Cavalo Louco nº 14 - Revista de Teatro

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Revista semestral editada pela Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz que traz reflexões sobre o fazer teatral e os espaços de criação.

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  • http://www.fredstein.com/press--collection/2014/4/leica-classics-

    -one-moment

    S U M R I O

    36O Adeus a Nico Nicolaiewsky, O Maestro Pletskaya de Tangos e Tragdias

    Newton Pinto da Silva

    40Medeia Vozes: Por Uma Revivncia do Trgico[Entre o No-Lugar e a Utopia]

    Carla Melo

    45Chamando a Mulher Brbara: Trnsitos Entre Exlio e Memria

    Paola Malmann

    50Medeia: Do Mito AtMedeia Vozes

    Jorge Arias

    51Vozes / Tragdia

    Gilson Motta

    56Representao dePassado e Presenteem Um

    Bertolt Brecht

    19O Legado Artstico deLino Rojas

    Valmir Santos

    23GrupoFolias dArte

    Dagoberto Feliz

    26Elfriede Jelinek...Deixem a Obra Falar

    Pascal Berten

    32Oigal Cooperativa deArtistas Teatrais

    Hamilton Leite

    03Quando Heiner Mller Rel a Grcia

    Leonardo Munk

    06Publicaes em RevistaMaria Lcia de Souza Barros Pupo

    10Festivais comoPotencializadoresdo Convvio Teatral

    Michele Rolim

    15A Presena de Joseph Chaikin

    Ncleo de Pesquisas Editoriais da Tribo

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  • Terreira da Tribo de Atuadores i Nis Aqui TraveizRua Santos Dumont, 1186 - So GeraldoCEP: 90230-240 - Porto AlegreRio Grande do Sul - BrasilFones: 51 3286.5720 - 3028.1358 - 9999.4570 [email protected] www.oinoisaquitraveiz.com.brwww.issuu.com/terreira.oinois/docs

    Caros amigos, queremos dividir com vocs nossa alegria em termos estreado, setembro do ano passado, nosso mais novo espetculo de Teatro de Vivncia: Medeia Vozes, que parte da novela da escritora alem da antiga RDA Chirsta Wolf, alm de fragmentos de textos e depoimentos de diversos autores e autoras. Passados alguns meses da estreia, aproveitamos esta edio da nossa revista para

    compartilhar alguns artigos que trazem reflexes sobre este trabalho: Medeia Vozes: Por Uma Revivncia do Trgico [Entre o No-Lugar e a Utopia] de Carla Melo, Chamando a Mulher Brbara: Trnsitos Entre Exlio e Memria de Paola Mallmann e Medeia: Do Mito At Medeia Vozes de Jorge Arias. Trazemos tambm o artigo Quando Heiner Mu ller Rel a Grcia de Leonardo Munk e Vozes / Tragdia de Gilson Motta, que participaram do seminrio Tragdia e a Cena Contempornea que realizamos em setembro do ano passado.Trazemos tambm os artigos Publicaes em Revista de Maria Lcia de Souza Barros Pupo, Festivais c omo Potencializadores do Convvio Teatral de Michele Rolim, O Legado Artstico de Lino Rojas de Valmir Santos e Elfriede Jelinek... Deixem a Obra Falar de Pascal Berten. A seo Magos do Teatro Contemporneo traz o artigo A Presena de Joseph Chaikin. Dagoberto Feliz homenageia Reinaldo Maia fundador do Grupo Folias dArte de So Paulo e Hamilton Leite compartilha a trajetria de quinze anos da Oigal Cooperativa de Artistas Teatrais de Porto Alegre.Esta edio da Cavalo Louco dedicada memria de Nico Nicolaiewsky, msico, compositor e ator, reconhecido pelo personagem Maestro Pletskaya, do espetculo Tangos e Tragdias, que realizou durante 30 anos com Hique Gomez. Para homenage-lo, publicamos o texto O Adeus a Nico Nicolaiewsky, O Maestro Pletskaya de Tangos e Tragdias de Newton Pinto da Silva. Para finalizar, fechamos a revista com o poema Representao de Passado e Presente em Um de Bertolt Brecht.

    Equipe EditorialNarciso Telles, Paulo Flores, Rosyane Trotta e N-cleo de Pesquisas Editoriais da Tribo.

    Projeto GrficoA Tribo

    RevisoA Tribo

    Fotolito e ImpressoVerstil Artes Grficas

    Tiragem1.000 exemplares

    Colaboraram nesta edioCarla Melo, Dagoberto Feliz, Gilson Motta, Hamilton Leite, Jorge Arias, Leonardo Munk, Maria Lcia de Souza Barros Pupo, Michele Rolim, Newton Pinto da Silva, Paola Mallmann, Pascal Berten e Valmir Santos.

    Foto CAPAPedro Isaias Lucas

    FotosA foto da pgina 3 de Brigitte Haentjens e da 4 de Jean Jourdheuil. A capa do livro na pgina 6 foi tirada de brincabrincarte.blogspot.com.br. Na pgina 9, a foto de Olga Reverbel de Dulce Hel-fer, a de Maria Clara Machado foi tirada de blog-cricriemcena.blogspot.com e a de Tatiana Belinky foi tirada de rfidbrasil.com. As fotos da pgina 11 so de Marcio Camboa. Da pgina 10 de Fran-cesco Lisboa, da 12 de Vanessa Silva PMPA, da 13 de Fernando Pires. A foto da pgina 14 foi tirada do site jewishcurrents.org e as as fotos da pgina 17 e a capa do livro na pgina 16 foram tiradas EX

    PED

    IEN

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    E D I T O R I A L

    de sfaqonline.com. As fotos das pginas 19, 20 e 21 fazem parte do arquivo pessoal de Valmir Santos. A foto menor da pgina 26 foi tirada de http://0.tqn.com/d/womenshistory/1/0/u/O/3/Elfriede-Jelinek.png e a maior de http://www.heute.at. Da pgina 29 foi tirada de www.erpery.files.wordpress.com e da pgina 31 de www.narodni-divadlo.cz. A foto da pgina 32 de Luisa Monteiro, da 34 acima de M. Amaral e abaixo de Lisandra Roos, da 35 acima de Jorge Etecheber e abaixo de Thiago Alves. As fotos das pginas 36 e 39 (abaixo) so de Josadaik Alc ntara Marques. Os frames das pginas 37, 38 e 39 (acima) foram tirados do Programa Palcos da Vida: Tangos e Tragdias. As fotos das pginas 41, 42, 44, 45, 46, 47, 49, 50, 51, 53 so de Pedro Isaias Lucas.

    ISSN 1982-7180

    A revista Cavalo Louco uma publicao independente.Julho de 2014.

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  • Leonardo Munk*

    Quando

    Heiner MllerRel a Grcia

    certo que a releitura dos trgicos gregos no contexto teatral do sculo XX data de muito antes das adaptaes de Heiner Mller, dramaturgo alemo cuja projeo internacional se deu principalmente a partir da dcada de 1970. J em plena II Guerra Mundial, por exemplo, Jean-Paul Sartre e Jean Anouilh haviam dado voz a Electra e Antgona respectivamente em As moscas, de

    1943, e Antgona, de 1944. A princesa tebana, alis, tambm seria o foco da reescritura de Bertolt Brecht poucos anos depois. Em todas essas obras, no entanto, fica patente que o que estava em jogo no momento era principalmente a noo individual de liberdade poltica. Tpico natural no cenrio de uma Europa que lutava contra a tirania de regimes totalitrios.

    Com o Ps-guerra, a almejada democracia ocidental revelou suas limitaes ao se alinhar completamente cultura de consumo e explorao do capitalismo. Enquanto isso, nos pases sob o influxo da Unio Sovitica, como a RDA1, o comunismo, to associado liberdade durante a guerra2, dava sinais contundentes de censura oficial e estagnao poltica. o momento em que Heiner Mller se dedica pela primeira vez aos mitos gregos. Comentrio de dipo e Jogo-Medeia, ambos de 1959, so poemas que, possuidores j de grande presena cnica, procuram se aproximar de padres antigos de pensamento, solapando a representao clssica dessas figuras mticas. tradicional narrativa do conflito entre Jaso e Media, contrape-se uma escritura de estranhamento e choque.

    1 Repblica Democrtica Alem.2 Socialismo e Liberdade foi o grupo criado por Sartre e Mau-

    rice Merleau-Ponty durante a Resistncia Francesa. Posterior-mente os dois filsofos romperiam em decorrncia de diver-gncias frente ao comunismo da URSS. A este respeito, ver CHAU, Marilena. Filosofia e engajamento: em torno das cartas de ruptura entre Merleau-Ponty e Sartre IN MORAES, Denis de. Combates e utopias e os intelectuais num mundo em crise. SP: Record, 2004.

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    Medeamaterial

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  • (...) Enquanto o homem, diante do pblico (feminino) faz o pino, anda com as mos no cho, faz a roda, etc., a barriga da mulher incha at rebentar. Projeco: Parto. As mscaras morturias femininas tiram da barriga da mulher uma criana, desamarram-lhe as mos, pem-lhe o filho nos braos. Ao mesmo tempo, as mscaras morturias masculinas carregaram de tal modo com armas o homem que ele j s consegue andar de gatas. Projeco: Morte. A mulher arranca o rosto, desmembra a criana e lana os pedaos na direo do homem. Da teia caem sobre o homem escombros membros entranhas.(MLLER, 1997, p. 39)

    O recurso ao mito de Filoctetes por parte de Mller em pea homnima datada do incio da dcada de 1960 embora devido aos problemas com a censura oficial s tenha sido encenada, de fato, em 1968 , nesse contexto, revela-se como forte diagnstico do esvaziamento dos discursos da razo, a qual submetida aos desgnios da Razo de Estado. Tem-se, mais uma vez, como em Sartre e Brecht, a opresso dos indivduos pela lei estatal. Como diferencial, no entanto, importante que se diga que, ao contrrio de personagens como Antgona e Electra cidads de primeira classe que se contrapem a foras da mesma estirpe Filoctetes perde sua cidadania e identidade ao ser condenado a viver sozinho em uma ilha por conta de uma ferida incurvel imputada pelos deuses.

    No enredo, Odisseu serve-se de Neoptlemo, o jovem filho de Aquiles, para convencer Filoctetes a auxiliar os gregos no combate contra os troianos, pois segundo uma profecia a vitria s viria com a presena daquele que, portando o arco e flechas de Hracles, havia sido abandonado na Ilha de Lemnos por seus prprios compatriotas. Toda a ao se constitui, portanto, mediante um discurso de falsas aparncias que se compraz no engodo e na explorao do semelhante.

    Dessa forma, a descrena no iderio poltico e na razo como grande elemento de sustentao da grande herana iluminista europeia se associa crise das formas dramticas tradicionais. No se trata mais, portanto, de uma disputa dialgica no sentido da grande coliso dramtica hegeliana uma vez que a validade das relaes intersubjetivas se mostraria cada vez menos efetiva. Em Mller, o heri Filoctetes, ao contrrio da verso de Sfocles, relegado a mera condio de objeto nas mos de Odisseu, no recupera em momento algum sua dignidade.

    A desconfiana da poltica e, consequentemente, do discurso racional encampado pelos rgos de controle contribuiu, desse modo, para a crescente pulverizao a qual Mller submeteu suas obras posteriores. Associada a essa opo esttica, detecta-se tambm um acentuado interesse pelas zonas de periferia, aquelas que, margem dos centros de industrializao e poder econmico, seriam capazes de resistir ao processo de homogeneizao ocidental.

    nesse sentido que se pode vislumbrar aqui uma aproximao com a fase mtica do cinema de Pier Paolo

    ODISSEU(...) Para o roubo e a mentira tu no s dotadoEu o sei. Doce, porm, a vitria, filho de Aquiles.Assim, por um dia, s um dia, manchaTua lngua, depois, vive tua vida na virtude, como tu quiseresO quanto ela durar.Iremos todos para o escuro, se tu recusares. (MLLER, 1993, p. 102)

    Pasolini, que deu origem a obras como dipo Rei, de 1967, e Medeia, de 1969. Nessas duas releituras, Pasolini, ao deslocar a cena da Europa para a frica, apontava o continente africano como a nica alternativa opresso ocidental. Como observou Michel Lahud, em seu belo ensaio sobre o autor italiano, uma forma emblemtica de vida, capaz por suas caractersticas pr-histricas sobreviventes de contradizer a realidade industrial (...) (LAHUD, 1993, p. 85). Mas foi particularmente com o documentrio Apontamentos para uma Orstia africana, de 1970, que Pasolini ampliou seu olhar com relao ao ento Terceiro Mundo, dedicando cada captulo do filme a uma zona perifrica (ndia, frica, pases rabes, Amrica do Sul e a Amrica negra).

    E foi, embora distante do idealismo mtico de Pasolini de uma sociedade pr-industrial, que Heiner Mller, no incio da dcada de 1980, servindo-se de fragmentos escritos em momentos anteriores, reencontrou a figura de Medeia. Desta vez, no entanto, para alm do plstico e arcaico confronto homem-mulher presente em seu Jogo-Medeia, Mller amplia seu alcance, servindo-se de Medeia e

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  • Jaso, nicos personagens do mito a serem nominalmente citados em seu texto, para condenar o histrico processo de colonizao por parte das potncias europeias, cujos rastros de violncia e destruio perduram at hoje.

    Medeia a figura da absoluta diferena da questo do outro , aquela que, apesar de ter sua subjetividade diminuda perante a fora do discurso discriminatrio e violento do colonizador, contrape-se opresso, confirmando aqui a famosa sentena de Mller presente na entrevista Muros, de 1981, segundo a qual as mudanas histricas s poderiam ocorrer como consequncia do desenvolvimento dos pases do Terceiro Mundo3. Passados mais de trinta anos dessa declarao, e a despeito da evidente hegemonia capitalista, resta o necessrio papel desestabilizador que deve ser

    inerente experincia teatral. Originria seja da Clquida, seja de pases africanos, e mesmo latino-americanos, Medeia a fora estrangeira, nmade e prenhe de possibilidades, que ameaa os sistemas de controle da ordem estabelecida. , pois, nesse contexto que a pea Margem Abandonada Medeamaterial Paisagem com Argonautas, publicada no ano de 1982, deve ser inserida.

    Neste texto de aspecto fragmentrio, a voz de Medeia se mescla a outras vozes, a das mulheres violentadas, a dos trabalhadores explorados. Essa pluralidade torna a pea de Mller, que divida em trs partes, impermevel a leituras apressadas. Signos de violncia e barbrie que permanecem em rotao, testando os limites do discurso lgico e produzindo imagens de inegvel fora.

    Entenda-se imagem aqui no sentido atribudo por Ezra Pound, o de um complexo intelectual e emocional num mesmo instante de tempo. sintomtica a passagem onde Medeia maldiz a perda de sua inocncia selvagem ao travar contato com o pragmatismo civilizacional de Jaso: Tivesse eu permanecido o animal que fui (Idem, p. 19). clara a oposio entre Natureza e Civilizao. Esta ltima carrega consigo o nus do desencantamento do mundo. No h mais espao para feitios, e Medeia bem o sabe. A violncia da razo instrumentalizada, no entanto, no capaz de extirpar seus impulsos de desejo e paixo. Impulsos esses que a consagram como a nica fora capaz de subverter no apenas a hegemonia de um discurso dominante, como tambm a prpria forma dramtica convencional.

    *Leonardo Munk doutor em Teoria Literria pela UFRJ, com doutorado sanduche Universidade Livre de Berlim. Atualmente Professor Adjunto no

    Departamento de Teoria do Teatro e na Escola de Letras da UNIRIO.

    (...)Absorventes rasgados SangueDas mulheres de ClquidaMAS VOC TEM QUE TOMAR CUIDADO SIMSIM SIM SIM SIMBOCETA SUJA EU DIGO A ELA ESTE MEU HOMEMME FODE VEM DOCINHOAt que a Argo destrua seu crnio O navio no mais usado Pendurado na rvore hangar e lugar de defecao dos abutres

    espera(...)

    (MLLER, 1993, p. 13)(...)Acocorados nos trens Rostos de jornal e cuspe Um membro nu em cada cala olha a carne laqueadaSarjeta que custa o salrio de trs semanas At que o verniz Estale Suas mulheres esquentam a comida penduram as camas

    nas janelas escovamO vmito dos ternos domingueiros Canos de esgotoExpelindo crianas em levas contra o avano dos vermes Aguardente barata (...)(Idem)

    Referncias Bibliogrficas

    KOUDELA, Ingrid (org.). Heiner Mller: o espanto no teatro. SP: Perspectiva, 2003.LAHUD, Michel. A vida clara: linguagens e realidade segundo Pasolini. SP: Editora da Unicamp/Companhia das Letras, 1993.MORAES, Denis de. Combates e utopias e os intelectuais num mundo em crise. SP: Record, 2004.MLLER, Heiner. O Anjo do Desespero (poemas). Traduo, posfcio e notas de Joo Barrento. Lisboa: Relgio Dgua Editores, 1997.___________. Medeamaterial e outros textos. Trad. Christine Roehrig et al. RJ: Paz e Terra, 1993.MUNK, Leonardo. O Filoctetes de Heiner Mller ou sobre a eficcia da mentira. IN OURIQUE, J. L., CUNHA, J. M., NEUMANN, G. Literatura: crtica comparada. Pelotas: Editora Universitria, 2011.RHL, Ruth. O teatro de Heiner Mller. SP: Perspectiva, 1997.

    3 Ver Muros IN KOUDELA, Ingrid (org.). Heiner Mller: o espanto no teatro. SP: Perspectiva, 2003.

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  • Pouco mais de quatro dcadas nos separam do incio da formao especfica que leva Li-cenciatura em Artes Cnicas oferecida pelas universidades brasileiras. Prerrogativa de uni-dades acadmicas que se dedicam forma-o teatral embora mantendo interfaces im-prescindveis com as faculdades de educao

    a licenciatura em teatro ou em artes cnicas constitui um caminho institucional peculiar, nem sempre presente em outros pases, visando a um exerccio profissional que vem se expandindo exponencialmente.

    Se, por um lado, na origem essas licenciaturas fo-ram previstas para atender ao sistema educacional e ha-bilitar professores para atuar em escolas com crianas e jovens, temos assistido nas ltimas dcadas expanso dos contextos nos quais se d a insero dos estudantes egressos. Alm da presena da atividade teatral dentro da instituio escolar, observa-se a crescente ampliao da chamada ao cultural e da ao artstica envolvendo as artes cnicas dentro de esferas como ONGs, associaes, centros culturais e similares.

    Habilitar um profissional capaz de construir uma prxis abrangendo uma reflexo sobre as finalidades e as modalidades de conhecimento implicadas em processos de aprendizagem envolvendo as artes da cena, a tarefa dos formadores. Realiz-la no dia a dia contribui para re-afirmar, ampliar e consolidar entre ns o campo da peda-gogia do teatro.

    Um olhar retrospectivo sobre as publicaes na-cionais e tradues que vm fornecendo substrato a essa formao nos ltimos quarenta anos pode consti-tuir um interessante fio condutor para pensarmos histori-camente o ensino do teatro. Assim sendo, convidamos o leitor a um passeio no tempo, de modo a trazer tona au-tores e obras que marcaram esse percurso, dado que, em alguma medida eles so responsveis tanto pelos avanos que detectamos, quanto pelos desafios que atualmente tm nos impulsionado.

    Desnecessrio fazer a ressalva de que no se trata absolutamente de um estudo exaustivo, mas apenas de um recorte, marcado pelos limites das estantes de um escritrio pessoal e de uma experincia vivida predomi-nantemente na cidade de So Paulo. Inmeras outras pu-blicaes, disseminadas em diferentes pontos do pas e menos conhecidas pelos docentes das universidades do sudeste/sul provavelmente completariam e, no limite at alterariam o quadro aqui esboado. Mais do que levantar uma listagem de autores, nossa inteno apontar linhas de fora que contribuam para aprofundar a compreenso

    Capa do livro de Olga Reverbel que foi um marco na valorizao da improvisao teatral na sala de aula

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  • dos caminhos percorridos. Lacunas e omisses, mais do que lapsos eventuais constituem aqui probabilidades tangveis, a serem corrigidas em retomadas ulteriores.

    Os anos 1960 -1970 foram marcados por publicaes de autores que, de modo pioneiro trouxeram luz experincias teatrais marcantes coordenadas junto s jovens geraes. Trs nomes so referncias fundamentais daquele perodo: Olga Reverbel, Maria Clara Machado e Tatiana Belinky.

    A primeira, Olga Reverbel (1917-2008), gacha, desen-volveu notvel trabalho teatral junto s normalistas do Instituto de Educao General Flores da Cunha em Porto Alegre, que deu origem a uma srie de publicaes, dentre as quais lem-bramos Tcnicas Aplicadas Escola (1972) e Teatro na Sala de Aula (1978), marcos da valorizao da improvisao teatral atravessada por um sistema de regras e pela diferenciao de funes entre quem atua e quem assiste. Maria Clara Machado (1921-2001), mais conhecida como dramaturga voltada para o teatro para crianas e mentora do Teatro Tablado no Rio de Janeiro - ateli permanente de formao de atores, ativo durante vrias dcadas - tambm publicou um livro sobre prin-cpios pedaggicos relativos ao fazer teatral: trata-se de Cem Jogos Dramticos (1971), escrito em colaborao com Marta Rosman, relanado em 1996 pela Editora Agir.

    Olga e Maria Clara possuem em comum o fato de te-rem feito uma estadia em Paris nos anos 1946-1950, quando tiveram ocasio de conhecer o trabalho de um consagrado discpulo de Copeau, Lon Chancerel, responsvel pela for-mulao, na dcada de 1930, do termo jogo dramtico [jeu dramatique] e sua disseminao, assim como pelo advento de um teatro especialmente voltado para a criana, na mesma poca. Assim, boa parte das propostas difundidas no Brasil por aquelas autoras bebiam nessa mesma fonte e eram compos-tas por roteiros a serem improvisados por jogadores crianas, jovens ou adultos dentro de um determinado quadro de re-gras e sujeitos apreciao da plateia, formada por colegas ou convidados externos ao grupo.

    Por outro lado, um forte trao comum une Maria Clara Machado terceira autora, Tatiana Belinky. Ambas dedicaram o melhor de si dramaturgia infanto-juvenil e coordenaram du-rante dcadas duas revistas que se mantiveram como refern-cia da maior relevncia para todos aqueles que, em escolas, bibliotecas, centros culturais ou grupos amadores distribudos por todo o pas, se dispunham a fazer teatro; estamos falando dos Cadernos de Teatro do Tablado e do Teatro da Juventude.

    A essas trs consagradas artistas e educadoras de uma mesma gerao devemos portanto as primeiras publicaes que, atravs de uma prtica continuada e consistente, difun-dida em livros e peridicos, lanaram algumas das primeiras

    balizas para o estabelecimento de vnculos entre o teatro e a educao entre ns.

    Em 1971, em plena ditadura militar publicada a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, que institui a obri-gatoriedade da Educao Artstica com Habilitao Plena em Teatro, Artes Plsticas ou Msica na escola, para crianas e adolescentes. Aquilo que primeira vista poderia parecer uma medida favorvel difuso das artes da cena em larga escala, rapidamente se revelou como um problema de complexa solu-o. Na medida em que se abriam flancos que facilitavam uma formao precria de docentes - pretensamente capazes de atuar em vrias reas artsticas - tornava-se evidente o carter perverso do dispositivo legal.

    Diante dessa nova conjuntura, evidencia-se a necessi-dade de reunir uma bibliografia mnima na rea que subsidias-se a formao oferecida pelas universidades responsveis pela qualificao profissional dos novos docentes de Educao Ar-tstica. O Servio Nacional de Teatro, vinculado ao Ministrio da Educao e Cultura, sediado no Rio de Janeiro reuniu e editou ento textos encomendados a artistas que haviam coordena-do recentemente processos de aprendizagem como docentes de Arte Dramtica, de modo a que pudessem servir de refe-rncia para os estudantes universitrios e para os docentes j na ativa que iriam assumir a disciplina Educao Artstica nas escolas do ento primeiro e segundo graus.

    Pertencem a esse conjunto as Cartilhas de Teatro com textos de Luiza Barreto Leite e Hilton Carlos de Arajo, entre outros de menor flego, reunidos em coletneas. Depoimentos entusiastas louvando a importncia do carter expressivo da atividade teatral e seus mritos diante dos desafios da vida em grupo caracterizam essas publicaes, nas quais se evidencia uma certa militncia de carter pedaggico.

    Ao relatarem experincias de dramatizao por crian-as e adolescentes, autores como Aladyr Lopes, Amicy Santos, Dilza Dlia Dutra, Glria Beattenmller e Nelly Laport trazem tona o iderio da escola ativa e, em alguma medida, a valoriza-o da livre-expresso. Emoes, sensaes, desenvolvimento da imaginao vm para a berlinda, mas o carter cognitivo da experincia esttica no chega a ser reconhecido. Data de 1973 a publicao de um livro pouco conhecido de Paulo Co-elho, que, sob o atraente ttulo de O teatro na educao rene uma srie de exerccios extrados de laboratrios teatrais sem conexo evidente com o ttulo.

    Datam ainda daquela dcada a traduo portuguesa do livro de Pierre Leenhardt, A criana e a expresso simblica e a de Peter Slade, at hoje bastante conhecida de O jogo dram-tico infantil. Teatricina, de Fanny Abramovich e Pega Teatro, de Joana Lopes constituem tambm obras significativas da po-

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  • ca, responsveis pela divulgao do iderio de suas autoras, responsveis por prticas teatrais em contextos de educao formal e informal.

    O panorama comea a se transformar de modo flagran-te quando aparecem os primeiros resultados das pesquisas de mestrado e doutorado em Teatro e Educao desenvolvidas na Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo. Oriundos de diferentes locais do pas, os estudantes, guiados por orientadores do porte de Jac Guinsburg ou S-bato Magaldi entre outros, descobriam os caminhos que levam investigao em artes. O rigor acadmico e o esprito crtico se configuravam ento como plataformas de lanamento que dariam o tom de investigaes inovadoras, mais tarde transfor-madas em livros.

    O salto qualitativo considervel; samos do universo do surrado relato de experincias e passamos a lidar com a formulao de objetivos para a investigao, hipteses de pesquisa e preocupao com a avaliao. Pouco a pouco en-gendra-se um olhar crtico sobre as prticas e diversificam-se as abordagens dos processos de aprendizagem, at ento vinculadas quase exclusivamente a aspectos de natureza psi-colgica.

    Um marco dessa fase a pesquisa realizada por Ingrid Koudela sobre os jogos teatrais de Viola Spolin, que desem-bocaram em um primeiro momento na traduo denominada Improvisao para o teatro, obra de referncia, matriz de um vasto conjunto de pesquisas realizadas por mestres e doutores oriundos de todo o pas, logo depois seguida por Jogos Tea-trais, da prpria docente da USP.

    Mais tarde Ingrid Koudela inaugura uma nova e profcua linhagem de investigaes ao experimentar peas didticas de Brecht atravs dos referidos jogos teatrais. Segue-se uma se-quncia de publicaes relevantes dessa autora, como Brecht, um jogo de aprendizagem, Um voo brechtiano, Texto e Jogo e Brecht na ps-modernidade, que desdobram vertentes daquela relao mediante situaes de aprendizagem com pessoas de diferentes idades e inseres sociais. Simultaneamente, outras tradues de Spolin so disponibilizadas ao leitor brasileiro pela prpria Profa. Ingrid, como Jogos Teatrais, o Fichrio de Viola Spolin, Jogos Teatrais no livro do diretor e Jogos Teatrais na sala de aula. A partir da, um rico veio de pesquisas acad-micas se dissemina e multiplica pelo Brasil afora.

    Ao mencionar essa srie de livros estamos concomi-tantemente trazendo para o primeiro plano o notvel papel da Editora Perspectiva na disseminao dos estudos que nos ocupam aqui. No apenas os ttulos apontados nessa ltima passagem, mas tambm muitos outros - tais como as obras de Sandra Chacra, Sonia Azevedo, Marcia Nogueira, Alessan-dra Faria - publicados ao longo desses quarenta e tantos anos so tributrios do apoio entusiasmado do responsvel pela Perspectiva, Jac Guinsburg. Mesmo sem ter partido de um projeto editorial previamente concebido, o Prof. Jac sempre manifestou grande interesse pelas pesquisas desenvolvidas na rea, o que faz a Editora Perspectiva ser hoje detentora de um vasto catlogo de obras de relevo e ter se tornado uma aliada imprescindvel para o avano dos conhecimentos na rea da Pedagogia do Teatro.

    No demais reiterar que, semelhana daquilo que ocorre no panorama internacional, as publicaes que mais tm influenciado a formao de docentes discutem o carter

    formativo de modalidades de improvisao que tm no carter ldico seu principal vetor.

    Mais recentemente, a Editora Hucitec vem tambm pu-blicando livros de porte, oriundos de pesquisas universitrias. Alm dos trabalhos de Beatriz Cabral no campo do chamado drama e dos livros de Flavio Desgranges acerca da recepo teatral na contemporaneidade, destacam-se, entre outras, as obras de Marcos Bulhes Martins, Vicente Concilio, Suzana Vi-gan, Carmela Soares, Marcelo Soler e Maria Tendlau.

    Igualmente vinculados a pesquisas universitrias po-dem ser citados os trabalhos de Aro Santana, Renan Tavares, Narciso Telles e Adilson Florentino, alguns dos quais se apre-sentam como coletneas de artigos de docentes e estudantes provenientes de diferentes pontos do territrio nacional.

    Entre as lacunas que chamam a ateno destaca-se o campo da produo teatral dirigida infncia e adolescncia, objeto de raros trabalhos analticos; os livros de Marina Mar-condes Machado e as publicaes desta prpria autora cons-tituem excees.

    Outra editora que vem se afirmando no panorama edi-torial da rea a gacha Mediao, que acolhe os trabalhos de Vera Bertoni, Heloise Baurich e Tas Ferreira, entre outros, tambm oriundos de pesquisas acadmicas.

    A lista de autores de diferentes campos das Artes e das Cincias Humanas que, de modo mais ou menos direto vm contribuindo para a pesquisa em Pedagogia do Teatro , evidentemente extensa, mas no podemos deixar de lem-brar, entre as referncias mais frequentes os nomes de Jean Piaget, John Dewey, Jean-Pierre Ryngaert, Lev Vigotsky, Mikail Bakhtin, Augusto Boal, Ana Mae Barbosa. Alm da Educao, a Filosofia, a Antropologia, a Sociologia e a Literatura esto en-tre as reas do conhecimento que vm sendo seguidamente convocadas pelas investigaes atuais. Tecidas aos desafios oriundos dos terrenos de experimentao, as contribuies desses autores vm gerando investigaes de relevo.

    Outra manifestao do vigor atual da pesquisa a pro-fuso de revistas sobre a cena, que muito tm colaborado para a consolidao do pensamento relativo ao campo pedaggi-co. A leitura de Sala Preta, Urdimento, Lamparina, Cena, Revista Fundarte, A[L]BERTO, Revista Brasileira de Estudos da Presena, Vocare (Secretaria Municipal de Cultura de So Paulo), assim como dos textos apresentados nas reunies da ABRACE - sis-tematicamente publicados - desvela ao estudioso frteis ver-tentes de anlise.

    Essa trajetria aqui sumariamente esboada evidencia o quanto se aprofundaram as concepes e prticas acerca das relaes entre as artes da cena e a educao no Brasil nessas ltimas dcadas. Se, conforme observamos, a contnua formao de mestres e doutores acarretou um salto de quali-dade na rea mediante a realizao de pesquisas respaldadas pela universidade, novas tendncias podem ser detectadas em relao atualidade.

    As profundas mutaes que marcam a cena contem-pornea, como no poderia deixar de ser, vm gerando impli-caes diretas no que concerne o teor da bibliografia sobre a qual nos debruamos. A diversificao dos protagonistas da cena - para alm dos ditos atores, estendendo-se a todo aque-le que estiver interessado - a busca de modos de produo e

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  • criao que coloquem em xeque hierarquias consagradas, as-sim como a reflexo continuada sobre o processo de criao so alguns dos princpios, nem to recentes, que vm norte-ando a atuao de grupos e coletivos de envergadura no pas.

    Assim, grupos como a Paidia, o Engenho Teatral, a Cia. Antropofgica mantm uma atividade continuada de cunho pedaggico que faz deles verdadeiros polos de irradiao do fazer teatral. No caso da cidade de So Paulo, a Lei Municipal de Fomento ao Teatro j h mais de dez anos vem trazendo para o primeiro plano uma preocupao pedaggica median-te a exigncia de modalidades de contrapartida a serem ofe-recidas populao pelos grupos beneficiados com o apoio pblico.

    Cabe lembrar a atuao destacada no campo pedag-gico de dois grupos teatrais que, de modo contnuo vm con-tribuindo para a ampliao da esfera dos fruidores das artes da cena. Estamos nos referindo ao Galpo em Belo Horizonte e ao prprio i Nis Aqui Traveiz, em Porto Alegre. Envolvidos com a formao continuada de faixas da populao distan-ciadas dos chamados meios artsticos, esses grupos vm assumindo um inestimvel papel educacional atravs da ao cultural e artstica por eles coordenada. Nesse sentido, a publi-cao regular das revistas Sub-texto e Cavalo Louco sem d-vida contribui efetivamente para aprofundar o debate acerca dessas questes em todo o pas.

    Pesquisas universitrias agora no mbito da graduao, especificamente na Licenciatura em Artes Cnicas vm sendo recentemente difundidas mediante interessantes publicaes,

    como o caso dos trabalhos coordenados por Vera Bertoni na UFRGS e por Tas Ferreira na UFPel.

    Por outro lado, a vida urbana na metrpole como eixo estruturador das prticas se configura hoje como um recente vetor da reflexo pedaggica, imagem da importncia que o tema da cidade vem ganhando na produo dos grupos. Teatro em trnsito de Beatriz Cabral e A favela como palco e perso-nagem, de Marina Coutinho so dois interessantes exemplos dessa vertente.

    Sintonizadas com as manifestaes mais contempor-neas da cena, as licenciaturas vm incorporando em suas dis-cusses muitos dos temas que esto no primeiro plano da pro-duo artstica atual. Assim, observa-se que a relao entre a teatralidade e as manifestaes performticas, como tambm o tema da alteridade vm ganhando cada vez mais espao entre as preocupaes dos estudantes.

    Contribuies de pioneiros carregadas de entusiasmo, pesquisas acadmicas diretamente vinculadas aos terrenos de experimentao e, por outro lado as peculiaridades do mo-mento que atravessamos, no qual a dimenso pedaggica da cena constitui um reconhecido campo de estudos que vai alm da instituio escolar, constituem as principais balizas do percurso aqui trazido tona.

    O exame histrico das publicaes nos permite cons-tatar notveis avanos na rea ao longo das ltimas dcadas, abrindo sem dvida perspectivas de novos direcionamentos para a complexa tarefa enfrentada hoje pelos formadores.

    *Maria Lcia de Souza Barros Pupo professora da USP, na rea de Artes Cnicas na licenciatura e no PPG em Artes Cnicas.

    Possui mestrado em Artes pela USP (1981) e doutorado em Etudes Thtrales - Universite de Paris III (Sorbonne-Nouvelle) (1985). Vem atuando, principalmente em torno dos seguintes temas: pedagogia,

    formao, teatro contemporneo, ao cultural e dramaturgia.

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  • Existe um pblico que frequenta o teatro em suas cida-des apenas durante um festival. Tambm no so raros os exemplos de pessoas que passam a participar da vida teatral da cidade aps compartilharem algum evento in-tegrante da programao. Isso porque os festivais propi-ciam uma atmosfera muito peculiar, que permite durante um espao de tempo determinado dividir uma experincia

    com artistas, pblico e tcnicos.

    De acordo com o historiador, crtico teatral e pesquisador argen-tino, Jorge Dubatti, o teatro um acontecimento (no duplo sentido que Deleuze atribui ideia de acontecimento: algo que acontece, algo no qual se coloca a construo de sentido), um acontecimento que produz antes em seu acontecer, ligado cultura vivente, presena aurtica dos corpos e, a partir dessa proposio, elabora argumentos fundamentais que questionam o reducionismo da definio semitica do teatro (DUBATTI, 2012, p. 15).

    Para que o acontecimento teatral se manifeste ele depende de trs sub-acontecimentos, sendo que entre os trs existe uma inter-dependncia, segundo Dubatti (2003). So eles: I) O acontecimen-to convivial, que condio de possibilidade e antecedente [...] II) O acontecimento de linguagem ou acontecimento potico, frente a cujo advento se produz [...] III) O acontecimento de constituio do espao do espectador [...] (DUBATTI, 2003, p. 16).

    Dos trs sub-acontecimentos relacionados, investigaremos o acontecimento convivial, na tentativa de traar um paralelo com os festivais de artes cnicas, os quais podem ser considerados momentos de convvio.

    Antes disso, porm, importante lembrar que a estrutura pre-sente em um festival de teatro remete a tempos ancestrais. Para o Se-cretrio Executivo do Programa Iberescena (Fundo de Ajudas para as Artes Cnicas Ibero-americanas) e tambm diretor espanhol, Guiller-mo Heras, na Grcia Clssica e na Espanha do Barroco j era possvel afirmar que existiam festivais.

    Michele Rolim*

    Se fssemos historiadores, teramos que assumir que as competies dra-mticas foram fundadas j na Grcia Clssica, delas participavam os maiores autores da poca e elas tinham todas as caractersticas de um possvel festival: um tema concreto, financiamento da cidade, programao diferenciada do habitual, cerimnia cidad na recepo dos espetculos e criao de espaos

    FESTIVAIS COMOPOTENCIALIZADORESDO CONVVIOTEATRAL

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  • de comunicao cultural diferenciados com res-peito vida cotidiana. Poderamos pensar tam-bm em certas manifestaes da Espanha no Bar-roco, sobretudo antes da comemorao da Sema-na Santa (as festas da Tarasca e os carnavais), ou em algumas propostas desenhadas para os reis ingleses e franceses em diversas pocas, que po-deriam ter um ar de festival, independentemente das classes sociais concretas que assistissem s representaes destes even-tos. (HERAS, 2012, p.12)

    O pesquisador e terico francs Patrice Pavis, discorre sobre o verbete festivais traando um paralelo com as festas religiosas.

    s vezes a gente se esque-ce que festival a forma ad-jetiva para festa: em Atenas, no sculo V, por ocasio das festas religiosas (Dionisacas ou Leneanas), representa-vam-se comdias, tragdias, ditirambos. Estas cerimnias anuais marcavam um mo-mento privilegiado de rego-zijo e de encontros. (PAVIS, 2011, p. 166)

    Para o terico, os festivais so um momento de en-contro e celebrao e despertam no indivduo uma sensa-o de pertencimento a uma comunidade.

    [...] Este moderno ressurgimento do festival sa-grado atesta uma profunda necessidade de um momento e de um lugar onde um pblico de celebrantes se encontre periodicamente para tomar pulsao da vida teatral, satisfazer s ve-zes a falta de ir ao teatro no inverno, e, mais pro-fundamente, ter a sensao de pertencer a uma comunidade intelectual e espiritual encontrando uma forma moderna de culto e de ritual. (PAVIS, 2011, p. 166)

    Portanto, no se vai ao festival apenas para as-sistir ao espetculo, se quer encontrar pessoas na fila, comentar as peas, conversar com os artistas e colegas aps a montagem, trocar sensaes e palavras com os demais na plateia. Por isso, se vai ao teatro. Isso expli-ca porque nos festivais um dos locais mais frequentados so os pontos de encontros. No se vai ao teatro para estar sozinho: o convvio uma prtica de socializao de corpos presentes, de afetao comunitria (DUBAT-TI, 2003, p.17).

    J houve quem decretasse o fim dos festivais, de-fendendo a ideia de que com a globalizao o acesso aos espetculos ficou cada vez mais fcil, e, por isso, no existe a necessidade de promover encontros para que o pblico tenha acesso s montagens.

    O acelerado movimento de circulao de in-formaes e as facilidades de intercmbio de contatos levantam questes sobre o ineditis-mo, o carter vanguardista e a novidade das obras apresentadas. Os mais extremistas che-gam a questionar a validade da presena fsica dos artistas junto ao pblico e at colocam em pauta propostas de realizao de festivais de teatro via comunicao virtual. (HERAS, 2012, p.36)

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  • CONVVIO E TECNOVVIO NOS FESTIVAIS

    Alm do objetivo de um festival no se resumir em as-sistir a um espetculo, o ato teatral no pode ser capturado pelas lentes de transmisso. Teatro e cinema so diferentes. No lanamento da Escola de Espectadores em Porto Alegre em 2013, ouvimos Dubatti proferir a uma plateia: odeiem cinema!, a brincadeira do pesquisador reflete um pensa-mento presente em todo o seu trabalho. Sabemos que o cinema carrega de forma inata a noo de reproduo, pois no existe o filme original: cada cpia exatamente igual primeira. Isso torna o acesso muito mais fcil a filmes de qualquer localizao. Um filme pode ser visto em diversos pases, ao mesmo tempo. Contudo, o teatro efmero, se desenvolve de maneira nica em cada apresentao. Isso determina a importncia de um festival de artes cnicas, momento de encontro e intercmbio artstico.

    Enquanto convvio, o teatro no aceita ser tele-visionado nem transmitido por satlite ou redes ticas nem includo na Internet ou contado. Exige a proximidade do encontro dos corpos em uma encruzilhada geogrfico-temporal, emissor e re-ceptor frente a frente ou modalidade de trmino [...]. Diferentemente do cinema ou da fotografia, o teatro exige a concorrncia dos artistas e dos tcnicos ao acontecimento convivial e, ao mesmo tempo no admite reproduo tcnica, o imp-rio por excelncia do aurtico (Benjamin). (DU-BATTI, 2003, p.17)

    Desde 2010, por exemplo, possvel assistir na n-tegra a qualquer hora, uma srie de produes teatrais, al-gumas ainda em cartaz, atravs do portal Cennarium (www.cennarium.com). O internauta deve cadastrar-se e efetuar o pagamento relativo pea escolhida. H quem diga que a nova tecnologia encurtou e muito a distncia entre o espe-tculo e o espectador. Discordamos. A distncia tamanha, que a prtica no pode ser mais considerada teatro. Para Dubatti esta a grande diferena entre a experincia tec-novivial e a convivial comentada pelo autor em entrevista concedida ao jornalista e pesquisador Renato Mendona, publicada na Revista Cena.

    A experincia tecnovivial e a experincia convivial so muito diferentes. Muitas vezes, o mercado, o desenvolvimento tecnolgico ou certa iluso futurista fazem com que o Homem acredite que so experincias iguais. Ou at fazem o Homem acreditar que a experincia tecnovivial v substi-tuir a convivial. Avanos tecnoviviais fabulosos fa-zem crer em um Homem superpoderoso em um mundo em que os cegos conseguiro enxergar e os paralticos lograro caminhar, tudo a partir de ferramentas de digitalizao e de virtualizao tecnovivial. O Teatro, em sua frmula bsica, no admite a supresso do corpo, o vnculo tecnovi-vial. Dessa forma, ele j se distingue do cinema, do rdio, da web, das redes ticas e da televiso. (MENDONA, 2011, p. 3)

    Interveno Urbana Ilha dos Amores Um dilogo sensual com a cidade do grupo Falos e Stercus

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  • 1 A expresso Aldeia Global foi criada pelo canadense Herbert Marshall McLuhan (1911-1980).

    REFERNCIAS

    DUBATTI, Jorge. Teatro, encuentro de presencias. Anlisis de las estruc-turas conviviales como contribucin a la teatrologa. In: DUBATTI, Jorge. El convvio teatral: teora y prctica del Teatro Comparado. Buenos Aires: Atuel, 2003, p. 09-57. _______________. Da cena contempornea. CARREIRA, A. L. A. N., BIO, A., TORRES NETO, W. L. (organizadores) ABRACE - Associao Bra-sileira de Pesquisa e Ps-Graduao em Artes Cnicas, Porto Alegre: 2012.HERAS, Guillermo. Compromisso e renovao no desenvolvimento dos fes-tivais de artes cnicas. In: FIT BH Revista 4, Belo Horizonte: 2012. p. 12-16.MENDONA, Renato. Conexes: Entrevista com Jorge Dubatti. In: CENA. N. 10. Porto Alegre: 2011. Disponvel em: http://seer.ufrgs.br/cena/article/view/26187/15321PAVIS, Patrice. Dicionrio de Teatro. So Paulo: Perspectiva, 2011. 512p.

    Podemos afirmar, ento, que um festival cumpre uma funo social e de desenvolvimento cultural, ele propicia, no mnimo, incentivo s artes e formao de novos profissio-nais das artes cnicas, alm de estabelecer encontros que permitem a construo de novos mundos. No convvio o espectador constri sentido sobre si e conhecimento sobre o mundo, elabora um espao de intimidade que pode ad-quirir uma funo social reparadora. (DUBATTI, 2003, p. 33)

    Ao mesmo tempo que os avanos tecnolgicos trou-xeram um mundo mais globalizado - no qual a informao pode se difundir instantaneamente por todo o planeta, e o conhecimento do que se passa em um lugar possvel em todos os pontos da Terra - as relaes interpessoais foram afetadas. Temos a sensao ilusria de habitarmos um mun-do sem fronteiras, uma aldeia global1. O teatro vem de en-contro a isso.

    O teatro resistncia contra as novas condies culturais: a) contra a desterritorializao [...] b) contra a dasauratizao do homem [...] c) contra a homogeneizao cultural da globalizao [...] d) contra a insignificncia, o esquecimento e a tri-vialidade [...] e) contra a suposta univocidade do real e o pensamento nico [...] f) contra a hegemo-nia do capitalismo autoritrio e o neoliberalismo [...] g) contra a perda do princpio de realidade, a transparncia do mal e o simulacro [...] h) contra a espetacularizao do social ou a cultura do espe-tculo [...] i) contra a prxis perdida [...]. (DUBATTI, 2003, p.41-43)

    importante sempre lembrar que um festival de teatro no termina quando as apresentaes artsticas encerram, ele gera frutos imensurveis. Como afirma Dubatti: [...] O acontecimento convivial excede ampla-mente a durao do acontecimento potico. (DUBATTI, 2003, p. 33). Em uma era na qual a tecnologia e as rela-es virtuais predominam, o teatro torna-se um sopro de encontro entre corpos viventes. Os festivais de artes c-nicas vm ao encontro de potencializar essas relaes. Dessa forma, torna-se necessrio um maior investimen-to e reconhecimento destes festivais que proporcionam, num mundo to repleto de encontros virtuais, encontros reais.

    *Michele Rolim mestranda em Artes Cnicas pelo PPG em Artes Cnicas da UFRGS. Possui graduao em Comunicao Social Jor-

    nalismo pela PUC RS. reprter dos cadernos de cultura do Jornal do Comrcio (de Porto Alegre - RS), responsvel pela rea de artes

    cnicas.

    NCIAS

    . Teatro, encuentro de presencias. Anlisis de las estruc-mo contribucin a la teatrologa. In: DUBATTI, Jorge.

    rctica del Teatro Comparado. Buenos

    IRA, A. L. A. N., RRES NETO, W. L. (organizadores) ABRACE - Associao Bra-

    sileira de Pesquisa e Ps-Graduao em Artes Cnicas, Porto Alegre: 2012.HERAS, Guillermo. Compromisso e renovao no desenvolvimento dos fes-

    vais de artes cnicas. In: p. 12-16.ENDONA, Renato. Conexes: Entrevista com Jorge Dubatti. In: NA. N. 10. Porto Alegre: 2011. Disponvel em: http://seer.ufrgs.br/cena/

    e/view/26187/15321Patrice. Dicionrio de Teatro. So Paulo: Perspectiva, 2011. 512p.

    na-se necessrio um maior invhecimento destes festivais que proporciona

    undo to repleto de encontros virtuais, encontros.

    *Michele Rolim mestranda em Artes Cnicas pelo PPG em Artes Cnicas da UFRGS. Possui graduao em Comunicao Social Jor-

    nalismo pela PUC RS. reprter dos cadernos de cultura do Jornal

    nadense Herbert Mar

    tecnolgicos trouqual a informaodo o planeta, e ugar possvel enterpessoais foraabitarmos um munteatro vem de en

    s novas condietorializao [...] bmem [...] c) contrglobalizao [...] duecimento e a trta univocidade d) contra a hegemoe o neoliberalismpio de realidade, acro [...] h) contraa cultura do espedida [...]. (DUBATT

    so Aldeia Global foi c1911-1980).

    xerampode sconhecitodos osafetadas. Tdo sem frocontro a iss

    O teaculturcontra a homogcontra a vialidade real e o pennia do capit[...] g) contratransparncia espetacularizatculo [...] i) con2003, p.41-43)

    do Comrcio (de Porto Alegre - RS), responsvel pela rea de artes

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  • Joseph Chaikin nasceu em 1935, no Brooklin em Nova Iorque, filho de uma famlia judia pobre de origem russa. Passou sua infncia no Middle West. Com a idade de seis anos, sofreu febre reumtica, que lhe trouxe complicaes cardacas ao longo de sua vida. Com a idade de dez anos, ele foi enviado para um Hospital para crianas cardacas, na Flrida. Foi durante esse perodo de isolamento, que Chaikin comeou a organizar jogos teatrais com outras crianas. Depois de dois anos na

    Flrida, sua sade melhorou, e ele foi devolvido sua famlia, que havia se mudado para Des Moines, Iowa. Frequentou o curso de teatro de uma escola de Iowa, e posteriormente, em Nova Iorque, foi aluno de Mira Rostova, Lee Strasberg, Nola Chilton, Herbert Berghof e Uta Hagin. Tudo concorria para que se tornasse um grande ator da Broadway. Contudo, acaba acompanhando o Living Theatre na sua turn pela Europa, em 1962, representando The Connection. Como no lhe agradava a atmosfera deprimente da pea, Julian Beck confia-lhe o papel de Galy Gay em Um Homem um Homem, de Brecht. De sua passagem pelo Living Theatre, Joe Chaikin levou total dedicao ao teatro e a negao do vedetismo em proveito do esprito grupal.

    Eu queria comear como ator, queria ser como Marlon Brando. Depois de um tempo decidi formar meu prprio grupo, porque para mim o Living estava demasiado definido numa linha e eu queria experimentar. Minha relao com o teatro mudou fundamentalmente com o meu contato com o Living Theatre. Naquele tempo eu queria promover-me como ator. Mas ao atuar em Galy Gay, personagem que, de um homem bom e inocente, se transforma, por tentar agradar, gostar e seduzir, em algo totalmente mecanizado e inumano, percebi que estava fazendo o mesmo com os meus desejos de tornar-me ator famoso. Naquele tempo, os Beck estavam fazendo manifestaes de protesto poltico, e eu lhes enfatizava minha postura como ator de teatro profissional, cuja misso de dedicar-se arte e no poltica. Ao atuar em Um Homem um Homem, de Brecht, comecei a mudar e a participar na vida do Living. Foi como se eu me convertesse a uma nova religio.

    Ao representar, inesperadamente, Brecht, Chaikin descobre, contrariamente ao que aprendera com Lee Strasberg, que o teatro no uma introspeco individual e coletiva, mas um encontro entre o ator e o espectador e a transformao instantnea de uma personagem noutra. Conjunto, mutao, contato com o pblico: doravante tentar criar um mtodo de atuao que corresponda a essas exigncias. Para Chaikin pela procura de meios artsticos determinados, pela abertura ao espectador durante a ao, mantendo, contudo, a impresso de criao espontnea, que o ator pode responder ao problema que obcecava Stanislavski: Como possvel, repetindo todas as noites o mesmo papel, manter o seu aspecto vivo e criador?. Chaikin tenta primeiramente organizar um workshop (laboratrio) dentro do Living. Mas os membros da companhia consideram o teatro como uma forma de viver e de pensar e dispem de pouco tempo para se dedicarem a exerccios. A essncia dos exerccios criados por Chaikin, neste perodo, se encontra em Mysteries and Smaller Pieces que o Living apresenta na Europa em 1963.

    A PRESENA DEJOSEPH CHAIKIN

    Somos dirigidos - como bois - a pensar, entender e perseverar. Somos controlados de fora, e no fica bem claro como (...) Somos induzidos a querer coisas com as quais no nos importamos e desistir

    daquelas que fundamentalmente queremos.(The Presence of the Actor)

    *Ncleo de Pesquisas Editoriais da Tribo

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  • Joe Chaikin, tendo ficado em Nova Iorque, funda o Open Theater com autores (Megan Terry, Jean-Claude Van Itallie, Michael Smith e Marie Irene Fornes), encenadores (Jack Levy e Peter Feldman), atores, msicos, um pintor e dois crticos (Gordon Rogoff e Richard Gilman). Todos os processos se tornam simultneos: discusses tericas, formulao dos temas, exerccios comuns e, por fim, redao do texto posto em cena.

    Em um esforo para explorar novas formas de fazer teatro, o Open Theater comeou uma srie de oficinas, laboratrios abertos, em que jogos, exerccios de movimento e improvisaes foram empregadas para expressar o inexprimvel. Quais eram os poderes expressivos do corpo do ator alm da fala? Como poderia o ator americano escapar das garras do naturalismo na formao e desempenho? Como Chaikin descreveu, o impulso era para fugir de falar. Para ele a forma superior de comunicao, no espetculo, o silncio. Desse modo, a teatralidade triunfa sobre o texto escrito. Nos dois primeiros anos de sua existncia, no havia produes de espetculos, apenas ensaios abertos ocasionais ou workshops. A investigao do ator como um instrumento totalmente expressivo - voz, corpo, movimento, gesto, era uma caracterstica impressionante e original. E quando Open Theater comeou a fazer espetculos, o processo criativo do grupo foi inspirado mais na fuso da dana e da performance musical do que sobre a prtica do teatro convencional.

    Renunciando ao teatro dos crticos, do palco na forma oficial e do pblico condicionado, Chaikin queria fazer um teatro com coisas que tivessem sentido para ele e para seus colaboradores, afirmando que a representao um testemunho do indivduo, pois quando o ator est representando, ele, como indivduo, est presente tambm.

    A ferramenta do ator ele prprio, mas o uso de si informado por todas as coisas que constituem a sua mente e seu corpo - suas observaes, suas lutas, seus pesadelos, suas prises, seus modelos; ele prprio, como cidado de seu tempo e de sua sociedade. A representao do palco e da vida esto absolutamente juntas, no querendo dizer que no haja diferena entre ambas. O ator desenha o seu papel no palco a partir da mesma base que a pessoa desenha a sua vida. A representao no palco informa a representao na vida e informada por ela.

    Dentro do sistema em que est inserido, o ator tem duas opes:

    - ou se encaminha na busca de sua unidade interior e dos contatos ntimos que realiza fora de si, envolvendo-se com outros caminhos alm do seu prprio, correndo riscos e explorando as suas regies nunca antes vivenciadas, recriando-se continuamente;

    - ou se estabelece no sistema, praticando comportamentos e tcnicas que reforam tanto o seu esteretipo rgido, como ator, quanto o do espectador, como tal.

    O Open Theater obedece ao princpio do encontro de um ator e de um espectador, reunidos pelo prazer de uma ao ou pela experincia de um destino comum. Vrias peas surgem deste modo, entre as quais Viet Rock, representada em 1966 no caf La Mamma, que faz com que o Open Theater seja chamado a Londres por Peter Brook para a encenao de US, e a encontre Jerzy Grotowski. Em sua estada em Nova Iorque, em 1967, Grotowsky trabalhou com os atores do Open. Os exerccios com ressonadores de Grotowsky, permitiram ao grupo utilizar novas possibilidades do corpo para criar sons e movimentos. Encontramos estas influncias em A Serpente, inspirada nos mitos bblicos (estado de inocncia, descoberta do sexo, primeiro assassnio), mas incorporando os eventos atuais, como a violncia que assolou a dcada de 1960, sem figurinos nem cenrios, encenada na primavera de 1968, ainda como work in progress. A partir da o Open Theater torna-se uma das companhias mais influentes dos Estados Unidos. O pblico lotava o pequeno ateli teatral, situado em

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  • um antigo armazm na Rua 14, para assistir gratuitamente s suas improvisaes coletivas. Um exerccio do Open Theater realizado por Jean-Claude van Itallie, Interview (Entrevista), tornou-se parte da pea American Hurrah, quando a pea estreou no Pocket Theatre em 1966. Em 1969 o Open Theater realizou Fim de Partida de Samuel Beckett, com Chaikin desempenhando o papel de Hamm e Peter Maloney como Clov, na Cit Universitaire em Paris, e em 1970 na Penitenciria Grasslands realizando o desejo de Chaikin em apresentar para pblicos que eram culturalmente diferentes do pblico tradicional. Em 1970-1971 o Open Theater apresentou Terminal de Susan Yankowitz, cujo tema a reencarnao, excursionando internacionalmente com a produo - inclusive no Festival de Artes de Shiraz no Ir (1971) -, bem como em muitas prises, inclusive de segurana mxima, dos EUA e no Canad. Seus ltimos espetculos foram Mutation e Nightwalk, criaes coletivas. O Open Theater funcionou por cerca de dez anos. Durante a sua trajetria explorou os elementos teatrais criando uma esttica pessoal e questionando as formas estabelecidas do teatro e sua funo. Atuou em teatros, mas tambm em igrejas, armazns, universidades e prises. A razo de ser do Open Theater foi a tentativa de realizar um tipo de teatro oposto s insatisfatrias tendncias do teatro oficial contemporneo. Open Theater terminou em 1973, porque, segundo Chaikin, estava em perigo de tornar-se uma instituio. Apesar de ter obtido muito sucesso de crtica, Chaikin disse: Eu conheci raros casos em que a reflexo de um crtico sobre atores, diretores e escritores expandiu ou incentivou seus talentos. Eu conheci casos em que, degradando ou elogiando, o crtico esmagou ou desencorajou a inspirao criativa.

    Seu primeiro trabalho aps o fim do Open Theater foi em colaborao com o dramaturgo Robert Montgomery: Electra, uma verso com trs personagens do mito Electra com Michele Collison (do grupo de Peter Brook) no papel-ttulo, Paul Zimet como Orestes, e Shami Chaikin, irm de Joe, como Clitemnestra. O trabalho foi um sucesso de crtica em Nova Iorque e mais tarde foi apresentado em faculdades nos Estados Unidos com Tina Shepard no papel-ttulo.

    Em 1977 Chaikin formou uma companhia experimental de workshop chamada The Winter Project,

    que inclua os membros do ncleo do Open Theater, entre outros. Em The Winter Project, Chaikin props e participou de experincias sobre a fronteira entre vida e morte, o ator como performer/contador de histrias. Sua produo O Dybbuk (do folclore judeu, que significa quando a alma de uma pessoa morta se apossa do corpo de uma pessoa viva) no Public Theater em 1977-78 foi, at certo ponto, influenciada por essas pesquisas. Chaikin tinha uma estreita relao de trabalho com Sam Shepard e juntos eles escreveram as peas Tongues (Lnguas) e Savage/Love (Selvagem/Amor), que estrearam em So Francisco no Magic Theatre.

    Atormentado durante toda a sua vida por uma doena cardaca crnica, em 1984 durante a sua terceira cirurgia de corao aberto, sofreu um acidente vascular cerebral. O acidente vascular cerebral o deixou gravemente afsico. No comeo, ele mal era capaz de falar, mas se recuperou o suficiente para dirigir, escrever e at mesmo atuar durante mais duas dcadas. Chaikin trabalhou incansavelmente para recuperar sua capacidade de compor seus pensamentos em discurso coerente. Seu trabalho ps-AVC um testemunho de que a sua vontade no deixou diminuir o seu processo criativo e para o papel salva-vidas do teatro em sua vida. Um ano aps o AVC Chaikin voltava a atuar na pea A Guerra No Cu, criada por ele e Sam Shepard. Em 1994, eles publicaram o livro Cartas e Textos (1972-1984), cuja epgrafe a ltima linha de um dos poemas de Brecht: Voc pode fazer um novo comeo com o seu ltimo suspiro.

    Chaikin era um especialista em Samuel Beckett. Ele adaptou Texts for nothing (Novelas e Textos para Nada) com Steven Kent, que o dirigiu em um espetculo solo baseado neste material e foi apresentado no Public Theater em Nova Iorque, no Roundhouse Theatre em Londres, no American Center em Paris e em Toronto. Chaikin dirigiu uma srie de peas de Beckett, incluindo Fim de Partida no Manhattan Theatre Club e Dias Felizes no Cherry Lane Theater.

    Joseph Chaikin morreu em 22 de junho de 2003 em plena atividade, neste ano dirigiu Medeia na Califrnia, Broken Glass de Arthur Miller em Atlanta, e estava realizando audies para a encenao de Tio Vnia de Tchecov na Filadlfia.

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  • Chaikin recebeu seis prmios Obie Awards, incluindo um por Lifetime Achievement (Realizao de Vida), e duas bolsas Guggenheim.

    Seu livro A Presena do Ator foi publicado pela primeira vez em 1972 pelo Theatre Communications Group e uma segunda edio foi publicada em 1991. Baseado em suas experincias com os atores, o livro inclui notas com exemplos, fotografias e exerccios das produes do Open Theater, e registra as ideias de Chaikin sobre o teatro como ferramenta de transformao social. Em 2010, ele foi introduzido, a ttulo pstumo, no American Theatre Hall of Fame (uma espcie de corredor da fama do teatro americano).

    BIBLIOGRAFIAJANUZELLI, Antonio, A Aprendizagem do Ator, Editora tica S.A., So Paulo, 1992.FAVROD, Charles-Henri, Le Thatre, Hachett, Paris, 1976.JOTTERAND, Franck, El Nuevo Teatro Norteamericano, Barral, Barcelona, 1971.

    Qual o processo de formao de um ator?

    Chaikin - O ator sofre um processo que inclui trs etapas: 1) Condicionamento pelo ambiente; 2) Inteno que deseja transmitir; 3) Forma de expresso eleita. As escolas de atores, alm de ensinar a comportar-se em cena, devem ensinar a interpretar as experincias vividas. Mas essas escolas nos ensinam a considerar unilateralmente as expresses de tristeza e alegria. A vida no assim. As coisas so confusas e complexas; numa mesma cidade, existem pessoas que celebram a vida e ajudam ao prximo e outras que crem que vida um crime. Um ator deve compreender a perplexidade da dicotomia, no s mediante anlise visvel desse fenmeno, mas tambm mediante sua ao dramtica.

    O que diferencia o teatro do cinema?

    Chaikin - Nossas vidas se relacionam sempre com o conceito de tempo, onde nunca podemos esquecer a perspectiva histrica nem a influncia de qualquer ato presente; sem dvida podemos deixar que o passado ou o futuro sabotem nosso presente. Em qualquer momento temos em ns a totalidade de nossa vida, diz Pirandello. Em nossa sociedade localizamos o presente como uma lembrana antecipada do futuro. Ao contrrio do cinema, o elementar no teatro a presena atual. Atuar manifestar visivelmente partes de ns mesmos, sem separar nossa mente de nossas vsceras. Como artistas, somos veculos que possibilitam a manifestao das ideias formalmente, atravs de nossas sensaes. A responsabilidade do artista reside, para mim, no na fidelidade a algumas ideias, mas na fidelidade s intuies respectivas e s sensaes provocadas pela plateia. O artista que utiliza sua arte para recrutar adeptos a sua ideologia, est atuando como vendedor. O fundamental na arte a liberdade.

    Quantos tipos vlidos de teatro existem?

    Chaikin - O teatro est, por uma parte, com o que cada um est de acordo ideologicamente. Algumas pessoas so de opinio que deve-se atuar nas ruas e representar peas polticas. Outros opinam que o bom teatro aquele que se relaciona mais diretamente com a emoo a nvel orgnico. E ainda outras, opinam que o teatro deve operar a nvel psicolgico, fazendo-nos compreensveis nossos medos, nossas lgrimas ou nossos sonhos. Para mim, o bom teatro aquele que estabelece uma dialtica entre todos esses fatores. Crtica orgnica temperamental e psicologicamente autntica. Uma pea de teatro no pode ser um manifesto, porque ser vazia.

    Qual a funo do teatro?

    Chaikin - Para mim, fazer um mapa das circunstncias humanas e um mapa inclui diferentes pases, diferentes cidades e diferentes estados. Em cada lugar se produz alimentos diferentes e as pessoas deveriam ir ao teatro para experimentar essas circunstncias, sejam elas quais forem. Para mim o teatro um modo de afirmar alguma coisa, mesmo que essa afirmao seja uma afirmao da morte, como no caso de Terminal. E para mim, a unio de uma comunidade com suas diferentes imaginaes e sensibilidades, um modo de afirmao. Uma das coisas que eu gostaria que o teatro se convertesse, num porta-voz das diferentes partes da natureza humana que at agora no tiveram narraes que inclussem experincias comuns, experincias compartilhadas e experincias isoladas.

    (Trechos da entrevista com Joseph Chaikin publicada em Novos Rumos do Teatro, Salvat Editora do Brasil, 1979)

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  • Compartilhamos nesta edio da Cavalo Louco parte de nossa pesquisa em tor-no da biografia e da obra do diretor e dramaturgo peruano Lino Rojas (1942-2005)1. Debruamo-nos sobre docu-mentos do arquivo pessoal e do acervo do grupo teatral que ele idealiza e inspi-

    ra desde o primeiro sopro, o Pombas Urbanas, gestado, nas-cido, criado e radicado na regio leste de So Paulo faz 24 anos. Alm da prospeco material, focamos em entrevistas presenciais com artistas, amigos, familiares e personalida-des que convivem com Rojas quer na cidade em que che-gou em 1975 quer na capital peruana, Lima, sua terra natal.

    O trabalho de campo na cidade-bero soma encon-tros com sobrinhos, uma tia, diretores de teatro, atores, colegas e professores da faculdade que ele frequenta no final dos anos 1960. Os depoimentos ajudam a compor uma linha de tempo at ento desconhecida em sua totalidade pelos brasileiros que contracenaram com sua amizade ou so receptores das criaes do diretor morto aos 62 anos, vtima de sequestro.

    Nosso desafio recompor minimamente os 33 anos vividos por Lino Rojas em seu pas de origem antes de apor-tar no Brasil para atravessar outros 29 anos at o desfecho

    O LEGADO

    ARTSTICODE

    LINO ROJAS

    Valmir Santos*

    1 O autor foi contemplado pelo Programa de Bolsas de Estmulo Produo Crtica em Artes/Teatro, iniciativa da Fundao Nacional de Artes, Funarte/Ministrio da Cultura.

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  • trgico a que, infelizmente, qualquer cidado est sujeito em consequncia da violncia urbana.

    Um dos aspectos mais instigantes dessa incurso constatar a participao ativa de Rojas junto ao grupo Cuyac, Cultura e Rebelin, um coletivo de estudantes e tra-balhadores que atua entre 1971 e 1978, em plena ditadura militar (1968-1980) deflagrada pelo general Juan Velasco Al-varado. Tempos de resistncia e militncia. Nos quatro anos que precedem a vinda definitiva para o Brasil, Rojas distan-cia-se dos estudos de artes cnicas e se junta aos colegas dessa causa em atividades nas dependncias da Faculdad de Medicina da Universidad Nacional Mayor de San Marcos.

    O pice dessa empreitada so as exibies de filmes no cineclube local e tambm alcanam, concomitantemen-te, os bairros mais populares de Lima que recebem o ci-nema poltico, sobretudo oriundo de pases como Rssia e Vietn, alm de montagens teatrais amadoras com inte-grantes do Cuyac.

    A expresso quchua cuyac designa el que ama, aquele que ama. Trata-se de referncia ao poeta Edgardo Tello (1942-1965), militante intelectual assassinado pelo regime quando conta 23 anos e vem estudar filosofia em Cuba. Tello pertence ao Ejrcito de Liberacin Nacional do Peru (ELNP) e executado em 17 de dezembro de 1965, nas montanhas Ayacucho. As foras militares matam o guer-rilheiro. Seus poemas perpetuam.

    Quem preside o Cuyac Tito Fernandez Jeri, hoje um renomado cirurgio plstico em seu pas. Ele recorda de Ro-jas como um artista carismtico, um rapaz que contempori-za quando os nimos ficam mais acirrados, os conflitos in-ternos em termos de tticas e estratgias adotadas. Em vez de pegar em armas, ao extremista adotada por guerrilhas em vrios contextos de exceo em pases da Amrica do Sul, para ficar num quintal do planeta, os ativistas do Cuyac exercem papel distinto: veem na arte uma ponte concreta para estimular a conscincia crtica e a transformao dian-te da realidade que enfrentam. Guerrilha cultural, em suma.

    O diretor Miguel Rubio Zapata, do Grupo Cultural Yuyachkani, em atividade h 42 anos, guarda como primeira lembrana de Rojas justamente a sua sensibilidade huma-nista ao recitar poemas vietnamitas naqueles anos em que o mundo assiste tomada do pas asitico pela ensima invaso a cargo de tropas norte-americanas.

    Tal defesa incondicional da arte como signo de mu-danas de realidades vai acompanhar toda a trajetria te-atral de Rojas. o que determina sua disponibilidade em trabalhar junto a jovens moradores de So Paulo quer no mbito estudantil, em agremiaes da Universidade de So Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), quer em comunidades da zona leste paulistana, tendo como pblico-alvo adolescentes e crianas terreno frtil para o florescimento do grupo Pombas Urbanas em 1989.

    Recuamos pouco mais de duas dcadas desse mar-co para encontrar Lino Rojas matriculado no final dos anos

    1960 em cursos livres do ento Instituto Nacional Superior de Arte Dramtica, Insad, fundado em 1946. Eis um aluno entusiasta que ocupa o chamado Teatrinho, palco com cer-ca de oito metros de boca de cena por cinco metros de profundidade, um espao diminuto diante de plateia para pouco mais de cem pessoas. pisando esse mesmo ta-blado, em 2009, que o professor de cenografia e adereos Arthuro Villacorta rememora a devoo da turma de Rojas para com exerccios e ensaios em torno de duas obras de Anton Tchekhov, Tio Vnia e A gaivota.

    Nos mesmos corredores daquela instituio, rebatiza-da nos anos 1970 Escuela Nacional Superior de Arte Dram-tico, Ensad, outra colega de turma do diretor, a atriz Maura Serpa, encontra-se lecionando e tambm puxa da memria o perodo de formao em que tem a chance de sorver as palavras e pensamentos de alguns chamados mestres da histria do ofcio na Amrica Latina. Caso do diretor e dra-maturgo uruguaio Atahualpa del Cioppo (1904-1993), que passa algumas semanas em Lima para partilhar bagagem como integrante e um dos fundadores do Grupo El Galpn, fundado em 1949 em Montevidu. Idem para o colombiano Enrique Buenaventura (1925-2004), do Teatro Experimental de Cali, o TEC, precursor da criao coletiva no continente.

    Localizada no Parque de la Exposicin, um complexo arquitetnico dotado de jardins e inaugurado em 1872, a atu-al Ensad conserva o piso de madeira em boa parte dos cor-redores, alm de fotos de cones do teatro mundial emoldu-radas nas paredes. Os estudantes convivem diuturnamente com os olhares em preto e branco de Shakespeare, Molire, Ibsen, Tchekhov, Stanislavski, etc. Junto secretaria, localiza-

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  • mos pelo menos cinco folhas que registram atas de exame de Rojas em cursos livres de dico, maquiagem, prtica c-nica e movimento cnico nos idos de 1968 e 1969.

    Com formao autodidata j bem fornida para lhe despertar o senso crtico ele est com 25 anos quando a mdia dos colegas de turma recm passou maioridade , o futuro diretor e dramaturgo esquiva-se da pedagogia formal da instituio. Acha-a demasiado maante nas con-venes tericas. Prefere, assim, frequentar os cursos es-peciais. Interesse-lhe, naquela etapa da existncia, agregar habilidades prticas.

    No campo das relaes familiares, o grau de paren-tesco mais prximos dele no Peru so uma tia e trs sobri-nhos. Os pais e irmos de Rojas esto mortos. Na passagem por Lima, convivemos um pouco com dois sobrinhos, Juan Carlos Diaz Paredes e Santiago Antonio Rojas Sanchz. Am-bos so os principais cicerones a nos guiar pelas caracters-ticas do tio artista e brincalho que guardam nas lembran-as. A me de Paredes, Julia Paredes Gorbalan, casada com Juan Diaz Perez, um dos irmos de Rojas, tambm nos ajuda a resgatar o passado apesar de seus 88 anos.

    Dedicamos uma manh inteira a conhecer a casa onde Rojas passou a infncia e a adolescncia no bairro La Parada, distrito de La Victoria, regio central limenha. A moradia conjugada assemelha-se mais a um cortio. Ali convivem vrios integrantes de uma mesma famlia, entre cmodos e passagens estreitas interligando umas casas s outras. Hoje, esse cenrio est modificado, apesar de con-servar suas paredes originais. Os cmodos so adaptados

    como oficinas de costura sublocadas. Trata-se de uma das centenas de pontos comerciais no agitado centro txtil em que se tornou o La Parada, equivalente aos bairros paulis-tanos do Bom Retiro ou do Brs. No mesmo local conhe-cemos o Mercado Minorista, o mercado em que a me de Rojas, Tefila, ocupa o box 914 para vender especiarias e manter o sustento da famlia no incio da dcada de 1950, sempre vestindo avental com bolsos largos na frente. Uma me coragem que marca profundamente a viso de mundo do caula Lino Rojas Perez. Homem que tambm constri famlia brasileira, casado com Maria Teresinha Figueiredo, de quem se separa depois, e pai de Daniel e Diego.

    Semeando asas em So Miguel

    Conhecemos o dono do sotaque portunhol que formou geraes de mulheres e de homens para a vida. O autor destas linhas faz um dos cursos de iniciao ao teatro no bairro de So Miguel Paulista, na Oficina Cultural Luiz Gonzaga. Sabemos das bases sociais e ideolgicas que es-to na gnese do coletivo fundado na zona leste em outu-bro de 1989. Fizemos parte da fase amadora nos primeiros trs anos do ncleo. Testemunhamos a capacidade peculiar desse criador em produzir snteses poticas em cena, com nfase na ao fsica. Rimos das incorrees polticas de seu teatro de rua sem concesses. patente o pendor para a fala sem papas na lngua em encontros pblicos, sobre-tudo aqueles inerentes classe teatral, os rompantes com desafetos, a sem-cerimnia ao retirar-se da plateia quando um espetculo no o comunica a que veio.

    No hiato da fundao em So Miguel fixao em Ci-dade Tiradentes, dois distritos populosos da cidade, o Pom-bas Urbanas morou em outras regies, em direo a oeste ou ao centro. A sobrevivncia nas franjas de So Paulo no impede o grupo de carimbar passaporte para o circuito te-atral de espaos antolgicos como o Teatro Brasileiro de Comdia, o TBC, ou cumprir roteiro de espaos pblicos de referncia como Praa da S, Minhoco, Boulevard So Joo e Avenida Paulista.

    Lino Rojas um caminhante enamorado da cidade. Adora flanar pelas ruas dos bairros onde mora, como Ja-guar e Itaim Bibi, na zona oeste. Tem dileo pelo centro agitado, onde as figuras errantes ou deslocadas resultam seres invariavelmente francos e lcidos em seus estados de alteridade. Uma arte de mendigos superiores, no dizer do dramaturgo francs Jean Genet (1910-1986). O teatro est na rua, repete o artista peruano, observador contumaz que encontra interlocutores de toda sorte para nutrir sua escrita para a cena; para os poemas guardados que chama carinhosamente por elefantes; para os esboos de rotei-ros cinematogrficos que nem sempre pousam no papel e so transmitidos roda de atores atravs da oralidade. Esse griot metropolitano encoraja seus aprendizes/discpulos a olhar para as runas de um galpo distante de tudo a de-pender do ponto de vista mope e enxergar o futuro em que se encontram.

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  • Pisar o Centro Cultural Arte em Construo em Cida-de Tiradentes, inaugurado h dez anos, experincia fun-damental para entender a biografia do ncleo artstico e do homem que o insufla. Entre as paredes externas grafitadas do caixoto de 1.600 m2 erguido num barranco da Avenida dos Metalrgicos, na Cidade Tiradentes, nos arrabaldes, de-paramos com uma vasta arena interna, de p-direito alto, propcia aos nmeros circenses que por l tambm se ensi-nam. direta, fica o Teatro Ventre de Lona, nome simbolica-mente sublinhado por luzinhas coloridas como a fazer jus ao ttulo homnimo da montagem que pode ser considerada a obra-prima de Rojas, do final da dcada de 1990.

    O impondervel uma constante de sua obra. Em peas como Os tronconenses (1991), Funmbulo (1993) e Ventre de lona (1998) o real e o imaginrio colidem, infiltram--se, sobrepem-se, retroalimentam-se. No primeiro texto, as crianas so os nicos moradores de uma cidade inventada. Nela, vivem os papis de adultos ou delas mesmas diante de acontecimentos ora lricos ora dilacerantes, como a brin-cadeira de pular cordas, a fome e a loucura. J o segundo e o terceiro textos imprimem adaptaes umbilicais de um ensaio de Genet, Le funambule (1957), no qual o dramatur-go marginal critica os pares do teatro por sua trivialidade, falta de cultura e tolice. A dramaturgia hbrida de Rojas conta a histria de uma criana abandonada porta de um velho teatro. Ela cuidada pelos fantasmas de artistas que o habitam, extenso da carne e do esprito do ofcio.

    Rojas gostava da autodefinir-se ator. Antes de tudo, ator. dessa perspectiva que mira a arte ancestral. Um di-letante ao lado da equipe com que trabalha. No salvaguar-da hierarquia. Prxis coletiva. Os insights vm por meio de sonhos, de imagens trasbordantes do dia a dia. Anota as ideias em caderninhos, guardanapos. Partilha tudo com o grupo. Os jovens atores o ajudam a mediar a lngua, por as-sim dizer. Em sua fala, Rojas no faz questo de valorizar o espanhol de bero, tampouco se preocupa em aperfeioar o portugus do Brasil ao p da letra. O portunhol sua

    ptria e o teatro, seu planeta guia. Estimula os artistas do Pombas Urbanas a con-quistar autonomia no s nos quesitos organizao e pro-duo, mas no exerccio mais apurado da dramaturgia, da direo, dos figurinos, do aprendizado de um instrumento. generoso na transferncia de conhecimento, nada de caixa--preta. Isso explica muito da fora herclea que o grupo de-monstra ao vivenciar o luto e tocar em frente, com mpeto, determinao e carinho o projeto do Centro Cultural Arte em Construo.

    As convices artsticas, comunitrias e institucionais so aliceradas com gana em Cidade Tiradentes. No f-cil manej-las. Um parmetro recente do jogo de cintura demonstrado por Adriano Mauriz, Marcelo Palmares, Paulo de Carvalho, Juliana Flory e Marcos Khaju a plataforma--base do grupo na conduo das trs demandas citadas h pouco e exigidas bea durante a aventura do projeto El Quijote, em 2009, que envolve uma centena de pessoas no marco de lanamento da Red Latinoamericana de Teatro en Comunidad. Representantes de 16 coletivos vindos de dez pases cumprem residncia artstica por 20 dias no galpo. O compromisso: montar a verso do colombiano Santiago Garca, cofundador do Teatro La Candelaria, para o clssico de Cervantes sob direo de Csar Badillo, um ator mag-netizante da trupe de Garca. Foi uma passagem histrica constatar a simbiose de culturas to distintas em torno de

    Quixote e Sancho, o cavaleiro andante e seu escudeiro, solidrios no embate ideal versus realidade. Para o triunfo daquele sobre esta, importa o meio, no os fins. E tem sido assim ao longo dos tempos humanos entre o cu e a terra: o teatro move seus amantes tal qual Dulcinia em relao ao Cavaleiro da Triste Figura. Don-de intumos que cada coletivo enfrenta as injustias do mundo conforme os desg-nios que os trazem at aqui. Lino Rojas lega os seus com coragem e beleza.

    *Valmir Santos jornalista com atuao em reportagem, crtica e pesquisa teatral desde

    1992. Criador do site www.teatrojornal.com.br.

    atro, seu planeta guia. artistas do Pombas Urbanas a con

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  • So Paulo, setembro de 2011

    Querido Maia,

    Ol, resolvi te escrever somente agora. Daqui a pou-co voc vai entender a razo. Mas, antes de mais nada, quero dizer que no estou demente em escrever para voc. Sei o que estou fazendo. Ou pelo menos acho que sei.

    H algum tempo atrs em um espetculo que dirigi sobre a Araci Crtes escrevi, no programa, uma carta a ela. claro que eu sabia, e todo o pblico tambm sabia, que ela j no estava mais de corpo presente entre ns, mas foi a forma que eu encontrei de justificar a minha encenao. O espetculo chamava-se PR VOC QUE ME ESQUECEU. Falava das velhas atrizes de Revista Brasileira que foram es-quecidas. Falava da nossa falta de memria no Brasil. Enfim... eu gostava muito do espetculo. Acho que voc no assis-tiu. No me recordo. Ah... tambm fiquei chateado porque voc no viu a encenao de MEDIA, A MULHER-FERA que ns montamos aqui no FOLIAS em cima do conceito do homem-cordial. Aquela sugesto sua sobre essa discusso em nossas relaes ainda d pano para manga. Sei que lhe falei sobre a utilizao do seu texto com trs Medeias mas os deuses do Teatro resolveram me colocar na fria de ter que decidir sem a sua opinio completa. Fazer o qu? Montamos e tambm gosto do que acontece em cena. Ah... e parece que os atores tambm gostam de fazer. Ah... e mais incrvel ainda que o pblico tambm aprecia... vai saber, n?

    Mas na verdade a razo especfica dessa carta : RESOLVEMOS ns, da GERNCIA DO FOLIAS (quem est atualmente sou eu, Danilo, Carlo, Nani, Patrcia e Val - co-loquei nessa ordem por puro acaso), pois bem, RESOL-VEMOS cada um escrever um texto para ser colocado no CADERNO DO FOLIAS aquele que voc to bem cuidou enquanto estava no seu ofcio de artista. Resolvemos isso e estamos com a batata quente na mo! Dvidas muitas e vontades todas.

    Dagoberto Feliz*

    GrupoFolias dArteQ

    uando o email do I NIS AQUI TRAVEIZ chegou sentimo-nos, NIS aqui do FOLIAS, muito felizes. Pela simples razo da lembrana de parceria.

    Podendo parecer Romntico, no atual momento, isso era exatamente o que necessitvamos: certezas de PARCERIAS. Certeza de futuras conversas. Certeza de histrico.

    A partir do email convidando para um artigo reflexivo sobre o FOLIAS lembrei-me imediatamente de um artigo escrito para o nosso CADERNO DO FOLIAS que no chegou a ser publicado: uma suposta carta endereada ao nosso querido amigo/dramaturgo/filsofo/irmo/cidado REINALDO MAIA precocemente falecido.

    Podendo parecer prolixo peo licena para reproduzir aquele texto escrito em 2011.

    L vai.

    A pergunta principal : - Ser que seis artistas no acostumados ao hbito da escrita, ainda mais para o CADER-NO DO FOLIAS, que era um dos seus xods, vo dar conta dessa tarefa to bem cuidada por voc anteriormente?

    Revendo edies anteriores encontramos artigos de gente muito, mas muito especializada, que no citarei para no fazer uma lista enorme e tampouco correr o risco de esquecer algum pela minha memria de 50 anos (sim j estou com essa idade...nem parece, n? ).

    Sei que infelizmente voc no poder me responder diretamente, mas queria MUITO dividir com voc esse mo-mento, diria quase histrico, de novas responsabilidades.

    Ns, que lemos o seu livro O ATOR CRIADOR, ago-ra sim nos vemos pela sua falta nessa posio obrigat-ria. De pegar o prprio leme e navegar. O leme de cada barquinho e o desse naviozo que voc conhece que o equipamento chamado GALPO DO FOLIAS.

    Ah... novidade tambm!!! Saiu o alvar de funciona-mento do FOLIAS!!! A Prefeitura de So Paulo nos permitiu abrirmos as portas. Legal, n? Aquela denncia annima at que serviu para alguma coisa ento... Continuamos no sabendo quem foi o e/ou a filha-da-puta que ligou para a fiscalizao para dizer que ramos clandestinos. Olha s! Estamos legalizados agora. Salve o politicamente correto! Nos sentimos mais cidados a partir do HABITE-SE.

    Bem... desculpe, desviei o assunto. Voltando. Tenta-remos assim.

    Cada um dos atuais gerentes escrever o que sua percepo mostra sobre o projeto MIRAR ADELANTE. Es-tamos acreditando que o juntar de todas as opinies, cons-cientes e responsveis artisticamente na individualidade, se transformem em um ncleo artstico coeso e profcuo que permita dar qualidade ao CADERNO DO FOLIAS.

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  • Bem, pode perceber que a Utopia continua nos ron-dando...

    Tenho que dizer que s vezes nos falta uma deciso poltica. Um grito seu.

    Tivemos h pouco tempo um acontecimento da ocupao da Funarte que no soubemos como agir. Sim-plesmente isso. No soubemos.

    Com o advento do FACEBOOK (quando voc par-tiu ele no estava to em moda quanto agora) estava eu na minha casa quando algum, que realmente no me recordo ao escrever estas mal traadas linhas, me falava atravs de uma janelinha que chama bate-papo (olha que peculiar...) - Hei, Dago, vem para c! Estamos aqui na Fu-narte! Voc acredita que dei uma desculpa qualquer e no respondi o que eu tinha vontade. Falei que estava com um problema no meu joelho esquerdo (o que realmente era verdade... acabei operando o menisco agora no final de agosto), mas que desejava que tudo rolasse bem. Olha s a cordialidade ainda mal resolvida em mim. Minha von-tade era na verdade falar que eu me sentia invadido por algum que eu no conhecia direito, que no sei o que pro-duz, quem no sei exatamente quem , chegar para mim atravs de uma janelinha e me pressionar a ir a qualquer lugar que seja. Fiquei sem ao. Dividi isso com os com-panheiros de gerncia e cada um a seu modo tambm se sentia um pouco desse jeito.

    Ns, FOLIAS, que ramos to atuantes politicamen-te, estvamos agora numa posio de recuo? Ser isso? Acho que no.

    Acho talvez, que perdemos a ingenuidade...

    Aprendemos, com a idade, a bater somente quando existe uma real possibilidade de mudana.

    Estamos um pouco sozinhos tambm. Montamos a programao do espao este ano pensando muito nis-so. Quem so nossos parceiros? J sabemos quando e a quem nos unirmos em relao a polticas culturais pbli-cas, mas quem est dialogando conosco em cena? Cha-mamos gente de outros grupos para elencos, o LUS AN-TONIO GABRIELA que um espetculo do Nlson Basker-ville com uma moada linda, AS TRS VELHAS com dona Maria Alice Vergueiro e seu Luciano Chirolli... e estamos encontrando e continuamos cata. Com quem conversa-mos em cena? A Mostra desse ano traz um povo de fora tambm. Continuaremos a tentar.

    E como ns j dizamos l no seu e nosso BABILNIA...

    (...) quando as sombras avanam na noite o remdio aldear (...)

    Bem... esses so nossos pensamentos atuais. Um pouco confusos, mas muito intensos. Acho que isso bom. Queremos e esperamos que esse CADERNO DO FOLIAS tenha um mnimo da sua RADICALIDADE, do seu senso de JUSTIA e um tudo de VOC.

    Lembrando a Araci Crtes, no que depender de ns todos que te amvamos, no deixaremos que este Brasil cordial apague voc da MEMRIA dele.

    Saudades muitas Um beijo na bocaDago

    Isso posto...

    Passados dois anos e meio, eis a nova conjuntura:

    - Continuamos a honrar nossos antepassados. Acreditamos ser isso imprescindvel. Discutir com seus conceitos. Isso nos deixa, a todos ns, vivos e presentes.

    - Continuamos na busca de um TEATRO que exista criticamente junto ao pblico.

    - No existe mais aquela gerncia. Existe agora, em nova utopia, um nmero grande de atores-criadores que, conversando, apontam os novos caminhos.

    - Retornamos a agir mais politicamente.

    - Aprendemos a lidar com o Facebook. Tem at nos auxiliado, e muito, na contramo das mdias tradicionais e retrgradas.

    - Estamos em movimento. O nosso mais recente espetculo FOLIAS GALILEU coloca isso em cena.

    - Receberemos mais e mais grupos PARCEIROS em nosso GALPO DO FOLIAS.

    E para terminar vai agora, no uma carta. Vai um bilhetinho:

    Querido Maia e todos os leais parceiros. Resistimos... estamos juntos... ns e vocs todos. Um beijo. Na boca. De lngua. Dago

    Este artigo foi escrito, AINDA, somente por uma pessoa.

    So Paulo, 15 fevereiro de 2014

    *Dagoberto Feliz (um dos atores-criadores do FOLIAS)

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  • Espetculos do grupo:

    PASSOU POR AQUI Dramaturgia: Carlos Francisco e Bruno Perillo - Direo: Val Pires - Galpo do Folias - So Paulo - novembro/2013

    FOLIAS GALILEU Dramaturgia: Grupo - Direo: Dagoberto Feliz - Prmio APCA de Melhor Direo - Galpo do Folias - So Paulo - abril /2013

    A SAGA MUSICAL DE CECLIA DESDE PRISCAS ERAS AT OS DIAS DE HOJE... Dramaturgia: Carlos Francisco - Direo Danilo Grangheia - Galpo do Folias - So Paulo - maro/ 2012

    A DCIL Dramaturgia: Dagoberto Feliz/ Pedro Mantovani - a partir da novela A Dcil, de Dostoievski - Direo Pedro Mantovani - Galpo do Folias - So Paulo - julho/2010

    ALGO DE NEGRO Dramaturgia de Thiago Mendona - Direo Carlos Francisco - Espetculo de Rua - Macei - AL - Agosto de 2010

    MEDIDA POR MEDIDA de William Shakespeare - Direo Val Pires-Traduo e adaptao de Fbio Brandi Torres - Galpo do Folias - SP - Julho / 2010

    XODOS - O ECLIPSE DA TERRA Textos Bruna Bressani, Danilo Grangheia, Flvia Tavares, Ieltxu Martinez Ortueta, - Joana Matei, Jorge Lourao, Patricia Barros, Val Pires e Oficina de escrita com Jorge Lourao. - Direo Marco Antonio Rodrigues - Galpo do Folias - SP - Janeiro / 2010

    MEDEIA - A MULHER FERA De Reinaldo Maia - Direo Dagoberto Feliz - Galpo do Folias - SP - Setembro / 2009

    NUNZIO De Spiro Scmone - Direo Danilo Grangheia - Galpo do Folias - SP - Julho / 2009 -

    CARDENIO De Stephen Greenblat e Charles Mee - Direo Marco Antnio Rodrigues - Galpo do Folias - SP - Junho/ 2009

    QUER - UMA REPORTAGEM MALDITA Texto de Plnio Marcos - Direo Marco Antonio Rodrigues - Galpo do Folias - SP - Janeiro/2009

    CABAR DA SANTA Texto de Reinaldo Maia e Jorge Lourao - Direo de Dagoberto Feliz - Galpo do Folias- SP -Maro/2008

    ORESTIA, O CANTO DO BODE A partir da obra de squilo - Direo de Marco Antonio Rodrigues - Galpo do Folias - SP - Junho de 2007

    Espetculo indicado ao Prmio Shell/2007 - Categorias: Melhor ator ,Iluminao e direo musical - PREMIO VILLANUEVA DE LA CRITICA TEATRAL CUBANA Novembro