Catolicismo e Protestantismo

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ISSN nº 1676-7748 REVISTA MAGIS CADERNOS DE FÉ E CULTURA Número 14 – ano 1996 PANORAMA RELIGIOSO DO CATOLICISMO E DO PROTESTANTISMO NO BRASIL

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vale a pena dar uma olhada

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ISSN nº 1676-7748

REVISTA MAGIS CADERNOS DE FÉ E CULTURA

Número 14 – ano 1996

PANORAMA RELIGIOSO DO CATOLICISMO E DO

PROTESTANTISMO NO BRASIL

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PANORAMA RELIGIOSO DO CATOLICISMO E DO

PROTESTANTISMO NO BRASIL

Marcelo Camurça

Para Li: vida, religiosidade e amor

INTRODUÇÃO

Este texto pretende apresentar, de uma maneira suscinta, um panorama das princi-

pais matrizes e desenvolvimentos do Cristianismo no nosso pais, através de uma análise

de suas duas maiores configurações, quais sejam, o Catolicismo e o Protestantismo.

Buscaremos uma abordagem histórico-sociológica embasada nos trabalhos mais conhe-

cidos de especialistas das duas religiões, em que traçaremos a gênese, continuidade,

permanências e transformações destas matrizes no cenário da sociedade brasileira, suas

principais características e implicações sociais, tanto no campo interno destas religiões

(práticas, devoções, doutrinas etc), quanto nas influências passadas e recebidas na rela-

ção com a sociedade maior. Procuraremos estabelecer tipologias do Catolicismo e Pro-

testantismo, que representam modalidades distintas dentro destes grandes campos mar-

cados pelas suas diferenciações internas. Toda a tentativa de constituir tipologias, po-

rém, pode incorrer em reducionismos e esquematismos. Apesar deste risco, nosso inten-

to será o de fornecer uma visão panorâmica e introdutória para os interessados numa

primeira aproximação com este tema complexo, permitindo na seqüência, outros estu-

dos mais aprofundados.

CATOLICISMO

O Catolicismo no Brasil pode ser apresentado em três grandes versões: Catolicis-

mo Popular, Catolicismo Romanizado e Catolicismo Pós Vaticano II. Apesar dessas

modalidades de Catolicismo surgirem cronologicamente nesta ordem: o Catolicismo

popular no período colonial, o Catolicismo Romanizado no final do século passado e o

Catolicismo Pós Vaticano II na modernidade pós-consciliar dos anos sessenta, isto não

significa dizer que ao entrar em cena uma nova modalidade a outra se extingua.

Ao contrário, elas passam a conviver, interagir e até se tensionar e conflitar dentro

do campo católico brasileiro, quando dois modelos partilham de determinadas caracte-

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rísticas comuns em oposição ao terceiro: os Catolicismos Popular e Pós Vaticano II par-

tilham da perspectiva "popular" em relação a perspectiva de "elite" do Romanizado; os

Catolicismos Romanizado e Popular partilham da perspectiva "tradicional" em oposição

a uma "modernidade" do Pós Vaticano II, e os Catolicismos Romanizado e Pós Vatica-

no II partilham de uma perspectiva "institucional" em oposição a marca "espontânea" do

Catolicismo Popular.

CATOLICISMO POPULAR (1500)

Tem sua origem no Catolicismo medieval mediterrâneo vindo de Portugal quando

a Igreja se identifica com a própria sociedade católica no modelo da Cristandade. asso-

ciado ao projeto colonial português no chamado regime do Padroado Régio. Daí alguns

autores chamá-lo Catolicismo Rústico (MONTEIRO, D.T. 1977, p. 41) ou Catolicismo

Colonial (DUSSEL, E. 1974, p. 732). Aporta na terra conquistada Junto com o poder

metropolitano, ritualizando no ato da primeira missa esta relação. Por isso, Freyre res-

salta "ser tão difícil separar o brasileiro do Católico." (FREYRE, G. 1974, p. 29)

Articulado, portanto, ao projeto de sociedade da metrópole para sua colônia, este

Catolicismo assumirá a feição predominantemente leiga e social. O caráter leigo se dá,

devido a escassez do clero no interior rural do pais fazendo com que as populações de

colonos organizassem por si mesmas - com os instrumentos de sua catolicidade medie-

val proveniente de Portugal, numa forma de brícolage - suas crenças e devoções. Se

estruturam então, Irmandades e confrarias leigas que passam a lidar com a religiosidade

focal, permitindo que o fiel se dirija diretamente ao Santo protetor sem a mediação cle-

rical. O caráter social, por sua vez, se configura ao imprimir uma sociabilidade entre os

colonos que habitavam sítios distantes uns dos outros. A vila, ponto de convergência

desta malha de sociablidade-religiosa, tomou-se cenário das devoções sociais tanto nu-

ma vertente festiva (Natal, Festa do Padroeiro e as festas juninas) quanto numa vertente

penitenciai (Semana Santa) quando organizavam um calendário litúrgico onde se alter-

navam os ritmos de celebração/expiação. (ANTONIAZZI, A. 1990) Este modelo de

religiosidade é marcado pela demanda de proteção ao Santo que apadrinha e os defende

dos perigos e adversidades na terra selvagem. O caráter social deste Catolicismo se ex-

prime ainda, dentro do calendário litúrgico, nas encenações das Paixões do Senhor Mor-

to, quando a população projetava no sofrimento de Jesus, suas próprias vissicitudes.

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A dinâmica da Paixão/Compaixão imprimirá um tipo comportamento nestas popu-

lações, que segundo Azzi, derivou-se da analogia entre a compaixão que Cristo demons-

trou pelo povo na sua paixão e a atitude que seus seguidores deviam ter. ao aceitar tam-

bém com resignação o sofrimento e manter uma atitude compassiva para com o sofri-

mento alheio, o que no entender deste autor, influiu no sentimento solidário "típico do

povo despojado de bens culturais e materiais na sociedade brasileira" (AZZIR, 1992

p.11)

O elemento central deste Catolicismo Popular se centra na figura do Santo, que

pode ser, tanto os santos canonizados do Catolicismo, quanto uma Pessoa da Trindade,

almas ou diferentes denominações da Virgem Maria. O Santo que é padroeiro, padrinho,

se encontra ligado a vida cotidiana do devoto, protegendo-o em todos os momentos. Ele

é cultuado através de sua imagem, num processo de reificação/fetichização, pois o devo-

to conversa, ornamenta a imagem, que por sua vez sai em procissão, faz e recebe visitas.

O Santo geralmente fica no Oratório de uma Capela que por guarda-lo toma-se o centro

da vida religiosa local, onde se realizam as novenas, terços, festa do Santo etc. Estes

ritos ficam a cargo dos animadores religiosos escolhidos pela comunidade local, rezado-

ras, benzedeiras, beata(o)s, festeiros etc. A Festa do Santo se transforma no momento de

"efervescência social" (Durkheim) por excelência da coletividade, quando a sociedade

através destes rituais reforça seus laços e estruturas. A crescente movimentação popular

em tomo do Oratório, pode por "milagres" ou "revelações" promovidas pelo Santo,

transformá-lo em um Santuário que se converte em centro de romarias e peregrinações,

potencializando ainda mais o sentimento religioso deste homem do campo tão isolado.

A disputa pelo controle da gestão do santuário colocará em tensão os afores constituti-

vos das modalidades do campo católico brasileiro. quais sejam: as irmandades ou con-

frarias de leigos doCatolicismo Popular e as ordens religiosas (missionárias, européias)

do Catolicismo Romanizado.

A cosmovisão do Catolicismo Popular reforça nas populações pobres uma postura

conformista e tradicional da sociedade pois ao reproduzir uma ordem celeste hierárquica

com um Deus e Santos no ápice e as almas na base para uma ordem social imanente.

terminam por configurar a aceitação de um esquema onde fortes protegem fracos, a

"cultura do compadrio", eliminando assim as clivagens, a opressão, exploração e a pers-

pectiva de um modelo de sociedade mais igualitária. Porém estas concepções e práticas

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populares do Catolicismo, tem o mérito de apesar de todas as ingerências, seguir repro-

duzindo as relações sociais seja de parentesco, seja de vizinhança essenciais a cultura

popular, sobrevivendo nas periferias urbanas e zonas rurais quando confere as classes

populares uma Identidade autoproduzida em contraposição a identidade forjada pelas

elites. (OLIVEIRA, Pedro. R. 1994)

CATOLICISMO ROMANIZADO (1850)

Nasce como resposta ao fenômeno da modernidade e laicização e da separação I-

greja-Estado. Se expressa na versão tridentina, oficial e centralizada dos chamados Bis-

pos "reformadores" brasileiros sob a direção da Santa Sé com o apoio das congregra-

ções européias. O avanço das idéias liberais da modernidade laica restringiu o poder da

Igreja na sociedade. Como reação a este fenômeno, ela procurou reforçar sua organiza-

ção interna, face ao "perigo'' que a rodeava, numa postura defensiva e intemalizada: o

anti-modemismo. Desenvolve sua religiosidade dentro dos marcos do templo sob rígido

controle clerical, centrado no culto do altar / púlpito / confissionário levando seus fiéis a

uma atitude de rejeição à modernidade do seu em torno, na forma de desagravo e repa-

ração dos "ultrajes" que os "hereges" do mundo praticam a Jesus e a Maria.

Centrado nos sacramentos, numa rígida moral sexual e no monopólio do clero por

sobre estes sacramentos e pelo ensinamento doutrinário, esta forma de catolicismo fará

do sacerdote o fulcro de todas as iniciativas cabendo ao leigo o seguimento delas. Den-

tre os sacramentos se marcará a centralidade da Eucaristia, concebida como presença

atualizada do Cristo nos Sacrários e ostensórios, objeto de total veneração. Concepção

segundo Antoniazzi, quase que reificada, com ênfase mais no significado que no signif-

cante, "mais no visível que no mistério" (ANTONIAZZI, A. 1990). A simbologia da

Unidade mística em Cristo substituída pela adoração a sua presença explicita na hóstia

exposta no Ostensório, fonte de autoridade e poder. Vale dizer que o sacerdote é minis-

tro exclusivo deste sacramento.

Com relação ao Catolicismo Popular, mantém por um lado, uma atitude "moder-

na" de controle dos seus "excessos" e "supertições", por outro lado, na perspectiva de

sua domesticação, almeja escudar-se nele, partindo desta catolicidade (depois de refrea-

da/contida dos seus elementos leigos e sociais) e fazê-la de anteparo à tendência de lai-

cização em curso na modernidade. Neste sentido, promove a substituição das "relíquias"

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dos Santos do Catolicismo Popular pela "presença viva" do Cristo materializada nos

ostensórios expostos a veneração dos crentes. Perpetram uma critica corretiva "as de-

monstrações exteriores que fazem ruído mas não purificam o coração" (revista "Mensa-

geiro de Jesus") pois defendem expressar a fé católica dentro do recinto do templo sob o

controle do clero em contraposição ao catolicismo popular, leigo e social (AZZI, R.

1992 p. 18). Sua forma organizativa é paroquial, em que a população de determinada

localidade se agrupa em tomo de uma Igreja a cargo do pároco ou de uma Ordem religi-

osa. De lá emanam minunciosas regras provindas dos catecismos cuja a não-observância

deveria ser acusada em confissão e o senso de fé de cada fiel deveria seguir a orientação

desta hierarquia.

CATOLICISMO PÓS VATICANO II (1964)

Surgido na esteira mudancista do Conscilio, particularmente na América Latina

teve um desenvolvimento marcante a partir dos Conscílios de Medellin e Puebla. Pre-

tende uma interpretação inovadora do Evangelho, ressaltando sua dimensão política e

social e o compromisso com a transformação da sociedade, assim como uma prática

devocional calcada nas comunidades de base.

Defendem uma renovação no campo bíblico, tendo como enfoque principal uma

visão bíblica da história humana como história de salvação e libertação do homem, ba-

seada na referência ao povo judeu cativo no Egito; sua estrutura de cativeiro e demanda

de libertação. Estimulam uma abertura para a Palavra e a Bíblia na doutrina e liturgia

católicas com a criação de "círculos bíblicos" que realizam suas reuniões mesmo com a

ausência do padre, o que levou alguns autores a falarem de uma "protestantização" da

Igreja Católica. Sua estruturação passa ser menos paroquiana como a do modelo Roma-

no e mais social, espraiada pelos diversos segmentos da sociedade: as Pastorais (CIMI,

CPT, Pastoral do Menor, Operária ele.) Embora organizado e de "vanguarda", ocupa

percentuais ainda pequenos da população católica. Propugnam uma redução da ritualís-

tica: "benção do Santíssimo", procissões, confissão auricular etc. em prol desta postura

mais exegética com a Bíblia e mais militante com a devoção. Realçam a moral social

por sobre a moral sexual, expressa na "opção pelos pobres" (preferencial, não exclusi-

va).

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RELAÇÃO ENTRE AS TRÊS MATRIZES DO CATOLICISMO BRASI-

LEIRO

Nos últimos anos, o Catolicismo Popular passou a ser "descoberto" enquanto algo

relevante tanto pela Hierarquia da Igreja quanto pela sua ala "progressista" junto com

pesquisadores e teólogos ligados ao projeto "transformador". Da evitação e indiferença

passou-se a interação, que desdobra-se em tentativas de controle ou em iniciativas de

diálogo e relação. Do seu lado, o clero e laicato "conservador" almeja fazer do Catoli-

cismo Popular esteio contra a secularização da sociedade e reforço para instituição Igre-

ja. Quanto ao clero e laicato "progressista" com a superação de esquemas positivistas ou

de um marxismo reducionista passam a revalorizar as formas populares de catolicismo

não como um conjunto de práticas irracionais mas como expressão cultural rica e com-

plexa.

Pela análise de historiadores, sociólogos e teólogos (Leonardo Boff, Pedro Ribei-

ro, E. Hoonaert, O. Beozzo, Frei Beto, J. B. Libânio, Luiz Alberto G. de Souza) ligados

ao campo católico na senda das propostas renovadoras do Conscílio Vaticano II, o "po-

pular" passa a ser posto em relevância para além do subalterno ou extra-oficial mas co-

mo locus estrutural e histórico que lhe confere a vocação política e transcendental de ser

o Sujeito da Teologia da Libertação". (FERNANDES, R. C. 1982) Com Isto, passa a ser

redescoberta expressões religiosas significativas das massas populares como as romari-

as, capelinhas e beatos, contudo a estas expressões ainda falta a perspectiva da "liberta-

ção histórica". Para se diferenciarem das práticas do Catolicismo Popular, se estabelece

a Pastoral Popular. Enquanto que a primeira mobiliza grandes massas, por vezes é con-

trolada por setores conservadores do clero, através de suas devoções e cultos dos Santos

dramatiza as hierarquias do mundo e suas inversões; a segunda atua em pequenos nú-

cleos, é fruto da atuação de setores progressistas da Igreja; através das sua prática reli-

giosa anuncia a parusia igualitária (FERNANDES. R. C. 1982).

Da relação entre as duas formas eclesiais e estruturadas do catolicismo brasileiro

com a "popular", podemos registrar uma ambivalência, quando "conservadores" e "pro-

gressistas", ora desprezam, ora valorizam a religião popular, que independente destas

formas de interação e controle segue na sua inércia se reproduzindo.

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DESDOBRAMENTOS DO CAMPO CATÓLICO E SUA IGREJA

Podemos registrar uma mudança de postura do Catolicismo em relação aos pode-

res temporais nestes últimos trinta anos. Desta Igreja marcada pelo Padroado nos seus

quatro séculos de existência no país ou pela recomposição da aliança com o Estado a

partir dos anos 30, pela ação do Catolicismo Romanizado e de seus Bispos reformado-

res, no que se chamou de "Neo-Cristandade"; assiste-se nos tempos atuais uma experi-

ência de autonomia face ao poder Estatal.

Verifica-se uma lenta valorização do laicato, sempre marcado pela passividade e

dependência do clero. Experiências como as da CEB's e dos novos Movimentos de lei-

gos ensejam uma superação da dicotomia Igreja/mundo e apontam a perspectiva que

Greinacher situa como: "não é para deixar a responsabilidade da Igreja nas mãos de seus

servidores (clero) que o povo de Deus é o responsável pela Igreja". Embora encoraje-se

a participação social dos seus membros, quanto a participação eclesial interna existe

muitos obstáculos e restrições (GREINACHER, N. 1994)

Pela força de sua tradição e identificação com a cultura nacional que redunda nu-

ma penetração capilar nas reentrâncias da nossa sociedade, isto gera uma manutenção

de laços com a população que possui outras práticas religiosas embora considere o Ca-

tolicismo como a Religião: "religião que se nasce e que se tende a permanecer". Nos

momentos de crise procura-se o terreiro de Umbanda ou o Centro Espirita, mas retoma-

se a Igreja quando a situação estiver sanada. A filiação Evangélica é a tradição que es-

capa ao centro inclusivo católico. (ANTONIAZZI, A. 1990) Talvez por isso, a Igreja

continue mantendo uma atitude passiva quanto a evangelização missionária: "espera que

o povo a procure", sendo a atitude pastoral básica apenas zelar e manter o rebanho cons-

tituído (ANONIAZZI, A. 1990). O avanço das "seitas pentecostais" tem colocado para a

Igreja esta preocupação e alerta Junto com a percepção do seu despreparo frente a utili-

zação dos meios de comunicação de massa: a mídia. Contudo, alvissareiramente as dis-

cussões em tomo da forma de evangelizar levando em conta as culturas e a perspectiva

de "inculturação" a coloca no rol dos novos paradigmas e experiências da contempora-

neidade.

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PROTESTANTISMO

Segundo a definição de Levile D'Epinay por protestantes se designam "grupos que

praticam a confissão do Deus Trino e do principio da Reforma, 'sola escriptura'". Este

ramo do Cristianismo origina-se de quatro acontecimentos de ruptura com a autoridade

papal: o retorno as primeiras comunidades, a rompimento da Igreja da Inglaterra, a Re-

forma Luterana e a Instituta de Calvino. Numa tentativa de classificação podemos tentar

uma generalização destas Igrejas e movimentos no conceito de Protestante, que é uma

nominação histórica quando os príncipes luteranos em 1529 reunidos na Dieta de Spira

protestaram frente a Ferdinando irmão de Carlos V contra o recuo na Reforma. Porém

esta classificação apresenta alguns problemas: um primeiro, é que os Batistas que confi-

guram o campo são anteriores a Reforma; segundo que o nome terminou por tornar-se

um estigma pois a propaganda católica alardeava que assim o eram porque "protestavam

contra Deus". É ainda uma classificação em voga, principalmente nos trabalhos acadê-

micos e teológicos, ou ainda como algumas Igrejas históricas aceitam ser chamadas.

Uma segunda classificação, a de Crente, parece se colocar, ela parte de um conceito

interno dos missionários significando "aquele que escolhe Jesus" abandonando a antiga

vida. Contudo passou a ser carregado de preconceito ficando associado aos pentecostais,

"categoria inferior" de Igreja. A categoria Evangélicos parece representar uma universa-

lização de todas as denominações, expressando as Igrejas cristãs nâo-católicas.com a

vanagem de ser um conceito do ponto de vista interno do campo, nele se autodenomi-

nam tanto Igrejas Históricas ou tradicionais quanto pentecostais e Renovadas.

Embora hoje pela popularidade das Igrejas penecostais este nome esteja mais uma

vez associado a estas Igrejas (OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de, 1984). Vale dizer, por-

tanto, que para além das classificações generalizantes, um evangélico ou protestante se

dirá principalmente ser batista, metodista, presbiteriano, congregacional ou membro da

Assembléia de Deus, Brasil para Cristo, Universal etc. ou seja de sua denominação ou

Igreja.

Para efeito de nossa tipificação, proporemos a seguinte classificação já mais ou

menos consagrada nos estudos do Protestantismo no Brasil: Igrejas de Imigração; Igre-

jas de Missão ou Conversão e Pentecostalismo.

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PROTESTANTISMO DE IMIGRAÇÃO (1824)

Surge no Brasil a partir de 1824 através da Imigração principalmente de colonos

alemães de origem Luterana e súditos ingleses de origem Anglicana, mas também de

holandeses, suíços e escandinavos: luteranos, congregacionais, batistas e menorias (ana-

batistas históricos). Vivem um Isolamento geográfico, étnico e lingüístico, muitas vezes

vitimas do preconceito de serem estrangeiros e acatólicos num pais regido quase que

pela cultura de uma "Neo Cristandade". Não votavam e nem eram elegíveis. Até 1860

seus matrimônios não eram válidos vivendo em situação de concubinato perante a lei.

Não podiam se sepultados em cemitérios públicos, tendo que criar e manter seus pró-

prios templos que não podiam ter forma exterior que demonstrassem sua finalidade

(DREHER, M. 1984). Segundo Mendonça, mantém ao longo de sua história até os tem-

pos aluais um crescimento vegetativo no seio da população brasileira, acompanhando o

crescimento populacional dos imigrantes. Por não se encontrarem monitorados pela

cultura estrangeira, notadamente norte-americana, como foi o caso das Igrejas de Mis-

são podem, segundo este autor. lograram realizar um ajustamento na cultura brasileira

(MENDONÇA, A. G. 1990)

PROTESTANTISMO DE MISSÃO (1835/1870)

Inicia-se a partir de 1835, ganhando impulso em 1870 com a proliferação das mis-

sões norte-americanas de metodistas, presbiterianos e batistas que através das "socieda-

des bíblicas" visavam a difusão da Bíblia e a organização das "escolas dominicais" para

o estudo do Evangelho. Patrocinado por funcionários do governo dos EUA no Brasil na

esteira do proselitismo do modelo norte-americano do "progresso anglo/saxão e protes-

tante" como quinta-essência do padrão civilizacional, buscaram através da fundação de

Escolas Americanas e do seu processo pedagógico atingir uma elite nativa e criar uma

mentalidade religiosa associada ao progresso.

De todas essas missões á que mais se expande é a Batista, pela sua capacidade de

incorporar a população leiga na evangelização (característica que também irá se eviden-

ciar nos pentecostais) (DREHER, M. 1984). Esta postura missionária arrojada e conver-

sionista não tardou entrar em choque com o Catolicismo hegemônico que passou articu-

lar de sua imbricação no Estado para neutralizar aquele "ideário exógeno": multas foram

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estabelecidas contra a divulgação de literatura protestante, assim como punições a fun-

cionários públicos e militares que freqüentavam os cultos protestantes ele.

Com o avento da proclamação da República e a conseqüente separação da Igre-

ja/Estado a disputa entre Catolicismo e Protestantismo missionário acirra-se, pois de um

lado o Catolicismo se livra da tutela do Estado, podendo assim se apresentar autono-

mamente à sociedade brasileira com sua versão romanizada, impondo a esse mesmo

Estado, suas condições de força ideológica e eleitoral, baganando em seu favor conces-

sões em áreas estratégicas da sociedade como o ensino e a saúde; por sua vez o protes-

tantismo missionário se livra dos constrangimentos oficiais do Estado Confessional

quanto a sua livre propaganda, associando-se a maçons e a positivistas na polêmica com

a Igreja Católica. Por sua vez assistimos agora, demonstrações de intolerância religiosa

provinda dos protestantes, quando batistas e presbiterianos negavam a validade do ba-

tismo católico quebrando a tradição latina e cometendo donatismo explicito (DREHER,

M. 1984)

O Protestantismo missionário foi considerado por Gouveia de Mendonça como um

"corpo estranho a sociedade brasileira". institucionalizando-se enquanto uma "sub-

cultura" na sociedade brasileira "latina". Na contra-mão da cultura hegemônica conse-

guia atrair os extratos sociais descontentes com a maioria ao oferecer os seguintes atra-

tivos: independência pessoal na obtenção da salvação, ética ascética aos que não esta-

vam satisfeitos com a sociedade brasileira desajustada, desigual, sincrética acomodada e

misturada. ao invés do lazer e preguiça oferece o modelo do trabalho, ao invés do des-

perdício oferece o paradigma da poupança; seus adeptos não bebem. não fumam, são

diligentes contrários ao "jeitinho"; oferecem a centralidade do leigo frente a uma menta-

lidade clerical; o lema do "individualismo conversionista" produzirá uma ética individu-

alista altamente excludente ao ambiente cultural majoritário. Com isto reforçam a linha

demarcatória face aos valores da sociedade brasileira.

Contam com o apoio de instituições norte-americanas que injetam recursos e ener-

gias nestas Igrejas através de organismos para-eclesiásticos, expressando a extrema di-

reita teológica de caráter conservador.

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Porém no cômputo geral se identificam com os valores da sociedade americana da

liberdade/responsabilidade/êxito e prosperidade base da ideologia capitalista tão bem

traçada por Weber.

PENTECOSTALISMO (1910)

Se constituiu na expressão popular do Protestantismo no Brasil, pois ao contrário

das Igrejas Históricas logrou um crescimento vertiginoso nos setores empobrecidos da

sociedade pela sua capacidade de conjugar-se à sua cultura e de dar um sentido as suas

indagações mais sentidas. Seu crescimento está associado as transformações radicais

porque passou nosso pais: processo desordenado de industrialização, urbanização, êxo-

do rural, acarretando uma concentração populacional nas periferias de um contingente

desenraizado e marginalizado que encontrou na mensagem desafiadora de Salvação

integral dos pentescostais uma alternativa para sua situação de anomia.

A eficácia do anúncio pentecostal reside na sua postura de romper um esquema hi-

erárquico secular da nossa sociedade onde só a elite é concedida a faculdade de ensinar

e curar. Através do Pentecostalismo cada "crente" pode tomar-se um vocacionado de

Deus, ministrar os ensinamentos bíblicos e curar. No entendimento de Dreher. o fenô-

meno se expressa no quadro de que não são mais especialistas e teólogos que difundem

a fé mas "povo pregando para povo" (DREHER, M. 1984). Excluídos das benesses da

Sociedade e do Estado: Saúde, Educação, direitos cidadãos pela senda da Salvação al-

cançam Jesus que os cura, a Bíblia como único conhecimento valioso e a Igreja como

único espaço puro no mundo, ao se confrontarem com um sistema que os nega o con-

sumo mais básico. passam a considerar esta dimensão maligna: o "crente" não bebe, não

fuma, não vai ao cinema, não vê televisão; a mulher "crente" não acompanha a moda.

não se pinta etc. (DREHER, M. 1984 p. 116). Ao negar o sistema imperante como o

espaço do Diabo, congregando-se em comunidade alternativas de "salvos", passam da

condição de rejeitados a rejeitadores.

Ligados na sua origem a missões protestantes estrangeiras ganharam autonomia,

constituindo-se hoje em grupos explicitamente nacionais. Sua gênese se dá pelo rompi-

mento dos setores populares autóctones. membros de denominações estrangeiras tradi-

cionais em missão no país, que não se adaptaram a complexidade da exegese bíblica e

ao monopólio desta decifração exercido pêlos missionários estrangeiros. Pela via do

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Pentecostalismo encontraram a Salvação na revelação direta do Espirito Santo expressa

no fervor dos cultos.

O central nesta religiosidade é o que se passa no Culto, o "batismo do Espirito do

Santo" daí porque importar menos as formulações teológicas ou os modelos de Igreja

(podem ser congregacionais. consciliares ou episcopais); o importante é que dêem tes-

temunho de uma nova forma de Igreja ("viva", "reavivada", "Nova Reforma") O culto

parte de um texto bíblico ou um hino etc para chegar-se ao final com a exaltação de

Jesus e a presença viva do Espirito Santo com a manifestação dos seus dons.

Dentro do melhor estilo protestante, o testemunho é fundamental neste rito de passa-

gem, que passa pelas seguintes fases de ascese, cura e transformação: maldi-

ção/conversão/benção. Para tal não se requer sofisticada argumentação teológica mas

fundamentalmente convicção e emoção e exortação para a "aceitação de Jesus" com seu

corolário de Salvação que implicará no traçado de uma linha demarcatória entre os "sal-

vos" e os "perdidos"

Segundo Fernandes, a conviccção desta fé pentecostal causa estranheza na forma

de religiosidade brasileira mais comum, marcada pela centralidade da idéia de Proteção

conferida por parte dos Santos. Guias, Espíritos, Orixás. Anjos da Guarda àqueles que

com eles se relacionam através de promessas, obrigações e boas obras. A relação com a

divindade derivar numa mudança radical de vida parece ser exigência acima das expec-

tativas desta nossa religiosidade, que não raro causa desconfiança e ironia.

Desta forma, quando os pentecostais acenam com a Salvação que trará um "novo nas-

cimento" e o surgimento de um "salvo" terminam por chocar o senso comum com sua

marca distintiva da autoconfiança, munidos da abundância de dons a desafiar todos os

males como: pobreza, desemprego, droga, luxúria e até o próprio dinheiro "entregando-

o ousadamente para a obra de Deus, de quem são parceiros" (FERNANDES. R. C. 1989

p. 4)

Como fenômeno ainda em transição, nota-se nas Igrejas pentecostais mais antigas

indícios de institucionalização, hierarquização e sistematização de doutrina (constitui-

ção de Escolas Dominicais, construção de templos nas áreas não periféricas das cidades,

pregação mais fundamentada teologicamente). Como conseqüência dessas mutações.

surge também outra vertente no pentecostalismo, que segundo Gouveia de Mendonça

são as "igrejas de Cura Divina", marcadas pela "libertação" dos males físicos e mentais

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(obras de Satanás) de uma clientela. Estas igrejas centrariam suas atividades em curas

através da expulsão de demônios e exus, e possuiriam uma solidariedade interna frouxa.

tendo mais uma clientela que fiéis e em decorrência disto, incorreriam na "exploração

econômica", desta clientela. Por outro lado, outros autores como Monteiro, apresentado

na tese de Paul Freston (Monteiro, 1979), relativizam as teses da dinâmica de expansão

de um chamado "baixo pentecostatismo". Segundo ele uma comunidade para viabilizar-

se e expandir-se necessita de uma base sólida de adeptos regulares/missionados para o

seguimento de uma causa e possuidores de uma identidade distintiva, e este parece ser o

caso destas denominações ditas "setas". Quanto a questão da exploração econômica,

muitas das grandes igrejas institucionalizadas e históricas, mantém sem problemas, uma

clientela mais descompromissada que faz ofertas em dinheiro.

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