CARVALHO, M. v. a Construção Do Objeto Da Sociologia Da Música

28
Mário Vieira de Carvalho A CONSTRUÇÃO DO OBJECTO DA SOCIOLOGIA DA MÚSICA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA CLASSE DE LETRAS

description

CARVALHO, M. v. a Construção Do Objeto Da Sociologia Da Música

Transcript of CARVALHO, M. v. a Construção Do Objeto Da Sociologia Da Música

  • Mrio Vieira de Carvalho

    A CONSTRUO DO OBJECTO DA SOCIOLOGIA DA MSICA

    ACADEMIA DAS CINCIAS DE LISBOA

    CLASSE DE LETRAS

  • Mrio Vieira Carvalho

    A CONSTRUO DO OBJECTO DA SOCIOLOGIA DA MSICA

    ACADEMIA DAS CINCIAS DE LISBOA

    CLASSE DE LETRAS

  • Memrias da Academia das Cincias de Lisboa, Classe de Letras

  • A CONSTRUO DO OBJECTO DA SOCIOLOGIA DA MSICA

    Mrio Vieira de Carvalho

    memria de Joaquim de Vasconcelos

    A sociologia da msica no consta da sistematizao das cincias musicais de Guido Adler (1885), sistematizao que pode ser considerada o momento fundador da moderna musicologia. por a que comearei pela origem do cnone que ainda hoje prevalece nas universidades europeias e norte-americanas para depois recordar alguns exemplos de uma longa tradio de pensamento sociolgico na abordagem da msica e, finalmente, considerar a emergncia e os desenvolvimentos recentes da sociologia da msica como disciplina cientfica.

  • MEMRIAS DA CLASSE DE LETRAS 5 _____________________________________________________________________________

    1. A sistematizao de Guido Adler e o lugar problemtico da sociologia da msica

    Guido Adler (1855-1941) era Licenciado e Doutor em Direito pela Universidade de Viena. Fez a sua formao musical no Conservatrio local, onde foi discpulo, entre outros, de Anton Bruckner (teoria e composio musicais). Estimulado por Eduard Hanslick, ele prprio tambm jurista, a quem fora oferecida uma ctedra de Histria e Esttica da Msica, na Universidade de Viena, na qual Adler lhe sucedeu, este resolveu dedicar-se inteiramente ao estudo da msica, tendo obtido em 1880 o grau de Dr. Philosophiae e, pouco depois, a Habilitation. Data de 1885 o seu artigo intitulado Delimitao, mtodo e finalidade da Musicologia (Umfang, Methode und Ziel der Musikwissenschaft), publicado na revista cientfica que fundara no ano anterior Revista Quadrimestral de Musicologia (Vierteljahrschrift fr Musikwissenschaft).

    Adler partia, como sabido, da dicotomia clssica entre cincia histrica e cincia sistemtica tomada a outras disciplinas (designadamente s cincias jurdicas, que lhe eram familiares). Uma dicotomia a que Saussure (1916), atravs da introduo dos conceitos de diacronia e sincronia, caracterizar mais tarde, na Lingustica, como uma diferena de orientao na abordagem do objecto. E cujo alcance metodolgico seria entretanto precisado pelo filsofo Wilhelm Windelband (1894). A perspectiva da histria (ou diacrnica) baseava-se no mtodo ideogrfico; a perspectiva das cincias da natureza (sincrnica) baseava-se no mdodo nomottico. Aquela debruava-se sobre o peculiar, o singular, o evento situado no tempo e no espao (o acontecimento histrico). Esta ocupava-se (em regra) do repetvel, do ocorrente segundo determinadas leis, do mensurvel (cf. Karbusicky, 1979: 17).

    No enunciado de Adler, a musicologia histrica compreendia a histria da msica segundo as pocas, povos, imprios, naes, regies, escolas artsticas, artistas e subdividia-se em vrios itens. Compreendia, entre outros:

    a) a paleografia musical (notaes);

    b) a classificao das formas musicais;

    c) a sucesso histrica das normas ou cnones:

    como eles se apresentam nas obras de arte de cada poca;

    como so ensinados pelos tericos da poca em causa;

    como se manifestam na prtica artstica;

    d) a histria dos instrumentos musicais.

    Quanto musicologia sistemtica, era definida como o estabelecimento das leis supremas que regem os ramos singulares da arte dos sons [Tonkunst]. Subdividia-se, por sua vez, em:

    a) Investigao e fundamentao da arte dos sons [Tonkunst] na:

    harmonia (dita tonal ou relativa s alturas dos sons);

    rtmica (relativa ao tempo ou s duraes);

  • 6 CLASSE DE LETRAS _____________________________________________________________________________

    mlica (coerncia do tonal com o temporal);

    b) Esttica da arte dos sons [Tonkunst]: que tinha por objecto a comparao e a avaliao das leis e das suas relaes com os sujeitos percepcionantes com vista verificao dos critrios do musicalmente belo;

    c) Pedagogia e didctica musical (isto , a compilao das leis levando em considerao a finalidade do ensino), abrangendo:

    a teoria musical;

    a harmonia;

    o contraponto;

    a composio;

    a instrumentao;

    os mtodos de ensino no canto e na execuo instrumental;

    d) E, por fim a Musicologia [Musikologie] em sentido estrito (definida como investigao e comparao para fins etnogrficos).

    Esta sistematizao seria impossvel sem o contexto sociocultural em que vivia Adler. Na verdade, o mundo musical de Adler, como tambm o de Hanslick, era aquele a que chamamos hoje o da msica germnica e, especialmente vienense, dos sculos XVIII e XIX, com particular relevo para a chamada Escola de Viena. Assim, Adler, ao utilizar para a musicologia sistemtica a expresso arte dos sons, isto , Tonkunst, retomava uma designao de msica que, como particularidade da tradio alem se estabelecera na viragem do sculo XVIII para o sculo XIX (Riethmller, 1985: 68). , pois, necessrio remontar a essa poca para explicar, na sistematizao de Adler, a subtil distino entre o objecto da musicologia histrica e o da musicologia sistemtica: num caso a msica, no outro a arte dos sons.

    Na verdade, a emergncia, por volta de 1800, do conceito de arte dos sons contraposto ao de msica pressupunha uma hierarquia entre ambos. A ideia de que a msica como arte dos sons s nessa poca tinha alcanado a maturidade era reforada pela comparao com a antiguidade grega, que no deixara obras musicais como testemunhos artsticos comparveis aos das outras artes, isto , onde no havia um Homero, Eurpedes ou Praxteles da msica. A contradio entre uma ideia de msica largamente documentada nos textos tericos da antiguidade e uma ideia de obra musical relativamente recente, tornava-a a mais antiga das belas-artes e, ao mesmo tempo, a mais jovem de todas, por no ter ainda atrs de si a sua poca clssica, antes estar nesse preciso momento a alcan-la (concepo espalhada no crculo de Tieck, por volta de 1800) (cf. Riethmller, 1985: 71).

    A mesma ideia explcita na Esttica de Hegel. Tambm ele distingue entre dois tipos de msica: a) aquele que, ao libertar-se no s de um texto, mas tambm da expresso de qualquer contedo definido, se contentava com um mero curso fechado de relaes, mudanas, oposies e ligaes que recaem no domnio puramente musical dos sons;

  • MEMRIAS DA CLASSE DE LETRAS 7 _____________________________________________________________________________ b) aquele em que o esprito se exprimia de forma adequada no elemento sensvel dos sons e das suas diferentes figuraes. O primeiro tipo de msica permanecia vazio, in-significante, carecia de contedo e expresso espiritual uma das componentes principais de toda a arte e, por isso, ainda no era arte. S o segundo se elevava a verdadeira arte, independentemente da questo de saber se o contedo e a expresso espirituais recebiam da ligao palavra a sua mais precisa caracterizao ou se eram sentidos [empfunden] mais indefinidamente a partir dos sons e das suas relaes harmnicas. Neste sentido, a chamada msica autnoma, isto , a msica exclusivamente instrumental desde que nela se consubstanciasse um contedo de representao [Vorstellung], ideias [Gedanken], e sentimentos [Empfindungen] era, a bem dizer, a arte dos sons por excelncia (cf. Hegel, 1842: II, 271-272). A distino estabelecida na sistematizao de Adler entre Musik (msica) e Tonkunst (arte dos sons) no era, pois, casual. Estava nela implcito o postulado de que o objecto da musicologia histrica era destrinar diacronicamente a arte dos sons dos fenmenos musicais em geral; e o de que o enunciado das leis supremas, que competia musicologia sistemtica (leis, em rigor, atemporais e no relativizadas ou relativizveis contextualmente), s podia recair sobre a Tonkunst.

    Esta hierarquia, segundo a qual a Tonkunst (isto , a arte musical germnica e vienense da modernidade vivida por Adler) aparecia como telos da msica (Riethmller, 1985: 71), era, de resto, reforada, pelo facto de Adler restringir a Esttica arte dos sons. Admitia uma Esttica como disciplina sistemtica, mas no como disciplina histrica. Isto significava que o estudo diacrnico se ocupava do desenvolvimento da msica nos estdios e manifestaes cuja investigao punha em evidncia a relatividade das leis artsticas de vrias pocas, enquanto a abordagem sincrnica visava as leis supremas isto , aquelas que transcendiam os contextos espcio-temporais, e que, portanto, s podiam dizer respeito arte dos sons. O papel da histria era captar a progresso da msica at ao estdio de arte dos sons, para que ento fosse possvel constitu-la como objecto da esttica.

    Deste modo, Adler partia de Hanslick, que, na sua crtica a Hegel, j antes reclamara a necessidade de separar claramente a abordagem puramente esttica (rein sthetische) da histrico-artstica, e que, em oposio teoria das emoes, retomava o conceito de belo de Leibniz: belo como perfeio do acto de cognio. Assim, a tarefa da esttica da arte dos sons, tal como Adler a compreendia, no podia ser seno a pura contemplao consciente de uma obra de arte que Hanslick (1854: 119) opunha emoo patolgica do modelo de identificao que se impusera desde fins do sculo XVIII. Retomando Kant e Schelling, Hanslick sublinhava na percepo musical a componente prazer (Genu):

    com o esprito satisfeito, gozando sem emoo, mas numa entrega toda interior, que contemplamos a obra de arte, apercebendo-nos mais finamente daquilo a que Schelling chama to elegantemente a nobre indiferena do Belo. Este deleitar-se com o esprito desperto a forma mais digna, mais salutar, e no a mais fcil, de ouvir msica. (Hanslick, 1854: 120.)

  • 8 CLASSE DE LETRAS _____________________________________________________________________________

    Prazer artstico era, portanto, seguir o esprito criador, apreender como ele dominava toda a riqueza de um campo que enobrecia o ouvido, elevando-o ao estatuto do mais refinado e educado dos sentidos. Com este seu paradigma de uma esttica da arte dos sons (sthetik der Tonkunst), depois assimilado por Adler, Hanslick reabilitava as categorias de prazer (plaire, Genieen), ouvido enquanto dispositivo sensorial e distncia de conhecedor, as quais, na semntica da interaco das classes elevadas na era do despotismo esclarecido (Luhmann, 1980), marcavam a conversation amusante sobre msica (Vieira de Carvalho, 1995d), mas que viriam depois a ser rejeitadas pelo movimento iluminista burgus, que lhes opunha as categorias de virtude, alma (ou corao) e empatia (Einfhlung), relacionando-as com a relevncia sociopoltica da arte. Hanslick tomava decididamente posio contra o princpio de lart cach (arte oculta ou dissimulada) que era inerente a estas ltimas categorias e que, na frmula de Rousseau, culminava numa arte que se fizesse esquecer a ela prpria. Para melhor esclarecer o seu ponto de vista, Hanslick citava mesmo um trecho de Wilhelm Heinse, bem ilustrativo da ideologia da natureza subjacente teoria esttica de Rousseau e ao conceito de art cach:

    A verdadeira msica [segundo Heinse] persegue sempre o objectivo de transmitir to facil e comodamente aos ouvintes o sentido das palavras e a emoo [Empfindung] que no se repara nela [na msica]. Uma tal msica dura eternamente, ela mesmo to natural que nem se repara nela, s o sentido das palavras se transmite. (citado em Hanslick, 1854: 121.)

    Ao que Hanslick contrapunha:

    Pelo contrrio, uma assimilao esttica da msica s se realiza, porm, precisamente quando a gente repara totalmente nela, quando nela atenta e quando toma conscincia de cada uma das suas belezas (ibid., nota).

    Em suma, no separar a arte da histria significava, para Hanslick (e, portanto, para Adler) atribuir um to acentuado relevo s relaes contextuais que estas acabariam por eliminar a considerao da msica em si, tornando assim impossvel o estabelecimento das leis supremas do belo musical. Para que as relaes contextuais no perturbassem o gozo artstico, era preciso expuls-las do campo da percepo. Neste sentido, a esttica ou aisthesis da arte dos sons era inconcebvel sem a anesttica ou anaisthesis da histria.

    Na sistematizao de Adler, a narrativa diacrnica da progresso da msica at arte dos sons, que competia musicologia histrica, era completada com a narrativa da distino sincrnica entre a arte dos sons (europeia) e outros fenmenos ou prticas musicais, de tradio oral ou extra-europeia. Tal era o objecto da disciplina sistemtica a que Adler chamava Musikologie (musicologia em sentido estrito).

  • MEMRIAS DA CLASSE DE LETRAS 9 _____________________________________________________________________________ Assim, apuradas as leis supremas do belo musical, havia que transform-las nos enunciados normativos da pedagogia e da didctica, assegurando a reproduo e o (eventual aperfeioamento) da arte dos sons. O que valia, tanto para o plano da criao como para o plano da percepo ou da apreciao musicais (poiesis e aistesis - categorias tambm usadas por Nattiez, 1987: 209 ss., 220ss.).

    Contudo, data em que Adler gizava este modelo terico-metodolgico, j o movimento da histria estava a pr fortemente em causa a viabilidade de uma esttica normativa, garante da reproduo do belo. A relao entre teoria e sua aplicao prtica comeara a ser abalada pelo processo de dissoluo do sistema tonal iniciado com Wagner e alargado pela assimilao de elementos extra-europeus, cujo fascnio (por ocasio das Exposies Universais) tocava especialmente Debussy. Por volta de 1900 estabelecia-se tambm na msica a institucionalizao da anomia, que vinha caracterizando a evoluo da arte europeia desde meados do sculo XIX (Bourdieu, 1987: 255ss.; cf. tambm Engel, 1990: 251ss.).

    Por isso mesmo, outras sistematizaes das cincias musicais se seguiram de Adler, na tentativa de responder a essas novas realidades (cf. Seeger, 1977; retrospectivas em Karbusicky, 1979; De la Motte-Haber / Dahlhaus, 1982). Assim, por exemplo, Carl Dahlhaus acentuava em 1971 a necessidade de superar a fronteira rgida entre a perspectiva histrica e a sistemtica, bem como, do mesmo passo, a distino entre mtodo ideogrfico e mtodo nomottico:

    A verdadeira contrapartida da histria da msica representada por cincias como a psicologia da msica, a teoria da msica e a sociologia da msica, as quais nem descobrem leis da natureza, nem procuram compreender verbalmente o individual, o irrepetvel, antes descrevem estruturas e processos que tm, decerto, origem histrica, mas cuja existncia de to longa durao que o procedimento ideogrfico no sentido de Windelband se nos afigura inadequado. Poderia falar-se de disciplinas intermdias, de charneira, cujo mtodo nem nomottico, nem ideogrfico. (Dahlhaus, 1971: 128.)

    Pouco depois, porm, num artigo publicado na International Review of Aesthetics and Sociology of Music, fundada em 1970 pelo musiclogo croata Ivo Supicic, o mesmo Dahlhaus contestava a possibilidade de a obra de arte musical poder ser objecto da sociologia da msica. Ou seja: apesar de reconhecer a necessidade de superao da sistematizao de Guido Adler, o prprio Dahlhaus permanecia arreigado a um dos princpios que a tinham inspirado: a distino de base entre o que era arte e o que no era arte. Princpio que continuaria a marcar o ensino e a investigao musicolgicas.

    Na verdade, com o desenvolvimento da Etnomusicologia, a partir da chamada musicologia comparativa (vergleichende Musikwissenschaft), a que Adler chamara inicialmente Musikologie, consolidara-se na organizao dos curricula universitrios, a tendncia para excluir a arte dos sons de uma abordagem sociolgica. O estudo da msica na cultura, postulado por Alan P. Merriam na sua Anthropology of Music (1964), era, na prtica, exclusivamente reservado s msicas extra-europeias ou esfera da

  • 10 CLASSE DE LETRAS _____________________________________________________________________________ chamada msica tradicional ou seja s manifestaes musicais que o cnone europeu no reconhecia como arte.

    Superado o mito das leis supremas do belo, o interesse pela abordagem histrica da criao musical europeia passara a predominar em absoluto, como Karbusicky (1979) verificou no estudo comparativo que empreendeu sobre os curricula universitrios (mormente alemes) na dcada de 70. A histria da msica ou musicologia histrica tornara-se a cincia musical por excelncia, empurrando as outras disciplinas para a marginalidade. Onde se tratava da recepo e, a partir desta, do devir social das obras musicais assim como da reflexo filosfica ou sociolgica sobre msica, as disciplinas estavam absolutamente subrepresentadas.

    Entretanto, a distino entre o estudo da arte dos sons europeia e o estudo das culturas musicais extra-europeias traduzia-se na separao dos curricula e dos institutos de ensino e investigao. Na Europa e nos Estados Unidos, a etnomusicologia e a musicologia histrica tendiam a desenvolver-se em mundos acadmicos isolados um do outro. Dir-se-ia que a etnomusicologia e, portanto, a abordagem sociolgica ou antropolgica era quase exclusivamente reservada ao estudo do Outro inferior: daquele que ainda no acedera supostamente nem ao conhecimento cientfico, nem maturidade artstica.

    2. Antecedentes do pensamento sociolgico no estudo da msica

    Esta tendncia geral da organizao dos curricula universitrios no invalida, porm, a verificao de uma longa tradio de pensamento sociolgico e histrico-antropolgico da msica em geral, e da msica europeia em particular. A relevncia do social bem pode dizer-se que remonta aos vestgios mais antigos da teoria musical. Numa obra inacabada pioneira da sociologia da msica Os fundamentos racionais e sociolgicos da msica (publicao pstuma em 1921) Max Weber pe em evidncia a dimenso sociolgica da analogia entre o musical e o lgico-racional: o fenmeno da mensurabilidade dos intervalos perfeitos, ao ser reconhecido, causou uma impresso extraordinria na fantasia, como comprovado pela mstica dos nmeros que lhe est ligada (p. 8043). Isso determinou o facto sociolgico de a msica, desde os seus estdios mais primitivos, ter sido subtrada ao prazer esttico para ser colocada ao servio de finalidades prticas (mgicas, de culto e mdicas):

    Dado que qualquer desvio de uma frmula j consolidada na prtica liquidava o seu efeito mgico e podia suscitar a ira dos poderes sobrenaturais, a rigorosa fixao dos padres das alturas tornava-se no sentido prprio do termo uma questo vital, e cantar mal um crime a ser expiado no raro castigado com a morte imediata do culpado e da a

  • MEMRIAS DA CLASSE DE LETRAS 11 _____________________________________________________________________________

    extraordinria fora conferida aos intervalos estereotipados mal eram por qualquer razo canonizados. Como, porm, os instrumentos que contribuam para a fixao dos intervalos se diferenciavam consoante o deus ou o demnio o aulos helnico era originariamente o instrumento da coragem conferida pelos deuses, mais tarde, de Dionysos , assim os mais antigos modos de uma msica, percebidos verdadeiramente como diferentes, eram complexos de frmulas tpicas de intervalos bem regulados, utilizados ao servio de certos deuses, ou contra certos demnios, ou em ocasies festivas. [] os mais antigos eram, na sua maior parte, objecto de uma arte secreta que desapareceu sob a influncia do contacto com a cultura moderna (pp. 8043-8044).

    Da a relao entre os modos ou padres de intervalos e a noo de ethos, subjacente teoria musical da Antiguidade (cf. Hornbostel, 1929; Sachs, 1943). Plato, Aristteles e outros filsofos da antiguidade extraam daqui consequncias com relevncia poltica e social com incidncia na educao dos jovens e em questes do Estado. Tambm a distino entre as destrezas musicais cujo exerccio competia aos escravos e aquelas que eram prprias dos cidados livres corresponde, em Aristteles, a um diagnstico sociolgico avant la lettre (cf. Riethmller, 1989) que, de resto, est recorrentemente presente em autores e escritos de pocas ulteriores. Lembro, a propsito, por exemplo, as consideraes de D. Jernimo Osrio, no seu livro Da Ensinana e Educao do Rei, publicado em 1571, sobre o defeito [] que consiste em consagrar demasiada ateno ao estudo da msica, que pertence ao nmero daquelas artes e cincias cujo conhecimento, se mediano, com razo se dever louvar no rei, mas que ser sumamente vitupervel quando em excesso. E no devia ser apenas o rei a cultivar com moderao a msica, mas tambm toda a nobreza: que, dentro da justa medida, reprime o descomedimento do nimo e instrui maravilhosamente na moderao, mas quando se cultiva para alm do que justo, aos poucos amolenta o nimo e desvia a nobreza do cumprimento da sua obrigao (Osrio, 1571 [2005]: p. 205).

    Interessante tambm notar, em alguns tericos da Idade Mdia, a ateno que prestam relao entre prticas musicais e contextos sociais. o caso de Johannes de Grocheo, na viragem do sculo XIII para o sculo XIV, e de Francisco Salinas, no sculo XVI. Nos seus tratados ambos intitulados De musica chegam, um em Paris, o outro em Salamanca, a uma classificao de gneros musicais baseada nos usos sociais que observavam (dir-se-ia empiricamente). Salinas, num gesto precursor da moderna etnomusicologia, chega mesmo a notar configuraes musicais de tradio oral, que, por no fazerem parte do culto nem de outro uso elevado (em contextos profanos), no mereciam registo escrito. Importa recordar, a propsito, que o precioso legado das Cantigas de Santa Maria s sobreviveu at aos nossos dias porque Afonso X, o Sbio, ordenou o seu levantamento e registo em notao musical.

    A observao dos processos sociais atenta s estratgias de comunicao e funo dos gneros e prticas musicais est igualmente subjacente aos debates terico-crticos que ocorreram no sculo XVIII. Ao contrrio do que as Histrias da Msica relatam, a clebre querelle des bouffons, desencadeada em 1752 em Paris pelos espectculos duma companhia de opera buffa italiana, no uma disputa entre a msica francesa e a msica italiana, mas sim entre dois modelos de comunicao e as suas respectivas incidncias sociais. Nos campos opostos encontram-se partidrios de ambos

  • 12 CLASSE DE LETRAS _____________________________________________________________________________ os estilos: o francs e o italiano. Nas centenas de opsculos e panfletos dados estampa em Paris entre 1752 e 1755 o que est verdadeiramente em causa uma mudana de paradigma quanto funo social do teatro lrico. As transformaes estruturais da pera advogadas por uma das faces (a dos enciclopedistas) designadamente, a iluso perfeita, a arte oculta, a comunicao do corao para o corao (j que, nas palavras de Rousseau, a arte de sentir era ainda mais preciosa do que a arte de pensar), em suma, aquilo que Hanslick condenava como emoo patolgica no visavam seno conferir pera (tal como arte em geral) uma nova misso: subtra-la esfera recreativa e representativa para a inscrever na esfera educativa. Atravs duma arte que se dissimulava a ela prpria e, por isso, se colocava ao alcance de todos (lart cach, la porte de tout le monde), tratava-se de promover a virtude, definida na Enciclopdia como um sentimento, um grande sentimento, e portanto do domnio do corao. A iluso perfeita na pera e no teatro, criando a relao de igualdade (rapport dgalit) a comunicao do corao para o corao , condio da identificao, passava a exercer uma funo educativa na medida em que proporcionava a prpria experincia do sentimento da virtude (cf. Vieira de Carvalho, 1999a: pp. 135-140).

    Tal tambm o modelo defendido nas suas cartas de Roma (cerca de 1750) pelo abade Antnio da Costa, um segundo Rousseau, mas ainda mais original, como o definiu o ingls Charles Burney, que com ele conviveu em Viena e que, ao reportar no seu Dirio, com o esprito sociolgico de um observador participante, uma rcita da Alceste de Gluck (1771), nos descreve exactamente em que consistia a mudana de paradigma a transferncia para a arte do modelo de identificao da religio (como lhe chamar Hans-Robert Jauss, 1977):

    ...os que a viram representada... no podiam tirar os olhos um s momento do palco, durante todo o espectculo, tendo a sua ateno to aguada e a sua consternao to aumentada, que se conservavam em permanente ansiedade, entre a esperana e o medo dos eventos, at ltima cena do drama... (Burney, 1772: II, 93).1

    Precedentes deste tipo, onde se manifesta a reflexo crtica sobre a estrutura e a funo da comunicao musical e as suas implicaes sociais, so inumerveis. Mas no queria encerrar esta srie de exemplos, um pouco escolhidos ao acaso, sem mencionar ainda uma fonte literria, que considero das mais esclarecidas na observao sociolgica dos processos musicais: Ea de Queirs. Embora sob a perspectiva da foto que se transforma em caricatura, as pginas em que descreve os interesses e as prticas musicais das suas personagens, os contextos institucionais de produo e recepo, constituem um diagnstico da relao entre msica e estilos de vida ou habitus que nos remete directamente para a sociologia da cultura de Bourdieu (La Distinction. Critique sociale du jugement, 1979). , sem dvida, um caso em que, como escrevi noutra ocasio, a objectividade da fico desafia a fico da objectividade (cf. Vieira de Carvalho, 1984; 1999b; 1999c).

    1 Herdeiro deste paradigma , sem dvida, Joaquim de Vasconcelos, que nos seus textos se insurgia precisamente contra o facto de, em Portugal, na sua poca, ainda no se ter verificado tal mudana. Entre ns, perdurava o contexto meramente recreativo: esta arte [msica] tem-nos merecido apenas o desprezvel emprgo de passa-tempo... (cf. Vasconcellos, 1873: p. IX).

  • MEMRIAS DA CLASSE DE LETRAS 13 _____________________________________________________________________________

    3. A emergncia da sociologia da msica e os seus desenvolvimentos mais recentes

    Em todo o caso, a emergncia da Sociologia da Msica como disciplina cientfica s se tornou possvel depois de a prpria Sociologia se ter afirmado enquanto tal. nessas fontes originrias da Sociologia (Augusto Comte, Jules Combarieu, Herbert Spencer, Hyppolyte Taine, Gabriel Tarde, mile Durkheim e, claro, Karl Marx, entre outros cf. Blaukopf, 1982), que tambm encontramos as primeiras articulaes da moderna sociologia das artes. Para o estabelecimento da sociologia da msica propriamente dita, o estudo de Paul Bekker (1916) intitulado A vida musical alem. Ensaio de abordagem msico-sociolgica (Das deutsche Musikleben. Versuch einer musiksoziologischen Betrachtung) um texto fundador um estudo que simultaneamente d incio a uma das principais tendncias, seno mesmo tendncia dominante na disciplina, na sua abordagem da msica europeia: precisamente a que incide sobre as condies de existncia social da msica, as suas instituies, as relaes entre artista, crtica e pblico. A vida musical nos seus aspectos estruturais e funcionais tambm objecto dos trabalhos de Alphons Silbermann, um dos principais representantes duma sociologia da msica emprica. Define a msica como um processo social que se traduz na interaco entre o artista e o seu contexto scio-cultural (ou a sua circunstncia, como diria Ortega y Gasset). O que est em causa a anlise da interaco entre indivduos, grupos e instituies e como ela se manifesta nos processos musicais (Silbermann, 1962). O estudo sobre a msica, a rdio e o auditor, efectuado sob a sua direco, publicado em 1954 (La musique, la Radio et lAuditeur), vale como paradigma dessa orientao emprica, baseada na entrevista e no inqurito e conducente a um diagnstico que permitisse fundamentar decises de poltica cultural (no caso concreto, o estudo foi encomendado pelo Centro de Estudos Radiofnicos da Radiodifuso e Televiso Francesa).

    O predomnio da pesquisa centrada nos factores contextuais ou factores ditos extra-musicais na sociologia da msica est bem patente na extensa retrospectiva crtica da bibliografia da disciplina, publicada por Ivo Supicic em 1987, com o ttulo Music in Society A Guide to the Sociology of Music. So muitas centenas de referncias, com diferentes origens nacionais e em diferentes lnguas, distribudas por grandes grupos temticos, onde avultam psicologia social da msica, histria social da msica, funes sociais da msica, pblico musical, recepo e gosto musicais, estatuto social e papel dos msicos, instituies musicais, msica, vida social e cultura, msica e economia, msica e tcnica, msica e mass media, estilos e gneros musicais, msica e poltica.

    Ou seja: o campo da disciplina, tal como resulta da maioria esmagadora dos estudos a inventariados, parece convergir com o postulado de Tibor Kneif na sua Musiksoziologie (1971) da dicotomia entre msica e sociedade: haveria situaes em que uma no se cruza com a outra e situaes em que uma pode condicionar a outra e reciprocamente. Como tendncia geral, a bibliografia da disciplina parece dar razo tambm ao cepticismo de Dahlhaus (1974) quanto possibilidade da abordagem sociolgica das obras musicais em si mesmo consideradas.

    Tanto maior relevncia ganha, por isso, a posio de Theodor W. Adorno, que, no s rompe com o postulado de Hanslick e Adler (segundo o qual a perspectiva histrico-

  • 14 CLASSE DE LETRAS _____________________________________________________________________________ artstica e a perspectiva esttica se anulavam mutuamente) como coloca decididamente a obra musical propriamente dita no centro da abordagem histrico-antropolgica e sociolgica. Mais: em manifesta oposio a Dahlhaus, o empenho de Adorno na decifrao sociolgica da msica tem sobretudo por objecto as chamadas obras-primas da msica europeia.

    Devendo a Hegel e a Marx as referncias fundamentais do seu mtodo dialctico, Adorno , porm, um crtico dos sistemas tericos totalizantes, baseados num pensamento dedutivo. Na Dialektik der Aufklrung (ttulo que tem sido traduzido como Dialctica do Esclarecimento, Dialctica da Razo ou Dialctica do Iluminismo), que escreveu de parceria com Max Horkheimer em meados dos anos 40 (ainda no exlio norte-americano), relativiza a oposio entre razo e mito, questiona a pretenso da cincia moderna razo absoluta e denuncia-a como ideologia. Ao contrrio de Marx, que distinguia entre socialismo utpico e socialismo cientfico, Adorno no reconhece cincia em particular, cincia social essa capacidade de se libertar inteiramente da ideologia. Simultaneamente, e tambm ao contrrio de Marx, retira a arte e a filosofia da esfera da superestrutura ideolgica, para colocar ambas arte e filosofia, interrelacionadas no campo duma genuna indagao da verdade. Enquanto a razo utilitria, instrumentalizada pelas relaes de produo, era uma razo que se auto-negava, a arte e a filosofia constituam, a bem dizer, os ltimos redutos da resistncia falsa conscincia ou ideologia.

    A arte carecia da filosofia para ser compreendida. Por sua vez, porm, a filosofia tinha de parar de negar o que constitua a sua essncia o seu princpio e o seu fim na arte (Adorno, 1998). Ambas eram conhecimento como j o eram em Hegel , mas ambas escapavam necessariamente cristalizao num modelo de conhecimento discursivo sistemtico e totalizante. Caso contrrio, deixariam de ser arte e filosofia autnticas para se tornarem em ideologia.

    Adorno teve uma slida formao musical, desde a infncia, no seio da famlia. Desenvolveu-a e aprofundou-a intensamente, inclusive como estudante de composio de Alban Berg. At muito tarde hesitou entre a carreira profissional a seguir: se a de compositor, se a de filsofo. Acabou por optar pela filosofia, mas nunca deixou de se ocupar da msica. Raros profissionais da msica conheciam como ele, de leitura, anlise, ou execuo ao piano, o repertrio da arte musical europeia. A cantora Carla Henius, com quem Adorno trabalhou ao piano obras vocais, relata com espanto a extraordinria abrangncia do conhecimento que ele tinha das partituras. Thomas Mann (1949), no seu romance de um romance sobre a gestao do Doktor Faustus, de que Adorno quase pode considerar-se co-autor, descreve-o a tocar a sonata op. 111 de Beethoven enquanto a analisava em voz alta.

    no contacto com a msica que Adorno elabora o modelo de teoria esttica que estende arte em geral. A msica era, de todas as artes, aquela em que mais evidente se tornava a essncia da arte: ser uma linguagem no intencional, sem um contedo ou uma mensagem proposicionais.

    Para fazer falar a obra de arte era precisa a filosofia. Mas esse esforo de interpretao uma tarefa inesgotvel: quanto mais se compreende a obra de arte autntica, tanto mais ela resiste decifrao. Para Adorno, no material, e no nos contedos aparentes, figurativos ou proposicionais, colados obra, que a anlise se deve concentrar. Tambm aqui a msica traz para primeiro plano o que noutras artes pode passar despercebido.

  • MEMRIAS DA CLASSE DE LETRAS 15 _____________________________________________________________________________ Contudo, em oposio dicotomia entre msica e sociedade, dicotomia que, como vimos, pressuposta na tradio musicolgica dominante (dominante inclusive no campo da sociologia da msica), Adorno chama a ateno para a natureza social do material. Escalas, instrumentos, formas, tcnicas de composio no so dados da natureza nem existem fora da sociedade. O material com que o msico trabalha social e historicamente pr-formado. Por isso, a abordagem filosfica da obra , simultaneamente, para Adorno, uma abordagem sociolgica. Filosofia e sociologia tornam-se indestrinveis uma da outra.

    Se conhecer romper com a ideologia, e se a arte conhecimento, ento o que o filsofo busca na sua abordagem da arte, para a fazer falar, o momento da crtica imanente do material, o momento em que o artista, consciente ou inconscientemente (quase sempre inconscientemente), busca o no-idntico, nega a totalidade. A obra que se conforma com a tendncia histrica do material conforma-se com as falsas evidncias da ideologia. Pelo contrrio, aquela que dialecticamente assimila e, ao mesmo tempo, nega a tendncia histrica do material aquela que, portanto, se afirma como arte autnoma, por vezes ao ponto de ser silenciada ou expulsa para a marginalidade pelas indstrias culturais irmana-se teoria crtica na esperana de verdade.

    A sociologia da msica de Adorno (cf. infra lista selectiva de referncias bibliogrficas) tem essencialmente por objecto esta indagao. Incide tanto sobre a obra musical em si como sobre os contextos da criao, interpretao e recepo. Analisa o papel das indstrias culturais na criao e difuso da msica, mas sempre numa perspectiva de reflexo crtica, e no de sociologia emprica. Esta, no seu entender, limita-se a prever, na base dos dados recolhidos (que reflectem a ideologia ou falsa conscincia do senso comum), mas no ousa teorizar para alm do j conhecido. Para Adorno, na arte e na teoria social, a crtica da ideologia tem de ser uma crtica da linguagem. E a crtica da linguagem remete para a prpria crtica da linguagem cientfica (cf. Adorno, 2008; Vieira de Carvalho, 2009). O que vem a colocar a musicologia sob o escrutnio do olhar sociolgico.

    Assim, sobretudo a partir dos anos 80 que o crescente interesse pela msica no seu devir social, manifestado por investigadores de outras reas das cincias sociais e no tanto da musicologia comea a contribuir para uma reviso crtica. A msica passa a ser objecto da ateno de vrias correntes sociolgicas e antropolgicas, dos estudos culturais e estudos de gnero, dos estudos de globalizao, da crtica ps-estruturalista ou ps-moderna. Peter J. Martin, socilogo que ensinou na Universidade de Manchester, tendo publicado em 1995 a obra Sounds and Society e mais recentemente, em 2007, Music and the Sociological Gaze: Art Worlds and Cultural Production, explica o que esse olhar sociolgico trouxe de novo: a ideia de que a msica no cpia do social, mas ela prpria tambm aco social, interaco de agentes diversos (compositores, intrpretes, produtores e outros agentes econmicos, crticos, pblicos, e naturalmente tambm musiclogos, entre outros), cujo sentido ou significao resulta dos usos sociais. O problema da significao foi, assim, deslocado da esfera da auto-referencialidade do texto (seja ele literrio ou musical) para a esfera das prticas sociais, pressupondo o carcter relacional da significao tanto no domnio da lngua (cuja significao tambm no auto-referencial Wittgenstein) como, por extenso, no domnio das artes em geral (como poderamos afirmar em sntese, remetendo para Giddens, num texto de 1987, sobre a mudana do estruturalismo para o ps-estruturalismo). A questo da objectividade e da neutralidade no discurso cientfico foi

  • 16 CLASSE DE LETRAS _____________________________________________________________________________ trazida do mesmo passo para o centro da discusso epistemolgica, como Immanuel Wallerstein, antigo presidente da Associao Internacional de Sociologia, recomendava no relatrio Para Abrir as Cincias Sociais, publicado em 1996, onde se postulava, por um lado, a construo social do conhecimento, mas, por outro lado, se assumia que a tomada de conscincia de que o conhecimento socialmente construdo significa tambm que socialmente possvel haver um conhecimento mais vlido (ibid.: 129s.).

    Tais desenvolvimentos ficaram, de resto, bem patentes na mesa redonda sobre Musicologia e Sociologia organizada no mbito do 16. Congresso da Sociedade Internacional de Musicologia realizado em Londres em 1997, mesa redonda na qual, alis, participei (cf. AAVV, 2000; Vieira de Carvalho, 2000b). nesta linha que tem vindo a emergir na sociologia da msica a tendncia para uma abordagem holstica, da qual um dos principais precursores Christian Kaden (1984). Parte-se do postulado de que o social na msica o comunicativo e de que a comunicao se articula em sistemas que no s enquadram a produo, as prticas de execuo, a mediao, a recepo, mas tambm so imanentes prpria msica, s formas de vida nas quais a msica ou o comportamento musical se manifestam comunicao, portanto, no sentido em que uma nota lanada na pauta j quer dizer ns, como afirmava Adorno. Qualquer msica s existe mormente para a sociologia da msica enquanto sistema sociocomunicativo. Sistema, no como conceito oposto ao de evoluo ou desenrolar no tempo, mas sim como unidade de estrutura e processo, tornando a perspectiva histria e a sociolgica inseparveis uma da outra. A ideia de que o sistema se manifesta necessariamente como evoluo, e, por sua vez, a evoluo tem natureza sistmica e de que tal no resultado da mera cooperao ideal entre dois tipos de abordagem, antes qualidade ou propriedade material do sistema estende-se, de resto, a outras disciplinas cientficas (cf. p.ex. Edwards / Jaros, 1994). O conceito de web of life ou networking na natureza, que porventura o contributo mais influente e de maior alcance do legado de Darwin (cf. Capra, 1996), no s parece cada vez mais actual nas cincias da natureza, como se tornou, mutatis, mutandis, num paradigma tambm para as cincias sociais. Web e networking so realidades que no podemos ignorar num mundo globalizado. (Bem o demonstra, alis, a actual crise econmica mundial.)

    Esta viso holstica ou sistmica, que, alis, me levou a tornar-me membro do Research Committee 51 (teoria de sistemas), da Associao Internacional de Sociologia, tem estado subjacente minha prpria investigao. ela que me tem permitido manter um dilogo crtico, no s com Niklas Luhmann (o mais exaustivo e talvez mais contestado socilogo da teoria de sistemas), mas tambm com o legado torico de outros autores s aparentemente incompatveis, como Habermas (e a sua teoria da esfera pblica e da aco comunicativa), Norbert Elias (cujos estudos sobre a sociedade da corte e os processos civilizacionais me parecem especialmente estimulantes para histria social das artes), Pierre Bourdieu (com as suas noes de campo, habitus, e capital simblico), ou, ainda, a teoria crtica de Adorno e Walter Benjamin (a anlise da arte como mercadoria, a questo da aura, da reprodutibilidade tcnica, ou da perda da capacidade primria de experincia).

    Particular nfase tem sido dada ultimamente questo da mediao que Antoine Hennion (1993; 2009) colocou no centro da sua sociologia da msica, numa viso pragmtica prxima de Luc Boltanski e ao impacte das novas tecnologias na criao, disseminao e recepo da msica: a mediamorphosis de que j falava Blaukopf (1982) (cf. DeNora, 2000; Bull, 2007; Gebesmair, 2008).

  • MEMRIAS DA CLASSE DE LETRAS 17 _____________________________________________________________________________ Em sntese, trata-se de estudar os sistemas sociais de comunicao musical e a sua mudana em correlao com outras mudanas sociais que ocorrem simultaneamente (por vezes, at, marcadas por violentos conflitos tnicos e polticos - cf. p.ex. Fischlin / Heble, 2003). Pois que, como Bruno Nettl (1983) observa, se alguma coisa h de estvel nas msicas do mundo, a sua permanente mudana seja ela mais rpida, ou mais lenta, mais vinculada a estruturas de curta ou a estruturas de longa durao, e ora como ressonncia (Kaden, 1984), ora como antecipao (Attali, 1977) de modelos de comunicao ou interaco que se manifestam noutras esferas da vida social 2

    .

    tendo presente estas reflexes que eu gostaria de apontar, para terminar, alguns tpicos que me parecem particularmente relevantes nas mais recentes abordagens sociolgicas ou histrico-antropolgicas da msica:

    a) A relao entre a msica e o corpo

    J Max Weber postulava que a intelectualizao da msica europeia comeara nos templos cristos, com a expulso do corpo da liturgia. Era a que devamos procurar a origem longnqua da sala de concertos europeia e a assimetria na comunicao que ela consagra. A introduo da notao reforaria, mais tarde, a expulso do corpo, a represso do impulso mimtico. Da tambm a confuso entre msica e texto notado, quando, na realidade, a obra musical s existe quando reconstruda a partir do texto (quando se faz gesto e som). Adorno (2001) fala da notao como uma intromisso do significacional que se sobrepe ao impulso expressivo, isto , como um acto de poder, destinado originariamente a disciplinar, uniformizar e reprimir as diferenas individuais ou de grupo. A relao holstica da expresso musical e corporal tem sido sublinhada nos Estudos de Gnero, os quais, por isso mesmo, tm dado particular ateno performance (cf. p.ex. McClary, 1991; Ribeiro, 2002).

    b) Msica coloquial e msica presentacional

    Nem sempre a comunicao assimtrica da sala de concertos dominou na tradio europeia. Num estudo famoso sobre a polifonia vocal, Heinrich Besseler (1959) demonstrou que, na maior parte dos casos, ela no era praticada como msica presentacional pressupondo a separao entre artistas e audincia , mas sim como msica coloquial ou de participao activa. Tambm os collegia musica so, inicialmente, exemplo de uma prtica coloquial, momentos de encontro e convvio musicais onde todos ou a maior parte dos presentes tomam parte activa. Na msica tradicional e nas msicas populares o seu carcter coloquial perde-se com a assimilao e difuso pelas indstrias culturais. Inversamente, h situaes em que a msica 2 Cf. um panorama actualizado de diferentes abordagens do social na msica no stio do congresso internacional Sociology of Music: Tendencies, Issues, Perspectives, organizado em Lisboa, em Julho de 2009, pelo CESEM, em colaborao com a Universidade Humboldt de Berlim, e coordenado cientificamente por Christian Kaden e Mrio Vieira de Carvalho ( www.sociologyofmusic2009.com).

  • 18 CLASSE DE LETRAS _____________________________________________________________________________ presentacional se transforma em coloquial caso, por exemplo, da pera italiana nos sculos XVIII e mesmo XIX (em teatros pblicos, sobretudo na ausncia do ceremonial representativo determinado pela presena do soberano) e tal o modelo de comunicao que persiste no Teatro de S. Carlos praticamente at finais do sculo XIX (cf. Vieira de Carvalho 1984; 1999c). Importa atender a estas transformaes sociocomunicativas nos processos musicais.

    c) Msica como sistema de comunicao autnomo e msica como mundo vivido

    Na tradio europeia, a msica como arte tende a separar-se da vida. Constitui-se como um dos subsistemas de comunicao em que se manifesta a diferenciao funcional das sociedades mais complexas, baseadas numa crescente diviso do trabalho. Pelo contrrio, nas comunidades tradicionais, mais ligadas natureza, ela tende a fundir-se com funes vitais, muitas vezes rituais, do quotidiano. Est profundamente radicada no mundo vivido. Trata-se de situaes em que, nas palavras de Kaden, a msica no mera aparncia, mas sim o real, no o como se do signo, que remete para a situao, mas sim a prpria situao. Kaden refere como exemplos a funo da msica na comunidade dos Kaluli na Nova Guin (pesquisa de Steven Feld) e do candombl na Baa (pesquisa de Tiago Oliveira Pinto). Em ambos os casos, corpo e esprito entregam-se msica, vibram com ela, passam por uma experincia de transformao do ser, de desdobramento da personalidade em diferentes nveis. Algo de paralelo ocorre com os xavantes, uma tribo da Amaznia, onde cada um sonha com a sua msica e a transmite aos outros como algo de exclusivamente seu. A msica surge aqui como mediao que permite as transies, as passagens de um estado a outro ao contrrio da tradio europeia em que a msica tende a constituir-se, enquanto arte, como alteridade, fechada sobre si prpria como artefacto, como smbolo e no como ser , por contraposio vida. Algo se perdeu e essa perda que Kaden prope como objecto de uma reflexo crtica (cf. Kaden, 2004; 2006).

    d) Msica, mercado e crtica da cultura

    Tomemos como exemplo Beethoven. A msica que compunha no tinha procura no mercado. Sobrevivia como artista atravs das encomendas, dedicatrias e subscries centradas numa elite aristocrtica iluminada ou esclarecida, e no atravs do xito editorial no mbito do circuito comercial burgus. Era atravs da manuteno ou reconstituio do vnculo de servio pessoal para com o antigo empregador feudal que o artista tentava uma sada para a reificao operada pelas leis da oferta e da procura. A segurana de outrora limitava a liberdade dos artistas, mas o ganho em liberdade equivalia a uma perda em segurana. O mercado comeava assim a entravar o que tornara possvel com a sua prpria emergncia: a autonomia da arte (autonomia relativamente aos contextos funcionais recreativos ou representativos da sociedade da corte). Tia DeNora (1995), sociloga da msica (Universidade de Exeter, Reino Unido) fala a este respeito de uma estratgia, no s financeira, mas tambm esttica de excluso

  • MEMRIAS DA CLASSE DE LETRAS 19 _____________________________________________________________________________ social, atravs da qual a msica de Beethoven e os seus patronos eram associados ao bom gosto, ideia de grandeza da msica e do gnio que a compunha. Podamos comparar a situao da chamada Nova Msica europeia desde a dcada de 50 do sculo XX, que deve a sua sobrevivncia s Fundaes e aos Festivais (para uma discusso mais alargada, cf. Vieira de Carvalho, 2007).

    A questo que se coloca a de saber se o mercado deve ser a medida de todas as coisas e se tambm a arte se deve submeter s suas leis. E quem diz a arte, diz a pesquisa musicolgica, a cincia, a educao, o patrimnio, a herana cultural em geral, j para no falar de outros sectores da vida social, como a sade ou a segurana social. A Conveno da UNESCO sobre a Proteco da Diversidade das Expresses Culturais (2005) e a Carta Cultural Ibero-Americana (2006), documentos em cuja elaborao e aprovao tive a honra de participar em representao do Governo portugus, estabelecem expressamente a necessidade de proteger a herana e a criao culturais em toda a sua diversidade, incluindo a possibilidade de os artistas exercerem a sua actividade sem os constrangimentos do mercado. Consagram ainda, solenemente, a legitimidade dos Estados de desenvolverem polticas pblicas adequadas a essas finalidades. Um largo consenso internacional imps-se deste modo na UNESCO para contrariar a Organizao Mundial do Comrcio, que reivindicava a aplicao das leis do mercado e da livre concorrncia aos bens e servios culturais.

    Cabe perguntar: Seria porventura indiferente para humanidade se Beethoven tivesse desistido de compor a msica que comps, para compor apenas aquela que o mercado editorial do seu tempo absorvia?

    Se queremos um pensamento crtico na musicologia, no podemos praticar uma musicologia que suprima do seu objecto a tentativa de captar tambm um pensamento crtico na msica analisada. A intelectualizao da msica europeia ao ponto de, desde a poca de Hegel e Beethoven, ser comparada filosfia um fenmeno histrico-antropolgico que faz parte do patrimnio da humanidade, da sua diversidade cultural, e que importa preservar. No ser, certamente, indiferente para ns a questo de saber se essa herana se renova, ou se o mercado a suprime.

    Tais so, concluindo, alguns dos aspectos que me parecem mais relevantes na construo do objecto da sociologia da msica.

    (Comunicao apresentada Classe de Letras na sesso de 26 de Maro de 2009)

  • 20 CLASSE DE LETRAS _____________________________________________________________________________

    Referncias bibliogrficas

    AAVV (2000), Sociology (intervenes de Christian Kaden, Peter J. Martin, Ruth Finnegan, Tulia Magrini, Philip V. Bohlman, Vlker Kalisch, Mrio Vieira de Carvalho), in: Musicology and Sister Disciplines: Past, Present, Future, ed. David Greer, Oxford, Oxford University Press, pp. 273-366.

    Adler, Guido (1885), Umfang, Methode und Ziel der Musikwissenschaft, Vierteljahrschrift fr Musikwissenschaft, I, 1 (1885): 5-20.

    Adorno, Theodor W. (1932), Zur gesellschaftlichen Lage der Musik, Zeitschrift fr Sozialforschung, I (1932): 103-124; 356-378.

    Adorno, Theodor W. (1938), ber den Fetischcharaker in der Musik und die Regression des Hrens, in: Adorno (1970ss.): XIV, 14-50.

    Adorno, Theodor W. (1939), Versuch ber Wagner, in: Adorno (1970ss.): XIII, 7-148.

    Adorno, Theodor W. (1945), Minima Moralia. Reflexionen aus dem beschdigten Leben, Frankfurt a. M., Suhrkamp, 1991.

    Adorno, Theodor W. (1948), Philosophie der Neuen Musik, in: Adorno (1970ss.): XII.

    Adorno, Theodor W. (1951), Bach gegen seine Liebhaber verteidigt, in: Adorno (1970ss.): X/1, 138-151.

    Adorno, Theodor W. (1953), Die gegngelte Musik, in: Adorno (1970ss.): XIV, 51-66.

    Adorno, Theodor W. (1956), Das Altern der Neuen Musik, in: Adorno, 1970ss.: IV, 143-167.

    Adorno, Theodor W. (1958a), Ideen zur Musiksoziologie, in: Adorno, 1970ss.: XVI, 9-23.

  • MEMRIAS DA CLASSE DE LETRAS 21 _____________________________________________________________________________ Adorno, Theodor W. (1958b), Zur Vorgeschichte der Reihenkomposition, in: Adorno,

    1970ss.: XVI, 68-84.

    Adorno, Theodor W. (1960a), Gustav Mahler. Eine Physiognomie, in: Adorno (1970ss.): XIII, 149-319.

    Adorno, Theodor W. (1961), Vers une musique informelle, in: Adorno (1970ss.): XVI, 493-540.

    Adorno, Theodor W. (1962a), Einleitung in die Musiksoziologie, in: Adorno, 1970ss.: XIV.

    Adorno, Theodor W. (1962b), Stravinsky: A Dialectical Portrait, in: Adorno (1994b): 145-175.

    Adorno, Theodor W. (1963), ber das gegenwrtige Verhltnis von Philosophie und Musik, in: Adorno (1970ss.): XVIII.

    Adorno, Theodor W. (1967), Thesen zur Kunstsoziologie, in Adorno (1970ss.): X. 1, 367-374.

    Adorno, Theodor W. (1968), Berg, der Meister des kleinsten bergangs, in: Adorno (1970ss.): XIII, 321-514.

    Adorno, Theodor W. (1970), sthetische Theorie, in: Adorno 1970ss.: I.

    Adorno, Theodor W. (1970ss.), Gesammelte Schriften, 20 vols., Frankfurt a. M., Suhrkamp.

    Adorno, Theodor W. (1989), Metaphysik. Begriff und Problem (ed. Rolf Tiedemann). Frankfurt a .M., Suhrkamp.

    Adorno, Theodor W. (1993), Beethoven. Philosophie der Musik (ed. Rolf Tiedemann), Frankfurt a. M., Suhrkamp.

    Adorno, Theodor W. (2001), Zu einer Theorie der musikalischen Reproduktion, Frankfurt a.M., Suhrkamp.

    Adorno, Theodor W. (2008), Philosophische Elemente eine Theorie der Gesellschaft (eds. Tobias ten Brink and Marc Phillip Nogueira), Frankfurt a.M., Suhrkamp.

    Adorno, Theodor W., e Max Horkheimer (1944), Dialektik der Aufklrung, in: Adorno, 1970ss.: III (trad. ingl.: Dialectic of Enlightenment, Stanford, Stanford University Press, 2002).

    Attali, Jacques (1977), Bruits. Essai sur lconomie politique de la musique, Paris, PUF, 1977.

    Bekker, Paul (1916), Das deutsche Musikleben, Berlim, Schuster/Lffler.

    Benjamin, Walter (1931), Was ist das epische Theater? (I), Gesammelte Schriften, 6 vols., Frankfurt a. M., Suhrkamp, 1991: II/2, 519-531.

    Benjamin, Walter (1936), Das Kunstwerk im Zeitalter seiner technischen Reproduzierbarkeit, in: Benjamin (1991): I.2: 431-508. (Trad. francesa in: Lhomme, le langage et la culture [do mesmo], Paris, Denol/Gonthier, 1971.)

  • 22 CLASSE DE LETRAS _____________________________________________________________________________ Benjamin, Walter (1939), Was ist das epische Theater? (II), Gesammelte Schriften, 6

    vols., Frankfurt a. M., Suhrkamp, 1991: II/2, 532-539.

    Benjamin, Walter (1940), ber den Begriff der Geschichte, in: Benjamin (1991): I.2: 691-704.

    Benjamin, Walter (1991), Gesammelte Schriften, 6 vols., Frankfurt a. M., Suhrkamp.

    Besseler, Heinrich (1959), Umgangsmusik und Darbietungsmusik im 16. Jahrhundert, Aufstze zur Musiksthetik und Musikgeschichte (do mesmo), Leipzig, Reclam, 1978: 301-331.

    Blaukopf, Kurt (1982), Musik im Wandel der Gesellschaft, Munique, DTV, 1984.

    Bourdieu, Pierre (1979), La distinction. Critique sociale du jugement, Paris, Minuit.

    Bourdieu, Pierre (1987), O Poder Simblico, Lisboa, Difel, 1989.

    Bull, Michael (2007), Sound Moves: iPod Culture and Urban Experience, London, Routledge.

    Burney, Charles (1772), Dr. Burneys Musical Tours in Europa (ed. P.A. Scholes) 2 vols., Londres, Oxford University Press, 1959.

    Capra, Fritjof (1996), The Web of Life. A New Scientific Understanding of Living Systems, New York, Anchor Books.

    Dahlhaus, Carl (1971), Musiktheorie, in: Einfhrung in die Musikwissenschaft (coord. do mesmo), Colnia, Gerig, 1975: 93-132.

    Dahlhaus, Carl (1974), Das musikalische Kunstwerk als Gegenstand der Soziologie, International Review of the Aesthetics and Sociology of Music, V (1974): 11-24.

    De la Motte-Haber, Helga / Dahlhaus, Carl (1982) (eds.), Systematische Musikwissenschaft (Neues Handbuch der Musikwissenschaft, ed. C. Dahlhaus, vol. X) Wiesbaden, Akademische Verlagsgesellschaft Athenaion.

    DeNora, Tia (1995), Beethoven and the Construction of Genius, Berkeley, university of Califrnia.

    DeNora, Tia (2000), Music in everyday life, Cambridge, Cambridge University Press.

    DeNora, Tia (2003), After Adorno: Rethinking Music Sociology, Cambridge, Cambridge University Press.

    Edwards, Lynn B. / Jaros, Gyorgy G. (1994), Processe-Based Systems Thinking Challenging the Boundaries of Structure, in: Journal of Social and Evolutionary Systems, 17/3 (1994): 339-353.

    Elias, Norbert (1939), ber den Proze der Zivilisation. Soziogenetische und psychogenetische Untersuchungen, 2 vols., Frankfurt a. M., Suhrkamp, 1989. (Trad. port.: O processo da civilizao, 2 vols., Lisboa, Dom Quixote, 1990/91.)

  • MEMRIAS DA CLASSE DE LETRAS 23 _____________________________________________________________________________ Elias, Norbert (1968), Einleitung, ber den Proze der Zivilisation. Soziogenetische und

    psychogenetische Untersuchungen, 2 vols., Frankfurt a. M., Suhrkamp, 1989: I, pp. VII-LXX. (Trad. port.: ibidem.)

    Elias, Norbert (1969), Die hfische Gesellschaft. Untersuchungen zur Soziologie des Knigtums und der hfischen Aristokratie, Frankfurt a. M., Suhrkamp, 1983. (Trad. port.: A sociedade da corte, Lisboa, Estampa.)

    Elias, Norbert (1991), Mozart. Zur Soziologie eines Genies (ed. Michael Schrter), Frankfurt a. M., Suhrkamp, 1991 (trad. port.: Mozart, Sociologia de um gnio, Lisboa, Edies Asa, 1993).

    Engel, Gerhard (1990), Zur Logik der Musiksoziologie. Ein Beitrag zur Philosophie der Musikwissenschaft, Tbingen, J. C. B. Mohr.

    Fischlin, Daniel / Heble, Ajay (2003) Rebel Musics: Human Rights, Resistant Sounds, and the Politics of Music Making, Montreal, Black Rose Books.

    Gebesmair, Andreas (2008), Die Fabrikation globaler Vielfalt. Struktur und Logik der transnationalen Popmusikindustrie, Bielefeld, Transcript.

    Giddens, Anthony (1987), Structuralism, post-structuralism and the production of culture, Social Theory and Modern Sociology (do mesmo), Londres, Blackwell, 1993: 73-108.

    Habermas, Jrgen (1962), Strukturwandel der ffentlichkeit, Frankfurt a. M., Suhrkamp, 1990.

    Habermas, Jrgen (1970a), Zur Logik der Sozialwissenschaften, Frankfurt a. M., Suhrkamp, 1985.

    Habermas, Jrgen (1970b), A Review of Gadamers Truth and Method, Understanding and Social Inquiry (eds. Fred R. Dallmayr e Thomas A. McCarthy), Londres/Notre Dame, University of Notre Dame Press, 1977: 335-363.

    Habermas, Jrgen (1971), Eine Auseinandersetzung mit Niklas Luhmann (1971): Systemtheorie der Gesellschaft oder Kritische Gesellschaftstheorie?, in: Habermas (1970a): 369-502.

    Habermas, Jrgen (1972), Bewutmachende oder rettende Kritik die Aktualitt Walter Benjamins, Zur Aktualitt Walter Benjamins (ed. S. Unseld), Frankfurt a. M., Suhrkamp, 1972: 173-223.

    Habermas, Jrgen (1980), A modernidade: um projecto inacabado, Crtica, 2 (1987): 5-23.

    Habermas, Jrgen (1981), Theorie des kommunikativen Handelns, 2 vols., Frankfurt a. M., Suhrkamp, 1985.

    Habermas, Jrgen (1984), Vorstudien und Ergnzungen zur Theorie des kommunikativen Handelns, Frankfurt a. M., Suhrkamp.

    Habermas, Jrgen (1985), O discurso filosfico dos modernos, Lisboa, Publicaes D. Quixote, 1990.

  • 24 CLASSE DE LETRAS _____________________________________________________________________________ Hanslick, Eduard (1854), Vom Musikalisch-Schnen, Vom Musikalisch-Schnen.

    Aufstze. Musikkritiken (ed. Klaus Mehner), Leipzig, Reclam, 1982: 33-145 (trad. port., Lisboa, Edies 70, 1994).

    Hegel, Georg Wilhelm Friedrich (1842), sthetik (ed. Friedrich Bassenge), 2 vols., Berlim / Weimar, Aufbau-Verlag, 1984.

    Hennion, Antoine (1993), La Passion musicale. Une sociologie de la mdiation, Paris, Mtaili.

    Hennion, Antoine (2009), Attachements. Une sociologie de lamateur, Paris, Mtailli.

    Hornbostel, E. M. (1929), Tonart und Ethos, in: Tonart und Ethos. Aufstze (do mesmo, eds. Christian Kaden e Erich Stockmann), Leipzig, Reclam, 1986: 104-111.

    Jau, Hans Robert (1977), sthetische Erfahrung und literarische Hermeneutik, vol. I: Versuch im Feld der sthetischen Erfahrung, Munique, Wilhelm Fink.

    Kaden, Christian (1984), Musiksoziologie, Berlin, Verlag Neue Musik.

    Kaden, Christian (1990), Was hat Musik mit Klang zu tun? Ideen zu einer Geschichte des Begriffs Musik und zu einer musikalischen Begriffsgeschichte, in: sthetische Grundbegriffe, Berlim, Akademie Verlag, 1990: 134-180.

    Kaden, Christian (1993), Des Lebens wilder Kreis. Musik im Zivilisationsproze, Kassel etc., Brenreiter.

    Kaden, Christian (1995), Musiksoziologie, Musik in Geschichte und Gegenwart (ed. L. Finscher), Kassel, Brenreiter (1993ss.).

    Kaden, Christian (2004), Das Unerhrte Und Das Unhrbare: Was Musik Ist, Was Musik Sein Kann, Kassel, Brenreiter.

    Kaden, Christian (2006), Das ANDERE als kosmologische Regulationsinstanz in der Musik, in: Kaden / Mackensen (2006): 120-136.

    Kaden, Christian / Mackensen, Karsten (2006), Soziale Horizonte von Musik: Ein Kommentiertes Lesebuch zur Musiksoziologie, Kassel, Brenreiter.

    Karbusicky, Vladimir (1979), Systematische Musikwissenschaft. Eine Einfhrung in Grundbegriffe, Methoden und Arbeitstechniken, Munique, Wilhelm Fink.

    Kneif, Tibor (1971), Musiksoziologie, Colnia, Hans Gerig.

    Luhmann, Niklas (1980), Interaktion in Oberschichten: Zur Transformation ihrer Semantik im 17. und 18. Jahrhundert, Gesellschaftsstruktur und Semantik. Studien zur Wissenssoziologie der modernen Gesellschaft (do mesmo), Frankfurt a. M., 1993: I, 72-161.

    Luhmann, Niklas (1984), Soziale Systeme. Grundri einer allgemeinen Theorie, Frankfurt a. M., Suhrkamp, 1988.

    Luhmann, Niklas (1996), Die Kunst der Gesellschaft, Frankfurt a. M., Suhrkamp.

  • MEMRIAS DA CLASSE DE LETRAS 25 _____________________________________________________________________________ Martin, Peter J. (1995), Sounds and Society: Themes in the Sociology of Music, Manchester

    and New York, Manchester university Press.

    Martin, Peter J. (2007), Music and the Sociological Gaze: Art Worlds and Cultural Production, Manchester, Manchester University Press.

    Marx, Karl (1844), konomisch-Philosophische Manuskripte vom Jahre 1844 (ed. Joachim Hppner), Leipzig, Reclam, 1988.

    Marx, Karl (1939/40), Grundrisse der Kritik der politischen konomie, konomische Manuskripte 1857/1858 (Marx-Engels-Werke), Berlim, Dietz Verlag, 1983: XLII, 15-768.

    McClary, Susan (1991), Feminine Endings. Music, Gender and Sexuality, Minnesota/Londres, The University of Minnesota Press.

    Merriam, Alan P. (1964), The Anthropology of Music, Evanston, Northwestern University Press.

    Nattiez, Jean-Jacques (1987), Musicologie gnrale et smiologie, Paris, Christian Bourgois.

    Nettl, Bruno (1983), The Study of Ethnomusicology. Twenty-nine Issues and Concepts, Urbana e Chicago, University of Illinois Press.

    Osrio, D. Jernimo (1571), Da Ensinana e Educao do Rei (traduo, introduo e anotaes de A. Guimares Pinto), Lisboa, Imprensa Naciona Casa da Moeda, 2005.

    Ribeiro, Paula (2002), Hystrie et Mise en Abme: le drame lyrique au dbut du XXme sicle, Paris: L'Harmattan.

    Riethmller, Albrecht (1985), Stationen des Begriffs Musik, in: Geschichte der Musiktheorie, I (ed. Frieder Zaminer), Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft.

    Riethmller, Albrecht (1989), Musik zwischen Hellenismus und Sptantike, in: Die Musik des Altertums (Neues Handbuch der Musikwissenschaft, I), Laaber, Laaber Verlag, 1989: 207-325.

    Sachs, Curt (1943), The Rise of Music in the Ancient World East and West, New York, Norton.

    Saussure, Ferdinand de (1916), Cours de Linguistique Gnrale, Paris, Payot, 1976.

    Seeger, Charles (1977), Studies in Musicology (1935-1975), Berkeley, etc., University of California Press.

    Silbermann, Alphons (1954), La musique, la radio et lauditeur. tude sociologique, Paris, PUF.

    Silbermann, Alphons (1955), Introduction une Sociologie de la musique, Paris, PUF.

    Silbermann, Alphons (1957), Estructura Social de la msica, Madrid, Taurus, 1961.

  • 26 CLASSE DE LETRAS _____________________________________________________________________________ Small, Christopher (1998), Musicking: The Meanings of Performing and Listening,

    Middletown, Wesleyan University Press.

    Sochor, Arnold (1980), Soziologie und Musikkultur, Berlim, Verlag Neue Musik, 1985.

    Supicic, Ivo (1987), Music in Society A guide to the Sociology of Music, 2. ed. remodelada, Stuyvesant, NY, Pendragon Press, 1987.

    Vasconcellos, Joaquim (1873), Lusa Todi Estudo Crtico, 2. ed., Coimbra, Imprensa da Universidade, 1929.

    Vieira de Carvalho, Mrio (1984), Pensar morrer ou o Teatro de So Carlos na mudana de sistemas sociocomunicativos desde fins do sculo XVIII aos nossos dias, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1993.

    Vieira de Carvalho, Mrio (1991a): Sociologia da Msica Elementos para uma retrospectiva e para uma definio das suas tarefas actuais, Penlope, 6 (1991): 11-19; Revista Portuguesa de Musicologia, I (1991): 37-44.

    Vieira de Carvalho, Mrio (1991b), A msica na Universidade: do numerus cincia social, Universidade(s): Histria, Memria, Perspectivas Congresso Histria da Universidade, 7. Centenrio (Actas), Coimbra, Universidade de Coimbra, 1991: IV, 157-174.

    Vieira de Carvalho, Mrio (1995a) From Opera to Soap Opera : On Civilizing Processes, the Dialectic of Enlightenment and Postmodernity, Theory, Culture & Society , XII/2 (1995): 41-61.

    Vieira de Carvalho, Mrio (1995b), Illusion und Selbstdarstellung - Zur Entwicklung der Kommunikationssysteme im Musiktheater, Vom Neuwerden des Alten - ber den Botschaftscharakter des musikalischen Theaters (ed. Otto Kolleritsch), Studien zur Wertungsforschung, vol. 29, Graz-Vienna, Universal Edition, 1995: 141-149.

    Vieira de Carvalho, Mrio (1995c), Nature et naturel dans la polmique sur l'opra au XVIIIme sicle, Le Parole della Musica, vol.: II: Studi sulla Lingua della Critica del Teatro per Musica in onore di Gianfranco Folena (ed. Maria Teresa Muraro), Florence, Leo S. Olschki, 1995: 95-146.

    Vieira de Carvalho, Mrio (1999a) Razo e sentimento na comunicao musical. Estudos sobre a Dialctica do Iluminismo, Lisboa: Relgio dAgua.

    Vieira de Carvalho, Mrio (1999b), Ea de Queirs e Offenbach A cida gargalhada de Mefistfeles, Lisboa: Colibri.

    Vieira de Carvalho, Mrio (1999c), Denken ist Sterben. Sozialgeschichte des Opernhauses Lissabon, Kassel, etc., Brenreiter.

    Vieira de Carvalho, Mrio (2000a) La sociologie de la musique en qute de son objet, in: Critique, 639-640, Agosto/Setembro, 2000: 790-803.

    Vieira de Carvalho, Mrio (2000b) Sociology of Music as Self-Critical Musicology, in: Musicology and Sister Disciplines Past, Present, Future (ed. David Greer), Oxford, Oxford University Press, 2000: 342-366.

  • MEMRIAS DA CLASSE DE LETRAS 27 _____________________________________________________________________________ Vieira de Carvalho, Mrio (2005a), A pera, a esfera pblica e a mudana de sistemas

    sociocomunicativos, in: Por lo impossible andamos A pera como teatro de Gil Vicente a Stockhausen (do mesmo), Porto: mbar, 2005: 37-60.

    Vieira de Carvalho, Mrio (2005b), Srie, alea e autopoiesis, in: O Pensamento de Niklas Luhmann (ed. Jos Manuel Santos), Covilh: Universidade da Beira Interior / TA Pragmata, 2005: 165-184.

    Vieira de Carvalho, Mrio (2006a), Pensar a msica, mudar o mundo: Fernando Lopes-Graa, Porto, Campo das Letras.

    Vieira de Carvalho, Mrio (2006b), Belcanto-Kultur und Aufklrung: Blick auf eine widersprchliche Beziehung im Lichte der Opernrezeption, in: Soziale Horizonte von Musik Ein kommentiertes Lesebuch zur Musiksoziologie (eds. Christian Kaden / Karsten Mackensen), Kassel / Basileia / Londres, etc., Brenreiter, 2006: 35-55.

    Vieira de Carvalho, Mrio (2007), A Tragdia da Escuta: Luigi Nono e a Msica do Sculo XX, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda.

    Vieira de Carvalho, Mrio (2009) (ed.), Expression, Truth, Authenticity: On Adornos Theory of Music and Musical Performance, Lisboa, Colibri.

    Wallerstein et al., Immanuel (1996), Para abrir as cincias sociais. Relatrio da Comisso Gulbenkain sobre a reestruturao das Cincias Sociais, Lisboa, Europa-Amrica.

    Weber, Max (1921), Die rationalen und soziologischen Grundlagen der Musik, in: Gesammelte Werke (do mesmo), CD-ROM Digitale Bibliothek, Darmstadt, WBG, pp. pp. 7997-8154.

    Windelband, Wilhelm (1894), Geschichte und Naturwissenschaft, Estrasburgo.

    memorias capamemorias corpoTomemos como exemplo Beethoven. A msica que compunha no tinha procura no mercado. Sobrevivia como artista atravs das encomendas, dedicatrias e subscries centradas numa elite aristocrtica iluminada ou esclarecida, e no atravs do xito editoria...