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    Banco do Brasil apresenta e patrocina

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    VERDESANOSDOCINEMAPO

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    30 DE JULHO A17 DE AGOSTO DE2008

    Centro Cultural

    Banco do Brasil

    So Paulo

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    Os anos 60 representaram, em diversos pases, uma ruptura scio-cul-tural com os valores vigentes at ento. Os americanos viram surgir o movimentobeat, os franceses, a nouvelle vague e os italianos, o neo-realismo; movimentos esses que acabaram por

    influenciar a produo artstica do mundo todo. Enfim, a palavra em voga era a contracultura.

    Em Portugal tambm foi uma poca de reviso de valores sociais, morais e polticos em meio a uma dita-

    dura. Nesse contexto, velhos paradigmas no cabiam mais e uma nova forma de se comunicar e de lidar

    com a realidade extravasou para as diversas reas do conhecimento cientfico e artstico. Nesse cenrio,surgia o Novo Cinema Portugus, tema desta mostra, onde cineastas como Paulo Rocha, Antnio-Pedro

    Vasconcelos, Antnio Macedo, Eduardo Geada, Antnio Reis e Margarida Cordeiro davam seu testemunho

    pessoal sobre as transformaes que viam acontecer em seu pas.

    Com essa iniciativa, o Banco do Brasil oferece ao pblico um panorama desse perodo de forte efervescn-

    cia cultural, com exibio de longas a maioria inditos produzidos entre os anos 60 e 70 em Portugal,

    colaborando na difuso cultural do que h de melhor na produo estrangeira, ao mesmo tempo em que

    possibilita ao espectador perceber diferenas e similaridades dessa cultura to prxima dos brasileiros.

    Centro Cultural Banco do Brasil

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    Nos ltimos anos, o espectador brasileiro teve a oportunidade dedeparar-se com boas safras de filmes portugueses. A comear, o prprio CentroCultural Banco do Brasil promoveu, em 2000 , uma mostra pioneira, na qual o pblico pde assis tir a filmes

    de Pedro Costa, Joo Canijo, Teresa Villaverde ou a filmes mais recentes de diretores veteranos como

    Manoel de Oliveira e Joo Csar Monteiro. Na ocasio, foi tambm exibida uma cpia de Mudar de Vida

    (1966), segundo longa-metragem dirigido por Paulo Rocha. Embora j tenha se passado quase uma dcada

    desde o acontecimento. No se pode deixar de pensar que fora esta a primeira iniciativa, pelo menos nos

    ltimos 20 anos, organizada com o nobre objetivo de reunir uma parte representativa da cinematografia

    portuguesa e, desta forma, dar ao pblico brasileiro alguma dimenso de s eu conjunto.

    Depois disso, em 2003, a Mostra Internacional de Cinema de So Paulo realizou uma retrospectiva de Joo

    Csar Monteiro, onde exibia parte da obra deste polmico e genial cineasta portugus. Talvez tenha sido a

    primeira vez que o belssimo Veredas (1978) foi exibido no Brasil. Dois anos depois, era a vez de Manoel

    de Oliveira ser homenageado no evento. Pela primeira vez, toda uma gerao de admiradores pde conferir

    uma retrospectiva quase completa da obra deste mtico cineasta portugus.

    No podemos ainda esquecer que cineastas mais novos, tais como os j citados Pedro Costa, Teresa Villa-

    verde, Joo Canijo e ainda Joo Botelho tm quase sempre seus filmes mais recentes exibidos em algum

    momento no Brasil, em mostras e/ou festivais de cinema. Muito embora, restries de qualquer gnero ou

    mesmo a aleatoriedade da programao desses eventos ainda deixem muita coisa de fora.

    O Cinema Novo portugus propriamente dito nunca chegou at ns de forma consistente. Fora Manoel deOliveira, Joo Csar Monteiro e, de relance, Paulo Rocha, pouqussimas vezes foram exibidas no Brasil

    obras de cineastas to importantes como Fernando Lopes, Antnio de M acedo, Antnio da Cunha Telles

    e Antnio Reis. Belarmino, Domingo tarde, O Cerco e Trs-os-Montes so filmes to importantes

    para o cinema portugus quantoActo da Primavera . Aqueles filmes compem o contexto ao qual este

    pertence embora a obra de Oliveira possa sempre ser considerada um parte dentro de qualquer con-

    junto. E por que no citar diretores como Eduardo Geada, talvez mais conhecido como pesquisador/histo-

    riador e terico do cinema, mas que em 1974 estreou como diretor com o controverso Sofia e a educao

    sexual, ou ainda Antnio-Pedro Vasconcelos, que dirigiu o melanclico Perdido por cem.

    A maior parte desses diretores tem filmes na dcada de 1990 e alguns, inclusive, foram exibidos no Brasil

    em situaes especiais, tais como Passagem por Lisboa (1994), de Geada, ou O Rio do Ouro (1998),

    de Paulo Rocha, que estiveram presentes no Festival de Cinema de Gramado. Porm, esses acontecimentos

    isolados esto longe de dar a dimenso e a importncia do conjunto de suas obras.

    A mostra Os Verdes Anos do Cinema Portugus no tem condies, verdade, de dar a dimenso da

    obra individual de cada um desses diretores. Mas, certamente, e esse de fato seu propsito, poder jogar

    luz sobre parte relevante da histria da cinematografia portuguesa e, partir da, possibilitar ao pblico

    brasileiro um panorama mais completo s obre uma histria que ainda est em pleno movimento, sendo

    construda por meio dos novos filmes que nos chegam a cada ano.

    Ter uma idia do que foi a modernidade do cinema em Portugal talvez nos ajude a entender de onde vem

    a melancolia que borbulha latente nos filmes do cinema portugus contemporneo. E, claro, independente-

    mente de qualquer compromisso com um resgate histrico de qualquer natureza, a mostra Os Verdes

    Anos do Cinema Portugus possui tambm a nobre finalidade de proporcionar a seu pblico a fruioesttica atravs dos belos e tristes filmes do Cinema Novo Portugus.

    Liciane Mamede, curadora da mostra

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    que resultou da criao de uma cooperativa de cine-clubistas, foi anunciado como cinema

    novo e filme novo. Mas apesar das suas novas circunstncias de produo, o filme causou

    algumas decepes por no ter ido muito mais longe do que fil mes neo-realistas como, por

    exemplo, Saltimbancos (1951) de Manuel de Guimares.

    Por isso, os historiadores do cinema portugus, sobretudo Joo Bnard da Costa e Lus de

    Pina, concordam que Os Verdes Anos (1963) de Paulo Rocha marcou realmente a ruptura

    com o passado. Aps o seu financiamento ter sido recusado pelo Fundo de Cinema, o

    primeiro longa-metragem de Rocha foi tambm o primeiro filme da produtora Cunha Telles.

    O filme, galardoado com a Vela de Prata no Festival de Locarno em 1964, narra a histria de

    amor frustrado entre Jlio e Ilda, dois jovens vindos do interior. Quando Jlio, que tenta a

    sua sorte como sapateiro, conhece Ilda, uma jovem empregada domstica, esta recusa o seu

    pedido de casamento. Jlio, incapaz de lidar com a rejeio por se sentir desamparado na

    cidade moderna, reage de forma radical e surpreendente, assassinando-a.

    Em relao ao velho cinema as diferenas so marcantes: o filme adere realidade, prin-

    cipalmente no que diz respeito ao retrato da desigualdade social representada de forma

    subtil e melanclica e no resolve o conflito entre campo e cidade, ou seja, entre o velho e

    o novo, a tradio e o moderno, o empregado e o patro, o homem e a tecnologia. A morte

    de Ilda s reafirma as contradies, demonstradas na ltima cena, com montagem nervosa e

    incoerente, e no ltimo plano, onde a cmara mostra Jlio em plano picado, sem perspectiva,

    confrontado com os carros que servem de metfora da modernidade. Alm da fotografiaem preto e branco e a cuidadosa mise-en-scne nos planos simblicos do isolamento ou do

    desamparo das personagens, a msica nostlgica e os silncios das personagens contribuem

    tambm para um ambiente onde subsiste o entristecimento. esta condensao potica da

    falta de perspectiva que diferencia o filme no s dos filmes do velho cinema, que celebra-

    vam quase sempre a unio harmoniosa entre rico e pobre, patro e empregado, velho e novo,

    mas ainda de obras neo-realistas com um empenho poltico mais evidente.

    No entanto,Acto da Primavera (1961-62) de Manoel de Oliveira considerado por

    Henrique Alves Costa o primeiro filme poltico portugus em que Manoel de Olive ira ousava

    dizer, por subtis linhas travessas, o que ningum, entre ns, ousara dizer por linhas tortas

    ou direitas. O filme utiliza a representao de um auto medieval,A Paixo de Cristo , por

    amadores em um lugar remoto no interior de Portugal (Trs-os-Montes) para refletir sobre a

    condio humana contempornea e a representao do sagrado atravs da relao entre a

    apresentao teatral e a sua representao cinematogrfica. Devido temtica religiosa e

    apesar da auto-reflexividade esttica, muitos crticos acusaram Oliveira de conservadorismo

    catlico. Entretanto, de fato uma obra-prima que introduz na cinematografia portuguesa

    uma ousadia formal e uma preocupao social at ento inexistentes.

    O cinema portugus ainda no tinha se recuperado da piorcrise da sua histria, quando a Nouvelle Vague francesa,o Free British Cinema ingls e o Cinema Novo brasileiro

    marcaram presena no final da dcada de 50. Enquanto os outrospases introduziam novos realizadores que procuravam uma relao direta e engajada coma realidade, inovando as formas de produo, o estilo visual e a edio para quebrar com as

    convenes do cinema narrativo clssic o, em Portugal quase no se fazia cinema.

    A crise vinha se arrastando desde o final dos anos 40 e culminou no famoso ano zero, em

    1955, no qual no se produziu nenhum filme. A primeira Lei de Proteco do Cinema Nacio-

    nal e o Fundo de Cinema do Secretariado Nacional da Informao (SNI), criado para o seu

    financiamento, tiveram um efeito contrrio e, devido s exigncias nacionalistas do regime

    totalitrio do Estado Novo, acabaram por paralisar totalmente a produo cinematogr-

    fica. Nestes anos, havia apenas uma proposta tmida que procurava romper com o velho

    cinema ou seja, com as tradicionais comdias ou musicais portuguesa, os melodramas

    e filmes regionalistas e os poucos filmes propagandsticos atravs de filmes neo-realistas,

    associados, sobretudo, ao nome de Manuel Guimares.

    Ainda se discute qual foi o filme que inaugurou finalmente o Cinema Novo portugus nocomeo dos anos 60 tambm denominado Novo Cinema para distingui-lo do Cinema

    Novo brasileiro. Em sua estria em 1962 o filme Dom Roberto de Jos Ernesto de Sousa,

    O NOVO CINEMAPORTUGUSCarolin Overhoff Ferreira,

    Universidade de So Paulo

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    Outro debate sobre o novo cinema consiste na dvida se o Cinema Novo foi apenas inovador

    em nvel esttico, ou tambm ofereceu, apesar de censura e auto-censura, leituras polticas

    da sociedade? Ele efetuou de fato uma ruptura ou foi tambm continuidade? Nenhum dos

    primeiros filmes do Novo Cinema panfletrio, como tambm no o seriam os filmes realiza-

    dos posteriormente. A poltica s podia invadir o cinema portugus aps a revoluo pacfica

    do 25 de Abril em 1974 que ps fim ao regime totalitrio. Mas tantoActo da Primavera

    quanto Os Verdes Anos denunciam a realidade: o filme de Manoel de Oliveira em umsentido universal, humanista e cristo, enquanto o filme de Paulo Rocha capta a frustrao e

    as poucas possibilidades da sociedade portuguesa classista e opressiva. Muitos outros filmes

    do Cinema Novo, como O Cerco (1969) de Antnio da Cunha Telles, O Recado (1971) de

    Jos Fonseca e Costa, Uma Abelha na Chuva (1971) de Fernando Lopes, entre outros, ti-

    veram esta envergadura de se opor entrelinhas, atravs de ambientes pesados ou dbios, ou

    camuflado em narrativas complexas ou fragmentadas, ao regime totalitrio e os seus efeitos

    na sociedade, mesmo que fosse de forma metafrica ou alegrica.

    Dom Roberto, Os Verdes Anos, Acto da Primavera os trs filmes que marcaram o

    nascimento do Cinema Novo oferecem tambm um panorama das circunstncias polticas,

    bem como das novas formas de financiamento e de produo que demonstram a convivncia

    da ditadura com os realizadores e vice-versa.

    Acto da Primavera foi, curiosamente, subvencionado pelo Fundo de Cinema, ou seja, pelo

    Estado Novo. Curioso, porque Oliveira, que j era uma lenda, mas somente se tornaria maistarde a referncia do cinema portugus, tinha ficado 21 anos sem produzir um longa-metra-

    gem por falta de apoio. E, ainda, porque o Fundo voltou a apoiar produes, tendo investido

    at 1961 principalmente em bolsas de estgio ou de estudo no estrangeiro, na convico de

    que a aprendizagem fora de Portugal era o nico meio de formar os quadros de que carecia.

    Ao contrrio do autodidata Oliveira, os realizadores da nova gerao partiam para as escolas

    de cinema em Paris (Cunha Telles, Paulo Rocha e Jos de S Caetano), Roma (Fonseca e

    Castro) e Londres (Fernando Lopes, Faria de Almeida), ou seja, para os centros de inovao

    cinematogrfica da poca. Em Portugal, por sua vez, organizou-se em 1961, no Estdio

    Universitrio de Cinema Experimental da Mocidade Portuguesa uma organizao devota

    ditadura , o primeiro Curso de Cinema para 200 alunos. Assim, a ditadura foi responsvel

    pela formao dos cineastas do Cinema Novo que iam question-la de forma mais ou menos

    aberta em seus filmes.

    Ao contrrio de Acto da Primavera, Dom Roberto e Os Verdes Anos foram produes

    independentes. Enquanto o experimento de uma cooperativa em Dom Roberto no se

    repetiu, as Produes Cunha Telles, a produtora de Os Verdes Anos, criada pelo realizador

    homnimo que investiu a sua fortuna pessoal, acabaram por marcar todo o primeiro perodo

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:

    Coelho, Eduardo Prado (1983). Vinte Anos de Cinema Portu-gus. Lisboa: Biblioteca Breve.Costa, Henrique Alves (1978). Breve histria do cinema portu-

    gus: 1896-1962. Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa.Costa, Joo Bnard da (1991). Histrias do Cinema. Lisboa:Imprensa Nacional Casa da Moeda.Cruchinho, Fausto (2001). Os passados e os futuros do CinemaNovo O cinema na polmica do tempo. Estudos do SculoXX, 1: 215-240.Ferreira, Carolin Overhoff (2007). O Cinema Portugus atravsdos Seus Filmes. Porto: Campo das Letras.Figueiredo, Nuno; Guarda, Dinis (2004) (ed.). Portugal: Um RetratoCinematogrfico. Lisboa: Nmero Arte e Cultura.Geada, Eduardo (1977). O Imperialismo e o Fascismo noCinema. Lisboa: Moraes Editores.Grilo, Joo Mrio (2006). O Cinema da No Iluso. Lisboa: Livros

    Horizonte.Matos-Cruz, Jos de (1989). Pronturio do cinema portugus:1896-1989. Lisboa: Cinemateca Portuguesa.Matos-Cruz, Jos de (1998). Cinema portugus: o dia do sculo.Lisboa: Grifo.

    pequenos, no renderam na bilheteira nem metade dos custos, obtendo menos de 40.000

    espectadores. O reconhecimento veio do estrangeiro, na Semana de Nice, e atravs de

    referncias positivas na imprensa nacional. Depois seguiram O Mal-Amado (1973) de

    Fernando Mato Silva que foi censurado - , Brandos Costumes (1974) de Seixas Santos

    que somente terminou aps o 25 de Abril,A Promessa (1972) de Antnio Macedo e

    Meus Amigos (1974) de Cunha Telles. Algum apoio foi ainda concedido Uma Abelha na

    Chuva, enquantoA Ilha dos Amores (1982), projeto de Paulo Rocha, foi terminado apenas

    dez anos mais tarde.

    O final tanto do CPC quanto do Cinema Novo deu-se quase exatamente com a Revoluo em

    1974. O fim da ditadura abriu espao para uma nova etapa, altamente politizada, em que o

    cinema foi rua para documentar as mudanas sociais atravs da liberdade de expresso

    reconquistada. Alguns projetos do CPC ainda foram finalizados, porm, o cinema portugus

    tomava outro rumo. O novo cinema portugus passava para a histria com o estigma da

    convivncia com o Estado Novo. Mas esta viso injusta: vrios dos seus filmes foram no

    s corajosos no desvendar dos mecanismos opressivos sociais permanecentes em qualquer

    sociedade pouco ou no democrtica , muitas das suas estratgias estticas tambm no

    perderam a sua atualidade ou a sua beleza.

    Matos-Cruz, Jos de Matos (1999). O Cais do Olhar: o cinemaportugus de longa metragem e a fico muda. Lisboa:Cinemateca Portuguesa.Monteiro, Paulo Filipe (2001). Uma Margem no Centro: A artee o poder do novo cinema. Lus Reis Torgal (ed.). O Cinema sobo Olhar de Salazar. Coimbra: Crculo de Leitores.Passek, Jean-Loup (dir.) (1982). Le Cinma Portuguais. CentreGeorge Pompidou/LEquerre: Paris.Pina, Lus de (1978). Panorama do cinema portugus: dasorigens actualidade. Lisboa: Terra Livre.Pina, Lus de (1986). Histria do Cinema Portugus. Mem-Mar-tins: Publicaes Europa-Amrica.Ramos, Jorge Leito (1989). Dicionrio do Cinema Portugus1962-1988. Lisboa: Editorial Caminho.Ramos, Jorge Leito (2005). Dicionrio do Cinema Portugus1989-2003. Lisboa: Editorial Caminho.

    Ribeiro, M. Flix (1982). Filmes, figuras e factos da histria docinema portugus, 18961949. Lisboa: Cinemateca Portuguesa.Torgal, Lus Reis (coord.) (2001). O Cinema sob o olhar de Sala-

    zar.... Lisboa: Temas e Debates.

    do Cinema Novo. Entre 1963 e 1966 a produtora, que possua uma equipe de realizadores

    e atores que discutiam em conjunto as concepes de produo e os roteiros, foi respon-

    svel por alguns dos filmes mais importantes do novo cinema, como Belarmino (1964) de

    Fernando Lopes, Domingo Tarde (1965) de Antnio de Macedo,As Ilhas Encantadas de

    Carlos Villardeb (1965) e Mudar de Vida de Paulo Rocha (1966).

    Embora muitas destas produes obtivessem tambm subsdios do Fundo de Cinema, aprodutora foi obrigada a fechar por causa de falncia em 1966. Pouco familiarizados com

    estticas que questionavam as narrativas convencionais, desgostosos das temticas sociais e

    dos ambientes sombrios e frustrantes, o pblico portugus no aderiu ao seu novo cinema. A

    nica exceo foi O Cerco do prprio Cunha Telles, o maior sucesso de bilheteria do Cinema

    Novo, mas isto foi apenas em 1970.

    Contudo, os cine-clubes vieram socorrer a situao: em 19 67 organizaram a Semana de Es-

    tudos sobre o Novo Cinema Portugus, no Porto, subsidiada pela Fundao Gulbenkian,

    uma das mais influentes e ricas fundaes portuguesas, existente desde 1956. Apesar de

    ter oferecido tambm bolsas para estudar cinema no exterior (a Antnio-Pedro Vasconcelos,

    Antnio Campos, Alberto Seixas Santos, Manuel Guimares, Joo Csar Monteiro, Alfredo

    Tropa, Antnio Escudeiro, Teixeira da Fonseca, Manuel Costa e Silva, Elso Roque e Joo Matos

    Silva), a Fundao nunca apoiara diretamente a produo cinematogrfica.

    Durante a Semana foi elaborado um documento,O ofcio de cinema em Portugal, eapresentado depois poderosa instituio, com o objetivo de constituir c om o apoio desta

    uma sociedade cooperativa de novos cineastas, o Centro Portugus de Cinema. A Fundao

    aceitou apoi-lo durante um perodo experimental de trs anos e assinou em 1968 a deciso

    no mesmo ano em que o ditador Antnio de Oliveira Salazar saiu do poder e a Primavera

    marcelista deu incio a certa abertura cultural.

    O Centro Portugus de Cinema (CPC), constitudo em Junho de 1 970 foi responsvel pela

    segunda fase do Cinema Novo entre 1972 e 1975 atravs da realizao de oito longas-me-

    tragens. Incentivado por 19 realizadores, ligados, sobretudo, ao Cinema Novo, o Centro tinha

    autonomia em relao seleo dos projetos dos seus associados, da sua execuo artstica

    e mesmo da sua explorao comercial, sendo que a Gulbenkian recebia uma cpia dos filmes

    realizados para uso nas suas iniciativas culturais.

    Os primeiros quatro filmes selecionados foram: O Passado e o Presente (1971) de Manoelde Oliveira, Pedro S (1971) de Alfredo Tropa, O Recado (1971) de Fonseca e Costa,

    Perdido por Cem (1972) de Antnio Pedro Vasconcelos, alm de dois curtas-metragens,

    um de Paulo Rocha e um de Joo Csar Monteiro. Todos estes filmes, apesar de oramentos

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    17Paulo Rocha nasceu no Porto, mas viveu sua infncia noBrasil. Na poca em que seu pai se mudou para c, mais especificamente para o Riode Janeiro, aproximadamente 20% de Portugal estava fazendo o mesmo, como atesta

    o cineasta portugus com suas prprias palavras, ditas em conversa por telefone ocorridaem maio de 2008. Paulo Rocha tm 72 anos e a voz e a vontade de quem quer colocar para

    fora suas histrias, porque elas parecem ser muitas e porque preciso transmit-las sob a

    pena de ficar soterrado sob o peso de todas elas. Uma vida dedicada ao cinema que parte

    da histria do cinema; por iss o que cada episdio precisa s er compartilhado, porque a(s)

    histria(s) desta arte no contada apenas pelos filmes.

    Jorge Rocha, irmo de Paulo, ainda vive nas proximidades da cidade do Rio. Na poca em

    que Os Verdes Anos foi exibido no Brasil, a cpia chegou a ficar em sua casa depois da

    exibio, mas acabou definhando por causa da umidade. Quando ele a me enviou de volta,

    no tinha mais jeito, tive de jogar fora.

    Na adolescncia, Rocha mudou-se com a famlia de volta para Portugal. Seu pai no queria

    que os filhos perdessem laos com o pas. E foi na Europa que o cineasta acabou tendo a

    parte mais decisiva de sua formao.

    Paulo Rocha estudou cinema no IDHEC (Institut des Hautes tudes Cinematographiques), em

    Paris. Na poca, alguns daqueles que viriam a obter destaque dentro do ce nrio cinematogr-

    CONVERSAS COMPAULO ROCHALiciane Mamede

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    fico portugus estavam seguindo o mesm o caminho: as terras estrangeiras. Portugal apenas

    mais tarde veio a ter sua prpria escola de cinema.

    Quando voltou, em 1963, trabalhou como assistente de Manoel de Oliveira emActo da

    Primavera (1963), obra-prima do cinema portugus, e emA Caa (1964). Seu primeiro filme

    como diretor, Os Verdes Anos, considerado por muitos o marco inicial do cinema novo

    portugus. O filme foi inicialmente inspirado em uma nota de jornal. Apesar de seus trgicos

    acontecimentos, Rocha conseguiu encontrar nela a possibilidade de falar sobre temas que

    urgiam numa Portugal que estava se abrindo para o novo e para paradigmas culturais de

    uma modernidade que passou a se pautar pelo gosto dos jovens, pela ascenso das mulheres

    na sociedade, pela cultura pop, pela liberalidade dos meios de comunicao, e vivia as con-

    tradies decorrentes dessas transformaes.

    Os Verdes Anos foi tambm o primeiro filme produzido por Antnio da Cunha Telles, um

    dos homens que, principalmente enquanto produtor durante a dcada de 60, foi responsvel

    pelo afloramento do cinema novo portugus.

    Logo com sua primeira obra, Rocha encontrou reconhecimento no exterior. Viajou com seu

    filme para diversos f estivais, at que Os Verdes Anos acabou sendo contemplado no Festival

    de Locarno com a Vela de Prata e o prmio Opera Prima. Sem dvida um grande feito para

    um jovem cineasta vindo de um pas onde mal se produzia cinema.

    O acesso aos festivais internacionais possibilitou tambm o encontro com cineastas de outros

    pases - e no apenas isso. Era uma das formas pela qual tnhamos acesso aos filmes van-

    guardistas produzidos naquela poca. Foi durante essas ocasies que Paulo Rocha conheceu

    Glauber, Joaquim Pedro de Andrade e Carlos Diegues. Glauber era uma estrela internacional,

    no havia quem no o c onhecesse e eu acabei me tornando muito prximo. Estivemos juntos

    em diversos festivais, Paris, Nova York. No Mxico, a amizade com Glauber rendeu at uma

    figurao em filme de Lus Buuel. Glauber passava pelos festivais angariando fama de

    arrogante, mas ele era acima de tudo um bem humorado.

    Quando questionado sobre se o cinema de Glauber o influenciou, Paulo Rocha afirma

    que sim. Mas no apenas Glauber. Em Portugal, no havia quem no tivesse visto Vidas

    Secas. O ator brasileiro Geraldo Del Rey s atuou em Mudar de Vida, segundo filme de

    Paulo Rocha, lanado em 1966, porque Glauber insistiu.

    O amigo brasileiro ainda props que se estabelecesse no Brasil, mas ele no quis, embora

    seus laos com o pas fossem fortes. Chegou at freqentar a casa de Nara Leo no Rio de

    Janeiro, na poca em que este era o ponto mtico de encontro dos artistas cariocas.

    Depois de ter sido diretor do Centro Portugus de Cinema, entre os anos de 1973 e 1974,

    Paulo Rocha se mudou para o Japo, para exercer um cargo na embaixada portuguesa em

    Tquio. Foi a que tomou contato com o teatro japons. Tal perodo seria fundamental para

    definir os rumos de sua obra.

    No toa, na dcada de 1980, o grande destaque de sua carreira A ilha dos Amores

    (1982), filme sobre a vida de Wenceslau Moraes, escritor portugus que acabou por morrer

    em situaes pouco claras depois de tambm haver se mudado para o Japo. O estudioso

    Eduardo Prado Coelho assim referiu-se relao de Rocha com esta obra: O filme uma

    co-produo luso-japonesa e corresponde prpria obsesso do autor pelo mundo oriental.

    Da talvez que tenha sido um projeto elaborado ao longo de mais de dez anos, numa espcie

    de obstinao apaixonada que s as grandes obras justificam1.

    Pode-se alegar que, com este filme, Paulo Rocha alcanou um rigor artstico que no tinha

    quando dirigiu Os Verdes Anos. No que essas duas obras possam ser comparadas, ou que

    seu primeiro filme possa ser considerado menor por conta da fruio esttica provocada pela

    obra tardia. Pelo contrrio, Paulo Rocha dirigiu dois dos maiores fi lmes portugueses de todos

    os tempos e cada um deles grande a seu modo, na medida em que so frutos de momentos

    diversos. Os Verdes Anos foi realizado sob o signo de uma juventude oprimida, da neces-

    sidade da superao de uma poca e, ao mesmo tempo, de um sensato desencanto. Assim

    como os filmes da primeira fase do cinema novo portugus do qual foi pioneiro, Os Verdes

    Anos possui uma vitalidade que soa naf, uma fora de tons melanclicos.

    Os Verdes Anos o filme que ajudou a tirar Portugal do jejum cinematogrfico pelo qual o

    pas vinha passando, mas seu valor histrico no teria nenhuma relevncia se a sensibilidade

    de seu diretor no tivesse conseguido fazer com que ele dialogasse to bem com sua gerao

    e, acima de tudo, refletisse de forma to nevrlgica as dicotomias que a afligiam.

    1. COELHO, Eduardo Prado. Vinte Anos de Cinema Portugus (1962 1982).Instituto de Cultura e Lngua Portuguesa, 1 ed., 1983

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    Mostrar que se estava a representar um acontecimentopassado h dois mil anos, reescrito no sculo XVI, refeito nosculo XX, com magnetofones, mquinas, etc., de maneira quefiz questo de filmar as prprias mquinas que filmavam, o

    prprio gravador que gravava. Portanto, temos o tempo de Cristo, o s culoXVI e o sculo XX. Tudo dado ao mesmo tempo, tudo visto simultaneamente. S o cinemapode dar este artifcio. por isso que o cinema realmente sedutor1. Assim Manoel de

    Oliveira equacionou, em 1998, o principal interesse que o levou a fazerActo da Primavera ,

    mas curiosamente tambm esse tipo de acumulao das camadas, dos tempos e dos

    tipos de registros que impulsiona a quase totalidade de suas obras dos anos 90, sobretudo

    as do final, como Inquietude eA Carta. Oliveira 1963 sobre Oliveira 1998, mais uma

    das camadas-sobre-camadas que o grande cineasta da Histria nos entrega sem mesmo

    perceber? Resta que a ns, muito mais familiarizados com os filmes que Oliveira fez a partir

    de Vale Abrao, sentir deActo da Primavera ao mesmo tempo um gosto semelhante e

    um gosto inteiramente diferente do que estamos acostumados a ter vendo um filme de sua

    lavra. Porque Acto da Primavera, como grande parte dos filmes de Oliveira feitos antes

    de Benilde ou a Virgem Me , como uma ilha dentro de sua filmografia, algo sem muito

    paralelismo esttico, temtico ou cronolgico gritante, sobretudo em approach ou mtodo

    ou estilo, com o resto de sua obra. Resta que essa ilha, e o mnimo que s e pode dizer,

    uma obra-prima.

    ACTO DAPRIMAVERA*Ruy Gardner

    1. Entrevista concedida a Joo Bnard da Costa na revista Pblicono 133, intitulada O cinema no o caminho para a santidade.

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    primeira vez uma virtude passiva da cmera que funciona pelo acrscimo e pela acumulao

    de camadas (e..., e...), no pela contradio (dialtica) e tampouco pela alternativa (ou/ou)2.

    Fujamos das possveis interpretaes diretas ou das determinaes especficas das imagens

    de atualidades (gueras, cogumelos atmicos emstock-shot) sobre a diegese da paixo do

    Cristo3. Parece que, ao inserir essas imagens no comeo e no fim do film e, Oliveira deseja

    mesmo perspectivar historicamente o tempo da feitura do filme com os tempos histricos-

    mitolgicos recuperados pela encenao e filmagem doAuto da Paixo de Francisco Vaz

    de Guimares. Da mesma forma que Oliveira se d o trabalho de filmar a cmera porque o

    importante de tudo o ritual de fixao proporcionado pela cmera, necessrio tambm

    expor as imagens do tempo presente, e sem dvida aquelas que marcam, at estigmatizam,

    o presente em 1963 (a Guerra Fria e o medo de uma hecatombe nuclear). a partir delas, da

    familiaridade com elas, que o espectador citadino pode deslocar-se geografica e temporal-

    mente para a temporalidade do ato dentro deActo.

    Por fim, nenhuma reflexo sobreActo da Primavera estaria completa sem a meno da fala

    dos atores, num tom meio declamatrio e mei o cantado, que certamente deve-se muito mais

    tradio do que interveno de Oliveira na direo. Sendo simplesmente a filmagem

    de uma encenao no-profissional mas uma encenao para o cinema , a questo da

    naturalidade dos atores se desloca: eles no precisam ser os personagene, eles s precisam

    cumprir certos gestos e emitir certas vozes. O que a cmera pega inevitavelmente acaba

    sendo autntico. Isso quando no totalmente sublime no registro, como a cena do vu deVernica, possivelmente a melhor filmagem do episdio na histria do cinema: um nico

    plano, o vu estendido em segundo plano, em cima de um barranco, e enquanto as tropas

    caminham em primeiro plano e tiram o vu do campo de viso, ele aos poucos passa a

    mostrar o rosto do Cristo. O vu de Vernica uma das mais belas m etforas de Andr Bazin

    para o realismo no cinema, em que o mundo apareceria na tela do cinema tal qual o rosto do

    cristo no pano de Vernica. ComActo da Primavera, Manoel de Oliveira nos mostra menos

    um mundo do que a co-habitao de mundos distintos que o mundo.

    2. Em entrevista, Oliveira diz preferir agregar a sobrepor, acumulara contrapor.

    3. Espcie de pecado recorrente em que at Serge Daney caiu quan-do travou seu primeiro contato com as obras de Oliveira, Notes surles films de Manuel de Oliveira, Cahiers du Cinma no276, p.35.

    * texto originalmente publicado na edio 77 da revista virtual decinema Contracampo.com.br

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    Acto da Primavera um filme-dispositivo, e como tal no estabelece seus critrios de fabu-

    lao nem exatamente no terreno do cinema de fico e tampouco no cinema documentrio,

    embora possa ser considerado ao mesmo tempo como ambos. mais um procedimento

    de fixao, uma tentativa de trabalhar as bifurcaes do tempo como paradoxos. Qual a

    funo de contar uma histria? E, em se tratando da civilizao ocidental que emergiu da

    cristandade, o que contar A histria, ou seja, contar a paixo de Cristo? Manoel de Oliveira,

    no entanto, um manaco pelo texto, e principalmente pelo texto como produo histrica.

    Resulta disso que, ao invs de criar uma outra verso para o auto da paixo, Oliveira filmou

    a pea de um autor do sculo XVI, Francisco Vaz de Guimares, como ela era anualmente

    encenada pelos habitantes do vilarejo da Curalha, em Trs-os-Montes. Que relao se

    estabelece entre cmera e atores, e em seguida entre tela e espectador? Vemos uma fico

    ou vemos um registro da encenao dos habitantes? A fico, no entanto, pertence a outro

    (o autor do auto original), e a graa do registro pertence aois habitantes da regio. Qual

    ento o trabalho de Oliveira? Diramos que a tenso que faz desse filme uma obra sui

    generis na histria do cinema toda do diretor: uma sobreposio de tipos de apreenso

    que se transforma numa espcie de polifonia temporal, cada personagem sendo ao mesmo

    tempo o mdium de uma palavra de um autor, um personagem bblico e tendo sua ex istncia

    prpria, seu corpo, seu semblante. Naturalmente, pode-se dizer isso de todos os filmes

    ficcionais, mas aqui a prpria mise-en-scne e o dispositivo do filme que nos obriga a

    considerar todas essas etapas do processo enquanto assistimos ao filme (ao contrrio dos

    filmes ficcionais, que tentam esconder as camadas no-ficcionais atravs das naturalidades

    de interpretao e da verossimilhana, ou dos documentrios, que nos colam a equivalnciaentre imagem e realidade).

    Espao, ento, para a criao de uma nova relao do espectador com aquilo que aparece na

    tela. E estranha coincidncia, porque o comeo dos anos 60 tambm era o momento em que

    outro grande cineasta do dispositivo, Jean Rouch, curto-circuitava de maneira completamente

    diferente o registro documental com o ficcional para fazer surgir um outro tipo de cinema

    mais social, verdade, do que histrico.Acto da Primavera comea e termina pelas

    atualidades, notcias vindas dos jornais impressos e cinejornais, contrastando o mundo

    de informao de 1963 com o mundo campons, tradicional, dir-se-ia atemporal de Trs-

    os-Montes. Muito rapidamente, o campo se reveste com a metfora de espao de todos

    os tempos, fazendo confluir um presente miditico estranho a ele, um presente eterno do

    trabalho da lavoura, um passado histrico da tradio de encenao do auto da paixo e o

    passado mitolgico da chegada do messias. ComActo da Primavera , no tanto uma reli-

    giosidade crist que busca Manoel de Oliveira, mas uma pesquisa do papel da religiosidade

    na civilizao, a forma como o homem presta louvor a seu deus. Colocando-se ao mesmo

    tempo fora (pela estratgia no-ilusionista da e ncenao) e dentro (fixando um momento

    apaixonante e mgico de crena) do processo litrgico, Oliveira cria para o seu cinema pela

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    Domingo tarde eA Promessa so, respectivamente, oprimeiro e o quarto longa-metragem de Antnio de Macedo.Na cronologia oficial, sete anos distanciam a realizao dos dois filme s. As diferenas

    estticas que existem entre eles certamente existem. Mas, colocando os filmes lado a lado

    pode-se ver que as mudanas estilsticas terminam por reforar um mesmo motivo: a deso-

    lao. Juntos, estes filmes gritam em coro, e no s em revolta, pois desprovidos de qualquer

    horizonte para a realizao de seus personagens.

    Domingo tarde pode ser visto, tambm, como uma crtica ao sistema de sade portugus

    dos anos 60. Todavia, no a denncia de um s istema (o hospitalar) que est em questo.

    Na pauta do filme interessa mais a existncia de seres humanos dentro de tal sistema que, se

    no diretamente posto em cheque, somente para melhor abrir caminho para uma reflexo

    maior acerca da morte. Sem metafsicas possveis, pois o tom do filme seco e calcado no

    concreto da imagem. Paradoxalmente, o que est em jogo uma questo moral e filosfica.

    O filme guiado pelos pensamentos interiorizados do Dr. Jorge, o hematologista que convive

    diariamente com a morte em seu trabalho. Logicamente, o comportamento cotidiano deste

    personagem tende frieza e ao ceticismo quando interpelado por outros seres humanos a

    sua volta (pacientes agonizantes ou companheiros de trabalho) que, fotografados em um

    preto e branco estilizado, soam na tela s e movimentar como fantasmas. Talvez, infelizmente,

    pessoas precisem morrer para que a humanidade evolua. No entanto, quando ele se apai-

    xona por uma paciente em estado terminal (Clarisse), sofre, uma vez que aquilo que antesera banal e matemtico se transforma em absurdo justamente porque envolve uma pessoa

    por quem ele nutre afeto.

    O CINEMA DE

    ANTNIO MACEDO

    Fernando Watanabe

    ATRAVS DE DOMINGO TARDEEA PROMESSA

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