automóveis que passaram a transitar

de maneira muito mais intensa, mas um novo tempo e demanda para a produção, que

deveria ou assimilar-se ao sistema concorrencial capitalista, ou ser extinta.

Como já vimos, é marcante o caráter comunitário do campesinato brasileiro. As

terras comuns ou pequenas propriedades, no entanto, muitas vezes foram consideras

símbolo do atraso e mais: obstáculo para o desenvolvimento. A maneira de produzir, o

tempo e a técnica utilizadas pelos pequenos produtores, principalmente no interior do

Estado do Pará, e da Amazônia como um todo, não apenas foram colocados em xeque,

questionadas, mas sim percebidos como verdadeiros inimigos da nação, do progresso, do

Estado. Era necessário dominar a natureza, finalmente, e para isso respeitar o modo de vida

de extrativistas, pequenos produtores e trabalhadores rurais em geral era irrelevante.

Assim, se inicialmente com a abertura das rodovias o discurso do Estado era o

de um tipo de reforma agrária, mesmo pelo caminho burocrático, com assinatura do

primeiro presidente do regime Marechal Castello Branco do Estatuto da Terra (Lei nº4.504,

de 30/11/64), além do incentivo a migração do Nordeste para o Norte do Brasil2, a falta de

organização e vontade política para tanto, especialmente na região Sul do Pará, não apenas

teve o sentido oposto ao discurso e lei, ao reafirmar a concentração de terras no Brasil, mas

criou ou acentuou consideravelmente conflitos no campo, em todo o Brasil.

1 Discurso do então presidente Médici, inspirado no pensamento do General Golbery do Couto e Silva (1976).

2 Invertendo assim o fluxo migratório Nordeste-Sudeste para Nordeste-Norte.

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De maneira genérica, podemos afirmar que o processo se dava:

- pela abertura das rodovias por peões migrantes ou locais;

- a ocupação de suas margens, após a conclusão (ou não) dos trabalhos, por

estes trabalhadores e outros posseiros;

- a valorização das mesmas áreas e início dos conflitos com grileiros e novos

proprietários, motivados por incentivos do Estado, via Superintendência para o

Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM, criada ainda no governo Castello Branco

(1964-1967).

Ao acompanharmos o percurso da PA 150, por exemplo, e relacionar seu

percurso com o número de confrontos e mortes de trabalhadores rurais, o que temos é de

fato uma rodovia marcada pela morte e injustiça. Este fato não atribuído a acidentes de

trabalho ou de trânsito durante ou após a sua construção, mas sim derivados da omissão do

Estado, quando não sua ação repressora, aliado aos grandes latifundiários, em sua (sic)

campanha para desenvolver aquela Região. Evidente que se levarmos em conta os números

da produção agrícola neste período no Pará, será perceptível acréscimo de dividendos,

entretanto, este não foi inserido no desenvolvimento da Região. Devemos levar em

consideração pelo menos dois fatores: a) O aumento da produção e da riqueza,

principalmente através da exportação, não significou na maioria das vezes, melhora na

qualidade de vida da população local, sendo por muitas vezes esta produção a custa de

exploração e morte de camponeses e, b) economicamente, não era contabilizada a

produção das pequenas propriedades, não apenas por ter como um dos principais destinos

a subsistência de famílias produtoras, mas também pelo caráter mais ou menos mercantil,

com a troca de produtos (Ianni, 1986).

A rodovia PA 150 corta o Estado do Pará verticalmente, na região centro-sul do

estado. É considerável nesta região o desaparecimento e morte de lideranças, trabalhadores

e sindicalistas.

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Mapa 1 3 – Conflitos em municípios da PA 150

Fonte: IBGE, Adaptação do Autor (2014).

3 Em todos os mapas deste artigo sobre conflitos, serão usadas as seguintes legendas: L – Liderança, T – trabalhador, P– privado (quando o mandante contrata pistoleiros ou dá ordens a outros empregados), E – Estado (quando a morte é ocasionada por agentes da Polícia Militar.

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Ali é mais conflituoso porque é entre rodovias. Quando é assim, pode ver que

tem mais conflito, porque tem mais interesse (Everardo, 38 anos. Foi

caminhoneiro e passara diversas vezes pela PA 150. Registro oral em

28/07/2014).

O aumento destes casos nas décadas de 1970-80 pode ser associado a vinda de

latifundiários ou grileiros, munidos de documentos e/ou armas, intitulando-se donos de

áreas ocupadas por posseiros, migrantes ou populações tradicionais. Quando não expulsos,

trabalhadores eram contratados, sendo então explorados4. O caso de migrantes

principalmente, chamados peões de trecho, é exemplar: por vezes, após serem aliciados por

“gatos”, estes trabalhadores iam para fazendas, sendo seus documentos retidos por

proprietários ou capatazes, controlada a entrada e saída, com um sistema de comércio

interno, ocasionando o endividamento e assim, passando o trabalhador de sub-assalariado

a devedor e praticamente escravo.

O alto número de lideranças mortas e desaparecidas na região pode ser

relacionado a quatro fatores principais:

- Descrença em sindicatos de trabalhadores rurais, chamados “pelegos” quando

defendiam os interesses de patrões ou latifundiários em detrimento as demandas dos

trabalhadores rurais.

- A falta de segurança, seja pela ausência e omissão da polícia ou pela

contratação de pistoleiros por parte dos latifundiários.

- A necessidade, por isso, de articulações menos burocráticas, para reclame de

direitos trabalhistas, permanência ou acesso à terra, sem vínculo direto com o Estado, pelo

menos burocraticamente.

- A ausência ou ineficácia de órgãos competentes para defesa dos trabalhadores

no campo, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), criado pelo

Decreto-Lei nº 1.110, de 09/07/1970.

De certo modo, é correto compreender a articulação entre Estado e burguesia,

neste caso os latifundiários, em muitos casos “terceirizando a segurança” no campo, dando

margem aoretorno ou permanência e reafirmação do modelo “coronelista”, onde o

proprietário (“legalmente” ou não) de dada área era também juiz e executor (mandante) da

4 Importante lembrar que mesmo antes da Ditadura Militar após o golpe de 1964, trabalhadores já eram exploradosno interior do Estado, principalmente pelo sistema de aviamento, associado ao ciclo da borracha, mas não restrito aeste.

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lei.

Percebe-se muito bem nesta associação o poder exercido em rede, sem vácuos.

O poder, de fato, é exercido numa intricada rede que permeia quase totalmente as relações

sociais, circulando em diversas esferas, desde o Estado até os pistoleiros e organizações de

colonos (Foucault, 1979).

Se afirmamos anteriormente e insistimos no caráter comunitário do

campesinato, é também para evidenciar que não apenas as localidades em que vivem

aproximam uns dos outros os camponeses, mas a situação em que vivem, a tentativa de

sobreviver e levar adiante o modo de vida herdado de pais e avós. Também a necessidade

se partilha, quando as chuvas não ocasionam uma boa colheita, ou quando um terceiro

invade este espaço de comunidade e polui um rio que é de uso comum.

A repressão se dava pela ação de pistoleiros e milícias, que agiam intimidando,

violentando ou matando insurgentes mais perigosos ou incômodos. Entre estes insurgentes,

lideranças, situamos também advogados, como Paulo Fontelles de Lima, advogado da CPT,

ex-deputado estadual, atuante no interior do Pará e morto em 1987, em Belém; e religiosos,

como o vigário de Vila Rondon, o italiano Giuseppe Fontanella, expulso do Brasil após

seguidas tentativas de receber visto permanente, em 1979, após 11 horas de interrogatório,

considerado subversivo pelo governo militar.

É evidente que o campesinato não se manteve passivo a esta situação, criando

pontos de resistência (onde também se acentuam as mortes) e alimentando a revolta contra

opressão e repressão por parte do Estado e de latifundiários.

ARAGUAIA

A segunda região que iremos retratar não é importante neste trabalho somente

pelos conflitos entre camponeses, latifundiários e Estado, mas pelas motivações específicas

destes conflitos neste período histórico. A Guerrilha do Araguaia aconteceu no vale do Rio

Araguaia, entre os Estados do Pará e Goiás (que seria dividido para criação de Tocantins

posteriormente), e não se esgotou com a derrota dos guerrilheiros que estiveram

escondidos na mata combatendo contra militares.

Ocorrida na primeira metade dos anos de 1970, a Guerrilha do Araguaia foi

fomentada pelo ideário comunista, inspirada no pensamento de Mao Tse-Tung e na

revolução comunista chinesa (1949), tendo como organizadores e guerrilheiros pessoal

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ligado ao Partido Comunista do Brasil, PC do B.

Sua infiltração na Região seria sutil, pois com a abertura da BR 230, ligando os

estados do Pará e Distrito Federal (Belém-Brasília), na década de 1960, foi crescente o

número de migrantes, vindos do Maranhão e outros estados do Nordeste. Posseiros em

busca de terra ou capitalistas movidos pelos incentivos fiscais oferecidos pelo governo, via

SUDAM, iam chegando e disputando as terras do Bico do Papagaio, como também era

conhecida a região de divisa PA-GO.

Enquanto o Brasil teria seu “milagre econômico” em crescente, com ápice entre

1968 e 1976 (crescimento anual médio do PIB de 8,5%), esta Região, entre o Sudeste do Pará

e o Norte de Goiás testemunhou uma guerra ocultada para maioria da população do Brasil

na época. Naquela região, diferente da terceirização da segurança, o efetivo militar foi

aumentado, com 3 campanhas entre o primeiro enfrentamento à guerrilha até o

desaparecimento (“limpeza”) das áreas onde haviam sido enterrados os guerrilheiros (Joffily,

2008).

Não é objetivo deste artigo aprofundar a discussão acerca da Guerrilha do

Araguaia, mas situá-la e a partir disso interpretar os conflitos e mortes ocasionadas por este

na região, principalmente na transição Militar-Civil (1980-85).

A terra como troca

Foram 3 as operações militares até a derrota, da guerrilha do Araguaia.

As duas primeiras ficaram marcadas pela repressão aos moradores locais e

pelos fracos resultados. A partir da segunda operação(conhecida como “manobrão”) em

1973, os militares lançaram mão de um artifício engenhoso para conquistar o apoio dos

moradores da região: a montagem de um ACISO (Ação Cívico-social), que levara aos

camponeses atendimento médico, possibilidade de obter terras – principalmente através da

colaboração na campanha militar na mata ou informações privilegiadas sobre os

guerrilheiros– e até mesmo defendendo os trabalhadores da exploração de fazendeiros e

empresários locais.

Sobre a negação de apoio por parte de um considerável número de camponeses

aos militares, observa Joffily (2008) que muitos camponeses, extrativistas e outros

moradores eram migrantes, principalmente do Nordeste. Significativa era (e ainda é) a

religiosidade não apenas para o Nordestino, mas também para os paraenses, que tinham

certo conhecimento a respeito das profecias do padre Cícero (1844-1934) sobre a vinda do

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“capa verde”, que seria segundo a profecia o “cão” passando por amigo do povo. Esta

profecia, somada as longas sessões de depoimentos e torturas, desaparecimento de

colonos e violência em geral, mantiveram em muitos camponeses o apoio ao grupo dos

“paulistas”, como eram chamados os guerrilheiros, que antes viveram entre os colonos.

O uso da cartografia na guerrilha

Um dos fatos decisivos para a derrota da Guerrilha (Operação Sucuri, 1973) foi a

presença de militares treinados em brigadas de Selva, como o Centro de Instruções de

Guerra na Selva – Cigs, em Manaus. Como uma operação de inteligência, além da infiltração

e da adoção de nomes falsos dos militares, que também se caracterizavam como caboclos, a

primeira parte foi principalmente de conhecimento da área, com auxílio de aviões da Força

Aérea Brasileira (FAB) descaracterizados. Como uma Guerra “secreta”, não era necessário

julgar os guerrilheiros inimigos – apenas eliminá-los, sem deixar vestígios.

Ainda que grande parte do material documental a respeito da guerrilha ainda

não seja acessível, encontramos pelo menos um mapa atribuído à Operação Sucuri.

Mapa 2 – Bico do Papagaio (região)

Mapa de 1973, preparado pelas equipes da inteligência para orientar os comandantes na caçada final aos guerrilheiros(Fonte:Studart, 2009)

Não se deve ignorar a colaboração, forçada ou não, de “mateiros”: extrativistas,

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caçadores e camponeses em geral habituados à mata, que conheciam bem a região. Muitos

autores que estudam e escreveram sobre a Guerrilha atribuem a localização de

guerrilheiros pelos militares pela perspicácia destes homens, acostumados a ler os sinais da

mata.

O pós-guerrilha

Após vencida a Guerrilha, que mesmo com um contingente relativamente

pequeno (menos de 60 pessoas), causara transtorno ao Estado Militar, foram mantidos

alguns militares, destacando-se o capitão da Operação Sucuri, Sebastião Rodrigues de

Moura, vulgo “Curió”, que viria a ser uma “importante liderança na região” (Wikipédia5), vindo

a ser responsável pela mina de Serra Pelada e prefeito de Curionópolis.

De qualquer forma, o Estado entendeu que mesmo com todo aparato repressivo

nas cidades e no campo, ainda havia possibilidades de insurgências. Era necessário “manter

a ordem” no campo.

O acréscimo de mortes de camponeses por pistoleiros sob ordens de

latifundiários e empresários da área, a partir de 1980, pode ser entendido como

enfraquecimento do poderio governamental-militar na área, e no Brasil, com a transição

militar-civil.

O que se segue após término da Guerrilha é um severo monitoramento da

região do Araguaia, com expansão do latifúndio garantido por incentivos fiscais do Estado,

via SUDAM, e regularização fundiária via GETAT6. Mediante aumento do número de milícias

privadas acrescem os conflitos e mortes ocasionados por questões agrárias.

Dos 44 mortos, localizados em Marabá7, Santana do Araguaia, São João do

Araguaia, Conceição do Araguaia e Rio Maria, a maioria (37) eram lideranças em geral

assassinados por pistoleiros a mando de fazendeiros e latifundiários da região.

5 Acessado em 18/07/2014

6 Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantis (GETAT), criado DECRETO-LEI Nº 1.767, DE 1º DE FEVEREIRO DE 1980

7 Vide Mapa PA 150, neste artigo.

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Mapa 3 – Margem esquerda do Araguaia, PA

Fonte: IBGE. Adaptação do autor (2014).

Hoje, o Bico do Papagaio, no ritmo de um ‘progresso’ que não respeita a floresta

nem a população, continua sendo palco de grandes violências. Ali, a pecuária e a

metalurgia de ferro-gusa, direta e indiretamente, usam trabalho escravo para a

abertura de pastos e a produção de carvão vegetal. O padrão agrário é

concentrador e as relações trabalhistas são degradantes, resultando disso um

contexto violento, marcado por assassinatos, tentativas de assassinato, ameaças

de morte, famílias expulsas e despejadas, casas e roças destruídas, famílias

ameaçadas pela ação de pistoleiros, para listar algumas das agressões sofridas

por camponeses e trabalhadores do campo. Os conflitos crescem porque,

apesar da violência, os movimentos não recuam, aumentando ano a ano o

número de acampamentos e ocupações de terra, assim como o número de

pessoas envolvidas. Isso é o que chamamos ‘a guerra que veio depois’, ou a

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‘segunda guerra’, no dizer de moradores locais.8

GLEBA CIDAPAR: UM ESTUDO DE CASO

O estudo de caso proposto neste trabalho tratará da área conhecida com Gleba

Cidapar, localizada no sul de Viseu, município do Pará.

A Gleba Cidapar, em pequena escala, apresenta de maneira clara diversos

aspectos da atuação dos personagens conhecidos e muito citados em nosso trabalho:

camponeses, grileiros, pistoleiros e o Estado. Ali, o conflito não é uma reação imediata ao

opressor, mas um crescente que tem seu “ponto alto”, e provavelmente mais dramático, na

época da transição civil-militar, na primeira metade dos anos de 1980.

De maneira sintética, realizaremos a contextualização do caso da Gleba Cidapar,

situada no recorte espacial e de tempo, já citado.

Breve histórico

O privilégio cedido as classes dominantes por parte de governantes, no caso da

Gleba Cidapar, está impregnado desde sua origem. Ainda no período Colonial brasileiro

foram concedidas através de títulos de sesmarias, 5 fazendas, totalizando 14 léguas

quadradas ou 60.948 ha.

Ainda que não tenham cumprido as demandas para efetivação da posse das

terras9 no tempo determinado, estas continuaram sendo vendidas a terceiros, até serem

adquiridas por Guilherme Von Linde, que fundaria uma empresa para exploração de ouro –

a South American Gold Aurus ltda.

Após ser processado pelo não respeito a direitos trabalhistas, as terras foram

leiloadas e arrematadas por Moacyr Pinheiro Ferreira. Na documentação expedida pela

Justiça do Trabalho, já não constavam as 14 léguas quadradas, mas 23 léguas quadradas,

isto é, 100.188 ha.

Em 1964, o arrematante solicitou à comarca de Viseu a demarcação de suas 25(!)

léguas quadradas. A ação demarcatória – realizada pelo próprio solicitante – conclui que a

área arrematada era na verdade de 88.90 léguas quadradas, ou seja, 385.255 ha.

8 PEIXOTO, Rodrigo Corrêa Diniz. Memória social da Guerrilha do Araguaia e da guerra que veio depois. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 6, n. 3, p. 479-499, set.-dez. 2011.

9 Segundo Loureiro (2001), os objetivos das concessões eram “a criação de gado, o desenvolvimento da agricultura, a fundação de comunidades, a abertura de caminhos, a construção de pontes e a execução de benfeitorias capazes de, ao lado de atividades produtivas, fixar populações”. (p. 41)

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O juiz inteirino da comarca de Viseu recebeu e aceitou a demarcação em 1969,

não sendo este processo encaminhado ao Tribunal de Justiça do Estado. A área foi então

registrada no Cartório de Registros de Imóveis da Comarca de Viseu. Tanto o novo

proprietário quanto os órgãos competentes (sic) ignoraram a presença de populações

fixadas em comunidades antigas, ou de migrantes, que cultivavam e viviam na área

atribuída à Gleba Cidapar.

Com amplo incentivo (e omissão) do Estado, neste caso, dos órgãos

competentes, Moacyr Pinheiro funda a empresaCidapar – Companhia Paraense de

Desenvolvimento Agropecuário, Industrial e Mineral do Pará, com financiamento do Banco

Denasa de Investimentos – BID –de capital estrangeiro, e que após a falência em 1970 da

empresa Cidapar, assume o controle das terras de Moacyr instalando várias empresas na

área, com incentivos do Governo do coronel Alacid Nunes.

As comunidades – antigas e recentes – foram ignoradas desde o começo nos

mapas da área correspondente à Cidapar.

Entre as empresas sob controle das empresas localizadas nas terras da Cidapar,

se destacou a Propará, tanto pelos pronunciamentos na mídia representando as demais

empresas, quanto pela organização das polícias privadas.

Em 1975, um “inexplicável” incêndio no Cartório de Viseu destrói o livro de

registros onde constavam dados importantes sobre as terras conhecidas genericamente

com Cidapar.

Atuação do Iterpa

No período de transição Militar-Civil, há o enfraquecimento do poder militar em

diversos âmbitos. Assim, a burocracia passa a ser exercida contra os interesses das classes

dominantes em alguns casos, como neste: o Instituto de Terras do Pará – Iterpa -, apresenta

então claros argumentos contra a pretensão de registro das terras da Cidapar por Moacyr

(representado por seus advogados) neste mesmo órgão, pressionado por colonos, índios e

entidades de apoio a estes.

Em agosto de 1981, mediante a dificuldade para legalização dos pretensos

387.255 ha, é assinado um acordo de intenções entre as empresas e o Iterpa, visando

acordo futuro entre as partes interessadas.

Com desconhecimento real da área, as empresas aceitaram o levantamento do

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número de posseiros na área. Isto será posteriormente considerado prejudicial pela

empresa, que passará a controlar a entrada e saída de pessoas na área da Gleba, iniciando

após uma série de ameaças e atos violentos contra colonos, através de pistoleiros e até

mesmo da Policia Militar do Estado.

Mais uma vez, acresce o número de mortos por conflitos ligados a posse e

permanência nas terras.

Rodovias e ocupação

A BR 316 cortava a área da Gleba Cidapar. Com a súbita valorização da área, logo

apareceram “proprietários” das margens da Rodovia. O Plano do Estado de utilizar as

margens das rodovias para fins de Reforma Agrária fora ignorado na maioria dos casos,

como já dissemos.

Através de papelada e/ou do uso da violência, os camponeses foram sendo

empurrados para o interior da mata, expandindo a área de cultivo, para muitas vezes serem

posteriormente expulsos por terceiros, sejam estes integrantes de milícias privadas,

pistoleiros “do trecho” ou agentes do estado.

Um dos personagens-chave para a compreensão da história da região sul de

Viseu, da Gleba Cidapar, Quintino, na verdade Armando Oliveira da Silva, tem seu processo

de revolta e reação contra os “tubarões” (grileiros, fazendeiros, pistoleiros, PM’s) associado

ao processo de estabelecimento e expulsão, seja por iniciativa diretamente privada ou pelas

“reintegrações de posse”.

Se entendermos que o campesinato aqui é identificado com o trabalho

necessariamente na e a partir da terra, a impossibilidade de obter um lugar em que seja

possível desenvolveu este modo de vida foi muitas vezes seguindo pela resistência legalista,

e neste caso, violenta.

Ainda que seja discutível o caráter de classe (consciente) no caso de Quintino e

seu grupo de “gatilheiros”10 por ele capitaneando, que eliminara boa parte da milícia armada

contratada pelos “proprietários” das terras da Cidapar. É indiscutível que no outro oposto do

conflito, a parceria entre Estado e a Burguesia latifundiária vai se acentuando, desde a

opressão inicial aos colonos, seguida pelas baixas e desarticulação da polícia privada

contratada provavelmente em conjunto por algumas empresas e finalmente o assassinato

10 Este nome foi adotado pelo grupo diferenciando-os dos pistoleiros que atuavam na região.

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de Quintino e outros do bando de gatilheiros, levado a cabo pela PME.

Esmiuçar a atuação dos gatilheiros de Quintino e das empresas, tendo à frente a

Propará, não é objetivo deste trabalho. Consideramos de grande envergadura para tanto, o

trabalho de Loureiro (2001). Antes, neste pequeno resumo, num diálogo constante com a

obra da citada autora, procuramos desvendar mais claramente o processo de ocupação e os

conflitos surgidos na Amazônia durante a Ditadura Militar.

O saldo11 dos conflitos ocorridos na Gleba Cidapar seguem no mapa abaixo:

Mapa – mortes em Viseu, ligadas à Cidapar ou outros conflitos

Fonte: IBGE, adaptação do autor.

Algumas das mortes atribuídas aos conflitos pelas terras conhecidas como

“Cidapar” não aconteceram em Viseu, mas segundo nossas consultas, estavam ligadas a este

conflito.

Fim da ditadura, manutenção dos latifúndios

O índice de concentração de terras no Brasil permanece alarmante12.

11 Baseado nos documentos citados no inicio deste trabalho.

12 “De 2003 para 2010 houve uma verdadeira corrida pelo cadastro de terras na região norte, no caso. A área totalcadastrada saltou de 89 milhões para 170 milhões de hectares. Nesse processo, enquanto as áreas cadastradas daspequenas e médias propriedades cresceram, respectivamente, 16% e 33%, a área das grandes propriedades subiu

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Anualmente, relatórios sobre conflitos ou violência no campo permanecem numa média

que decresce lentamente, quando não aumenta.

Às vésperas do novo milênio, segundo relatório da CPT (1998), havia ocorrido, só

no estado do Pará, 44 conflitos ligados à terra, envolvendo mais de 69 mil pessoas, além do

saldo de 12 mortos.

Alguns destes mártires da terra ganham as manchetes de jornais e permanecem

na “indignação” popular por algumas semanas. Entretanto, o Norte continua liderando o

número de mortes ocasionadas por conflitos no campo, e a Reforma Agrária, em ano

eleitoral como o nosso, permanece sendo um tabu.

Não que queiramos aqui atribuir todas as mazelas do Brasil ao período da última

Ditadura Militar, mas certamente identificamos a acentuação de diversos problemas sociais

trazidos nestes projetos de Estado pouco planejados, na verdade.

Desejamos prosseguir de maneira mais profunda no entendimento da

cartografia para entendimento da história. De fato, este trabalho ainda soa bastante

sintético, mas é apenas um esforço inicial, que também busca incentivar a discussão a

respeito da cartografia no entendimento dos conflitos no campo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste primeiro trabalho, procuramos organizar alguns dados, estuda-los e

apresenta-los, buscando uma relação entre a representação no mapa e na história; na

paisagem e no tempo de antes e de agora, enfim, cartografia.

Ao recortarmos duas regiões e uma cidade para estudarmos os impactos da

Ditadura Militar e suas políticas na Amazônia, especificamente no estado do Pará, pudemos

identificar através de dados as mudanças impostas pela abertura de rodovias, os conflitos

entre grileiros, latifundiários e empresários, com camponeses, pela posse da terra, a

importância da aliança estabelecida entre capitalistas e Estado, para abertura da fronteira

agrária no Norte do Brasil, a custo de muitas vidas de trabalhadores, lideranças,

sindicalistas, advogados e religiosos.

Soa ainda mínimo o resultado deste trabalho inicial, mas se pudemos colaborar,

133%. Estas detinham 61% da área total dos imóveis da região, em 2003, e passaram a controlar 75% em 2010”.(Gerson Teixeira, em entrevista ao portal Instituto humanitas Unisinos, inhttp://www.mst.org.br/A-concentracao-de-terras-no-Brasil.-Entrevista-com-Gerson-Luiz-Mendes-Teixeira. acesso em02/07/2014)

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acrescentar algo ao entendimento deste conturbado período histórico da história recente

do Brasil, nosso objetivo foi alcançado.

REFERÊNCIAS

COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DAPRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. A exclusão doscamponeses e apoiadores dos direitos na justiçade transição. Brasília, 2007.

COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS EDESAPARECIDOS POLÍTICOS, SECRETARIA DEDIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DAREPÚBLICA/MINISTÉRIO DODESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. Retrato darepressão política no campo. Brasil 1962-1985.Camponeses Torturados, Mortos eDesaparecidos. Brasília, 2007.

COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS EDESAPARECIDOS POLÍTICOS, SECRETARIA DEDIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DAREPÚBLICA. Direito à memória e à verdade.

Brasília. SDH-PR, 2007.

JOFFILY, Bernardo. Osvaldão e a saga do Araguaia.São Paulo: Expressão Popular, 2008.

LOUREIRO, Violeta Refkalesfsky. Estado, bandidos eheróis: utopia e luta na Amazônia. 2. ed. Belém:Cejup, 2001.

RIBEIRO, Marlene. Movimento camponês, trabalho eeducação: liberdade, autonomia, emancipação:princípios/fins da formação humana. 2.ed. SãoPaulo: Expressão Popular.

PEIXOTO, Rodrigo Corrêa Diniz. Memória social daGuerrilha do Araguaia e da guerra que veiodepois. Belém: Boletim do Museu ParaenseEmílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 6, n. 3, p.479-499, set.-dez. 2011.

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CARTOGRAFIA DA REPRESSÃO: A DITADURA MILITAR, CAMPESINATO E CONFLITOS NO ESTADO DO PARÁ

EIXO 6 – Representações cartográficas e geotecnologias nos estudos territoriais e ambientais

RESUMO

Neste artigo, buscamos iniciar um estudo dos impactos da Ditadura Militar (1964-1988) não apenas

no modo de vida camponês, mas também em sua paisagem, visto que neste período se acentua a

interferência do Estado na Amazônia, com vistas ao desenvolvimento e integração desta região.

Esta interferência, tanto direta quanto indiretamente foi responsável pela expansão da fronteira

agrária do centro do Brasil em direção ao Norte. Como ação vertical do Governo Militar, um

planejamento que não levou em consideração as populações já ali estabelecidas, criaram-se

condições para acentuação nos conflitos por terras e na exploração e violência contra

trabalhadores locais e migrantes. A partir de alguns dados, buscamos compreender esta

interferência e seus impactos ainda vividos pela população ali residente.

Palavras-chave: ditadura militar; cartografia; conflitos agrários.

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