Catálogo Âmago Júnior Pimenta

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Exposição individual de Júnior Pimenta, com curadoria de Ana Cecília Soares, que esteve em cartaz na Sala Nordeste - Funarte no Recife. Na Estação Cabo Branco, em João Pessoa e no Centro Cultural Banco do Nordeste em Fortaleza.

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ÂMAGOJúnior Pimenta

CuradoriaAna Cecília Soares

15 de agosto a 14 de setembro de 2013Sala Nordeste, Recife - PE

Com uma década de atuação o Centro Cultural Banco do Nordeste – Fortaleza se legitima como um espaço de experimentação, fomento e articu-lação nos processos culturais da cidade e região Nordeste. Promovendo uma programação variada que abrange diversas linguagens, o espaço propí-cia ao público, através dos seus eventos gratuitos, a formação de um expectador crítico, participador, integrado a uma ambiência cultural viva e dinâmi-ca.

São nessas articulações de um pensamento con-tínuo voltado para as políticas culturais, que o Centro Cultural Banco do Nordeste-Fortaleza possibilita a inserção do público local a um cir-cuito de arte.

A programação de artes visuais nos CCBNBs é desenvolvida mediante edital anual que seleciona proposições artísticas, programas de debates, ofi-cinas e cursos, com o objetivo de criar um terreno propício à emergência das produções ainda não conhecidas e garantir instâncias pedagógicas de acesso à arte.

Centro Cultural Banco do Nordeste

Imagem do processo de criação do trabalho

Do pó ao pó

Em busca da Terra

Por Ana Cecília Soares

Algumas das principais convenções hieroglíficas utiliza-das, no Egito antigo, para Bá, a alma, era a panturrilha e os pés. Por meio dessas partes do corpo, acreditavam-se que a alma caminhava e penetrava no mundo. É pelo ato de firmar seus passos na terra, acompanhado do desejo de explorar horizontes, que o homem desvenda seu próprio habitat e constrói possibilidades de invenção para si. Há no ritmo da caminhada potencial criador. O que permite ao artista, de maneira geral, o amadureci-mento de ideias, encontros, rejeições, esquecimentos e achados. O escritor francês Paul Valéry, por exemplo, via em seus passeios frequentes um meio vivo de emissão de ideias:

O que ocorre é uma certa reciprocidade entre meu passo e meu pensamento, com meus pensamentos modificando meus passos; com meu passo excitando meus pensamentos – o que é no-tável, mas compreensível. Ocorre sem dúvida uma harmonização de nossos diversos tempos de reação,

e é interessante supor que exista uma modificação recíproca possível entre um regime de ação, que é puramente muscular, e uma produção variada de imagens, de julgamentos e de raciocínios (VALÉRY, 1991, p. 207 apud SALLES, 2008, P. 57).

O andar a pé é, também, um recurso usado pelo artista visual Júnior Pimenta para criar seus traba-lhos. Constituindo a partir desta ação, uma corpografia dos espaços por quais passa, ou seja, um tipo de carto-grafia guiada pelo próprio corpo que se configura com o conhecimento no cotidiano. Ao longo de seu processo, sempre teve a ci-dade como lugar de fruição, ferramenta de produção subjetiva e singular. Contudo, partindo do princípio de que uma experiência artística, corporal, sensório-moto-ra, não pode ser reduzida a um simples meio. Além de considerar o recente interesse em pesquisar as antigas crenças sobre a grande Deusa Mãe¹ , os ritos de morte e de renascimento. Contagiado, sobretudo, pela ideia do enterro simbólico, presente em alguns rituais religiosos, com o intuito de regenerar a energia pelo contato com as forças da terra, morrer para uma forma de vida, para renascer em outra.

¹Conforme a pesquisadora Riane Eisler (1997, p.12), em Todos os Nomes da Deusa, há nos primitivos berços da civilização uma grande evidência de que, embora tanto as divindades femininas quanto as masculinas fossem reverenciadas nessas socie-dades, a força mais elevada do universo era visto como o poder feminino de dar e manter a vida, encarnado no corpo da mulher. Daí surge a crença na Grande Mãe: a Deusa dos animais, das plantas, das águas, da terra e do céu.

O artista resolveu ampliar suas vivências para o ambiente rural. Necessitava do contato com a terra em seu estágio mais puro. Assim, optou em participar de uma residência em Montenegro, zona cafeeira da Co-lômbia, no espaço Residência en la Tierra. A imersão, iniciada em junho de 2012, proporcionou momentos de intensos aprendizados. À passos demorados e em silêncio, Pimenta, como ser errante que é, experimentou o ambiente que se chegava. No meio da mata, cercado por bananais e bambuzais, embalado pelo canto das cigarras, pelos so-noros toc toc dos Pica-Paus, pelos chocalhos das vacas a ruminar e pelo odor da merda de animais espalhadas pelo solo arenoso, o artista se deixava afetar pelo espa-ço, a ponto de, na conexão com outros corpos, per-der-se na imensidão verde. Mas, é na desorientação que, realmente, se encontra com seu trabalho. Encarnando a corporeidade dos homens len-tos, ele nega o ritmo frenético imposto pela contempo-raneidade. É pela lentidão, não num grau de aceleração ou desaceleração do movimento, mas outro tipo de circulação como acreditavam Deleuze e Guattari; que os sentidos melhor se aguçam na troca com o mundo, indo além das meras fabulações imagéticas. Apontando caminhos alternativos, desvios e linhas de fuga que se processam no fazer artístico em questão. A exposição Âmago, sua primeira individual, traz, portanto, trabalhos que foram construídos a partir de agenciamentos ocorridos durante a residência rural.

Experimentos que, mesmo, após o retorno ao Brasil, continuaram despontando. Repercutindo em outras po-éticas, também, aqui presentes. As obras que compõem esta mostra têm consi-go um diálogo entre corpo e paisagem, deslocamentos territoriais e afetivos que atravessam Júnior Pimenta du-rante a criação. Marcas latentes de errâncias realizadas entre os dois países. Registro de uma subjetividade con-taminada pelo campo e pela cidade. De um corpo em devir que sabe detectar, no acontecimento resultante de todo encontro, o desejo necessário e a potência de res-soar em si aquilo que difere na espera de ser desbravado, ou melhor, de ser vivido. Âmago reflete os simbolismos da terra, a subs-tância universal, a prima matéria, a mãe que, para os as-tecas, alimenta e nos permite viver da sua vegetação. Deusa dos ciclos de fertilidade, regente da morte e da vida, que faz ressoar arte do encontro...

Imagem do processo de criação do trabalho Do pó ao pó

CAMPBELL, Joseph. et al. Todos os nomes da Deusa. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997.GILLES, Deleuze; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, vol. 1. São Paulo: Ed. 34, 2011.SALLES, Cecília Almeida. Redes da criação: construção da obra de arte. 2. ed. São Paulo: Horizonte, 2008.SANTOS, M. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec, 1996.

Ana Cecília Soares vive e trabalha em Fortaleza-CE. É jor-nalista, curadora, crítica de arte e especialista em Teorias da Comunicação e da Imagem. Editora da revista e o site Reticências...Crítica de Arte. Atualmente, é mestranda em Artes na Universidade Federal do Ceará. Entre seus projetos curatoriais destacam-se Rito Resigno, Bibbdi bobbdi boo e Perambular, experimentar e correr perigo todos no CCBNB - Fortaleza. ([email protected])

Homem-estaca Fotoperformance, 2012

1,20m x 0,80m

EscoraFotoperformance, 2012

1,20m x 0,80m

Homem-bambu Fotoperformance, 2012

0,80m x 0,60m

ParábolaFotoperformance, 20131,20m x 0,40m

Móvel Fotoperformance, 20132m x 0,20m

Do pó ao pó Vídeoperformance, 2012

08’27’’

Ficar distante do habitual e em isolamento. Isso pode ser visto com um ritual? Povo do interior da Colômbia, recepção hospitaleira igual a do interior do Ceará. Isso já me trouxe uma ideia de pertencimento, como o cheiro da bosta de vaca, que remetia tanto à mim como à Cecí-lia memórias da infância no sertão.Trazer o meu hábito de caminhar pela cidade para realizar tal prática, ago-ra, no ambiente rural. Mesmo não trazendo coisas prontas, não desenvolver ne-nhum projeto específico. Observo que hábitos e formas de atuação na sociedade estarão sempre juntos em mim, não tem como separar.Penso que cada lugar tem seus códigos e gosto de trabalhar com isso. Som de pica-pau fugidio, só escutei no primeiro dia, tentei capturar mas não consegui, não era para ser dessa vez. Existe uma car-pintaria na residência, almoço ideal para o pica-pau... Todo dia acordava com um beija-flor na janela, sempre no mesmo horário, sempre antes das proposições coletivas no café da manhã. Andanças, em várias delas me deparo com cercas de divisão de propriedades privadas. Algo bem peculiar, nesta região, se repete em várias fincas (fazendas/sítios). A estaca utilizada nestas cercas são peque-nas árvores. Se utiliza algo vivo, como eu, para ser algo sem vida, que tem como função apenas dividir as propriedades. Um ser com vida, se converter em objeto de suporte para arame, corpo suporte em prol do capital. Agora estou em cima da caixa-d’água, um lugar um pouco alto. Estou sentindo o vendo no rosto, o som da natureza e encostado na caixa d’água, sinto o líquido cair do lado de dentro dela. É uma sensação boa. Tenho uma relação muito forte com a água também. Decidir o lugar para cavar minha cova, dúvida entre alguns, mas, penso, que será no sítio do Juan. Começamos a cavar, todos envol-vidos, Cecília envolvida num processo de colaboração e contaminação, onde até ela que pensa junto comigo, estava também cavando junto... Terminamos cheios de calos e dores corporais. Tradição ritualística que surge no México se repete em várias culturas. No estado de Antí,gona, na Colômbia se pratica tal ritual, que se

Em imersão: anotações

chama “ El intierro del guerrero”. Morrer e renascer. Penso tam-bém na relação que estabelecemos com a terra. Me veio à mente, uma frase muito escutada durante minha vida, mas que não sei exatamente de onde é. Ela fala que do pó vinhemos e para o pó vamos. Acho que deve ser na Bíblia. Nascer, morrer, processo de transformação. Respiração. processo natural de fechamento de ciclos e início de novos. Ser devorado e de ser devolvido pelo lugar. Tempo lento, assim como o meu caminhar. Ser escorado, uma pratica de sobrevivência do ser, em meio a uma sociedade tão complexa. Um corpo que pode estar frágil e que necessita de algum apoio que lhe sustente. E você, o que lhe sustenta? Através da pele e trocas durante etapas de vida, o que de algu-ma forma está conectado com a ideia de renovação de ciclos.Pós-residência, inquietações continuaram e continuam, resquícios de vivências, pensando a junção entre a paisagem da qual estou inserido, o estado do Ceará, a partir das movimentações das dunas móveis, para uma sequência de imagens, uma performance para fotografia, pensando também o movimento circular e infinito da terra, assim como o desejo de construir uma linha imaginária como uma espécie de percurso. Pensar questões como trajetória, fluxo contínuo. Continua...

Júnior Pimenta é Artista visual, nasceu em Orós-CE, vive e trabalha em Fortaleza, Graduando em Design, cursou Arquitetura e Urbanismo, atual-mente vem realizando suas pesquisas sobre suas relações com os luga-res que habita. Nos últimos anos, participou de várias mostras entre elas: Salão de Abril em Fortaleza, Hacia un arte del encuentro dos, Buenos Aires – Argentina; SPA das artes, Ricife-PE; Fora do eixo, Brasília-DF; SA-MAP-Salão municipal de João Pessoa-PB, entre outras; É editor da revista reticências... crítica de arte e também realizou alguns projetos curatoriais. O artista pensa, em todas suas atividades, como formas de contaminação e entrecruzamento de pensamentos, gerando um processo dissociado na construção de sua poética. ([email protected])

Em imersão: anotações Por Júnior Pimenta

CENTRO CULTURAL BANCO DO NORDESTE FORTALEZA

Gerente Executiva Francisco Ricardo Pinto

Coordenação de Artes VisuaisJacqueline Medeiros

Auxiliar de Eventos CulturaisKelviane Lima

CuradoriaAna Cecília Soares

ArtistaJúnior Pimenta

Montagem da ExposiçãoRômulo Francisco do Nascimento

Projeto GráficoJúnior Pimenta

Revisão de TextoAna Cecília Soares

AgradecimentosAna Cecília Soares e toda minha familia, por estarem sempre jun-tos de mim... CCBNB por apoiar a arte contemporânea, em espe-cial a Jacqueline Medeiros e Kelviane Lime; Aos amigos Emanuel Oliveira, Bia Perlingeiro e Aslan Cabral; Toda à equipe da Sala Nordeste/MINC NE em espercial Reinaldo Freire, Lucio André Fi-gueiredo, e Alexandre; Todos da Residencia en la tierra e a terra.

Este catálogo foi composto em Museo Slab e Museo Sans, ti-pografias desenvolvidas pelo type designer holandês Jos Buive nga. Impresso em papel Off-set 75g para miolo e Kraft Pardo 280g para capa. Na gráfica Tipogresso, Fortaleza - Ceará, em setembro de 2013.