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1 Caso Flipflop Autoria: Fernanda Chagas Borelli, Marcus Wilcox Hemais, Pedro Ivo Rogedo Costa Dias Resumo: A Flipflop, uma importante empresa do mercado de sandálias, surgiu na década de 80 em Santa Catarina. Com comunicação de marketing associada ao surfe e distribuição através de uma grife de moda surfe pioneira no país, as sandálias Flipflop foram muito bem recebidas pelos surfistas e transformaram-se rapidamente em modismo junto aos jovens das classes alta e média alta de Florianópolis. Porém, com o tempo, o perfil do consumidor das sandálias Flipflop mudou. Na década de 90, o mercado transformou-se com a entrada de sandálias asiáticas de baixos preço e qualidade e com o reposicionamento das Havaianas. A Flipflop, com um produto ainda limitado – palmilha preta e cores apenas nas tiras de náilon – testemunhou o sucesso das sandálias coloridas de Alpargatas e Grendene, que pareceram trazer definitivamente para o mercado de sandálias o conceito de moda e de coleções. As sandálias Flipflop foram sendo gradativamente abandonadas pelos consumidores das classes mais altas. Mas, felizmente, foram adotadas por consumidores das classes mais baixas, que as viam – principalmente por conta do preço – como símbolo de status entre seus pares. Muito preocupada com qualidade, a empresa era fortemente voltada para produto e, com isso, o marketing era feito de forma bastante improvisada: seu composto de marketing não era trabalhado a partir do público-alvo escolhido. Afinal, a empresa havia sido escolhida por um público, que não era aquele para o qual havia desenvolvido as sandálias. Além disso, tinha muito pouco conhecimento sobre seus consumidores. Uma mudança começou a ocorrem a partir de meados de 2007, com a constituição de uma nova diretoria de marketing e vendas. A nova estrutura de marketing trouxe para a empresa a preocupação de entender um pouco mais sobre quem eram seus consumidores, quais eram suas preferências e desejos. Porém, por conta do cuidado com a qualidade do produto, parte da empresa ainda acreditava que seu público natural deveria ser o de alto poder aquisitivo. Em meados de 2009, seu posicionamento não era bem claro: o produto, de alta qualidade, agradava os consumidores das classes baixas por conta do conforto e da durabilidade; o preço, apesar de alto, funcionava bem como uma forma de distinção dentro da classe; a distribuição utilizava lojas de surfwear, sapatarias comuns e lojas de departamentos, canais típicos de público das classes C e D; a comunicação de marketing buscava não se comprometer com nenhum público específico. Por conta disso, a imagem da marca era definida única e exclusivamente por seu público e chegava a ser associada a bandidos, armas, drogas e atos de violência, como a empresa pode observar por meio de mensagens encontradas em blogs, sites e no Orkut. Era preciso que a Flipflop tomasse as rédeas da imagem da marca e definisse seu posicionamento. Mas para isso, era necessário dar um passo atrás e definir, de uma vez por todas, qual seria o seu mercado-alvo. Afinal, para qual mercado-alvo a empresa devia se voltar? A coleção verão seria lançada e este parecia ser o momento ideal para começar este movimento.

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Caso Flipflop

Autoria: Fernanda Chagas Borelli, Marcus Wilcox Hemais, Pedro Ivo Rogedo Costa Dias

Resumo: A Flipflop, uma importante empresa do mercado de sandálias, surgiu na década de 80 em Santa Catarina. Com comunicação de marketing associada ao surfe e distribuição através de uma grife de moda surfe pioneira no país, as sandálias Flipflop foram muito bem recebidas pelos surfistas e transformaram-se rapidamente em modismo junto aos jovens das classes alta e média alta de Florianópolis. Porém, com o tempo, o perfil do consumidor das sandálias Flipflop mudou. Na década de 90, o mercado transformou-se com a entrada de sandálias asiáticas de baixos preço e qualidade e com o reposicionamento das Havaianas. A Flipflop, com um produto ainda limitado – palmilha preta e cores apenas nas tiras de náilon – testemunhou o sucesso das sandálias coloridas de Alpargatas e Grendene, que pareceram trazer definitivamente para o mercado de sandálias o conceito de moda e de coleções. As sandálias Flipflop foram sendo gradativamente abandonadas pelos consumidores das classes mais altas. Mas, felizmente, foram adotadas por consumidores das classes mais baixas, que as viam – principalmente por conta do preço – como símbolo de status entre seus pares. Muito preocupada com qualidade, a empresa era fortemente voltada para produto e, com isso, o marketing era feito de forma bastante improvisada: seu composto de marketing não era trabalhado a partir do público-alvo escolhido. Afinal, a empresa havia sido escolhida por um público, que não era aquele para o qual havia desenvolvido as sandálias. Além disso, tinha muito pouco conhecimento sobre seus consumidores. Uma mudança começou a ocorrem a partir de meados de 2007, com a constituição de uma nova diretoria de marketing e vendas. A nova estrutura de marketing trouxe para a empresa a preocupação de entender um pouco mais sobre quem eram seus consumidores, quais eram suas preferências e desejos. Porém, por conta do cuidado com a qualidade do produto, parte da empresa ainda acreditava que seu público natural deveria ser o de alto poder aquisitivo. Em meados de 2009, seu posicionamento não era bem claro: o produto, de alta qualidade, agradava os consumidores das classes baixas por conta do conforto e da durabilidade; o preço, apesar de alto, funcionava bem como uma forma de distinção dentro da classe; a distribuição utilizava lojas de surfwear, sapatarias comuns e lojas de departamentos, canais típicos de público das classes C e D; a comunicação de marketing buscava não se comprometer com nenhum público específico. Por conta disso, a imagem da marca era definida única e exclusivamente por seu público e chegava a ser associada a bandidos, armas, drogas e atos de violência, como a empresa pode observar por meio de mensagens encontradas em blogs, sites e no Orkut. Era preciso que a Flipflop tomasse as rédeas da imagem da marca e definisse seu posicionamento. Mas para isso, era necessário dar um passo atrás e definir, de uma vez por todas, qual seria o seu mercado-alvo. Afinal, para qual mercado-alvo a empresa devia se voltar? A coleção verão seria lançada e este parecia ser o momento ideal para começar este movimento.

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1. Introdução Completamente alheia à conversa de seus colegas de MBA, Laura olhava fixamente a

chuva que batia forte contra a janela do restaurante da universidade. Eles ainda comentavam aspectos do caso que haviam acabado de discutir em sala de aula. Mas Laura estava longe: a discussão que acabara de participar a lembrara de todos os desafios que tinha à frente, em sua empresa.

No final de 2008, depois de uma longa série de conversas, Laura finalmente aceitara uma proposta feita por um antigo chefe para assumir a gerência de marketing da Flipflop, uma fabricante de sandálias que havia sido a queridinha do público das classes A e B no início da década de 1990, mas que, agora, sobrevivia de uma forte presença no público das classes C e D.

Em meados de 2009, já com pouco mais de meio ano de empresa, Laura enfrentava um momento decisivo como gerente de marketing da Flipflop. Ela percebia claramente que a imagem da marca era definida única e exclusivamente pelo público que havia adotado a sandália, e já passava da hora de a empresa definir o posicionamento de sua marca. Porém, antes de qualquer coisa, era necessário bater o martelo sobre qual seria o mercado-alvo da empresa. Esta era uma decisão que não poderia mais ser adiada: Afinal, em quais consumidores a empresa deveria focar?

2. Histórico da empresa A ideia de criar as sandálias Flipflop surgiu na garagem de Eduardo Neves, um amante

do surfe, em Balneário Camboriú, no início dos anos 1980. Inicialmente, Eduardo queria criar um produto voltado ao público surfista, que representasse um estilo de vida jovem, ligado à cultura de praia. Sua preocupação era confeccionar uma sandália confortável, com palmilha macia, solado de borracha e tiras de nylon.

As primeiras sandálias Flipflop começaram a ser vendidas em 1987, em Florianópolis, nas lojas Dadowear, de propriedade de Eduardo. As sandálias Flipflop eram associadas à marca Dadowear, já que a comunicação de marketing das duas marcas quase se confundiam. As campanhas publicitárias, por exemplo, eram muito parecidas, sempre ligadas ao surfwear. Além disso, as duas marcas patrocinaram em conjunto, durante alguns anos, um conhecido surfista catarinense, o que ajudou a reforçar na mente dos consumidores a proximidade entre as empresas.

Com uma comunicação de marketing relacionada ao surfe e uma distribuição por meio da Dadowear, as sandálias Flipflop foram muito bem recebidas pelos surfistas e, logo em seguida, transformaram-se em modismo junto aos jovens das classes alta e média alta de Florianópolis. Mais do que um produto confortável, as sandálias Flipflop eram um símbolo, que definia quem estava por dentro e quem estava por fora da moda. O desejo por possuir um objeto de “status” fez com que outros públicos, menos favorecidos economicamente, também passassem a consumir as sandálias.

A Flipflop, vendo sua demanda crescer rapidamente, expandiu sua distribuição para lojas multimarcas, especializadas em surfwear. A popularização das sandálias, entretanto, trouxe consequências indesejadas para a Dadowear, pois consumidores de classes mais baixas passaram a freqüentar suas lojas, gerando um forte contraste com o segmento que a marca atendia e pretendia manter, o público das classes A e B.

Como todo modismo, a Flipflop foi perdendo espaço junto ao seu grupo de consumidores original, que começou a se incomodar com algumas características da sandália que não eram adequadas ao uso que davam a ela. Este segmento utilizava a sandália no fim de semana, para ir à praia ou à piscina. As sandálias, que já eram mais pesadas que as sandálias comuns, tinham palmilhas macias e tiras de nylon que absorviam muita água, ficando ainda mais pesadas quando molhadas. Além disso, demoravam muito a secar. Ou seja, apesar de

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estarem na moda e de serem confortáveis, não eram o produto apropriado ao uso que lhe era dado. Ainda, era caro demais para justificar o uso apenas num fim de semana de praia.

A marca foi sendo esquecida pelo seu público original e viu sua popularização crescer entre as classes mais baixas. Porém, outros efeitos também tiveram bastante impacto sobre a empresa. A abertura da economia, na década de 1990, inundou o mercado brasileiro com sandálias asiáticas de preço e qualidade baixos. Além disso, a Alpargatas, a maior empresa nesse mercado, iniciou movimento de reposicionamento das sandálias Havaianas, em resposta ao rápido crescimento das sandálias Rider, da segunda maior empresa desse mercado, a Grendene. A Alpargatas explodiu as vendas de Havaianas ao conseguir reposicionar-se de forma a não perder seus consumidores fiéis de baixa renda e, ao mesmo tempo, atrair um público de poder aquisitivo mais elevado – que até então desprezava a marca – lançando uma linha mais cara, chamada de Top, utilizando as cores da moda e com palmilha de uma só cor.

Com o sucesso das sandálias coloridas, Alpargatas e Grendene pareciam trazer definitivamente para o mercado de sandálias o conceito de moda e de coleções. No entanto, a Flipflop ainda oferecia um produto bastante limitado: a palmilha da Flipflop era sempre preta, pois a empresa ainda não dominava uma tecnologia que permitisse a adição de pigmentos e, ao mesmo tempo, a manutenção da maciez da palmilha.

Em meio a isto tudo, e sofrendo com processos produtivos muito caros e pouco eficientes, a empresa entrou, em 1996, em uma crise, da qual só começou a sair a partir de uma reestruturação, que teve início em 1999. Após longo e árduo processo de recuperação, a empresa começou a mostrar sinais de recuperação a partir de 2005. No decorrer deste caminho, uma significativa mudança consolidou-se: o público de maior poder aquisitivo abandonou a Flipflop, ao mesmo tempo em que consumidores das classes C e D adotaram amplamente a marca.

3. O mercado de sandálias no Brasil O Brasil é o terceiro maior produtor de calçados do mundo, com 800 milhões de pares

por ano, superado apenas pela Índia, com 900 milhões, e pela China, com nove bilhões. Mais da metade da produção brasileira é referente a calçados de plásticos e borrachas, tais como chinelos e sandálias.

No mercado brasileiro de chinelos e sandálias, duas empresas são soberanas: Alpargatas e Grendene, detentoras de marcas como Havainas e Dupé, no caso da primeira, e Ipanema, Rider e Melissa, no caso da segunda. Juntas, essas empresas detêm mais de 70% de participação de mercado, sendo a Alpargatas detentora de cerca de 39% e a Grendene, por volta de 35%. A participação da Flipflop é bem mais tímida, não chegando a 5%.

A Havaianas é a principal marca da Alpargatas, com produção de 160 milhões de pares de sandálias anualmente. Somente em 2007, foi responsável por metade das vendas de 1,6 bilhão de reais, e, em 2008, por 60% do faturamento da empresa. Estima-se que oito em cada dez brasileiros compram sandálias Havaianas.

Na década de 90, as Havaianas eram conhecidas como uma ‘sandália de pobre’. Porém, seus consumidores a percebiam como um produto confortável e durável. O aumento da concorrência, por conta das sandálias que vinham da Ásia, pressionou o preço das Havaianas e apertou bastante sua margem de lucro. Era necessário algum movimento. Porém, era difícil para a Alpargatas cobrar mais caro por suas sandálias, já que seus consumidores fiéis eram das classes de baixa renda. Ao mesmo tempo, parecia impossível atrair o público de poder aquisitivo mais elevado, já que estes desprezavam a marca. Para que isso acontecesse, era preciso mudar a forma como este grupo enxergava a marca. Ao invés de ressaltar a funcionalidade do produto – o que a empresa tradicionalmente comunicava para seu público de baixa renda –, era preciso associá-lo ao despojamento e à simplicidade – ou seja, associá-lo à informalidade brasileira.

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Para isto, foi lançada uma linha especial de Havaianas, a Havaianas Top. Ao invés das duas cores das sandálias tradicionais, a nova linha era monocromática. Além disso, a linha Top ganhou embalagens e displays diferenciados nos pontos de venda. Encontradas inicialmente em lojas mais selecionadas, alguns anos depois, a Havaianas Top passou a ser encontradas também nos pontos de venda mais populares, que caracterizaram a distribuição das sandálias originais. O preço também refletiu a mudança de público pretendida. A nova linha custava cerca de três vezes mais que as Havaianas comuns: caras para o consumidor de baixa renda, mas acessíveis para as classes média e alta.

Ao final de 2000, a Alpargatas buscou novo movimento: exportação. Oito anos depois, as Havaianas já podiam ser encontradas em 80 países, o que representava vendas de aproximadamente 22 milhões de pares de sandálias. Celebridades como Gwyneth Paltrow, Britney Spears, Angelina Jolie e Jennifer Aniston já foram flagradas com um par de Havaianas nos pés. A marca ficou tão conhecida que uma pesquisa da empresa de consultoria Interbrands, em 2006, apontou a Havaianas como o produto brasileiro mais popular no exterior, desbancando, inclusive, a seleção de futebol.

O outro gigante do setor, a Grendene, produziu, em 2008, 146,4 milhões de pares de calçados, entre eles a Ipanema, sandália concorrente às Havaianas, que tinha como garota propaganda a top model Gisele Bündchen. Do total de 40 milhões de pares de calçados exportados pela Grendene, em 2008, estima-se que 25 milhões foram da sandália Ipanema.

4. A empresa Desde seu início, a Flipflop era uma empresa fortemente voltada para produto. Ou seja,

os encarregados pelo desenvolvimento das sandálias Flipflop acreditavam que se o produto fosse feito com a melhor qualidade possível, venderia. Por isso, a empresa sempre investiu muito no desenvolvimento de novas tecnologias que aprimorassem a qualidade de seus produtos. Foi exatamente esta preocupação com o produto que manteve a empresa viva nos bons e maus momentos de sua história.

Durante muito tempo, não existia departamento ou equipe de marketing: a definição do design, da forma de comunicação e do momento de lançamento de uma nova coleção ficava por conta da área de desenvolvimento e de vendas. Com isso, o marketing era feito de forma improvisada. Muitas vezes, os vendedores saiam em campo para vender as coleções sem mostruário, porque este não ficava pronto a tempo. Também não havia, nesta época, uma preocupação da empresa em estudar o mercado e entender o que seu consumidor desejava. Nem sempre esta estratégia trazia bons resultados: muitas vezes os produtos não tinham saída e ficavam encalhados, formando estoques enormes tanto de sandália acabada, quanto de material.

A partir de meados de 2007, com a entrada de um novo executivo para a diretoria de marketing e vendas, o marketing da companhia começou a se fortalecer. A diretoria de marketing e vendas foi colocada hierarquicamente no mesmo nível das diretorias de produção e desenvolvimento, e passou a contar com três gerências: a de marketing – a qual Laura ocupava desde o fim de 2008, a de vendas nacionais e a de desenvolvimento de vendas, dividida em três coordenações: trade marketing, visual-merchandising (responsável pelo desenvolvimento de vitrines, displays e mobiliário para exposição das sandálias), e comercial (responsável por questões como colocação de pedidos, etc.).

A nova estrutura de marketing trouxe para a empresa a preocupação de entender um pouco mais sobre quem eram seus consumidores, quais eram suas preferências e desejos. Visto que, até então, a empresa havia sobrevivido sem pesquisa de mercado e que seu orçamento de marketing era apertado, a nova equipe teve dificuldades para introduzir a pesquisa de marketing formal. Com isto, foi preciso recorrer à criatividade, criando o projeto de ‘vendedor por um dia’. Nele, membros da equipe de marketing e, mais recentemente, de desenvolvimento de produto, passariam um dia atendendo (e ouvindo) o consumidor nas

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lojas. Deste contato com o cliente final, a equipe passou a retirar insights importantes sobre seu consumidor.

5. As sandálias Flipflop

Produto

Ao ser lançada, em 1987, a Flipflop contava apenas com uma linha de produtos, em oito diferentes combinações de cores. Esta linha caracterizava-se por tiras de nylon, o solado de borracha e a palmilha de borracha macia. Só no início dos anos 2000, surgiu a linha Beach, coleção que utilizava cabedais injetáveis de PVC, propiciando uso das sandálias na praia ou na piscina.

Até 2008, os novos produtos originavam-se diretamente da área de desenvolvimento, sem demanda de marketing ou estudo junto ao consumidor. O processo era empírico: o produto era desenvolvido, colocado à venda, e observava-se a sua aceitação, podendo ela ser boa ou ruim. Recentemente, a empresa começou a desenvolver o conceito de linhas de produto, voltadas para públicos específicos, com necessidades específicas.

A empresa busca manter uma imagem relacionada a originalidade e autenticidade. Assim, não desenvolve seus produtos a partir do que os concorrentes estão oferecendo. Sua proposta é observar as preferências de seu consumidor e tentar satisfazer necessidades não preenchidas. Para isso, a empresa analisa constantemente seu portfólio para tentar perceber lacunas entre suas ofertas.

O grande diferencial da sandália Flipflop está na palmilha macia, feita à base de polímeros específicos, que proporciona ao usuário extremo conforto. Outros aspectos que caracterizam as sandálias são a robustez do solado, que dá peso e volume ao produto, e a durabilidade – em geral, a sandália dura vários anos.

Com pouco mais de 20 anos de vida, a Flipflop conta com um portfólio que se expandiu para sete linhas de produtos, cada uma com cerca de 30 modelos, totalizando algo em torno de 200 combinações diferentes, que são renovadas a cada seis meses em coleções de inverno e de verão. A descrição das linhas é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1: Descrição das Linhas das Sandálias Flipflop

Tiras de Nylon Tiras de PVC Injetadas Linhas Especiais

ORIGINAL É a linha ‘carro-chefe’. Para uso no dia a dia. Oferecida em cores vibrantes e modelos com grafismos e tiras listradas. Possui o mesmo peso e altura que caracterizaram a Original de 1987.

BEACH Com preço mais acessível, possui palmilhas texturizadas impermeáveis, tiras de PVC injetadas, cores abertas e combinações contrastantes. Peso e altura originais da marca Flipflop.

FUN Linha infantil. Possui sandálias estilo Original e Beach para crianças.

TRECK Mais Premium que a Original. Sandálias com tons mais fechados, solado “tratorado”, formato mais largo e confortável. Solado mais fino, mais leve.

BEACH FLORIPA Mais premium que a Beach. Sandálias de palmilhas texturizadas impermeáveis, mais confortável, mais fina, mais leve, com formato acanoado.

GIRL Linha feminina. Possui sandálias tanto com tiras de nylon quanto injetadas de PVC. Formatos mais estreitos e finos.

HIGHER É a linha mais Premium. Com proposta “fashion”, tem formato e cabedal mais largos e solado.

Fonte: Elaborado pelos autores

A linha de maior sucesso é a Original, que ainda guarda características próximas à sandália lançada em 1987. Esta linha possui modelos com cabedais listrados e grafismos na

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palmilha. A linha Girl, com formato mais estreito e solado mais fino, foi lançada em 2007, para atender ao público feminino. Porém, ao contrário do esperado, esta linha atingiu níveis bastante modestos de vendas.

A princípio, a empresa acredita que suas sandálias não são para tipos diferentes de consumidores, mas para ocasiões de consumo diferentes, já que muitas vezes um mesmo consumidor possui modelos de diversas linhas. Por exemplo, o consumidor pode usar uma Beach para ir à praia, uma Original, que é mais confortável, para o dia a dia, uma Treck, que é mais cara, se quer impressionar os amigos.

Preço

Desde o seu lançamento, em 1987, as sandálias Flipflop trabalham com preço bem acima do valor médio de mercado, algumas vezes até três vezes acima. Inicialmente, isto foi necessário em vista dos altos custos de produção: processo de produção complicado e materiais de alta qualidade, como as tiras de nylon e o solado e palmilha de borracha. Após a reestruturação da produção e o aprimoramento do processo produtivo, em meados de 2000, os custos de produção reduziram-se substancialmente. Porém, já não fazia sentido reduzir o preço dos produtos, visto que os principais concorrentes passaram a ser falsificadores e cópias. O preço mais alto, então, tornou-se um indicador de autenticidade.

Apesar de achar o produto caro, o consumidor utiliza esta característica de duas formas: primeiro, para argumentar que a sandália tem mais qualidade do que as outras opções no mercado e, segundo, como forma de demonstrar status entre seus pares. Por conta disto, a Flipflop não faz – e orienta seus canais de distribuição a não fazerem – promoções de preço.

O produto mais barato é a sandália infantil, custando cerca de R$ 38,00. Dentre as linhas para adultos, a mais barata é a Beach, com cabedal de PVC injetado, que custa em torno de R$ 49,00. A linha Higher chega ao consumidor por cerca de R$ 78,00. O modelo mais caro de Flipflop é o Treck Proof, cujo preço está posicionado por volta de R$ 115,00. As sandálias da linha Original, as mais vendidas e com características mais próximas à primeira Flipflop lançada, custam R$59.

Distribuição

Inicialmente, foi dada à Dadowear a exclusividade de comercialização das sandálias Flipflop. Porém, o volume de vendas por este canal era pequeno e, por isso, a Flipflop começou a vender suas sandálias através de surfshops multimarcas. A seguir, a empresa começou a buscar representantes de vendas em outros estados, responsáveis por fazer a intermediação entre a empresa e os canais, oferecer treinamentos e supervisionar como era feita a exposição nos pontos de venda.

Em 2007, a Dadowear passava por um momento complicado e estava perdendo vendas na periferia de Florianópolis. Na tentativa de reforçar o desempenho da rede de lojas, optou-se novamente retomar a exclusividade de vendas de Flipflop para a Dadowear na cidade. Com isso, o produto praticamente sumiu do mercado de Florianópolis. Por conta desta limitação, a Flipflop focou-se na expansão em outros mercados. O resultado disto é que, em 2009, a melhor praça da Flipflop era Belo Horizonte, sendo que a empresa tinha forte presença em outros estados da região Sudeste e na região Centro-Oeste – praças onde a Dadowear não está presente.

Ainda em 2007, a Dadowear fez um movimento de reposicionamento, numa tentativa de migrar de uma imagem de surfwear para uma mais ligada a estilo, que a empresa definiu como wear style. Como a Flipflop atraía público das classes C e D para as lojas Dadowear, a rede optou por retirar as sandálias das lojas das regiões mais nobres de Florianópolis. O entanto, as vendas de Flipflop nas lojas da rede na periferia foram mantidas visto que, ali, as vendas da sandália são bastante representativas em seu faturamento.

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As lojas da Dadowear que ainda vendem Flipflop apresentam um layout bem dividido: metade da loja é dedicada aos expositores de sandália Flipflop, a outra metade é dedicada às roupas e sapatos da grife. Os consumidores que frequentam as duas ‘metades’ são diferentes, sendo que o consumidor da Flipflop quase não se aventura na ‘metade Dadowear’ da loja.

A distribuição das sandálias apresenta especificidades por conta de aspectos referentes à exposição do produto. A venda de Flipflop é como a venda de um sapato: apenas um produto de cada linha é exposto, requer estoque na loja, a sandália não pode ser pendurada (como ocorre com sandálias no estilo de Havaianas) para não deformar o cabedal de nylon, requer a utilização de um display característico em madeira e exige um vendedor para explicar as características do produto. Porém, é comum os revendedores enxergarem a venda de sandália como auto-serviço, o que tem gerado alguns problemas na distribuição de Flipflop.

O canal tradicional de Flipflop eram as lojas de surfwear, que foram sua porta de entrada. No entanto, o mercado de surfwear perdeu em qualidade de público. Outros canais de distribuição são as sapatarias comuns e lojas de departamentos, que contam com um amplo portfólio de produtos, e boutiques. Ou seja, a Flipflop é fortemente distribuída em canais típicos de público das classes C e D.

Os diversos canais utilizados são analisados pela empresa e recebem uma classificação, que se torna a base para a definição de quais linhas de produtos estarão disponíveis para venda em cada um deles. Por exemplo, as lojas menores e mais simples, sem muito espaço para exposição, vendem apenas as linhas mais baratas.

Um caminho encontrado pela Flipflop para ampliar a distribuição de suas sandálias, em Florianópolis, foi a criação de lojas exclusivas da marca: as lojas Flips. Apesar de estar localizada em shoppings mais populares, voltados para as classes C e D, a loja Flips destoa das lojas de seu entorno. Ela destaca-se por seu projeto visual: vitrine bem trabalhada, com poucos produtos, porta ampla, decoração em madeira clara, iluminação em tom amarelado – mais quente em comparação à iluminação fria, branca, típica dos shoppings centers.

Em seu esforço de expansão para outros estados, a empresa começou a observar que seus representantes, com um foco só na venda, colocavam o produto em qualquer lugar que gerasse volume, sem preocupação com a imagem do produto, sem tomar os devidos cuidados com a forma de exposição que a Flipflop requeria. Isto gerou, no início de 2008, um movimento para melhorar os pontos de venda da Flipflop, analisando e revendo todos os canais em que as sandálias eram vendidas. O resultado foi uma ‘limpa’ nos canais e alterações do processo de cadastro de novos revendedores (como, por exemplo, a exigência de fotos da loja para serem analisadas pela equipe de marketing da empresa).

Um pedido das sandálias Flipflop demora de 15 dias a um mês em lugares mais distantes.

Comunicação de Marketing

Durante muito tempo, as comunicações de marketing de Flipflop e Dadowear estiveram bastante ligadas. Nesta época, ambas as marcas faziam referências claras ao surfe e à praia. Com o reposicionamento da Dadowear e a consequente tentativa de desassociar sua imagem à da Flipflop, cada uma das marcas passou a caminhar sozinha.

Por pouco conhecer da composição de seu público, a comunicação de Flipflop tem buscado certa isenção, com objetivo de não se comprometer com um consumidor específico. Não quer ferir o público atual, que acredita ser formado principalmente por consumidores das classes C e D, partindo para uma comunicação e um projeto visual de lojas nos quais este público não se reconheça, e acabe afastando ele das lojas. Ao mesmo tempo, não quer adotar uma comunicação que afaste a possibilidade de atrair público de classes sociais mais altas.

Para isto, a Flipflop tem utilizado elementos neutros na sua comunicação, baseando-se sempre em fundos de madeira (tanto nos displays para a exposição das sandálias quanto em

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outdoors). Além disso, explora bastante o produto, com ênfase para os detalhes que ajudam a identificar a marca (e, claro, diferenciar uma Flipflop autêntica de uma cópia): o solado e o cabedal. As letras ‘F’ da marca também são bastante exploradas. Os atributos que a empresa busca ressaltar na sua comunicação com os consumidores são durabilidade, conforto e autenticidade.

Como os grandes concorrentes da empresa são os falsificadores, os vendedores são instruídos a, no momento da compra, mostrar ao cliente todos os detalhes do produto, ressaltar sua qualidade e ensinar como reconhecer a Flipflop original.

O consumidor de Flipflop utiliza muito a internet para demonstrar sua relação com a marca. Em redes como Orkut e sites como Youtube não é difícil encontrar manifestações e referências às sandálias. Nestas manifestações ficam claras as associações entre Flipflop e consumidores de baixa renda.

6. Os Consumidores da Sandália Flipflop Quando as sandálias Flipflop foram lançadas, no final dos anos 1980, os consumidores

do produto eram jovens das classes A e B, que apreciavam um estilo de vida ligado à cultura de praia e o surfe. Por serem moradores de bairros mais nobres de Florianópolis e frequentadores das mais famosas praias da cidade, fazia sentido ter roupas e calçados que refletissem esse ambiente. As sandálias, portanto, eram uma peça fundamental no vestuário desses jovens.

Com o tempo, o perfil do consumidor da Flipflop mudou. O produto, que inicialmente fora desenvolvido para ser vendido a consumidores das classes mais altas, foi abandonado por estes à medida que mais e mais consumidores das classes mais baixas o adotavam. Esses últimos, por sua vez, faziam questão de comprar as sandálias Flipflop, pois a viam como um símbolo de status entre seus pares e, ao mesmo tempo, uma diferenciação com relação aos ‘riquinhos’, consumidores de Havaianas.

A Flipflop, todavia, não sabia o motivo que levava esse público a ser tão atraído pelas sandálias. Como, historicamente, a empresa sempre estivera orientada para a produção, a fim de melhorar seus processos produtivos, realizar pesquisas para entender melhor seus consumidores não era uma de suas prioridades.

Somente após sua reestruturação, a empresa percebeu a necessidade de conhecer melhor seu público e, em meados de 2000, começou a coletar informações a respeito deles. Os vendedores das lojas Flips passaram, então, a relatar à empresa as percepções que tinham de como eram os consumidores de suas sandálias, em termos de gostos, atitudes e características. Funcionários da matriz da empresa também começaram a ir às lojas Flips e, por um dia, trabalhar como vendedores, a fim de ter contato direto com os consumidores.

A empresa, com essas medidas, começava a entender um pouco mais sobre os consumidores de seu produto. Descobriram, por exemplo, que esse público, de uma forma geral, possuía mais de um par das sandálias, para usar em ocasiões diferentes. Embora as imitações piratas fossem mais baratas, eles queriam as Flipflop originais.

Diferentemente do que ocorre com o público das classes A e B, a sandália é peça básica do vestuário dos consumidores de baixa renda. Ao invés de utilizá-la apenas nos fins de semana, este público a utiliza no dia a dia, seja no trabalho ou nos momentos de lazer. Isso explica o valor dado ao conforto e à durabilidade. E, talvez por isto, estes consumidores dispunham-se a pagar um preço mais elevado por suas sandálias.

Quando vão às lojas, os consumidores frequentemente levam amigos para ajudá-los a escolher qual modelo comprar. Em alguns casos, mesmo não encontrando o número apropriado ou o modelo desejado, compram uma sandália de número menor ou maior, com cores e formatos diferentes dos quais queriam, mostrando que o importante para eles é ostentar a marca Flipflop nos pés. Muitas vezes, o pagamento é feito em dinheiro vivo, com bolos de notas de baixo valor e muitas moedas, economizadas, às vezes, por meses.

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Nem todas as informações coletadas sobre os consumidores das sandálias foram bem recebidas na empresa. Na internet, em diferentes blogs, sites e no Orkut, foi possível ter acesso a mensagens que associavam as sandálias Flipflop a bandidos, traficantes, armas, drogas e atos de violência.

Por conta do extremo cuidado com a qualidade do produto, parte da empresa ainda

acreditava que seu público natural deveria ser o de alto poder aquisitivo. Apesar de ser um assunto difícil internamente, Laura sabia que a definição de seu mercado-alvo não poderia mais ser adiada. Era preciso que a Flipflop tomasse as rédeas da imagem da marca. A coleção verão seria lançada e este parecia o momento ideal para a empresa começar a trabalhar seu posicionamento. Mas, para isto, era preciso dar um passo atrás e definir de uma vez por todas o mercado-alvo da empresa.

A reunião mensal da Diretoria de Marketing aproximava-se, e ela sabia que seu diretor esperava que ela apresentasse um caminho para discussão. As alternativas eram aceitar de vez o público que havia adotado a marca – o consumidor de baixa renda – e focar-se nele para construir seu posicionamento; migrar para o consumidor de classes A e B, e descolar-se progressivamente do consumidor de classe baixa; ou atender a todos os públicos, assim como as Havaianas fizeram.

Porém, Laura sabia que todos os demais gerentes participantes da reunião tinham uma predileção por um público específico, de forma que ela precisaria fundamentar muito bem a argumentação de sua escolha se quisesse sair da reunião com uma definição.

Notas de Ensino

1. Objetivos Educacionais: O caso pode ser utilizado com alunos de graduação ou de pós-graduação, de disciplinas

introdutórias de marketing. O objetivo é fazer os estudantes vivenciarem decisões relacionadas à segmentação e à escolha do mercado-alvo. O caso permite ao instrutor explorar a importância da segmentação e da escolha do mercado-alvo como fundamento para a definição de posicionamento da empresa e, consequentemente, nas decisões do composto de marketing. Propicia, também, o exercício do exame de critérios para a escolha de segmentos-alvo. Além disso, possibilita analisar a necessidade, para definições de estratégia de marketing, de a empresa conhecer características e comportamentos de seu consumidor. Por fim, proporciona oportunidade de explorar um assunto bastante em voga no cenário empresarial: o consumo na base da pirâmide.

2. Fonte de Obtenção dos Dados do Caso O caso é real, apesar de os nomes das empresas, dos produtos e dos envolvidos terem

sido disfarçados. Os dados primários foram coletados por meio de entrevistas pessoais com Laura Castello, Gerente de Marketing da Flipflop, e Tereza Martins, analista de marketing com 13 anos de empresa, entre junho e julho de 2009. A fim de complementar as informações obtidas nas entrevistas, foram usados dados secundário obtidos em revistas Isto É Dinheiro (Superprodutos que salvam empresas – 16/02/2005) e através da Internet, no site da empresa e nos sites: http://www.orkut.com.br; http:///www.portalexame.abril.com.br; e http://www.mundodomarketing.com.br/15,3835,upgrade-de-marca-os-cases-havaianas-e-colcci.htm#TB_inline?height=300&width=400&inlineId=item2.

3. Relevância do Caso Kotler e Armstrong (2007) definem a administração de marketing como “a arte e a

ciência de escolher mercados-alvo e construir relacionamentos lucrativos com eles” (p.6).

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Para eles, uma estratégia de marketing vencedora precisa estar baseada na decisão de quem a empresa servirá. A definição de quais clientes buscar deve ser precedida da segmentação de mercado e da avaliação de cada segmento.

A segmentação de mercado tem sido considerada um dos mais fundamentais conceitos de marketing, tanto na literatura, quanto na prática (WIND, 1978; DICKSON e GINTER, 1987; GREEN e KRIEGER, 1991; CAHILL, 1997; SAUSEN, TOMCZAK e HERRMANN, 2005; FOEDERMAYR e DIAMANTOPOULOS, 2008). A segmentação oferece diretrizes para a estratégia de marketing da empresa e a alocação de recursos entre mercados e produtos (WIND, 1978).

O caso Flipflop enfoca a segmentação e escolha de mercado-alvo, conceitos fundamentais na construção de estratégias de marketing bem sucedidas. Além disso, o caso permite explorar um assunto de crescente interesse acadêmico e empresarial: o consumo na base da pirâmide (ROCHA e SILVA, 2009).

4. Questões para Discussão A fim de estimular a preparação e discussão do caso por parte dos alunos, as seguintes

questões podem ser úteis: 1. Que problemas a Flipflop enfrenta no momento do caso? Qual o principal desafio de

Laura? 2. Por que segmentar o mercado? Que variáveis podem ser utilizadas para a segmentação do

mercado de sandálias? 3. Que critérios podem ser utilizados para a escolha do(s) segmento(s)-alvo da Flipflop? 4. Você considera o composto de marketing da Flipflop adequado para atender consumidores

de classes mais baixas? E para atender consumidores de classes altas? 5. A venda de produtos “premium” a consumidores de baixa renda pode ser um negócio

lucrativo? 6. No lugar da Laura, qual mercado-alvo você recomendaria para seu diretor e os outros

gerentes na reunião de diretoria? Por quê? E como você definiria o posicionamento da empresa?

5. Análise do Caso e Dinâmica da Discussão em Plenário Durante a discussão do caso, alguns temas principais podem ser discutidos, sendo eles: • Segmentação, escolha do mercado-alvo e posicionamento de mercado; • Pesquisa de marketing; • Composto de marketing; A identificação do problema e da decisão a ser tomada é chave para qualquer discussão

de caso. O instrutor, portanto, pode iniciar a sessão colocando aos alunos as seguintes questões: Que problemas a Flipflop enfrenta no momento do caso? Qual o principal desafio de Laura?

O caso gira em torno da escolha de um mercado-alvo pela Flipflop. A empresa, até então, não tinha uma estratégia de marketing clara: não definiu seu mercado-alvo, não desenvolveu um posicionamento específico (a imagem da empresa foi, em grande medida, determinada por seus consumidores) e, por conta disto, seu composto de marketing parece ter sido desenvolvido por meio de tentativas e erros.

Ao longo do tempo, a Flipflop migrou, involuntariamente, de um público de classe alta para consumidores de classes mais baixas. Como o caso mostra, a empresa ainda não se convenceu se é este o público que almeja, se é este o público que melhor pode atender. Existe uma vontade interna de voltar-se para o público de classes A e B, porém, a empresa teme perder sua confortável posição nas classes C e D, as responsáveis por sua sobrevivência e crescimento nos últimos anos. É necessário decidir, então, em qual mercado focar. Isto

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possibilitará à Flipflop desenvolver um composto de marketing mais apropriado para o seu mercado-alvo. Afinal, ao tentar servir a todos os consumidores, a empresa pode não servir bem a nenhum.

Por que escolher um mercado-alvo é tão importante? Segundo Foedermayr e Diamantopoulos (2008), esta escolha força a empresa a definir um foco estratégico, obrigando-a a adotar uma abordagem realística de seus consumidores e suas ofertas, e a determinar a melhor adequação entre eles.

A escolha de um mercado-alvo pressupõe um passo anterior: a segmentação de mercado (SAUSEN, TOMCZAK e HERRMANN, 2005). O conceito de segmentação de mercado pressupõe heterogeneidade na preferência de compradores por produtos ou serviços (GREEN e KRIEGER, 1991). Trata-se de dividir o mercado em grupos menores de consumidores que apresentem necessidades, características ou comportamentos semelhantes, de forma que um segmento de mercado contemple consumidores que reagem de forma similar a um conjunto específico de esforços de marketing (KOTLER e ARMSTRONG, 2007).

Depois de uma breve discussão sobre o problema enfrentado e os desafios da empresa, o instrutor pode introduzir a pergunta: Por que segmentar o mercado?

Diversos autores afirmam que a segmentação de mercado permite à empresa alcançar vantagem competitiva e desempenho superior (HUNT e ARNETT, 2004; SAUSEN, TOMCZAK e HERRMANN, 2005; FOEDERMAYR e DIAMANTOPOULOS, 2008). Segundo Hunt e Arnett (2004), a segmentação de mercado possibilita que as empresas identifiquem os segmentos que melhor respondem a seus estímulos, selecionem segmentos específicos e desenvolvam um composto de marketing para cada um deles, baseado em estratégias de posicionamento específicas. Sausen, Tomczak e Herrmann (2005) chegaram a cinco principais objetivos para a segmentação: exploração de novos clientes potenciais, desenvolvimento de potenciais consumidores existentes (retenção e penetração), aumento da lucratividade dos clientes, melhora na eficiência das atividades de marketing (melhoria do composto de marketing por meio de melhor alocação de recursos), identificação e exploração de novos sub-mercados (novos mercados para novos produtos ou novas aplicações para produtos existentes).

Uma vez discutida a importância da segmentação, pode-se passar ao debate acerca das variáveis a serem utilizadas para a segmentação do mercado de sandálias. Neste momento, o instrutor poderá introduzir os principais critérios utilizados na segmentação de mercado: demográficos (idade, renda, profissão, etc.), geográficos (cidade, bairro, rua, etc.), psicográficos (estilo de vida, personalidade, atitudes, etc.), comportamento de compra (frequência de uso, ocasião de uso, benefícios procurados, etc.).

Renda, sexo, idade, ocasião de uso e benefícios (conforto e durabilidade) apresentam-se como variáveis relevantes para a Flipflop. Pode-se discutir, neste ponto, em que segmentos pode ser dividido o mercado de sandálias.

Identificados os segmentos de mercado, os alunos deverão ser levados a refletir sobre quais critérios podem ser utilizados para a escolha do(s) segmento(s)-alvo da Flipflop.

De acordo com Kotler e Armstrong (2007), a empresa deve escolher como alvo segmentos que possa atender melhor, isto é, segmentos nos quais “possa gerar de forma lucrativa o mais alto valor para o cliente e manter esse valor ao longo do tempo” (p. 40). Para avaliar os diferentes segmentos, os autores recomendam que a empresa examine três fatores: o tamanho e crescimento do segmento, sua atratividade estrutural e os recursos e objetivos da empresa. Callaghan e Morley (2002) ressaltam a grande quantidade de critérios de seleção propostos pela literatura. Investigando grandes empresas australianas, os autores identificaram os critérios de seleção de mercado-alvo mais utilizados. Os mais citados foram: tamanho do mercado e volume de vendas; rivalidade e intensidade da competição no segmento; habilidade da organização para entregar uma oferta diferenciada e a probabilidade desta ser capaz de

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criar uma vantagem competitiva sustentável no segmento; alinhamento com a estratégia do negócio, habilidade do negócio em prover valor agregado e recursos da organização. Outros pontos levantados incluíam: conhecimento das características do consumidor, compatibilidade com o programa de marketing existente, nível de risco envolvido e estabilidade do segmento ao longo do tempo (CALLAGHAN e MORLEY, 2002).

Um ponto importante a ser abordado é que a Flipflop ainda possui pouco conhecimento acerca de seus consumidores e dos demais segmentos de mercado, o que dificulta a escolha de seu segmento-alvo. Isto pode ser uma oportunidade para o instrutor explorar o tema de pesquisa de marketing, analisando a relevância e/ou necessidade de a empresa contratar uma pesquisa neste momento.

Segundo Aaker, Kumar e Day (2001), as pesquisas de marketing são caras e tomam tempo, além de demandarem outros esforços gerenciais. Por isto, “a disposição de obter informações adicionais para apoio às tomadas de decisões por uma pesquisa de marketing deve basear-se na percepção do administrador sobre a qualidade incremental e o valor das informações diante do custo e tempo empregados em sua obtenção” (p. 36). Para os autores, é preciso ponderar se a informação buscada não está disponível de outra forma; se a decisão será mais bem tomada considerando o custo-benefício da aquisição da pesquisa; e se a pesquisa se justifica dentro da estratégia de longo prazo da empresa.

Malhotra, Peterson e Uslay (2006) observam que é comum empresas não fazerem uso de pesquisas de marketing para tomar decisões estratégicas, mesmo que bilhões de dólares por ano sejam gastos com essa atividade. Apesar disso, Javangi, Martin e Young (2006) consideram esta prática como o link entre a gerência de marketing e os consumidores.

Como foi apresentado, o caso indica o relativo desconhecimento da empresa em relação a seu consumidor, mas também apresenta a disponibilidade de recursos como um forte limitador à contratação de uma pesquisa. A Flipflop é uma empresa pequena e que dispõe de restrita verba de marketing. Assim, Laura precisa analisar o custo-benefício de insistir, junto à diretoria, na contratação de uma pesquisa. Será que não seria possível obter a informação desejada através de outras fontes?

Muitos criticam os profissionais de marketing por seu afastamento da operação: trancados em seus escritórios não conhecem seu consumidor e, para isso, recorrem a institutos de pesquisas. Tem-se observado um movimento de empresas no sentido de estimular o contato entre seus funcionários e clientes. Assim, a discussão pode explorar caminhos alternativos a pesquisas formais, como visitas ao varejo, observação, conversas/entrevistas com consumidores e outros profissionais que tenham conhecimento sobre o público alvo.

Com relação à Flipflop, um dos caminhos que o próprio caso apresenta é aproximar os profissionais de marketing (e, no caso, de desenvolvimento) e os consumidores. Isto já é feito por meio do programa vendedor por um dia, que ampliou o conhecimento da empresa sobre os consumidores da Flipflop, ao menos na cidade de Florianópolis. Estender este programa para outras praças pode auxiliar o entendimento mais amplo sobre seu público em outros Estados. Outra possibilidade seria criar encontros periódicos entre a área de vendas e a área de marketing, para que os profissionais de vendas transfiram para o grupo de marketing o conhecimento que adquirem sobre o consumidor de outras localidades. É válido lembrar, ainda, que a Flipflop faz parte de um grupo que inclui a rede de lojas Dadowear, voltada para públicos de classes altas. Uma aproximação entre as equipes de marketing poderia favorecer um conhecimento maior sobre este público, no caso de a Flipflop optar por um reposicionamento.

O próximo passo é mostrar como uma empresa operacionaliza o posicionamento que deseja adotar para seus produtos por meio do composto de marketing. A seguinte pergunta pode estimular essa discussão: “Você considera o composto de marketing da Flipflop adequado para atender consumidores de classes mais baixas? E para atender consumidores

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de classes altas?”. Nesse momento, o instrutor pode discutir a importância da gestão do composto de marketing e fazer uma apresentação sobre cada um de seus elementos.

O composto de marketing é desenvolvido em função do mercado-alvo da empresa. O instrutor pode abordar este ponto, apresentando a figura de gerência de marketing de Rocha e Christensen (1999). O sucesso do composto está na coerência entre objetivos e ações relacionados a produto, preço, distribuição e comunicação de marketing (URDAN e URDAN, 2006).

Avaliação de Oportunidades

de mercado

Determinação das ofertas da

empresa

Seleção do grupo alvo

Determinação Composto do

produto

Posicionamento do Produto

Implementação e Controle do Programa de Marketing

Avaliação das Ofertas

Competitivas

Avaliação de Capacidades e Recursos da

Empresa

Determinação do Preço

Determinação Composto de Distribuição

Determinação Composto de Comunicação

Figura 1. Esquema de Gerência de Marketing Fonte: Rocha e Christensen, Marketing: teoria e prática no Brasil. São Paulo: Atlas, 1999.

Algumas características que podem ser destacadas sobre esses elementos são:

Produto: Urdan e Urdan (2006) apontam que o produto pode ser um objeto físico ou um serviço

oferecido ao consumidor com a finalidade de atender a necessidades e desejos. Os autores observam que os benefícios do produto podem ser diversos, tais como qualidade, marca e design, e é através da comparação entre esses atributos e os custos do produto que o consumidor avalia se a compra lhe satisfará.

A principal preocupação da Flipflop sempre foi a de produzir sandálias confortáveis e duráveis. Para isso, criou um produto cuja palmilha é feita à base de polímeros especialmente desenvolvidos para torná-la mais macia e confortável que as das concorrentes. Além disso, o solado da Flipflop é robusto, de forma que as sandálias sejam pesadas e volumosas, fazendo com que sua vida útil seja longa, de vários anos. Tais características do produto são extremamente valorizadas por seus atuais consumidores, de classes mais baixas, mas, ao que parece, não pelos consumidores de classes A e B.

Preço: Representa aquilo do que os consumidores precisam dispor para adquirir o que a

empresa lhe oferece. Consumidores costumam usar o preço para inferir a qualidade e os benefícios de um produto (KOTLER e ARMSTRONG, 2007).

As sandálias Flipflop sempre tiveram um preço considerado elevado para este tipo de produto. Isto, inicialmente, devia-se ao alto custo de produção. Porém, com desenvolvimentos tecnológicos e melhorias no processo produtivo, a empresa conseguiu reduzir bastante seu custo. O preço alto é mantido por conta da associação que o público faz entre o preço e a qualidade do produto. Mesmo o preço sendo considerado elevado, os consumidores que compram as Flipflop são de classes mais baixas, o que contraria a percepção de que esse

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segmento de mercado busca produtos com preços baixos, pois sua renda seria para gastos essenciais, tais como alimentação e habitação.

O estudo de Kempen (2004), feito com consumidores de classes mais baixas na Bolívia, ajuda a entender a aceitação, por parte desses consumidores, de produtos com preços elevados, considerados supérfluos. O autor verificou que os participantes de seu experimento estavam dispostos a pagar um preço premium por produtos que possuíssem marcas conhecidas. O motivo para isso não era a melhor qualidade desses bens, mas, sim, o valor simbólico que apresentavam. Conforme sugere o estudo de Kempen (2004), o preço alto auxilia os consumidores atuais das sandálias Flipflop na diferenciação em relação a seus pares.

Distribuição: Segundo Urdan e Urdan (2006), produtos podem ser disponibilizados em um grande

número de pontos de venda, em alguns seletos distribuidores, ou, ainda, em exclusivos distribuidores, dependendo dos objetivos da empresa. O autor aponta que a gestão eficiente da praça resulta em uma vantagem competitiva, pois a oferta da empresa passa a ter grande sortimento, disponibilidade de itens, pontos de venda superiores e atendimento oferecido pelos membros do canal de distribuição.

Na cidade de Florianópolis, as sandálias Flipflop estavam presentes nas lojas Dadowear, Flips e outras surfwears, localizadas em bairros da periferia, reduto, principalmente, de consumidores de classes C e D. Em outros estados, a distribuição era feita em sapatarias comuns e lojas de departamentos. Ou seja, a Flipflop estava presente fortemente em canais típicos de público C/D.

Comunicação de Marketing: Este elemento é composto pelos esforços de publicidade, relações públicas, promoção

de vendas, merchandising, entre outras atividades, cuja finalidade é aumentar as chances de a mensagem enviada ser mais bem entendimento pelo consumidor (KOTLER e ARMSTRONG, 2007).

Inicialmente, a comunicação de marketing da Flipflop era bastante associada à da Dadowear, ambas focando em aspectos relacionados a surfe e praia, voltadas para um mercado-alvo de jovens de classes altas. À medida que este segmento deixou de comprar suas sandálias e consumidores de classes mais baixas passaram a adotá-la, a comunicação de marketing da empresa precisou ser modificada.

Por conhecer pouco sobre esses “novos” consumidores, a empresa optou por realizar uma comunicação de marketing neutra, que não a comprometesse com nenhum público específico – o que foi refletido no visual das lojas, nos displays das sandálias e nas propagandas feitas em outdoors. Além disso, a Flipflop enfatiza em sua comunicação aspectos relacionados ao produto, como a qualidade, o conforto, a robustez e a durabilidade: os vendedores são instruídos a mostrarem aos consumidores, no momento da compra, os detalhes do produto e a autenticidade da marca. O caso sugere que isto ocorre por conta da indefinição da empresa com relação ao mercado-alvo. Porém, também dá indicações de que estes são aspectos valorizados pelos consumidores atuais.

A empresa aparenta não trabalhar os elementos do composto de marketing de forma conjugada. Definido o mercado-alvo, é preciso pensar holisticamente seu composto de marketing, de forma a desenvolver um posicionamento específico, criando junto ao consumidor a imagem pretendida. Caso não realize ações para se posicionar, a empresa continuará à mercê da imagem que o mercado lhe atribui.

Antes de partir para as recomendações dos alunos para a resolução do caso, o instrutor pode estimular a discussão sobre marketing para a base da pirâmide, levantando a questão “A

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venda de produtos “premium” a consumidores de baixa renda pode ser um negócio lucrativo?”

Diversos exemplos na literatura mostram que a venda para consumidores na base da pirâmide pode ser um negócio lucrativo para as empresas (ANDERSON e BILLOU, 2007; PRAHALAD e HAMMOND, 2002; PRAHALAD e HART, 2002; WOOD, PITTA e FRANZAK, 2008). Esses exemplos defendem que, embora consumidores de classes mais baixas não tenham recursos financeiros em excesso, tais como consumidores de classes altas, o tamanho desse segmento é grande. O ganho das empresas, portanto, viria da quantidade total vendida, o que compensaria pequenas margens de lucro. No caso das sandálias Flipflop, as perspectivas podem ser ainda melhores, visto que, depois de muito investimento em desenvolvimento, o custo de produção foi reduzido e o produto passou a apresentar boas margens de lucro.

Finalmente, chega-se à questão fundamental do caso: “No lugar da Laura, qual mercado-alvo você recomendaria para seu diretor e os outros gerentes na reunião de diretoria? Por quê? E como você definiria o posicionamento da empresa?”

Neste momento, é válido retornar aos critérios de avaliação de segmentos que foram selecionados/levantados pelos alunos e estimulá-los a analisar cada um das escolhas de segmento possíveis. Alguns pontos são sugeridos aqui. Porém, cabe lembrar que mais do que sugerir uma resposta ‘correta’ para o caso, o objetivo do método é proporcionar ao aluno a oportunidade de aprendizado.

A Alpargatas foi bem sucedida na estratégia de não limitar a Havaianas a um público específico. A marca parece possuir forte penetração em todas as classes sociais. Porém, é preciso lembrar que a Flipflop é uma empresa significativamente menor e, portanto, com recursos limitados. Além disto, trata-se de um produto com preço elevado e que requer distribuição mais cuidadosa. Logo, a opção por atender o público das classes A e B, além de C e D, não parece a melhor opção.

A opção pelo segmento de classes C e D apresenta vantagens quanto a tamanho de mercado e volume de vendas. Há que se considerar que este é um mercado em crescimento, que foi esquecido pelas empresas em geral por um longo tempo. Ademais, o composto de marketing atual – principalmente no que tange a produto e distribuição – está muito mais próximo deste público do que dos segmentos de classes A e B.

Quanto à competição, esta se mostra acirrada em ambos os segmentos. Como foi dito, grandes players – como Alpargatas e Grendene – estão presentes no mercado. A concorrência para o público de classes mais baixa é reforçada ainda por sandálias vindas da Ásia e de falsificadores. Porém, este público parece valorizar bastante a marca Flipflop. Quanto ao público das classes A e B, a concorrência é forte por conta de Havaianas (principalmente) e de sandálias de boutiques da moda. No entanto, como este público é menos numeroso e de maior poder aquisitivo, é possível esperar uma reação, ou retaliação, mais forte dos grandes players a movimentos da Flipflop neste mercado.

Com relação ao conhecimento do consumidor, a Flipflop pode apresentar uma pequena vantagem em manter-se com o público das classes C e D. Porém, como a empresa faz parte de um grupo (Dadowear) voltado para classes A e B, pode-se considerar que o conhecimento deste público não seja de difícil acesso.

É interessante discutir, também, o nível de risco envolvido na mudança de mercado-alvo. Atualmente, a empresa estima que os consumidores de classes mais baixas representam quase a totalidade de suas vendas. São consumidores que valorizam a marca e as características do produto. Foram eles que alçaram a empresa ao posto de terceira maior fabricante de sandálias do país. A alteração do mercado-alvo, com a definição de um posicionamento voltado para as classes mais altas, pode afastar os consumidores atuais, que

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garantem sua receita, além de não ser garantia de que as sandálias sejam bem aceitas pelo público desejado. Em resumo, esta alteração pode pôr em risco a empresa.

De acordo com Green e Krieger (1991), segmentação de mercado e posicionamento de produto são inextricavelmente relacionados, conforme compradores e vendedores buscam acomodação mútua em ofertas de produtos ou serviços que melhor satisfazem preferências e objetivos de lucratividade. Para finalizar a discussão do caso, o instrutor pode retomar o esquema de gerência de marketing de Rocha e Christensen (1999), reforçando a importância da segmentação de mercado e da escolha do segmento-alvo na definição do posicionamento de mercado que a empresa irá adotar e, consequentemente, para o desenvolvimento do composto de marketing adequado.

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