Casa de Pensão

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Casa de Pensão A obra Narrado em terceira pessoa do singular, Casa de Pensão inicia com a chegada do jovem maranhense Amancio ao Rio De Janeiro, que para ali se muda no intuito de estudar medicina na Corte. Chegando à cidade , Amâncio procura o Sr. Luís Campos, comerciante, amigo de seu pai , que lhe oferece pouso no interior. O Sr. Campos era casado com D. Maria Hortênsia, que não se mostra muito a vontade com a chegada do menino à sua casa, mas que acaba aceitando a decisão do marido. Embora fosse mais econômico, Amâncio não se mostra muito satisfeito com o fato de se hospedar na casa da família, pois ele fora para a Capital com o sonho de também viver a noite, as mulheres, de viver plenamente os seus 15 anos. Sobre a trajetória de Amâncio, ele apanhava do pai na infância e tinha uma aparência frágil. Na escola, ele parecia soltar todos a repressão de casa. Até que um dia ele bate num menino. O seu professor bate em Amâncio, em contrapartida, e ainda diz para o menino que apanhara também bater no seu algoz. Amâncio não aceita a vingança e discute com o professor, dando-lhe uma bofetada. Além de apanhar na escola, ao chegar em casa, ele também apanha do pai. Este acontecimento faz com que Amâncio se torne medroso, apesar das carícias, cuidados e proteção da mãe, D. Ângela (ou talvez por isso mesmo). Então, no Rio de Janeiro , Amâncio sentia-se só, até encontrar um colega (nem tão íntimo) do Maranhão , Paiva Rocha. Eles se encontram na rua, e Amâncio o convida para almoçar. No caminho do Hotel dos príncipes , os dois encontram dois amigos de Paiva Rocha, Salustiano Simões e João Coqueiro. Os quatro vão almoçar. Amâncio mostra-se maravilhado com a vida na Corte, com o almoço, com o cardápio em francês . E não economiza neste primeiro almoço, pagando a conta para todos. João Coqueiro, ao fim da refeição, convida Amâncio para visitá-lo. Entretanto, ele é levado, já bêbado , por Paiva Rocha (que também lhe pede dinheiro) para a sua república, onde Amâncio vomita e passa

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Casa de PensãoA obra

Narrado em terceira pessoa do singular, Casa de Pensão inicia com a chegada do jovem maranhense Amancio ao Rio De Janeiro, que para ali se muda no intuito de estudar medicina na Corte. Chegando à cidade, Amâncio procura o Sr. Luís Campos, comerciante, amigo de seu pai, que lhe oferece pouso no interior. O Sr. Campos era casado com D. Maria Hortênsia, que não se mostra muito a vontade com a chegada do menino à sua casa, mas que acaba aceitando a decisão do marido. Embora fosse mais econômico, Amâncio não se mostra muito satisfeito com o fato de se hospedar na casa da família, pois ele fora para a Capital com o sonho de também viver a noite, as mulheres, de viver plenamente os seus 15 anos.

Sobre a trajetória de Amâncio, ele apanhava do pai na infância e tinha uma aparência frágil. Na escola, ele parecia soltar todos a repressão de casa. Até que um dia ele bate num menino. O seu professor bate em Amâncio, em contrapartida, e ainda diz para o menino que apanhara também bater no seu algoz. Amâncio não aceita a vingança e discute com o professor, dando-lhe uma bofetada. Além de apanhar na escola, ao chegar em casa, ele também apanha do pai. Este acontecimento faz com que Amâncio se torne medroso, apesar das carícias, cuidados e proteção da mãe, D. Ângela (ou talvez por isso mesmo).

Então, no Rio de Janeiro, Amâncio sentia-se só, até encontrar um colega (nem tão íntimo) do Maranhão, Paiva Rocha. Eles se encontram na rua, e Amâncio o convida para almoçar. No caminho do Hotel dos príncipes, os dois encontram dois amigos de Paiva Rocha, Salustiano Simões e João Coqueiro. Os quatro vão almoçar. Amâncio mostra-se maravilhado com a vida na Corte, com o almoço, com o cardápio em francês. E não economiza neste primeiro almoço, pagando a conta para todos. João Coqueiro, ao fim da refeição, convida Amâncio para visitá-lo. Entretanto, ele é levado, já bêbado, por Paiva Rocha (que também lhe pede dinheiro) para a sua república, onde Amâncio vomita e passa a noite. No dia seguinte, o ambiente degradado marca o jovem maranhense. Ao sair ele encontra uma empregada e tenta agarrá-la, sendo repelido.

Amâncio mostra-se confuso, pois não queria permanecer na prisão da casa de Campos, mas como sentia-se atraído por D. Hortênsia, pensava em ficar por lá. Amâncio, ao chegar na casa da família, encontra uma carta de João Coqueiro, convidando-o a visitá-lo. Ele vai.

João Coqueiro era filho de uma rica senhora que se casara com um homem devasso e desregrado, que batia em João Coqueiro, fazia-o comer e até mesmo beber, para torná-lo homem de verdade (!). Com a morte do pai, a mãe abre uma casa de pensão, mas ela também morre em seguida. João Coqueiro e Amélia, sua irmã, vão morar, então, com uma amiga da família, Madame Brizard, mulher de 50 anos. Com a convivência, João Coqueiro e Mme. Brizard decidem se casar e reabrir a casa de pensão que fora da mãe do moço.

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João Coqueiro, após conhecer Amâncio, comenta com a esposa que possivelmente encontrara um marido para a irmã, já com 23 anos. A menina, informada por Mme. Brizard, concorda com a possibilidade.

Assim, Amâncio vai à casa de João Coqueiro. Lá, ele conhece a família, mais os filhos de Mme. Brizard, o menino César e Nini, mulher com problemas mentais; e os moradores da pensão, tendo destaque o casal Lúcia e Pereira. João Coqueiro mostra as vantagens de viver ali: comida, lanches, carinho. Amâncio decide aceitar a oferta e, já naquela noite, dorme ali. Ao acordar, ele agarra o braço de uma menina que trabalhava ali. Enquanto isso, Mme. Brizard combinava a estratégia de Amélia: ela tinha que parecer tímida ao rapaz.

Desconfia de todo aquele que se arreceia da verdade.Seriam onze horas da manhã.O Campos, segundo o costume, acabava de descer do almoço e, a pena atrás da orelha, o lenço por dentro do colarinho, dispunha-se a prosseguir no trabalho interrompido pouco antes. Entrou no seu escritório e foi sentar-se à secretária.Defronte dele, com uma gravidade oficial, empilhavam-se grandes livros de escrituração mercantil. Ao lado, uma prensa de copiar, um copo d água, sujo de pó, e um pincel chato; mais adiante, sobre um mocho de madeira preta, muito alto, via-se o Diário deitado de costas e aberto de par em par. Tratava-se de fazer a correspondência para o Norte. Mal, porém, dava começo a uma nova carta, lançando cuidadosamente no papel a sua bonita letra, desenhada e grande, quando foi interrompido por um rapaz, que da porta do escritório lhe perguntou se podia falar com o Sr. Luís Batista de Campos.- Tenha a bondade de entrar, disse este.O rapaz aproximou-se das grades de cedro polido, que o separavam do comerciante. (...)

— Casa de Pensão - 1884

Já na pensão, Amâncio também se torna um alvo de Lúcia, que também começava a pensar em seduzir o rapaz, visto que o ele tinha dinheiro e ela não sentia absolutamente nada por seu marido, Pereira. Com a convivência na pensão, Amâncio acaba se tornando relapso nos estudos e sentindo-se culpado por isso. Mas Amâncio cai doente: bexiga (varíola). Os hóspedes ficam com medo e começam a deixar a pensão, mas Lúcia mostra-se amiga do convalescente, para desespero de João Coqueiro e da esposa, que vêem nela uma concorrente à fortuna. Pensando em se livrar de Lúcia, o casal cobra o dinheiro devido, mas ela consegue com Amâncio a quantia solicitada. Amâncio quer transar com Lúcia, mas ela diz que só o faria se ele a tirasse de seu marido e a assumisse. Apesar de saldar a conta, Lúcia e seu marido saem da casa, após ela alertar Amâncio sobre a possível exploração que João Coqueiro planejava.

Neste ínterim, também Amélia cuida de Amâncio, mas a pensão começa a perder seus hóspedes devido à doença de Amâncio, e este começa a sustentar a casa. E quando ele pensa em sair da casa, Amélia diz amá-lo. Em função de sua doença, Amâncio acaba indo para Santa Teresa, com a sua nova família, é claro. Lá, ele passa a ter uma vida de homem casado com Amélia, com a conivência de João Coqueiro, que fingia não ver o que se passava. Este sentimento aumenta quando Amâncio perde seu pai e herda sua parte da herança. Aproveitando-se na ocasião, Amélia pede uma casa a Amâncio, que

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reluta, mas cede. Por esta época, Amâncio é aprovado nos testes do primeiro ano da faculdade, e numa festa em comemoração do fato, ele tenta agarrar D. Hortênsia, mas esta recua.

Como Amâncio não havia ainda visitado a mãe, D. Ângela lhe escreve, pedindo uma visita, mas Amélia se impõe e não o deixa partir, dizendo que ela poderia ir junto, após o casamento. Amâncio recua, a vida de homem casado o oprime. Por esta época, Amâncio escreve uma carta se declarando a D. Hortênsia, mas Amélia a encontra e mostra ao seu irmão. Durante uma discussão sobre a viagem, Amâncio chama a família de filantes e pensa em partir sem comunicá-los. Entretanto, João Coqueiro já havia se preparado para isto.

Certo dia, quando Amâncio partiria para o Maranhão, já no cais, ele é detido pela polícia, acusado por João Coqueiro de ter violentado sua irmã. Com o fato, o Sr. Campos pensa em defendê-lo, mas desiste ao receber a carta que Amâncio escrevera para sua esposa.

Apesar das testemunhas falsas, Amâncio é absolvido do crime. João Coqueiro, então, passa a ser chacoteado por estudantes, que o acusavam de exploração, de viver na casa que de Amâncio. Desesperado com a pressão de Mme. Brizard e humilhado com a situação, João Coqueiro procura Amâncio num quarto de hotel e o mata. Ironicamente, aqueles que apoiavam Amâncio durante o processo, automaticamente passam a simpatizar com a ação de João Coqueiro.

O romance acaba com a chegada de D. Ângela ao Rio de Janeiro e a descoberta por parte desta da morte de seu filho.

[editar] Observações importantes

Casa de Pensão é uma espécie de narrativa intermediária entre o romance de personagem(O Mulato) e o romance de espaço (O Cortiço). Como em O Mulato, todas as ações ainda estão vinculadas à trajetória do herói, nesse caso, Amâncio de Vasconcelos. Mas, como em O Cortiço, a conquista, ordenação e manutenção de um espaço é que impulsiona, motiva e ordena a ação. Espaço e personagem lutam, lado a lado, para evitar a degradação.

O romance foi inspirado em um caso verídico, a Questão Capistrano, crime que sensibilizou o Rio de Janeiro em 1876/77, envolvendo dois estudantes, em situação muito próxima à da narração de Aluísio de Azevedo.

As teses Naturalismo|naturalistas, especialmente o Determinismo, alicerçam a construção das personagens e das tramas.

[editar] Personagens

*Amâncio: preguiçoso jovem, que não gostava de estudar e sim apenas de festas e badalações;

*Campos: marido de Hortênsia, descobre depois o relacionamento de Amâncio com sua mulher e fica contra ele (sempre esteve do lado de Amâncio);

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*Hortênsia: mulher de Campos, sofre assédio de Amâncio;

*João Coqueiro: dono da pensão, quer que Amâncio se case com Amélia;

*Amélia: irmã de João Coqueiro;

*Mme. Brizard: esposa de João Coqueiro, apóia o romance de Amélia com Amâncio;

*Lúcia e Pereira: hóspedes da casa de pensão; Lúcia também é uma das pessoas que querem tomar o dinheiro de Amâncio, e Pereira é seu marido, que não faz nada na vida;

*Paiva e Simões: "amigos" de Amâncio que só se interessam por seu dinheiro.

Análise da obra

A obra foi baseada num fato real: a Questão Capistrano, crime que sensibilizou o Rio de Janeiro em 1876/77, envolvendo dois estudantes, em situação muito próxima à da narração de Aluísio Azevedo. Neste livro, o autor estuda as influências da sociedade sobre o indivíduo sem qualquer idealização romântica, retratando rigorosamente a realidade social trazendo para a literatura um Brasil até então ignorada.

Autor fiel à tendência naturalista difundida pelo realismo, Aluísio Azevedo focaliza, nesta obra, problemas como preconceitos de classe, de raças, a miséria e as injustiças sociais. Descreve a vida nas pensões chamadas familiares, onde se hospedavam jovens que vinham do interior para estudar na capital. Diferente do romantismo, o naturalismo enfatiza o lado patológico do ser humano, as perversões dos desejos e o comporta-mento das pessoas influenciado pelo meio em que vivem.

Casa de Pensão é uma espécie de narrativa intermediária entre o romance de personagem (O Mulato) e o romance de espaço (O Cortiço). Como em O Mulato, todas as ações ainda estão vinculadas à trajetória do herói, nesse caso, Amâncio de Vasconcelos. Mas, como em O Cortiço, a conquista, ordenação e manutenção de um espaço é que impulsiona, motiva e ordena a ação. Espaço e personagem lutam, lado a lado, para evitar a degradação.

As teses naturalistas, especialmente o Determinismo, alicerçam a construção das personagens e das tramas.

Romance naturalista de 1884, em que o autor, de carreira diplomática bastante acidentada, move personagens que se coadunam perfeitamente com a análise dos críticos de que seus tipos são, via de regra, grosseiros, não se distinguem pela sutileza da compreensão, nem pela frescura dos sentimentos. São eixos de relações da estrutura da presente narrativa a Província - Maranhão, a Corte - Rio de Janeiro, a casa paterna e a casa de pensão.

Estilo

O naturalismo está plenamente representado em Casa de Pensão desde a abertura do

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romance, quando Amâncio aparece marcado fatalisticamente pela escola e pela família: uma e outra o encheram de revolta. Por causa de um castigo justo ou injusto, "todo o sentimento de justiça e da honra que Amâncio possuía, transformou-se em ódio sistemático pelos seus semelhantes...". O leite que o menino mamou na ama negra também está contagiado e irá marcá-lo. O médico dizia: "Esta mulher tem reuma no sangue e o menino pode vir a sofrer para o futuro."  Amâncio é uma cobaia, um campo de experimentação nas mãos do romancista. Nele o fisiológico é muito mais forte do que o psicológico. É o determinismo que vai acompanhar toda a carreira do personagem.

Está presente também na obra o sentido documental e experimental do romance naturalista, renunciando ao sentimentalismo e à evasão, procura construir tudo sobre a realidade. Como já mencionado, a estória do romance se baseia num caso real.

Linguagem

Uma técnica comum ao escritor naturalista é o abuso dos pormenores descritivo-narrativos de tal modo que a estória caminha devagar, lerda e até monótona. É a necessidade de ajuntar detalhes para se dar ao leitor uma impressão segura de que tudo é pura realidade. Essas minúcias se estendem a episódios, a personagens e a ambientes. Num episódio, por exemplo, há minúcias de tempo, local e personagens. E móveis de uma sala até os objetos mais miúdos.

Não se pode dizer que a linguagem do romance é regionalista; pelo contrário, o padrão da língua usada é geral e o torneio frasal, a estrutura morfo-sintática é completamente fiel aos padrões da velha gramática portuguesa.

Como Machado de Assis, Aluísio Azevedo também usa alguns recursos desconhecidos da língua portuguesa do Brasil, principalmente na língua oral. Assim, por exemplo, o caso da apossínclise (é uma posição especial do pronome oblíquo que não escutamos no Brasil, mas é comum até na língua popular de Portugal). São exemplos de apossínclise: "Há anos que me não encontro com o amigo." (Há anos que não me...) "Se me não engano, você está certo." Em Casa de Pensão essa posição pronominal é um hábito comum.

Foco narrativo

O autor escolheu o seu ponto-de-vista narrativo: a terceira pessoa do singular, um narrador onisciente e onipotente, fora do elenco dos personagens. Como um observador atento e minucioso dentro das próprias fórmulas apertadas do naturalismo. No caso deste romance, Aluísio Azevedo trabalhou muito servilmente sobre os fatos absolutamente reais.

Temática

Como em O Cortiço, Aluísio de Azevedo se torna excepcionalmente rico na criação de personagens coletivos: a casa de pensão, tão comum ainda hoje, no Brasil inteiro, tem vida, uma vida estudante, nas páginas do romance. Aluísio conhecia, de experiência própria, esse ambiente feito de tantos quartos e tantos inquilinos, tão numerosos e tão diferentes, nivelados pela mediocridade e em fácil decadência moral. O autor faz alguns

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retratos com evidentes traços caricaturais (a sua velha mania ou vocação para a caricatura...), mas fiéis e verdadeiros. Tudo se movimenta diante do leitor: a casa de pensão é um mundo diferente, gente e coisas tomam aspectos novos, as pessoas adquirem outros hábitos, informadas ou deformadas por essa vida comunitária tão promíscua. Aí se encontram e se desencontram, se amontoam e se separam tantos indivíduos transformados em tipos, conhecidos, às vezes, apenas pelo número do quarto. Em O Cortiço o meio social é mais baixo; na Casa de Pensão é médio.

Às doenças morais (promiscuidades, hipocrisia, desonestidades, sensualismos excitados e excitantes, ódios, baixos interesses, dinheiro...) se misturam também doenças físicas (o tuberculoso do quarto 7 que morre na casa de pensão, a loucura e histerismo de Nini...). Foi o que encontrou Amâncio na Casa de Pensão de Mme. Brizard. Fora para o Rio de Janeiro, para estudar. E, num ambiente como esse, quem seria capaz de estudar? É verdade que o rapaz já trazia a sua mentalidade burguesa do tempo: o que ele buscava não era uma profissão, mas apenas um diploma e um título de doutor. Ele, sendo rico, não precisaria da profissão, mas, por vaidade, de um status, de um anel no dedo e de um diploma na parede. Essa mania de doutor, doença que pegou no Brasil, já foi magistralmente caricaturada em deliciosa carta de Eça de Queirós ao nosso Eduardo Prado: "A nação inteira se doutorou. Do norte ao sul do Brasil, não há, não encontrei senão doutores! Doutores com toda a sorte de insígnias, em toda a sorte de funções!! Doutores com uma espada, comandando soldados; doutores com uma carteira, fundando bancos: doutores com uma sonda, capitaneando navios; doutores com uma apito, comandando a polícia; doutores com uma lira, soltando carnes; doutores com um prumo, construindo edifícios; doutores com balanças, ministrando drogas; doutores sem coisa alguma, governando o Estado! Todos doutores..." O próprio Aluísio de Azevedo abandonou a Província para buscar sucessos na Corte (Rio de Janeiro) e, certamente também, um título de doutor...

Personagens

Os personagens, sob nomes fictícios, escondem pessoas reais:

Amâncio da Silva Bastos e Vasconcelos - (João Capistrano da Silva) estudante, acusado de sedução. Foi absolvido.

Amélia ou Amelita - (Júlia Pereira) a moça seduzida, pivô da tragédia.

Mme. Brizard - (D. Júlia Clara Pereira, mãe da moça e do rapaz, assassino) é uma viúva, dona da casa de pensão: 

João Coqueiro - Janjão - (Antônio Alexandre Pereira, irmão da moça Júlia Pereira e assassino de João Capistrano. Foi também absolvido).

Dr. Teles de Moura - (Dr. Jansen de Castro Júnior) advogado da família da moça.

Enredo

Amâncio (Da Silva Bastos e Vasconcelos), rapaz rico e provinciano, abandona o Maranhão e segue de navio para o Rio de Janeiro (a Corte) a fim de se encaminhar nos estudos e na vida. É um provinciano que sonha com os deslumbramentos da Corte.

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Chega cheio de ilusões e vazio de propósitos de estudar... A mãe fica chorosa e o pai, indiferente, como sempre fora no trato meio distante com o filho. O rapaz tinha que se tornar um homem.

Amâncio começa morando em casa do sr. Campos, amigo do Pai, e, forçado, se matricula na Escola de Medicina. Ia começar agora uma vida livre para compensar o tempo em que viveu escravizado às imposições do pai e do professor, o implacável Pires.

Por convite de João Coqueiro, co-proprietário de uma casa de pensão, junto com a sua velhusca mulher Mme. Brizard, muda-se para lá. É tratado com as maiores preferências: os donos da pensão queriam aproveitar o máximo de seu dinheiro e ainda arranjar o seu casamento com Amélia, irmã de Coqueiro. Um sujo jogo de baixo interesses, sobretudo de dinheiro. Naquele ambiente, tudo concorreria para fazer explodir a super-sensualidade do maranhense.

"Ele, coitado, havia fatalmente de ser mau, covarde e traiçoeiro: Na ramificação de seu caráter e sensualidade era o galho único desenvolvido e enfolhado, porque de todos só esse podia crescer e medrar sem auxílios exteriores."

A casa de pensão era um amontoado de gente, em promiscuidade generalizada, apesar da hipócrita moralidade pregada pelo seu dono: havia miséria física e moral, clara e oculta. Com a chegada de Amâncio, a pensão passou a arapuca para prender nos seus laços o jovem, inesperto e rico estudante: pegar o seu dinheiro e casá-lo com a irmã do Coqueiro. Para alcançar o fim, todos os meios eram absolutamente lícitos. Amélia, principalmente quando da doença do rapaz, se desdobrou nos mais íntimos cuidados. Até que se tornou, disfarçadamente, sua amante. Sempre mantendo as aparências do maior respeito exigido dentro da pensão pelo João Coqueiro...

O pai de Amâncio morre no Maranhão. A mãe chama o filho. Ele pretendo voltar, logo que terminarem os seus exames de medicina. Era preciso que o filho voltasse para vê-la e ver os negócios que o pai deixara. Mas o rapaz está preso à casa de pensão e a Amélia: este o ameaça e só permite sua ida ao Maranhão, depois do casamento. Amâncio prepara sua viagem às escondidas. Mas, no dia do embarque, um oficial e justiça acompanhado de policiais o prende para apresentação à delegacia e prestação de depoimentos. Amâncio é acusado de sedutor da moça. João Coqueiro prepara tudo: o caso foi entregue ao famigerado e chicanista Dr. Teles de Moura. Aparecem duas testemunhas contra o rapaz. Começa o enredado processo: uma confusão de mentiras, de fingimentos, de maucaratismo contra o jovem rico e desfrutável para os interesses pecuniários de Mme. Brizard e marido. Há uma ressonância geral na imprensa e, na maioria, os estudantes se colocam ao lado de Amâncio. O senhor Campos prepara-se para ajudar o seu protegido, mas Coqueiro lhe faz chegar às mãos uma carta comprometedora que Amâncio escrevera à sua senhora, D. Hortênsia. E se coloca contra quem não soube respeitar nem a sua casa...

Três meses depois de iniciado o processo, Amâncio é absolvido. O rapaz é levado em triunfo para um almoço, no Hotel Paris.

"Amâncio passava de braço a braço, afagado, beijado, querido, como uma mulher famosa." Todo mundo olhava com curiosidade e admiração o estudante absolvido. E lhe

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atiravam flores, Ouviam-se vivas ao estudante e à Liberdade. Os músicos alemães tocaram a Marselhesa. Parecia um carnaval carioca.

Em outro plano, Coqueiro, sozinho, vendo e ouvindo tudo. A alma envenenada de raiva. Em casa o destampatório da mulher que o acusava de todo o fracasso. As testemunhas reclamavam o pagamento do seu depoimento. Um inferno dentro e fora dele. Chegaram cartas anônimas com as maiores ofensas. Um homem acuado...

Pegou, na gaveta, o revólver do pai. E pensou em se matar. Carregou a arma. Acertou o cano no ouvido. Não teve coragem. Debaixo da sua janela, gritavam injúrias pela sua covardia e mau caráter... No dia seguinte, de manhã, saiu sinistro. Foi ao Hotel Paris. Bateu no quarto II, onde se encontrava o estudante com a rapariga Jeanete. Esta abriu a porta. Amâncio dormia, depois da festa e da bebedeira, de barriga para cima. Coqueiro atirou a queima-roupa. Amâncio passa a mão no peito, abre os olhos, não vê mais ninguém. Ainda diz uma palavra: "mamãe" ... e morre.

Coqueiro foi agarrado por um policial, ao fugir. A cidade se enche de comentários. Muitos visitam o necrotério para ver o cadáver de Amâncio. Vendem-se retratos do morto. Um funeral grandioso com a presença de políticos, notícias e necrológicos nos jornais, a cidade toda abalada. A tragédia tomou conta de todos.

A opinião pública começa a flutuar, a mudar de posição: afinal, João Coqueiro tinha lavado a honra da irmã...

Quando D. Ângela, envelhecida e enlutada, chega ao Rio de Janeiro, se viu no meio da confusão, procurando o filho. Numa vitrine, ela descobriu o retrato do filho "na mesa do necrotério, com o tronco nu, o corpo em sangue. Uma legenda: "Amâncio de Vasconcelos, assassinado por João Coqueiro, no Hotel Paris...