Catalogação da Publicação na Fonte - monografias.ufrn.br · A Constitucionalidade da Uber à...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO ADMINISTRATIVO JENNIFER LARA DA PENHA ANDRADE A CONSTITUCIONALIDADE DA UBER À LUZ DOS PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA NATAL / RN 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO ADMINISTRATIVO

JENNIFER LARA DA PENHA ANDRADE

A CONSTITUCIONALIDADE DA UBER À LUZ DOS PRINCÍPIOS E

FUNDAMENTOS DA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA

NATAL / RN

2017

JENNIFER LARA DA PENHA ANDRADE

A CONSTITUCIONALIDADE DA UBER À LUZ DOS PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS

DA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA

Trabalho de conclusão apresentado ao Curso

de Pós-graduação em Direito Administrativo

sob a orientação do Professor Me. Ricardo

César Ferreira Duarte Junior como requisito

parcial para obtenção do título de especialista

em Direito Administrativo, do Centro de

Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte.

Orientador: Me. Ricardo César Ferreira Duarte Junior.

Natal / RN

2017

JENNIFER LARA DA PENHA ANDRADE

A CONSTITUCIONALIDADE DA UBER À LUZ DOS PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS

DA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Direito da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, como requisito para a

obtenção do título de Especialista em Direito

Administrativo.

Orientador: Ricardo César Ferreira Duarte Junior.

Aprovado em: 13/12/2017.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN.

Sistema de Bibliotecas - SISBI.

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do CCSA.

Andrade, Jennifer Lara da Penha.

A Constitucionalidade da Uber à luz dos princípios e fundamentos da ordem

econômica brasileira/ Jennifer Lara da Penha Andrade. - 2017.

51f.: il.

Monografia (Especialização em Direito Administrativo) - Universidade Federal

do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-

Graduação em Direito. Natal, RN, 2017.

Orientador: Prof. Me. Ricardo César Ferreira Duarte Júnior.

1. Livre concorrência - Monografia. 2. Uber - Serviço de táxi – Monografia. 3.

Livre exercício - Profissão - Monografia. I. Duarte Júnior, Ricardo César Ferreira. II.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 34:339.1

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9

2 O SERVIÇO PÚBLICO NO BRASIL E O TRANSPORTE INDIVIDUAL DE

PASSAGEIROS ...................................................................................................................... 11

2.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE SERVIÇO PÚBLICO ..................... 13

2.2 PRINCÍPIOS DO SERVIÇO PÚBLICO ........................................................................ 17

2.3 CONCESSÃO, PERMISSÃO E AUTORIZAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO ............ 21

3 A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA ................................. 26

3.1 CONCEITO DE ATIVIDADE ECONÔMICA EM SENTIDO ESTRITO ................... 27

3.2 SERVIÇOS DE INTERESSE ECONÔMICO COLETIVO .......................................... 28

3.3 OS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA ............................................................. 29

3.4 PRINCÍPIO DA LIVRE-INICIATIVA .......................................................................... 30

3.4.1 Princípio da Subsidiariedade ................................................................................ 32

3.5 PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA ................................................................. 33

4 DA LEGALIDADE E REGULAMENTAÇÃO DA UBER ............................................. 36

4.1 NATUREZA JURÍDICA DO UBER E DO TÁXI ........................................................ 37

4.2 COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR O TRANSPORTE INDIVIDUAL PRIVADO DE

PASSAGEIROS .................................................................................................................... 42

4.3 A UBER E A LIVRE CONCORRÊNCIA ..................................................................... 46

5 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 50

AGRADECIMENTOS

Agradeço à Deus, por me dar a oportunidade de poder estudar;

Aos meus pais, por todo apoio emocional e financeiro durante toda vida, assim, como

todos os conhecimentos repassados, afinal, uma boa educação começa em casa, com uma

excelente base familiar;

Ao meu irmão, por ser um exemplo de ser humano e excelente profissional em sua

área, alguém que me inspira pela inteligência e capacidade, e, além disso, por ter sido muitas

vezes, meu professor na época do ensino fundamental e médio;

Ao meu orientador, Ricardo César Ferreira Duarte Junior, que desde da graduação me

influenciou por ser um exemplo na vida acadêmica e um profissional de grande competência;

A todos os professores do curso de Pós-graduação em Direito Administrativo da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN);

À Victor, meu namorado, por todo seu amor, compreensão e motivação;

Às minhas amigas que conheci durante o curso, em especial à Bárbara Borges e

Natália Vasconcelos, por terem sido as melhores amigas neste ano, também, à Sammara

Guerra, Giselle Draeger, Marcela Jácome e Carolina Bonelli, pela amizade, conversas e

conhecimentos compartilhados quando realizávamos reuniões para discutir os trabalhos em

grupo;

Enfim, a todos os meus amigos e colegas da turma de Direito Administrativo,

composta por pessoas extremamente qualificadas e diferenciadas, que contribuíram, direta ou

indiretamente, para a realização desse trabalho, que, sem dúvida, é a realização de um sonho.

RESUMO

O presente trabalho tem como intuito analisar a problemática surgida com a introdução do

aplicativo Uber no Brasil que acabou gerando protestos, críticas, agressões, discussões no

legislativo, e, até mesmo, pressão política para eliminar a atuação da empresa no país, dando

início a um grande debate a respeito da legalidade do serviço, bem como da necessidade, ou

não, da regulamentação de sua atividade. Dessa forma, com base nos princípios

constitucionais da livre concorrência e da livre inciativa tem-se como objetivo principal

verificar a Constitucionalidade do serviço prestado pela Uber. Além disso, investigar em qual

categoria o serviço da Uber e dos táxis se enquadra. Averiguar, se a atividade prestada pelos

taxistas e motoristas da Uber é serviço público, atividade de relevante interesse coletivo ou

atividade econômica stricto sensu. No tocante a competência legislativa com relação à matéria

de regulação do trânsito, verificar a competência da União, dos Estados, Distrito Federal ou

Municípios em legislar o transporte privado individual de passageiros, e, por fim, discorrer

acerca dos pontos contrastados da concorrência desleal.

Palavras-chave: uber; serviço de táxi; livre exercício de profissão; livre concorrência.

ABSTRACT

This paper aims to analyze the problems that arose with the introduction of the Uber

application in Brazil, which led to protests, criticisms, aggressions, discussions in the

legislature, and even political pressure to eliminate the company's operations in Brazil. a great

debate about the legality of the service, as well as the necessity, or not, of the regulation of its

activity. Thus, based on the constitutional principles of free competition and free initiative,

the main objective is to verify the constitutionality of the service provided by Uber. Also,

investigate in which category the service of Uber and the taxis fits. Find out if the activity

provided by taxi drivers and Uber is public service, activity of relevant collective interest or

economic activity stricto sensu. Regarding the legislative competence regarding the matter of

traffic regulation, verify the competence of the Union, the States, Federal District or

Municipalities to legislate individual private passenger transport, and finally, to discuss the

contrasted points of unfair competition.

Keywords: uber; taxi service; free exercise of profession; free competition.

9

1 INTRODUÇÃO

A Uber como a principal ofertante do serviço de transporte individual mundial, foi

lançada em 20091 nos Estados Unidos e encontra-se no Brasil desde maio de 2014,

disponibilizando através de uma plataforma simples, um meio inovador de transporte

individual de passageiros, o qual indica através da geolocalização os carros da empresa que se

encontram na região, conectando motoristas particulares e clientes previamente cadastrados,

interessados em se locomover pelas cidades.

Diante da crise de mobilidade urbana, a Uber – atualmente com 13 milhões de

usuários no Brasil2 – 99POP, Cabify e os demais aplicativos alternativos de transporte

individual de passageiros, surgiram justamente com o intuito de criar formas possíveis de

melhorar o sistema de transporte, tendo se mostrado um modelo muito eficiente, conquistando

um enorme número de usuários em todo o mundo, principalmente em razão do preço

acessível, a segurança e ao conforto.

Todavia, em alguns países, mais especificamente, no Brasil, essa solução tecnológica

acabou gerando protestos, críticas, agressões, discussões no legislativo, e, até mesmo, pressão

política para eliminar a sua atuação no país. Dessa forma, as atividades da Uber e dos seus

motoristas vêm sofrendo contestações judiciais e extrajudiciais, oriundas de pessoas,

entidades ou forças políticas ligadas aos taxistas e aos proprietários de frotas de táxi, dando

início a um grande debate a respeito da legalidade do serviço, bem como da necessidade, ou

não, de sua regulamentação.

Os taxistas alegam que as atividades da Uber seriam ilegais, uma vez que, são voltadas

à prestação de serviço de transporte público individual de passageiros, e, que, por não

seguirem a legislação que disciplina a atividade dos taxistas, estariam praticando concorrência

desleal, por estabelecer preços inferiores e não haver previsão de pagamento de qualquer taxa

para seu exercício, isto é, os taxistas sentem-se prejudicados, pois consideram que a Uber

estaria praticando atividade de transporte público individual de forma “clandestina”3.

1 LINS, Elaine Braga Martins Ribeiro. A intervenção estatal no domínio econômico e o aplicativo Uber no

brasil (state intervention in the economic field and the uber app in brazil). Revista Jurídica. vol. 04, n°. 45,

Curitiba, 2016. pp.832-864 DOI: 10.6084/m9.figshare.4659416. p. 834. 2 Uber tem 13 milhões de usuários no Brasil. Estadão. Disponível em:

<http://link.estadao.com.br/noticias/geral,uber-tem-13-milhoes-de-usuarios-no-brasil,70001726602>. Acesso

em: 10 nov. 2017. 3 SARMENTO, Daniel. Ordem Constitucional Econômica, Liberdade e Transporte Individual de

Passageiros: O “caso Uber”. Rio de Janeiro: 2016. Disponível em:

<https://pt.scribd.com/document/273284827/O-Caso-Uber-Daniel-Sarmento>. Acesso em: 18 mar. 2017. p. 03.

10

Por outro lado, a Uber relata que seus motoristas são empreendedores individuais que

utilizam a plataforma em um sistema de economia compartilhada, sendo um serviço de

transporte individual privado de passageiros, diferente do serviço prestado pelos taxistas, que

se enquadra no serviço de transporte público individual de passageiros sujeito a

regulamentação estatal, e, que, o serviço não é aberto ao público, como o táxi, afinal, há

autonomia da vontade do motorista para recursa da corrida, tratando-se de uma atividade

regida pela livre iniciativa e pela livre concorrência.

Acerca do impasse em questão, pretende-se abordar os serviços públicos e os seus

meios de prestações da concessão, permissão e autorização, logo em seguida, o conceito de

atividade econômica stricto sensu, as atividades de interesse coletivo e os princípios da ordem

econômica. Após a noção desses aspectos, analisar-se-á a legalidade da Uber no Brasil, a sua

natureza jurídica – transporte público ou individual de passageiros – e, averiguar, se, a

atividade prestada por cada um é serviço público, atividade de relevante interesse coletivo ou

atividade econômica stricto sensu.

Além do mais, verificar-se-á a respeito da necessidade, ou não, de regulamentação,

assim como, da legalidade, da atividade realizada pelos motoristas da empresa Uber. Ao final,

no tocante a competência legislativa quanto matéria de regulação de trânsito, demostrar-se-á

se é competência da União, dos Estados, Distrito Federal ou Municípios legislar a respeito do

da atividade realizada pelos aplicativos de transporte individual, e, discorrer acerca dos pontos

contrastados da concorrência desleal.

Em síntese, busca-se realizar um estudo jurídico, de modo a definir pressupostos

basilares para o entendimento da matéria, todavia, não com o intuito de esgotar o tema com

precisão, haja vista, a complexidade do conteúdo. Por fim, para a elaboração do trabalho,

utilizou-se o método indutivo, com procedimento monográfico, além da técnica de pesquisa

por documentação indireta, por meio de consulta bibliográfica, pesquisa jurisprudencial e

legislativa.

11

2 O SERVIÇO PÚBLICO NO BRASIL E O TRANSPORTE INDIVIDUAL DE

PASSAGEIROS

Os serviços públicos são atividades que podem variar, conforme o tempo e o lugar.

Conforme Dinorá Grotti, em sua monografia sobre serviço público: “Cada povo diz o que é

serviço público em seu sistema jurídico. A qualificação de uma dada atividade como serviço

público remete ao plano da concepção do Estado sobre seu papel”, e, acrescenta ainda, que,

“É o plano da escolha política, que pode estar fixada na Constituição do país, na lei, na

jurisprudência e nos costumes vigentes em um dado tempo histórico”4.

Na maioria dos países, o serviço público é previsto através da legislação, todavia, no

Brasil, essa referência encontra-se presente na Constituição. De um modo geral, segundo

Celso Antônio Bandeira de Mello, os serviços públicos serão realizados por entidades

públicas que terão por objetivo satisfazer a população, porém, não há obrigação estatal de

prestá-los diretamente5, podendo simplesmente atribuir a prestação a terceiros, seja através da

concessão ou permissão, ou, ainda, autorização6.

Na Constituição de 1988, estão prescritas duas espécies de serviços públicos que só

podem ser prestados exclusivamente pelo Estado, são os de serviço postal e correio aéreo

nacional (art. 21, X da CF/88). Quanto aos serviços elencados no art. 217, incisos XI e XII

(letras “a” a “f”), a Constituição permite que a União explore o serviço diretamente ou

mediante autorização, diferentemente, do inciso X8.

Há, ainda, uma espécie na qual o Estado é obrigado a prestar por si ou por outrem, seja

através da concessão, permissão ou autorização: são os serviços de radiodifusão sonora

(rádio) ou de sons e imagens (televisão), de acordo com o princípio da complementariedade

4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de apud GROTTI, Dinorá. Curso de direito administrativo. – 29. ed. rev.

e atual. até a emenda Constitucional 68 de 21.12.2011 – São Paulo: Malheiros Editores, 2011. p. 687. 5 Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,

sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. 6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 702. 7 Art. 21. Compete à União: X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; XI - explorar, diretamente ou

mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá

sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (Redação

dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:) XII - explorar, diretamente ou mediante autorização,

concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 8, de 15/08/95); b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético

dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a

navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e

aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;

e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos,

fluviais e lacustres; 8 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 702.

12

dos sistemas privado, público e estatal (art. 223, caput, da CF/88). Dessa forma, o Estado não

pode se omitir de atuar diretamente nesses setores, nem deixar de concedê-los, sob pena de

faltar um dos elementos do trinômio constitucional supramencionado9.

Por fim, existem cinco espécies de serviço que o Estado tem a obrigação de prestar,

mas sem exclusividade, podendo ser através de concessão, autorização, permissão ou por

meio da iniciativa privada, são eles: educação, saúde, previdência social e rádio difusão

sonora de sons e imagens10. Em síntese, de com a Constituição, todos os demais serviços

públicos, previstos no art. 21, XI e XII, podem ser prestados mediante administração direta ou

indireta ou podem ser transferidos a entidade privada, através da concessão ou permissão,

exceto, àquele estabelecido no inciso X.

Ressalte-se, que para doutrina majoritária, a lei pode, assim como, a Constituição,

caracterizar uma atividade como serviço público por meio do que se denomina de publicatio

ou publicização. Dessa forma, a iniciativa privada, para realizar serviço postal e correio aéreo

nacional (art. 21, X da CF/88), por exemplo, precisaria de expressa determinação legal. Não

há “reserva de Constituição” para a criação de serviços públicos, embora existam limites

constitucionais intransponíveis a esta atividade do legislador11.

Para a posição minoritária, uma lei infraconstitucional que estabeleça serviço público

pode acabar restringindo a livre iniciativa e a livre concorrência, ofendendo a supremacia da

Constituição. Assim, com relação à corrente majoritária, é necessária bastante cautela, uma

vez que, possibilita o legislador infraconstitucional criar leis que instituam monopólios

públicos, porque, além de ofender os princípios da ordem econômica, podem acabar

suprimindo espaço relevante da iniciativa privada12.

Quanto aos transportes, percebe-se, portanto, que não há, na Constituição Federal,

nenhuma referência de que o transporte individual de passageiros seria um serviço público,

apenas que o transporte coletivo é serviço público, de interesse local, de competência

legislativa do município, conforme o art. 30, inciso V da CF/88, é evidente que o transporte

coletivo de passageiros constitui serviço público, não só por expressa determinação

constitucional, como também pelo caráter essencial para a coletividade13. No entanto, indaga-

se: “o mesmo pode ser dito do transporte individual de passageiros? Será que o poder público

9 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 702. 10 Ibidem, p. 702. 11 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 18. 12 SAMICO JUNIOR, Paulo. O aplicativo Uber: Um estudo de caso baseado nos princípios e fundamentos

da ordem econômica na Constituição Federal de 1988. Revista de Direito da Administração Pública Law

Journal of Public of Administration. Ano nº 2 - vol. 1 - Edição nº 2 – jul/dez (2016). Niterói, 2016. ISSN 2447-

2042. p. 137. 13 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 18.

13

tem obrigação de assegurar acesso a carro com motorista para o transporte individual de cada

cidadão?” 14.

Há divergências, porém, adianta-se desde já que o transporte individual, na realidade,

segundo doutrina majoritária, seria uma atividade econômica privada, pautada pelos

princípios da ordem constitucional econômica, que impõem verdadeiros limites à vontade do

legislador de atribuir esta atividade como serviço público15, dessa forma, o Poder Público não

tem obrigação de assegurar o serviço à todos. Nesse sentido, ressalte-se, ainda, importante

decisão do STF, que se manifestou no sentido de que o transporte fluvial de cargas não é

serviço público, por não atender a qualquer necessidade coletiva essencial (RE 220.999-7).

2.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE SERVIÇO PÚBLICO

Definir serviço público constitui uma tarefa árdua, afinal, sua compreensão sofreu

diversas modificações no tempo e no espaço16. No período do Estado Liberal, na França, a

Escola de Serviço Público liderada por Leon Duguit, desenvolveu as primeiras acepções em

sentido amplo do serviço público abrangendo todas as funções do Estado, chegando ao ponto

de substituir a noção de soberania pela de serviço público17. Assim, conforme Dinorá Grotti, a

base do conceito de serviço público encontra-se no direito francês, com a Escola de Serviço

Público, e, o primeiro a utilizar a expressão, teria sido Rousseau, no Contrato Social:

[...] de um lado, trata-se de atividades destinadas ao serviço público, isto é, ações

através das quais se assegura aos cidadãos a satisfação de uma necessidade sentida

coletivamente, sem que cada um tenha de atendê-la pessoalmente; de outro,

concebe-se como uma atividade estatal que sucede ao serviço do Rei, porque se

operou uma substituição na titularidade da soberania18.

Atualmente, há autores que adotam o conceito amplo, enquanto, outros, optam por um

conceito restrito. No entanto, nas duas hipóteses, combinam-se, em geral, três elementos para

sua definição: o material (considera o serviço público como atividade de interesse coletivo), o

subjetivo (o serviço público seria aquele prestado pelo Estado) e o formal (o serviço público

seria exercido sob o regime de direito público)19.

14 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 18. 15 SAMICO JUNIOR, Paulo. op. cit., p. 138. 16 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. – 27. ed. – São Paulo: Atlas, 2014. p. 102. 17 Ibidem, p. 102. 18 GROTTI apud DI PIETRO, op. cit., p. 100. 19 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 2014, p. 100.

14

Porém, ocorreram ao menos duas dissociações quanto aos três elementos. Primeiro, o

Estado se afastou dos princípios do liberalismo20, passando para o Estado interventivo,

ampliando o rol de atividades próprias que anteriormente eram reservadas somente à

iniciativa privada (serviços comerciais e industriais do Estado). O elemento material, parece

ser o único unânime entre os doutrinadores, independentemente se adotam o conceito amplo

ou o conceito mais restrito21.

O elemento subjetivo, por exemplo, foi afetado, tendo em vista que, as pessoas

jurídicas privadas podem prestar serviço público através da delegação do Poder Público.

Segundo Daniel Sarmento, “o critério subjetivo tornou-se inviável, seja em razão da prestação

de serviços públicos também por particulares, seja pela exploração direta da atividade

econômica em sentido estrito pelo Estado”22.

Houve, também, modificação quanto elemento formal, uma vez que, o serviço público

pode ser prestado sob o regime jurídico público ou privado, inclusive, há doutrinadores que

defendem a teoria de que esse elemento é essencial para a caracterização do serviço público,

como por exemplo, Celso Antônio Bandeira de Mello23. Nas palavras do autor, o “elemento

formal, isso é, a submissão a um regime de Direito Público, o regime jurídico-administrativo,

é o que confere caráter jurídico à noção de serviço público”.

Nessa mesma acepção, para Marçal Justen Filho, “configura-se o serviço público pela

aplicação do regime jurídico de direito público” e “rigorosamente, serviço público sob regime

de direito privado é uma contradição em termos” 24. Dessa forma, para autores como Celso

Antônio Bandeira de Mello e Marçal Justen Filho, o serviço público sempre será prestado sob

o regime de direito público.

Diferentemente, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, entende que há casos em que o

serviço público será submetido ao regime de direito privado, porém, concorrendo com o

direito público, sendo, portanto, híbrido, admitindo situações em que se aplicará o direito

privado aos serviços públicos, mas nunca de forma integral25. Nesse sentido, ainda, para

Odete Medauar, existe a possibilidade da aplicação de direito privado em serviços públicos

20 SUNDFELD, Carlos Ari et al. Direito administrativo econômico. – 1. ed., 3. tiragem – São Paulo: Malheiros

Editores, 2006. p. 42. 21 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. – 16. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2012. p. 359. 22 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 18. 23 Ibidem, p. 18. 24 JUSTEN FILHO, Marçal apud SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 19. 25 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 2014, p. 108.

15

realizado por particulares (que em tese são sujeitos às regras de direito privado), concorrendo

juntamente com o direito público26.

No entanto, conforme Daniel Sarmento, “o foco exclusivo no regime jurídico para a

caracterização do serviço público provocaria uma subversão hierárquica, em detrimento dos

princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência”. Se fosse permitido que o

legislador estabelecesse o regime jurídico do serviço público, consequentemente, autorizar-se-

ia que fossem suprimidos espaços da livre iniciativa e a liberação de monopólios públicos,

como por exemplo, a permissão de comercialização de perfumes, cerveja ou de automóveis, o

que seria um caso de manifesta inconstitucionalidade27.

Em síntese, pelo fato do serviço público nem sempre ser prestado pelo Estado, e, nem

sempre submeter-se ao regime jurídico inteiramente público, surgiu a chamada “crise da

noção do serviço público”28, em meados do século XX, na qual, levou a alteração parcial do

conceito de serviço público, devido ao Estado delegar a execução a particulares por meio dos

contratos de concessão ou por meio de pessoas jurídicas de direito privado (empresas públicas

e sociedades de economia mista)29.

Isto é, os três elementos normalmente considerados pela doutrina para conceituar o

serviço público não são mais essenciais, chegando a faltar um, ou até mesmo dois dos

elementos30. Por influência da Escola de Serviço Público, alguns doutrinadores ainda adotam

o conceito amplo de serviço público que abrange as atividades dos Poderes Legislativo e

Judiciário, porém, para Odete Medauar31, se esta fosse a acepção adequada, todo o direito

administrativo conteria um único capítulo, denominado “serviço público” no qual todas as

atividades da Administração se incluiriam nele.

Acrescenta ainda que, o serviço público, como um capítulo do direito administrativo,

refere-se à atividade realizada pela Administração inserida no Executivo, no que tange à

atividade prestacional, em que o poder público propicia algo necessário à vida coletiva, como

por exemplo, água, energia elétrica, transporte urbano. Não se incluindo na acepção técnica

do serviço público as atividades-meio, como a arrecadação de tributos, serviços de arquivo,

limpeza de repartições, vigilância de repartições32.

26 MEDAUAR, Odete. op. cit., p. 347. 27 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 20. 28 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. – 28 ed. – São Paulo: Atlas, 2015. p. 110. 29 Ibidem, p. 105. 30 SUNDFELD, Carlos Ari et al, op. cit., p. 43. 31 MEDAUAR, Odete. op. cit., p. 347. 32 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 2015, p. 104.

16

Os conceitos restritos, como o de Celso Antônio Bandeira de Mello, confinam o

serviço público entre as atividades exercidas pela Administração Pública, com exclusão das

funções legislativa e jurisdicional; e, além disso, consideram o serviço público como uma das

atividades administrativas, distinta do poder de polícia do Estado. O autor segue o mesmo

entendimento de Gaston Jèze, isto é, considera que é o Estado que define, através do Poder

Legislativo, qual atividade deverá ser exercida pelo serviço público, desde que respeitados os

limites constitucionais33.

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade

material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estrado ou por quem

lhe faça as vezes, sob um regime de direito público – portanto consagrador de

prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído pelo Estado em

favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo34.

O autor considera o substrato material, referente à prestação de utilidade ou

comodidade fruível diretamente pelos administrados e o substrato formal que lhe dar caráter

de noção jurídica em um regime jurídico de direito público. Para Maria Sylvia, o conceito

acaba restringindo a expressão “utilidade ou comodidade material fruível”, sendo considerado

pelo autor apenas àqueles fruíveis diretamente pelos administrados, como, água, transportes,

energia elétrica. Há outras espécies de serviços considerados públicos não usufruíveis

diretamente pela coletividade, à exemplo, dos trabalhos de pesquisa científica que beneficiam

a indiretamente a sociedade35.

Conclui-se, que houve uma ampliação na abrangência da noção de serviço público

para incluir atividades de natureza comercial, industrial e social, isto é, o conceito não

permaneceu estático no tempo e no espaço, sendo o Estado, por meio de lei, que possui a

função de definir quais as atividades serão consideradas serviço público. Assim, no direito

brasileiro, é a própria Constituição que estabelece essa indicação nos artigos 21, incisos X,

XI, XII, XV, XXIII, e 25, parágrafo 2º, alterados, respectivamente, pelas Emendas

Constitucionais 8 e 5, de 1995.

Além disso, não se pode dizer que há um conceito mais correto que outro; pode-se

graduar, de forma decrescente, os vários conceitos: os que incluem todas as atividades do

Estado (legislação, jurisdição e execução); os que consideram apenas as atividades

administrativas, excluindo jurisdição e legislação, sem distinguir o serviço público do poder

de polícia, fomento e intervenção; e, os que preferem restringir mais para distinguir o serviço

33 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 2015, p. 104. 34 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 687. 35 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 2015, p. 104.

17

público das outras atividades da administração Pública. No direito positivo, a expressão pode

ser utilizada ora em sentido amplo, ora em sentido estrito36.

No art. 37, § 6ª da CF/88, por exemplo, que trata da responsabilidade das pessoas

jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço

público, a noção de serviço público é utilizada em seu sentido mais amplo, abrangendo todas

as atividades do Estado, sem distinguir a administrativa, a judicial e a legislativa, e sem

discernir o serviço público, em sentido estrito da atividade de polícia, do fomento e da

intervenção. Entretanto, no art. 175 da CF/88, que atribui ao poder público a prestação de

serviço público, mediante concessão ou permissão, a expressão manifesta-se em seu sentido

mais estrito37.

2.2 PRINCÍPIOS DO SERVIÇO PÚBLICO

No positivismo jurídico de Norberto Bobbio, os princípios eram entendidos como

mandamento nuclear do sistema, tendo como função fundamentar normas e atuar nos espaços

deixados pelas regras, no entanto, atualmente, os princípios tornaram-se espécies de normas

jurídicas, assim como as regras. Dessa forma, é extremamente importante a observância dos

princípios jurídicos, justamente por prescreverem valores, possibilitando a adaptação, isto é,

mutação da Constituição às mudanças ocorridas na sociedade a partir da hermenêutica

constitucional38.

Quanto aos princípios inerentes ao regime jurídico dos serviços públicos, os autores

divergem quanto ao nome, número, conteúdo, ou valor jurídico, que muitas vezes se

desdobram nos mesmos preceitos39. A legislação e a doutrina têm acrescentado outros

princípios, como o da regularidade, generalidade, obrigatoriedade de prestação, neutralidade,

etc. Porém, para a doutrina francesa existem três princípios que são inerentes ao regime

jurídico dos serviços públicos, denominados, também, de “leis do serviço público”, e,

eventualmente, “leis de Rolland”, quais sejam: o princípio da mutabilidade, da continuidade e

da igualdade40.

36 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 2014, p. 107. 37 Ibidem, p. 107. 38 DUARTE, Ricardo. Os princípios na ordem econômica da Constituição Federal de 1988. Disponível em:

<https://jus.com.br/artigos/51897/os-principios-na-ordem-economica-da-constituicao-federal-de-1988>. Acesso

em: 01 set. 2017. 39 SUNDFELD, Carlos Ari et al. op. cit., p. 48. 40 MELLO, Celso Antônio Bandeira, op. cit., p. 693.

18

Segundo Marçal Justen Filho, o princípio da mutabilidade ou da adaptabilidade,

significa a adaptação do serviço público e a alteração dos possíveis modos de sua solução

conforme a variação das necessidades. A Administração tem o dever de atualizar a prestação

do serviço, as modificações técnicas, jurídicas e econômicas. Isso significa a ausência de

direito adquirido dos prestadores do serviço e dos usuários à manutenção das condições

anteriores ou originais41.

Para Maria Sylvia, da mesma forma, o princípio da mutabilidade do regime jurídico

autoriza mudanças no regime de execução do serviço para adaptá-lo ao interesse público, que

é sempre variável no tempo. Assim, os servidores públicos, usuários dos serviços públicos e

contratados pela administração, por exemplo, não possuem direito adquirido à manutenção de

determinado regime jurídico, desse modo, o estatuto dos funcionários pode ser alterado, assim

como os contratos, que podem até mesmo serem rescindidos unilateralmente para atender ao

interesse público42.

Muitas das prerrogativas que a Administração possui sobre o serviço, justificam-se

devido ao princípio da mutabilidade, em especial a da modificação unilateral, legitimando a

incidência de medidas sobre os usuários, que podem ser atingidos no desfrute de seus direitos,

seja, na modificação de tarifas, das condições de organizações, funcionamento e modo de

prestações43. Em suma, “o princípio da mutabilidade reconhece para o Estado o poder de fixar

e alterar de modo unilateral as regras que devem incidir nos serviços públicos, para adaptá-los

às necessidades coletivas44”.

Já o princípio da continuidade, para Marçal Justen Filho, indica que a atividade do

serviço público deverá desenvolver-se regulamente, isto é, sem interrupções, diante disso,

desdobram-se várias consequências jurídicas, como a impossibilidade de suspensão dos

serviços por parte da Administração ou do delegatário e a responsabilização civil do prestador

do serviço em caso de falha. Nesse mesmo sentido, conforme Celso Antônio, a continuidade

remete à impossibilidade da interrupção, e, ainda, ao pleno direito dos administrados que o

serviço não seja suspenso ou interrompido45.

Diante disso, o Código Brasileiro do Consumidor, em seu art. 22, consagra a

obrigatoriedade do funcionamento continuo dos serviços essenciais. A Lei federal nº

41 MOREAU, JACQUES apud JUSTEN FILHO, op. cit., p. 610. 42 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 2014, p. 114. 43 SUNDFELD, Carlos Ari et al. op. cit., p. 57. 44 MELLO apud FRANÇA, Vladimir da Rocha. Reflexões sobre a prestação de serviços público por entidades

do terceiro setor. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, Bahia, n. 6, jun/jul/ago 2006. p.

05. 45 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 694.

19

8.987/95, também, faz alusão à continuidade do serviço público como um dos requisitos para

que o serviço seja considerado adequado e determina as hipóteses em que o concessionário

pode licitamente paralisar ou interromper a execução do serviço sem sofrer as consequências

do inadimplemento, diante disso, de acordo com art. 6º, parágrafo 3º: “Não se caracteriza

como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após aviso

prévio, quando: I- motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações;” e,

II – “por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade”46.

A primeira hipótese por motivos de ordem técnica ou de segurança refere-se à

substituição de tecnologia, recuperação ou manutenção das instalações materiais e das

condições satisfatórias do serviço e em caso de emergência, quando houver risco de danos a

pessoas ou bens. Há emergência quando não for possível o prévio aviso aos usuários diante de

uma a situação de perigo que possa ocasionar dano ou comprometer a segurança das pessoas,

bens ou do próprio serviço. No entanto, se não houver emergência, existe a necessidade de

realização de comunicação prévia47.

A segunda hipótese tem natureza sancionatória e refere-se à possibilidade de

interrupção na prestação por inadimplência do usuário do serviço público, desde que

respeitado o interesse da coletividade, fixado pelas normas de funcionamento do serviço. Há

divergências quando a isso, há acórdãos, por exemplo, determinando a inadmissibilidade do

corte de energia elétrica, por ser um bem essencial a população e serviço público

indispensável. Por outro lado, há acórdãos considerando a legalidade, seja particular ou ente

público, não caracterizando violação do princípio da continuidade do serviço público (art. 22

do CDC)48.

Ainda, segundo Maria Sylvia, do princípio da continuidade decorrem diversas

consequências, como a proibição de greve nos serviços públicos, a necessidade de institutos

como a suplência, a delegação e a substituição para preencher as funções públicas

temporariamente vagas; a impossibilidade, para quem contrata com a Administração, de

invocar a exceptio non adimpleti contractus nos contratos que tenham por objeto a execução

de serviço público; a faculdade que se reconhece à Administração de utilizar os equipamentos

e instalações da empresa que com ela contrata, para assegurar a continuidade do serviço; e, a

possibilidade de encampação da concessão de serviço público49.

46 SUNDFELD, Carlos Ari et al. op. cit., p. 53. 47 Ibidem, p. 51. 48 Ibidem, p. 51. 49 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, op. cit., 2014, p. 71.

20

Todavia, com relação ao contrato não cumprido, em regra, a Administração não tem o

dever de cumprir suas obrigações antes que o particular o faça. O contrato determina, ainda,

que a Administração adimplirá suas prestações posteriormente. Porém, a Lei nº 8.666/1993,

outorga ao particular modalidades semelhantes à exceção do contrato não cumprido50, nesse

sentido, entende o Superior Tribunal de Justiça que o contratado poderá suspender a execução

do contrato, caso a Administração Pública deixe de efetuar os devidos pagamentos por mais

de 90 (noventa dias)51:

4. Com o advento da Lei 8.666/93, não tem mais sentido a discussão doutrinária

sobre o cabimento ou não da inoponibilidade da exceptio non adimpleti contractus

contra a Administração, ante o teor do art. 78, XV, do referido diploma legal. Por

isso, despicienda a análise da questão sob o prisma do princípio da continuidade do

serviço público.

5. Se a Administração Pública deixou de efetuar os pagamentos devidos por mais de

90 (noventa) dias, pode o contratado, licitamente, suspender a execução do contrato,

sendo desnecessária, nessa hipótese, a tutela jurisdicional porque o art. 78, XV, da

Lei 8.666/93 lhe garante tal direito. (sem grifos no original).

Assim, verifica-se que a continuidade dos serviços públicos não possui caráter

absoluto. Há situações específicas que excepcionam o princípio, permitindo a paralisação

temporária da atividade, como por exemplo, na necessidade de proceder reparos técnicos ou

realizar obras. Por outro lado, alguns serviços, geralmente prestados por concessionários e

permissionários, remunerados por tarifa, admitem suspensão no caso de inadimplemento da

tarifa pelo usuário, devendo ser restabelecido tão logo seja quitado o débito, como por

exemplo, nos serviços de energia elétrica52.

Com relação ao princípio da igualdade dos usuários perante o serviço público, previsto

no art. 5º, caput, da CF/88, o usuário possui o direito à prestação do serviço sem qualquer

distinção de caráter pessoal, desde que satisfaça às condições legais. A Lei de concessões de

serviços públicos (Lei nº 8.987/95) prevê a possibilidade de estabelecerem tarifas

diferenciadas “em função das características técnicas e dos custos específicos provenientes do

atendimento aos distintos segmentos de usuário”; vg. a isenção da tarifa para idosos ou tarifas

reduzidas para os usuários de menor poder aquisitivo; aplicando-se o princípio da

razoabilidade53.

Nesse sentindo, a prestação do serviço será igual para os usuários em situações

semelhantes. Qualquer discriminação deverá ser fundamentada, de acordo com a condição ou

50 JUSTEN FILHO, Marçal Justen. op. cit., p. 559. 51 REsp 910.802/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, j. 03.06.2008, DJe 06.08.2008. 52 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. – 28 ed. rev., ampl. e atual. São

Paulo: Atlas, 2015. p. 37. 53 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, op. cit., 2015, p.148.

21

situação em que se encontra cada usuário, no entanto, o motivo da distinção deverá ser

razoável, bem como a proporcionalidade das medidas através das quais se execute a distinção

de tratamento. Dessa forma, considera-se válida, conforme supramencionado, a fixação de

tarifas diferenciadas em razão da situação financeira de determinados usuários ou de outras

circunstâncias devidamente justificadas54.

Ademais, a doutrina aponta, ainda, princípios, como o da regularidade, obrigatoriedade

de prestação, legalidade, isonomia, eficiência, transparência, segurança, modicidade nas

tarifas, da supremacia do interesse público, etc. Destaque-se, o princípio da eficiência, conexo

ao princípio da continuidade, no qual, o Estado deve prestar seus serviços com a maior

eficiência possível e se atualizar com os novos processos tecnológicos, de modo que a

execução seja mais eficiente possível. Por fim, o princípio da modicidade, significa que os

serviços devem ser remunerados a preços módicos, devendo o Poder Público avaliar o poder

aquisitivo do usuário55.

2.3 CONCESSÃO, PERMISSÃO E AUTORIZAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO

Com passar do tempo, o Estado percebeu que não dispunha de organização adequada e

capacidade de desempenhar tantas atividades, delegando constantemente a outras pessoas a

prestação dos serviços. A concessão de serviço público surgiu e foi utilizada desde o século

XIX na Europa, principalmente na França, sendo, portanto, a primeira forma que o Poder

Público utilizou para transferir a terceiros a execução de serviço público56, recaindo

principalmente sobre transporte ferroviário, fornecimento de água, gás, eletricidade e

transporte coletivo urbano57.

A partir da terceira década do século XX, registrou-se declínio das concessões, em

razão da instabilidade econômica, das guerras mundiais e das tendências estatizantes. Dessa

forma, muitas atividades concedidas foram sendo nacionalizadas através da criação das

empresas estatais surgindo as outorgas para entes da Administração indireta, ao invés do setor

privado. No entanto, o interesse ressurgiu a partir da década de 80 com as privatizações das

estatais, utilizando as mesmas justificativas: a execução de serviços públicos sem ônus

financeiro para União58.

54 MACHO, Luis Miguez apud GROTTI, Dinorá; SUNDFELD, Carlos Ari. p. 54. 55 CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 348. 56 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. p. 304. 57 MEDAUAR, Odete, op. cit., p. 352. 58 Ibidem, p. 352.

22

Desde a Constituição de 1934, já havia previsão no art. 137, que a lei federal regulasse

a fiscalização e revisão de serviços concedidos; por sua vez, as Constituições de 1946 e 1947

e a Emenda Constitucional 1/69 previam a edição de lei sobre o regime das concessionárias de

serviços públicos, porém, nunca foi promulgada. Apesar das Constituições anteriores terem

feito referência às concessões, somente a Constituição de 1988, em seu art. 175, o qual

determina que “incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de

concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”,

fazendo expressa menção às permissões, colocando-as, como forma específica de prestação

indireta de serviços públicos59.

Classicamente, através da permissão e concessão, a Administração transfere a

execução de serviços públicos a particulares, com remuneração assegurada pela tarifa que os

usuários pagam. Tradicionalmente, tinham como diferencial a natureza jurídica, ou seja,

enquanto a concessão classificava-se como contrato administrativo, a permissão enquadrava-

se como ato administrativo60. Para Maria Sylvia a diferença está na forma de constituição, a

concessão decorre de acordo de vontade, ao passo que, a permissão, de ato unilateral; e, ainda,

que existe precariedade na permissão, quando na concessão não há. Nesse sentido, para Celso

Antônio Bandeira de Mello:

A permissão é ato unilateral pelo qual a Administração faculta precariedade a

alguém a prestação de um serviço público ou defere a utilização especial de um bem

público. No primeiro caso, serve de exemplo a permissão para desempenho do

serviço de transporte coletivo, facultada precariamente por esta via, ao invés de

outorgada pelo ato convencional denominado concessão. Exemplo da segunda

hipótese tem-se no ato de facultar a instalação de banca de jornais em logradouro

público, ou de quiosque para venda de produtos de tabacaria etc61.

Foi com advento da Lei nº 8.987/1995, que ficou quase impossível identificar qualquer

diferença entre os institutos da concessão e da permissão, que em seu art. 4062, atribuiu à

permissão o caráter de contrato de adesão, precário, e revogável unilateralmente pelo poder

concedente. Destaque-se que ao invés de falar de “revogação”, que se refere a atos unilaterais,

legislador deveria ter mencionado “rescisão”, que se refere a contratos; demostrando as

incertezas quanto a natureza da permissão63. De fato, a lei foi peremptória quanto à natureza

59 CARVALHO, José dos Santos. op. cit., p. 387. 60 MEDAUAR, Odete. op. cit., p. 361. 61 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 443. 62 Art. 40. A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão, que observará os

termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à

revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente. Parágrafo único. Aplica-se às permissões o disposto

nesta Lei. 63 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 349.

23

jurídica da permissão, de modo que, não há como deixar de considerar a permissão de caráter

contratual.

No entanto, a incoerência da lei, assim como, do art. 175, parágrafo único, da CF/88,

foi tão flagrante que dividiu o próprio Supremo Tribunal Federal. Na ação direta de

inconstitucionalidade nº 1.491-DF (julg. em 1º.7.1998; vide Informativo STF nº 117, jul.

1998), de Relatoria de Ministro Carlos Velloso, na qual se discutiu a questão relativa à forma

de delegação do serviço móvel celular, prevista na Lei nº 9.295/1996, a Corte decidiu, pela

apertada maioria de seis a cinco, que o art. 175, parágrafo único, da CF/88, afastou qualquer

distinção conceitual entre permissão e concessão, ao conferir à permissão o caráter contratual

próprio64.

Apesar de inúmeras vozes discordantes dentro do próprio Tribunal, a maioria do STF

considerou que atualmente a concessão e a permissão de serviços públicos têm a mesma

natureza jurídica: contrato administrativo, portanto, ambos possuem características muito

parecidas: são formalizados por contratos administrativos; têm como objeto a prestação de

serviços públicos; representam a mesma forma de descentralização, resultam de delegação

negocial; não dispensam licitação prévia; recebem, de forma idêntica, a incidência de várias

particularidades desse tipo de delegação, como supremacia do Estado, mutabilidade

contratual, remuneração tarifária, etc65.

Dessa forma, a diferença entre concessão e permissão de serviço público, diante da Lei

8.987/95, segundo Odete Medauar, situa-se em dois aspectos: a concessão é atribuída a pessoa

jurídica ou consorcio de empresas, enquanto a permissão é somente atribuída a pessoa física

ou jurídica (art. 2º, II e IV); e, a concessão destinar-se-ia a serviços de longa duração,

inclusive para propiciar retorno de altos investimentos da concessionária; a permissão supõe

média ou curta duração66. Maria Sylvia acrescenta ainda, que a lei no inciso IV do art. 2º, ao

definir a permissão, não fez referência à concorrência como modalidade de licitação

obrigatória, ao contrário do que ocorre no inciso II, relativo à concessão67.

Com relação à autorização, o art. 175 da Constituição, não fez nenhuma referência,

isto porque, os denominados “serviços públicos autorizados” não são prestados a terceiros,

mas em benefício dos próprios particulares autorizatários. Nessa acepção, alguns autores

intitulam as atividades autorizadas de “serviços públicos”, devido à sua atribuição ser de

titularidade exclusiva do Estado, que pode, discricionariamente, conferir a sua execução ao

64 CARVALHO FILHO, José dos Santos. op. cit., p. 438. 65 Ibidem, p. 438. 66 MEDAUAR, Odete, op. cit., p. 362. 67 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 350.

24

particular que queira prestá-lo, não como a intenção principal de atender à coletividade, mas

as suas próprias necessidades do autorizado, conforme as hipóteses do art. 21, incisos XI e

XII68.

Assim, Maria Sylvia, define autorização de serviço público como “ato unilateral,

discricionário e precário, pelo qual o poder público delega a execução de um serviço público

de sua titularidade, para que o particular o execute predominantemente em seu próprio

benefício”. Para José dos Santos, na realidade, não há autorização para a prestação de “serviço

público”, serviço público somente é objeto de concessão ou de permissão, a autorização é ato

administrativo discricionário e precário pelo qual a Administração consente que o indivíduo

desempenhe “atividade de seu exclusivo ou predominante interesse, não se caracterizando a

atividade como serviço público” 69.

Normalmente, remetem ao art. 21, XII, da CF/8870, para justificar a autorização de

serviço público, que estabelece competência à União Federal para explorar, diretamente ou

mediante autorização, concessão ou permissão, atividades, como por exemplo, os serviços de

radiodifusão sonora, de sons e imagens, navegação, transportes etc. Entretanto, são atividades

que nem sempre são típicos serviços públicos, sendo exercidas diversas vezes por particulares

em interesse próprio, ou seja, sem qualquer benefício para qualquer grupo social71.

Diante disso, para a menção às três espécies de consentimento, reside em que a

concessão e a permissão são os institutos próprios para a prestação de serviços públicos, e a

autorização o adequado para o desempenho da atividade do próprio interesse do autorizatário.

Além disso, o art. 175 da CF/88, ao referir-se à prestação indireta de serviços públicos, fez

menção apenas à concessão e à permissão, determinando que: “Incumbe ao Poder Público, na

forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de

licitação, a prestação de serviços públicos”, por isso a autorização não pode consentir o

desempenho de serviços públicos72.

Na prática, existem certas atividades que encerram alguma dúvida sobre se devem ser

consideradas serviços de utilidade pública ou atividades de mero interesse privado, dada a

68 Ibidem, p. 350. 69 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 350. 70 Art. 21. Compete à União: XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a)

os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens; b) os serviços e instalações de energia elétrica e o

aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais

hidroenergéticos; c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de

transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites

de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f)

os portos marítimos, fluviais e lacustres; 71 CARVALHO FILHO, José dos Santos. op. cit., p. 466. 72 Ibidem, p. 466.

25

dificuldade em se apontar a linha demarcatória entre ambos. Até mesmo atividades que

nascem como de interesse privado e, ao desenvolver-se, passam a caracterizar-se como

serviços públicos73.

A atividade de transporte de passageiros, por exemplo, às vezes suscita dúvida, porque

há serviços públicos e serviços privados de transporte de pessoas, como o caso das vans que

conduzem moradores para residências situadas em local de mais difícil acesso em morros, ou,

ainda, o serviço de táxis que se tratam de atividades privadas, e, por isso mesmo, suscetíveis

de autorização, sendo assim, não será realmente serviço público, já que este se configura

como objeto de permissão74.

Por fim, acrescenta-se, que a autorização não depende de licitação, em virtude do

serviço prestado ser interesse exclusivo ou predominantemente do beneficiário, sendo assim,

não há viabilidade de competição. O serviço é executado em nome do autorizatários, por sua

conta e risco, submetido à fiscalização pelo poder público. Trata-se de um ato precário,

revogável a qualquer tempo, em razão de interesse público, sem ensejar direito a indenização.

A outorga, em regra, sem prazo, porém, doutrinariamente, há quem admita a possibilidade de

prazo75.

73 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 350. 74 CARVALHO FILHO, José dos Santos. op. cit., p. 467. 75 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 350.

26

3 A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

As constituições brasileiras do século XIX, dispuseram de forma escassa acerca da

ordem econômica, haviam aspectos ao direito de propriedade, liberdade de indústria e

comércio, liberdade de profissão, contratual, entretanto, não em um capitulo específico de

forma sistêmica e organizada. Somente a partir da Constituição de 1934, sob inspiração das

experiências constitucionais mexicana, em 1917, e alemã, em 1919, passaram a prevê um

capítulo tratando da Ordem Econômica e Social76.

Na Constituição Federal de 1988, a ordem econômica possui seu embasamento nos

dispositivos do art. 170, e, além disso, “fundamentalmente nos preceitos inscritos nos seus

artigos 1º, 3º, 7º a 11, 201, 202 e 218 e 219 – entre outros, como os do art. 5º, LXXI, do art.

24, I, do art. 37, XIX e XX, dos § 2º do art. 103, do art. 149, do art. 225”77. De acordo com o

art. 170, a ordem econômica tem como fundamento a valorização do trabalho humano e a

livre iniciativa, com o objetivo de assegurar a existência digna aos cidadãos (dignidade da

pessoa humana), conforme os ditames da justiça social, observados os princípios

estabelecidos nos seus incisos78.

Todavia, a atividade econômica a que se refere o parágrafo único, bem como aos

princípios do art. 170, é a atividade econômica em sentido estrito, isto é, a atividade sob o

domínio dos particulares (conforme item a seguir), que não se confunde com a prestação de

serviços públicos que, embora seja uma espécie do gênero atividade econômica (sentido

amplo), é de domínio do Estado, regida pelo art. 175 da CF/88, na qual, serão observados os

princípios da continuidade do serviço público, da regularidade, da generalidade ou

universalidade, modicidade, segurança, atualidade, adaptabilidade ou mutabilidade e

eficiência79.

76 GRAU. Comentário ao artigo 170.In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.;

STRECK, Lenio L. (Coords.). apud SILVA, Jonas Sales Fernandes da. Ordem Constitucional Econômica,

Liberdade e Transporte Individual de Passageiros: O “caso Uber”. Disponível em:

<https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/cadernovirtual/article/view/1195>. Acesso em: 17 mar. 2017. p. 10. 77 DUARTE, Ricardo. Os princípios na ordem econômica da Constituição Federal de 1988. Disponível em: <

https://jus.com.br/artigos/51897/os-principios-na-ordem-economica-da-constituicao-federal-de-1988/2>. Acesso

em: 16 jul. 2017. 78 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I -

soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V -

defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente; VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de

pequeno porte. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,

independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. 79 DUARTE, Ricardo. op. cit.

27

3.1 CONCEITO DE ATIVIDADE ECONÔMICA EM SENTIDO ESTRITO

A Constituição diferencia o serviço público e a atividade econômica propriamente

dita, subordinando-os as regras diversas. A diferenciação entre um e outro começa quando no

serviço público o particular não tem a liberdade de iniciar suas atividades. A atividade

econômica em sentido estrito se sujeita aos princípios da livre iniciativa e da livre

concorrência, e, tem como regra, a liberdade do particular. A intervenção direta do Estado na

atividade econômica em sentido estrito, deve ser excepcional, sendo cabível somente quando

necessária para a segurança nacional ou em caso de interesse coletivo, de acordo com art. 173

da CF/8880.

Há hipóteses previstas nos artigos 176 e 177 em que Constituição comtempla um

elenco de situações em que o Estado exercerá atividade econômica, como por exemplo,

pesquisar, refinar e transportar (no modo marítimo) o petróleo. O desempenho direto pelo

Estado no domínio econômico quando não previstas na Constituição, depende de autorização

legislativa. Normalmente, essa autorização legislativa está na própria lei que autoriza a

criação de uma entidade administrativa dotada de personalidade jurídica de direito privado,

pode ser através de sociedades de economia mista, empresas públicas, ou até mesmo, através

de participações em empresas privadas81.

Enfim, o Estado deve observar as normas constitucionais que regem a atividade

econômica, assim como, os princípios da proporcionalidade, legalidade e igualdade,

respeitando, a liberdade do particular para atuar no mercado, conforme o regime capitalista

vigente no Brasil. O transporte individual é uma atividade livre, estando sujeita, apenas

regulações prévias e restrição de órgãos públicos, portanto, não há logica em atribuí-lo a

natureza de serviço público, justamente, por não se enquadrar como um serviço essencial

como o transporte público, saúde ou educação82.

80 SAMICO JUNIOR, Paulo. O aplicativo Uber: Um estudo de caso baseado nos princípios e fundamentos

da ordem econômica na Constituição Federal de 1988. Revista de Direito da Administração Pública Law

Journal of Public of Administration. Ano nº 2 - vol. 1 - Edição nº 2 – jul/dez (2016). Niterói, 2016. ISSN 2447-

2042. p. 136. 81 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. – 4. ed. rev. e atual.- São Paulo: Saraiva, 2009. p.

695. 82 SAMICO JUNIOR, Paulo. op. cit., p. 136.

28

3.2 SERVIÇOS DE INTERESSE ECONÔMICO COLETIVO

Pode-se dizer que os serviços de interesse coletivo, apesar de não previstos

formalmente na Constituição, são como uma terceira espécie de atividade econômica, sendo

um intermediário entre serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. Engloba

atividades que apresentam características peculiares a ambos os conceitos e cujo regime

jurídico não é exclusivamente de direito público, nem de direito privado. Integram os serviços

de interesse coletivo as atividades que, anteriormente, configuravam-se como serviços

públicos, e, outras, originalmente privadas, que acabaram adquirindo relevância para fins

coletivos83.

Dessa forma, o regime jurídico aplicável a essas atividades é o de direito privado, no

entanto, não há a pura e simples submissão ao direito privado, as competências fiscalizatórias

estatais exercem-se de modo intenso, impondo limites mínimos de qualidade, garantias de

desempenho, fiscalização em defesa dos usuários, etc. Antigamente, utilizava-se a expressão

serviço público virtual para indicar algumas atividades que se destinavam à satisfação de

necessidades coletivas essenciais, mas que permaneciam fora da esfera estatal, como padarias,

açougues, farmácias84.

Posteriormente, outras atividades privadas foram submetidas a uma regulação intensa,

alguns serviços foram despublicizados, passando-se a aludir a serviços públicos sob regime de

direito privado – expressão que, rigorosamente, é uma contradição em termos. Um exemplo é

a telefonia móvel celular. Destaque-se, que, somente podem ser submetidas ao regime

intermediário algumas atividades, aquelas que possam ser desempenhadas por meio da livre

iniciativa sem risco de comprometimento dos direitos fundamentais85.

Há setores que exigem a manutenção do regime de direito público ao menos em uma

parcela significativa de sua prestação, como as hipóteses previstas no art. 21, XI e XII86, da

CF/88, cuja exploração (direta ou mediante concessão, permissão ou autorização) incumbe à

83 JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit., p. 576. 84 Ibidem, p. 576. 85 Ibidem, p. 576. 86 Art. 21. Compete à União: XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os

serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um

órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão

ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens; b) os serviços e instalações de energia

elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os

potenciais hidroenergéticos; c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços

de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os

limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de

passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres.

29

União. A referência a autorização indica a possibilidade de sua exploração sob forma de

atividade econômica privada, mas a atribuição da competência à União impõe a manutenção

de uma estrutura de serviço público87.

O modelo de competição entre serviço público e atividade econômica privada foi

consagrado pela própria Constituição, de atividades absolutamente essenciais, atividades de

assistência à saúde, à previdência social, à assistência social e à educação. Em outras áreas, a

Constituição impõe a existência de serviços públicos, mas faculta a sua exploração

concomitantemente como atividade econômica por parte da livre iniciativa88. Ao final do

trabalho (item 4.3), será verificado em qual categoria a atividade dos taxistas e dos motoristas

se classificam.

3.3 OS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA

Com o decorrer dos últimos anos, os princípios passaram de simples instrumentos de

preenchimento de lacunas nas leis – anteriormente utilizados somente após a analogia e os

costumes, deixados como subsidiários pelo legislador – para o centro da interpretação

constitucional, devido a sua carga valorativa, representando, assim, uma necessária

reaproximação entre a ética e o direito89. Nas palavras de Sarmento, “os princípios da

Constituição são normas jurídicas extremamente importantes, verdadeiros pilares do

ordenamento, e não meras exortações ao legislador, desprovidas de efeitos concretos”90.

Os princípios constitucionais estabelecem limites para o legislador infraconstitucional

e para a Administração, e caso sejam inobservados, geram a invalidade das normas e dos atos

que os contravenham. Refletem, ainda, nas relações sociais, estabelecendo comportamentos

positivos e negativos ao Estado e a particulares, operando como verdadeiras bússolas, guiando

a interpretação de regras constitucionais mais específicas e da legislação infraconstitucional,

conhecida como eficácia interpretativa dos princípios constitucionais, de acordo com Luís

Roberto Barroso91.

87 JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit., 576. 88 JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit., 576. 89 SILVA, Jonas Sales Fernandes da. Uber é constitucionalmente compatível com a Ordem

Econômica Brasileira e benéfico ao consumidor. Disponível em:

<https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/cadernovirtual/article/view/1195>. Acesso em: 17 mar. 2017. p. 02. 90 SARMENTO, Daniel. Ordem Constitucional Econômica, Liberdade e Transporte Individual de

Passageiros: O “caso Uber”. Rio de Janeiro: 2016. Disponível em:

<https://pt.scribd.com/document/273284827/O-Caso-Uber-Daniel-Sarmento>. Acesso em: 18 mar. 2017. p. 04. 91 Ibidem, p. 04.

30

Com relação aos transportes, o próprio constituinte inserido a disciplina (art. 178,

CF92) no capítulo da Carta intitulado “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica”

(Capítulo I do Título VII), sendo que, muitos princípios estão espalhados pela carta

constitucional, como a liberdade de oficio ou profissão (art. 5º, XIII); a dignidade da pessoa

humana (art. 1º, III); a propriedade privada (art. 5º, XIII), no entanto, dentre os princípios que

regem a ordem econômica brasileira dois são extremamente importantes: a livre iniciativa

(art. 1°, IV e 170, caput, CF) e a livre concorrência (art. 170, IV, CF), que serão

desenvolvidos a seguir93.

3.4 PRINCÍPIO DA LIVRE-INICIATIVA

Em conformidade com a dimensão atingida pela doutrina da livre iniciativa no final do

século XX, o constituinte brasileiro de 1988 tratou-a como princípio constitucional e, mais do

que isso, como fundamento da República Federativa do Brasil, ao lado da soberania,

cidadania, dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho e pluralismo político, no inc.

IV do art. 1º da Constituição, dispondo que: “A República Federativa do Brasil, formada pela

união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado

Democrático de Direito e tem com fundamentos: (...) IV – os valores sociais do trabalho e da

livre iniciativa” 94.

Dessa forma, a livre iniciativa, é a liberdade de trabalhar num determinado campo ou

de se associar para trabalhar numa determinada atividade, estando previsto, também, no caput

do art. 170 da CF/88, como um dos princípios fundamentais da ordem econômico-social,

juntamente com a valorização do trabalho humano. O enquadramento dúplice da livre

iniciativa pela Constituição acaba por enfatizar ainda mais a relevância do princípio no

ordenamento constitucional brasileiro95. O princípio mantém, ainda, íntima correlação com a

liberdade profissional (art. 5º, inciso XIII, da CF/88), com a liberdade de empresa (art. 170,

Parágrafo único, CF), a proteção da propriedade privada (art. 5º, XXII e 170, II, CF) –

inclusive dos meios de produção – e a autonomia negocial96.

92 Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à

ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da

reciprocidade. 93 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 05. 94 TAVARES, André Ramos. Parecer jurídico. Disponível em:

<http://www.parceirosbsb.com/uploads/5/4/7/6/54769587/kit_doc_01.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2017. p. 234. 95 Ibidem, p. 234. 96 BARROSO, Luís Roberto apud SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 07

31

Assim, a livre iniciativa repousa em dois fundamentos essenciais: na liberdade

individual, que deve se projetar na esfera econômica; e à promoção da riqueza e

desenvolvimento econômico em benefício da coletividade. Na dimensão coletiva, quando

assegurada a liberdades dos agentes econômicos, a sociedade tende a ser mais próspera,

contanto, que não lesem direitos de terceiros ou interesses relevantes da comunidade. Por isso,

a regra geral deve ser a liberdade dos particulares para realizarem atividades econômicas, ao

invés do Estado se apropriar dos meios de produção ou planificar completamente a

economia97.

A liberdade de iniciativa garantida constitucionalmente não se restringe à liberdade

de iniciativa econômica, sendo esta apenas umas das suas dimensões. A livre-

iniciativa de que fala a Constituição há de ser, realmente, entendida em seu amplo

sentido, compreendendo não apenas a liberdade econômica, ou liberdade de

desenvolvimento de empresa, mas englobando e assumindo todas as demais formas

de organização econômicas, individuais ou coletivas, como a cooperativa (art. 5º,

XVIII, e art. 174, parágrafos 3º e 4º) e a própria liberdade contratual e comercial

(...)Toda a legislação infraconstitucional, portanto, no sistema brasileiro, deve

observância ao livre exercício da atividade econômica (...) 98.

No entanto, obviamente, a liberdade de iniciativa, desde a sua primeira positivação,

jamais chegou a ser declarada e admitida em termos absolutos, de acordo com Bastos: “Essa

liberdade, como todas as outras, de resto, não pode ser exercida de forma absoluta. Há

necessidade de alguns temperamentos”. Diante disso, a garantia da livre iniciativa quando

assegurada pelas instituições estimula o empreendedorismo, gerando maior riqueza social, e,

consequentemente, o bem-estar coletivo, porém, não impede a intervenção estatal na

economia para a promoção de objetivos legítimos como a distribuição de riqueza99.

A livre-iniciativa, portanto, garante a possibilidade de “autodirecionamento econômico

dos particulares”, contudo, quando for o caso, impõe também a necessidade de se submeter às

limitações impostas pelo Poder Público. Na falta de lei condicionadora, a liberdade será

ampla, apenas devendo respeitar os princípios constitucionais. Esse dado fundamental não

pode ser ignorado no tocante ao transporte individual de passageiros. Segundo Sarmento, “O

importante, contudo, é notar que a regra é a liberdade. Qualquer restrição a esta terá que

decorrer da própria Constituição ou de leis editadas com fundamentos no princípio da livre

97 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 8 e 9. 98 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense: São Paulo:

MÉTODO, 2011. p. 240 99 BASTOS apud TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. – Rio de Janeiro:

Forense: São Paulo: MÉTODO, 2011. p. 239.

32

iniciativa”. Em última instância, a liberdade de iniciativa é apenas consequência do princípio

da ampla liberdade individual100.

3.4.1 Princípio da Subsidiariedade

No âmbito brasileiro, a Constituição Federal de 1988 determina que as atividades

econômicas em sentido estrito devem ser livres aos particulares, ressalvados os casos

expressos na Constituição. Dessa forma, é consagrado no art. 173101 da Constituição, o

princípio da subsidiariedade derivado do princípio da livre iniciativa, definindo que a

exploração da atividade econômica é própria da iniciativa privada e subsidiariamente o Estado

poderá atuar em seara própria da iniciativa privada.

Dessa forma, o Estado deve atuar no mercado somente quando a atividade não possa

ser desenvolvida pelos particulares ou naquelas situações em que particular necessite da

atuação estatal direcionando, fiscalizando ou planejando para que o particular concretize seu

objetivo, quando o mercado não consiga se regular por si próprio Deve ser competência da

iniciativa, por exemplo, privada gerir as atividades geradoras de riquezas, somente se

necessário, o Estado deve atribuir a competência aos órgãos e entidades mais aptos a atuar

com racionalidade e proximidade do cidadão102.

Inclusive, a Constituição não deixa liberdade para o Estado explorar atividades

econômicas, apontando três pressupostos que legitimam a intervenção: por motivo de

segurança nacional – pressuposto de natureza política – caso a ordem econômica conduzida

pelos particulares estiver causando risco à soberania do país, o Estado é autorizado a intervir

no domínio econômico, direta ou indiretamente, para restabelecer a paz e a ordem sociais; por

motivo de relevante interesse coletivo, que constitui conceito jurídico indeterminado, por essa

razão, a Constituição admitiu que essa noção viesse a ser definida em lei; e, quando houver

expresso permissivo constitucional103.

Sendo assim, a regra é que o Estado não explore atividades econômicas, podendo

fazê-lo, contudo, em caráter especial, quando estiverem presentes os pressupostos

nele consignados. Dois pontos nesse tema merecem consideração. Primeiramente é

preciso reafirmar que, mesmo quando explore atividade econômica, o Estado está

preordenado, mediata ou imediatamente, à execução de atividade que traduza

benefício para a coletividade, vale dizer, que retrate interesse público. A razão é

100 TAVARES, André Ramos. op. cit., 2011, p. 240 101 Art. 173. A exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos

imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. 102 DUARTE, Ricardo. op. cit. 103 CARVALHO FILHO, José dos Santos. op. cit., p. 965.

33

simples: não se pode conceber o Estado senão como sujeito capaz de perseguir o

interesse coletivo. A intervenção na economia só tem correlação com a iniciativa

privada porque é a esta que cabe primordialmente a exploração. Mas o móvel da

atuação interventiva haverá de ser sempre a busca de atendimento de algum

interesse público, mesmo que o Estado se vista com a roupagem mercantil de

comerciante ou industrial.

Com base nessa ideia, se defende que o Estado concentre nas tarefas consideradas

essenciais ao interesse público, transferindo as demais funções para a prestação por

particulares – desenvolvida com maior eficiência – sob regulação estatal104. Nesse sentido,

José dos Santos Carvalho Filho. compreende que “sempre que o Estado intervém no domínio

econômico se mostra ineficiente e incapaz de atingir seus objetivos, acabando por ocasionar

uma série de outros problemas”. O papel que o Estado deve desempenhar é realmente o de

Estado-Regulador, controlador e fiscal.105

3.5 PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA

Conforme André Ramos Tavares a livre concorrência “é a abertura jurídica concedida

aos particulares para competirem entre si, em segmento lícito, objetivando o êxito econômico

pelas leis de mercado e a contribuição para o desenvolvimento nacional e a justiça social”.

Para o autor, o princípio possui duas concepções, na primeira, a livre concorrência tem como

ponto central o consumidor, considerado parte vulnerável da relação de consumo merecedora

de proteção jurídica que em parte, é promovida pela tutela da livre concorrência. Numa

segunda concepção, a tutela da concorrência preza pela garantia de um eficiente e legítimo

sistema econômico de mercado106.

Assim, o princípio da livre concorrência, essencial a ordem econômica brasileira,

previsto no art. 170, inciso IV da Constituição, busca a proteção da livre competição entre os

agentes econômicos no mercado a favor não somente da eficiência econômica, mas de

diversos outros objetivos socialmente importantes, como por exemplo, a enorme relevância

em uma efetiva e eficiente defesa do consumidor107. Em um mercado competitivo, amplia-se

o direito de escolha do consumidor, os preços dos produtos e serviços tendem a cair e a

qualidade aumentar. Sem pressões competitivas, a empresa tende a obter o maior lucro

possível e, assim, a explorar a coletividade108.

104 DUARTE, Ricardo. op. cit. 105 CARVALHO FILHO, José dos Santos. op. cit., p. 964. 106 Ibidem, p. 256 e 259. 107 SARMENTO, Daniel. op. cit., p.10. 108 SARMENTO, Daniel. op. cit., p.10.

34

Se por um lado, o princípio da livre concorrência, limita o Estado, impedindo que

institua restrições excessivas aos agentes econômicos de ingressar, atuar e competir

livremente no mercado, por outro lado, impõe que o Poder Público intervenha no mercado

prevenindo e coibindo práticas anticoncorrenciais e abusos econômicos, como o monopólio,

oligopólios, cartéis ou qualquer outra forma de distorção do mercado livre109. De acordo com

Adam Smith acerca da excelência da concorrência livre: “Os monopolistas, mantendo o

mercado constantemente subabastecido, nunca suprindo completamente a procura efetiva,

vendem os seus bens muito acima da sua taxa natural”.

O preço de monopólio é, em qualquer momento, o mais alto que pode obter-se. O

preço natural, ou preço de concorrência livre, pelo contrário, é o mais baixo que é

possível praticar, não, na verdade, em qualquer momento, mas em qualquer período

de tempo considerável tomando conjuntamente. O primeiro é, em todas as ocasiões,

o mais elevado possível esportular aos compradores, ou que se supõe que eles

consentirão em pagar, o outro é o mais baixo que os vendedores podem cobrar sem

ter de desistir do seu negócio110.

No ordenamento jurídico nacional foi necessária a edição de leis ordinárias

regulamentadoras dos problemas inerentes à violação da livre concorrência, destinadas a

coibir e reprimir os abusos do poder econômico. No plano infraconstitucional, essa atuação

comissiva tinha como diploma central a Lei nº 8.884/94 (antiga “Lei Antitruste”, com as

alterações promovidas pela Lei nº 12.529/2011), que dispunha sobre a prevenção e a

repressão às infrações contra a ordem econômica.

A Lei nº 12.529/2011, a nova “Lei Antitruste” estabelece em seu art. 36 – que nesse

ponto é uma cópia do art. 8º da Lei nº 8.884/94 – mecanismos jurídicos para combater,

administrativamente, a concentração econômica e evitar abusos que possam comprometer o

equilíbrio do sistema da livre concorrência estatuído constitucionalmente111. Não há livre

competição por meio de processos naturais; a história demostrou isso ao longo dos anos. A

livre competição decorre de ações fiscalizadoras do Estado em relação ao mercado, induzindo

a livre competição e reprimindo infrações anticompetitivas112.

De qualquer forma, a Constituição determina em seu art. 173, parágrafo 4º, que o

Estado estabeleça em lei punições às práticas que distorcem a situação de livre concorrência,

instituindo a respeito de condutas de iniciativa privada, que “a lei reprimirá o abuso do poder

econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e o aumento

109 Ibidem, p.10. 110 SMITH, Adam apud TAVARES, André Ramos. op. cit., p. 262. 111 TAVARES, André Ramos. op. cit., p. 262. 112 SILVEIRA NETO, Otacílio dos Santos. O cumprimento da função social da propriedade no novo Direito

Antitruste brasileiro. R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 11, n. 44, p. 183-200,

out./dez. 2013.

35

arbitrário dos lucros113.” O aspecto mais importante para a analisar o ingresso da UBER no

mercado de transporte individual de passageiros competindo com os taxistas, está no aspecto

negativo do princípio da livre concorrência, que limita o poder estatal de intervir na economia

e de restringir o acesso e a atuação de particulares no mercado, ou seja, da população

(consumidores) ter o acesso a essa alternativa de transporte114.

A violação da liberdade de concorrência gera, prejuízo imediato à livre-iniciativa no

respectivo setor, alcançando, reflexamente, o consumidor e sua qualidade de vida.

Inviabiliza-se, pela formação de situações de dominação de mercado, que novas

empresas(concorrentes) possam surgir em condições de competição num círculo

repetitivo que só pode ser quebrado pela atuação eficaz do Poder Público115.

Assim, não se pode criar embaraços estatais à competição, o foco principal é a tutela

dos interesses dos consumidores e da sociedade, e não, instituir reservas e privilégios a

empresas ou grupos específicos. Em concordância, o Supremo Tribunal Federal no

julgamento do RE 15876, afirmou a inconstitucionalidade em face da Constituição passada,

de lei que estabelecia o monopólio de empresa de telefonia para a publicação de lista

telefônicas. Diante de diversas decisões, o Tribunal editou a Súmula Vinculante nº 46,

segundo a qual “ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a

instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área”116.

A liberdade de concorrência, assim como todo e qualquer princípio constitucional, não

possui caráter absoluto, podendo colidir com a proteção ao meio ambiente, por exemplo,

justificando, portanto, a imposição de restrições proporcionais117. No entanto, não há qualquer

razão legítima que justifique a restrição à concorrência a realização das atividades dos

aplicativos de mobilidade como a UBER, 99pop, Cabify, entre outros, afinal, proibi-los seria

nada mais que uma tentativa de reserva de mercado para taxistas dentro da categoria de

transporte individual de passageiros.

113 TAVARES, André Ramos. op. cit., p. 262. 114 SARMENTO, Daniel. op. cit. p. 12. 115 TAVARES, André Ramos. op. cit., p. 261. 116 SARMENTO, Daniel. op. cit. p. 12. 117 Ibidem, p. 12.

36

4 DA LEGALIDADE E REGULAMENTAÇÃO DA UBER

Entre os principais argumentos a favor dos taxistas para a não-aceitação do

funcionamento do aplicativo Uber no Brasil, é que os motoristas da Uber exercem uma

atividade ilegal porque não há uma regulamentação específica, e que, além disso, estariam

violando a legislação nacional que regulamenta o exercício da profissão (Lei 12.468/2011),

exercendo ilegalmente a atividade dos taxistas – nessa acepção, parecer de Eros Grau118 –

infringindo, assim, o arts. 2º e 3º da Lei 12.468/2011, os quais preveem vários requisitos para

que o motorista exerça o transporte público individual remunerado119.

As atividades da Uber se sujeitam à regulação estatal, como todas as demais atividades

econômicas desenvolvidas no país. O exercício das atividades é plenamente lícito e não pode

ser penalizada simplesmente por disponibilizar e operar o aplicativo que conecta passageiros a

motoristas120. Não somente a Constituição Federal garante as atividades da Uber, mas

também, o Código Civil (art. 730 do CC/2002121), a Política Nacional de Mobilidade Urbana

(Lei 12.587/12), em seu art. 3º, parágrafo 2º e incisos, prevendo expressamente o transporte

privado de passageiros – modalidade de serviço realizada pela Uber –, e, indiretamente,

através do art. 3º, parágrafo 1º e art. 4º, inciso X.

Além disso, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14) estabelece em seu art. 3º122,

liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet – desde que não conflitem com os

princípios estabelecido na Lei – que os motoristas da Uber possam trabalhar legalmente no

país independentemente de qualquer autorização ou licença estatal123. A ausência de

regulamentação não é sinônimo de ilegalidade, dessa forma, não se pode coibir a atuação da

Uber, já que suas atividades são asseguradas pela Constituição e pelas leis supramencionadas.

Destaque-se, o princípio da legalidade que autoriza o exercício de qualquer atividade

econômica que não seja proibida por lei e o princípio da livre empresa (art. 170, parágrafo

118 GRAU, Eros Roberto. Parecer jurídico. Conjur. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/parecer-

eros-grau-ilegalidade-uber.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2017. 119 LINS, Elaine Braga Martins Ribeiro. op. cit., p. 837. 120 SARMENTO, Daniel. Ordem Constitucional Econômica, Liberdade e Transporte Individual de

Passageiros: O “caso Uber”. Rio de Janeiro: 2016. Disponível em:

<https://pt.scribd.com/document/273284827/O-Caso-Uber-Daniel-Sarmento>. Acesso em: 18 mar. 2017. p. 30. 121 Art. 730. Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para

outro, pessoas ou coisas. 122 Art. 3. A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: [...]; VIII - liberdade dos

modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos

nesta Lei. 123 Informações sobre a legalidade da Uber no Brasil e jurisprudência. Disponível em:

<http://docplayer.com.br/24406626-Informacoes-sobre-a-legalidade-da-uber-no-brasil-e-jurisprudencia.html>.

Acesso em: 22/05/2017.

37

único, CF/88), o qual determina que a falta de regulamentação não poderá impedir o seu

exercício e não a torna ilícita, assim, a atividade econômica em sentido estrito (de acordo com

as características no item 3.1) realizada pela Uber, não depende de prévia licença ou

autorização estatal124.

Importante destacar, ainda, que os taxistas possuem diversas prerrogativas, além de

terem como destinatários a coletividade de modo geral, possuem, caracterização que os

diferenciada nas vias públicas, podem estabelecer pontos específicos e exclusivos em locais

públicos de grande fluxo, a permissão para trafegar em faixas exclusivas, benefícios fiscais

em seu favor dos quais não dispõem os motoristas da Uber, diferentemente dos motoristas dos

aplicativos de transporte privado individual de passageiros125.

Condicionar a possibilidade do particular de inovar à existência de prévia

regulamentação estatal da sua atividade não é apenas inconstitucional. É também

desastroso, sob a perspectiva do desenvolvimento social, por asfixiar de modo

intolerável a capacidade de inovação dos agentes econômicos, em detrimento de

toda a sociedade126.

Assim, diante dos argumentos, na ausência de regulação das atividades da Uber e dos

motoristas deverá predominar a liberdade, sendo proibido aos municípios coibir o exercício da

atividade, pelo simples fato de não ser ainda regulamentada, uma vez que, mesmo não

havendo regulamentação federal sobre o aplicativo Uber, de acordo com o princípio da

legalidade, o Estado não poderá impedir o exercício de atividade não proibida por lei. Enfim,

é da essência de uma sociedade capitalista a não-intervenção do Estado na Economia,

portanto, a livre iniciativa não pode ser restringida, salvo expressa previsão constitucional127.

4.1 NATUREZA JURÍDICA DO UBER E DO TÁXI

A Lei nº 12.587/12, que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU),

prevê em seu art. 3º, § 2º, 128ao tratar dos transportes urbanos, o serviço de transporte

124 Informações sobre a legalidade da Uber no Brasil e jurisprudência. Disponível em:

<http://docplayer.com.br/24406626-Informacoes-sobre-a-legalidade-da-uber-no-brasil-e-jurisprudencia.html>.

Acesso em: 22/05/2017. p. 05. 125 Ibidem. 126 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 31. 127 LINS, Elaine Braga Martins Ribeiro. A intervenção estatal no domínio econômico e o aplicativo Uber no

brasil (state intervention in the economic field and the uber app in brazil). Revista Jurídica. vol. 04, n°. 45,

Curitiba, 2016. pp.832-864 DOI: 10.6084/m9.figshare.4659416. 128 Art. 3º. O Sistema Nacional de Mobilidade Urbana é o conjunto organizado e coordenado dos modos de

transporte, de serviços e de infraestruturas que garante os deslocamentos de pessoas e cargas no território do

Município. [...]; § 2º. Os serviços de transporte urbano são classificados: I - quanto ao objeto: a) de passageiros;

38

individual de passageiros de natureza pública (art. 3º, § 2º, inciso I, “a”, c/c incisos II, “b”, e

III, “a”), assim como, o serviço de transporte individual de passageiros de natureza privada

(art. 3º, § 2º, inciso I, “a”, c/c incisos II, “b”, e III, “b”)129. Regulamenta, ainda, o transporte

público coletivo urbano, que busca atender toda a coletividade, sendo, dessa forma, um

serviço público que pode ser concedido, regido, regulamentado e fiscalizado pelo Poder

Público130.

Todavia, o art. 4º da Lei nº 12.587/2012 não aludiu a modalidade de transporte privado

individual de passageiros, como fez referência à modalidade de transporte público individual

de passageiros (inciso VIII), porém, não significa que o legislador tenha deixado de

reconhecê-la. Até porque, o caput do art. 4º, estabelece definições “para os fins” da aplicação

da Lei nº 12.587/2012. A lei apenas previu o transporte privado individual de passageiros,

mas não o regulou, como fez com o público, conforme Sarmento, o legislador parece ter

considerado desnecessário definir o primeiro131.

Assim, segundo o princípio da livre iniciativa, expresso no parágrafo único do art. 170

da Constituição Federal de 1988, “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade

econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos

em lei”, como regra, existe a liberdade no exercício da atividade econômica, o que, no

entanto, não impede que o Estado, avaliando a importância de uma determinada atividade

sujeite-a a regulação prevista em lei.

A partir dessa ideia extraída da norma constitucional, a atividade dos taxistas se

desenvolveu no Brasil com base em uma farta regulamentação, com o destaque para exigência

de outorga prévia do Poder Público para o seu exercício. Em âmbito nacional, a

regulamentação da atividade dos táxis está prevista na Lei Federal nº 12.587/2012 que

instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Por sua vez, a Lei Federal nº 12.468/2011, que regulamenta a profissão do taxista, é

taxativa ao proclamar o transporte público individual remunerado de passageiros como

atividade privativa do taxista, sendo desenvolvida por meio de concessão ou permissão,

conforme autoriza o artigo 175 da Constituição Federal. Nesse sentido, a doutrina majoritária,

b) de cargas; II - quanto à característica do serviço:a) coletivo b) individual; III - quanto à natureza do serviço: a)

público b) privado. 129 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 25. 130 TAVARES, André Ramos. Parecer jurídico. Site Parceiros bsb. Disponível em:

<http://www.parceirosbsb.com/uploads/5/4/7/6/54769587/kit_doc_01.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2017. p. 30. 131 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 25.

39

considera que não se concedeu aos taxistas o monopólio no exercício de toda a atividade de

transporte individual de passageiros, que compreende as modalidades pública e privada132.

Ressalte-se, que a Lei nº 12.587/2012 faz referência em seu art. 12 ao serviço de

utilidade pública133, enquanto, o art. 12 da Lei Federal nº 12.468/2011, faz referência ao

serviço público134 de transporte público individual de passageiros. Quanto às nomenclaturas

utilizadas, merece o destaque, a redação original do art. 12, que fazia menção a serviços

públicos de transporte individual de passageiros e diante da incongruência da expressão, o

legislador alterou a sua redação justamente com o intuito de retirar o transporte individual da

qualificação de serviços públicos. Nesse sentido, os serviços de utilidade pública, nas palavras

de Alexandre dos Santos Aragão:

são atividades da iniciativa privada para as quais a lei, face à sua relação com o bem-

estar da coletividade e/ou por gerarem desigualdades ou assimetrias informativas

para os usuários, exige autorização prévia para que possam ser exercidas, impondo

ainda a sua contínua sujeição à regulação do poder público autorizante, através de

um ordenamento jurídico setorial135.

Assim, o serviço de utilidade pública se enquadra num conceito intermediário entre

serviço público e atividade econômica (conforme item 3.2), mas se sujeita a intensa regulação

e fiscalização estatal, em razão do interesse público inerente à sua prestação. Já os serviços

públicos são de titularidade exclusiva do Estado para atender a uma necessidade coletiva,

porém, poderão ser prestados por particulares através de concessão ou permissão, e, quando

outorgado para terceiros, demandam, necessariamente, de prévio processo licitatório para fins

da sua concessão ou permissão (art. 175 da Constituição Federal).

A evolução legislativa evidencia que, ao tratar do transporte público individual de

passageiros, o legislador mirou os serviços de táxi. Mas demonstra, também, que, até

pela nova ótica do legislador, o serviço de táxi não configura propriamente serviço

público, mas sim de serviço de utilidade pública, que são institutos diferentes. O

serviço público, como visto, é titularizado pelo Estado, mas pode ser eventualmente

prestado por particulares, mediante concessão ou permissão, sempre precedidas de

licitação pública, nos termos do art. 175 da Constituição. Já o serviço de utilidade

pública se enquadra no campo da atividade econômica, mas se sujeita a intensa

132 Art. 2º. É atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de

terceiros, para o transporte público individual remunerado de passageiros, cuja capacidade será de, no máximo, 7

(sete) passageiros. 133 Art. 12. Os serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros deverão ser organizados,

disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de

conforto, de higiene, de qualidade, de qualidade de serviços, de fixação prévia dos valores máximos das tarifas a

serem cobradas. 134 Art. 12. Os serviços públicos de transporte individual de passageiros, prestados sob permissão, deverão ser

organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de

segurança, de conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas

a serem cobradas. 135 ARAGÃO, Alexandre dos Santos apud SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 27.

40

regulação e fiscalização estatal, em razão do interesse público inerente à sua

prestação136.

Daniel Sarmento complementa ainda que:

Quanto ao regime jurídico, não há prévia licitação, seguida de concessão ou

permissão aos taxistas, como impõe a Constituição para os serviços públicos (art.

175, CF). Não bastasse, o título que enseja o exercício da atividade em questão pode

ser alienado ou transmitido causa mortis (art. 12-A, §§ 1º e 2º da Lei nº

12.587/2012), o que é absolutamente inconciliável com a lógica do serviço público.

O prestador do serviço – o taxista – não é obrigado a assegurar a sua continuidade:

nada o impede de deixar o seu táxi parado, por longos períodos, se assim preferir137.

Ressalte-se que antes mesmo da inovação legislativa, Celso Antônio Bandeira de

Mello, defendia que serviço dos taxis é de utilidade pública, assim, inserido no âmbito da

iniciativa privada, não um serviço público:

“(...) os serviços prestados pelos táxis – e quanto a isto nada importa que o sejam por

autônomos ou por empresas – possuem especial relevo para toda a coletividade, tal

como se passa, aliás, com inúmeras outras atividades privadas, devendo por isso ser

objeto de regulamentação pelo Poder Público, como de fato ocorre, mas obviamente

isto não significa que sejam categorizáveis como serviços públicos. (...)

Nem a Constituição, nem a Lei Orgânica dos Municípios, nem a lei municipal

regente da matéria qualificam os serviços de táxi como serviços públicos. Contudo,

a Constituição foi expressa em qualificar como serviço público o serviço municipal

de transporte coletivo local de passageiros (art. 30, V), não se podendo, como é

óbvio, considerar casual a explícita menção a ‘coletivo’. Nisso, a toda evidência,

ficou implícito, mas transparente, o propósito de excluir o transporte individual de

passageiros da categorização de serviço público138.

Portanto, os serviços de táxi são reconhecidamente atividade econômica de interesse

público, já que o seu regime jurídico é eminentemente privado, não possuindo as

características essenciais dos institutos de direito público, e, o Estado, por opção legislativa,

regulamentou a atividade, exigindo prévia autorização para o seu exercício, desde que

cumpridas as exigências legais, determinando tarifas e os direitos e deveres prescritos em lei

específica. Ainda que não tenha o aspecto de garantia do direito à locomoção, o que é

atribuído ao transporte coletivo, essencial à vida urbana, o táxi atende a um grupo

indeterminado de pessoas que individualmente usufruem da sua execução139. Nesse sentido,

Canotilho:

Embora a redacção da Lei nº 12.587, de 3 de Janeiro de 2013, possa permitir

ambiguidades interpretativas, ao utilizar a formula “ direito à exploração de

serviços de táxi”, é segura que, na sua sistemática conceitual e de regime, só um

certo modo de exercício daquela actividade é que se encontra sujeita à prévia

intervenção autorizativa ou licenciadora do poder público – precisamente, o

136 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 27. 137 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 27. 138 MELLO, Celso Antônio Bandeira de apud SARMENTO, Daniel. op. cit., p.28. 139 SARMENTO, Daniel. op. cit., p.28.

41

transporte individual de passageiros na sua modalidade dita pública, o modo de

“serviços de táxi”.E isto é assim, na sistemática conceitual e de regime da Lei, por a

actividade de transporte individual de passageiros ser legalmente qualificada como

um “serviço de utilidade pública de transporte individual de passageiros”. Ou, dito

de outro modo, por ser legalmente qualificada como uma atividade económica

privada de utilidade pública, isto, é uma actividade económica privada de utilidade

pública, isto é, uma actividade económica privada de interesse público (e não de

serviço público)140.

O serviço da Uber, apesar da semelhança com o táxi, apresenta algumas diferenças que

são usadas para afirmar que o serviço da Uber se trata de um serviço de transporte individual

privado, regulado pelo Código Civil (art. 730 do Código Civil). A Uber oferece atividade

econômica em sentido estrito (item 3.1) – em sentido contrário, parecer de Eros Grau, o qual

define que a Uber realiza serviço público, sendo um tipo de atividade econômica cujo

desenvolvimento compete preferencialmente ao setor público141 – é uma plataforma

tecnológica que conecta diretamente demanda e oferta no âmbito digital142.

A Lei 12.965/2014, que trata do Marco Civil da Internet, trouxe alguns aspectos

relevantes, como por exemplo, em seu artigo 2º, inciso V, no qual, previu a livre iniciativa e a

livre concorrência. A referida lei disciplinou, como princípio, em seu art. 3º, inciso VIII, a

liberdade de modelos de negócios promovidos na internet. Já em seu art. 4º, inciso III, o

diploma normativo trouxe, como objetivo, a promoção da inovação e do fomento à ampla

difusão de novas tecnologias e novos modelos de acesso.

Diante disso, torna-se impossível condicionar a possibilidade de um particular criar

um modelo de negócio com a existência de regulamentação prévia estatal da sua atividade.

Além de inconstitucional, é, no mínimo, temerário reprimir a inovação social em prol do

desenvolvimento econômico.

Por ser algo inovador, a Uber ainda não possui normativa nacional criada específica e

detalhadamente para o seu controle e disciplina, a exemplo daquela apresentada para os táxis.

Porém, a partir do enquadramento legal da atividade da Uber no art. 3º, §2º, inciso I, alínea

“a”, inciso II, alínea “b” e inciso III, alínea “b” da Lei 12.587/2012, reitere-se, que a Uber –

diferentemente do táxi – oferece transporte individual privado de passageiros não sujeito às

ingerências normativas e fiscalizatórias municipais.

140 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Parecer jurídico sobre o Uber. Disponível:

<https://www.conjur.com.br/dl/parecer-canotilho-uber.pdf>. Acesso em: 01/10/2017. p. 16. 141 GRAU, Eros Roberto. Parecer jurídico. Conjur. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/parecer-eros-

grau-ilegalidade-uber.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2017. 142 SAMICO JUNIOR, Paulo. O aplicativo Uber: Um estudo de caso baseado nos princípios e fundamentos

da ordem econômica na Constituição Federal de 1988. Revista de Direito da Administração Pública Law

Journal of Public of Administration. Ano nº 2 - vol. 1 - Edição nº 2 – jul/dez (2016). Niterói, 2016. ISSN 2447-

2042. p. 134.

42

Diante do exposto, as atividades dos motoristas da Uber e a dos taxistas não se

confundem, os taxistas realizam atividade de interesse público e atuam no transporte público

individual, já os motoristas da Uber realizam transporte privado individual, atividade

econômica em sentido estrito (item 3.1). O serviço de transporte da Uber nada mais é que uma

alternativa ao serviço de transporte individual, sem interesse público envolvido na prestação,

que, de acordo com as normas que regem as atividades econômicas em sentido estrito, devem

estar coerentes com os princípios da ordem econômica e da liberdade de profissão.

4.2 COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR O TRANSPORTE INDIVIDUAL PRIVADO DE

PASSAGEIROS

As grandes cidades no Brasil, de modo geral, possuem uma legislação relativa aos

serviços de táxi de interpretação corporativista e distanciada dos princípios constitucionais da

livre iniciativa e da livre concorrência que ocasionaram as diversas medidas judiciais e

administrativas contra a Uber e seus motoristas. Há, ainda, uma intensa pressão das

corporações e dos donos de frotas de táxi ligadas ao Poder Legislativo e diversos projetos de

lei tramitando atualmente, assim, faz-se necessária a presente análise sobre a competência

para legislar sobre o transporte individual de passageiros143.

A definição de competência proposta pela Constituição Federal delimita, em seu art.

22, inciso XI, que as diretrizes da política nacional de transporte urbano é competência

privativa da União, assim como, a temática sobre trânsito e transporte. Além disso, compete à

União legislar sobre informática e diretrizes da política nacional de transportes, conforme

incisos IV e IX do referido dispositivo, e, ainda, o art. 21, inciso XX, disciplina ser

competência da União, embora não privativamente, instituir diretrizes para o desenvolvimento

e transportes urbanos144.

A atividade da Uber relaciona-se à informática, devido a plataforma digital que

viabiliza uma eficiente conexão entre os consumidores, e, a dos seus motoristas, ao transporte,

em razão da prestação de um serviço privado de transporte individual de passageiros145.

Assim, as competências legislativas privativas da União, excluem a de todos os demais entes

federativos para tratamento das mesmas matérias, ressalvada apenas a possibilidade de

delegação aos Estados, por lei complementar, da faculdade de disciplinarem questões

143 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 35. 144 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 35. 145 Ibidem, p. 35.

43

específicas dentre as arroladas no art. 22 da Constituição, nos termos do parágrafo único do

referido preceito constitucional.

O Supremo Tribunal Federal tem-se posicionado seguindo essa linha discorrida,

expondo em seus julgados que a competência constitucional dos Municípios para legislar

sobre interesse local não os autoriza a estabelecer normas que veiculem matérias que a própria

Constituição atribui à União ou aos Estados146. Há de se atentar para o real significado da

matéria atinente à competência privativa da União quanto ao trânsito e transporte urbanos. Em

entendimento contrário, Eros Grau defende que a regulação da prestação de transporte

individual remunerado de passageiros no âmbito local compete ao Município, e, que, além

disso, essa prestação será admissível somente quando desempenhada por um profissional

taxista, conforme a lei art. 3º da lei 12.468/11147.

No entanto, da leitura dos arts. 22, IX e XI, e 21, XX, da Constituição Federal,

percebe-se que este último dispositivo estabelece que é competência da União instituir

“diretrizes” para os transportes urbanos; enquanto, o primeiro aponta como competência

privativa legislar sobre “diretrizes da política nacional” de transportes e “trânsito e

transporte”. O fato é que os transportes urbanos tratam de matéria de interesse das três esferas

federativas, e, inclusive, há dispositivo expresso no texto constitucional assegurando a

competência municipal para disciplinar os transportes urbanos coletivos (art. 30, V, CF/88).

Não se questiona a incidência do art. 30, V, da Constituição Federal à Uber, vez que

indiscutivelmente este ostenta a prestação de serviço de transporte individual de caráter

privado, mas o que não se pode negar é o interesse municipal na regulamentação dos

transportes urbanos, inclusive, aqueles desempenhados de forma particular. Tanto que o

Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 24, disciplinou inúmeras competências municipais

quanto à ordenação e fiscalização do trânsito, sem contar que a própria Constituição Federal

estabeleceu no art. 30, I e II, ser competente o Município para legislar sobre assuntos de

interesse local e para suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

Neste sentido, bem explicita Hely Lopes Meirelles:

O trânsito e o tráfego são daquelas matérias que admitem a tríplice regulamentação –

federal, estadual e municipal -, conforme a natureza e âmbito do assunto a prover. A

dificuldade está em se fixar, com precisão, os limites da competência das três

entidades estatais que concorrem na sua ordenação. Os meios de circulação e

transporte interessam a todo o país, e por isso mesmo a Constituição da República

reservou para a União a atribuição privativa de legislar sobre trânsito e transporte

(art. 22, XI), permitindo que os Estados-membros legislem supletivamente a respeito

146 BRASIL. Ag. Reg. no RE nº 668.285. Rel. Min. Rosa Weber. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 147 GRAU, Eros Roberto. Parecer Jurídico. Conjur. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/parecer-

eros-grau-ilegalidade-uber.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2017.

44

da matéria, nos termos da lei complementar pertinente. (...) de um modo geral, pode-

se dizer que cabe à União legislar sobre os assuntos nacionais de trânsito e

transporte, ao Estado-membro compete regular e prover os aspectos regionais e a

circulação intermunicipal em seu território, e ao Município cabe a ordenação do

trânsito urbano, que é de seu interesse local (CF, art. 30, I e V).148 (Grifos

acrescidos).

Também o Tribunal de Justiça de São Paulo, através de seu órgão especial, julgando

a ADI 2216901-06.2015.8.26.0000, que tinha como objeto a declaração de

inconstitucionalidade de lei municipal que proibia o serviço de transporte individual prestado

por intermédio do aplicativo Uber, entendeu que a inconstitucionalidade da referida lei não

decorria de invasão à competência legislativa privativa da União, mas sim, por violar os

princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade de concorrência, além do direito de

escolha do consumidor149. No mencionado julgado, cita-se, por oportuno, o entendimento de

Fernanda Dias Menezes de Almeida e de Geraldo Spagno Guimarães neste mesmo sentido,

transcrevendo o Relator do acórdão a opinião deste último autor, nos seguintes termos, in

verbis:

É fato que o artigo 22, XI, atribui à União a competência para legislar sobre trânsito

e transporte, e isso se deu com a edição das Leis Federais nºs 9.503/97 e 10.233/01,

respectivamente, mas a mesma Constituição cuida separadamente dos transportes

urbanos como assunto de competência material do Município (art. 30, V) e, no que

concerne à competência legislativa da matéria no contexto urbano, estabelece

competência concorrente, atribuindo à União a tarefa de instituir diretrizes e aos

Municípios a de complementar essas diretrizes especificamente para o âmbito e

interesse local, este gizado pelo artigo 30, I, da CRFB. (...) por isso, é necessário um

registro importante para discernir entre o que a Constituição dispõe no artigo 21, XX

e no artigo 22, XI. No primeiro caso o alvo da norma é transporte como elemento do

desenvolvimento urbano e, no segundo, o foco é o transporte nacional, em seus

aspectos gerais sistêmico, estrutural e operacional. Assim, o Município não pode

legislar sobre assuntos de transporte em geral, mas o transporte urbano há que ser

organizado e regulamentado por normas municipais, porque o tema é de interesse

local, sabendo-se que esse regramento deve se submeter às diretrizes instituídas pela

União CRFB, 21, XX). Outro raciocínio ou leitura poderia conduzir ao

entendimento equivocado de que a Lei nº 12.587/12 é inconstitucional por vício de

origem e flagrante violação ao artigo 30, I da Lei Maior, ou ainda, poder-se-ia

considerar improprias as regulamentações municipais que o Capítulo V da LPNMU

impõe para o planejamento e a gestão do sistema de mobilidade150.

Desta feita, resulta que a competência privativa da União evidenciada no art. 22,

incisos IX e XI, deve ser entendida como aquela que, efetivamente, se refira ao trânsito e

transporte em seu aspecto nacional. Assim, quando constatado o interesse do município na

148 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16ªed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 454. 149 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Adi nº 2216901-06.2015.8.26.0000. Relator: Des. Francisco

Casconi. 150 GUIMARÃES, Geraldo Spagno. Comentários à Constituição do Brasil. Coord. científica por J. J. Gomes

Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet e Lênio Luiz Streck. p. 93., 2013, Saraiva, apud ADI

2216901-06.2015.8.26.0000 – TJSP.

45

regulamentação do transporte urbano, especialmente quanto aos aspectos de organização e

fiscalização no âmbito local, estaria tal ente municipal autorizado a disciplinar a matéria com

fulcro no art. 30, I e II, da Constituição Federal; desde que, entretanto, não ultrapasse a

competência legislativa privativa da União atinente aos aspectos gerais e nacionais do

transporte urbano, não contrarie legislação federal em vigor e não se imiscua em matéria de

direito civil (art. 22, I, da CF).

No caso da Uber a competência municipal estaria restrita a aspectos peculiares da

prestação do serviço em face de circunstâncias e de interesses locais e de forma suplementar,

sempre em consonância com a legislação federal, a exemplo das Leis nº 12.587/2012 e

12.965/2014, que tratam, respectivamente, da Política Nacional de Mobilidade Urbana e do

uso da internet no Brasil; bem como em total respeito aos princípios constitucionais da livre

concorrência, da livre iniciativa e ao consumidor. Nesse sentido, destaque-se o art. 12 da Lei

n° 12.587/2012, que determina que o serviço de transporte individual de passageiros deverá

ser organizado, disciplinado e fiscalizado pelo poder público municipal:

Art. 12. Os serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros

deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal,

com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade

dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas a serem

cobradas. (Redação dada pela Lei nº 12.865, de 2013)

Por fim, a ligação da Uber com a informática criou e mantém uma plataforma digital

que viabiliza uma eficiente conexão entre consumidores e motoristas profissionais.

Entretanto, a atividade fim é a prestação de um serviço privado de transporte individual de

passageiros. Desse modo, indiscutíveis são as matérias que se inserem no âmbito da

competência legislativa privativa da União, tendo a legislação municipal competência apenas

para complementar a lei federal naquilo que for de seu interesse local, e não de a proibir151.

Assim, ensina Alexandre de Moraes:

O art. 30, II, da Constituição Federal preceitua caber ao município suplementar a

legislação federal e estadual, no que couber, o que não ocorria na constituição

anterior, podendo o município suprir as omissões e as lacunas da legislação federal e

estadual, embora não podendo contradita-las, inclusive nas matérias previstas do art.

24 da Constituição de 1988. Assim, a Constituição Federal prevê a chamada

competência suplementar dos municípios, consistente na autorização de

151 Inconteste que a atividade econômica dos impetrantes é lícita, inconteste que a CRFB/88 consagra os

princípios da livre iniciativa e livre concorrência, inconteste que tais princípios claramente definem a liberdade

de iniciativa e livre concorrência não como uma liberdade anárquica, porém social, e que pode,

consequentemente, ser limitada pelo Estado, mas não cerceada completamente como pretendem o Decreto MRJ

nº 40.518/15 e a Lei Complementar MRJ nº 159/15. (...) (6ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro.

Mandado de segurança nº 0406585- 73.2015.8.19.0001. Juíza de Direito Mônica Teixeira Ribeiro. Decisão de

08/10/2015).

46

regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais, para ajustar sua execução

a peculiaridades locais, sempre em concordância com aquelas e desde que presente o

requisito primordial de fixação de competência desse ente federativo: interesse

local152.

Em suma, o transporte individual de passageiros, reitere-se, não configura serviço

público, mas atividade econômica em sentido estrito153, razão pela qual não se enquadra na

competência municipal especificamente prevista no art. 30, V, da Constituição Federal.

Mesmo para àqueles que entendem que o transporte individual público de passageiros é

serviço público, certamente isso não vale para o transporte individual privado realizado pela

Uber. Diante disso, os Estados, os municípios e o Distrito Federal não detêm competência

legislativa para disciplinar a atividade econômica desenvolvida pela Uber, cuja competência é

privativamente da União Federal, nos termos do art. 22, inciso XI, da Constituição.

4.3 A UBER E A LIVRE CONCORRÊNCIA

A frota de veículos particulares tem crescido a cada ano, gerando congestionamentos

frequentes, ineficiência no transporte, poluição ambiental e prejuízos econômicos e sociais.

Os aplicativos de transporte individual privado de passageiros, no contexto da mobilidade

urbana, buscam o compartilhamento de bens a fim de influenciar positivamente no meio

ambiente, sendo, portanto, mais uma alternativa de transporte para a população, impactando,

até mesmo, na diminuição no número de acidentes de trânsito causado pelo consumo

álcool154.

Já com relação às preocupações concernentes ao meio ambiente e à sustentabilidade,

o recurso ao aplicativo da Consulente auxilia a diminuir o número de carros com

apenas o motorista circulando na cidade, já que uma parcela de seus clientes são

justamente aqueles que deixam de utilizar um carro próprio para se valer do

transporte contratado através do aplicativo155.

Além disso, os aplicativos de transporte privado individual de passageiros têm

mostrado efeitos positivos sobre o mercado, não tendo causado impacto na demanda de táxis,

152 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ªed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 306. 153 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 154 Informações sobre a legalidade da Uber no Brasil e jurisprudência. Disponível em:

<http://docplayer.com.br/24406626-Informacoes-sobre-a-legalidade-da-uber-no-brasil-e-jurisprudencia.html>.

Acesso em: 22 mai. 2017. 155 SOUZA, Carlos Affonso de; LEMOS, Ronaldo. Parecer. SOUZA, Carlos Affonso de; LEMOS, Ronaldo.

Parecer Uber. Disponível em:

<http://static1.squarespace.com/static/56bb500962cd94f9720d5920/t/56c480207c65e48b92a4ab67/1455718433

781/Doc.+1+-

+Parecer+dos+diretores+do+Instituto+de+Tecnologia+e+Sociedade+do+Rio+de+Janeiro+(ITS)%2C+Professore

s+Carlos+Affonso+Souza+e+Ronaldo+Lemos.+(2).pdf>. Acesso em: 04 mar. 2017. p. 16.

47

inclusive, em algumas localidades observou-se um incremento na própria demanda por táxis,

isto é, os serviços de táxi não sofreram abalos pelo ingresso da Uber no mercado conforme

demostra o parecer realizado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)156

– órgão que fiscalizador do mercado, que, portanto, possui o papel de controlar e fiscalizar a

Uber, que é uma empresa privada, regida pelos princípios da ordem econômica:

Em outras palavras, a análise do período examinado, que constitui a fase de entrada

e sedimentação do Uber em algumas capitais, demonstrou que o aplicativo, ao

contrário de absorver uma parcela relevante das corridas feitas por taxis, na verdade

conquistou majoritariamente novos clientes, que não utilizavam serviços de táxi.

Significa, em suma, que até o momento o Uber não “usurpou” parte considerável

dos clientes dos táxis nem comprometeu significativamente o negócio dos taxistas,

mas sim gerou uma nova demanda157.

No Brasil adota-se uma economia de capital de mercado, fundamentado nos princípios

da ordem econômica, como, na livre iniciativa, na defesa da concorrência, nos princípios da

dignidade da pessoa humana e a justiça social, que devem ser ponderados da forma mais

benéfica possível à defesa do consumidor, permitindo a busca por um melhor preço e

qualidade por parte dos agentes econômicos158. Assim, é evidente que a ampliação da

concorrência tende a ser benéfica ao consumidor e a tentativa de criação de reserva de

mercado para os taxistas não se afigura fundamento legítimo para a restrição à concorrência e

à livre iniciativa159.

(...) a concorrência entre motoristas do serviço de táxi e do serviço de AVP [serviço

de aluguel de veículos particulares] é benéfica para a sociedade, pois permite que a

população possa escolher qual serviço de transporte individual de passageiros irá

utilizar: serviço de táxi ou serviço AVP. Por isso, a introdução de aplicativos e o

eventual crescimento do serviço AVP no mercado de serviço de transporte

individual são pró-concorrenciais, o que, em tese, melhora o bem-estar dos

consumidores160.

156 Informações sobre a legalidade da Uber no Brasil e jurisprudência. op. cit., p. 08. 157 ESTEVES, Alberto Luiz. Rivalidade após entrada: o impacto imediato do aplicativo Uber sobre as

corridas de táxi porta-a-porta. Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Brasília, dezembro de

2015. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/dee-publicacoes-

anexos/rivalidade-apos-entrada-o-impacto-imediato-do-aplicativo-uber-sobre-as-corridas-de-taxi.pdf>. Acesso

em: 07 jan. 2017 158 SILVA, Jonas Sales Fernandes da. SILVA, Jonas Sales Fernandes da. Uber é constitucionalmente

compatível com a ordem econômica brasileira e benéfico ao consumidor. Disponível em:

<https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/cadernovirtual/article/view/1195>. Acesso em:17/03/2017. 159 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 31. 160 Ministério da Fazenda. Secretaria de acompanhamento Econômico (Brasil). Nota Técnica n.º

06013/2016/DF/COGUN/SEAE/MF. Brasília, 04 de fevereiro de 2016. Análise dos Impactos Concorrenciais

da Introdução do Aplicativo Uber no Mercado Relevante de Transporte Individual de Passageiros. Disponível

em: <http://www.seae.fazenda.gov.br/assuntos/advocacia-da-concorrencia/notas-tecnicas/2016/nota-tecnica-n-o-

06013-2016-df-impactos-concorrenciais-do-uber-no-mercado-relevante-de-transporte-individual-de-

passageiros.pdf>. Acesso em: 23 set. 2017.

48

Há, ainda, àqueles que argumentam que a Uber estaria praticando concorrência

desleal. A Lei concorrencial (Lei 12.520/2011), define, com fórmulas gerais, em seu art. 36,

caput, três tipos de ilícitos: a concorrência desleal (inciso I); os atos tendentes à dominação do

mercado relevante de bens e serviços (inciso II); e o abuso de posição dominante (inciso IV).

Em seguida, seu parágrafo 3º enumera de forma exemplificativa hipóteses em que os ilícitos

dos incisos do caput podem se verificar161.

No entanto, o sistema de proteção contra a concorrência desleal não se esgota na Lei

12.529/2011, grande parte deles vem prevista como crimes de concorrência desleal no art.

195, da Lei 9.279/1996 (Código de Propriedade Industrial)162 que prevê detenção de três

meses a um ano, ou multa para quem praticá-los, além da reparação na esfera cível.

O uso de meios desleais configura a prática de uma concorrência injusta, desonrosa e

desleal, porém, para se caracterizar o ato de concorrência desleal, é preciso que os

concorrentes atuem no mesmo segmento econômico e a existência de uma clientela. Por isso,

não há que se falar em concorrência desleal, pois são prestações de serviços de natureza

distintas, o serviço prestado pelos motoristas da Uber não configura transporte individual

público de passageiros, não devendo estar sujeito aos mesmos regramentos dos táxis que

possuem natureza jurídica diversa163.

Submeter a Uber às mesmas regras impostas aos táxis frustraria exatamente o objetivo

principal da proteção à concorrência: a garantia da liberdade de escolha do cidadão

proporcionada pela inovação do serviço, retirando dos passageiros a possibilidade de escolher

entre os táxis e outra alternativa de transporte individual, pois a alternativa tornar-se-ia

idêntica à opção original dos táxis164. Nesse sentido, Daniel Sarmento, aponta exemplos de

como é normal a disputa dos agentes de natureza diversa no mercado:

De resto, é comum a disputa por mercado travada por agentes de natureza diversa,

submetidos a regimes jurídicos distintos. A TV por assinatura compete com a TV

aberta e elas estão sujeitas a regramentos jurídicos diferentes. O ônibus disputa com

o metrô, o transporte aéreo com o rodoviário, a venda de CDs compete com os

serviços de streaming de músicas. A diversidade é favorável e não prejudicial à

concorrência, na medida que amplia o leque de opções do consumidor, e com isso o

empodera no mercado e na sociedade.

Reitere-se, que há uma prática de reserva de mercado pela classe taxista, apoiada pela

iniciativa política que tem grande interesse no apoio dessa entidade. Deve-se deixar de lado

os interesses políticos e atentar-se ao interesse da sociedade consumidora e mantenedora de

161 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial. São Paulo, Malheiros Editores, 2013. p. 404. 162 Ibidem, p. 404. 163 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 34 164 Ibidem, p. 34.

49

todo o sistema capitalista, somente, assim, respeitando os direitos do cidadão que a sociedade

irá evoluir, e o Direito tem o importante papel de regular os conflitos que surgem com a

evolução da sociedade, priorizando a harmonia e bem-estar social165.

De fato, a tutela constitucional da livre iniciativa, a livre concorrência, a defesa dos

consumidores, dentre tantos outros fundamentos pesquisados, sustenta a possibilidade de

existência do Uber, por fim, conforme a professora Mariana de Siqueira166, a concorrência é

um fator extremamente importante para a sociedade, e, quanto mais a presença da

concorrência, melhor para o consumidor, uma vez que, permite ao mesmo escolher dentre

tantas opções disponíveis, acrescenta ainda, que, a normativa direcionada aos táxis deve ser

aprimorada e o serviço, sem dúvidas, necessita evoluir.

165 Ibidem, p. 34 166 SIQUEIRA, Mariana. Diga-me com quem andas e te direi quem és: batalha entre táxis e uber nas vias

públicas de nova Amsterdã. Disponível em: <http://bcej.com.br/direito-publico/diga-me-com-quem-andas-e-te-

direi-quem-es-batalha-entre-taxis-e-uber-nas-vias-publicas-de-nova-amsterda/>. Acesso em: 17/03/2017.

50

5 CONCLUSÃO

Os aplicativos inovadores de transporte são uma realidade, tendo, a Uber, atingido no

Brasil a marca de 13 milhões de usuários. Inicialmente, analisados os argumentos expostos ao

longo da pesquisa, os taxistas alegam que os motoristas da Uber estariam praticando atividade

ilegal, violando a legislação, assim como, gerando concorrência desleal. Por outro lado, a

Uber, acredita que obtém o direito de atuarem no mercado, segundo os princípios da livre

iniciativa e da livre concorrência.

Apesar de não existir uma regulamentação no Brasil tratando especificamente da

categoria profissional de transporte individual privado de passageiros – o que, no entanto, não

impede que o Estado, avaliando a importância de uma determinada atividade sujeite-a a

regulação prevista em lei – é inadmissível a proibição do exercício da profissão dos

motoristas da Uber. Nesse sentido, a doutrina majoritária, considera que não se concedeu aos

taxistas o monopólio no exercício de toda a atividade de transporte individual de passageiros,

que compreende as modalidades pública e privada.

Assim, a atividade da Uber é autorizada com fundamento no princípio da legalidade,

que permite o exercício de qualquer atividade econômica que não seja proibida por lei e no

princípio da livre empresa (art. 170, parágrafo único, CF/88). Assim como, no Código Civil

(art. 730 do CC/02), na Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/12) em seu art.

3º, parágrafo 2º, prevendo expressamente o transporte privado de passageiros, indiretamente,

através do art. 3º, parágrafo 1º e art. 4º, inciso X, e, no Marco Civil da Internet (art. 3º da Lei

12.965/14), que prevê a liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet.

Além disso, as atividades dos taxistas não configuram serviço público, mas sim,

serviço de interesse público, devido ao seu regime jurídico eminentemente privado, se

enquadrando num conceito intermediário entre serviço público e atividade econômica, sujeita

a intensa regulação e fiscalização estatal, em razão do interesse público inerente à sua

prestação, que o Estado, por opção legislativa, regulamentou. Apesar da semelhança com o

táxi, a Uber realiza atividade econômica em sentido estrito, tendo como regra, a liberdade do

particular, sujeita aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.

Pelo exposto, o serviço prestado pela Uber configura transporte privado individual e

de passageiros, porque não há interesse público envolvido na prestação, e, de acordo com as

normas que regem as atividades econômicas em sentido estrito, devem estar coerentes com os

princípios da ordem econômica e da liberdade de profissão. Por essa razão, não está sujeita ao

mesmo regramento dos táxis que se enquadra no transporte público individual de passageiros

51

conforme o art. 2º da Lei Federal nº 12.468/2011, lei que regulamenta a profissão do taxista,

sendo taxativa ao proclamar o transporte público individual remunerado de passageiros como

atividade privativa do taxista.

Quanto à competência legislativa, a atividade da Uber relaciona-se à informática,

devido a plataforma digital que viabiliza uma eficiente conexão entre os consumidores, e, a

dos seus motoristas, ao transporte, em razão da prestação de um serviço privado de transporte

individual de passageiros. Assim, as competências legislativas privativas da União, excluem a

de todos os demais entes federativos para tratamento das mesmas matérias, ressalvada apenas

a possibilidade de delegação aos Estados, por lei complementar, da faculdade de

disciplinarem questões específicas dentre as arroladas no art. 22 da Constituição, nos termos

do parágrafo único do referido preceito constitucional.

Da leitura dos arts. 22, IX e XI, e 21, XX, da Constituição Federal, este último

dispositivo estabelece que é competência da União instituir “diretrizes” para os transportes

urbanos, enquanto, o primeiro aponta como competência privativa legislar sobre “diretrizes da

política nacional” de transportes e “trânsito e transporte”. Apesar da ligação da Uber com a

informática, a atividade fim é a prestação de um serviço privado de transporte individual de

passageiros. Desse modo, indiscutíveis são as matérias que se inserem no âmbito da

competência legislativa privativa da União, tendo a legislação municipal competência apenas

para complementar a lei federal naquilo que for de seu interesse local, e não de a proibir.

Em suma, o transporte individual de passageiros realizado pela Uber, reitere-se, não

configura serviço público, razão pela qual não se enquadra na competência municipal

especificamente prevista no art. 30, V, da Constituição Federal. Diante disso, os Estados, os

municípios e o Distrito Federal não detêm competência legislativa para disciplinar a atividade

econômica desenvolvida pela Uber, cuja competência é privativamente da União Federal, nos

termos do art. 22, inciso XI, da Constituição.

Por fim, não há que se falar em concorrência desleal, são prestações de serviços de

natureza distintas, afinal, o serviço prestado pelos motoristas da Uber, configura transporte

individual privado e, não público de passageiros como o serviço dos táxis. Inclusive,

submeter da Uber às mesmas regras impostas aos táxis seria apenas trocar uma atividade pela

outra, se tornariam idênticas, frustrando exatamente o objetivo principal da proteção à

concorrência: a garantia da liberdade de escolha do cidadão proporcionada pela inovação do

serviço, retirando dos passageiros a possibilidade de escolher entre os táxis e outra alternativa

de transporte individual.

52

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