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Nesta Praia tem Tubarão casa show:
lazer e sociabilidade travesti no Litoral Norte da Paraíba1
Verônica Alcântara Guerra
Mestranda do Programa de Pós- graduação em Antropologia da UFPB.
Resumo
O presente trabalho apresenta os espaços de lazer e sociabilidade das travestis no
período do Verão na cidade da Baia da Traição, cercada por aldeias da etnia Potiguara.
A cidade com pouco mais de oito mil habitantes, nesta época do ano o contingente
populacional se expande em razão de sua utilização como espaço de férias e veraneio,
reencontro de famílias e as festividades locais. Nesse cenário destaca-se o “Tubarão
Casa Show”, uma das mais antigas casas de espetáculo da Paraíba em plena atividade há
mais de 45 anos. Na dinâmica do verão, o Tubarão torna-se protagonista e símbolo dos
festejos, um elemento de suma importância para este movimento de lazer das travestis e
dos demais frequentadores. A musicalidade torna-se também um agente significativo da
cidade no verão; ritmos como funk e forró eletrônico torna-se trilha sonora das
narrativas travestis sobre o lazer, mas também se converte em música ambiente para os
moradores da cidade tendo em vista o aumento do número de carros e visitantes de
outras cidades e regiões. As travestis atuam como agentes ativas nessa dinâmica,
inserindo-se e mobilizando atividades diversas nos seus trânsitos pela cidade.
Palavras- chave: Gênero; Travestilidade; Sociabilidade
Abstract
This paper presents the leisure spaces and sociability of transvestites during the summer
in the city of Baia da Traição , surrounded by villages of ethnic Potiguara . The city
with just over eight thousand inhabitants , this time of year the population quota
expands due to their use as space rental and vacation , reunion of families and local
festivities . In this scenario highlights the "Tubarão Casa Show" , one of the oldest
playhouses of Paraíba in full swing for over 45 years. The dynamics of summer, the
Tubarão becomes the protagonist and symbol of the festivities , an element of
paramount importance to this leisure movement of the transvestites and other regulars .
The music also becomes a significant agent of the city in the summer ; rhythms such as
funk and electronic forró becomes soundtrack transvestite narratives about leisure , but
also becomes background music for the residents of the city in view of the increasing
number of cars and visitors from other cities and regions . Transvestites act as active
agents in this dynamic, inserting themself and mobilizing a lot of activities in their
transits through the city.
Keywords: Gender ; Travestilidade ; sociability
1 Trabalho apresentado na 29ª. Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de
Agosto de 2014, Natal/RN.
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1. Preâmbulo
Não é necessária uma observação minuciosa para perceber as mudanças
ocasionadas pela a chegada do verão na Baia da Traição. Basta caminhar num domingo
à tarde por alguns quilômetros da aldeia Akajutibiró até a Praça centra José Barbosa, e
perceber o fluxo de pessoas que deixam a cidade. Os nativos são facilmente
identificados, pois eles andam a pé, de bicicleta ou em motocicletas sem capacetes e
com excesso de passageiro, três, quatro e até cinto pessoas em uma moto. Já os turistas
que vêm de motocicleta e que deixam a cidade estão equipados com capacetes, luvas,
blusa de mangas cumpridas, algumas aparentemente de couro e calças jeans, as motos
variam entre 150 a 1.600 cilindradas, assim como os carros que vão do popular nacional
ao luxuoso importando, alguns carregam reboques com Jet esqui e motos apropriadas
para trilhas.
Há também os turistas que continuam na Baia da Traição, eles se fazem notar
pelos paredões de som, que se caracterizam pela alta potência na transmissão de som e
pelo tamanho das caixas, geralmente eles tomam todo o espaço do porta-malas de um
carro ret, ocupam metade do espaço da traseira das caminhonetas, ou são postos na
frente das casas, onde o grupo de familiares e amigos se concentra, ouvem forró e funk,
enquanto consomem bebidas alcoólicas. Este aparato também corresponde o poder
econômico dos que vem de fora, em alguns momentos cria uma tensão moral com os
moradores, especialmente no período de carnaval, a maior festa da região. Aqui,
quando falo em tensão moral refiro-me ao uso dado à cidade pelos que os vêm de fora:
aparelhos de som em alto volume, Jet esquis próximos a praia correndo o risco de
machucar os banhistas, e o aumento do trafego de veículos em alta velocidade, tanto nas
praias, quanto nas ruas, com motoristas embriagados que vez ou outra atropelam alguns
pedestres ou banhista, causando lesões leves e graves.
A Baia da Traição é um município localizado a cerca de 90 km da capital João
Pessoa, Litoral Norte paraibano, está cercada por lendas, praias e aldeias indígenas da
etnia Potiguara, tais como: Aldeia do Forte, São Miguele Akajutibiró2 - esta última
tendo em seu nome uma ligação etimológica e cosmológica com a “sodomia” (akaîu,
cajueiro + tebiró, sodomita, estéril) foi também um dos nomes que precederam Baia da
2 Aldeia foi instalada durante a gestão do ex-prefeito, o Potiguara, Marcos Santana eleito por dois
mandatos consecutivos, entre os anos 1996-2000 e 2000-2004.
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Traição3 até1962 (TOTA, 2012) ano em que a cidade se emancipou. Atualmente a Baia
tem cerca de oito mil habitantes segundo dados do IBGE, sendo que quase seis mil se
declaram indígenas Potiguara, formando o que uma nativa chama de: “Aldeia na
cidade”. Nesse contexto, a Baia se caracteriza como um dos municípios brasileiros com
maior presença indígena;todavia, como apresentamos ao longo do texto, a identidade
étnica não exerce uma influência expressiva nas práticas de lazer e sociabilidades das
travestis, mesmo que quando perguntadas sobre quem são, algumas dessas travestis se
posicionem e caracterizem enquanto Potiguara devido à relações de proximidade,
pertencimento territorial e de parentesco.
Nas práticas de lazer e sociabilidade os bofes – categoria pela qual as travestis se
referem aos homens mais másculos - exercem o papal de destaque, visto que as travestis
encaram o sexo como lazer; é através dos jogos sexuais onde se relaxa, como se
tivessem tirado um peso de seus corpos. Estas práticas muitas vezes ocorrem em becos,
praia e nos rios, algumas entendem que estes espaços são os motéis da cidade, onde a
circulação de travestis é comum.
Bárbara, Rhayka, Hillary, Mouhana e Mikaelly são travestis que podemos
encontrar com facilidade ao caminhar pelas ruas da cidade. Elas frequentam a praia,
rios, bares, casas de show, lanchonetes, salões de beleza e aos domingos podemos
encontrá-las no campo de futebol, frenéticas, torcendo por algum time e xingando o
juiz. Também há jogos que algumas das travestis participam como jogadoras de futebol.
Os esquemas- categoria êmica- são formas de negociar encontros sexuais e/ou
amorosos, sigilosos, com homens que se entendem como “machos”, mas que gostam de
estar com travestis. Em geral, estas negociações acontecem em momentos festivos,
brincadeiras que se convertem em relações sexuais, ou em fortuitos encontros na praça.
Há também momentos onde estes esquemas são dispensados, especialmente quando o
desejo por parte dos bofes é explicitados sem o uso de recados enviados por um amigo,
mensagens de texto, ligações telefônicas ou códigos de comunicação corporal.
2. “ATENÇÃO: Nesta praia tem Tubarão casa show”
Ao sair da minha casa para ir ao Tubarão, tenho que percorrer quase
toda a cidade e passar pelos principais pontos de concentração de
pessoas no “carrego”, ─termo usado entre turistas e nativos para
3 Como lembra Martinho Tota (2012), a história política da Baia da Traição é marcada por intensos fluxos
de interesse, processos de territorialização e influência que podem ser vistos nas sucessivas mudanças no
nome do território que hoje cabe ao município: Freguesia de São Miguel (1762), Distrinto de
Mamanguape (1840), Vila (1938) e Baia da Traição (1962).
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identificar pessoas reunidas, com som em alto volume e geralmente
fazendo uso de bebidas alcoólicas─. (...) Na frente de várias casas
localizadas nas principais ruas da cidade têm pessoas sentadas nas
calçadas, uns com paredões de som, outros com apenas simples caixas
transmissoras; as músicas geralmente são as que estão em evidência
no momento: forró, sertanejos universitários e o funk ostentação, com
letras alusivas ao consumo de luxo, a exemplos dos carros luxuosos
como o Camaro, Ferrari, Hilux, Lamborghini, Pajero, e bebidas
importadas como: Uísque, Tequila, Vodka Absolut, Champanhe e
outras.
Ao chegar na Praça central Jose Barbosa, que está sempre lotada em
dia de festa, fui surpreendida por um grito vindo do outro lado da rua,
um dos rapazes que estava junto a um dos paredões de som- gritou:
ANTROPÓLOGA; sofri um susto, e ao voltar meu olhar para o outro
lado da rua, vi que era um dos alunos do curso de Antropologia do
campus IV da UFPB-LN, localizada na cidade de Rio Tinto. Fui ao
seu encontro para cumprimentá-lo, ao chegar notei que ele e seus
amigos estavam bebendo uísque, bebida que destoa do clima quente
do litoral, mas que é muito comum entre os que têm condições de
adquiri-lo. Conversamos por alguns instantes, depois sai para outro
ponto da praça, que tinha várias rodinhas de jovens, também
consumindo bebidas alcoólicas, havia também casais, pais com filhos
no colo, crianças correndo e algumas pilotando motinhas elétricas,
tudo isso embalados por muito forró, brega e funk vindos dos paredões
de som. (Fragmentos do diário de campo, 04/01/2014)
O Tubarão casa show é uma das mais antigas casas de espetáculos da Paraíba,
com mais de 45 anos de funcionamento ininterrupto, no mesmo local e com o mesmo
proprietário até o momento. Na época em que o espaço foi construído, Laelson Padilha,
o seu dono, e alguns colegas que estudavam em João Pessoa sentiam falta de um lugar
para se reunirem na Baia da Traição, foi então que surgiu a ideia de fazerem uma
palhoça4 para uso exclusivo da “moçada” estudante. De início não havia casas por perto,
era rodeada de coqueiros e o mar à sua frente, a música era transmitido por um gravador
de rolo antigo e pequeno. Ao passar do tempo a frequência na palhoça começou a
aumentar, com certa resistência, já que aquele ambiente era para os estudantes, mas por
fim, resolveram abrir para outras pessoas participarem.
Padilha lembra que no mesmo tempo em que a bar para os estudantes foi
montado, havia um grande bar na cidade com o nome de Baleia, e em certa manhã
quando organizava o espaço para mais um encontro, parou um pescador na frente da
palhoça, se encostou do coqueiro, ficou olhando e perguntou-lhe. “Qual o nome desse
bar?” Ao responder que ainda não tinha nome, o pescador disse que ia passar a chamá-
4 Construção caracterizada pelo uso de madeira e palha de coco.
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lo de Tubarão e que ele ia “engolir aquela Baleia”, o bar que ficava do outro lado da
praia, onde hoje é apenas mar e areia, e não resta nenhuma lembrança material de sua
existência.
O bar para estudantes com o passar dos anos deu espaço ao uma casa de show,
suas paredes de madeira, agora são de tijolos, o telhado de palha de coco deu lugar a
uma moderna iluminação e o gravador de rolo foi substituído por potentes caixas de
som auxiliadas por um amplificador, e que transmitem músicas que fazem sucesso em
nível local e nacional- onde a presença da suingueira da Banda Grafith, do funk de MCs
e forró de várias bandas são marcantes- há noite de música ao vivo com bandas da
aldeia indígena, cidades vizinhas e da capital João Pessoa, há também noites animadas
por Djs da região. Cada trilha sonora dita um ritmo, quando passa forró os homens
tendem a chamar as mulheres para dançar, o que facilita a paqueira; já as travestis se
divertem mais quando toca funk ou suingueira, pois são músicas agitadas e elas se
jogam na pista de dança, demonstrando todo o seu gingado e performance corporal.
Para as travestis, “o Tubarão é de lei”, elas sempre marcam presença em suas
festas quando tem dinheiro para pagar a entrada, que variam entre 5 e 20 reais, sem
distinção de sexo, todos pagam para entrar, há noites que o ingresso é mais caro de
acordo com o potencial das bandas, se são amplamente conhecidas ou não, em algumas
sextas-feiras a entrada é franca, mas isto não é uma constância.
Durante as festas Barbara explica que: “Quando um macho fica na dúvida se eu
sou uma mulher ou travesti, eu dou uma de lésbica para ele vir até mim...” Talvez esta
técnica de paquera explique alguns beijinhos em uma mulher lésbica, as duas dançavam
forró e de vez em quando davam selinhos. Durante a festa alguns rapazes e moças
cumprimentavam Bárbara com beijos e abraços, e outros paravam para conhecê-la, ou
apresentá-la a um amigo.
Para travesti Rayka, que frequenta a casa de show desde os 15 anos, o Tubarão é
um lugar onde tudo acontece, e ao ir para uma festa sua intenção é de ficar com o um
boyzinho, - outro nome atribuído a rapazes másculos que se relacionam com as
travestis- e quando se interessa por algum rapaz, já marca e passa várias vezes na frente
dele para que a perceba, e se o rapaz notar, “ele vai me chamar para dançar, falar
comigo, perguntar meu nome... É assim... É só eu passar... Gosto de ser assim, quando
eu passo os homens desejam.” E quando o contato está negociado, eles saem para os
becos próximos a praia, e na melhor das hipóteses, se o rapaz tiver carro vão para dentro
dele.
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O Tubarão uma casa ampla, com jogos de luz modernos, dispões de cinco
camarotes e uma grande saída de emergência. Em seus banheiros, sobretudo, o feminino
não há restrições com a entrada de travestis, é comum entrar e vê-las arrumando o
cabelo na frente do espelho, retocando o batom e a maquiagem, enquanto conversam
com uma amiga. Este também é o ambiente de encontro e desencontro de travestis com
seus namorados, Rayka explica que ao entrar no Tubarão viu o seu ex-namorado:
Ele estava naquelas mesinhas de madeira logo na entrada... ai eu
passei e fiquei dançado... eu provoco mesmo, e ele ficou doido...
Ligando, ligando, sei que ele ligou umas 15 vezes... Ai depois eu
cansei do Tubarão, era Domingo também, já estava morgado...
01h00min já. Ai, vim embora e ele continuou ligando... Depois eu
atendi e disse: o que qui tu quê?- Ele disse: ‘Você sabe... Você’ (...)
Saímos pra conversar, entrei no carro dele, nos brigamos tanto, mais
tanto, que eu nunca vi uma coisa daquela, depois fizemos as pazes e
voltamos o namoro.
Os esquemas com os “boyzinhos, uma coisinha nova, bonitinha” e o jogo de
conquista que desemboca na praia e nos becos, também é outro atrativo que a casa de
show proporciona as travestis. Este cenário também faz parte das lembranças infantis de
Hillary, que desde criança já vestia roupas curtas e jamais usou “roupas de homem,” e
segue dizendo:
Antigamente no Tubarão tinha uma domingueira na parte da tarde,
era aberto e eu ia para lá... sempre fui banada... Era na época do
Gera Sampa e eu fica lá dançado na boquinha da garrafa. Minha mãe
ia me buscar, batia em mim, mas não adiantava, no outro Domingo eu
voltava de novo.
Mesmo com o passar do tempo o Tubarão continuou sendo palco de muitos
acontecimentos que envolvia a travesti: romances, brigas, encontro com os amigos, e
frequentes esquemas. Ela lembra que certa noite ao sair da casa de show: um bofe a
convidou para acompanhá-lo à praia, durante o percurso, sorrateiramente, a travesti
passou a mão na altura de seu pênis e “não senti grande coisa”, mas no instante que
chegaram a um lugar mais deserto da praia, ela pode notar o tamanho e espessura
avantajados do “pau do bofe”, disse que sentiu vontade de correr, mas se conteve, pois
ficou com medo do rapaz espalhar que ela não se garantia. Fugir dessa situação para a
travesti seria inviável, já que ela deixaria de ser “uma mulher com uma rola entre as
pernas.” Depois deste episódio, a travesti foge do rapaz, porque ele quase destruiu o seu
“útero”.
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A casa de show também foi palco do 1ª e do 2ª concurso de Miss Gay Regional,
que aconteceu em outubro de 2012, onde Hillary ganhadora do primeiro concurso fez o
desfile de abertura, e em seguida vieram Barbara, Rayka, Mouhana e Ramona Pink, esta
última foi a primeira travesti da aldeia Tracueira, e uma das mais velhas com 30 anos.
Durante o desfile não foram ditas, pelo público presente, palavras ofensivas às travestis
que desfilavam em uma passarela feita com pó de serragem. As candidatas
apresentaram-se duas vezes na passarela: traje típico e traje de noite. Rayka foi à
vencedora, Barbara ficou em segundo lugar, Mouhana em terceiro e Ramona Pink foi a
Miss Simpatia. Todas foram premiadas, e após o desfile a festa continuou com um DJ
que veio de João Pessoa, e que tocava músicas que variaram entre funk, forró e
eletrônicas, esta última quase nunca são tocadas.
Durante as festas que acontecem nas sextas, sábados e domingos, e
intensificadas no período do verão, basicamente com o mesmo estilo musical, podemos
encontrar pessoas de várias gerações, etnias, cores, gostos e sexualidades:
heterossexuais, travestis, “viados”, “bichas” e “chupa charque”─ este último é nome
dado pelas travestis e gays da cidade às mulheres que mantêm relações sexuais com
outras mulheres─ e mesmo que o Tubarão seja um espaço que reúne vários grupos em
uma aparente harmonia, o conflito entre eles são expressos através de discussões e
brigas, motivadas muitas vezes pelo uso de bebidas alcoólicas e ciúmes entre casais.
Vale ressaltar, que embora o Tubarão congregue pessoas gays, travestis e lésbicas, está
não é um espaço propriamente homossexual.
2.1.Do centro à aldeia em ritmo de festa
A praça central da Baia da Traição é um local que concentra as festas de rua em
comemoração ao fim do ano, aniversário da cidade e o carnaval, maior evento da região,
e que reúne em torno de 120 mil pessoas. Quando há festas no Tubarão, também é na
praça que as pessoas se reúnem primeiro, elas ficam nos quiosques que vendem
comidas e bebidas, ou em volta dos paredões de som iluminados com luz de led, que
quase sempre ocupam todo o espaço do porta-malas do automóvel.
Em dia de festa “tradicional”, nome dado a comemorações que já ocorrem há
vários anos, com datas pré-estabelecidas, cujos principais destaques são as festas de
santos padroeiros, culturas agrícolas da região (caju, camarão) e o dia do índio. São
atraídas para o Centro da cidade, tendas que comercializam objetos para ornamentar o
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corpo, tais como: brincos, pulseiras, colares e tatuagens feitas com renas, e até mesmo
equipamentos de parque de diversão, como: castelos infláveis para as crianças
escorregarem, tendas para tiros ao alvo com espingardas de chumbinho e jogos de azar.
Entretanto, quando estas festas ocorrem em aldeias vizinhas da cidade, o que
vemos é um deslocamento do centro para a aldeia. Na Festa do caju, comemorada há
vários anos na aldeia Vila São Miguel, cuja fronteira com a cidade é o estreito rio
Sinimbu, o Centro se move e transgride o limite territorial; esta comemoração atrai
pessoas de várias partes do mundo, além de uma vasta quantidade de homens, mulheres
e travestis, havia também estrangeiros (franceses e portugueses) dançando ao som da
suingueira da Banda Grafith, de Natal (RN).
As atrações musicais se apresentaram em um espaço fechado que dispõe de
grande palco. Nos arredores da área fechada, reservada para festa, podia-se observar um
grupo de quatro travestis vindas da aldeia Caeira, Salema, distrito de Rio Tinto, e duas
delas vieram de Araçagi, cidade famosa pela presença expressiva de travestis. Apenas
uma estava acompanhada pelo marido, que se posicionava a margem do grupo,
aproximando-se da companheira apenas ao entrarem no espaço reservado para festa, lá
eles ficaram abraçados formando uma espécie de conchinha, ele a segurava por trás, e
apenas se soltavam quando a travesti ia dança suingueira, ou para ir ao banheiro
acompanhado pelas amigas.
Havia em torno de onze travestis na festa da aldeia, mas apenas quatro estavam
reunidas formando um grupo que ficou próximo a entrada do clube sob uma grande
tenda branca. Imagino que este seja um local estratégico, pois elas viam e eram vistas
por quem chegava. As demais travestis estavam acompanhadas por seus amigos gays,
ou com amigos de infância que não são homossexuais. De longe, observei que elas
dançavam e conversavam entre si em aparente tranquilidade.
Do outro lado do clube, Bárbara estava na mesa de suas amigas de infância e
dois lusitanos que havia conhecido há poucos dias, em especial Pedro, cuja irmã é
casada com um francês e tem uma pousada na cidade de frente para o mar. A travesti se
movia de maneira sensual acompanhando o ritmo das músicas, que estavam cheias de
mensagens sexuais: “... É impar, é par, é impar, é par! Se der impar você chupa, se der
par você me dá...” Havia também Mouhana e Rayka, a primeira estava em uma mesa
acompanhada com duas pessoas. Rayka estava na companhia de uma “chupa charque”,
e por uma razão que não sabia explicar, sentiu-se mal e logo saiu para os esquemas com
os “boyzinhos” na ruína da igreja São Miguel.
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2.2.Carnaval: ponto auge do Verão
Ao falar sobre o carnaval como rito e como mito, o antropólogo Roberto da
Mat. (1997, p. 39) argumenta que é, “sobretudo no ritual coletivo, que a sociedade pode
ter (e efetivamente tem) uma visão alternativa de si mesma. Pois é aí que ela sai de si
mesma e ganha um terreno ambíguo, onde não fica nem como é normalmente, nem
como poderia ser, já que o cerimonial é por definição um estado passageiro”. E para o
autor há duas formas de apreensão dos rituais, o primeiro ocorre em “seu momento de
chegada,” e desse momento até chagar ou fim, isso é: o seu momento de passagem,
visto que o fim é marcado com o retorno para a residência, "onde espera pela rotina do
cotidiano com as esperanças renovadas ou com o medo das penalidades que a 'realidade
da vida' nos apontará." (ibidem).
No período do carnaval a cidade da Baia da Traição é mais procurada da região,
assim, as práticas rotineiras dão lugar aos paredões de som de vários tipos: pequenos,
médios e grandes, com os quais a realidade social é reinventada. Em 2014 os números
de visitantes, entre turistas e veranistas, fez com que a Baia da Traição ficasse em 2º
lugar no ranking das cidades mais procuradas da Paraíba, com cerca de 120 mil
pessoas5 que ocupavam as casas de veraneio, imóveis alugados e as pousadas, isso
ocorre não apenas por causa das lindas praias propícias para o banho, mas também pelos
rios de água doce em volta do município. Os movimentos de veículos ficam intensos
nesta época com a chegada dos turistas, veranistas e das pessoas que moram em outras
cidades e aproveita a ocasião da festa para visitarem os familiares
A prefeitura junto com patrocinadores investe para que haja atrações durante os
quatro dias de carnaval6, com instalação de um grande palco na praça central e um trio
elétrico para acompanharem os maiores blocos: Bloco Brilho da Lua, Bloco Papai Folia,
Bloco das Virgens, neste último os homens usam indumentárias femininas e visse-versa,
este é o mais aguardado e reúne a maior quantidade de foliões, há também o Bloco do
Quartel e o mais recente Bloco da Várzea, uma localidade social da cidade. Aqui as
ruas são estreitas, não há um espaço amplo o bastante, e nem investimentos por parte
dos patrocinadores para instalação de camarotes, as festas são totalmente grátis para o
público, exceto os abadás para os blocos de variaram entre 10 e 30 reais. Assim, casas
de primeiro andar com sacadas funcionam como uma espécie de camarote que reúnem
5 Dados não oficiais da Secretaria de Turismo emitidos pela polícia Militar.
6 As comemorações do carnaval, de modo geral, é contabilidade os quatro dias, no entanto, ela costuma
ser antecipada e prolongada para além do Sábado, Domingo, Segunda e Terça.
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grupos de amigos e familiares, também é comum no espaço da “sacada” ocorrerem são
os shows de danças frenéticas de alguns “loucos”.
No sábado, nem bem amanhecia, ouvia-se de longe o som estridente dos
paredões de som que estavam instalados na frente de inúmeras casas, nos porta-malas de
carros, e para algum desses paredões era necessário o uso de caminhão, ou serem
rebocados pelos automóveis. Ao redor desse aparelho concentram-se grupos de pessoas,
sejam da Baia da Traição, ou de outras cidades, eles estão os principais pontos da
cidade, ruas, praias e rios.
No fim de tarde ao sair para observar o comércio e os corpos, ouvir as músicas e
o que se falavam levas ruas, escuto do alto da sacada de um apartamento, uma voz não
estranha que gritava o meu nome, era Bárbara, ela pediu que lhe esperasse, pois ia
descer para falar comigo, a mais de um mês que não nos encontrávamos, desde que foi
morar com sua mãe em João Pessoa, ela veio especialmente para festas, re-ver amigos e
paqueras. Durante a nossa conversa, a travesti viu e cumprimentou muitas pessoas e me
apresentou a quase todas. Uma de suas amigas estava com o dreads colorido e artesanal
no cabelo, Bárbara achou bonito e resolveu fazer o mesmo; e para chagar até a barraca
que ofertava este serviço, andamos juntas por alguns metros, no percurso, Barbara
parava para abraçar os amigos que encontrava. Após enfeitar o cabelo, se passado
alguns minutos, fomos juntas no primeiro bloco carnavalesco do dia.
O bloco Brilho da lua, com concentração na Praça Central, às 17 horas seguiu
acompanhado do trio elétrico que tocava músicas regionais em ritmo de marchinha
carnavalesca, pelas principais ruas da cidade até a sede dos idosos que deu nome ao
bloco, este em especial, abre espaço para as pessoas da terceira idade fantasiadas com
roupas coloridas, porta bandeiras e cartazes; não raro ocorrem alguns acidentes com os
idosos e eles têm que ser levados as pressas ao hospital do Trauma em João Pessoa.
Na frente da sede dos idosos, Brilho da Lua, também foi à concentração do
segundo ano do Bloco do Papai Folia, realizado em homenagem ao atual prefeito
Manoel Messias. Durante o percurso de tempo em que as pessoas esperavam para seguir
o caminho inverso, Barbara encontrou vários amigos e parentes, ficamos juntas por
algum tempo, e seus amigos pediam-lhes que fossem apresentados a mim, e ao fazer
isso Barbara o advertia sobre a minha homossexualidade: “Esse é a minha amiga
Verônica... e ela não curte, viu?”, este não curte dito por Barbara tem ligação direta ao
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fato de não estabelecer “relações” com homens, sendo eu uma chupa charque7 que não
tinha interesses pelos seus potencias paqueras, e eles por sua vez, não tentaria manter
um contato mais próximo comigo.
Barbara, seus amigos e eu, seguimos no bloco que reuniu pessoas mais jovens, e
guiadas pelo mesmo trio elétrico, fizemos o caminho inverso, dançando e bebendo até a
Praça Central, que estava tomada por pessoas que aguardavam o bloco e esperavam pela
festa com show das bandas Pimenta de Cheiro e Duquinha eletro, que aconteceria em
um grande palco a partir das às 22 horas e se encerrava por volta de 01hr:45min,
seguindo determinação da Superintendência de Administração do Meio Ambiente
(SUDEMA). No dia seguinte da pagina de notícias da cidade Facenews Baia da
Traição, foi postado uma notícia cujo titulo era: Sábado de Carnaval acaba mal, e em
seu conteúdo estava escrito:
Na madrugada de sábado para domingo, logo após o termino das
festividades carnavalesca, vândalos revoltados pelo horário de
termino ser até às 2h da manhã, começaram a atear garrafas de vidro
para o alto, atingindo vários foliões, muitos ficaram feridos e foram
levadas para o Posto Médico, a policia agiu rapidamente, mas com a
multidão, não se deu para identificar os vândalos.
Este ato de violência modificou a dinâmica das festas nos dias seguintes, passou
a ser proibido à entrada na área reservada para as festas bebidas em garrafas de vidro, os
seguranças revistaram as caixas térmicas nas entradas das principais ruas.
2.3. As virgens da Baia da Traição
Esse bloco devia ser as arrombadas
da Baia da Traição, isso sim!
(Travesti Mikaelly, ao falar sobre o bloco)
Na tarde do Domingo houve o mais esperado Bloco das Virgens da Baia da
Traição. Uma representação baiense da inversão de papeis que apenas o carnaval
permite. É impossível andar pelas ruas e não sorrir com homens andando de perna
aberta e tragando um delicado vestido, com roupas coladas ao corpo, tem também os
rapazes mais caricatos, que usam perucas coloridas e exageram na maquiagem. Para
muitos a produção é levada a sério, alguns são maquiados pelas namoradas, esposa ou
amigas, e todos os anos saem de virgem, este é o caso de Serginho e seu amigos, eles
são da cidade de Mamanguape e há vários anos saem vestidos com adereços femininos
no bloco e dançando as músicas de sucesso do momento. Tragando as roupas de
7 Penso que este fato tem ligação significativa com o meu corpo em campo, talvez um corpo que atraia
alguns homens, mas que não oferece concorrência às travestis.
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ginástica da companheira, Serginho explica que tem que ter muita prática, porque não é
fácil usar roupas de mulher e ainda dançar, beber e andar.
Notei que as mulheres que estavam vestidas de maneira masculina,
encontravam-se de mãos dados com um parceiro aparelhado de mulher, desse modo,
para os homens é mais comum sair em grupos de amigos todos de saias, roupas coladas
e maquiagens, do que as mulheres colocarem roupas masculinas, prenderem o cabelo e
desenharem barbas na face. Por outro lado, mesmo participando do Bloco das Virgens,
não pude observar toda a sua dimensão, e deixei passar despercebido o que seria uma
espécie liminaridade do ritual carnavalesco, como nos ensina Victor Turner, inspirado
em Van Gennep. Ao conversar com uma travesti que apenas observava o bloco, soube
que Barbara, considerada uma pessoa bonita e atraente, estatura mediana, dona de
longos cabelos negros e lisos, pernas torneadas e delicados traços sinuosos e que chama
a tenção o fato de andar sempre com roupas curtas e apenas a parte de cima no biquíni,
no momento do bloco estava usando roupas de “homem, e nós ficamos brincando,
dizendo: ah, Joãozinho voltou... mas, ele disse que no bloco das virgens as mulheres se
vestiam de homem, foi uma resenha.”
Há também as pessoas que investem na produção para ficar mais belas e
atraentes, pois em seu cotidiano já se porta de maneira tida como feminina, é o caso das
travestis, Hilary e Mouhana que estavam com roupas provocantes e brilhantes,
chamando atenção do folião e convidadas a pousar para fotos.
Fotos: 2. As travestis baienses: Hilary de roupa branca e Mouhana de roupa vermelha.
Hilary iniciou o percurso até a concentração no bloco na frente da creche
municipal, localizado na rua principal, calçando um salto alto que estava machucando
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seus pés, e ao caminhar ele prendia nos paralelepípedos, por essa razão ela os tirou e
jogou em um terreno baldio, seguindo descalça pelas ruas, pois a festa não podia parar.
Mouhana permaneceu de salto alto durante todo o percurso, mas reclamava das dores e
disse que “babado vai ser meus pés mais tarde”. Elas encontravam os amigos, param
para serem fotografadas pelos turistas e com os turistas.
As travestis encontravam os seus amigos e parentes pelo caminho, e ao
chegarem ao local previsto para a concentração do bloco, elas estavam rodeadas por
eles, e os demais foliões. E quando o bloco começou, animado pelos Mauricinhos do
Forró, cantando um dos rits do carnaval ─“entra em cena, rouba a cena (...) poderosa,
maravilhosa, onde passa incomoda, onde passa incomoda”─ as travestis se perderam
aos pulos na multidão que cantava, dançava e consumia bebidas alcoólicas.
Neste momento, no universo dissimulado, como nos aponta Simmel, (1968) o
tato, é de suma importância: “onde nenhum interesse egoísta imediato ou externo dirige
a auto-regulação do indivíduo em suas relações pessoais com outros, é o tato que
preenche essa função reguladora” (ibidem, p. 170), cuja interação atravessa as diversas
formas de contato social, no qual “a sociabilidade é o jogo no qual se ‘faz de conta’ que
são todos iguais e, ao mesmo tempo, se faz de conta que cada um é referenciado em
particular; e ‘fazer de conta’ não é mentira” (ibidem, p. 173), pois as pessoas estão
reunidas para saciarem as suas vontades e não para “simular a realidade.” No momento
reservado para o carnaval: com blocos pelas ruas as "pessoas (os chamados 'foliões'=
loucos), brincando de modo individual (isto é sozinho), em casais ou coletivamente".
(DA MATA, ibidem, p. 110) mantém através do tato visual e verbal a interação entre si.
3. Outras reflexões
Para compreendermos melhor as informações que compõem este artigo, a cerca
dos espaços de lazer e sociabilidade entre as travestis no período do verão, temos com
levam em consideração que elas foram obtidas através da observação participante, mas,
em outras, apenas com diálogos em que as travestis narravam os acontecimentos. Isto
faz suscitar questões relacionadas à metodologia, por seu eu dona de um corpo, cujo
sexo é feminino, há espaços e momentos que meu corpo, embora homossexual, são
interditados.
As travestis fazem parte do universo do lazer na Baia da Traição e da diversão
do carnaval, elas expõem seus corpos usando roupas curtas, deixando a mostras suas
pernas tornadas e pele bronzeada. Elas alargam suas possibilidade de práticas sexuais e
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amizades: nos rios e praias com a brincadeira lúdicas e sexuais, esta última foi
registrada pelo antropólogo Martinho Tota (2012) ao pesquisar sobre “processos e
fluxos identitários complexos envolvendo etnicidade, gênero, geração e sexualidades no
município da Baía da Traição”, seu corpo masculino e sua homossexualidade por vezes
acionada em campo possibilitaram a participação efetiva nas redes homoeróticas e
brincadeiras sexuais nas casas de veraneio desabitadas na frente do mar.
Na primeira noite em que fui ao cenário onde se dava a “brincadeira”,
Geraldinho me conduziu até os fundos de uma casa de veraneio
fechada, defronte o mar. Claudiano estava lá, acompanhado por cerca
de oito rapazes. De imediato percebi um clima de “sacanagem”
imperando naquele ambiente. Pouco depois Britney apareceu de
biquíni. Havia passado a tarde inteira na praia e disse já ter “feito um
bofe” naquele dia. Os outros rapazes faziam muita algazarra, gritavam,
assobiavam, sem nenhuma preocupação de chamar a atenção de outras
pessoas. Na verdade a praia estava deserta, “nenhuma pessoa sozinha
ia, nenhuma pessoa vinha...”, como dizia aquela canção de Marisa
Monte.
Tota não se limitou a pesquisar e registrar apenas as biografias de rapazes
homossexuais da aldeia e da cidade, ele também teve acesso as travestis de uma maneira
que eu jamais teria, a exemplo de acompanhá-las nas brincadeiras sexuais com fez com
Britney. A mim e ao meu corpo feminino, embora homossexual, resta o “diague racha”,
que desde 2009 dá forma a metodologia aqui acionada. Esclareço para o leitor não
familiarizado com a expressão supracitada, que diague na linguagem do grupo em
questão, quer dizer, grosso modo, para isolar algum acontecimento que não seria
agradável, e racha é com se referem à mulher, cuja genitália é rachada.
Breve epilogo
No âmbito da vida cotidiana, ao cruzar com as travestis pelas ruas, ao estar com
elas em suas casas, e compartilhar momentos em bares e festas, noto que não apenas no
período de carnaval, mas em seu cotidiano, as travestilidade expressa nas ruas da Baia
da Traição, não se encaixa nos alvos constantes de preconceito pelo o “não
cumprimento dessa exigência de adequação de um sexo a um gênero e, destes, a um
conjunto de performances corporais que culminariam com a expressão de um desejo
uni-direcionado.” (PELÚCIO, 2011, p. 107). Neste contexto etnográfico a feminilidade
fálica das travestis faz com que elas experienciam o poder da sedução através da estética
de seus corpos que as liberam. Desse modo, o poder “encontra-se exposto no próprio
corpo” (FOUCAULT, 2001, p. 146). Não como uma forma de controle e disciplina, mas
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um poder que torna os corpos despeitados das travestis indóceis. Assim, na prática
etnográfica, observamos a preciosidade da estética travesti e o seu corpo despeitado nas
ruas da Baia da Traição. Um corpo que atrai, seduz, e causa embaraços.
Certa noite ao sair nas ruas penumbrosas com Barbara, para irmos justas a uma
“festa da sacanagem” no Tubarão, na companhia de mais duas amigas da travesti,
sentimos o assedio que a envolvia, os olhares lascivos dos machos que se encontravam
na frente das casas e transitando pelas ruas nos acompanhavam. E ao caminharmos parte
do trajeto que dá acesso a praça central, Bárbara acendeu um cigarro, fumou e se
arrependeu de ter posto um salto alto: “Nã... estou me sentindo arrumada demais... Vou
voltar em casa e trocar de sandália.” Foi apenas o tempo de virarmos a esquina que
dava acesso à rua principal, que ela rapidamente arrumou um motoqueiro para
acompanhá-la a sua casa, rapidamente, foi e voltou usando uma sandália rasteirinha.
Seguimos o percurso, e em uma rua movimentada a poucos metros da praça, um
macho que estava sobre uma moto chamou a atenção de Barbara e disse: “Tu viu a
buzinada que eu dei hoje cedo?” Ela sorriu e o rapaz continuou: “Venha cá?!” E logo
depois desse convite, Bárbara nos pediu para espera-l* na frente da farmácia, esquina
com a praça. Esperamos por cerca de 40 min, o rapaz vir deixá-la no local combinado,
ao descer da moto ela notou que havia perdido o ingresso para a festa que tinha
guardado em sua “buceta”. E sem demora Barbara arrumou outro motoqueiro para
acompanhá-la até o local onde era provável ter deixado cair o ingresso, dessa vez
esperamos mais tempo. Barbara chega sorrindo e diz: “Foi com um macho, perdi o
ingresso, voltei, achei e ganhei outro macho... Hoje eu estou com um chama.” As
experimentações de Barbara com rapazes da cidade e turistas são constantes, caráter
secreto dos esquemas, por vezes é deixado de lado, uma vez que a travesti é “desviantes
de alta visibilidade, atraí para si todas as atenções.” (SILVA, 2007, p. 62), assim,
Mouhana, Rayka, Hilary e Barbara sãos os exemplos mais claros de como a estética
travesti atraí: nos rios, nas praias, nas ruas e nas festas elas estão sempre rodeadas por
rapazes.
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Bibliografia
Da Matta, Roberto. Carnaval, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema
brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Racco. 1997.
FOUCAULT, Michel. Poder - corpo. In: Microfísica do Poder. Organização e tradução
de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2001a, p. 145-152.
PELÚCIO, Larissa.Corpos indóceis - a gramática erótica do sexo transnacional e as
travestis que desafiam fronteiras. In: Michel Foucault: sexualidade, corpo e direito. São
Paulo: Ed. Cultura Acadêmica, 2011. pp. 105-132.
SIMMEL, Georg. “Sociabilidade: um exemplo de sociologia pura ou formal”. In:
MORAES FILHO, Evaristo de (org.). Simmel. São Paulo: Editora Ática, 1983. pp. 165-
181 (Coleção Grandes Cientistas Sociais, n. 34)
SILVA, Hélio R.S. Travestis:entre o espelho e a rua. Rio de Janeiro: Ed. Rocco. 2007.
TOTA, Martinho. 2012. Entre as diferenças: gênero, geração e sexualidades em
contexto interétnico. Doutorado em Antropologia Social. Rio de Janeiro: UFRJ-/ Museu
Nacional.