Casamento Ef Daniela e Nadia

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1 Os efeitos pessoais e patrimoniais do casamento no Direito Internacional Privado Brasileiro, à luz do novo Código Civil Brasileiro 1 Este estudo cuida dos efeitos pessoais e patrimoniais do casamento com repercussão no DIPr, já sob o ênfoque no novo Código Civil Brasileiro, que entrou em vigor no início de 2003. Uma das dificuldades do estudo é a necessidade de compatibilização da nova lei civil com a Lei de Introdução ao Código Civil, que regula o DIPr e apesar de ser de 1942, não sofreu nenhuma modificação. A família moderna é um núcleo cada dia mais transnacional, ensejando repercussões de caráter internacional, por conta das características da sociedade informada pela comunicação global, e precisando, por conseguinte, de uma disciplina própria para resolver esses problemas. Acreditamos ser este o papel do DIPR. E apesar das dificuldades que essa família “globalizada”, mormente na área de regulamentação jurídica, acompanhamos Renato Janine Ribeiro, em palestra sobre a família na travessia do milênio, bem sintetizou o estado de espírito da família de hoje: “A travessia parece interminável. A família continua, e mais empenhada que nunca em ser feliz. (Não quero dizer que seja mais feliz, e sim que queremos, todos, ser felizes; assim a manutenção da família, hoje, depende sobretudo de se buscar, por meio dela, chegar à felicidade). Nada disso põe termo ao casamento ou à família Justamente porque mantê-la não é mais obrigatório, ela só sobrevive quando vale a pena. É um desafio. 1 Por Nadia de Araujo , Doutora em Direito Internacional, USP e Professora de DIPr da PUC-Rio, e Daniela Trejos Vargas , Mestre em Direito Constitucional, PUC-Rio e Doutoranda em Direito Civil, UERJ, e Professora de DIPr, PUC-Rio.

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Os efeitos pessoais e patrimoniais do casamento no Direito

Internacional Privado Brasileiro, à luz do novo Código Civil

Brasileiro1

Este estudo cuida dos efeitos pessoais e patrimoniais do casamento

com repercussão no DIPr, já sob o ênfoque no novo Código Civil

Brasileiro, que entrou em vigor no início de 2003. Uma das dificuldades do

estudo é a necessidade de compatibilização da nova lei civil com a Lei de

Introdução ao Código Civil, que regula o DIPr e apesar de ser de 1942, não

sofreu nenhuma modificação.

A família moderna é um núcleo cada dia mais transnacional,

ensejando repercussões de caráter internacional, por conta das

característ icas da sociedade informada pela comunicação global, e

precisando, por conseguinte, de uma disciplina própria para resol ver esses

problemas. Acreditamos ser este o papel do DIPR.

E apesar das dificuldades que essa família “globalizada”, mormente

na área de regulamentação jurídica, acompanhamos Renato Janine Ribeiro,

em palestra sobre a família na travessia do milênio, bem s intetizou o estado

de espírito da família de hoje:

“A travessia parece interminável. A família continua, e mais

empenhada que nunca em ser feliz . (Não quero dizer que seja mais feliz, e

sim que queremos, todos, ser felizes; assim a manutenção da família, h oje,

depende sobretudo de se buscar, por meio dela, chegar à felicidade). Nada

disso põe termo ao casamento ou à família Justamente porque mantê -la não

é mais obrigatório, ela só sobrevive quando vale a pena. É um desafio.

1 Por Nadia de Araujo , Doutora em Direi to Internac ional , USP e Professora de

DIPr da PUC-Rio, e Daniela Trejos Vargas , Mestre em Dire i to Consti tucional , PUC-Rio

e Doutoranda em Dire i to Civi l , UERJ, e Professora de DIPr , PUC -Rio .

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Podemos estar às portas do milêni o, no sentido que antes descrevi (o de

promessa de felicidade), mas isso só porque estamos mais dispostos a

correr riscos. E por isso a travessia, por essas águas do afeto, ora

revoltas, ora mansas, exige delicadeza: mas não porque sejam, estas águas,

tranqüilizadoras, e sim porque a matéria com que lidamos é muitíssimo

delicada.” 2

Efeitos pessoais

O casamento gera diversos efeitos ao modificar a situação das

pessoas, que passam a constituir uma unidade familiar com conseqüências

na vida jurídica, inclusive com repercussão no direito internacional

privado. Entre os efeitos que interessam ao DIPr, e que serão analisados

abaixo, estão: a constituição do domicílio conjugal; a possibilidade de

modificação do nome, agora facultativa; a qualidade de herdeiro do

cônjuge; a não expulsão de estrangeiro casado com brasileira; o

estabelecimento de um regime de bens aplicável ao casal; a proteção

especial do patrimônio familiar, com a instituição do bem de família; a

restrição à aquisição de bens no caso de um dos conso rtes ser estrangeiro; a

necessidade da outorga uxória para qualquer modificação do patrimônio

comum, inclusive para a assunção de atos que afetem direta ou

indiretamente o patrimônio comum;.

Atualmente, toda a matéria relativa aos efeitos do casamento é

submetida aos preceitos do caput do art. 7o. da Lei de Introdução, que

utiliza o critério do domicílio para a determinação das questões relativas ao

direito de família em geral , e seus parágrafos. Serpa Lopes 3 já esclarecia

2 RIBEIRO, Renato Janine, A famí lia na t ravess ia do mi lênio, palestra

apresentada no II Congresso Brasileiro de Direi to da Famíl ia , Conferência de

abertura, Belo Horizonte, 27 de outubro de 1999 , mimeo com as autoras .

3 SERPA LOPES, Miguel Mar ia, Curso de Dire i to C iv i l , vol . I , Rio de Jane iro,

Ed. Frei tas Bastos, 1953 , p .181/182.

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que no tocante às relações entre cônjuges, os parágrafos especiais da LICC

não haviam previsto regras para os efeitos de ordem pessoal, cuidando

somente dos de ordem econômica, prevalecendo, portanto, o cri tério geral

do domicílio. Portanto, para o DIPr, o mais importante efeito do casamen to

é o estabelecimento do domicílio conjugal.

1. O domicílio conjugal

Uma das conseqüências do casamento é o aparecimento de um

domicílio qualificado: o conjugal. Antes da proclamação da igualdade entre

os cônjuges, não só no Brasil , como no exterior, os sistemas de DIPr

determinavam a lei aplicável à sociedade conjugal utilizando a lei pessoal

do marido – fosse pelo critério do domicílio ou da nacionalidade. Isso se

justificava devido à condição de incapacidade relativa da mulher casada,

que por esta razão não podia fixar, autonomamente, seu domicílio. Este

sistema, de caráter unitário, facilitava o estabelecimento da lei aplicável às

relações familiares. Todavia, com a adoção do princípio da igualdade entre

marido e mulher, -- gerando a possibil idade da existência de mais de um

domicílio, ou nacionalidade, sem um critério de prevalência --, surgiram

novas questões diante das quais os antigos critérios se mostraram

inadequados para resolver os conflitos de leis.

As prerrogativas antes estabelecidas, decorr entes da autoridade do

marido, inclusive o direito de fixar o domicilio da família, foram

paulatinamente eliminadas com a consagração da igualdade. 4 Mesmo antes

da Constituição de 1988, deixou -se de aplicar o parágrafo 7o. do artigo 7

o.

da LICC, único disposit ivo sobre efeitos pessoais do casamento, para

determinação do domicílio conjugal, pois o Estatuto da Mulher Casada, de

4 O novo Código Civi l , em no ar t igo 1059 declara a igualdade dos cônjuges,

verb is:

“art . 1059 - O casamento es tabelece comunhão plena de v ida, com base na

igualdade dos cônjuges .”

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1962, permitiu a esta ter domicíl io próprio, sem sujeitar -se a ter o mesmo

domicílio do marido. Posteriormente, com a nova ordem cons ti tucional

instaurada em 1988, ficou clara a posição de igualdade dos cônjuges.

Persistia, no entanto, uma indefinição quanto ao critério determinador do

domicílio conjugal em casos dos cônjuges manterem domicílios diversos,

pois a lei era omissa sobre a h ipótese.

O Novo Código Civil inova em matéria de domicílio ao estabelecer, a

par do domicíl io civil da pessoa física, que continua sendo identificado

como o local da residência com ânimo definitivo, também um domicílio no

local das suas atividades profiss ionais5. Desta forma rompe o Novo Código

Civil com o dogma do domicílio único da pessoa natural, e por

conseqüência também com a necessidade de haver um domicílio único para

os dois integrantes da sociedade conjugal. A determinação do domicílio

conjugal deve ser feita de comum acordo por ambos os cônjuges, segundo o

art igo 1569. Em linha com o disposto no artigo 72, este mesmo artigo

prevê expressamente a possibil idade de um ou outro cônjuge vir a residir

em local diverso do domicílio conjugal, por motivo s profissionais ou

pessoais relevantes, sem que isto seja considerada uma infração ao artigo

1566, II ( “vida em comum, no domicílio conjugal”).A questão é de grande

importância para o DIPr, 6 pois dependem do domicílio conjugal a

determinação da lei aplicável aos efeitos patrimoniais do casamento, objeto

do próximo item desse trabalho. 7 Note-se que nos dias atuais, a hipótese de

5 Artigo 72. É também domic íl io da pessoa natural , quanto às re lações

concernentes à prof i ssão, o lugar onde esta é exercida .

6 O tópico desperta inte resse também em outros países. Sobre o tema, veja -se

GAUDEMET-TALLON, Hélène, La desunion du couple en droi t interna tional pr ivé, in

Recueil des Cours , Tomo 226, 1991.

7 Jacob Dolinger a ler ta que a equiparação ent re homem e mulher , promovida pe la

Const i tuição de 1988, sepultou qualquer regra de DIPr que desrespe ite essa igua ldade,

tornando inconst i tucionais vár ios ar t igos do Código Bustamante, como por exemplo o

ar t . 24. , que re tra ta a mesma s i tuação do ar t igo 7o. , parágrafo 7o, e a inda o ar t igo 43 do

ci tado código.

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casais em que os cônjuges residem em países diversos não é incomum,

podendo acarretar, no plano internacional, dúvidas sobre a le i aplicável à

sociedade conjugal.

As inovações em matéria de domicílio trazidas pelo Novo Código

Civil brasileiro, ao mesmo tempo que introduzem a autonomia da vontade

nas relações de familia, ao deixar à livre escolha dos cônjuges a

determinação do domicílio conjugal, eliminam a dúvida sobre qual

domicílio util izar para fins de determinação da lei aplicável ao casamento.

Fez-se a dist inção entre o domicíl io pessoal e o domicílio conjugal,

mostrando que este último é um domicílio de t ipo qualificado 8, para fins de

estabelecimento da vida em comum, e utilizado pelo DIPr como elemento

de conexão para a lei aplicável às relações decorrentes desta vida em

comum. Concluímos, desta forma, que o domicílio conjugal não exclui a

existência de um domicílio pessoal de qualquer dos cônjuges, o qual será

levado em consideração para resolver questões da vida profissional de cada

um, segundo o artigo 72 do Novo Código Civil, bem como, no âmbito do

DIPr, questões relativas à capacidade civil dos mesmos.

Resta a indagação sobre como proceder à prova do domicílio conjugal

segundo as regras do Novo Código Civil. Neste, o artigo 74 que mantém a

redação do artigo 34 do Código de 1916, a prova da intenção de modificar o

domicílio resultará “do que declarar a pessoa às munici palidades dos

lugares, que deixa e para onde vai”.

Desta forma, considerar -se-á domicílio aquele declarado pelos

cônjuges, ou pelos nubentes no momento da habili tação para o casamento.

A declaração prestada pelos nubentes, perante o oficial do registro ci vil , do

seu domicílio e residência atuais é requisito essencial da habilitação para o

8 A exemplo do domic íl io prof issional previsto agora no ar t igo 72, que coexist e

com o do mic íl io geral do ar t igo 70, ainda caracter izado como o loca l da res idência co m

ânimo defini t ivo. .

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casamento, conforme o artigo 1525, IV, do novo Código. Este domicílio irá

constar da certidão de casamento, e fará prova do domicílio dos contraentes

no momento do casamento. Se os nubentes com domícil io diverso ou

mesmo comum quiserem declarar como domicílio conjugal um outro local,

deverão fazê-lo de forma expressa.

A este respeito já decidiu o STF, no Recurso Extraordinário 86.787 9,

entendendo que a declaração de domicílio feita pelos nubentes no momento

do casamento e que consta da certidão de casamento, faz prova da vontade

das partes para fins de determinação do domicílio conjugal.

Este ponto é de grande importância para o DIPr, pois depende da

existência ou não de domicílio comum a aplicação da regra supletiva do

primeiro domicílio conjugal, conforme veremos adiante.

2.Outorga Uxória

O estado de casado impõe aos indivíduos restrições de diversas

ordens. Uma dessas restrições diz respeito à necessidade de consenti mento

de seu cônjuge para a prática de certos atos, especificamente os de

disposição direta ou indireta do seu patrimônio. Esses atos são, entre

outros: de disposição sobre imóveis, constituição de garantias e doações

que venham de alguma forma a comprometer ou onerar tanto o patrimônio

comum do casal.

Importante notar as modificações que estão sendo introduzidas nessa

matéria pelo novo Código Civil. Este estabelece expressamente um novo

regime de bens, o da separação absoluta, onde não haverá patrimônio

comum nem comunhão de aqüestos. Neste caso, dispensa-se a outorga

uxória, conforme dispõe o art . 1647. 10 Nos demais tipos de regime de bens,

9 v ide no ta de rodapé n. VERIFICAR.

10 Ar t . 1647. Re ssalvado o disposto no ar t . 1 .648, nenhum dos cônjuges pode,

sem autor ização do outro, exce to no regime da separação absoluta :

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é obrigatório o consentimento do casal para a realização de atos de

disposição patrimonial.

Essa restrição à capacidade independe do regime de bens do

casamento, sendo assim qualificada como efeito pessoal do casamento já

que se impõe em função do estado civil de casado, para os atos realizados

em terri tório brasileiro, independentemente de ser a lei brasileira regente

da capacidade do agente. 11

O que chama atenção, todavia, é que por se tratar de requisito ligado

à questão de imóveis, a regra da lex rei sitae, sempre prevalece sobre outra

que esteja em jogo, sendo necessária a outorga uxória independentemente

de haver essa disposição na lei domiciliar do casal.

A jurisprudência, apesar de escassa, inicialmente qualificou a questão

da outorga uxória como ligada exclusivamente à capacidade pessoal, e por

esta razão dispensável no caso de estrangeiros não domiciliados no Brasil.

O TJSP assim decidiu em um caso que lhe foi apresentado. 12

Posteriormente, veio a aplicar o princípio da lex rei sitae tornando

obrigatória a outorga uxória para qualquer venda de imóvel situado no

Brasil. Aqui a qualificação foi diversa, entendend o-se que se tratava de

questão atinente à forma do ato. 13 Essa última corrente prevaleceu, como se

I – a l ienar ou gravar de ônus real os bens imóveis ;

I I – p le i tear , como autor ou réu, acerca desses bens ou d ire i tos ;

I I I – prestar fiança ou ava l;

IV – fazer doação, não sendo remunera tór ia , de bens comuns, ou dos que possam

integrar futura meação.

11 Sobre o tema, Dol inger comenta duas dec isões dos t r ibunais nacionais,

most rando a existência de divergência quanto à qual i ficação da outorga uxór ia , seja

como integrante da capacidade de contra tar da pessoa casada, regida pe la le i domici l iar ,

na forma do caput do ar t igo 7o. ; seja como formalidade essencia l para a real ização do

negócio jur ídico envolvendo bens imóveis, es te um requis i to l igado à lex re i

si tae .DOLINGER, Jacob , Dire ito Civ i l . . . p . 128

12 AP. 27254 TJSP, 23.6.78

13 Ap Cível 906/84 TJ Paraná .

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verifica de recente manifestação do Tribunal de São Paulo, que declarou a

nulidade de uma fiança prestada por estrangeiro, por falta da outorga uxória

do cônjuge.14

Outro argumento em favor do respeito à necessidade de outorga

uxória, mesmo para os casos em que não estejam envolvidos imóveis

situados no Brasil -- como é o caso de fiança, doações, e etc. --, diz respeito

ao cumprimento de uma formalidade requerida pela lei brasileira para a

validade do ato. Tratando-se de ato praticado no Brasil , aplicar -se-á o

art igo 9o. parágrafo primeiro da LICC, que regula os negócios jurídicos, e

estipula a necessidade de se cumprir as formalidades da lex fori para a sua

realização, ainda que aplicável uma lei estrangeira à sua substância. O

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, já esclareceu esse ponto, ao

julgar caso de doação entre cônjuges, vedada pela lei uruguaia, local da

celebração do casamento, mas válido no Brasil . Esclarece o Min. Rui

Rosado de Aguiar Jr., então Desembargador, “ocorre que a incidência da

legislação estrangeira foi reconhecida como aplicável apenas na regulação

do direito patrimonial decorrente do casamento, lá realizado. A doação é

ato obrigacional, praticado no Brasil e a ele se aplica a lei brasileira (

art. 9o. da LICC), onde não existe disposição assemelhada à do artigo 1657

do Código Civil do Uruguai, isto é, pela nossa legislação, o ato é válido.” 15

Podemos concluir que em casos nos quais é preciso aplicar as regras

de conexão do DIPr, os tribunais brasileiros privilegiam, cada vez mais, o

14 Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo FIANÇA - OUTORGA UXÓRIA - AUSÊNCIA - FIADOR DE ORIGEM ESTRANGEIRA - CASAMENTO REALIZADO NO EXTERIOR - FIANÇA PRESTADA NO BRASIL - CASAL RESIDENTE NO PAÍS - NULIDADE DA GARANTIA Embargos à execução. Ação de execução. Locação de imóveis. Fiador de origem estrangeira. Casamento realizado no exterior. Fiança prestada no Brasil sem a anuência do outro cônjuge. Ambos residentes no país. Nulidade da fiança.

Ap. c / Rev. 590.655 -00/0 - 12ª Câm. - Re l . Ju iz GAMA PELLEGRINI - J . 7 .12.2000

15 Apelação Cíve l 591.031.067, Tribunal de Jus t iça do Rio Grande do Sul, cóp ia

com as autoras.

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elemento territorial –lex fori--, aproximando-se do sistema americano, e

distanciando-se de suas raízes clássicas européias.

3. Direito ao nome de famíl ia

A regra da adoção pela mulher do nome de família do marido tinha

por função tornar público o seu estado de casada, passando esta a fazer

parte da família do marido. 16 Este acréscimo, antes compulsório e agora

facultativo, revelava que o marido ocupava o primeiro plano na sociedade

conjugal. Nos dias de hoje, a matéria sofreu mudanças expressivas. Mesmo

antes do novo código civil, já não mais subsistia essa obrigatoriedade,

sendo o parágrafo único do art igo 240 claro ao estabelecer ser uma

faculdade e não uma obrigação, o acréscimo do sobrenome do marido pela

mulher, quando do casamento. O novo código, no art. 1565, aplica o

cri tério da igualdade entre os cônjuges para estender esta faculdade ao

cônjuge varão e não apenas deixando como direito exclusivo da mulher.

Cumpre notar, a importância social deste dispositivo pois o nome de família

permite não só a identificação do estado civil de casado dos cônjuges, mas

principalmente a sua relação de parentesco com os filhos, e com o ramo

familiar ao qual pertencem. Esta função do sobrenome comum como meio

de identificação do núcleo familiar foi valorizada pelo legislador no Novo

Código Civil, permitindo-se que se mantenha por esta razão o sobrenome de

casado em caso de separação judicial. 17 No que concerne ao DIPr, o direito

ao nome se rege pela lei pessoal, que no caso do Brasil, é a do domicílio.

Considerando que essa questão apresenta regulamentações diversas em

outros países, podem surgir conflitos de leis entre a lei do local da

celebração e a lei aplicável ao direito de família. Todavia, as relações

16 Veja -se GOMES, Or lando , Direi to de Família , 4

a. ed. , Rio de Janeiro,

Forense, 1981, p . 58.

17 Art igo 1578. O cônjuge dec larado culpado na ação de separação jud icial perde

o direi to de usar o sobreno me do outro, desde que expressamente requerido pelo

cônjuge inocente e se a al teração não acarre tar : . . . . . I I – manifes ta d is t inção entre o seu

nome de fami lia e o dos f i lhos havidos da união disso lvida .

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pessoais entre os cônjuges não estão, de regra, submetidas à supervisão

judicial, e quando se apresentam questões perante o Tribunal, há uma

tendência muito natural em todos os países de aplicar a lei do foro. 18

Sobre o tema, apresentou-se o conflito de leis em caso, anteriormente

referido, decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual se

permitiu à mulher adicionar ao seu nome o sobrenome do marido, apesar da

proibição da lei do país da celebração quanto a esta adição. Isso se deu

porque o tribunal entendeu que a adição posterior do nome, por meio da

averbação à certidão de casamento já transcrita – que o fora ipsis literis ,

expedida segundo a lei do local da celebração, decorria do exercício de um

um direito garantido pela lei brasileira – o direito ao nome de família.

Desta forma, afastou no caso em questão a proibição da lei do local da

celebração do casamento. 19

4. Não expulsão de estrangeiro

O Estatuto dos estrangeiros, que regula a situação dos mesm os no

território nacional, garante o direito à permanência do estrangeiro casado

com brasileiro no território nacional, nos termos do art . 75, sempre quando

seja comprovado o efetivo vínculo matrimonial e que o casamento tenha

mais de cinco anos. E conside ra o divórcio ou separação de fato ou de

18 WOLFF, Mart in, Derecho Internacional Privado , Barce lona, Boescht Casa

Editor ia l , 1958, p . 337.

19 Tr ibunal de Jus t iça de São Paulo. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO - Casamento

real izado no Japão - Possib il idade de acréscimo do no me do marido ao da esposa

vedado no sistema nipônico - Pretensão formulada conforme lei nacional brasi lei ra -

Poss ibi l idade - Confl i to de normas no espaço e direi to internacional pr ivado - Exceção

à regra locus reg it ac tum em razão da cláusula geral de ordem públ ica - Direi to ao nome

regulado pela le i c ivi l substant iva (ar t igo 204 , parágrafo único e Lei de Introdução ao

Código Civil Brasi lei ro , ar t igo 7º ) - Pr incíp io da unidade e integridade da famí l ia

preservados - Analogia ao direi to ao direi to do f i lho ao nome pa terno - Uso e costume

decorrente da afec tio e identidade fami l iar - Averbação determinada junto à transcr ição

procedida junto ao Consulado Bras i leiro - Pedido procedente - Recurso provido.

(Apelação Cível n° 47 .444 -4 - I tape tininga - 6 ª Câmara de Dire i to Pr ivado - Rela tor :

Munhoz Soares - 06.08.98 - V. U.)

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direito como motivador da perda da garantia de não expulsão em razão da

qualidade de cônjuge de brasileiro, uma vez que a razão de ser da norma é

para proteger a família e garantir a sua união. Cessado este vínculo, cessa

igualmente a garantia assim outorgada. Semelhante garantia atinge, tão

somente, os casos de saída forçada do estrangeiro por via de expulsão, mas

não se aplica nem em casos de deportação ou de extradição. 20

Efeitos patrimoniais do casamento

1. A lei aplicável ao Regime de bens do casamento

O regime matrimonial de bens é a regulamentação das relações

pecuniárias derivadas da associação conjugal, 21 pois os consortes muitas

vezes já possuem bens e durante a vida conjugal poderão vir a adquirir

outros, quer por aquisição própria, doação ou sucessão. Estes bens tem por

finalidade atender aos encargos da manutenção da família e eventualmente

outras obrigações dos cônjuges. 22 Faz-se necessário, portanto, determinar

como serão administrados esses bens, se constituem um patrimônio comum

ou reservado, se podem ser alienados e dentro de que limites e ainda seu

20 Diferentemente da expulsão e da depor tação, a extrad ição é um inst i tuto de

cooperação penal , no sent ido da luta contra a impunidade, portanto, não far ia sent ido

deixar -se de cumprir um pedido da jus t iça es trangeira quando ho uvesse qualquer t ipo de

laço fami l iar . Já no que per t ine à expulsão, por ser a to unilate ral do Brasi l , pode inf luir

na decisão elementos relat ivos à proteção da famí l ia , nos moldes elencados no Esta tuto

dos Estrangeiros. A deportação, por não ser def ini t iv a e permi t ir ao est rangeiro o

reingresso no pa ís, uma vez regular izada sua documentação, não impor ta em ameaça a

união fami liar .

21 Roguin, apud Esp ínola, p . 376

22 Eduardo Espíno la, p . 377. Por exemplo, quando o patr imônio é ut i l izado para

dar determinadas garant ias, como a f iança.

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destino em caso de dissolução da sociedade conjugal, por divórcio ou por

falecimento de um dos cônjuges.

No Brasil, o regime de bens decorre da lei ou de convenção dos

nubentes, por pacto ante-nupcial. No Código de 1917, além de sua

característ ica imutável, o regime legal era o da comunhão total de bens.

Posteriormente, por ocasião das modificações ocorridas quando da

introdução do divórcio no Brasil, em 1977, o regime legal passou a ser o da

comunhão parcial . Agora, com o novo Código Civil , mantém -se, como

regime legal o da comunhão parcial.

A separação das leis de regência do casamento e do regime de bens

foi uma inovação da LICC, pois a introdução de 191 7 estabelecia apenas a

aplicação da lei nacional da pessoa ao regime dos bens no casamento, o que

gerava inúmeros conflitos, quando os cônjuges tinham nacionalidade

diversa. Assim, justifica -se a preocupação do disposto no artigo 7 parágrafo

4o. da Lei de Introdução do Código Civil, que acrescentou a menção ao

primeiro domicílio conjugal, dispondo:

“o regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em

que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, à do primeiro

domicílio conjugal”.

Desta forma, o regime de bens será sempre regido pela lei do

domicílio comum, na seguinte ordem: o domicílio que já existia antes do

casamento, havendo aqui uma presunção de permanência deste mesmo

domicílio para a sociedade conjugal; ou o primeiro domicí lio da recém-

criada sociedade conjugal, no caso dos nubentes terem domicílio diverso,

pois este será o primeiro domicílio comum.

A tendência de submeter o regime de bens à lei do domicílio conjugal

sempre prevaleceu na doutrina clássica brasileira, como sa lientam a

doutrina brasileira, v.g., Serpa Lopes, Haroldo Valladão e Jacob Dolinger .

Mesmo na época da vigência da Introdução de 1917, em que a regra de

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conexão era a da nacionalidade, Clóvis Beviláqua inclui o domicílio

conjugal como critério supletivo p ara os casos de ausência de nacionalidade

comum ou de dupla nacionalidade de um dos cônjuges, resultando em

nacionalidades diversas.

A regra de conexão adotada para o regime de bens, no caso de já

haver um domicílio comum dos nubentes, não admite a autono mia da

vontade, ou seja, não admite que se utilize um domicílio diverso desse

domicílio comum. Apenas no caso de nubentes com domicílios diversos,

terão a faculdade de determinar um novo domicílio comum e, desta forma, a

lei aplicável ao regime de bens, mormente agora que o novo Código Civil

permitirá a escolha do domicílio comum.

Assim já entendeu o STF, quando permitiu que a escolha do

domicílio comum fosse interpretada como a verdadeira escolha do casal

sobre o regime aplicável ao patrimônio do casal . 23

Tratava-se de casal que foi ao Uruguai para a realização de seu

casamento, declarando, naquela ocasião, que estavam domiciliados no

Uruguai. Posteriormente, por ocasião da separação, era preciso determinar a

lei aplicável ao regime de bens, que segundo a r egra de DIPr brasileira,

23 CASAMENTO. REGIME DE BENS. INTERPRETACAO DO ARTIGO 7., PAR-4., DA LEI DE INTRODUCAO AO CODIGO CIVIL BRASILEIRO. 1) NUBENTES QUE, SEM IMPEDIMENTO PARA CASAR, CONTRAEM MATRIMONIO NO URUGUAI, DEPOIS DE PREENCHER, PELA LEI URUGUAIA, OS REQUISITOS EXIGIDOS PARA A FIXACAO DE DOMICILIO NESSE PAIS. DECISAO ONDE SE RECONHECE QUE O DOMICILIO SE ESTABELECEU NO LUGAR DO CASAMENTO TAMBEM SEGUNDO A LEI BRASILEIRA. CONCLUSAO QUE ASSENTOU, NESTE PONTO, NO EXAME DA PROVA, SENDO, POIS, IRREVISIVEL EM SEDE DE RECURSO EXTRAORDINARIO (SUMULA 279). INEXISTENCIA, POIS, DE OFENSA AO ARTIGO 7., PAR-4., DA LEI DE INTRODUCAO AO CODIGO CIVIL BRASILEIRO. 2) DA INTERPRETACAO RAZOAVEL, POR OUTRO LADO, A ESSE DISPOSITIVO LEGAL, O ARESTO IMPUGNADO, QUANDO SUSTENTA QUE NAO IMPORTA OFENSA AO ALUDIDO PRECEITO DA LEI DE INTRODUCAO, NO QUE TOCA AO REGIME DE BENS, CASAMENTO EFETUADO NO ESTRANGEIRO, SEGUNDO A LEI LOCAL, PARA QUE INCIDA DETERMINADO REGIME DE BENS, QUANDO ESTE E ADMITIDO, TAMBEM, PELA LEI BRASILEIRA. NO CASO, O MATRIMONIO EFETUOU-SE NO URUGUAI, ONDE O REGIME COMUM E O DA SEPARACAO DE BENS, PARA QUE ESTE FOSSE O REGIME DO CASAMENTO, REGIME TAMBEM ADMITIDO PELO NOSSO DIREITO. 3) INFRACAO AO PRINCIPIO GERAL DE DIREITO SEGUNDO O QUAL NAO PODE A PARTE "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM". RECURSO EXTRAORDINARIO NAO CONHECIDO. Supremo Tribunal Federal DESCRIÇÃO: RECURSO EXTRAORDINARIO.NÚMERO: 86787JULGAMENTO: 20/10/1978OBSERVAÇÃO: VOTACAO UNANIME. RESULTADO NAO CONHECIDO. VEJA AR-1105.ANO: 84 AUD: 04-05-79 ORIGEM: RS - RIO GRANDE DO SULPUBLICAÇÃO: DJ DATA-04-05-84 PG-***** EMENT VOL-00113-02 PG-00621 RTJ VOL-00090-03 PG-00968 RELATOR: LEITAO DE ABREU SESSÃO: 02 - SEGUNDA TURMA

Page 14: Casamento Ef Daniela e Nadia

14

deveria ser aquela do domicílio comum. Como então já estavam assentados

no Rio Grande do Sul, quis o cônjuge varão convencer o tribunal ser este

seu verdadeiro domicílio – aplicando-se a lei brasileira -- , e não aquela

antes declarada, que importaria na aplicação da lei uruguaia. Alguns

aspectos devem ser apontados: a mulher era viúva, de abastada família,

enquanto o noivo t inha vinte anos menos, sem qualquer patrimônio, e na

época o consórcio era considerado como escandaloso para o s padrões da

sociedade local. Por esse motivo, o casal pensou, inclusive, em radicar -se

no Uruguai onde tinham fazendas. Além disso, o casal não t inha qualquer

impedimento para casar segundo a lei brasileira, e para adotar o regime de

bens que bem entendesse. Mas, depois de 30 dias voltaram ao Rio Grande

do Sul e ficaram casados por vários anos.

De notar a importância desta determinação, visto que no Brasil o

regime seria da comunhão de bens e no Uruguai, o da comunhão parcial ,

sendo que a mulher era possuidora de expressivo patrimônio imobiliário,

cuja propriedade era anterior ao seu casamento, posto que viúva. Assim, o

STF não tinha porque desconsiderar a vontade declarada de ambos, no

sentido de que o domicílio era o uruguaio. O caso foi objeto de

manifestação do Prof. Haroldo Valladão, que entendeu não ser possível que

o cônjuge varão alegasse a nulidade de uma declaração validamente

proferida.

Com relação à segunda hipótese de determinação de domicíl io comum

– a dos nubentes que tem domicílio diverso --, os tribunais brasileiros

sempre aplicaram sem maiores problemas a lei do primeiro domicílio

conjugal. Por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu em

agravo de instrumento n. 87.722, de 1998, que tendo sido celebrado o

casamento em país estrangeiro, onde eram domiciliados os nubentes e onde

se fixou o primeiro domicílio conjugal, aplicava -se a lei desse mesmo país

Page 15: Casamento Ef Daniela e Nadia

15

ao regime matrimonial de bens. 24 Este acórdão reforça a idéia de que o

objetivo da LICC é que a lei aplicável ao regime de bens seja aquela

referente ao domicíl io comum da recém instaurada sociedade conjugal, ou

seja, se antes tinham domicíl ios diversos, o regime seguirá aquele domicílio

que se inicia com o casamento. Essa orientação também encontrou eco no

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 25 O Projeto de Lei 4.905/95,

elaborado para substituir a Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, e

que acabou por não ser convertido em lei, optou por reger sempre o regime

de bens pela lei do primeiro domicílio conjugal 26.

Com a entrada em vigor do novo Código Civil, e a determinação de

que o domicílio conjugal fosse estabelecido de comum acordo pelos

cônjuges, parece-nos que a autonomia da vontade para estabelecimento

deste domicílio qualificado não se harmoniza adequadamente com a regra

do artigo 7o. 7 da Lei de Introdução que manda aplicar a lei do domicílio

comum existente antes do casamento. Deve -se respeitar a autonomia da

vontade para estabelecimento de um domicílio conjugal por mútuo

consenso, não só para aqueles casais que tinham do micílios diversos antes

24 C AS AMENTO - Ce leb ração no exter ior - Regime de bens - Le i do dom ic í l io - Ar t igo

7º , § 4º , do Decreto - le i 4 .657, de 1942. Tendo s ido c e leb rado o casamento em pa ís es t range i ro , onde eram dom ic i l iados os nubentes e onde se f i xou o pr imei ro dom ic í l i o con juga l , ap l i c a -se a l e i do mesmo país quanto ao regime mat r imonia l de bens . (Ag ravo de Ins t rumen to n . 87.722 -4 - São Paulo - 6ª Câmara de Di re i to Pr ivado - Re la tor : Ernan i de Pa i va - 03.09.98 - V . U. )

25 Inventario . Regime de bens do casamento do inventariado . O regime de bens

obedece à lei brasi leira, no caso de espanhol aqui domici l iado que, indo `a terra nata l ,

a l i contra iu casamento , com mulher espanhola ali domici l iada, si lente o contrato

quanto ao regime de bens, e vol tou logo em seguida ao Brasil , onde o casal estabeleceu

o primeiro domici l io conjugal. Ap licacao da regra do art . 7 . par . 4 . , da L e i de

Introdução. (DP)Tipo da Ação: AGRAVO DE INSTRUMENTO 1987.002.1157,

24/03/1988, Comarca de SEGUNDA CAMARA CIVEL, Rela tor PECEGUEIRO DO AM ARAL. Julgado em 23/02/1988 . No mesmo sent ido, veja-se também, Ap. Cível 10906/99, Relator Nagib Slaibi Filho, ju lg do. 2/12/99.

26 Art igo 9o. O reg ime de bens obedece à le i do primeiro domicí l io conjugal,

ressalvada a apl icação da le i brasi leira para os bens s i tuados no Brasi l que tenham

sido adquir idos após a t ransferência do pr imeiro domic íl io con jugal . Para íntegra do

texto, consultar Dolinger e Tiburc io, Dire i to Internac ional Pr ivado, Vademecum, Ediç ão

Univers i tá r ia , 2a. edição revista e atua lizada , Ed . Renovar , 2002 .

Page 16: Casamento Ef Daniela e Nadia

16

do casamento, mas também para os casais que t inham um domicílio comum

mas que transferiram seu domicílio por ocasião do casamento.

Esse é mais um caso em que a ausência de modificação da LICC

juntamente com o novo Código Civil causa rá inúmeras polêmicas em

matérias regidas diversamente pela lei anterior do que a posterior.

A imutabilidade do regime de bens

Uma das características do sistema brasileiro sempre foi o da

imutabilidade do regime de bens a partir da celebração do casament o. O

reflexo desse princípio para o DIPr significa que a lei aplicável ao regime

de bens, uma vez determinada, também era imutável. Por ocasião da LICC e

da substi tuição do cri tério da nacionalidade pelo domícilio, decidiu o

Supremo Tribunal Federal , em favor da imutabilidade do regime e da lei

aplicável ao mesmo. 27

Surge a dúvida se uma mudança posterior de domicílio irá afetar o

regime de bens do casamento, que poderia por ventura passar a ser regido

por outra lei . E nesse sentido, o Tribunal de Justiça d e São Paulo

esclareceu que apesar do casal agora ter domicílio no Brasil, regia os bens

a lei do primeiro domicílio conjugal. Isso porque o tribunal não acolheu a

pretensão do casal , de ver reconhecido a alteração do regime de bens para

o regime da comunhão parcial sob a alegação de ser este o regime legal em

vigor no Brasil, onde o casal passou a residir. 28

27 CASAMENTO. REGIMEN LEGAL DE SEPARACAO DE BENS. LEI ITALIANA APLICADA, EM OBEDIENCIA AO PRINCIPIO DA LEI NACIONAL, AO TEMPO ENTRE NOS CONSAGRADO. EMBORA HOJE VIGORE O PRINCIPIO DA LEI DO DOMICILIO, NAO HA COMO APLICAR AO REGIME DE BENS DE UM CASAMENTO REALIZADO ANTES DA ATUAL LEI DE INTRODUCAO (DE 1942) O QUE ESTA DISPOE. Supremo Tribunal Federal; RECURSO EXTRAORDINARIO. NÚMERO: 19686 JULGAMENTO: 31/08/1953 OBSERVAÇÃO: VOTACAO: UNANIME. RESULTADO: NAO CONHECIDO. PRV 6 PP.. ANO: 54 AUD: 22-04-54 ORIGEM: SP - SAO PAULO PUBLICAÇÃO: DJ DATA-23-04-54 PG-***** EMENT VOL-00165-01 PG-00087

RELATOR: LUIZ GALLOTTI SESSÃO: 01 - PRIMEIRA TURMA RE 19686.

28 (Relator : Munhoz Soares - Apelação Cíve l n. 180.372 -1 - Campinas -

17.12.92) . Tr ibunal de Just iça de São Paulo E M E N T A : C AS AMENTO - Regime de bens -

Ce lebração no exter ior - Casa l es t range i ro com dom ic í l io a tua l no Bras i l - Ausênc ia de pac to antenupc ia l no dom ic í l io do casamento que determ ina a comunhão to ta l - Imutab i l idade, inc lus ive pa ra f ins pat r imonia is , inobs tante o regime b ras i le i ro em v igor se ja o da comunhão parc i a l - Recurs o não prov ido. O fa to de côn juges es t range i ros , após o casamento , mudarem -se

Page 17: Casamento Ef Daniela e Nadia

17

A única exceção à imutabilidade era a contemplada no parágrafo 5o.

da LICC, que permitia ao estrangeiro, no momento de sua naturalização e

com expressa anuência de seu cônjuge proceder à mudança do regime, para

o regime legal brasileiro (de comunhão parcial). Assim, aqui a mudança do

regime de bens acarretou também a mudança da lei aplicável, que passa a

ser a brasileira, por força do domicílio conjugal. De notar que esta regra, de

caráter unilateral , fazia mais sentido na época da anterior Introdução ao

Código Civil, de 1917, quando o estatuto pessoal era regido pela lei da

nacionalidade. 29

Todavia, inova o Código Civil de 2002, ao permitir 30 a alteração do

regime, por via judicial, a pedido justificado de ambos os cônjuges,

ressalvados os direitos de terceiros. 31 As conseqüências desse art igo para o

DIPr não podem ser menosprezadas, pois possibili tará a substituição da lei

aplicável ao regime de bens da época do casamento, pela lei brasileira,

para o B ras i l , não impor ta , só po r i sso, em poss ib i l idade de a l te rar -se o regime de bens por que opta ram. (Rela tor : Munhoz Soares - Ape lação C íve l n . 180.372 -1 - Campinas - 17.12.92)

29 Supremo Tribunal Federal DESCRIÇÃO: RECURSO EXTRAORDINARIO. NÚMERO: 74934 JULGAMENTO: 14/09/1976 E M E N T A REGIME DE BENS. - CASAMENTO, CELEBRADO NO BRASIL, DE BRASILEIRO NATURALIZADO, COM ALEMA. AMBOS DOMICILIADOS NO PAIS, SOB REGIME DE SEPARACAO DE BENS, CONSOANTE PACTO ANTENUPCIAL. - ADOCAO, DE COMUM ACORDO, PELOS CONJUGES, DO REGIME DA COMUNHAO UNIVERSAL, APOS CONCEDIDA NATURALIZACAO BRASILEIRA A MULHER, - NULIDADE, DE PLENO DIREITO, DO ATO, NAO CARACTERIZADA A HIPOTESE PREVISTA NO PAR 5, DO ART. 7, DA LEI DE INTRODUCAO AO CODIGO CIVIL. - QUESTOES, SUSCITADAS, PELO RECORRENTE E PELA RECORRIDA, INSUSCETIVEIS DE APRECIACAO NO RECURSO. - RECURSO EXTRAORDINARIO CONHECIDO E PROVIDO.

ORIGEM: SP - SAO PAULO PUBLICAÇÃO: DJ DATA-12-09-77 PG-***** EMENT VOL-

01069-01 PG-00451 30 Art . 1 .639. É l íc i to aos nubentes, antes de ce lebrado o casamento, est ipular ,

quanto aos seus bens , o que lhes aprouver ,

§20. É admissível al teração do regime de bens, media nte autor ização judicial em

pedido mot ivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e

ressa lvados os di rei tos de terce iros .

31 Roguin, apud Espíno la, p . 377, já havia levantado a questão da necess idade de

ressa lvar , no regime de ben s, o interesse dos f i lhos, e de terceiros.

Page 18: Casamento Ef Daniela e Nadia

18

mesmo quando aquela lei estrangeira inicialmente aplicável estabelecer a

sua imutabilidade, se o requerimento for feito no Brasil. 32

Outra questão importante diz respeito à necessidade ou não da

comprovação do regime aplicável. Há precedentes judiciais pela

desnecessidade da prova do regime de bens em casos de transcrição de

assento de casamento realizado no estrangeiro. Assim decidiu o Tribunal de

Justiça de São Paulo, que em matéria de dúvida suscitada na hora da

transcrição do casamento realizado no estrangeiro, permitiu que a

declaração pessoal suprisse a omissão sobre o regime de bens adotado, por

força da aplicação do art . 7, p. 5 da LICC. Desta forma observou -se a lei do

paíse em que os nubentes tinham domicílio, nada impedindo a adoção do

regime por eles declarado. 33 Esta decisão é interessante porque efetivamente

respeita as peculiaridades da lei estrangeira sem pretender adaptá -la ao

sistema brasileiro. Considerando que entre as formalidades locais, onde o

ato foi praticado, não é necessária a informação sobre o regime de bens na

certidão, não poderia o direito brasileiro exigi -la, criando requisito que a

lex fori não prevê.

2. Regime convencional de bens – pactos ante-nupciais

Quando os nubentes decidem estabelecer, através de um pacto

antenupcial, o regime de bens de seu matrimônio, diverso daquele legal,

surgem alguns problemas relacionados ao direito internacional privado, se

este ato for praticado no exterior. Importante notar que o art . 7o p. 4

o. da

LICC, ao falar de regime de bens, não distingue entre o regime de bens

legal e o regime de bens convencional. Aplicam -se, portanto, ao regime de

bens convencional as mesmas disposições do regime legal quanto à lei

32 Como no Brasi l não se ut i l iza o reenvio , a imutabi l idade do regime pela le i

aplicável ao mesmo não sur t irá e fei tos aqui , para fins de impedir os cônjuges de usar a

faculdade prevista no ar t . 1639 p. 2o. do novo Código Civil .

33 Recurso AC 162367 , Relator Weiss de Andrade, julgamento em 22/10/93.

Page 19: Casamento Ef Daniela e Nadia

19

aplicavel, em função do domicílio comum, e quanto à sua imutabilidade.

Desta forma, se o domicílio comum ou o primeiro domicílio conjugal for no

Brasil, a lei aplicável ao pacto será a brasileira.

Não podemos esquecer que o pacto é um acordo de vontades, e como

tal sujeito ao disposto no art . 9o

da LICC, no tocante aos requisitos de sua

validade, que não podem ignorar a lei local. Contudo, no momento de dar

efeito a esse pacto no Brasil – por ser o domicílio comum dos nubentes ou o

primeiro domicíl io conjugal --, a interpretação de suas cláusulas será feit a à

luz das normas imperativas do direito brasileirorelativas ao regime de bens.

Isso porque, nos dizeres de Caio Mário 34 embora o pacto seja um

contrato, não se subordina ao direito das obrigações, mas sim ao direito de

família, adquirindo um caráter inst itucional diverso do que é permitido

pactuar no campo obrigacional.

No tocante à forma, surge a dúvida quanto à necessidade de atender

aos requisitos formais da lei brasileira 35 em vista do disposto no parágrafo

1o. do art. 9

o , v.g., no caso de um pacto feito no exterior por instrumento

particular, quando a lei brasileira exige escritura pública e registro em livro

especial do registro de imóveis, para produzir efeitos perante terceiros. A

solução está na aplicação da regra locus regit actum, tendo em vista que

seguiu-se a lei local no momento de sua elaboração, sendo um ato jurídico

perfeito e não havendo óbice para a sua aceitação no Brasil. Nesse sentido

já lecionava Oscar Tenório 36 ao esclarecer que os elementos extrínsecos dos

34 SILVA PEREIRA, Caio Már io, Inst i tu ições de Dire ito Civi l , . . .vol . v , p . 122.

35 No novo Código Civil :

Art . 1 .653. É nulo o pacto antenupcial se não for fe i to por escr i tura públ ica, e

ineficaz se não lhe segui r o casamento.

Art . 1 .657. As convenções antenupcia is não terão efei to perante terce iros senão

depois de registradas, em l ivro espec ia l , pe lo o fic ia l de Registro de Imóveis do

domicí l io dos cônjuges .

36 TENÓRIO, Oscar , Lei de Introdução . . . p . 276 .

Page 20: Casamento Ef Daniela e Nadia

20

pactos ante-nupciais dependiam da lei do lugar da celebração e os

elementos intrínsecos, da lei do domicílio comum dos nubentes ou do

primeiro domicíl io conjugal. Também Serpa Lopes entende não haver

dúvida de que prevalece, quanto à forma, a regra locus .37 Portanto, quando

o pacto é celebrado no exterior, dispensar -se-á a observância da forma

essencial da lei brasileira, qual seja, a forma pública. 38

Já quanto à questão do registro do pacto no Registro de Imóveis, para

que o mesmo produza efeitos perante terceiros, precisará ser at endida só no

que tange aos bens imóveis aqui si tuados. Isso porque, trata -se de questão

relativa à direitos reais, regida pela lex rei sitae , sendo o registro

constitutivo dos seus efeitos perante terceiros. 39

No que diz respeito à substância das disposiçõ es do pacto, não se

pode esquecer que há países em que esta liberdade é bastante ampla,

permitindo estipulações de todo desconhecidas da lei brasileira. No Brasil ,

considerar-se-ão não escritas as cláusulas do pacto violadoras da ordem

pública, quando a regência for pela lei estrangeira, e aquelas que

extrapolarem os limites do sistema de regime de bens brasileiro, quando

aplicável a lei brasileira. Essas duas hipóteses seguem, portanto, a regra de

DIPR do art . 7o p. 4

o . Assim, um determinado pacto, apesar de válido pela

lei local de sua celebração, pode, em caso de cumprimento no Brasil, ter

algumas de suas cláusulas consideradas como nulas, ao menos com relação

aos bens aqui situados, pois incompatíveis com a nossa sistemática. 40

37 SERPA LOPES, M.M. Lei de Introdução. . .p. 119.

38 De lembrar , que o pac to não se d i ferenc ia dos demais documentos

es trangeiros, e por tanto é necessár io proceder -se à sua lega lização com a sua tradução

pública juramentada e o se u regis tro em t í tulos e documentos, que desta forma lhe darão

fé públ ica, a tendendo -se ao requis i to da publ ic idade do a to .

39 Veja -se sobre o tema, FACHIN, Lu ís Edson, e RUZYK, Carlos Eduardo P. ,

Código Civ il Comentado , vo l . XV, (Dire i to de Família .Casament o) , São Paulo, Ed.

Atlas, 2003, p . 139 e seguintes.

40 O código civi l brasi leiro possui t rês modal idades de regime de bens: a

comunhão parcial , que é o regime legal , e a co munhão universal , antigo regime legal a té

Page 21: Casamento Ef Daniela e Nadia

21

A questão da comunicação dos aqüestos

Note-se que no direito internacional privado a questão da lei

aplicável ao regime de bens resulta de uma escolha fria e matemática, mas

que espelha uma verdadeira escolha entre culturas diversas. Isso porque há

enormes diferenças culturais no que diz respeito à proteção da família,

entre os países que adotam a comunhão total, parcial ou separação de bens.

Veja-se que essa diferença, ainda hoje sentida, remonta às àquelas

existentes entre os sistemas jurídicos de origem romana ou germânica.

Enquanto Roma possuía o sistema de separação total e absoluta, no sistema

de origem germânico vigia o da comunhão universal de bens. Haroldo

Valladão relata que o regime da comunhão universal aparece e domina em

Portugal, como costume do reino longamente us ado, desde as ordenações

afonsinas, perdurando nas ordenações Filipinas, quanto aos bens presentes e

futuros, mantido no Código Português, e seguido até recentemente no

Brasil. Entre esses extremos temos ainda numerosos sistemas mistos de

comunhão e separação parciais, entre os quais podemos citar o tradicional

costume espanhol da sociedad de los gananciales, que compreende a

comunhão apenas dos bens adquiridos durante o casamento, a título

oneroso, e que se estendeu aos códigos dos países hispano -americanos.41

Na época em o tema era regido pelo cri tério da nacionalidade,

tivemos inúmeros casos de imigrantes, cuja lei aplicável da nacionalidade

era agora de um país distante de sua realidade pessoal (ou seja imigraram já

casados e fizeram todo o seu patrimônio no país adotado, embora o regime

de bens continuasse sendo o do país de origem, seguindo o princípio da

1977, e a separação de bens. O novo Código Civi l inovou ao incluir um quarto regime:

o de par t ic ipa ção f inal de aqüestos, na forma do disposto no ar t . 1672 e seguintes .

41 VALLADÃO, Haro ldo, op. Cit . , vol . I I , p . 82 .

Page 22: Casamento Ef Daniela e Nadia

22

imutabilidade). Isso gerou inúmeras injustiças, em especial com relação aos

italianos, país no qual o regime legal era o da separação, o que deixava a

viúva, após anos de convivência, em situação de penúria no momento da

morte de seu marido. Em razão desse contexto, os tribunais desenvolveram

interessante teoria acerca da comunhão dos aqüestos, para os regimes de

bens regidos por lei estrangeira, e para os casos da lei brasileira que previa

a obrigatoriedade da separação de bens em algumas hipótese, como a dos

maiores de sessenta anos. Os tribunais brasileiros deram uma interpretação

mais elástica a esse conceito de separação de patrimônio, de forma a

privilegiar o esforço comum, mesmo quando a lei aplicável fosse a

estrangeira e dispusesse de forma diferente. Essas decisões atingiram

somente àqueles bens aqui situados, pois quanto a estes, possuíam nossos

tribunais competência exclusiva. O assunto chegou a ser consolidado pelo

STF, através da súmula 377, que dispôs que apesar das característ icas

inerentes ao regime da separação comunicam -se os bens adquiridos na

constância do casamento se resultantes de esforço comum.

O assunto foi ventilado na jurisprudência, que destacamos através da

análise de alguns casos dos tribunais estaduais.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, seguindo posição também de

outros tribunais do país, decidiu que se aplicam aos bens adquiridos no

Brasil o regime da comunhão de aquestos mesmo quando o casamento foi

realizado no exterior e o regime de bens é de separação segundo a lei

estrangeira, por presumir -se uma conjugação de esforços na formação do

patrimônio do casal. 42 Ampara-se em decisão do STF no RE 78811, de 1975,

no qual aplicou o art . 259 do Código Civil ao casamento de alemães

casados pelo regime da separação de bens, de acordo com a lei alemã. 43

42 Agravo de Instrumento n. 414 /88, in RTJE, vo l . 61, p . 105.

43 RECURSO EXTRAORDINARIO .- RE-78811 / GB

Page 23: Casamento Ef Daniela e Nadia

23

Desta forma, apesar da regra de conexão brasileira acerca do regime

de bens aceitar a util ização da lei estrangeira quando o do micílio comum ou

o domicílio conjugal foi no exterior, dar -se-á a comunhão de aqüestos para

os bens adquiridos pelo esforço comum, ao menos no que diz respeito aos

aqui situados. Essa situação aparece tanto por ocasião do divórcio, quanto

na sucessão.

Todavia, em outro caso julgado também no Tribunal de Justiça do

Rio de Janeiro essa orientação não foi seguida, decidindo -se de forma

diversa. A questão dizia respeito a uma execução pela qual responderia o

imóvel em nome da mulher, caso fosse consagrada a com unhão de aquestos,

apesar do regime ser de separação de bens. A peculiaridade do caso é que o

casamento se dera no Zimbabwe, antiga Rodésia, onde também fora

estabelecido o 1o. domícilio conjugal. Por essa razão, em função da

aplicação do parágrafo 4o. do art . 7o da LICC, o regime de bens obedecia a

lei estrangeira. A senteça de 1o. grau aplicou o direito brasileiro por

Relator(a): Min. ANTONIO NEDER

Publicação: DJ DATA-06-06-75 PG-03949 EMENT VOL-00988-01 PG-00234 RTJ VOL-00074-01 PG-

00194 Julgamento: 29/04/1975 - PRIMEIRA TURMA

Ementa

1. ALEMAES CASADOS PELO REGIME DA SEPARACAO DE BENS DE ACORDO COM A LEI

NACIONAL DE AMBOS, QUE SE RADICARAM NO BRASIL APOS O CASAMENTO. SE O MARIDO E A MULHER SE MANTIVERAM SEMPRE UNIDOS E CONJUGARAM ESFORCOS PARA LEVAR A CABO A FORMACAO DO PATRIMONIO COMUM, AINDA QUE A COOPERACAO DA ESPOSA TENHA SIDO LIMITADA AO TRABALHO DOMESTICO, TEM ELA INDISCUTIVELMENTE O DIREITO, ATE

MESMO NATURAL, DE COMPARTILHAR DAQUELE COMPLEXO DE BENS, COMO DISPOE O ART. 259 DO CODIGO CIVIL. NAO IMPORTA QUE O MARIDO E A MULHER SEJAM ESTRANGEIROS E HAJAM CELEBRADOS O CASAMENTO PELO REGIME DA SEPARACAO DE BENS, NOS TERMOS DA LEI NACIONAL DE AMBOS, PORQUE, NO PORMENOR DA COMUNHAO DOS AQUESTOS, O IMPORTANTE E DECISIVO E O ESFORCO COMUM E CONSTRUTIVO DESENVOLVIDO PELO CASAL NO DOMICILIO EM QUE ELE CONSTRUIU OU FORMOU O PATRIMONIO PELO TRABALHO CONSTANTE E CONJUGADO DO MARIDO E DA MULHER. TRATA-SE DE UMA REALIDADE QUE O

DIREITO POSITIVO SE LIMITA A HOMOLOGAR, TAO DIFICIL E SUA NEGACAO. 2. RECURSO EXTRAORDINARIO PROVIDO, NOS TERMOS DO VERBETE 377 DA SUMULA DO STF.

Page 24: Casamento Ef Daniela e Nadia

24

entender que não fora convenientemente comprovado o direito estrangeiro.

Segundo este, o regime de bens era da separação de bens, não have ndo no

Zimbabwe qualquer regra sobre comunicação de aquestos. Todavia, o

Tribunal reformou a sentença de 1a. instância, entendendo que as certidões

do notário público de Harare faziam prova do direito estrangeiro e,

consequentemente, excluía a possibil idade de aplicação da regra

brasileira.44 Com isso, excluiu-se o imóvel dos efeitos da execução contra o

marido e o adquirente cessionário do referido imóvel. Desta forma,

protegeu-se o direito desse terceiro, adquirente de boa -fé.

Restrição à aquisição de bens imóveis por estrangeiro

Outro efeito que pode advir do casamento entre brasileiro e

estrangeiro diz respeito à aplicação das restrições à aquisição de imóvel por

estrangeiro no Brasil, por força da comunicação do patrimônio comum do

estrangeiro com o conjuge brasileiro.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 190, remete à

legislação infraconstitucional a regulamentação sobre a aquisição ou o

arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira.

Anteriormente, a matéria já havia sido regulada pela Lei 5.709 de 07 de

outubro de 1971 e pelo 74.965 de 1974. Havia dúvida sobre a aplicação

dessa matéria ao patrimônio comum, já que a regulamentação exigia prévia

autorização para aquisição de imóveis rurais e impunha limites máxim os

por município, nesta aquisição.

O tema foi pacificado pelo STJ, que por decisão da Primeira Turma

do Superior Tribunal de Justiça examinou um Mandado de Segurança 45

apresentado por um brasileiro casado com estrangeira, que se insurgia

44 t i r ar essa no ta.

45 No ROMS 5831/ SP de 27.02. 1997,

Page 25: Casamento Ef Daniela e Nadia

25

contra a exigência de uma prévia autorização do INCRA para a aquisição de

um imóvel rural. Por unanimidade, foi negado provimento ao recurso,

entendendo o STJ que a exigência de caráter administrativo imposta ao

estrangeiro se estende ao cônjuge brasileiro quando se tratar de uma

propriedade que passará a integrar o patrimônio comum dos cônjuges 46.

Nos embargos de declaração a essa mesma sentença, o STJ esclarece que a

Lei 5.709 de 1971 foi recepcionada pela Constituição de 1988, conforme

disposto no artigo 23 parágrafo 1o. da Lei 8.629, de 25 de fevereiro de

1993, que regulamenta a Constituição. Desta forma, a interpretação do

art igo 190 da Consti tuição à luz da regulamentação infraconstitucional em

vigor é de que “o estrangeiro casado com brasileiro, ou vice -versa, em

regime de comunhão universal de bens, só pode adquirir imóvel rural, com

área especificada na lei, com autorização do INCRA” 47.

46 Superior Tribunal de Justiça ACÓRDÃO: ROMS 5831/SP (199500267942) 153434 RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA DECISÃO: POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. DATA DA DECISÃO: 27/02/1997 ORGÃO JULGADOR: - PRIMEIRA TURMA E M E N T A MANDADO DE SEGURANÇA - AQUISIÇÃO DE IMOVEL RURAL POR CONJUGE BRASILEIRO CASADO COM ESTRANGEIRA. 1. O BRASILEIRO, AO CONVOLAR NUPCIAS COM ESTRANGEIRO, SUJEITA-SE A RESTRIÇÃO DA LEI 5.709/1971, SE O REGIME DE BENS DETERMINAR A COMUNICAÇÃO DA PROPRIEDADE. 2. SENDO ASSIM, O CONJUGE BRASILEIRO, PARA ADQUIRIR PROPRIEDADE RURAL TERA QUE SOLICITAR AUTORIZAÇÃO DO INCRA. ESTA EXIGENCIA NÃO PROIBE DE SE TORNAR PROPRIETARIO, APENAS O SUJEITA A UM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. 3. RECURSO IMPROVIDO. RELATOR: MINISTRO JOSÉ DELGADO

47 Superior Tribunal de Justiça ACÓRDÃO: EDROMS 5831/SP (199500267942) 168844 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA DECISÃO: POR UNANIMIDADE, ACOLHER OS EMBARGOS. DATA DA DECISÃO: 23/05/1997 ORGÃO JULGADOR: - PRIMEIRA TURMA

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26

Esclarece ainda o STJ de que não se trata de uma proibição à

aquisição da propriedade, mas sim um requisito de ordem administrativ a

que deve ser cumprido, pois previsto em lei.

A nosso ver, a necessidade de obter a prévia autorização do INCRA

se aplica não só aos casos de casamentos sob o regime de bens da

comunhão universal, mas a todos os casos em que, pelo regime de bens do

casamento, o imóvel adquirido for propriedade comum de um casal em que

um dos cônjuges for estrangeiro.

3. A qualidade de herdeiro do conjuge sobrevivente

A tradição brasileira sempre foi de não considerar o cônjuge como

herdeiro necessário, sendo chamado à sucessão apenas no caso de ausência

de descendentes ou ascendentes. Quando o regime de bens tradicional do

Código Civil de 1916, era o da comunhão universal , o cônjuge já fazia jus à

meação do patrimônio conjugal. Posteriormente, com a mudança do regime

legal para o da comunhão parcial, ainda assim, na maioria dos casos, a

comunhão de aqüestos já é expressiva, todavia, não havia garantia da

existência de patrimônio a dividir com o cônjuge sobrevivente,

E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATORIOS. OMISSÃO. EXISTENCIA. 1. SENDO EVIDENTE A OMISSÃO DO ACORDÃO POR TER DEIXADO DE DISCUTIR TEMAS JURIDICOS APRESENTADOS PELA PARTE RECORRENTE, CUMPRE COMPLEMENTA-LO COM A APRECIAÇÃO DE TAIS QUESTÕES. 2. A CARTA DE 1988 RECEPCIONOU A LEI 5.709/1991. EM ASSIM SENDO, O ESTRANGEIRO CASADO COM BRASILEIRO, OU VICE-VERSA, EM REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS, SO PODE ADQUIRIR IMOVEL RURAL COM AREA ESPECIFICADA NA LEI, COM AUTORIZAÇÃO DO INCRA. 3. INTERPRETAÇÃO DO ART. 190 DA CF/1988. 4. EMBARGOS RECEBIDOS. RELATOR: MINISTRO JOSÉ DELGADO INDEXAÇÃO: DESCABIMENTO, BRASILEIRO NATURALIZADO, CONJUGE, ESTRANGEIRO, AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOVEL, ZONA RURAL, HIPOTESE, CASAMENTO, COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS, NECESSIDADE, AUTORIZAÇÃO, INCRA, DECORRENCIA, RESTRIÇÃO, ESTRANGEIRO, AQUISIÇÃO, IMOVEL. FONTE: DJ DATA: 18/08/1997 PG: 37781 REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS: LEG: FED CFD: 000000 ANO: 1988 ***** CF-88 CONSTITUIÇÃO FEDERAL ART: 00190 LEG: FED LEI: 005709 ANO: 1971 ART: 00015 ART: 00003 LEG: FED DEC: 074965 ANO: 1974 ART: 00007 PAR: 00002

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27

especialmente em casos no qual todo o patrimônio famil iar decorria de bens

havidos por herança pelo de cujus . Agora, com o novo Código Civil, opera -

se significativa mudança: o cônjuge supérstite concorre com os

descendentes na sucessão legítima, a depender do regime de bens. 48

No que diz respeito ao DIPr, embora a lei vigente no Brasil não

qualificasse o cônjuge sobrevivente como herdeiro -- como se fará na

entrada do novo Código Civil --, havia casos em que isso ocorria por força

da regra de conexão que determinava a aplicação da norma estrangeira à

sucessão, na forma do caput do art . 10 da LICC. 49

Recentemente, tivemos um exemplo da ocorrência deste problema,

como parte do processo de cumprimento de um testamento particular no

Brasil, sendo o de cujus estrangeiro e tendo falecido no exterior, surgiu a

dúvida acerca da identificação dos possíveis herdeiros em uma sucessão

legít ima, já que o artigo 1131 do CPC dispõe que serão intimados para a

inquirição não somente os beneficiados pelo testamento, mas também

48 Art . 1 .829. A sucessão legí t ima defere -se na ordem seguinte :

I – aos descendentes, em concorrência co m o cônjuge sobrev ivente, sa lvo se

casado es te com o fa lecido no regime da comunhão universal , ou no da separação

obrigatór ia de bens (ar t . 1 .640, parágrafo único) ; ou se, no regime da comunhão parc ia l ,

o autor da herança não houver deixado bens par t iculares ;

I I – aos ascendentes , em concorrência com o cônjuge;

I I I – ao cônjuge sobrevivente ;

IV – aos cola terais.

Art . 1831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, srá

assegurado, sem prejuízo da par t ic ipação que lhe ca iba na herança, o dire i to real de

hab i tação relat ivamente ao imóvel dest inado à res idência da famí lia , desde que seja o

único daquela natureza a inventar iar .

Art . 1832. Em concorrência com os descendentes (ar t . 1 .829, inc iso I) caberá ao

cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, n ão podendo a sua quota ser

infer io r à quarta par te da herança, se for ascendente dos herdei ros com que concorrer .

Art . 1837. Concorrendo com ascendentes em primeiro grau, ao cônjuge tocará um

terço da herança; caber - lhe-á a metade desta se houver um só asc endente, ou se maior

for aquele grau.

49 Sobre a determinação da qual idade de herde iro , segundo o ar t . 10 p . 2o. da

LICC, veja -se decisão do STJ no caso Blanca Escuder o.

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28

“aqueles a quem caberia a sucessão legítima”. O pedido foi feito pelo

conjuge sobrevivente, herdeiro por força do testamento e da lei aplicável à

sucessão.

Segundo o artigo 10 da LICC, a qualidade de herdeiro é dada pela lei

da sucessão, que seria a do Panamá, último domicílio do de cujus. E pelo

direito panamenho, conforme restou comprovado nos autos, na forma

estabelecida no Código Bustamante, o cônjuge supérstite é sempre herdeiro

na sucessão intestada, concorrendo em igualdade de condições com os

descendentes, e na ausência destes, com os ascendentes. Po rtanto, tendo

em vista a disposição da lei estrangeira, foi considerado essencial , para

atender ao artigo 1131 do CPC brasileiro, intimar a mãe da falecida, a qual

era domiciliada na Espanha, para se manifestar sobre o testamento

particular.

Somente a confirmação do testamento particular, efetuada pelo juiz

brasileiro, após a inquirição das testemunhas, é que teria o condão de

excluir o ascendente da sucessão. Na eventualidade do testamento não ser

confirmado, o ascendente herdaria juntamente com o cônju ge sobrevivente,

tudo na forma do direito panamenho.

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A dissolução do casamento

O casamento pode dissolver-se por três motivos: pela anulação, pela

separação e posterior divórcio e pela morte de um dos cônjuges. Cada um

desses motivos tem uma repercussão diferente para o DIPR.

No que diz respeito à anulação proposta no Brasil, a LICC contém

dispositivo especial a respeito, no art . 7o p. 3o, repetindo o sistema da

regra que dispõe sobre regime de bens, manda aplicar a lei domicílio dos

nubentes ou sendo diverso este domicílio, a lei do primeiro domicílio

conjugal.

O tema foi abordado pelo STF, em priscas eras, e não teve

manifestações mais recentes. Na SE 2085, ao negar homologação a uma

sentença estrangeira anulatória de casamento, o Ministro Luis Gallotti

declara que o dispositivo da LICC resultou de equívoce evidente na

transição do princípio da nacionalidade para o domicil iar em direito de

família, pois “a validade de um ato só pode ser aferida em face da lei a que

ele obedeceu”.

Também Haroldo Valladão, 50 ao abordar o tema classifica o artigo

como absurdo, entendendo que a validade de um ato da importância do

casamento não pode se submeter a uma lei diferente daquela que o presidiu,

e cuja incidência decorre de evento alheio à própria celebração . Desta

forma, em linha com o que já dissemos a respeito da lei aplicável aos

impedimentos matrimoniais, não se pode aplicar à anulação do casamento

baseada em defeitos da celebração, tais como infração aos impedimentos,

outra lei que não aquela que regeu a habilitação dos nubentes. Por seu

turno, admitir -se-ia a regra em questão, ou seja do domicílio conjugal,

50 VALLADÃO, Haro ldo, “ Dire ito Internacional. . . ” vol. I I , p . 133 .

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30

somente para os casos de erro essencial ou coação, observando -se, neste

caso, os prazos prescricionais da lei domiciliar.

No que tange à dissolução do casamento pelo divórcio, três hipóteses

se apresentam com repercussões no DIPR: divórcio realizado no Brasil , de

casamento realizado no exterior, 51 e os efeitos de divórcios realizados no

exterior, de casamento lá celebrado ou aqui celebrado.

Estando o casal, cujo casamento foi celebrado no exterior,

domiciliado no Brasil, e querendo aqui divorciar -se, será competente a

justiça brasileira para processar o feito. No curso do processo será seguida

a lei brasileira para processar o feito. Mas, o juiz dever á debruçar-se sobre

a lei estrangeira para verificar a validade do ato estrangeiro, por força da

regra locus regit actum . Cumpre lembrar que se uma das partes for

brasileira, o casamento deverá ter sido registrado no Brasil para aqui

produzir efeitos. Deverá também verificar a lei aplicável ao regime de bens,

na forma do art. 7o p. 4

o. , util izando a lei estrangeira, se necessário.

Se o divórcio ocorreu no exterior, a produção de efeitos no Brasil

dependerá de sua homologação no STF. A LICC em seu artigo 15 parágrafo

único dispensava de homologação a sentenças que qualificava como

“meramente declaratórias do estado das pessoas”. Desta forma, sentenças

de divórcio que não dispussem sobre partilha de bens, alimentos ou

qualquer outro efeito diferente do estado civil dos ex-conjuges não

precisavam ser homologadas, sendo levadas diretamente ao registro no

Registro Civil de Pessoas Naturais. Todavia, essa orientação foi modificada

pelo STF, em um caso em que o juiz da comarca de Bicas, MG, confirmou

exigência de homologação da sentença pelo oficial do registro civil e

solicitou pronunciamento do STF. O Ministro Celso de Mello, em sua

51 Não vamos cuidar do divórc io anter ior à 1977 ou mesmo antes, quando vigia a

antiga Introdução ao Código Civil , com o cr i tér io da nac ional idade. Para um estudo

aprofundado desse tema, veja DOLINGER, J acob, O dire i to c ivi l . . . , capítulos 5o e

seguintes.

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31

decisão monocrática declarou que o artigo em questão fora revogado pelo

art . 483 do CPC, e portanto todas as sentenças estrangeiras necessitam de

homologação. 52

O artigo 7o. da Lei de Introdução, contém no seu parágrafo 6

o.

redação introduzida pela Lei do Divórcio brasileira de 1977, que estabelece

a necessidade de observância do prazo previsto na lei brasileira para a

conversão da separação judicial em divórcio, mesmo nos casos de divórcio

realizado no exterior se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros. No

entanto, devido à exigüidade do prazo atual da lei brasileira, essa questão

não tem sido objeto de apreciação pelo STF, que no pa ssado – quando o

prazo era de três anos--, homologava sentenças de divórcio estrangeiras

com efeito de separação judicial até que se cumprisse o lapso temporal.

Uma questão se mostrou controvertida dizia respeito à possibilidade

do divórcio realizado no exterior dispor sobre a partilha de bens situados

no Brasil , pois o Código de Processo Civil de 1973 inclui norma expressa

acerca da exclusividade da justiça brasileira para proceder “ inventário e

partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da h erança seja

estrangeiro e tenha residido fora do terri tório nacional”.

Em decisão na sentença estrangeira n. 2446, o STF indeferiu a

mesma sob a alegação de que a justiça paraguaia não poderia decidir sobre

a partilha de bens situados no Brasil . No entan to, a partir de 1982, essa

orientação foi modificada, passando o STF a aceitar tais part ilhas

52 Esse entendimento resu l ta de decisão do STF, que cuidou do assunto e ass im

decid iu: Pet ição Avulsa n° 11 *Relator: Min. CELSO DE MELLO (Pres idente) E menta:

Sentença estrangeira de divórcio . Pedido de averbação desse a to sentencia l d ir igido a

magistrado estadual . Alegada desnecessidade de prévia ho mologação, em face do ar t .

15, parágrafo único da LICC. Norma legal derrogada pelo CPC (art . 483 ) . Magistér io

da doutr ina. Impossib il idade processual da instauração de delibação inc idente . Ação de

homologação de sentença es trangeira. Si s tema de contenciosidade l imi tada. Evolução do

ins t i tuto no dire i to bras i le iro . Indispensabil idade da ho mologação prévia de qualquer

sentença es trangeira, quaisquer que sejam os e fei tos postulados pela par te interessada.

Precedente do STF. Veja in www.st f. gov.br .

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realizadas no exterior, pois entendeu não haver incompatibilidade com a lei

processual brasileira, que na verdade trata de partilha mortis causae.

Atualmente, continua o STF com esse entendimento, conforme se verifica

da decisão na sentença estrangeira contestada n. 4512, que assim decidiu

em homologação de sentença estrangeira proveniente da Suiça. O casamento

havia sido celebrado no Brasil, e divórcio foi decreta do pelo Poder

Judicario da Suiça. Entendeu o STF que não feria o artigo 89, II do CPC

que a partilha de bens da sociedade conjugal processada posteriormente

perante o Judiciário suíço com aplicação das leis brasileiras, fosse

considerada válida no Brasil, homologando, por conseguinte, tal decisão.

Recentemente, em 2002, o Ministro Marco Aurélio também decidiu na

mesma linha, e homologou uma sentença estrangeira com hipótese similar.

Conclusão

Depois de proceder esta análise das principais questões relativa s ao

direito de família no DIPR, concluímos que a matéria exige, por parte dos

nubentes, uma preocupação prévia de análise das leis possivelmente

envolvidas na relação familiar transnacional. Só assim poderão ser evitados

problemas futuros de validade do casamento e demais questões atinentes à

constituição dessa família. Os problemas relativos à validade do casamento,

do pacto ante-nupcial e do regime de bens, surgem todos no futuro, ainda

na constância do casamento para a outorga uxória, e quando o casal s e

separa ou quando ocorre a sucessão, com relação ao patrimônio amealhado

ao longo da relação matrimonial .

É evidente que não se pode mais prescindir de um certo planejamento

jurídico, nas relações matrimoniais transnacionais, para evitar problemas

futuros, como já aliás é comum na seara contratual. A tendência da

utilização da autonomia da vontade para o direito de família pode estar

ainda engatinhando no Brasil, mas o novo Código Civil segue nesta direção,

que já é realidade em vários países. E esse plane jamento é importante

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porque porque notamos que, por ocasião de uma disputa judicial, há uma

tendência dos juízes de aplicar sua lei territorial, a lex fori , diante do

desconhecimento e dificuldades de aplicação do DIPR e comprovação

adequada do direito est rangeiro.