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Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. Castrejos e Celtiberos na Península Ibérica: o contato com os romanos, o habitat e a questão dos enterramentos Silvana Trombetta (pós-doutoranda em Arqueologia pelo MAE/USP). Os estudos sobre a cultura castreja a caracterizam como uma população nativa do Noroeste de Portugal, sendo um dos seus traços distintivos o habitat, do qual fazem parte variantes naturais e culturais. De acordo com Silva (2007), os castros normalmente situavam-se em locais elevados (a maior parte em 500 metros de altitude, outros entre 1.000 e 1.200 metros) e estavam próximos a cursos d’água que atuavam como uma barreira defensiva e serviam igualmente como fonte para subsistência (aguá potável e alimentação proporcionada por moluscos e peixes). A combinação entre recursos naturais disponíveis na região (abundância de pedras) e aspectos culturais, visíveis na presença de muros defensivos e na forma construtiva das cabanas pétreas (geralmente circulares, sendo algumas dotadas de um átrio - a denominada “casa com patas de caranguejo”), caracterizam o habitat castrejo (Fig. 1) FIG 1 – Citânia de Sanfins (Silva, A.C.F.- A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal. Paços de Ferreira. Câmara Municipal de Paços de Ferreira: 691)

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Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

Castrejos e Celtiberos na Península Ibérica: o contato com os romanos, o habitat e

a questão dos enterramentos

Silvana Trombetta (pós-doutoranda em Arqueologia pelo MAE/USP).

Os estudos sobre a cultura castreja a caracterizam como uma população nativa

do Noroeste de Portugal, sendo um dos seus traços distintivos o habitat, do qual fazem

parte variantes naturais e culturais. De acordo com Silva (2007), os castros normalmente

situavam-se em locais elevados (a maior parte em 500 metros de altitude, outros entre

1.000 e 1.200 metros) e estavam próximos a cursos d’água que atuavam como uma

barreira defensiva e serviam igualmente como fonte para subsistência (aguá potável e

alimentação proporcionada por moluscos e peixes). A combinação entre recursos

naturais disponíveis na região (abundância de pedras) e aspectos culturais, visíveis na

presença de muros defensivos e na forma construtiva das cabanas pétreas (geralmente

circulares, sendo algumas dotadas de um átrio - a denominada “casa com patas de

caranguejo”), caracterizam o habitat castrejo (Fig. 1)

FIG 1 – Citânia de Sanfins (Silva, A.C.F.- A Cultura Castreja no Noroeste de

Portugal. Paços de Ferreira. Câmara Municipal de Paços de Ferreira: 691)

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A existência dos castros no noroeste de Portugal é vista por Silva (2007) como

resultante de fatores econômicos e sociais nos quais o fator defensivo se coadunava com

o crescimento demográfico e a maior organização da sociedade. Lorrio e Almagro

Gorbea (2005) relacionam o aparecimento dos castros celtiberos à instabilidade social,

sendo que os oppida que existiram posteriormente foram resultado de uma sociedade

mais organizada, na qual os bens tumulares refletiam a mudança social. Se para estes

últimos autores num primeiro momento os castros combatem entre si (em guerras que

na verdade envolviam cerca de 100 guerreiros) e a presença marcante das armas,

particularmente da espada nos sepultamentos, refletia o predominante papel do

guerreiro numa sociedade clânica, é necessário salientar que numa fase posterior,

caracterizada pela existência dos oppida ao redor dos quais encontravam-se

assentamentos subordinados de menor porte, os objetos mais frequentes nos túmulos

passaram a ser fíbulas e vasos cerâmicos, revelando uma sociedade mais organizada.

Tal qual entre os celtiberos, a questão relativa aos rituais de morte entre os

castrejos é bastante complexa sendo este problema levantado tanto por estudos mais

atuais, como por publicações mais antigas como a de Garcia y Bellido (1966). Este

último aponta para a ausência nos castros de uma verdadeira necrópole, sendo esta

compreendida como um lugar para os mortos separado do local dos vivos. O rito da

cremação também é levantado pelo autor, salientando-se que as cinzas eram colocadas

em recipientes de barro, pedra ou madeira e que os mesmos eram enterrados no interior

das casas ou em outro local dentro do próprio recinto urbano visto que, por exemplo, no

castro de Vila dos Cotos há cavidades escavadas na pedra que continham urnas

cinerárias. Tal qual Armando Ferreira da Silva (2007), são citados por Garcia y Bellido

(1966) as sepulturas do Castro de Terroso que poderiam conter urnas cinerárias.

Silva (2007) frisa a existência de sepultamentos em urnas cinerárias no interior

das habitações castrejas em pequenas fossas circulares escavadas no solo, numa fase

mais antiga (a denominada Fase II castreja – 500-200 a.C.) e, posteriormente, durante a

Fase III castreja (136 a.C-100 d.C.), em local próprio no exterior das construções mas

ainda dentro do núcleo familiar. Porém, o próprio autor chama a atenção para o fato de

que os sepultamentos no interior dos recintos são provenientes de um único sítio:

Terroso, local no qual as escavações foram feitas nos anos de 1906-1907 e, portanto,

sem o necessário rigor no que se refere ao registro dos dados arqueológicos.

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Os sepultamentos encontrados nos castros portugueses sofreram modificações

culturais ao longo do tempo, muitas delas decorrentes do contato com os romanos.

Entretanto, é possível constatar a sobrevivência de aspectos culturais existentes nos

primeiros sepultamentos castrejos, que remotam a 500 a.C., como a deposição dos

restos mortais em urnas cinerárias. De modo semelhante, podemos verificar fatores

relacionados à nova organização do espaço habitacional (séculos I a.C. – I d.C. ) fruto

da conquista romana, tal qual a deposição de urnas cinerárias na necrópole. Este é o

caso do castro de Monte-Mozinho, no qual cabe ressaltar que todo o material

encontrado até o presente momento é romano.

A necrópole do castro de Monte Mozinho, pesquisada detalhadamente

por Carvalho (2008), revelou dois ritos de enterramento: um de cremação (mais antigo)

numa área mais restrita e outro de inumação, numa área mais vasta e no espaço após a

muralha. Carvalho tenta perceber similitudes e diferenças entre as duas necrópoles. A

análise por ela feita, entretanto, está longe de ser exaustiva pois o espólio do local

revelou mais de 500 peças. No histórico do sítio, foram efetuadas de 1974 a 1976

escavações que revelaram necrópoles com sepulturas de inumação (1974) e de

incineração (1975/76). Segundo Carvalho, “os achados descobertos apontavam para a

existência em pelo menos dois locais à volta da muralha de Mozinho com necrópoles,

de incineração (séc. I/II e séc.III, em covacho) e de inumação (séc. IV / V), em

sepulturas rectangulares estruturadas em pedra e com pequenas diferenças de

desenho”(2088:85).

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Fig. 1 – Planta Topográfica do Castro de Monte Mozinho e das Necrópoles. A e B -

sepulturas de inumação escavadas em 1974; I – Necrópole de inumação de 2004; I(1) –

primeira sepultura de 2002; I(2) – segunda sepultura de 2003; II – Necrópole de

incineração de 2004. Referência Bibliográfica: Carvalho – “As Necrópoles de Monte

Mozinho: resultados preliminares” in Oppidum, número especial 2008 pg.106 – Fig. 38.

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Em 2002 e 2003, Carvalho relata que foram descobertas acidentalmente duas

sepulturas de inumação (século IV d.C.) e em decorrência deste fato realizou-se em

2004 uma escavação sistemática tendo em vista a localização de demais sepulturas na

área. Foram descobertas nove sepulturas de inumação do século IV d.C. A

documentação material é variada (bilhas, pratos, taças, ânforas) e pertence ao período

romano. Um exemplo deste tipo de sepultura pode ser visto abaixo:

Fig 2 – Sepultura de inumação encontrada em Monte Mozinho cujo espólio

contém um prato/taça, dois pratos, um púcaro, uma bilha trilobada, um cântaro, uma

bilha. Referência Bibliográfica: Carvalho – “As Necrópoles de Monte Mozinho:

resultados preliminares” in Oppidum, número especial 2008, pg.87 – fig. 5)

Bastante significativa foi a descoberta pela pesquisadora durante a escavação de

2004 das sepulturas de incineração. “Para além destes trabalhos programados, tivemos

que efetuar, entretanto, uma escavação de emergência, a cerca de 40 metros para norte,

onde detectamos uma necrópole de incineração que os trabalhos de acompanhamento

para implantação de uma escultura perto do Centro Interpretativo, tinham

revelado”(2008:89). Estas necrópoles citadas por Carvalho encontravam-se “numa

espécie de anfiteatro natural formado por um grande desnivelamento do subsolo

granítico que, do lado sul se encontrava à superfície e, de repente, descia até cerca de 3

metros de profundidade. A primeira sepultura encontrava-se a partir dos 1,60m,

desenvolvendo-se, em cinzeiros sobrepostos, numa área de cerca de 50 metros

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quadrados, até 2,50 metros de profundidade” (2008:90). Foram descobertas no local 59

sepulturas e manchas carbonizadas. O espólio destas sepulturas também é bastante

variado (pratos, taças de sigillata hispânica ou imitação da mesma, copos, jarros, vidros

de unguentário, pregos, ossos calcinados). É importante verificar que algumas

sepulturas possuem manchas carbonizadas, em outras estas manchas estão ausente e em

outros locais há manchas de carvão sem que haja espólio funerário. Abaixo, temos um

exemplo de uma sepultura de incineração encontrada em Monte Mozinho.

Fig. 3 – Sepultura de incineração com ossos dentro de uma taça que imita

sigillata hispânica. Há ainda um jarro trilobado, outro jarro alaranjado, um copo de

fabrico fino, um prato de sigillata hispânica de aba larga, um prato de engobe laranja e

com muita fuligem (queimado ?) e mais uma taça pequena de bordo virado para fora.

Referência Bibliográfica: Carvalho – “As Necrópoles de Monte Mozinho: resultados

preliminares” in Oppidum, número especial 2008, pg.93, fig.16).

Segundo Carvalho (2008), o espólio encontrado nas sepulturas de incineração é

mais variado do que as de inumação e sua cronologia remonta ao período flaviano. Um

fato muito relevante é o de que nas sepulturas de incineração estão presentes cerâmicas

finas importadas, como a sigillata hispânica, ausentes nas sepulturas de inumação, cuja

cerâmica é de fabrico local. Além disso, as sepulturas de incineração encontram-se

adensadas num local cuja forma assemelha-se a um anfiteatro e não parecem seguir

nenhuma orientação específica. As sepulturas de inumação pertencem a um período

mais tardio – século IV d.C. e sua orientação Oeste/Leste pode ter sido influência do

cristianismo. A pesquisadora chama a atenção para o fato de que a continuação das

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escavações pode revelar enterramentos da primeira metade do século I d.C., “uma vez

que esta fase corresponde a uma grande pujança ocupacional do castro, tendo fornecido

um número considerável de sigillatas sudgálicas, que estão ausentes em qualquer

sepultura” (2008:105).

Devemos lembrar que Carvalho, ao analisar a estratigrafia da área escavada em

2004 relata que o espólio “é escassíssimo sendo quase todo castrejo/romano” e que onde

foi escavado o nível do derrube e os níveis de enchimento dos segmentos da vala

escavada no saibro, “da camada arenosa do fundo destes últimos saiu material

claramente localizável no século I (cerâmica tipicamente castreja e fragmentos de

ânfora Dressel) (2008:86)”. Assim sendo, podemos visualizar Monte Mozinho como um

sítio no qual o contato entre castrejos e romanos é plenamente verificável no local de

habitação do castro, mas não o é nos sepultamentos encontrados até o presente

momento, o que torna necessária a continuação de trabalhos na área uma vez que a

própria autora aponta que não se tem dados sobre os sepultamentos do século I d.C,

período no qual o castro era mais densamente povoado.

Por outro lado, também em relação aos celtiberos a questão dos enterramentos

ainda gera muitas dúvidas. González relata que as concepções em vigor sobre o mundo

funerário celtibero são de que o mesmo não deixa traços, ou seja, “sem inumações bem

definidas e sem enterramentos dos restos dos defuntos, o que conduz a avançar a

hipóteses de que um dos procedimentos mais prováveis do tratamento do cadáver seria

depositá-lo nas águas de um riacho ou nas suas bordas. Podemos testemunhar este

fenômeno no Tâmisa, onde foram achados restos humanos associados a armamentos do

Bronze Final. Uma outra hipótese, que poderá ser verificada, por exemplo, na área

celtibera seria a exposição do cadáver ao ar livre de modo que eles fossem devorados

pelas aves; existem, com efeito, representações deste método na cerâmica celtibera.

Seja como for, a realidade é que nas costas cantábrica e atlântica não se pode falar em

tumbas propriamente ditas até a conquista romana” (2000:23).

As representações em cerâmicas da deposição do cadáver para ser devorado por

abutres (citadas por González) aparecem em um artigo de Sopeña, no qual o autor faz

uma análise sobre ideologia e religião celtibera. O ritual celtibero de exposição dos

corpos seria uma “prática atávica, com suas raízes no substrato pré-histórico” (2005:

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308). Sopeña também cita a importante fonte textual de Silio Itálico em relação aos

celtiberos, a qual corrobora com a prática da exposição do cadáver.

Os celtas, que acrescentaram a seus nomes aqueles dos Iberos, também vieram.

Para estes homens a morte em batalha é gloriosa; e eles consideram um crime queimar

o corpo de tal guerreiro; por causa que eles acreditam que a alma sobe junto aos

deuses no paraíso se o corpo é devorado no campo por um abutre faminto (Silio Itálico,

Punica., III, 340-343).

A conexão entre fonte textual e material faz-se presente no momento em que

Sopeña (2005) visualiza na encosta sul do sopé da montanha do Cerro de La Muela

(Garray) onde se localiza Numância (oppidum celtibero), treze pavimentos circulares

feitos com pedras arredondadas nos quais os corpos ficariam expostos para serem

devorados. Sopeña cita que a função mortuária desta estrutura tem sido confirmada pela

descoberta da necrópole de Numância perto da região e pelo fato de existirem outras

estruturas similares em Montecillo-Dulla, El Arenal e Castro Del Zarranzano. Porém, o

próprio autor relata que é necessário ter cautela em relação às interpretações destas

descobertas.

Fig. 6 – Um dos treze pavimentos feitos com pedras circulares, nos quais o corpo do

guerreiro seria exposto após a morte. Referência Bibliográfica: Sopeña – “Celtiberian

Ideologies and Religion” in e-Keltoi – The Celts in the Iberian Peninsula. Vol.6, 347-

410, p.381.

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Em relação às figuras que retratam o morto sendo devorado por aves, Sopeña

relata que elas são absolutamente explícitas, não deixando margem para dúvidas. Cabe

lembrar que Almagro-Gorbea e Lorrio (2005) igualmente descrevem esta imagem da

cerâmica numantina enquanto representação de um guerreiro sendo devorado por

abutres.

Fig. 7 – Cerâmica numantina com representação de um guerreiro morto sendo

devorado por abutres (séc. I a.C.). Referência Bibliográfica: Sopeña – “Celtiberian

Ideologies and Religion” in e-Keltoi – The Celts in the Iberian Peninsula. Vol.6, 347-

410, p.381

Existiria no mundo castrejo – tal qual no celtibero - um tipo de ritual reservado

para uma parcela específica da população (no caso, a dos guerreiros) que diferiria das

demais? Neste caso, onde estariam as urnas dos outros indivíduos da população? No

caso celtibero, isto pode ser explicado pela existência de sepultamentos nos quais há um

número significativo de cremações que remontam ao século VI a.C. e persistem até o

século II a.C., embora, como relata Sopeña (2005), estes sepultamentos estejam

dispostos de modo desordenado (algumas vezes próximos uns dos outros, noutros casos

distantes e em outros praticamente sobrepostos). Neste ponto, a disposição dos

enterramentos assemelha-se ao que foi descrito por Carvalho (2004) em relação às

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sepulturas de incineração em Monte Mozinho, que não possuem ordenamento visível.

Também de modo semelhante ao ocorrido na necrópole de Monte Mozinho, os

sepultamentos celtiberos de incineração eram depositados diretamente no solo ou em

uma urna funerária na qual estavam presentes ossos previamente selecionados1.

Fig. 8 – Urna Cinerária do século I a.C. proveniente da necrópole de La Yunta

(Guadalajara), decorada com um motivo geométrico em forma de ondas. Referência

Bibliográfica: Sopeña - “Celtiberian Ideologies and Religion” in e-Keltoi – The Celts in

the Iberian Peninsula. Vol.6, 347-410, p.385

Não obstante algumas similitudes, ao analisar os castros portugueses vemos que

a compreensão das práticas funerárias é mais nebulosa, pois a maioria dos castros do

Noroeste de Portugal, aparentemente, não possuem locais especificamente destinados

1 Sopeña observa que muitos ossos encontrados nas urnas celtiberas foram queimados após a

descarnificação do cadáver havendo, assim, um período intermediário entre a morte do defunto e a

cremação dos ossos selecionados. Isto não significa que todos os corpos fossem expostos para serem

devorados por aves, visto que este era um tipo de ritual destinado aos mais valorosos, mas que

deveriam existir outras práticas que permitissem secar e descarnificar os ossos. Igualmente em relação

aos ossos selecionados, Sopeña diz que das 23 tumbas encontradas na necrópole de Numância 14

continham ossos que correspondiam ao crânio e às extremidades dos dedos (2005: 285). Isto é

particularmente significativo pois para o autor e para outros pesquisadores como Green (2001), a

cabeça era o local onde para os celtas residia a alma, existindo no santuário de Ribemont um pórtico no

qual há cabeças (provavelmente de inimigos derrotados em batalhas) incrustadas em nichos

previamente esculpidos para este propósito.

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aos mortos e estruturas funerárias como as de Monte Mozinho dependem de maior

análise.

Haveria entre os castrejos uma prática recorrente de exposição dos corpos, tal

como relatado por Sopeña (2005) e mesmo Lorrio (1997 e 2005) entre os celtiberos?

Em caso afirmativo, a ausência de um número significativo de sepultamentos castrejos

leva a crer que tal prática não seria exclusivamente reservada aos mortos heroicamente

em batalha.

Curiosamente, ao discorrer sobre as Ilhas Britânicas durante o período entre o

final da Idade do Bronze e a Idade do Ferro, Sopeña (2005: 384) relata que a exposição

dos corpos era a prática funerária dominante, visto que 95 % da população era disposta

deste modo no momento da morte e que em Norfolk haveria uma plataforma sobre a

água na qual os achados incluíram não somente restos humanos mas também armas.

Especificamente neste caso, pressupõe-se que o corpo do guerreiro deveria ser levado

pela ação das águas para o Outro Mundo enquanto que a maior parte da população

ficaria sujeita a uma exposição do corpo em outros tipos de plataforma existentes nos

oppida. Poderia ter ocorrido no Noroeste de Portugal uma prática semelhante à das Ilhas

Britânicas, na qual a maioria dos ritos ligados à morte compreenderia a exposição do

defunto? Para responder corretamente esta questão seria necessário realizar maiores

escavações nos castros portugueses de modo a revelar não somente outros

enterramentos além dos já descobertos, mas também prováveis locais nos quais os

cadáveres seriam expostos.

Práticas mortuárias e enterramentos entre castrejos e celtiberos são, portanto,

mais complexos do que poderia parecer à primeira vista, sendo necessário examinar

mais detalhadamente cada um dos processos ritualísticos ligados à morte (exposição dos

corpos, cremação, seleção de ossos, inumação) para compreender melhor as práticas

mortuárias de ambas populações antes e durante o contato com os romanos.

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