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J. REIS GOMES Da Academia das Ciências de Lisboa O CAVALEIRO DE SANTA CATARINA (De Varna à Ilha da Madeira) Trabalho lido na sessão de 23-1-1941, da academia das Ciências de Lisboa, e aprovado para publicação nas Memórias da mesma Academia MCMXLI

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J. REIS GOMES

Da Academia das Ciências de Lisboa

O CAVALEIRO

DE

SANTA CATARINA

(De Varna à Ilha da

Madeira)

Trabalho lido na sessão de 23-1-1941, da academia das Ciências de Lisboa, e aprovado para publicação nas Memórias da mesma Academia

MCMXLI

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O Cavaleiro de Santa Catarina

(De Varna à Ilha da Madeira)

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DO AUTOR 3

O Teatro e o Actor Esbôço filosófico da arte de representar. 2.' Edição-Esgotada; Histórias Simples Livro de contos - Esgotado. A Filha de Tristão das Damas Novela madeirense - Esgotada. Guiomar Teixeira Peça histórica-3.ª Edição. A Música e o Teatro Esbóço filosófico - Esgotado. Acústica fisiológica A Voz e o Ouvido Musical Portugal -Brasil Alocução e mensagem - Esgotado. Forças psíquicas Ensaio filosófico - Esgotado. O Belo Natural e Artístico Definição da Obra de Arte Comunicação à Academia das Ciências Figuras de Teatro Colectânea. Através da França, Suíça e Itália Diário de viagem. Três capitais de Espanha Burgos -Toledo -Sevilha O Anel do Imperador Memória apresentada à Academia das Ciências. Natais Contos e narrativas. O Vinho da Madeira Monografia Casas Madeirenses Com a colaboração artística do Arquitecto Edmundo Tavares O Cavaleiro de Santa Catarina Memória apresentada à Academia das Ciências.

(*) Esta peça foi vertida para o italiano pelo Eng.° Virgílio Biondi sob o titulo de La Figlia del Vice-Ré, e representada, no Teatro Municipal do Funchal, pela Companhia Vitaliani-Duse (1914).

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J. REIS GOMES

Da Academia das Ciências de Lisboa

O CAVALEIRO

DE

SANTA CATARINA

(De Varna à Ilha da Madeira)

MCMXLI

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Composto e Impresso nas Oficinas do DIÁRIO DA MADEIRA – Largo do Pelourinho, 38 – FUNCHAL

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0 Cavaleiro de Santa Catarina

À Academia

das Ciências

de Lisboa:

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Senhor Presidente,

Ilustres Confrades:

MAIS uma vez trago ante Vossas Excelências uma curiosa tradição da minha terra.

A voz do povo madeirense desde há muito afirmou - agora anda a lenda em parte alterada e diluída -que, nos primeiros tempos da colonização da Ilha, aqui se estabeleceu um estrangeiro de estirpe real e vulto histórico de renome, renome derivado, ao mesmo passo, de suas qualidades pessoais, entre elas a Fé, a magnanimidade e a coragem, e dos trágicos sucessos militares, religiosos e políticos em que se achou envolvido.

Êsse homem, jovem ainda quando apareceu na Madeira, foi, nesta, senhor dos domínios vastos que formam hoje a infeliz região da Madalena - tão torturada pela fúria das torrentes - aqui consti-

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tuíndo família e morrendo, desastradamente, sob uma quebrada abatida do Cabo Girão, quando do Funchal se dirigia para as terras da sua sesmaria. Apresentou-se com o nome de Henrique Alemão, nome em que os habitantes sempre viram um disfarce da sua identidade, pois a todos ocultava sua origem, crendo-se que só talvez o donatário então, Gonçalves Zarco que o tratava com «mui particular respeito», conheceria tal mistério.

Os Nobiliários da Ilha dão-no, vagamente, como «um príncipe polaco milagrosamente salvo da Batalha de Varna»; mas a tradição oral, séculos antes formada, apontou-o desde logo como o próprio Ladislau III, o infausto rei da Polónia que, em 2444, se defrontou com Amurate II,

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da Turquia, e fôra por êste derrotado nessa memorável batalha, aí desaparecendo - ou morrendo como a história escreveu e propagou. Não o creu assim o povo polaco que durante muitos anos esperou o seu regresso, buscando-o por toda a parte, nem a gente madeirense que, ao tempo, conheceu os factos, de largo éco, que lhe disseram respeito, combinando-os em seu espírito, porventura, impressionável.

Expressamente, o digo: não venho trazer-vos uma documentação histórica, mas explicar apenas, como se formou a insistente tradição a que os nobiliaristas, muito depois, deram um ar menos concreto que não altera, na essência, o que até êles se disse e, com convicção, se acreditou.

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É de notar que a lenda - chamemos-lhe assim - não podia gerar-se na alma da gente inculta, pois esta conservava-se, muito naturalmente, ignorante dos sucessos históricos, pormenorizados, em que a mesma se baseia. Com tôda a evidência, ela manou de espíritos doutos; e de vozes doutas a ouviria o povo que, pelo tempo fora, a nutriu e lhe deu corpo.

A guerra em que à data se encontrou Ladislau III, tem, pelas suas origens político-religiosas, acentuada semelhança com a catástrofe de Alcacer-Quibir. Como nesta, há o desaparecimento dum rei audacioso e moço impulsionado para a luta - acima de tudo - por cega e ardente fé religiosa.

Ora, os Nobiliários Madeirenses são

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dos séculos XVIII e XIX; e os seus autores, talvez, por pudor intelectual, não querendo, nem de longe, parecer «sebastianistas», alteraram a tradição - bem que num único ponto - substituindo a figura de Ladislau pela de um incerto príncipe, salvo da cruenta batalha justamente como dela poderia ter saído o heróico e infausto rei - que ninguém, seguramente, viu morrer ou encontrou morto na refrega.

Crendo-se doutos, e com os prejuízos que, não raro, acompanham certos pruridos de cultura, tiveram por prudente afastar-se da crença popular - na sua época, tão mal vista, por insubsistente e grotesca quanto à sobrevivência do monarca português - sem atenderem a que, se os polacos foram de algum modo «sebastianistas», esperando, demasiado tempo, a volta

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do seu rei, - o povo madeirense, êsse, deu-lhe como termo de vida, iniludível, o desastre do Cabo Girão...

O texto dêste trabalho explica - não digo: justifica - como, conjugando os factos históricos de 1444, na Polónia, com as singulares circunstâncias que cercaram, na Madeira, o senhor da Madalena, nasceu a tradição a que me reporto aqui, tradição que, repito, só pôde partir de pessoas ilustradas com o conhecimento minucioso dêsses factos.

O respeito, tão particular e tão profundo, que Zarco dispensava a Henrique Alemão; a sua baixela à parte, em casa do donatário - que era quase um vice-rei; as suas relações secretas com o monarca português, que lhe mandou barco especial

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para o conduzir à Corte; a vinda à Madeira, expressamente, dos monges polacos que lhe reconheceram a identidade; a reserva do Infante D. Henrique e de D. Afonso V, ao evitarem, ambos, o nome dêle na Carta de sesmaria e na confirmação respectiva, tratando-o, apenas, por Cavaleiro de Santa Catarina - o que tudo atestam os Nobiliários - são, entre outros, particulares que se não ajustam bem à condição dum simples e inominado príncipe.

Doutra parte, não é fácil compreender-se o motivo por que êste príncipe, que peregrinou, apenas, «em. acção de Caraças por se haver salvo da catástrofe de Varna» - e, portanto, sem quaisquer razões de ordem política ou moral para esconder a sua pessoa e o seu nome - se obstinou, sempre, em negar a sua quali-

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dade, tratando por «loucos» os que o reconheceram na Madeira, ocultando-se tão longe e renunciando a tudo que se ligasse com a sua vida e posição na Polónia, como se tivesse vergonha ou remorso de condenável acção praticada contra Deus ou contra a Pátria.

Isto que não é natural num simples combatente - fôsse êle plebeu ou príncipe - salvo duma derrota, é de todo o ponto verosímil, quando à sua figura se substitua no quadro o vulto de Ladislau III, o que ao diante se mostra sob a clara luz da História.

A lenda, incerta embora, estabeleceu-se como se verá sôbre presunções e paralelos lógicos, e em factos que seguiram de perto a informação histórica

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Senhor Presidente,

Ilustres Confrades:

Poderá parecer por demais desenvolvida em relação ao todo, a primeira parte dêste singelo trabalho.

Mas para bem compreender-se, nêste ponto, a minha prática, será preciso atentar que a lenda dá a Madeira como a pátria adoptiva dêsse rei, infortunado mas célebre por suas acções e até por sua própria desgraça, terra que êle elegeu para o seu exílio, onde criou família e uma vida nova, e onde tão lamentavelmente faleceu. Trata-se de personagem do mais interessante psiquismo -cheio de claro-escuro, é certo, - dum monarca

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poderoso que cingiu duas corôas e em cujos feitos há lances da mais épica grandeza - e, eu, sou madeirense...

Mas outra razão mais forte, por menos sentimental, me impeliu a ir tão longe. Considerei - mal talvez - que essa lenda deixaria de explicar-se, inteiramente, se eu não desse do infeliz monarca suficientes anotações do seu carácter, da sua posição política, das circunstâncias que precederam a Batalha de Varna e a determinaram, dos episódios ocorridos nela e, ainda, dos que se seguiram ao famoso esmagamento das armas polaco-húngaras. Demais, muitos dêsses episódios-factos, coincidências, vaticínios - são indispensáveis para cotejo com o conteúdo de tôda a segunda parte, que tanto é dizer: para a inteligência da formação da mesma lenda.

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Entre as obras que consultei, escolhi, por mais minuciosa, no período que me interessava, «LA POLOGNE - Historique, Littéraire, Monumentale et Pittoresque», redigida por uma Sociedade de Escritores Polacos, edição de Paris (1836-1837), e que vai referida, a par e passo do texto, nas minhas Notas finais. Segui-a, de preferência, não só por sua particular autoridade, mas por ser o livro de História que mais e melhores elementos me oferecia para o fim a que eu visava.

Em tôda a segunda parte, fazendo-me éco da tradição oral, apoiei-me aos elementos, que fundamentalmente a seguem, constituídos pelos Nobiliários que nas aludidas Notas vão citados.

O pouco de ficção ou de arranjo que há neste trabalho, serviu apenas para dar

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certa seqüência à narrativa, esclarecer, logicamente, alguns lugares obscuros e pôr em evidência - para melhor explicar a tradição vários pontos de especial interesse que, doutro modo, ficariam apagados.

Ainda que não me propusesse, insisto, fixar um facto histórico, - como Vossas Excelências verão, procurei, sempre, respeitar a história e, interpretando-a, cingir-me à letra da tradição escrita.

Quinta Esmeraldo

S. Martinho

Madeira-Outubro-1940

J. REIS GOMES

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PRIMEIRA PARTE

LADISLAU III, DA POLÓNIA

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0 Cavaleiro de Santa Catarina

PRIMEIRA PARTE

LADISLAU III, DA POLÓNIA

CAPÍTULO PRIMEIRO

O TRATADO DE PAZ

O ano de 1444, era rei da Polónia Ladislau III, primogénito de Ladislau Jagello segundo monarca desta nobre dinastia. Tinha apenas dez anos, à morte de seu pai, e, logo aos quinze, atingindo a maioridade, recebeu da clerezia e da nobreza o árduo encargo de reinar nêste país de tão agitada e complexa política.

Como se à sua fronte adolescente não bastasse o pêso duma corôa, outra lhe estava reservada ainda, dentro dum futuro muito próximo.

Por morte do imperador Alberto, a Hungria,

ameaçada pelos turcos, aspirava

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24 O CAVALEIRO DE SANTA CATARINA a uma íntima e forte aliança com a Polónia. Mas, entre os húngaros, havia indecisões; desfê-las, porém, o aparecimento dum homem chamado João Corvin, conhecido, depois, por Huniade - alcunha tirada do forte, do mesmo nome, nos confins da Transilvânia - e filho natural de Segismundo, da Hungria.

Espírito, a um tempo, prudente e enérgico, corajoso e de altos dotes estratégicos, Huniade parecia destinado a ser a alma da defensão da sua pátria. E logo compreendeu que a salvação da Hungria estava na assistência militar, sólida e efectiva, que lhe prestasse a Polónia: assistência só viável pela fusão dos dois reinos.

Por sua iniciativa, uma brilhante embaixada veio a Cracóvia oferecer a corôa húngara ao jovem rei polaco. Entre os magiares, contudo, davam-se mais tarde dissensões provocadas pelo partido de Isabel, a imperatriz viúva, que, grávida à morte do marido, não desistia de vêr na cabeça do filho recem-nado a corôa de Santo Estevão. Nêste passo, Huniade colocou todo o seu prestígio do lado de La-

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O. TRATADO DE PAZ 25 dislau que, a despeito dessas lutas, foi coroado rei dos húngaros.

Mas, nem por isso serenaram os ânimos. Interveio então, conciliando, o Cardial

Cesarini, legado do Papa Eugênio IV. Cesarini, hábil diplomata, que já captara as boas graças do rei, conseguiu, entre êste e a imperatriz-mãi, um encontro para a conclusão da paz interna, sendo uma das condições - a primeira - o casamento da primogénita de Isabel com Ladislau III. O enlace ficou justo - bem que os noivos nem sequer se conhecessem, nem o casamento viesse a realizar-se. E o monarca da Polónia tornou-se assim, de facto e de direito, o indiscutível rei da Hungria.

Êste país, porém, continuava cada vez mais

ameaçado por Amurato II que, recentemente, invadira a Transilvânia e a Sérvia.

Os turcos estavam já na posse de algumas regiões do império grego, tanto na Ásia como na própria Europa. Constantinopla bradava por socorro; e o legado de Eugênio IV procurava opôr aos pro-

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26 O CAVALEIRO DE SANTA CATARINA gressos do grão-turco as forças coligadas dos dois países cristãos. Ladislau III, grave, acolhedor, justo, activo e profundamente amado do seu povo - no que o ajudava, até a esbelteza natural e seu porte majestoso -, tinha então vinte e um anos e possuía ao máximo inclinações guerreiras, a par da mais ardente fé religiosa. Fàcilmente se penetrou da idea de combater a Turquia. E foi decidida a guerra.

Huniade, ao tempo, palatino da Transilvânia e chefe do exército húngaro, pôsse resolutamente ao lado de Ladislau e avançou de encontro aos otomanos, inflingindo-lhes, por superiores dotes militares, formidáveis e consecutivas derrotas. O rei, que com suas forças lhe seguia os passos, reúne-se ao caudilho e, ambos, junto ao monte Conobiza, numa última batalha em que o irmão de Amurate ficou morto, bateram totalmente as fôrças turcas.

Ladislau, temerário, ia tendo a sorte dèste chefe maometano. Salvou-o, João Huniade - o seu Segismundo, como na intimidade lhe chamava-o que ainda

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O TRATADO DE PAZ 27 uniu mais os corações dêstes dois homens.

Fêz-se então, entre os dois adversários, um Tratado de Paz a pedido de Amurate, com pesadas condições para os otomanos.

Este tratado, que duraria dez anos, foi ratificado em Szeged, a 15 de Julho de 1444, e escrito nas duas línguas, sendo confirmado solenemente pela fé do juramento. O rei da Polónia jurou sôbre os Santos Evangelhos, e o sultão da Turquia jurou sôbre o alcorão.

Amurate, confiante, foi descansar para a Ásia das fadigas e preocupações da guerra. Mas Ladislau logo se arrependeu dêste convénio que aceitara apenas pela falta ou impossibilidade de auxílio das outras potências cristãs.

E, dez dias após êsse solene compromisso, mais exaltada sua Fé por sugestões de muitos que o cercavam, o rei de terminava invalidar o pacto com o sultão. Outros conselhos tinham vindo já néste sentido. A carta do imperador grego, João Paleólogo, essa, dava o retiro de Amurate

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28 0 CAVALEIRO DE SANTA CATARINA na Ásia, como a circunstância mais oportuna e decisiva, a aproveitar, para a aniquilação do poder turco na Europa.

Convencido da inanidade dum juramento prestado ante infieis, Ladislau, - depois de magno Conselho em que Cesarini tomou parte - resolveu a nova guerra.

Huniade que sempre induzira o rei a respeitar seu santo compromisso, deixou-se vencer, contudo, pelo ardor entusiástico do monarca, jovem, como êle, seu amigo e irmão no fervor religioso.

E tudo, entre os dois, ficou assente a defesa da cristandade e a segurança de seus próprios países impeliam-nos a de novo avançar contra a Turquia.

Era duns dez mil homens o exército polaco-húngaro a que se lhe juntaram cinco mil soldados sob o comando de Drakul, hábil guerreiro e Príncipe da Valáquia.

Drakul, bem que sabedor e ousado, não vinha de ânimo seguro: não tanto pela grande superioridade das fôrças do sultão, mas, sobretudo, pela predição fu-

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O TRATADO DE PAZ 29 nesta duma pitonisa búlgara que dava esta guerra como fatal para os cristãos, fundando-se no violento abalo de terra que, no próprio dia em que o convénio foi rasgado às mãos de Ladislau, sacudira tôda a Hungria, (1) como se o orbe se revoltasse, até o íntimo de seu seio, contra a falta a um juramento feito, ao mundo e aos Céus, no santo nome de Deus.

E a vidente concluía: - « Esse príncipe, se escapa à guerra,

morrerá, violentamente, de morte inglória!» A profecia correu, célere, entre os exércitos da Cruz, ensombrando por momentos, o claro e vivo olhar do rei cristão. Mas lá estava Cesarini, para varrer-lhe do espírito o resto da superstição nêle deixada pela voz da velha bruxa.

Os exércitos cristãos, levando Huniade em sua

guarda-avançada e Ladislau no grosso da coluna, atravessaram as planícies da Bulgária, em róta longa, mas muito mais segura, para a Turquia europeia. De caminho, foram tomadas muitas vilas, praças e cidades, entre estas, Varna – a

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30 O CAVALEIRO DE SANTA CATARINA «Constantia», dos antigos - ao tempo, praça turca no principado da Bulgária.

O rei chegava a Varna, justamente, quando soube a terrível e inesperada nova: o sultão tinha saído da Ásia e já passara à Europa à frente de quarenta mil homens, desembarcando no Bósforo. As tropas de Amurate, transportadas por barcos genovezes, acudiam em marchas forçadas, e estabeleciam-se a cêrca de três quilómetros do acampamento cristão.

Huniade propôs, em Conselho de Guerra, que o exército polónio-húngaro tomasse a iniciativa do ataque em campo raso, proposta logo aceita pelo moço e heróico rei.

Rápido, se dispõem as fôrças para a batalha. Flutuava, entre os magiares, o estandarte

negro da Hungria, enquanto os polacos se uniam sob o antigo pavilhão de São Ladislau. Ao centro estava o rei ladeado por cincoenta brilhantes cavaleiros, na maior parte príncipes polacos e húngaros, todos esbeltos e jovens como êle. Junto de Ladislau ficava Estevão de Bathor

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O TRATADO DE PAZ 31 com a bandeira de São Jorge. O bastardo de Segismundo trotava ou corria por tôda a parte a dar ordens, na sua missão de general em chefe.

À frente do campo de Amurate, seguia um fôsso, defendido por palissadas, em cujo bôrdo se erguia uma alta lança com o Tratado de Paz violado pelos cristãos. Amurate impunha-o, assim, aos seus soldados, como documento da perfídia do inimigo, implorando a protecção de Deus para a punição do perjúrio. (2)

Pouco depois de fixada a haste com o símbolo da traição, levanta-se um repentino e furioso vendaval que despedaça os estandartes húngaros e polacos, poupando apenas o de Ladislau Tu. (1)

O Tratado de Paz, êsse, continuava a oscilar no campo turco. Dêste lado, o facto foi considerado de mau presságio para o exército cristão.

Mas a bandeira de São Jorge também estava intacta, junto de Ladislau.. . ~ Prenúncio - cogitavam muitos - de que da batalha se salvaria o rei ?. .

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C A P Í T U L O S E G U N D O

NA BATALHA DE VARNA

A I N D A o pó, revólto, turvava a limpidez do ar, quando Huniade deu ordem para o ataque.

Prepararam-no os besteiros que inundam o campo adverso com um aluvião de setas, arremêsso em que húngaros e polacos são particularmente destros. Os turcos respondem logo; e a seguir dá-se o assalto à arma branca, confundindo-se os dois adversários na refrega.

Carnificina horrível em que, morto Karadja, bei de Anatólia, as tropas otomanas, abatidas, entraram em viva debandada. O pânico apoderou-se, irresistivelmente, dos filhos de Mafoma.

Em volta do sultão ficara, apenas, a sua guarda de janízaros, além de alguns beis velhos, mais fanáticos. Os outros, achavam-se ocultos ou dispersos..

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34 0 CAVALEIRO DE SANTA CATARINA

Parecia que ainda desta vez o crescente seria vencido pela Cruz. Mas Amurate, pálido, embora, estava firme e confiante. De olhos fitos no Tratado, rogava a Allah, com fervor, o seu justiceiro auxílio.

A cavalaria polónio-húngara, composta de atléticos guerreiros cobertos de armaduras que soltam, das espaldas, fortes e extranhas asas, esperava insofrida o momento da sua intervenção. Os cavalos relincham inquietos.

Súbito, ressoa um brado : - «Por São Jorge!.. . » É a voz do rei. Estêvão de Bathor, num gesto alto, levanta o estandarte.

No mesmo instante, Ladislau cercado dos seus príncipes de ferro-como êle, ambiciosos de glória- rompe a galope, de comêço, curto, preparando a arremetida heróica: um dêsses épicos lances em que se celebrizaram, sempre, os esquadrões polacos.

Amurate, sereno, mas com o olhar chispante de ódio, ordena à sua guarda - Isolai-o dos companheiros. Êle virá sô-

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NA BATALHA DE VARNA 35 bre nós, como um javali ferido. Afastai-vos e, num relâmpago, envolvei-o em vosso círculo. i Matai-o - rugiu com voz cava -e praticareis uma santa acção, perante Deus e o seu profeta!» (1) E um velho bei remata, comungando na sanha do sultão - Que o castigo do traidor vá, se a tem, até a sua descendência !. . .

Declina o sol. O rei vai à frente, agora, em tôda a beleza

da sua figura de moço e de guerreiro. A distância encurta, e acelera-se o galope. A

um gesto seu, a bandeira de São Jorge dá o sinal, e a carga é desferida...

Os cavalos somem-se, roçando o solo arroxado à luz sanguínea do poente. Só se vê, na investida impetuosa, a faixa ondulante daqueles monstros de aço que projectam as asas, hirtas, no cinzento - rubro do horizonte.

As polidas armaduras, chispando e refulgindo, isolam-nos do chão pulverizado em rôlos de nuvens pardacentas. É uma legião, mítica, de dragões, que corta o ar na direcção do campo turco.

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36 O CAVALEIRO DE SANTA CATARINA

A certo espaço do fosso, Ladislau dobra-se mais na sela, acicata o seu corcel alado que transpõe trincheira e sebes, e, enristando a lança, arremessa-se num vôo sôbre a tenda do sultão. Outros e outros cavaleiros se lhe seguem... E a violenta erupção polaca não permite aos turcos o projectado isolamento.

Contudo, a ordem de Amurate foi cumprida. Um janízaro conhecido, entre os seus, por

Akteché - homem de pele e cabelos claros -abaixando-se dum salto, fere fundo, a machado, uma perna do cavalo do rei. O animal baqueia, e Ladislau é lançado longe, entre turcos, húngaros e polacos mortos e feridos na peleja. Akteché, atento, seguiu-o com a vista como a fixar o sitio onde ficara; mas pouco se moveu do seu lugar.

Caíam em torno dêle, quási sobre êle, corpos de cristãos e de soldados turcos, bem que, naquéle ponto, a maior parte fossem da nobreza polaca que seguira Ladislau na vertiginosa carga.

0 janízaro, delgado e ágil, defende-se

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NA BATALHA DE VARNA 37 dêstes choques; e, aproveitando um instante demais calma na confusão sangrenta, aproxima-se do cadáver dum cavaleiro da Cruz que jaz próximo do corcel real, bate-lhe com a acha, de prancha, o rosto já contuso, e despoja-o, rápido, da armadura, como para tornar mais leve o fardo.

Nisto, chega-se-lhe um velho janízaro, de nome Khodja-Khazer, (5) que, bruscamente, o sacode pelos ombros

-Que estás a fariscar aí, sangue de perro, filho de cristãos?

-Filho de cristãos, como todos da nossa guarda, (s) menos tu e poucos mais... Fui eu que o abati - e apontava para o cadáver já desnudo -ferindo-lhe o cavalo; acabo de matá-lo, conforme a ordem de Amurate, e quero levar a cabeça do traidor aos pés de nosso amo.

-Não a levarás, que tomo conta dela. E, dum golpe, separou do tronco a cabeça do cavaleiro polaco, segurando-a pelos cabelos longos de tom loiro-cendrado.

-Toma e cala-te! - volve KhodjaKhazer, enrugando a testa sob cujas arcadas luzem os olhos negros, levemente

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38 0 CAVALEIRO DE SANTA CATARINA oblíquos, de genuíno oriental. E atirou--lhe uma bôlsa com dinheiro.

-Não falarás! Sabes bem que te conheço... e que se soltasses uma palavra sôbre o caso, essa seria a última - acrescentou, fitando-o com desdém.

Afastado da sua tenda destruida pela invasão cristã, o grão-turco que vira cair o rei, não pôde seguir tais incidentes passados em instantes.

Akteché apanhou a bôlsa, contraindo os lábios num sorriso equívoco. E, apenas se viu longe das vistas de Khazer, deitou -se entre a massa jazente dos cavalos e dos corpos de turcos e cristãos.

O velho janizaro meteu uma lança na base da cabeça gotejante ainda e correu a levá-la à presença de Amurate.

O sultão mandou fixar a haste com o macabro troféu ao lado da outra em que se via o Tratado de Paz traído pelo rei polaco. E, olhando-o com devoto júbilo, agradecia a vingança do seu Deus e o castigo do próprio Deus cristão pela execrável perfídia. (7)

Ladislau III, aquele jovem belo, gene-

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NA BATALHA DE VARNA 39 roso e heróico que era o ídolo do seu povo e o galvanizador dos seus exércitos, desaparecera da luta, caindo pouco além da tenda de Amurate.

O desânimo logo se apoderou das tropas húngaras, não sendo já possível ordená-las. Os polacos ainda feriram al guns combates singulares; mas depressa se desmoralizaram por igual.

A batalha de Varna tristemente célebre na história da Polónia, terminara ali com a trágica derrota dos exércitos cristãos.

Huniade, que voltava da perseguição do inimigo, após a primeira fase da luta que lhe fôra favorável, nada vira da catás trofe. Informado de que, do lado turco, se expunha uma face cristã, tida, pelo adversário, como a do seu rei e amigo, o caudilho fez prodígios de coragem para arrancá-la da posse de Amurate. Mas a noite já caía; e, desesperado da sorte da batalha, abandonou o campo, acompanhado dos valáquios(8).

Lá para trás, através das sombras desta noite de São Martinho, de 1444, um observador, mesmo atento e suspeitoso,

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40 O CAVALEIRO DE SANTA CATARINA mal poderia divisar dois vultos que, rastejando, se escoavam peias dobras do terreno, nessa hora, ennevoado.

No dia seguinte, os turcos encontraram, entre os que caíram sob a fúria de seus golpes, os prelados de Eger e de Grosswardein. O Cardial Cesarini, que combatera com fé e intrepidez junto a Estêvão de Bathor, lá estava com êste ainda na mesma união da morte.

Entre os valiosíssimos despojos, descobriram-se os arquivos da Coroa da Polónia nas equipagens de Ladislau III - mas nada foi achado da sua fortuna pessoal.

Amurate enviou «a cabeça do vencido» conservada em mel, (9) ao governador de Broussa, ao tempo, capital da Turquia. Lavada nas águas do Niloufer, pelo próprio enviado do sultão, o troféu foi passeado pelas ruas, na extremidade dum chuço, entre vaias e doestos da multidão fanática.

Polacos e húngaros recusavam-se a crer na morte do soberano. Uns, diziam que, feito prisioneiro, seguira para Cons-

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NA BATALHA DE VARNA 41 tantinopla; outros, que o rei errava pela Itália, e, ainda outros, que passara, a ocultas, para a Espanha. (10)

O próprio Huniade que se aproximara do humano despôjo exposto no campo turco, tentando subtraí-lo ao inimigo, não reconheceu nêle a cabeça do monarca.

O bastardo de Segismundo, por seu prestígio e pelo sangue, podia bem, nesta hora, aspirar à coroa hûngara-visto que Casimiro, considerando o irmão vivo, se recusava a aceitá-la ; afirmava, porém, não crer na morte de Ladislau. (11) Testemunho insuspeito, que, por todos os motivos, foi considerado irrefutável...

Morto ou ausente, sempre lhe sucedeu Casimiro IV na coroa da Polónia, mas depois dum interregno de três anos - alegando-se como razão da escolha a circunstância de, com ela, nenhuma mudança interna se operar quando um dia Ladíslau voltasse... (ie)

Tal era, ao tempo, e muito depois ainda, (13) o estado de espírito dos polacos, acêrca do desaparecimento do seu rei.

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SEGUNDA PARTE

QUEM ERA HENRIQUE ALEMÃO?...

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O Cavaleiro de Santa Catarina

SEGUNDA PARTE

QUEM ERA HENRIQUE ALEMÃO?...

CAPÍTULO PRIMEIRO

0 SESMEIRO DA MADALENA

Haveria uns trinta anos que a Ilha da Madeira começara a ser povoada, quando, aí por 1454, sendo donatário do Funchal João Gonçalves Zarco, chegou a esta Ilha uma «misteriosa figura» que se no meava por Henrique Alemão, também conhecido pelo Cavaleiro de Santa Catarina.

O apelido Alemão - murmurava-se seria apenas disfarce tendente a ocultar a origem desta «legendária personagem» como lhe chama Álvaro de Azevedo nas suas Notas à 1.ª edição das «Saudades da Terra», do P. Gaspar Frutuoso. (l)

Era homem ainda moço - pouco mais

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46 0 CAVALEIRO DE SANTA CATARINA de trinta anos - alto, de cabelo loiro já entremeado de cans, barba longa arredondada na ponta, olhos rasgados e azues. Sua tez branca e emaciada, vincava-se de rugas que bem pareciam precoces.

Tinha aspecto de quem sofrera muito e, mais, de quem padecia ainda profunda dôr oculta. Vestia severamente, sem excluir, no traje e em seu porte, natural elegância e distinção. Acompanhava-o, geralmente, um mordomo ou escudeiro pouco mais velho do que ele, e também de cabelo, pele e olhos claros.

Quem seriam, e qual a sua procedência?... Estava-se, ainda, nos primeiros tempos da

colonização da Ilha, e pouco se indagava da identidade dos forasteiros que, de vários cantos do mundo, a ela constantemente aportavam - sobretudo se tinham meios de fortuna ou se traziam qualquer, concreta ou vaga, recomendação da côrte.

Aqui acorriam, à mistura, nacionais e estrangeiros: pilotos, mercadores, fidalgos, operários, simples colonos, gente sem

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O SESMEIRO DA MADALENA 47 profissão e, até, criminosos de delito comum fugidos à acção das justiças de El-Rei.

Era preciso desbastar e arrotear as terras e, por todos modos, fundando lares e povoações, valorizar éste primeiro marco dos descobrimentos portugueses.

Contudo, o aparecimento dos dois homens não deixou de ferir bem fundamente as atenções gerais.

O donatário do Funchal recebia Henrique Alemão com «mui particular respeito, e concedeu-lhe, jogo após a sua vinda, a sesmaria de grandes terras na costa sul da Madeira, a cérca de seis léguas da séde da capitania, concessão de que lhe passou carta o Infante D. Henrique, em 29 de Abril de 1457, confirmada por El-Rei em 8 de Maio do mesmo ano. Nêstes documentos, Infante e Rei tratam o sesmeiro, apenas, por Cavaleiro de Santa Catarina. O desconhecido, dizia-se, apresentara a Zarco, como «credencial», uma missiva de D. Afonso V.

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48 O CAVALEIRO DE SANTA CATARINA jantava o Cavaleiro em casa do Capitão; mas, como notam os Nobiliários da Ilha, em especial lugar de honra e servido em baixela aparte, (2) restringida a pessoas de classe superior à do próprio donatário. Corria que êste uso derivava de discreta mas formal recomendação de El-Rei.

Foi nos Paços do Capitão, ao Alto das cruzes, numa de suas aparatosas recepções de quási vice-rei, que Henrique Alemão conheceu Senhorinha Anes, donzela de nobre estirpe algarvia e, então, uma morena alegre e buliçosa a constituir fundo contraste com o loiro e melancólico recem-vindo...

Solicitado pela atraente Senhorinha, Zarco apresentara-a ao seu distinto hóspede, conversando, ambos, uma tarde inteira, sensivelmente afastados da restante companhia. E, ao cabo - reparou-se-a viva e formosa moça conseguira animar aquela face triste, e dar-lhe luz ao olhar, até ali, quási apagado.

À saída, boquejava-se já que se achavam enamorados. O meio, bem que

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O SESMEIRO DA MADALENA 49 fidalgo, era estreito de mais para que não fôsse alfobre de curiosidades indiscretas.

Depois de outros colóquios, sempre em casa de Zarco, visto o Cavaleiro esquivar-se a quaisquer novas relações, propalava-se que os dois estavam noivos, comentando-se, agora, que a donzela se tornara muito menos expansiva, pois fugia claramente às preguntas das amigas sôbre a pessoa e vida do seu «Príncipe Encantado» ... Designação maliciosa e cofente entre as damas quando queriam referir-se a Henrique Alemão.

De posse dos terrenos, vastos e férteis, que lhe foram outorgados, o Cavaleiro estabeleceu-se na sua sesmaria, ali erguendo Capela sob a invocação de Santa Maria Madalena, donde o nome de Madalena ou Madalena do Mar, dado, depois, a êste domínio do litoral da Ilha. E o idílio, de um ano atrás -não se iludiram as «comadres»- terminava em casamento Henrique Alemão desposara Senhorinha Anes, (3) apadrinhado, em nome de EI-Rei, por João Gonçalves Zarco.

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50 0 CAVALEIRO DE SANTA CATARINA

Era rico o sesmeiro da Madalena. Bem que freqüentando com as espôsa os Paços do Funchal, não descuidava o cultivo e ainatilho de suas terras que depressa prosperaram à custa de diligente esfôrço e de copiosos capitais. Quando saía, ficava na direcção da casa o seu homem de confiança, êsse amigo que, embora de inferior categoria, era para êle como um segundo eu. «Prende-os, algum segrêdo», bisbilhotou-se, entre dentes, desde os primeiros dias

A «Capela do Alemão» era rica de paramentos e alfaias, sendo obra de arte, mandada vir de fóra, o grandioso altar-mor onde a imagem do orago, de estilo bizantino, constituía para o fundador objecto de ardente devoção. Os altares laterais eram dedicados, um, a Santo Estêvão, e, o outro, a São Jorge, ardendo aqui noite e dia uma lâmpada votiva.

Entre as casas da Madeira, a de Henrique Alemão passava por a de mais luxo e atavio, sobretudo em alcatifas e baixela, excedendo, em muito, a do próprio donatário. Tapeçarias e móveis, de cunho e

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0 SESMEIRO DA MADALENA 51

arte orientais, impunham-se como excepção, ao tempo, em terras de Portugal.

A-pesar-de certo fausto que indicava hábitos e predilecções de casta, o Cavaleiro dispensava a todos grande e natural afabilidade. Piedoso, liberal e justo, vivia adorado por seus servos e colonos.

Nas festas religiosas e nas recepções em sua casa ou na do Capitão, o impenetrável sesmeiro ostentava, sempre, «a roda de navalhas» - símbolo da primeira tortura inflingida à heróica e sábia vïrgem alexandrina -, insígnia de sua Cavalaria como membro da Ordem de Santa Catarina do Monte Sinai. (4) Parecia ter em alta conta o emblema da selecta confraria que, nêste monte bíblico, alguns príncipes cristãos fundaram, no ano mil, junto ao túmulo da Santa.

Passaram alguns anos. Certa manhã de verão, ancorava no pôrto do

Funchal um navio procedente do Reino. Entre os desembarcados, víam-se alguns frades que, apôs breve troca de palavras com gente acudida à: praia, se

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52 O CAVALEIRO DE SANTA CATARINA dirigiram para o cenóbio de São João da Ribeira.

Eram novos franciscanos, porventura, que vinham aumentar o número de religiosos necessários ao bem espiritual da crescente população do burgo...

Na tarde dêsse mesmo dia, dava-se, em seguida ao pospasto, festa de pompa no Alto das Cruzes.

Fazia anos a Capitão, e Zarco reúnia nos seus Paços a flor da nobreza das duas capitanias. Galanteava-se e jogava-se o xadrez pelas salas e jardins, esperando-se com ansiedade o serão em que se ouviriam os motes e glosas, além doutros, de dois dos mais notáveis poetas-cavaleiros Tristão Teixéira ou das Damas, herdeiro da Capitania de Machico, e João Gonçalves da Câmara, filho-herdeiro do Capitão do Funchal.

Veio a noite e, com ela, foram-se acendendo as grossas velas murais e os lustres de ferro suspensos por cadeias.

Bailavam no salão ao som de castanhetas e adufes, duas escravas moiras, ondulantes e airosas, quando o mestre-

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0 SESMEIRO DA MADALENA 53 sala, avisado por um servo, procurou o donatário com quem comunicou em voz baixa.

Zarco, hesitando por momentos, deulhe uma ordem, fez sinal para sustar-se a dança, e esperou próximo da larga porta que deita para a ante-sala. Os cavaleiros levantaram-se, entreolhando-se; e as damas estabeleceram sussurro de vozes cujo tom oscilava entre a curiosidade e o susto.

Logo entrou um franciscano que, cumprimentando reverentemente o Capitão, lhe disse com humildade ao que vinha, - já no meio do silêncio da assistência mais sossegada, agora, à vista do burel monástico: - Senhor! Seis freires que se dizem polónios, chegados esta manhã, desejam falar, de urgência, ao Cavaleiro de Santa Catarina que sabem estar nêstes Paços.

O donatário, contrafeito, dirigiu-se a Henrique Alemão, prevenindo-o de que o buscavam alguns frades estrangeiros.

O sesmeiro da Madalena seguiu o Capitão em direcção à porta, ainda maís´

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54 O CAVALEIRO DE SANTA CATARINA pálido do que habitualmente, mas denotando decisão.

Um velho monge, saído do grupo que aguardava fóra, avançou até êle, fixou-o, e, curvando-se com fundo e particular respeito, quís beijar-lhe a mão que o Cavaleiro vivamente retirou. O religioso, erguendo--se, proferiu então com firmeza algumas frases que ninguem ali pôde entender, e a que Henrique Alemão opôs a mais formal extranheza.

Mas o polaco, levantando a cabeça e apontando a «roda de navalhas colada ao peito do sesmeiro, redarguiu, em castelhano, volvendo-se para a assembleia

-Reconheço-o. Irmãos nossos hão-se informado de seus passos e sei, sob sigilo, como chegou ao local onde foi armado Cavaleiro, como sei desde quando se encontra oculto nesta afastada Ilha.

E, porque o sesmeiro tentasse desdizê-lo, acrescentou com voz sonora e firme:

-Este homem não se chama Henrique Alemão. Seu nome é Ladislau, 2.° Jagellon, rei da Polónia onde, há anos, com preces e votos o esperam. Trago ordem

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O SESMEIRO DA MADALENA 55 de Casimiro, seu irmão, para levá-lo connosco. Em nome de Deus, que o salvou da catástrofe de Varna, não o detenhais longe da Pátria...

-É um louco! (6) -bradou o Cavaleiro, abafando com o seu grito a voz do frade que, à intimação de Zarco, foi retirado bruscamente da sala, protestando e debatendo-se. Senhorinha fitou discretamente o marido, mas não pareceu partilhar da turbação em que o via.

Fóra, os restantes freires confirmavam que aquele era o seu rei, unindo suas vozes, mais timidamente embora, aos clamores do que fôra expulso do salão.

O brado do sesmeiro, bem que enérgico, não teve, para muitos que o ouviram, êsse tom de funda e cortante sinceridade que a situação impunha. Não o manifestaram, contudo.

-É um louco! É um louco diziam, também sem segurança, repetindo a frase ouvida e que julgavam a mais oportuna neste lance.

Bem que o Capitão voltasse a tran

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56 O CAVALEIRO DE SANTA CATARINA qüilizar seus convidados, afirmando que o frade doido ficaria guardado a bom recato até que, com seus companheiros, saísse da Madeira, a calma desapareceu nessa noite do serão do Paço das Cruzes.

Aquele monge, mentecapto ou não, aguara com a sua visita esta festa que se prometia tão brilhante.

Dias depois, os religiosos polacos - Zarco cumpria a sua promessa voltavam para Lisboa no mesmo barco que os trouxera ao Funchal...

Alguns Nobiliários informam que aos frades

passaram a Portugal e foram ao Algarve onde estava D. João II e lhe pediram mandasse ir o dito Cavaleiro (Henrique Alemão) e fizesse com que êle tornasse para o seu reino, o que se fez. Porém, êle sempre negou, e El-Rei o deixou tornar para a Ilha, e os polacos para a sua Pátria». (7)

A suspeita, porém, da régia estirpe do sesmeiro, essa, ficou na Ilha e recrudesceu, lá fóra, adquirindo visos de certeza.

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CAPÍTULO SEGUNDO

DOIS ANÁTEMAS 57

RODARA o tempo sôbre o estranho caso. Na Casa da Madalena, Henrique Alemão,

acabrunhado, conversava com a esposa que, debalde, pretendia erguer-lhe o ânimo.

Procuremos, em linguagem de hoje e de acordo com a tradição oral, (8) reconstituir, ou melhor, interpretar êste diálogo íntimo. Nêle se erguem pontas do nebuloso véu que envolveu na Ilha o vulto do misterioso Cavaleiro.

Henrique, havia um mês, recebera Carta de El-Rei de Portugal, pedindo a sua presença na Corte para o que lhe enviaria embarcação dentro de dias. Tinha de partir... e atormentava-o esta idea.

-Mas não vejo motivo para a tua inquietação. Fizeste-me jurar, Henrique, pela Hóstia Consagrada e, depois, pela vida de

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58 0 CAVALEIRO DE SANTA CATARINA nosso querido filho, que nada procuraria indagar do teu passado. Como vês, tenho cumprido o juramento. Escondes-me, porém, alguma coisa que eu talvez deva saber, principalmente, como mãe de Segismundo...

-Senhorinha! Vou falar-te, hoje, até onde me permita a consciência. Ao ser armado Cavaleiro, tomei para com Deus o compromisso de nunca revelar quem sou... e de não voltar mais ao que fui. Tenho de o cumprir, a ver se resgato outro a que faltei – com que vergonha e remorso o digo! - supondo fazer obra grata aos olhos do Senhor e de alto mérito para a minha própria Pátria. Mas temo que venham a descobrir o que, empenhando a minha alma, tomei a decisão de ocultar... para todo o sempre.

Parte do que dizes mo referiste já, quando foi da edificação da nossa igreja. Quiseste-lhe para orago a bem-aventurada Madalena, a pobre - pecadora que em peregrinações e penitências alcançou a santidade. Sei que, como ela, também peregrinaste longos anos para remissão de

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DOIS ANÁTEMAS 59 culpa grave da tua juventude. Não te pregunto qual contendo a minha curiosidade de mulher - embora pressinta que, por ela, correste grandes riscos...

Senhorinha desejava conhecer a causa próxima do abatimento do marido; não querendo, contudo, perturbar-lhe a consciência, nem a sua, prosseguia subtilmente o seu inquérito. Êle debatia-se em evidente luta íntima: avançando, para desoprimir-se; mas contendo-se, a tornear logo o próprio impulso.

Henrique, preocupadíssimo, nem atingiu a discreta insinuação da espôsa.

--Sim. Depois dum transe horrível o primeiro castigo de perjúrio - em que o nosso mordomo me livrou de morte certa, passei com êle muitas terras em jejuns e expiações, sempre incógnito, e cheguei à Palestina, como sabes... E, após breve hesitação:-o resto, o que não devo desvendar, poderás inferir, talvez, mas nunca ouvi-lo da minha própria bôca. Guardarás, quanto concluires, bem no fundo de teu peito. juras-mo?

-No Santo nome de Deus o afirmo,

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60 O CAVALEIRO DE SANTA CATARINA meu Henrique. E, insistindo: - Não me falas, porém, nos teus receios de agora. Corremos algum perigo?...

-Como te hei-de dizer?! Assalta-me o terror de que, lá fóra, dêem crédito ás palavras daquêle velho frade-lembras-te? -e me coajam a alguma situação ... para mim, insustentável.

A fórmula era vaga, mas Senhorinha não deixou de captar-lhe a intenção. Era dona tão lial, como inteligente e arguta.

No seu olhar. passou um relâmpago de júbilo. Antes de tudo, era mãi. E, das palavras do monge, tinha-lhe ficado a sus peita-desvanecedora, para ela - de que gerara em seu seio... um belo príncipe de sangue.

No entanto, retomou a antiga calma. - Ora, quem porá fé nas vozes dum pobre doido? 1 O Cavaleiro calou-se; mas o rosto ficou-lhe ainda mais turbado.

-Deixemos isso que nada vale, Henrique. Há só uma coisa que eu poderia saber e que nunca me explicaste bem. Porque insististe tanto - até contra a von-

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DOIS ANÁTEMAS 61 tade de meu pai - em que o nosso filho se chamasse Segismundo, nome extranho a tôda a nossa ascendência ?

- Pus-lhe êsse grande nome, em lembrança de alguém que, na intimidade, eu tratava assim e que foi o meu maior e mais fiel amigo. Alguém cujos conselhos não ouvi, perdendo-me e perdendo-o, porventura...

Pela face de Henrique corriam, agora, duas lágrimas. E acrescentou -Segismundo – tal o castigoque pende sôbre mim 1 - não deve enquanto eu vivo fôr - compreendes bem ? - saber nada da antiga vida de seu pai. Nem mesmo o que já conheças...

Senhorinha não ficara tão esclarecida, quanto esperava. Mas, à intimação do marido, acudiu prontamente;

- Já que assim o entendes, prometo-o, pela sua felicidade.

- Obrigado, meu amor. Deixaste-me o coração menos apresso. Perdoa se liguei o teu destino ao dum homem sôbre quem pesa traição a um sagrado juramento. E pressinto -prosseguiu num murmúrio -

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62 O CAVALEIRO DE SANTA CATARINA que a despeito de meus votos e renúncias ainda não está expiada a minha culpa.

A entrada de Segismundo - rapaz de dezoito anos, que herdara com a estatura e a distinção de Henrique a vivacidade, o espírito e os olhos negros da mãi - pôs termo a esta truncada e embaraçosa confidência.

Segismundo chegou-se ao pai para dizer-lhe que o escudeiro o avisava da aproximação duma nave portuguesa que, em largos bordos, demandava a baía do Funchal. O sesmeiro saíu logo, excitado, a encontrar-se com o mordomo.

Com sorriso de mal contido orgulho, Senhorinha encarou o filho, fitando-o por instantes; e, atraíndo-o a si, abraçou-o longamente num esto de efusão e terno enlêvo.

Estava-se em fins de Setembro. Na costa sul da Ilha havia caído chuva miuda,

mas contínua, por mais duma semana. Henrique Alemão fora obrigado a vir à sede da

Capitania onde falou com João

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DOIS ANÁTEMAS 63 Gonçalves da Câmara, então já donatário, antes de seguir para Portugal a avistar-se com o monarca, como êste lhe rogava. O barco, que só esperava monção, deveria largar em breve.

Fundamente angustiado, o Cavaleiro envelhecera dez anos. Confessou-se e comungou na Igreja da Conceição-de - Baixo. E, a seguir, encaminhou-se para o porto onde tomou o seu pequeno barinel coberto, à ré, e comodamente alcatifado.

Como serenasse o mar, lá partiu, junto à terra, com rumo à Madalena, a-fim-de despedir-se de sua espôsa e de seu filho.

Na costa, as terras achavam-se encharcadas, atenrando-se os «diques» e as bêtas argilosas. O ar, porém, estava calmo, ainda que quente para a estação que decorria.

Não se ouviam trovões. Mas, ao passar Câmara de Lobos, um remador fez notar aos companheiros certas lucilações que subiam na atmosfera. Ficaram apreensivos. Contudo, calaram-se e seguiram, não sem retezarem mais a rija musculatura de seus braços

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64 O CAVALEIRO DE SANTA CATARINA Chegados ao Cabo Girão, ouviu-se um rouco ruído subterrâneo acompanhado de forte abalo de terra, que entumesceu e sacudiu as águas.

Tudo oscilou em tôrno. Imediatamente, despenha-se uma quebrada do alteroso Cabo que se apruma sôbre o mar. Um penedo, sôlto da rocha desmoronada, atinge em cheio a pôpa do luxuoso batel, e mata fulminantemente o sesmeiro cujo corpo ficou ali esfacelado. (10)

Ninguém mais fôra vítima da catástrofe: a tripulação, projectada pelo abalo, salvou-se a nado depois de breve luta com as ondas agitadas e convulsas pelo choque da quebrada. Livres do turbilhão, as próprias vagas arrojaram, à costa, sobreviventes, táboas, remos e o cadáver do infortunado Cavaleiro de que foram piedosamente recolhidos os despojos.

Àquele fragor sinistro, sucedeu a noite, silenciosa e negra, quási sem crepúsculo. O sol, esbraseado na hora da tragédia, sumira-se, logo, frio e apagado, nos abismos do oceano.

A tradição escrita acrescenta, apenas,

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DOIS ANÁTEMAS 65 que alguns restos do corpo de Henrique Alemão foram sepultados na Igreja da Madalena.

O lúgubre sucesso consternou e fez cismar. Os que conheciam e relacionavam os factos,

lembraram-se do que correra, havia anos, sôbre a predição de certa bruxa, na véspera da Batalha de Varna, quando súbito terramoto abalava tôda a Hungria: «-Esse príncipe, se escapa à guerra, morrerá, violentamente, de morte inglória!» é Com o mesmo tremor de terra, a predição cumprira-se?.

A verdade é que assim acabou esse homem sua vida atormentada, bem que de alma, finalmente, redimida...

Recordavam ainda, na Madeira, a reforçarem seu conceito, que, momentos antes da Batalho, repentino vendaval var rera os pendões` éristãos, ficando indemne, apefas, o balsão de Ladislau. E sabia-se como, depois da luta, se compreendera éste fenômeno, na Hungria e na Polónia: «o rei -- o sinal fora bem claro - sairá salvo da catástrofe!»

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66 O CAVALEIRO DE SANTA CATARINA Salvo, sim, - diriam na Ilha, ao tempo - não para governar mais os seus reinos, mas para acolher-se, viver, penar, morrer aqui, como predisse a búlgara, obscura e sinistramente.

E, ante todos êstes factos e estranhas circunstâncias, é como não havia de gerar-se a lenda de que o infausto Cavaleiro era o próprio Ladislau III, da Polónia, o mesmo a quem o monge polaco falara na Madeira, e que o seu povo, durante largos anos, julgou oculto e disfarçado em qualquer remota parte?

Mas, a maldição fora mais longe: ia atingir-lhe o próprio filho.

Morto o sesmeiro, Senhorinha estava livre, por estas palavras do marido:-«enquanto eu vivo fôr» -- do compromisso que tomara de nada referir a Segismundo sôbre o passado de seu pai.

Ter-se-ia ela servido, agora, de tal liberdade, para revelar ao jovem o que sabia ou supunha saber da antiga existên cia do espôso ? é Tê-lo-ía,mesmo, acon-

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DOIS ANÁTEMAS 67 selhado à revindicação do que julgaria seus legítimos direitos? O escudeiro, íntimo do ousado e esbelto moço, è influiria nêle, também, com seus relatos ou, pelo menos, com suas autorizadas sugestões?. . .

O certo é que Segismundo, findo o luto, «se dirigiu a Lisboa na intenção de passar à Polónia.» (11)

Na viagem, porém, sobrevindo temporal, um dos mastros do navio, cortado, cerce, pelo vento, caiu sôbre êle, matando-o (12) e ao mordomo que, no transe, se encontrava à sua beira.

E ali findou, sem prole, o único filho varão do Cavaleiro de Santa Catarina. (13)

O espírito geral não podia alhear-se, néste passo, daquele anátema do bei que, ainda na Batalha de Varna, após a exortação de Amurate à sua guarda, rouquejara com todo o rancor da alma turca:

Que o castigo do traidor vã, se a tem, até a sua descendência! ...

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68 CAVALEIRO DE SANTA CATARINA

Realmente tudo se cumprira e conjugara para a tradição que se firmou.

O povo, na observação da natureza, dos acontecimentos e dos homens, procede de modo análogo à ciência na dedução de suas leis: regista os factos, compara-os, nota-lhes, através do tempo, as repetições e as coincidências, e formula, então, os seus provérbios ou compõe, pouco a pouco, as suas lendas.

Os provérbios constituem a ciência popular, que raro falha.

A tradição é a História feita pelo povo. Como a dos doutos, pode enfermar de érros e de falsas ilações; mas o perfume de poesia que ela evola, o intenso clangor heróico que desfere, ou a dôce nota de sensibilidade em que ressóa, ajudam-nos a vêr melhor o cunho peculiar de certa época ou a penetrar mais fundo no íntimo dos homens e dos factos.

Um alto e nobre espírito, Francisco Coppé, ao falar dêsse «rumor dos tempos» em face das contradições irredutíveis manifestadas, em qualquer ponto, pela actual

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DOIS ANÁTEMAS 69 crítica histórica, diz-nos com convicção animadora: «A verdade - perdôe-se isto a um poeta - creio-o bem, está na lenda. (14)

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NOTAS

PRIMEIRA PARTE (1) LA POLOGNE-Historique Littéraire, Monumentale et

Pittoresque», por uma Sociedade de Escritores Polacos,- Paris (1836-1837) -tomo 2.% pág. 118, (2.a col.)

(2) e (3) Obra e tomo citados-pág. 119 (1 col.)

(4) Obra e tomo citados-pág. 119 (2.a col.) (5) Ëste nome é, de facto, na história da Polónia, o do janízaro que, na Batalha de Varna,decepou a cabeça de pois ostentada por Amurate li, no seu campo, como sendo a de Lasdislau iii. Obra e tomo referidos, pág. 119 (2.a col.). Desta citação se conclui que êsse não foi o mesmo janízaro que abateu o cavalo em que carregava o infausto rei polaco. Designei, no texto, este outro soldado por Akteché. (6) Os janízaros constituíam, como se sabe, uma espécie

de guarda pré-

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72 O CAVALEIRO DE SANTA CATARINA

toriana do sultão. A-fim-desta poder ser empregada contra o povo, em caso de necessidade, era composta, quási exclusivamente, por filhos de cristãos, roubados a suas famílias e convertidos ao islamismo,nem sempre com todo o êxito...

(7) e (8) Obra e tomo citados-pág. 119 (2.ª col.) (9) Obra e tomo citados-pág. 120 (1 ° col.) (10), (11) e (12)-Obra e tomo citados-pág. 120 (2.ª col.) (13) Em 1465, vinte e um anos depois da Batalha de Varna, numerosos boémios e polacos que viajavam pela Europa,entre êles, dois, muito instruídos (Alexandre Sasek e Gabriel Tetzel) afirmaram, nas suas narrativas de viagem, ter encontrado em Cantalapiedra (Espanha), o rei Ladislau iii, da Polónia, feito eremita. Á frente desta embaixada, dumas quarenta figuras, vinha Léo, Barão de Rozmital, cunhado do rei da Boémia. Êstes viajantes chegaram a Portugal, entrando por Freixo de-Espada à-Cinta. A tal afirmação - que só mostra como perdurou

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NOTAS 73

a descrença sôbre a morte de Ladislau, para muito além da Batalha de Varna - se referem, entre outros, os autores da obra «LA POLOGNE» que vimos citando (pág. 126 –1.ª col.) e, mais minuciosamente, o ilustre Académico Sr. Coronel de Artilharia Henrique de Campos Ferreira Lima, em seu erudito trabalho «Relações entre Portugal e a Tchecoeslováquia». A história diz-nos que, entre os polacos, a fé na sobrevivência do seu rei, que nenhum realmente vira morrer na célebre batalha, se conservou ainda muitíssimo depois de 1465.

SEGUNDA PARTE (1) - «Saudades da Terra, do Dr. Gaspar Frutuoso-

pág. 514 (2.° col.). O «Elucidário Madeirense, dos eruditos escritores Padre Fernando Augusto da Silva e Carlos Azevedo de Menezes, dc mais fácil consulta, insere a pág. 314 (2.ª col.) o que, sob o título «Alemão», dizem as

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74 0 CAVALEIRO DE SANTA CATARINA

Notas, de Alvaro de Azevedo, às Saudades da Terra.

(2) Nobiliário de Castelo Branco», na posse do

douto escritor madeirense Sr. Tenente-Coronel Alberto Artur Sarmento. Segui-o de perto, por ser, entre os Nobiliários da Ilha que conheço, um dos mais autorizados e o mais minucioso.

(3) Nota, já citada, de Álvaro de Azevedo, às

Saudades da Terra, e Nobiliários madeirenses.

(4) -«Nobiliário de Henrique Henriques de Noronha, existente na Biblioteca da Câmara Municipal do Funchal. Neste ponto, o mesmo diz a Nota de A. de Azevedo, atrás referida, e vários Nobiliários madeirenses.

(5), (6) e (7) -«Nobiliário de Castelo Branco, citado

acima, e outros. (8) A tradição escrita, através dos Nobiliários, está de

acórdo com a tradição oral nos pontos essenciais da reconstituição que vem no texto. Henrique Alemão ocultou sempre a sua estirpe e o seu passado, afora, quanto a èste, as peregrinações que fez pelos lugares santos como

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NOTAS 75

promessa ou como expiação indo até a Palestina onde foi armado Cavaleiro de Santa Catarina, no Monte Sinai. Todos os Nobiliários que se lhe referem,o dão como um vago «príncipe polaco milagrosamente salvo da Batalha de Varna>, mas nunca apontam esta informação como saída da sua bôca, insistindo, até, sôbre a categórica negativa do sesmeiro a toda a insinuação nëste sentido.

Henrique Henriques de Noronha afirma, no seu Nobiliário, ter visto a justificação da origem principesca de H. Alemão, justificação feita segundo êsse autor, em 1584, isto é, 130 anos depois de ële surgir na Madeira onde chegou com cêrca de 30 anos de idade -e, portanto, obtida certamente muito depois da sua morte.

Nunca alcancei vér êsse documento, a que nenhum outro autor se refere, ignorando por isso o nome com que aí figuraria o misterioso senhor da Madalena - tratado apenas, como já está dito, por Cavaleiro de Santa Catarina na Carta da sua sesmaria, passada pelo Infante D. Henrique, e na con-

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76 O CAVALEIRO DE SANTA CATARINA

firmação desta, dada por D. Afonso V (Nobiliários), o que leva acrêr que a própria Casa Real portuguesa tinha cuidado em não identificar completamente aquela personagem.

(9) Nobiliário de Castelo Branco». (10) Nota de A. de Azevedo às «Saudades da Terra,

«Elucidário Madeirense» e todos os Nobiliários que se referem a Henrique Alemão.

(11) «Nobiliário de Castelo Branco». (12) e (13) -Nobiliários de Castelo Branco e de Henrique Henriques de Noronha. (14) «Estudo sôbre o livro «Napoleão Íntimo», de Artur

Lévy.

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ÍNDICE

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ÍNDICE Pags.

À Academia das Ciências de Lisboa ...................7

PRIMEIRA PARTE CAPÍTULO PRIMEIRO: 0 Tratado de Paz ............................................23 CAPÍTULO SEGUNDO: Na Batalha de Varna .......................................33

SEGUNDA PARTE CAPÍTULO PRIMEIRO: O Sesmeiro da Madalena..................................45 CAPÍTULO SEGUNDO: Dois Anátemas................................................57

ERRATA: Na página 23, onde se lé: primogénito de Ladislau fagello segundo monarca, etc., leia-se: primogénito de Ladislau fagello e segundo monarca, etc.

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Capa e brochura:

TYP. Esperança - Funchal

Fev-1964