CASA DE CÂMARA E CADEIA Figura 3 - Relações geométricas da fachada principal da Casa de Câmara...

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CASA DE CÂMARA E CADEIA Centro Cultural do Brejo da Madre de Deus Projeto de Restauro e Adaptação para novo uso da Casa de Câmara e Cadeia do Brejo da Madre de Deus - PE. Recife, Março de 2008 Pedro Valadares Arq. CREA 38471-D/PE Marina Russel Arq. CREA 32861-D/PE Colaboração Cecília Barthel Arq. CREA 38139-D/PE

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CASA DE CÂMARA E CADEIA Centro Cultural do Brejo da Madre de Deus

Projeto de Restauro e Adaptação para novo uso da Casa de Câmara e Cadeia do Brejo da Madre de Deus - PE.

Recife, Março de 2008

Pedro Valadares Arq. CREA 38471-D/PE

Marina Russel Arq. CREA 32861-D/PE

Colaboração Cecília Barthel Arq. CREA 38139-D/PE

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1. Introdução

O Município do Brejo da Madre Deus é conhecido pelos seus inúmeros atrativos

turísticos e naturais e pelos seus sítios arqueológicos e paleontológicos, amplamente

visitados por turistas, estudantes e pesquisadores.

Além destas qualidades, o Brejo da Madre de Deus também é dotado de um

riquíssimo acervo histórico formado por casarões típicos da arquitetura produzida no

Brasil, durante o século XIX. Entre estes, o que mais se destaca na paisagem é, sem

dúvida, o edifício construído para abrigar a Casa de Câmara e Cadeia.

O imponente casarão de dois pavimentos, um legítimo exemplar da arquitetura

neoclássica brasileira que ainda preserva a maioria das suas características primitivas,

é um importante monumento histórico, não só pelos seus aspectos peculiares, mas

também por ter sido possivelmente projetado pelo engenheiro francês Louis Legér

Vauthier.

Recentemente, a Prefeitura do Brejo, visando dar um novo uso à edificação,

realizou uma série de reformas que permitissem seu uso para oficinas de artesanato.

No entanto, esta intervenção, de caráter paliativo, se restringiu a reparos no pavimento

superior e pintura das fachadas.

Em atendimento às recomendações do Processo de Tombamento do Brejo da

Madre de Deus elaborado pela FUNDARPE, através de um esforço conjunto da

Prefeitura do Brejo, representada pela sua Secretaria de Cultura e Turismo, e da

ADCE Produções Culturais, nossa equipe, composta por arquitetos, com o auxílio de

arqueólogos e engenheiros, foi contratada com o intuito de propor para a edificação

um novo uso, de cunho cultural, com atividades de valorização da cultura local, com o

envolvimento da população e o incremento do turismo no município.

A Casa de Câmara e Cadeia do Brejo da Madre de Deus é tombada desde 1983,

em nível estadual, pela FUNDARPE. Por esta razão, nosso projeto busca o respeito

ao monumento como uma obra arquitetônica de valores que transcendem seus limites

físicos, seguindo os critérios e recomendações pertinentes.

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2. A Casa de Câmara e Cadeia do Brejo da Madre de Deus

2.1. Histórico

Localizada no centro do Município do Brejo da Madre de Deus, mais precisamente

à Rua Maestro Tomás de Almeida Maciel, nas proximidades da Praça Bom Conselho

e da Igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho, a 636m de altitude, no agreste

pernambucano, a 202,2km do Recife, a Casa de Câmara e Cadeia se destaca entre as

construções de em seu entorno, e entre o casario típico do século XIX – muitas com

fachadas inteiramente revestidas de azulejos portugueses.

Figura 1 – Brejo da Madre de Deus. Situação atual.

Figura 2 – A Casa de Câmara e Cadeia vista a partir da Praça Bom Conselho.

Outubro de 1978. Acervo FUNDARPE.

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Convém lembrar que, além do rico conjunto de edificações históricas, o Brejo

também possui um considerável acervo de patrimônio natural com mirantes e

expressivas formações rochosas, muito procuradas por ecoturistas e geólogos, e

também um valioso sítio arqueológico com fósseis e inscrições rupestres que atraem

pesquisadores e curiosos de diversas localidades.

Após a elevação do Brejo à categoria de Vila, em 1833, a câmara entrou logo em

funcionamento em um prédio próprio doado por um cidadão.

Na fundação de vilas, uma das primeiras preocupações era a localização e a

implantação da igreja, do pelourinho e da casa de câmara e cadeia. O programa desta

última tinha a finalidade de satisfazer as necessidades de serviços administrativos,

legislativos, judiciais e penitenciários. Na maioria dos casos, o respectivo programa

distribuía-se em dois pavimentos, e compunha-se de duas partes distintas: Câmara,

no pavimento superior, composta de salas destinadas a funções distintas; e Cadeia,

no térreo, como o próprio nome já diz, destinada à prisão.

Nos primeiros edifícios desse tipo, o acesso se dava pelo pavimento superior

através de uma escadaria externa, geralmente de cantaria, e se constituíam em um

importante elemento na composição arquitetônica, como um contraponto na rigidez

clássica da composição das fachadas. O acesso ao pavimento térreo se fazia por

alçapões no piso do pavimento superior.

Convém advertir, porém, que este programa não se aplicava indistintamente a toda

e qualquer edificação deste tipo. Em geral, o maior ou menor desenvolvimento deste

programa era em função dos recursos materiais de que dispunham os municípios.

O pavimento térreo, onde ficavam as enxovias1, era construído com cuidados

especiais para evitar a fuga de presos. Muitas vezes a taipa de pilão reforçada foi

utilizada no interior das paredes, com peças de madeira na vertical. Artifícios

semelhantes eram usados nos pisos e nos forros. Primava-se pela segurança no

pavimento térreo e pela elegância formal no pavimento superior.

Nos primeiros séculos, o poder público não tinha gastos com a manutenção dos

presos. Desta forma, as janelas no pavimento térreo, que serviam às enxovias, eram

essenciais aos presos, pois através delas recebiam alimentos de seus parentes, ou de

estranhos como esmola.

As estruturas das cobertas eram sempre em madeira e o seu recobrimento em

telhas cerâmicas, embora existam registros de recobrimentos em sapé no primeiro

século.

1 Cela, masmorra, calabouço. Em geral, recinto insalubre.

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Nas casas de câmara e cadeia, qualquer pessoa poderia ser presa por cometer

alguma infração, exceto os clérigos, que tinham prisões especiais, chamadas de

aljubes, como o de Olinda.

De acordo com o sociólogo Gilberto Freyre, o engenheiro francês Louis Vauthier,

que esteve no Brasil de 1840 a 1846 dirigindo em Pernambuco a antiga Repartição de

Obras Públicas, teria participado da construção dessa Casa de Câmara e Cadeia.

Na introdução ao seu artigo intitulado Casas de Residência no Brasil, Freyre

anotou que “em 1845 as obras da Cadeia do Brejo foram orçadas por Vauthier em

7.012$25. Esse orçamento considerava que ali já estavam feitos os alicerces das

paredes exteriores e de duas paredes de repartimento até a altura do cordão geral do

edifício... as paredes de frente e dos dois lados do edifício numa altura de 18 ½

palmos2 e 5 palmos de grossura”. Menciona ainda, Gilberto Freyre, que “o edifício teria

somente o andar térreo, tendo as paredes exteriores 21 palmos de altura, incluída a

cornija de dois palmos e meio; na frente ficariam, além de duas janelas, uma porta de

10 palmos de largura e 17 de altura; no interior, ficaria a cadeia dividida em 6 partes;

coberta em quatro águas”. E ainda: “para chegar-se à porta da frente haveria uma

escada de 7 degraus de 7 polegadas de altura e 9 de largura, escada maciça, com um

alicerce de 2 palmos de altura”.

Em 1847, foi concluída a obra de construção da Casa de Câmara e Cadeia do

Brejo, com dois pavimentos. A cadeia no térreo e fórum, prefeitura e conselho

municipal no pavimento superior.

2.2. Descrição arquitetônica

Geralmente, os autores dos projetos de casas de câmara e cadeia eram

engenheiros militares, mestres construtores de fortalezas e, como tais, eruditos,

habituados ao rigor dos traçados reguladores.

A erudição dos desenhos de alguns desses edifícios é, em alguns casos, evidente,

segundo o ilustre pesquisador Paulo Thedim Barreto3, que chegou a identificar

traçados reguladores, inspirados nos retângulos áureos, nas fachadas das casas de

câmara e cadeia de Mariana e Ouro Preto, ambas construídas no século XVIII.

2 Palmo é uma medida de comprimento que se obtém com a mão toda aberta, em torno de 22 centímetros.

3 Paulo Thedim Barreto publicou o artigo Casas de Câmara e Cadeia na Revista do SPHAN, n. 11, 1947.

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Figura 3 - Relações geométricas da fachada principal da Casa de Câmara e Cadeia de

Mariana, MG. Do Artigo de Paulo Thedim Barreto.

Atualmente, a porta principal da Casa de Câmara e Cadeia do Brejo mede 3,25

metros de altura, correspondente a 14,77 palmos, diferente dos 17 palmos citados por

Gilberto Freyre. Este dado nos leva a crer que o piso atual não corresponde ao nível

do piso original, que provavelmente encontra-se mais abaixo.

Figura 4 – À esquerda, porta com dimensões atuais.

À direita, porta com dimensões citadas por Gilberto Freyre.

Através de leitura de textos sobre a tratadística clássica, e análise de outros textos

correlatos, pudemos conferir algumas relações geométricas na Casa de Câmara e

Cadeia do Brejo da Madre de Deus, considerando o provável nível do piso original,

baseado nas informações do artigo Casas de Residência no Brasil, de Gilberto Freyre.

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Figura 5 – Planta Baixa do pavimento térreo. O bloco principal é composto por um retângulo áureo e dois quadrados de lados equivalentes à metade da dimensão maior do retângulo. A

extensão da construção anexa equivale ao rebatimento do retângulo áureo.

Figura 6 – Os ambientes internos do bloco principal também são dimensionados pelas

proporções de retângulos áureos e quadrados.

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Figura 7 – Idem figura 6.

Em relação às formas das casas de câmara e cadeia, o pesquisador Paulo Thedim

Barreto cita que “predomina a forma do quadrado ou, então, a dos retângulos por ele

gerados”, e ainda que “o módulo geométrico é o quadrado, originando muitas vezes

‘retângulos dinâmicos’, isto é, retângulos de proporções irracionais”.

Retângulos dinâmicos são obtidos a partir de um círculo cujo centro situa-se em

um dos vértices de um quadrado, cuja diagonal é o raio do círculo. Com a mesma

lógica, obtém-se sucessivos retângulos dinâmicos, e suas proporções são

identificadas pelo cálculo da divisão do valor da medida da largura pela altura

desejada para o edifício. Assim, alguns edifícios possuem proporção √2, √3, √5, etc.

Figura 8 – A partir de um quadrado obtém-se retângulos dinâmicos. Neste caso, o segundo

retângulo delimita a largura do edifício. Dividindo a largura, 16,77m, pela altura, 9,68m, obtemos o valor 1,73, aproximadamente, o que equivale a √3. Portanto, podemos considerar

que a Casa de Câmara e Cadeia do Brejo é da proporção √3.

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Figura 9 – Considerando que a arquitetura clássica tinha como um dos princípios a relação com a proporção do corpo humano, e conseqüentemente a simetria, inserimos a figura do

homem vitruviano na fachada principal da Casa de Câmara e Cadeia do Brejo, e fomos contemplados pela relação de coincidências como: simetria; embasamento, localização das

janelas, etc.

Figura 10 – O círculo do homem vitruviano na dimensão da figura anterior.

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Figura 11 – A partir do círculo, traçamos circunscritamente um pentágono, elemento

fundamental nos traçados reguladores. Nesta figura, traçamos as mediatrizes, e interligamos os vértices para obter um pentagrama. Através de interseções entre estes elementos,

conferimos a localização e as dimensões das janelas e da porta.

Figura 12 – Linhas obtidas através de interseções dos elementos geométricos descritos

anteriormente.

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Figura 13 – A largura das janelas do pavimento superior é equivalente ao diâmetro de um círculo cuja medida é a metade da altura encontrada no estudo das relações geométricas

anterior.

O traçado das relações geométricas aqui demonstrado não coincide em

dimensões exatas com o edifício, porém são diferenças desprezíveis, principalmente

se considerarmos que este fato se deve às imperfeições no decorrer das obras de

construção. Seria difícil imaginar que todas essas relações geométricas tenham sido

mera coincidência.

Estas relações geométricas e a presença de elementos estilísticos e compositivos

formais nas fachadas (cercaduras, cimalhas, cunhais, etc.) alimentam a comprovação

da erudição do projeto original deste monumento, e conseqüentemente compõem um

conjunto de valores que se adicionam aos valores já conhecidos deste monumento

(histórico, político, artístico, social, etc.).

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Figura 14 – Cunhal e cimalhas.

Figura 15 – Cimalha do anexo e cunhal do bloco principal.

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Figura 16 – Base do cunhal.

Dois volumes justapostos compõem, atualmente, a Casa de Câmara e Cadeia do

Brejo da Madre de Deus, como se pode constatar in loco, cada um possuindo um

acesso independente.

As paredes externas do pavimento térreo medem 1,15m de espessura em média,

e as internas, também robustas, mas menos espessas, garantem solidez ao edifício e

caracterizam a necessidade de segurança para a função de cadeia.

A coberta do bloco principal se divide em quatro águas, de telhas cerâmicas do

tipo canal, sobre estrutura de madeira com tesouras do tipo canga-de-porco de linhas

alta e baixa, superdimensionadas. O piso do pavimento superior é de assoalho sobre

travejamento de madeira.

O bloco menor está subdividido em três ambientes, cada um com uma porta para a

fachada principal, existindo em todos uma subdivisão do espaço interno, duas das

quais “recentes”4. Em 1982, funcionavam neste bloco a delegacia e o Serviço de

Alistamento Militar.

4 Informação constante no Exame Técnico da FUNDARPE para o Processo de Tombamento do Sítio Histórico do Brejo da Madre de Deus, sem mencionar a data de construção de tais paredes. Portanto, não se tem noção do quão recentes elas são.

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Neste anexo, a cobertura é de duas águas com cumeeira paralela à fachada

principal, com telhas cerâmicas do tipo canal e ripamento sobre caibros roliços, terças

e frechais.

No Arquivo Público Estadual existem plantas de reforma de 1852 assinadas pelo

então Diretor de Repartição das Obras Públicas José Mamede Alves Ferreira, pelo

engenheiro francês Henrique Augusto Milet, que veio para o Brasil trabalhar na mesma

repartição a convite de Vauthier, e pelo engenheiro João Luis Victor Lieuthier.

Há também outra planta, porém não datada, mas provavelmente do início do

século XX, por disporem de caminhamentos de dutos de saneamento.

Figura 17 – Plantas de 1852. À esquerda, pavimento superior; à direita, pavimento térreo com

anexo. Acervo do Arquivo Público Estadual.

Figura 18 – Planta, não datada, com indicação dos dutos de saneamento.

Acervo do Arquivo Público Estadual.

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Analisando e confrontando a Casa de Câmara e Cadeia do Brejo com o partido

arquitetônico típico desta categoria de edifício, pudemos especular que a construção

anexa não parece ter sido concebida na fase inicial de projeto, embora na planta de

1852 o anexo esteja representado. Além disso, a arquitetura produzida no Brasil no

século XIX primava pelo resgate da arquitetura clássica renascentista,

conseqüentemente tinha como uma das diretrizes projetuais a simetria. Este anexo

contradiz e “quebra” esta intenção. É possível que tenha sido construído no momento

da obra do bloco principal, ou poucos anos após, porém antes da data da referida

planta.

Também através de confrontação das plantas antigas com a situação atual,

percebe-se que as três janelas do pavimento térreo, correspondentes à cela maior, da

fachada lateral, não fizeram parte da concepção do projeto original, visto que não

estão representadas na planta de 1852. Provavelmente foram abertas no início do

século XX.

Figura 19 – Possível configuração do projeto original.

Figura 20 – Possivelmente durante as obras de construção, ou pouco tempo depois,

executaram o anexo.

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Figura 21 – Plantas de 1852 assinadas por José Mamede Alves Ferreira, Henrique Augusto

Milet e João Luis Victor Lieuthier. Notar novos compartimentos no pavimento superior.

Figura 22 – Plantas não datadas, mas pela indicação dos dutos de saneamento é possível crer que datam do início do século XX. Notar fechamento de vão no anexo (térreo) e sob a escada;

acréscimo de parede no hall de entrada, interferindo na leitura do arco de acesso à escada; abertura de vãos na fachada lateral (janelas); no pavimento superior o deslocamento de uma

parede, e abertura de vão próximo à escada.

Figura 23 – Situação atual. Notar nova configuração do anexo, com acréscimo de área,

inclusão de banheiro sob a escada, e beliches de concreto na cela maior.

Maria do Socorro Marinho A. de Carvalho, defensora do patrimônio brejense, em

carta de 28 de janeiro de 1980, endereçada a Francisco Bandeira, então secretário de

Cultura e Turismo do Estado, afirma que, na época, a Casa de Câmara e Cadeia do

Brejo havia sido submetida à algumas “remodelações” envolvendo a muralha, a

escadaria5 e a demolição de uma guarita.

5 Provavelmente trata-se da mesma escadaria externa descrita por Gilberto Freyre.

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A cadeia pública funcionou até a década de 90 neste edifício, mas com o passar

dos anos a construção perdeu sua função primitiva por não atender mais à demanda

da cidade, ficando abandonado por alguns anos.

A Casa de Câmara e Cadeia do Brejo é o edifício mais expressivo na arquitetura

da cidade, pelo seu porte imponente, destacando-se na ambiência que o cerca; um

marco referencial da localidade.

Merece especial atenção o registro da participação conjunta na construção da

Casa de Câmara e Cadeia do Brejo, de dois profissionais expoentes da arquitetura do

século XIX em Pernambuco: Louis Léger Vauthier e José Mamede Alves Ferreira.

O monumento é despojado, com cimalha “suportada” por cunhais de cantaria. O

desejo de centralidade, bastante difundido nos tratados renascentistas de arquitetura,

é garantido pela simetria das fachadas, através da disposição das aberturas.

Toda a composição arquitetônica, interna e externa, é desprovida de

ornamentações – painéis de azulejos, pinturas artísticas, alfaias etc. – apresentando

apenas elementos formais essenciais do vocabulário arquitetônico erudito, cujo

principal atributo é a simplicidade e a clareza da concepção estrutural e estética.

Nas fachadas, é possível perceber a sutileza no tratamento dos pavimentos: as

esquadrias do pavimento térreo, retangulares, de fichas de madeira maciça

internamente, e grades de ferro externamente, simbolizando robustez, solidez; e no

pavimento superior, esquadrias em arco batido, com mecanismo tipo guilhotina e

esquadria de segurança internamente, com verticalidade acentuada, simbolizando

delicadeza.

O partido de planta é conciso, com percursos diretos, dotado de articulações

racionais.

A composição espacial interna não possui caráter rebuscado, nem apelo pela

opulência. A rusticidade dos materiais empregados na construção e nos detalhes

construtivos, o despojamento e a opacidade de seu tratamento estético, e a retidão de

seu traçado, criam uma atmosfera interna dotada de sobriedade e serenidade, cuja

essência se atribui a uma comovente simplicidade.

Possivelmente, esta simplicidade seja resultado da comum escassez de recursos

das vilas do interior do estado nos séculos passados, mas não macula os notórios

valores do monumento.

Por fim, por todas as observações relatadas neste trabalho, a Casa de Câmara e

Cadeia do Brejo da Madre de Deus é um exemplar arquitetônico de distinta

rusticidade, ao mesmo tempo delicadeza, concisão e, principalmente, simplicidade.

Talvez, a palavra simplicidade seja, de fato, uma síntese oportuna e adequada

para suas modestas proporções e singeleza estética.

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A região, de notória modéstia, requer um planejamento cauteloso para se

consolidar e se desenvolver, promovendo a preservação do patrimônio local com

atividades culturais e de turismo, para as presentes e futuras gerações.

Recife, Março de 2008 _______________________________

Marina Russell

Arq. CREA 32861-D/PE

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Pedro Valadares

Arq. CREA 38471-D/PE