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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 14, n. 1, p. 37-47, jun. 2004 37 A Declaração Universal dos Direitos Humanos e o futuro da humanidade: conceitos filosóficos e a sua efetividade Resumo O presente texto elaborado a partir da leitura da Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma pequena contribuição ten- tando realçar o esforço para universalização dos direitos funda- mentais da pessoa humana. Neste trabalho, faz-se uma tentati- va de compreensão dos Direitos Humanos através dos seus sig- nificados e de algumas das suas fundamentações. Em seguida, procura-se evidenciar os motivos do surgimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos com os seus princípios nortea- dores. Menciona-se que, em decorrência da Declaração Universal, surgem os sistemas regionais ou por continente, os instrumentos internacionais de proteção, os organismos internacionais de de- fesa, promoção e desenvolvimento dos direitos humanos e da cidadania e, por último, clama-se por um futuro melhor para a efeti- vidade dos direitos humanos. Palavras-chave: Declaração, direitos, efetividade, humanos, universal. BREVE INTRODUÇÃO SOBRE A FUNDAMENTAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Tratar questões de Direitos Humanos passa, primordialmente, pela tentativa de expor os seus fundamentos. Faz-se necessário que o expositor apresente argumentos sacados de vários autores da história da humanidade e da filosofia dos direi- tos humanos. Não se admite comentar qualquer assunto desta área sem que se faça um esforço para a busca da compreensão da dignidade huma- na, esse fundamento maior dos direitos essenciais do ser humano. Estando em conformidade com essa afirmativa, antes de analisarmos o verdadeiro papel da Declaração Universal dos Direitos Huma- nos e a sua contribuição para a sobrevivência da Hélio Mendes Cazuquel * * Bacharel em Administração, Especialista em Direitos Humanos, Doutor em Direito, Diretor de Administração do Gabinete do Governador de Sergipe (1973/79), Professor da Escola de Administração da UFBA (1996/ 98), Professor Visitante do Departamento de Ciências Humanas da Uni- versidade do Estado da Bahia (1999/2000), Diretor Vice-Presidente da Fundação de Administração e Pesquisa Econômico-Social, Presidente da Fundação Instituto de Direitos Humanos. [email protected]. Abstract The present text, elaborated from the reading of the Univer- sal Declaration of the Human Rights, is a contribution that tries to enhance the effort for universalization of the basic rights of the human being. In the article, we try to understand the Human Rights through its meanings and some of its fundaments. After that, we look for to evidence the reasons of the sprouting of the Universal Declaration of the Human Rights with its directives. We mention that, as a result of the Universal Declarationof the Human Rights, we see a regional or continental systems, an international instru- ments of protection, an international organisms for defense, pro- motion and development of the human rights and the citizenship and, finally, a clame for a better future of effectiveness of the hu- man rights. Key words: Declaration, rights, effectiveness, human beings, universal.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 14, n. 1, p. 37-47, jun. 2004 37

A Declaração Universal dosDireitos Humanos e o futuro da

humanidade: conceitos filosóficose a sua efetividade

Resumo

O presente texto elaborado a partir da leitura da DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos é uma pequena contribuição ten-tando realçar o esforço para universalização dos direitos funda-mentais da pessoa humana. Neste trabalho, faz-se uma tentati-va de compreensão dos Direitos Humanos através dos seus sig-nificados e de algumas das suas fundamentações. Em seguida,procura-se evidenciar os motivos do surgimento da DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos com os seus princípios nortea-dores. Menciona-se que, em decorrência da Declaração Universal,surgem os sistemas regionais ou por continente, os instrumentosinternacionais de proteção, os organismos internacionais de de-fesa, promoção e desenvolvimento dos direitos humanos e dacidadania e, por último, clama-se por um futuro melhor para a efeti-vidade dos direitos humanos.

Palavras-chave: Declaração, direitos, efetividade, humanos,universal.

BREVE INTRODUÇÃO SOBRE AFUNDAMENTAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Tratar questões de Direitos Humanos passa,primordialmente, pela tentativa de expor os seus

fundamentos. Faz-se necessário que o expositorapresente argumentos sacados de vários autoresda história da humanidade e da filosofia dos direi-tos humanos. Não se admite comentar qualquerassunto desta área sem que se faça um esforçopara a busca da compreensão da dignidade huma-na, esse fundamento maior dos direitos essenciaisdo ser humano. Estando em conformidade comessa afirmativa, antes de analisarmos o verdadeiropapel da Declaração Universal dos Direitos Huma-nos e a sua contribuição para a sobrevivência da

Hélio Mendes Cazuquel*

* Bacharel em Administração, Especialista em Direitos Humanos, Doutorem Direito, Diretor de Administração do Gabinete do Governador deSergipe (1973/79), Professor da Escola de Administração da UFBA (1996/98), Professor Visitante do Departamento de Ciências Humanas da Uni-versidade do Estado da Bahia (1999/2000), Diretor Vice-Presidente daFundação de Administração e Pesquisa Econômico-Social, Presidente daFundação Instituto de Direitos Humanos. [email protected].

Abstract

The present text, elaborated from the reading of the Univer-sal Declaration of the Human Rights, is a contribution that tries toenhance the effort for universalization of the basic rights of thehuman being. In the article, we try to understand the Human Rightsthrough its meanings and some of its fundaments. After that, welook for to evidence the reasons of the sprouting of the UniversalDeclaration of the Human Rights with its directives. We mentionthat, as a result of the Universal Declarationof the Human Rights,we see a regional or continental systems, an international instru-ments of protection, an international organisms for defense, pro-motion and development of the human rights and the citizenshipand, finally, a clame for a better future of effectiveness of the hu-man rights.

Key words: Declaration, rights, effectiveness, human beings,universal.

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A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E O FUTURO DA HUMANIDADE: CONCEITOS FILOSÓFICOS E A SUA EFETIVIDADE

humanidade, entendendo, desta forma, e acredi-tando nos Direitos Humanos como a razão única dae para a continuidade e evolução da espécie huma-na, é que se apresenta alguns aspectos introdutóri-os sobre este tema.

DA SIGNIFICAÇÃO

Antes que se possa abordar alguns fundamen-tos dos direitos humanos, em seus diferentes as-pectos, é necessário que se leve em consideraçãoum princípio formal de razoabilidade moral, ouseja, aquele que estabelece como a única condiçãopara ser beneficiário dos direitos humanos a depertencer à espécie humana. Quando se diz que“todos os homens são iguais”, a afirmação só podeter o significado de que “todos os homens sãoigualmente homens”,1 sem considerar as diferen-ças ou desigualdades biológicas, sociais, culturaisou de qualquer outra índole.

Os direitos humanos, no entender do ProfessorAntonio Truyol y Serra, dentro do “contexto históri-co-espiritual”, são os “direitos fundamentais que ohomem possui pelo fato de ser homem, por suaprópria natureza e dignidade; direitos que lhes sãoinerentes e que, longe de nascer de uma conces-são da sociedade política, haverão de ser, por estasociedade, consagrados e garantidos” e acrescen-ta “que a consciência clara e universal de tais direi-tos é própria dos tempos modernos”.2

São várias as correntes filosóficas e os defenso-res das teorias dos direitos humanos. O primeiroproblema com o qual nos encontramos é o da de-terminação terminológica, questão muito debatidae discutida pelos estudiosos deste polêmico e apai-xonante tema. Muitas são as denominações e ostermos utilizados para definir os Direitos Humanose nem sempre eles definem com precisão e clarezao que estes são realmente, provocando muita am-bigüidade e controvérsia para a sua exata compre-ensão. Isso demonstra que esse tema vem sendotratado de acordo com as conveniências das cor-rentes doutrinárias ou dos modelos sociopolíticos e

ideológicos que têm sido abordados ao longo dotempo. No transcurso da história, aos nossos dias,para falar de direitos humanos foram empregadasexpressões tais como: direitos naturais, direitos ina-tos, direitos individuais, direitos do homem, direitosdo cidadão e do trabalhador, liberdades públicas,direitos públicos subjetivos, liberdades fundamen-tais, direitos fundamentais e direitos fundamentaisdo homem, entre outras.

É de suma importância a definição de um termoou expressão que possa decifrar coerentemente, ede forma geral, a problemática terminológica dos Di-reitos Humanos. A definição terminológica dos direi-tos humanos tem sido estudada de maneira exausti-va por renomados professores e especialistas dotema: o que nos cabe, neste trabalho, é tentar escla-recer um pouco sobre essa questão pra evitar qual-quer tipo de ideologização o de tratamento interes-sado. Deve-se buscar uma terminologia racional-mente aceitável, que represente esse fundamento,como cita o Professor Perez Luño: “à medida que seestende o âmbito do uso do termo direitos humanos,sua significação tem se tornado mais imprecisa. Issotem determinado uma perda gradual de sua signifi-cação descritiva de determinadas situações ou exi-gências político-jurídicas, na mesma medida em quesua dimensão emocional vai ganhando terreno. Essasituação tem conduzido o emprego da terminologiadireitos humanos, nas lutas ideológicas, para exterio-rizar, justificar ou agudizar certas atitudes, desdeposturas nas quais o termo é utilizado com significa-ções as mais diversas”.3

DA FUNDAMENTAÇÃO

Na fundamentação dos direitos humanos, exi-ge-se respostas racionais, capazes de buscar umapossível compreensão do ser humano. Hoje em dia,em virtude da doutrina desenvolvida ao longo dahistória, é possível encontrar diferentes respostassobre essa fundamentação. Assim, acreditamos sernecessário apresentar resumidamente as mais sig-nificativas entre elas:

1 SANTIAGO NINO, Carlos. Ética y derechos humanos. Buenos Aires:Editorial Paidos, 1984. p. 43.2 TRUYOL Y SERRA, Antônio. Los derechos humanos. Madrid: EditorialTecnos, 1984. p. 11.

3 PEREZ-LUÑO, Antonio Enrique. Los derechos humanos: significación,estatuto jurídico y sistema (obra colectiva). Publicaciones de la Universi-dad de Sevilla, 1979. Capitulo titulado “Delimitación Conceptual de losDerechos Humanos”, p. 14 y 15.

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Da Fundamentação jusnaturalista

Esta corrente de fundamentação considera osdireitos humanos como direitos naturais, inerentesa todos os seres humanos e como derivados daprópria natureza humana, porque têm sua origemno próprio homem e lhe acompanha para sempre.Fundamenta os direitos humanos a partir de umavisão metafísica e abstrata, identificando os direitoshumanos com valores superiores, determinados poruma ordem transcendental e supra-estatal. Querdizer, são direitos que pertencem ao homem porsua condição humana e “não são concedidos peloEstado – porque lhe são precedentes – e que, porisso mesmo, o Estado não pode e não deve nemsuprimi-los nem, de nenhuma maneira, violá-los,porque sua própria violação irá importar na viola-ção da personalidade humana”.4 Segundo o Pro-fessor Eusébio Fernandez, a fundamentação jus-naturalista “é a que apresenta mais problemas teó-ricos de aceitação, por parte de algumas das maisimportantes correntes contemporâneas da Filosofiae Teoria do Direito”, porque essa fundamentaçãose baseia na crença no Direito Natural.5

Essa corrente de fundamentação tem duas prin-cipais características, a saber: a distinção entredireito natural e direito positivo e a superioridadedo direito natural sobre o direito positivo. A expli-cação dessa teoria apresenta grandes dificulda-des, dada a impossibilidade de se definir quais se-riam esses direitos naturais derivados da próprianatureza humana, que “ostenta o ser humano comoreflexo subjetivo de uma ordem normativa natural,cuja anterioridade e superioridade lhes faça pres-cindir do Direito Positivo, para ser considerado comoDireito”.6

A crença que têm as pessoas de que seus direi-tos humanos são anteriores e que são independen-tes do direito positivo, parece plenamente aceitáveldesde o ponto de vista da dignidade humana, por-

que essa dignidade não pode estar condicionadapor outra teoria sobre o Direito ou sobre a Justiça.

A fundamentação jusnaturalista dos direitos hu-manos contempla dois tipos de Direito Natural, queexpressam uma distinção geralmente admitida entreDireito Natural Ontológico e Direito Natural Deonto-lógico.7 O Direito natural ontológico se apresentacomo “ciência do ser”, do direito, enquanto que oDireito natural deontológico aparece como um con-junto de valores que determinam o caráter de obri-gação do Direito e que constitui sua razão de ser.

O Direito natural ontológico está corporificado nasteorias jusnaturalistas tradicionais: o jusnaturalis-mo escolástico medieval; o jusnaturalismo racionale, na modernidade, pela corrente neotomista, en-quanto que o Direito natural deontológico tem suarepresentatividade na Filosofia do Direito contem-porâneo. A primeira corrente corresponderia à fun-damentação jusnaturalista tradicional e, a segunda,à fundamentação jusnaturalista atenuada.8

Merece ser destacada a contribuição feita à his-tória dos direitos humanos, pelo pensamento jus-naturalista dos filósofos da idade antiga, os filósofosmedievais e o cristianismo. Não se pode esqueceras contribuições dos juristas e teólogos espanhóis,tais como Francisco de Victoria, Fernando Vazquezde Menchaca e Francisco Soarez.

Não se pode prescindir da contribuição da fun-damentação jusnaturalista, seja qual seja a con-cepção que se queira dar à compreensão dos direi-tos humanos, como se pronuncia o Professor N.Martinez Moran: “o homem é um ser histórico e,portanto, quando falamos da natureza do homemestamos nos referindo não só a uma natureza purae simplesmente ontológica, petrificada e anquilosa-da no tempo, senão a uma natureza histórica, dinâ-mica, o que é perfeitamente compatível com a afir-mação de que os direitos fundamentais são univer-sais, pois o que ocorre é que um mesmo direito semanifesta historicamente de formas diversas”.9

O jusnaturalismo racionalista, que segundo oProfessor Eusébio Fernandez abarca o jusnatura-4 BICUDO, Hélio. Direitos civis no Brasil, existem? São Paulo: Editora

Brasiliense, 1982. p. 9.5 FERNANDEZ, Eusébio. El Problema del Fundamento de los DerechosHumanos. In: Anuario del Instituto de Derechos Humanos. Madrid. 1982.p. 80.6 FERNANDEZ-GALIANO, Antônio. Derecho Natural – Introducción Filo-sófica al Derecho. Madrid: Facultad de Derecho de la UniversidadComplutense de Madrid, 1974. p. 133.

7 FERNANDEZ, Eusebio, op. cit., p. 80.8 Ibidem, p. 81.9 MARTINEZ MORÁN, Narciso. Derechos Fundamentales. Madrid: Facultadde Derecho de la Universidad Complutense de Madrid, 1988. p. 43.

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lismo ontológico,10 exerceu uma influência decisivanas idéias filosóficas durante os séculos XVI e XVIIe, sobretudo, depois da Segunda Guerra Mundial –no século XX –, com o renascimento do Direito Na-tural.

Da Fundamentação historicista

Desejosos em buscar uma nova compreensãodos Direitos Humanos que nãofosse o jusnaturalismo, aparece-ram, no final do século XIX e prin-cípio do século XX, autores quecontestaram a teoria do DireitoNatural e que constituíram as cor-rentes chamadas de historicistasou relativistas. Para os historicis-tas, a fundamentação dos direitoshumanos não tem cabimento nanatureza humana, e sim que elase fundamenta nas variáveis his-tóricas e relativas a cada contexto histórico e deacordo com o tipo de sociedade em que se vive.

Existem profundas diferenças entre a funda-mentação historicista e as correntes da fundamen-tação jusnaturalista, tendo em vista esta não admi-tir nem a fundamentação dos direitos humanosbaseada na natureza humana – direitos naturais –,nem a anterioridade e superioridade dos direitosnaturais. Contrariamente, em lugar de direitos na-turais, universais e absolutos, defendem a existên-cia de direitos históricos, variáveis e relativos, quetêm sua origem na evolução da sociedade.

Para os defensores dessa corrente “o conceitodos direitos humanos foi se decantando através dahistória, a partir do núcleo histórico mais amplo dahumanidade, entendido este não em seu apoio senti-mental, senão como um processo de autoconsciên-cia, mediante o qual se objetivou a essência do ho-mem como um conceito unitário e abstrato”.11

Dizer que os direitos humanos se fundamentam“nas necessidades humanas e nas possibilidadesde satisfazê-las dentro de uma sociedade, é negartodo um pensamento racionalista que contribuiu

para se buscar uma consciência crítica dos cami-nhos da natureza humana, inclusive para o surgi-mento de novas teorias sobre os Direitos Huma-nos”.12

É certo que a descrição do desenvolvimento eda evolução sobre os direitos humanos feita peloshistoricistas, aparece como um modelo explicativo,correto e realista da evolução desses direitos, po-rém não se pode esquecer nem negar o que re-

presentou o jusnaturalismo racio-nalista, principalmente nos séculosXVII e XVIII.

O Professor Eusébio Fernan-dez faz duas precisões muito im-portantes a respeito da fundamen-tação historicista: a primeira delasresponde à pergunta se é tão am-pla a variabilidade histórica aplica-da a todos os direitos. E responde:“a variabilidade é bastante certano caso dos direitos civis e políti-

cos e no caso dos direitos econômicos, sociais eculturais, porém argumenta se é igual no caso dosdireitos pessoais, como direito à vida e a integrida-de física e moral? A segunda precisão se refere àconsideração dos direitos humanos como satisfa-ção de necessidades humanas. A respeito desseassunto, diz o Professor Eusébio Fernandez: “Osdireitos fundamentais concedidos dessa forma,como exigências baseadas nas necessidades hu-manas e nas possibilidades de satisfazê-las dentrode uma sociedade, porém também como direitos,quer dizer, valores integrados em normas jurídicas,devem reconhecer e garantir todo tipo de necessi-dades” e acrescenta: “é possível e como seria pos-sível? É necessário se proceder a uma eleição dasnecessidades mais prementes e fundamentais – eas menos? De acordo com que valores se faráessa eleição? Parece correto e realista contestar,geralmente, que é necessário efetuar esta eleiçãoe que os direitos humanos se referirão às necessi-dades mais importantes e relevantes para a vidahumana.13

10 FERNANDEZ, Eusebio, op. cit. (5), p. 81.11 FERNANDEZ, Eusébio, op. cit. (5) p. 93.

12 PERIS, Manuel. Juez, Estado y derechos humanos. Valencia: EditoraFernando Torres, 1976. p. 135-137.13 FERNANDEZ, Eusebio, op. cit. (5), p. 94.

Para os historicistas,a fundamentação dos

direitos humanos não temcabimento na natureza

humana, e sim que ela sefundamenta nas variáveis

históricas e relativas acada contexto histórico ede acordo com o tipo de

sociedade em que se vive

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Uma coisa é ter uma “visão histórica” dos direitoshumanos, a outra, é fazer uma “fundamentação histo-ricista”, pois, em primeiro lugar, toda a corrente de fun-damentação tem que levar em consideração as ocor-rências históricas do direito ao longo da evolução dasociedade: isso nos parece lógico e incontestável.

Da Fundamentação positivista A fundamentação positivista sustenta que os di-

reitos humanos, para serem “direitos” no sentidoestritamente jurídico, têm de estar recolhidos peloordenamento jurídico de um determinado Estado,quer dizer, deverão estar constitucionalizados oupositivados. Para essa corrente, o único fundamen-to dos direitos humanos é o ordenamento jurídico-positivo. Não se pode falar de direitos fundamen-tais se estes não estiverem estabelecidos e garan-tidos pelas leis concretas do Estado. Assim, sãodireitos humanos aqueles direitos que estão contidosnas leis vigentes e nada mais. Entendem que os di-reitos humanos são um produto que provém da forçado Estado, através de seu processo de legitimação ereconhecimento legislativo, onde poderíamos con-cluir que a essência dos direitos fundamentais de-penderia de aquiescência do poder estatal.

Segundo o Professor Gregório Peces-Barba “aafirmação de que os direitos fundamentais são osque decidem a vontade do poder, direitos esses,qual seja seu conteúdo, sejam designados comodireitos fundamentais por uma norma jurídica regu-larmente estabelecida, de acordo com o sistema decompetências em um ordenamento jurídico, é tam-bém inexata e seria a outra face da moeda jusnatu-ralista”.14 Essa corrente é chamada de “voluntaris-ta-positivista”, ou seja, uma concepção que se fun-damenta única e exclusivamente na vontade dopoder para considerar ou não um direito fundamen-tal como Direito, independente de seu conteúdo.

Da Fundamentação dualista

É uma concepção defendida pelo ProfessorGregório Peces-Barba, na tentativa de superar as

contradições apresentadas pelas fundamentaçõesjusnaturalistas e positivistas. Estas duas fundamen-tações “por suas extremosidades respectivas, con-fundiram e encheram de paixão este debate ao longoda história. E essa é, quiçá, a maior dificuldade ou, aomenos, uma das maiores, na hora de se construir oconceito: o caráter antagônico e excludente com quese apresentam esses modelos”.15

Segundo o Professor Peces-Barba, os direitosfundamentais não são Direitos se são só valores,sem serem incorporados ao Direito positivo, comopretendem os jusnaturalistas, nem tão pouco sepode considerar direito humano qualquer direito váli-do, seja qual seja seu conteúdo, como pretendemos positivistas-voluntaristas.16 O termo “voluntaris-ta” é utilizado pelo Professor Peces-Barba por en-tender que se trata de uma corrente que consideradireitos fundamentais todo e qualquer direito positi-vado, sem levar em consideração a filosofia dos di-reitos humanos, e acrescenta: “a concepção dualis-ta sustenta a autonomia da realidade dos valores dosdireitos fundamentais, que devem, por isso mesmo,ser estudados no primeiro nível, quer dizer, comofilosofia dos direitos fundamentais” e o que interes-sa é a análise dos fatores sociais que influenciaramna gênesis e as correntes de pensamento quecontribuíram para articular esse sentido, o que levaa uma análise histórica desse primeiro nível, apartir de duas perspectivas: da situação econômi-ca, social, cultural e política de cada momento e ado pensamento político e filosófico que, influenci-ado por essa questões sociais, econômicas, cultu-rais e políticas cria a filosofia dos direitos funda-mentais.17

A concepção dualista implica o estudo dos direi-tos fundamentais, desde a perspectiva do nível axio-lógico ou Filosofia dos Direitos Fundamentais, atéo nível jurídico ou Direito dos Direitos Fundamentais,que seria a inserção desses valores em normasjurídicas no Direito Positivo e a configuração dosdireitos fundamentais como direitos públicos sub-jetivos.18

14 PECES-BARBA, Gregório. Derechos Fundamentales. Madrid: Facultadde Derecho de la Universidad Complutense de Madrid, 1986. p. 21.

15 Ibidem, p. 24-25.16 Ibidem, p. 25.17 Ibidem, pág. 25.18 FERNANDEZ, Eusébio, op. cit. (5), p. 101.

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A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E O FUTURO DA HUMANIDADE: CONCEITOS FILOSÓFICOS E A SUA EFETIVIDADE

Tem-se a concepção dualista o entendimentodo trânsito dos direitos humanos como valores mo-rais para os direitos humanos como direitos, doponto de vista jurídico, ou seja, a passagem do tra-tamento dos direitos humanos dentro da filosofiados direitos humanos para o direito positivo, sendonecessário cumprir os seguintes requisitos:1. que uma norma jurídica positiva os reconheça;2. que, desta norma, derive a possibilidade para

os sujeitos de direitos de atribuir-se como facul-dade, como direito subjetivo, esse direito funda-mental;

3. que as infrações dessas normas e, portanto, odesconhecimento dos direitos subjetivos quederivam delas, legitime aos titulares ofendidospara pretender, junto aos tribunais de justiça, orestabelecimento da situação do direito subjeti-vo, utilizando, se necessário, a força coercitivado Estado. Só assim estaremos, segundo o Pro-fessor Peces-Barba, ante a plenitude de um di-reito fundamental.19

Da Fundamentação ética

Uma contribuição da mais alta importância para afundamentação dos direitos humanos apareceu nadécada de 80, sob a inspiração do Professor Eusé-bio Fernandez. Trata-se de uma fundamentação queconcebe os direitos humanos como direitos morais.Para o Professor Eusébio Fernandez, “nem a funda-mentação jusnaturalista nem a fundamentação his-toricista respondem coerentemente a pergunta so-bre o fundamento dos direitos humanos”.20

A fundamentação ética apresenta os seguintesargumentos: parte da tese de que a origem e fun-damento desses direitos nunca pode ser jurídico,se não prévio ao jurídico. O direito positivo não criaos direitos humanos, sua contribuição, sem a qualo conceito de direitos humanos não terá efetivida-de, está em reconhecê-los, convertê-los em nor-mas jurídicas e garanti-los juridicamente.

Se toda norma, tanto moral como jurídica, pres-supõe uma série de valores acerca dos fins da vidaindividual, social e política, isto é ainda mais evi-

dente, me parece, quando se trata de justificar raci-onalmente os direitos humanos.

Portanto, uma vez superada a idéia anterior, en-tende-se por fundamentação ética ou axiológica dosdireitos humanos a idéia de que esse fundamentoético ou valorativo, em torno as exigências que con-sideramos imprescindíveis como condições inescu-sáveis de uma vida digna quer dizer, de exigênciasderivadas da idéia de dignidade humana.

Nessa concepção, os direitos humanos apare-cem como valores morais, ou seja, exigências éti-cas e direitos que os seres humanos têm pelo fatode serem homens e, portanto, com um direito iguala seu reconhecimento, proteção e garantia por par-te de poder político e do Direito. Direito igual, obvia-mente, baseado na propriedade comum a todos osseres humanos de serem considerados iguais emtodos os sentidos, e direito igual de humanidade,independente de qualquer contingência históricaou cultural, característica física ou intelectual, po-der político ou classe social.

É importante explicar a expressão “direitos mo-rais” utilizado pelo Professor Eusébio Fernandez:ele pretende descrever a síntese entre direitos hu-manos, entendidos paralelamente como Direitos. Oqualificativo “morais” aplicado a “direitos” represen-ta tanto a idéia de fundamentação ética como umalimitação no número e conteúdo dos direitos que sepode compreender dentro do conceito dos direitoshumanos.

É necessário que os direitos humanos, para suaautêntica realização ou efetividade, estejam incor-porados no ordenamento jurídico e que, a cada di-reito humano como um direito moral lhe correspon-da paralelamente um direito no sentido estritamentejurídico do termo. Em definitivo, a fundamentaçãoética se baseia em considerar esses direitos comodireitos morais, entendendo direitos morais o resul-tado da vertente ética e jurídica, e aí nos permitesair do círculo vicioso da tradicional polêmica entreo jusnaturalismo e positivismo,21 e citando o profes-sor Carlos Santiago Nino: “a existência dos direitosindividuais, como direitos morais, não está condici-onada ao seu reconhecimento através de certasnormas jurídicas, já que eles incluem precisamente

19 PECES-BARBA, Gregório, op. cit. (14), p. 63.20 FERNANDEZ, Eusébio, op. cit. (5), p. 97. 21 Ibidem, p. 97-100.

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pretensões de que se estabeleça normas jurídicas,prescrevendo meios de proteção dos direitos emquestão”.22

A ONU E A DECLARAÇÃO UNIVERSAL –GÊNESIS

Após a devastadora Segunda Guerra Mundial,os países, ou melhor, as sociedades, se encontra-ram em completo descaminho:era necessário que se criasseuma organização multi e suprana-cional para regular as relações en-tre os povos. Dentro desse marco,surge, em 1945, a Carta das Na-ções, cujos fundamentos visavam,essencialmente, à manutenção dapaz internacional, que incluía aproteção da integridade territorialdos Estados frente à agressão e aintervenção externa; ao fomentoentre as nações de relações deamizade, levando em conta os princípios de igual-dade de soberania e de livre determinação dos po-vos; e à realização de cooperação internacional nasolução de problemas internacionais de carátereconômico, social, cultural e humanitário, incluindoo respeito dos direitos humanos e as liberdadesfundamentais, sem fazer distinção por motivos deraça, sexo, idioma ou religião.

A Carta das Nações cria uma Comissão de Di-reitos Humanos. A intenção de universalizar os di-reitos humanos era uma proposta que já se discutiaantes mesmo da aprovação da Carta, principal-mente por parte dos países latino-americanos. AComissão iniciou seus trabalhos em 1947, tendoum comitê encarregado de redigir um documentocom a finalidade de consignar esses direitos, inte-grando representantes das diferentes regiões domundo: ali se encontravam delegações da Austrá-lia, Chile, China, Estados Unidos da América, Fran-ça, Líbano, Reino Unido e da União Soviética. Aversão definitiva desse documento foi submetida àconsideração da Assembléia Geral das Nações

Unidas, sendo aprovada em Paris, em 10 de de-zembro de 1948.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem,assim chamada naquela ocasião, contemplou umaampla variedade de direitos humanos, todos de rele-vante importância para as relações entre as nações,merecendo destaque: o direito à integridade; o direi-to à vida; o direito a não ser torturado nem maltrata-do; o direito a um julgamento justo; a liberdade de

ação na profissão e a prática da re-ligião e das crenças; a liberdade deexpressão e informação; a liberda-de de locomoção; a liberdade deassociação; os direitos políticos; osdireitos econômicos; os direitos so-ciais e os direitos culturais.

Como se pode constatar no pre-âmbulo da Declaração Universaldos Direitos Humanos, seu funda-mento maior é a dignidade e o va-lor da pessoa humana. Os seustrinta artigos primam pelos valores

ou princípios básicos que norteiam a compreensãodos direitos humanos, quais sejam: a liberdade, aigualdade, a fraternidade e a segurança.

Sabe-se que a Declaração Universal, tida comoa Carta Magna da Humanidade, é um termo decompromisso moral, ou uma carta de intenção, quefirmaram, após a II Guerra Mundial, a maioria dospaíses do planeta, que não tem efeito jurídico vin-culante para os Estados signatários e, entretanto,funciona como balizadora na formulação dos orde-namentos jurídicos de países, levando, inclusive, aque alguns deles, como no caso da Espanha, a menci-onasse no corpo da sua Constituição.

Ninguém discute a obrigatoriedade moral daDeclaração Universal dos Direitos Humanos, isso éinquestionável. Juridicamente, sua significação éservir como pauta de inspiração e critério superiorde interpretação para estabelecimento do direito in-ternacional positivo. A Declaração é, sem dúvida, aexpressão da consciência jurídica da Humanidade,representada pela ONU e, como tal, fonte de um“direito superior”, cujos princípios não se pode des-conhecer.

Não se pode admitir que a Declaração careçade valor jurídico-positivo, porque ela vem se consti-

22 SANTIAGO NINO, Carlos. Introducción al Analise del Derecho. BuenosAires: Editorial Astrea, 1980. p. 418.

A Carta das Naçõescria uma Comissão de

Direitos Humanos.A intenção de universalizar

os direitos humanos erauma proposta que já se

discutia antes mesmo daaprovação da Carta,principalmente por

parte dos paíseslatino-americanos

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A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E O FUTURO DA HUMANIDADE: CONCEITOS FILOSÓFICOS E A SUA EFETIVIDADE

tuindo em fonte de interpretação e desenvolvimen-to para o direito positivo e, como tal, cabe conside-rar a própria fundamentação desse direito e, se as-sim funciona, é porque não são simplesmente “di-reitos morais”.

A Declaração Universal dos Direitos Humanossurgiu para atender ao clamor de toda a humanida-de e buscou realçar alguns princípios básicos fun-damentais para a compreensão da dignidade hu-mana, entre eles a liberdade e a igualdade. Essesprincípios se entrelaçam, se conformam, se justifi-cam e se complementam. A palavra ou termo Liber-dade pode ser compreendida sob três significados:o primeiro, é a possibilidade de ter ao alcance umaampla variedade de opções; o segundo, é a inter-dependência de cada um para decidir sobre a utili-zação dessas opções; e, o terceiro, é a própria li-berdade de estabelecer seus próprios valores e pri-oridades e viver de acordo com eles. A Igualdadetambém pode ser entendida nesse mesmo sentido,ou seja, ter ao alcance, como todas as pessoas,uma variedade igualmente ampla de opções ouoportunidades significativas; o grau de indepen-dência com respeito aos demais e a mesma liber-dade para determinar seus problemas, valores eprioridades.

Os Direitos Humanos exigem o cumprimentodesses dois alicerces da dignidade humana, embo-ra se possa admitir que a ênfase dada a esses prin-cípios pela Declaração Universal causou, num pri-meiro momento, certo desconforto para algumasnações, pois a liberdade era tida como um sonho,algo só alcançado por quem possuía condiçõeseconômicas, o mesmo justificado para a igualdade.Como poderia ser considerado igual uma pessoadesprovida das necessidades básicas? Moradia,alimentação, educação, saúde etc.

Temos que concordar que liberdade e igualdadesão princípios que norteiam o exercício, o ser hu-mano no seu sentido político e social, e ser livre eigual não pode ficar configurado apenas no planoretórico, há que se lutar dia-a-dia pela sua realiza-ção, pela sua plenitude.

Salienta-se que, baseado nos princípios já men-cionados, e como forma de se eliminar as discrimi-nações, os preconceitos e as desigualdades detodas as maneiras, a Declaração Universal englo-

ba, em seus trinta artigos, os chamados DireitosCivis, Direitos Políticos, Direitos Sociais, DireitosEconômicos e Direitos Culturais. Ao longo da histó-ria da evolução dos direitos humanos se pode ana-lisar três aspectos: o primeiro, que vai da tentativaconceituá-los à aplicação efetiva desses direitos; osegundo é a ampliação do seu conteúdo, ou seja, aconsagração dos direitos; e o terceiro é a expansãogeográfica de seu reconhecimento e aplicação porparte dos países.

Verifica-se que a consciência pelos direitos hu-manos passa pela sua teorização, o que se consta-ta nos trabalhos realizados para se definir o quesão direitos humanos; feito isso, passa-se à fase detransformá-los em normas jurídicas e de operacio-nalizá-los. O desejo de se expandir ou ampliar oseu conteúdo, bem como de torná-los efetivamenteuniversais, é uma busca incessante das NaçõesUnidas.

A UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOSHUMANOS

Com o advento da Declaração Universal dos Di-reitos Humanos, como já foi dito, um compromissomoral de toda a humanidade para a realização dapaz e do bem-estar social, vários organismos foramcriados e sistemas de proteção dos direitos huma-nos foram surgindo em todo o mundo, tanto em ní-vel universal, coordenado pela Organização dasNações Unidas (ONU), como em nível regional oucontinental.

Sistema ONU de direitos humanos

O sistema universal (ONU) iniciou sua formula-ção jurídica a partir de 1966, com a aprovação doPacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e oseu respectivo Protocolo Facultativo, e o Pacto In-ternacional de Direitos Econômicos, Sociais e Cul-turais, instrumentos esses que geram obrigatorie-dade jurídica para os países signatários.

O chamado Sistema ONU não se restringe ape-nas aos documentos que foram mencionados. Exis-te um elenco considerável de convenções, convê-nios, acordos e tratados internacionais sobre asquestões dos Direitos Humanos. Além dos diplo-

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mas jurídicos, o sistema conta com organismos vol-tados para a promoção e o acompanhamento dosdireitos fundamentais, entre os quais podemosdestacar a Organização Internacional do Trabalho(OIT), a Organização das Nações Unidas para aEducação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e oFundo das Nações Unidas para a Infância (UNI-CEF), entre outros.

Não somente a criação de organismos interna-cionais na estrutura da ONU, bemcomo a aprovação dos instrumen-tos jurídicos, evidenciam a impor-tância da Declaração Universaldos Direitos Humanos. Há de serealçar a sua influência e impor-tância, pois tem servido de parâ-metro para conscientização dospovos e governantes de vários pa-íses e, durante a sua vigência, de55 anos, contribuiu para a autode-terminação dos povos até entãocolonizados, especialmente colônias dependentesdos países europeus que se tornaram independen-tes, como é o caso do Continente Africano que, em1948, contava com 58 Estados livres e, em 1993,com 171. Um outro acontecimento histórico que sepode destacar é o fim da chamada Guerra Fria, ouconflito leste/oeste, com a conseqüente queda domuro de Berlim e, também, o esfacelamento daUnião das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

É importante atentar para a contribuição da De-claração Universal para o fim do conflito leste/oes-te, pois, como assinala Federico Mayor Zaragoza,se referindo ao comunismo, “um sistema que seacabou em 1989, porque, baseado na igualdade,se esqueceu da liberdade. O sistema presente, ocapitalismo, baseado na liberdade correrá o mes-mo risco, se não levar em consideração a igualda-de” e enfatiza a necessidade de se buscar a “soli-dariedade e, só assim, se definirá um novo cenáriode proteção dos direitos humanos no século atual”.

Sistema americano de proteção dosdireitos humanos

Vale destacar que, no mesmo ano de criaçãoda Declaração Universal dos Direitos Humanos –

1948, surgiu, na América Latina, que, por sinal,foi incentivadora no sentido de que, já em 1945,com a discussão e aprovação da Carta das Na-ções, a temática dos Direitos Humanos fosse pri-oridade, a Declaração Americana dos Direitos eDeveres do Homem, exatamente em maio de1948.

Dando continuidade a esses esforços, os paí-ses do continente americano criaram, em 1959, a

Comissão Interamericana de Di-reitos Humanos, na estrutura daOrganização dos Estados Ameri-canos (OEA). Em 1969 foi aprova-da a Convenção Americana de Di-reitos Humanos, passando a Co-missão referida a ser um órgãoexecutor da Convenção, que tam-bém criou a Corte Interamericanade Direitos Humanos, com sedeem San José – Costa Rica.

Sistema europeu de proteção dosdireitos humanos

O Sistema Europeu de Direitos Humanos tevesua origem por iniciativa do Conselho da Europa,em 1949, e, em 1950, foi aprovado o Convênio Eu-ropeu para a Proteção dos Direitos do Homem edas Liberdades Fundamentais, sendo este instru-mento ampliado em 1961, com a inclusão dos direi-tos econômicos e sociais, através da Carta SocialEuropéia.

Sistema africano de direitos humanos

O Sistema Africano de Direitos Humanos surgiuem 1987, com a Carta Africana de Direitos Huma-nos, aprovada pela Organização da Unidade Afri-cana (OUA), que criou a Comissão Africana dosDireitos Humanos e dos Povos.

FUTURO E PERSPECTIVA DA DECLARAÇÃOUNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Com uma simples reflexão sobre este tema, secompreende que o exercício e a eficácia dos direi-tos humanos são sentidos, apenas, por uma mino-

Não somente a criaçãode organismos

internacionais naestrutura da ONU,

bem como a aprovaçãodos instrumentos

jurídicos, evidenciama importância da

Declaração Universaldos Direitos Humanos

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A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E O FUTURO DA HUMANIDADE: CONCEITOS FILOSÓFICOS E A SUA EFETIVIDADE

ria dos habitantes deste planeta, como é o casodos países da Europa Ocidental, da América doNorte, Japão, Austrália, Nova Zelândia e poucosoutros, isso porque, nesse caso, a efetivação doschamados direitos individuais – civis e políticos –também ocorre com os direitos coletivos – sociais,econômicos e culturais. No resto do mundo, o quese observa é um completo abandono por parte dosgovernos. Sabe-se que a independência e o de-senvolvimento dos países foramocorrendo de forma gradativa e di-ferente. A falta de consciência polí-tica, a dependência econômica, alocalização geográfica, o controledo poder exercido pelos paíseseconomicamente mais estáveis, en-tre outros fatores, aceleram a desi-gualdade entre os povos. Os confli-tos étnicos e religiosos contribuemconsideravelmente para as cons-tantes violações dos direitos hu-manos.

Nem sempre a compreensãoexata e universal do que é a digni-dade humana tem sido trabalhadae defendida pelos governos nacio-nais. Prevalece, subjacentemente, sempre as ques-tões religiosas e econômicas em detrimento do res-peito aos direitos humanos. Há países que admi-tem a pena de morte como forma de punição a umdeterminado delito, sem se falar nas torturas, noscastigos cruéis, degradantes e desumanos, queainda são aplicados na maioria das regiões desteplaneta.

Para alguns povos, os direitos humanos sãouma invenção do ocidente, o que não pode seraceito, tendo em vista que, no caso da DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos, ela foi aprovadapela quase totalidade dos países que integravam,naquele momento, a Organização das NaçõesUnidas.

Constata-se que o regime político dos paísesdetermina a preocupação ou não dos respectivosgovernos com os aspectos dos Direitos Humanos.Os regimes totalitários, autoritários ou, mesmo, au-tocráticos, onde existe a concentração de poder, oexercício e a efetividade desses direitos são limita-

dos e, em muitas situações, vilipendiados e menos-prezados. Nos países que têm a democracia comoregime político, o que se verifica é uma aceitaçãomais generalizada na adoção dos direitos funda-mentais, pelo menos em sentido estritamente jurí-dico, com a consagração e a criação de mecanis-mos jurídicos de proteção.

Um outro fator a ser discutido é a concepçãopolítica de Estado. No Estado Liberal, prevalece a

individualidade, ou seja, cada pes-soa define o seu próprio plano devida, tendo originado o liberalis-mo econômico, hoje tratado comoneoliberalismo, ocasionando, pe-las suas ações, resultados negati-vos à sociedade como um todo,por causa do desemprego, baixossalários, dificuldade de acessoaos meios produtivos – baixo po-der aquisitivo, entre outros. O Es-tado Social de Direito e o EstadoDemocrático de Direito, em de-corrência do espírito de senso co-mum e do bem estar social, favo-recem no tratamento e no acessoàs questões de direitos humanos,

facilitando à conscientização dos direitos humanose da cidadania.

É um fato que a historicidade dos direitos huma-nos, a sua consagração e, em alguns casos, a suaefetividade, decorreu de lutas e conquistas em to-das as partes do planeta; contudo, o esforço dasNações Unidas em universalizar esses direitos vemcontribuindo para sensibilizar os governos locais,resultando na criação de legislação constitucional einfraconstitucional de promoção e de proteção dosdireitos fundamentais.

À GUISA DE SE ALCANÇAR A EFETIVIDADEDOS DIREITOS HUMANOS

Por força dos resultados da barbárie da Segun-da Guerra Mundial, se assim se pode utilizar o termoforça, nasce a Declaração Universal dos DireitosHumanos, chamada, pela senhora Eleanor Roose-velt, Carta Magna da Humanidade. Passados 55anos, a sua história está cheia de acontecimentos

A falta de consciênciapolítica, a dependência

econômica, a localizaçãogeográfica, o controle do

poder exercido pelospaíses economicamente

mais estáveis,entre outros fatores,

aceleram a desigualdadeentre os povos.

Os conflitos étnicos ereligiosos contribuem

consideravelmente paraas constantes violaçõesdos direitos humanos

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– guerras, conflitos étnicos e religiosos, atrocida-des de toda ordem, cerceamento de direitos – po-rém tudo isso tem servido para uma maior tomadade consciência dos povos da terra.

Todos sabemos que apenas o conhecimento,assim entendido como a teorização, a expansão ea positivação dos direitos humanos, através de ins-trumentos jurídicos, ainda que sejam de caráter in-ternacional, como os pactos, os acordos, as con-venções, os tratados etc., como também nacional,como as constituições dos países e as suas res-pectivas legislações, não bastam, ou pelo menosnão têm impedido, as constantes violações aos di-reitos de todos. Faz-se necessário o pleno exercí-cio desses direitos e isso passa pelo respeito à dig-nidade da pessoa humana, à sua inviolabilidade, àsua liberdade e com, tudo isso, ao respeito mútuo.Quem viola os direitos de cada um e de todos é opróprio homem. A quem cabe defender os direitoshumanos, senão a quem os possui?

A efetividade ou, para melhor compreensão, ocumprimento do exercício dos direitos humanosexige solidariedade, cumplicidade, parceria e com-

promisso nas ações do dia-a-dia com todos, querseja no ambiente doméstico, no trabalho, no apren-dizado/ensino, no lazer etc., quer seja no compor-tamento íntimo que geram as ações morais. A efeti-vidade dos direitos humanos não está na exigênciaque se cumpra isoladamente e, sim, que cumpra-mos todos nós.

O surgimento da Declaração Universal dos Di-reitos Humanos é o marco definitivo para a contínuabusca da plenitude dos direitos fundamentais dapessoa humana. Lamenta-se que as atenções paratão rico e relevante documento transnacional este-jam voltadas a ela por ocasião de comemoraçõesou de eventos sobre este significativo tema, o quese quer e deve ser exigido, conscientemente, é oestabelecimento de políticas públicas específicaspor parte de todos os governos e a tomada de consci-ência individual e coletiva de que os direitos huma-nos são a razão única e fundamento de tudo – daconvivência social, da religião, da fraternidade e,sobretudo, da compreensão humana. Assim, conti-nuamos a nossa caminhada...

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