CEDERJ de genética básica - módulo 2

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Genética Básica Aula 11 – Casos especiais da expressão da herança monogênica __________ 7  Patrick Goltsman Moreno Aula 12 Herança extranuclear ________________ __________________27  Patrick Goltsman Moreno Aula 13 – Genes ligados _______________________________________ 41  Blanche Christine Bitner-Mathé Aula 14 – Ma peamento crom ossômico ____________________________71  Blanche Christine Bitner-Mathé Aula 15 – As interações entre genes na determinação de uma característica 97  Blanche Christine Bitner-Mathé Aula 16 Introdução à Genética Quantitativa: análi se de características contínuas _________________________________________ 115  Blanche Christine Bitner-Mathé Aula 17 Introdução à Genética Quantitativa: os component es da variação fenotípica ________________________________________ 135  Blanche Christine Bitner-Mathé Aula 18 – Observações sobre as variações no número de cromossomos das espécies 157  Patrick Goltsman Moreno Aula 19 – Alterações na estrutura dos cromossomos ______________177  Patrick Goltsman Moreno Aula 20 – Prática de observação de cromossomos politênicos em larvas de Drosophi la _______________________________________ 197  Blanche Christine Bitner-Mathé Gabarito _________________________________________205 Referências 235 SUMÁRIO Volume 2 - Módulo 2

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Transcript of CEDERJ de genética básica - módulo 2

  • Gentica Bsica

    Aula 11 Casos especiais da expresso da herana monognica __________ 7 Patrick Goltsman Moreno

    Aula 12 Herana extranuclear __________________________________27 Patrick Goltsman Moreno

    Aula 13 Genes ligados _______________________________________41 Blanche Christine Bitner-Math

    Aula 14 Mapeamento cromossmico ____________________________71 Blanche Christine Bitner-Math

    Aula 15 As interaes entre genes na determinao de uma caracterstica _97 Blanche Christine Bitner-Math

    Aula 16 Introduo Gentica Quantitativa: anlise de caractersticas contnuas _________________________________________ 115

    Blanche Christine Bitner-Math

    Aula 17 Introduo Gentica Quantitativa: os componentes da variao fenotpica ________________________________________ 135

    Blanche Christine Bitner-Math

    Aula 18 Observaes sobre as variaes no nmero de cromossomos das espcies __________________________________________ 157

    Patrick Goltsman Moreno

    Aula 19 Alteraes na estrutura dos cromossomos ______________177 Patrick Goltsman Moreno

    Aula 20 Prtica de observao de cromossomos politnicos em larvas de

    Drosophila ________________________________________ 197

    Blanche Christine Bitner-Math

    Gabarito _________________________________________205

    Referncias ______________________________________ 235

    SUMRIO

    Volume 2 - Mdulo 2

  • 11Casos especiais da expresso da herana monognicaAo nal desta aula, voc dever ser capaz de:

    Compreender alguns casos especiais da herana monognica.

    Reconhecer padres de herana diferentes dos propostos por Mendel.

    au

    la

    OBJETIVOS Pr-requisitos Diviso celular e teoria cromossmica da herana.

    Cromossomos sexuais.

    Gentica humana e anlise de heredogramas.

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  • Gentica Bsica | Casos especiais da expresso da herana monognica

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    Nos cruzamentos que temos analisado at aqui, observamos que todos os

    indivduos com o mesmo gentipo possuem o mesmo fentipo. Mas esse no

    o caso para todas as mutaes. Nesta aula, discutiremos alguns exemplos de

    caractersticas monognicas que apresentam modi caes de sua expresso

    e/ou de seu padro de transmisso.

    PENETRNCIA E EXPRESSIVIDADE

    At agora, ns analisamos casos em que podamos distinguir os

    gentipos selvagens e mutantes com 100% de preciso. Nestes casos,

    dizemos que a mutao 100% penetrante. Entretanto, muitas mutaes

    possuem penetrncia incompleta, que ocorre quando os indivduos no

    apresentam uma caracterstica mesmo tendo o gentipo apropriado.

    Desta forma, podemos de nir a penetrncia como a porcentagem

    de indivduos com um determinado gentipo que exibem o fentipo

    associado a esse gentipo. Um organismo pode ter um gentipo em

    particular mas no expressar o fentipo correspondente devido a genes

    modi cadores, epistticos ou supressores no resto do genoma, ou devido

    a um efeito modi cador do ambiente.

    Um exemplo de penetrncia incompleta em humanos a polidactilia

    (presena de dedos e artelhos adicionais). Essa condio ocorre devido a

    uma mutao dominante que se manifesta em alguns de seus portadores.

    Observe o heredograma na Figura 11.1. H uma forte evidncia de

    que o indivduo em questo, o homem II-2, seja portador do alelo

    dominante que causa essa condio, embora ele no apresente o fentipo

    caracterstico. Podemos a rmar isso pelo fato de que tanto sua me como

    um de seus lhos e trs de suas irms possuem polidactilia.

    I

    II

    III

    IV

    INTRODUO

    a b

    Figura 11.1: Polidactilia em seres humanos. a) foto mostrando o fentipo de um indivduo afetado. b) heredograma mostrando a penetrncia incompleta na transmisso dessa caracterstica autossmica dominante (os smbolos em escuro representam os indivduos afetados e a seta indica o indivduo citado no texto).

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    J a expressividade mede a extenso na qual um determinado

    gentipo expresso fenotipicamente. Dessa forma, indivduos com o

    mesmo gentipo podem ter seu fentipo expresso em diferentes graus.

    Essa diferena na expresso fenotpica tambm pode ser devida a fatores

    ambientais ou variao da composio do resto do genoma. Um exem-

    plo de expressividade varivel a mutao dominante do olho Lobe

    em Drosophila (Figura 11.2). Podemos perceber que, apesar de todos

    os indivduos terem o mesmo gentipo, sendo heterozigotos, o fentipo

    associado a essa mutao extremamente varivel desde moscas que

    apresentam olhos muito pequenos at moscas que apresentam olhos

    grandes lobulados.

    Para entender melhor os conceitos de penetrncia incompleta e

    expressividade varivel, observe o esquema na Figura 11.3. Note que,

    considerando que todos os indivduos apresentam o mesmo gentipo,

    o conceito de penetrncia est relacionado presena ou ausncia do

    fentipo correspondente, enquanto o de expressividade est relacionado

    variao do fentipo.

    Penetrncia incompleta

    Expressividade variavel

    P e n e t r n c i a incompleta e expressividade

    varivel

    Figura 11.2: Expressividade varivel da mutao Lobe em Drosophila. Cada indivduo heterozigoto para esta mutao dominante. Observe a variao na forma dos olhos.

    Figura 11.3: Efeitos de penetrncia incompleta e expressividade varivel em uma caracterstica hipottica. a) penetrncia incompleta: indivduos com o mesmo gentipo podem apresentar (em preto) ou no apresentar (em branco) o fentipo caracterstico; b) expressividade varivel: todos os indivduos com o mesmo gentipo apresentam o fentipo, embora o grau de expresso (em tons de cinza e em preto) possa variar; c) penetrncia incompleta e expressividade varivel: indivduos com o mesmo gentipo podem apresentar ou no apresentar o fentipo caracterstico e, quando apresentam, nem sempre em seu grau mximo de expresso.

    a

    b

    c

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  • Gentica Bsica | Casos especiais da expresso da herana monognica

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    IMPRINTING PARENTAL

    Estudos recentes demonstram que, para alguns genes autossmi-

    cos, o postulado da contribuio eqitativa dos progenitores no se

    aplica. Isso porque para alguns genes observa-se que apenas um dos

    alelos, paterno ou materno, normalmente expresso, fenmeno conhe-

    cido como IMPRINTING parental.

    Assim, o imprinting parental, descoberto no incio da dcada de

    1980 em mamferos, consiste num tipo de herana em que a expresso

    de um gene controlado por sua origem parental. Por exemplo, o gene

    Igf2, que codi ca um fator de crescimento semelhante insulina, em

    camundongos, expressa somente o alelo herdado do pai, mas no o da

    me. Dizemos, ento, que esse gene sofreu imprinting materno, sendo

    a cpia do gene derivada da me inativa. Contrariamente, o gene H19

    de camundongo s expressa o alelo herdado da me, mas no o do pai.

    Isto devido ao gene ter sofrido imprinting paterno.

    Quando os alelos desses genes so analisados em nvel molecular,

    observa-se que as nicas mudanas observadas entre o alelo ativo e o

    inativo so grupos metila (CH3) extras presentes em algumas bases do

    DNA do gene que sofreu o imprinting. Esses grupos metila so adicio-

    nados e removidos enzimaticamente s bases do DNA da maioria dos

    organismos superiores, sendo a Drosophila uma exceo. O nvel de

    metilao normalmente est relacionado ao ESTADO TRANSCRICIONAL de um

    gene: genes ativos so menos metilados do que genes inativos.

    IM P R I N T I N G

    O termo imprinting utilizado por transmitir a idia de que o gene foi marcado de algum modo, de forma que possa ser identi cado o seu progenitor de origem.

    Voc pode aprofundar seus conhecimentos sobre os processos de metilao do DNA durante as aulas de Biologia Molecular.

    !

    ES T A D OT R A N S C R I C I O N A L

    O estado transcricional est relacionado com o

    processo de ativao e inativao de

    um determinado gene. Em genes

    ativos o processo de transcrio ocorre

    normalmente,enquanto em genes

    inativos este processo bloqueado.

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    Vamos tomar como exemplo o gene Igf2 em camundongos. Esse

    gene metilado na linhagem germinativa feminina, mas no na linhagem

    germinativa masculina (Figura 11.4). Na fertilizao, o zigoto recebe um

    alelo do gene Igf2 metilado, doado pela me, e um alelo no metilado

    doado pelo pai. Durante o desenvolvimento embrionrio, os estados

    metilados e no metilados so mantidos em todas as clulas somticas.

    Entretanto, nas clulas da linhagem germinativa do novo indivduo, o

    imprinting desfeito. Ou seja, nessas clulas, as duas cpias do gene

    estaro desmetiladas at que a gametognese tenha incio. A partir da,

    um novo processo de metilao pode ou no ocorrer, dependendo do

    sexo do indivduo. No caso do gene Igf2, se o indivduo for uma fmea,

    todos os seus ovcitos portaro o alelo metilado. Mas, se o indivduo for

    um macho, a espermatognese dar origem a espermatozides portando

    o alelo no metilado para esse gene (Figura 11.4). Assim, o processo de

    metilao refeito a cada gerao. Esse fato sugere a existncia de fatores

    espec cos do sexo que controlam a maquinaria de metilao.

    O alelo do gene lgf2 metilado na linhagem germinativa feminina (sofre imprimting, recebendo o grupo metila - CH3) e no-metilado na linhagem germinativa masculina. O desenvolvimento do zigoto d origem aos tecidos que formam o indivduo adulto.

    A metilao mantida durante o desenvolvimento dos tecidos somticos: o alelo herdado maternalmente permanece metilado e no se expressa nas clulas somticas, enquanto que o alelo herdado paternalmente permanece no-metilado e expresso.

    A metilao apagada durante o desenvolvimento dos tecidos germinativos, sendo reestabelecidas durante a ovocitognese, mas no durante a espermatognese. Isto , se o indivduo for uma fmea, todos os alelos do gene Igf2 sero metilados durante a ovocitognese, mas se o indivduo for um macho, nenhum dos alelos ser metilado durante a espermatognese, mesmo sendo cpias do alelo metilado herdado maternalmente.

    Figura 11.4: Metilao e imprinting do gene Igf2 em camundongos. O gene metilado na linhagem germinativa das fmeas, mas no na dos machos.

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  • Gentica Bsica | Casos especiais da expresso da herana monognica

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    A conseqncia do imprinting parental que, mesmo havendo duas

    cpias de cada um destes genes em cada clula, apenas uma das cpias

    expressa, como nos indivduos hemizigticos. Mais ainda, dependendo

    do gene em questo, a cpia inativada pode ser a de origem paterna ou

    materna. Atualmente, j foram identi cados mais de 20 genes humanos

    que sofrem o processo de imprinting parental, desde fatores de cresci-

    mento a RNA no traduzidos, e acredita-se que possam existir centenas

    destes genes entre os, aproximadamente, 30.000 genes que a espcie

    humana possui.

    Um exemplo interessante das conseqncias do imprinting

    genmico na espcie humana o caso das sndromes de Prader-Willi e

    Angelman. Apesar de a incidncia dessas sndromes ser relativamente

    baixa, nos ltimos anos elas tornaram-se objeto de estudo intensivo,

    por se constiturem em exemplos do fenmeno de imprinting genmico.

    Essas sndromes constituem patologias clinicamente distintas, embora

    ambas ocorram por perda de funo de genes na regio 15q11-q13 do

    cromossomo 15. Dentro dessa regio, vrios genes so ativos apenas

    no cromossomo herdado do pai, enquanto outros so ativos apenas no

    cromossomo herdado da me. Portanto, se um indivduo possuir um dos

    cromossomos do par 15 com uma deleo nessa regio, ele apresentar

    ou a sndrome de Prader-Willi ou de Angelman, dependendo da origem

    paterna ou materna do cromossomo deletado.

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    COMPENSAO EM GENES LIGADOS AO CROMOSSOMO X

    O desenvolvimento animal geralmente sensvel a um desequilbrio

    do nmero de genes. Normalmente, nos animais encontramos cada gene

    em duas cpias homlogas. Nos casos em que ocorrem desvios dessa

    condio, seja para mais ou para menos, so observados fentipos

    anormais que podem at levar o indivduo morte. Porm, muitas espcies

    possuem um sistema de determinao sexual com fmeas apresentando

    dois cromossomos X e machos com apenas um. Podemos esperar, ento,

    que essas fmeas possuam duas vezes o nmero de cpias de genes

    ligados ao cromossomo X se comparadas aos machos. Entretanto, por

    muitos anos os geneticistas haviam observado que, em muitos casos,

    fmeas homozigticas para genes dos cromossomos X no expressam a

    caracterstica mais intensamente do que os machos hemizigticos. Portanto,

    deveria haver algum mecanismo de compensao de dose, atravs do qual

    a dose efetiva dos genes seria igualada nos dois sexos. Dois mecanismos

    poderiam explicar essa diferena: (1) cada gene ligado ao cromossomo X

    funciona duas vezes mais em machos do que em fmeas, ou (2) uma cpia

    de cada gene ligado ao X inativada nas fmeas. Mas qual desses dois

    mecanismos realmente atua no processo? Vrias pesquisas mostraram que

    ambos so possveis e que espcies diferentes podem apresentar estratgias

    diferentes de compensao de dose.

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  • Gentica Bsica | Casos especiais da expresso da herana monognica

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    Figura 11.5: Hiperativao do cromossomo X em Drosophila. O conjunto haplide de cromossomos autossmicos est representado pela letra A. Reveja o sistema de determinao do sexo em Drosophila no Quadro 6.3 da Aula 6.

    Hiperativao de genes ligados ao cromossomo X em Drosophila

    Em Drosophila, a compensao de dose de genes ligados ao X

    obtida pelo aumento na atividade desses genes nos machos. Esse fen-

    meno, chamado hiperativao, envolve um gene chamado letal sexual

    (Sxl). Este gene encontra-se na forma ativa nas fmeas e inativa nos

    machos. Quando seu produto gnico est ausente, como nos machos,

    um complexo protico se liga a alguns stios do cromossomo X, ati-

    vando a duplicao da atividade gnica. Quando o produto do gene Sxl

    est presente, como nas fmeas, este complexo protico no se liga, e a

    hiperativao dos genes presentes no cromossomo X no ocorre (Figura

    11.5). Dessa forma, a atividade dos genes ligados ao X em machos e

    fmeas de Drosophila aproximadamente a mesma.

    Inativao de genes ligados ao cromossomo X em mamferos

    Em 1960, Murray L. Barr observou corpsculos cromticos em

    clulas nervosas de gatos fmeas, mas que eram ausentes nas clulas dos

    machos. Barr e alguns colaboradores tambm identi caram esses cor-

    psculos na espcie humana, nos ncleos das clulas de vrios tecidos,

    inclusive no epitlio bucal. Essa estrutura passou a ser conhecida como

    corpsculo de Barr ou cromatina sexual, e demonstrou ser caracterstica

    das clulas de fmeas de todos os mamferos (Figura 11.6). Esse corps-

    culo ca ligado face interna da membrana nuclear, onde se replica em

    momento diferente do momento dos demais cromossomos da clula.

    Vrios pesquisadores propuseram que a cromatina sexual e a compensa-

    o de dose nos mamferos seriam condicionadas pela inativao de um

    cromossomo X na fmea normal. Entre eles estava Mary F. Lyon, que,

    em 1968, formalizou essa hiptese a partir de observaes citolgicas e

    estudos genticos sobre a cor da pelagem em camundongos.

    Aumento da expresso dos genes ligado ao cromossomo X.

    Sem aumento da expresso dos genes ligados aos cromossomos X.

    Desligado:

    complexo protico se liga ao cromossomo X

    Ligado:

    complexo protico no se liga ao cromossomo X

    0,5

    1,0

    Macho

    XY AA

    Fmea

    XX AA

    Gentipo Proporo X:A Gene SxI Expresso dos genes ligados ao X

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    Figura 11.6: Corpsculo de Barr (apontados pelas setas) no ncleo de clulas femininas.

    No incio do desenvolvimento de fmeas de mamferos, um dos

    cromossomos X em cada clula ca inativado, tornando-se altamente

    condensado e visvel como um ponto de colorao escura (corpsculo

    de Barr). Essa inativao cromossmica aleatria. Em cada clula do

    embrio, um ou outro X pode ser inativado mas, uma vez de nido, o

    X inativado persiste em todas as clulas descendentes. Assim, as fmeas

    de mamferos so mosaicos genticos contendo dois tipos celulares: as

    clulas com o cromossomo X de origem materna inativado e as clulas

    com o cromossomo X de origem paterna inativado. Considerando-se

    que a inativao ao acaso, espera-se que metade das clulas inative um

    dos cromossomos X e a outra metade inative o outro cromossomo. Mas

    tambm possvel que, por acaso, um dos cromossomos seja inativado

    num maior nmero de clulas do que o outro.

    Figura 11.7: Inativao do cromossomo X em mamferos.

    INCIO DO DESENVOLVIMENTO EMBRIOMRIO

    ZIGOTO CLULAS EMBRIONRIAS (APS MUITAS MITOSES)

    INDIVDUOADULTO

    Cromossomo X herdado de um progenitor

    Cromossomo X herdado do outro progenitor

    Estas clulas embrionriasdaro origem a um setor de clulas, no indivduo adulto, que expressam apenas o alelo A1

    Estas clulas embrionriasdaro origem a um setor de clulas, no indivduo adulto, que expressam apenas o alelo A2

    Um dos cromossomos X inativado em processo aleatrio, durante as primeiras divises mitticas.

    Uma vez definido qual cromossomo X deve ser inativado, as clulas descendentes seguiro o mesmo padro de inativao.

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  • Gentica Bsica | Casos especiais da expresso da herana monognica

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    Um dos exemplos que permite visualizar este mosaicismo fenotpico

    o da colorao do plo em gatos. Nessa espcie, o cromossomo X

    porta um dos genes responsveis pelo padro de pelagem. As fmeas

    heterozigticas para esse gene (XOXo) mostram placas de plos cor laranja

    e no-laranja (Figura 11.7). As placas no-laranja expressam o alelo o e

    as laranjas o alelo O. Esse fentipo em mosaico chamado de casco-de-

    tartaruga (do ingls tortoise-shell). Cada placa de plos de ne um clone de

    clulas que foram derivadas, por mitose, de uma clula precursora onde

    um ou outro cromossomo X foi inativado no incio do desenvolvimento

    embrionrio da fmea heterozigtica (Figura 11.8).

    cromossomo X, herdado de um dos progenitores, portando o alelo que condiciona a cor laranja na pelagem

    cromossomo X, herdado do outro progenitor portanto o alelo que condiciona cor no-laranja.

    Inativao aleatria do cromossomo X de um dos progenitores no incio do desenvolvimento embrionrio. No esquema, a cor indica o cromossomo que permaneceu ativo em cada uma das clulas.

    Uma vez de nido o X a ser inativado, o padro se mantm nas clulas descendentes, formando setores de cores diferentes na pelagem do indivduo adulto.

    EMBRIOZIGOTO ADULTO MOSAICO

    Figura 11.8: Determinao do padro de pelagem em gatas heterozigticas para um gene ligado ao cromossomo X. O mosaico de cores (laranja e no-laranja) resultado da inativao aleatria do cromossomo X nas clulas embrionrias, no incio do desenvolvimento do indivduo.

    O padro de determinao da cor da pelagem em gatos complexo e envolve a interao de vrios genes. Alguns desses genes esto ligados ao cromossomo X, como no exemplo do gene que determina a formao de setores laranja e no-laranja na pelagem. Outros genes, no entanto, so autossmicos, como um gene que determina a cor branca na pelagem.

    !

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    Figura 11.9: Mosaicismo somtico em mulheres hete-rozigticas para a displasia ectodrmica anidrtica. As reas sem glndulas sudo-rparas so mostradas em escuro.

    Na espcie humana, embora todas as mulheres tenham um de seus

    cromossomos X inativados em cada clula, esta inativao detectvel

    apenas quando uma mulher heterozigota para um gene ligado ao X. Essa

    condio particularmente marcante quando, como no gato tortoise-shell,

    o fentipo expresso no exterior do corpo. Um exemplo amplamente conhe-

    cido a displasia ectodrmica anidrtica. Os homens portadores do alelo

    responsvel em sua condio hemizigtica

    no tm glndulas sudorparas. Uma mulher

    heterozigtica tem um mosaico de setores com

    e sem glndulas sudorparas pelo corpo, como

    mostrado na Figura 11.9.

    Os mecanismos moleculares que causam a inativao do cromossomo

    X ainda so pouco conhecidos. A anlise gentica demonstrou que tanto em

    humanos quanto em camundongos ela comea em um ponto do brao longo do

    cromossomo X e se espalha em ambos os sentidos para as pontas dos cromossomos

    (Figura 11.10). O local onde o processo se inicia chamado centro de inativao

    do X (XIC). O cromossomo X permanece na forma de corpsculo de Barr em

    todos os tecidos somticos. Entretanto, nos tecidos germinativos ele reativado,

    provavelmente pela necessidade de duas cpias de alguns genes para o trmino

    bem-sucedido da ovocitognese.

    Centro de inativao de cada cromossomo X.

    Um complexo protico, repressor da inativao, se liga ao cromossomo X que no ser inativado.

    Um dos cromossomo X totalmente inativado, enquanto seu homlogo

    permanece ativo.

    Figura 11.10: mecanismo molecular da inativao do cromossomo X. A inativao se espalha a partir do centro de inativao do cromossomo que no recebeu o complexo protico repressor.

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  • Gentica Bsica | Casos especiais da expresso da herana monognica

    CEDERJ18

    MANIFESTAO TARDIA

    Existem casos em que a manifestao de uma mutao s ocorre

    em idades avanadas; nesses casos dizemos que h manifestao tardia.

    Na espcie humana, as doenas de Parkinson, Alzheimer e Huntington

    so exemplos de mutaes com manifestao tardia. Vamos ver com

    mais detalhes o caso da doena de Huntington.

    Doena de Huntington

    A doena de Huntington, muitas vezes chamada de CORIA de

    Huntington, foi descrita pela primeira vez por Huntington em 1872,

    em uma famlia americana de descendncia inglesa. O gene para a doena

    parece ter-se difundido do noroeste da Europa para todo o mundo.

    A doena de Huntington um distrbio autossmico dominante, que

    apresenta um padro gentico complexo pelo incio tardio e pouco

    varivel da manifestao do processo. O paciente afetado apresenta

    degenerao neural causada pela perda marcante de clulas cerebrais,

    levando convulso e morte prematura. Esse dano afeta a capacidade

    cognitiva (pensamento, julgamento, memria), movimentos e equilbrio

    emocional. Os sintomas aparecem gradualmente, em geral entre as idades de

    30 e 50 anos (Figura 11.11). Entretanto, devido a sua manifestao tardia, os

    sintomas normalmente aparecem depois que a pessoa teve lhos.

    CO R I A

    Originada da palavra grega para dana, coria se refere aos movimentos involuntrios que esto entre os sintomas comuns da doena de Huntington.

    Figura 11.11: Variao na idade de manifestao dos sintomas da doena de Huntington em indivduos afetados.

    IDADE (em anos)

    Porc

    enta

    gem

    de

    tod

    as a

    s p

    esso

    as

    afet

    adas

    pel

    a d

    oen

    a, d

    entr

    e to

    das

    as

    po

    rtad

    ora

    sd

    o a

    lelo

    .

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  • CEDERJ 19

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    De forma semelhante s demais condies dominantes, cada lho

    de um portador do alelo anormal tem 50% de chances de apresentar

    a doena. Esse padro levou a uma grande busca para encontrar

    meios de identi car pessoas que tm o alelo anormal antes do incio

    da manifestao da doena. A aplicao de tcnicas moleculares tem

    resultado em um promissor procedimento de triagem. Assim, o gene cujo

    alelo mutante causa a doena de Huntington (HD) foi isolado em 1993,

    e seu produto protico, a huntingtina, foi identi cado. No entanto, uma

    vez que a funo desse gene da doena seja totalmente compreendida,

    ainda poder haver um longo tempo at que uma terapia efetiva para a

    doena de Huntington seja estabelecida.

    ANTECIPAO GENTICA

    Uma outra caracterstica de algumas mutaes apresentar o

    fenmeno de antecipao gentica. O conceito de antecipao j era

    popular entre os mdicos no sculo XIX. Eles observavam que algumas

    doenas hereditrias comeam mais cedo e seguem um curso mais grave

    medida que passam atravs das geraes: o av parecia ser menos

    gravemente afetado; o pai j apresentava sintomas mais graves e no lho

    a doena se expressava com toda fora.

    Mas como isso se explica? Apesar de a maior parte do DNA ser

    transmitida para a prole como cpias exatas, existem casos excepcionais.

    Pode haver, por exemplo, um aumento ou decrscimo no nmero de

    repeties de uma seqncia de trinucleotdeos encontradas em certos

    genes. A variao geralmente ocorre quando os genes passam dos

    genitores para os descendentes, devido instabilidade dessas regies

    que contm seqncias repetidas. Esse fenmeno chamado expanso de

    repetio de trinucleotdeos, e tem um papel importante na transmisso

    de algumas doenas genticas humanas. A doena de Huntington e a

    sndrome do X frgil so exemplos desse fenmeno.

    Doena de Huntington

    Os estudos moleculares demonstraram que a mutao respon-

    svel pela doena de Huntington corresponde a um aumento na

    repetio de trinucleotdeos (CAG) situada na regio do gene HD

    do cromossomo 4. Essa expanso CAG do gene HD polimrfica na

    populao. As pessoas no afetadas tipicamente tm de 8 a 36 cpias

    aula_11.indd 19 19/7/2004, 12:40:49

  • Gentica Bsica | Casos especiais da expresso da herana monognica

    CEDERJ20

    desta repetio. As pessoas com doena de Huntington podem ter de

    39 a mais de 120 repeties em pelo menos um dos alelos que portam.

    Indivduos com expanso entre 37 a 39 repeties podem apresentar

    manifestaes clnicas ou no. Quanto maior o nmero de expanses,

    mais precoce a apresentao clnica da doena. Porm, ainda no est

    claro se a gravidade da doena tem correlao com o nmero de expanses.

    O processo de expanso do nmero de repeties CAG ocorre

    durante a meiose e transmitida atravs dos gametas prxima gerao.

    Como resultado, a criana que herdar o alelo mutante do gene HD pode

    apresentar um fentipo diferente de seus pais, alm de alterao na idade

    de manifestao da doena (Figura 11.12).

    Sndrome do cromossomo X frgil

    J no sculo XIX se tinha observado que, entre os indivduos

    internados em instituies para de cientes mentais, a freqncia de

    homens cerca de 25% maior que a das mulheres. Hoje se sabe que

    este excesso de homens , pelo menos em parte, devido ao grande nmero

    de doenas associadas a retardo mental que determinado por genes do

    cromossomo X. A sndrome do cromossomo X frgil a mais freqente

    dessas doenas e afeta cerca de 5% dos de cientes mentais. , assim, a

    segunda causa gentica de retardo mental, s suplantada em freqncia

    Joo1878-1952

    HD - 52 anos(44, 2)

    Catarina1920-1978

    HD - 49 anos(10, 49)

    Dbora1883-1954

    (8, 13)

    Paulo1920 -(4, 11)

    Roberto1940

    (15, 8)

    Eduardo1968 -

    HD - 28 anos (89, 12)

    Carlos1968 -

    HD - 30 anos (89, 12)

    Sabrina1990 -

    HD - 13 anos (95, 13)

    Raquel1970 -

    (19, 10)

    Renata1949 - (3, 7)

    Augusto1947 - 1996

    HD - 39 anos (15, 57)

    Luiza1950 - (18, 9)

    Miguel1939 - 2003

    (11, 5)

    Ana1965 - (14, 8)

    Joo1963 - (6, 2)

    Fernanda1988 - (4, 19)

    Felipe1991 -

    (11, 21)

    Figura 11.12: Heredograma representando a transmisso da doena de Huntington em uma famlia. HD indica a idade em que ocorreu a manifestao dos sintomas da doena. Os nmeros entre parnteses correspondem ao nmero de repeties de trinucleotdeos (CAG) na regio do gene HD, em cada um dos homlogos do cromossomo 4. Procure identi car em cada indivduo o homlogo recebido de cada um dos pais. Veri que, tambm, em que meioses o nmero de repeties foi alterado.

    Maria1945 -

    HD - 45 anos (63, 6)

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    pela sndrome de Down. Entretanto, ao contrrio da sndrome de Down,

    que no tende a se repetir nas famlias, a sndrome do cromossomo X frgil

    tem alto risco de recorrncia nos familiares dos afetados.

    A designao da sndrome decorre do fato de o cromossomo X dos

    afetados apresentar uma falha no seu brao longo, quando suas clulas

    so cultivadas em condies de de cincia de cido flico ou que afetem

    o metabolismo das bases nitrogenadas necessrias para a sntese do DNA.

    Esse cromossomo denominado X frgil ou (fra)X.

    Em 1991, cientistas europeus e americanos descobriram o gene

    denominado FMR1 (fragile X mental retardation) causador da sndrome

    do X frgil. Nas pessoas portadoras da sndrome, um defeito no gene

    FMR1, denominado mutao completa, impede a produo da protena

    FMRP, causando o conjunto de sintomas que do origem doena. A falta

    da protena parece apenas atrasar o desenvolvimento dos neurnios, sem

    dani c-los ou destru-los. Outros indivduos so apenas portadores, no

    exibindo seus sintomas caractersticos. Eles possuem apenas um ligeiro

    defeito no gene FMR1, a que se d o nome de pr-mutao. Nas pessoas

    do sexo masculino portadoras da sndrome, 20% encontram-se em pr-

    mutao, sendo os restantes 80% mutaes completas. J no sexo feminino,

    as porcentagens respectivas so de 50%.

    Os homens portadores da sndrome do X frgil passam, atravs do

    cromossomo X, a pr-mutao a todas as suas lhas, porm, nunca aos seus

    lhos (que herdam o cromossomo Y). As mulheres portadoras, como tm 2

    cromossomos X sendo um carregando o gene afetado, tm probabilidade

    de 50% de o passarem para qualquer lha ou lho. A pr-mutao pode ser

    passada silenciosamente para sucessivas geraes de uma famlia antes de haver

    uma criana afetada com a doena na forma de uma mutao completa.

    Os indivduos afetados pela sndrome do X frgil apresentam

    uma extensa regio de DNA constituda por uma seqncia de

    trinucleotdeos de CGG com freqncia de mais de 200 repeties na

    extremidade 5 do gene FMR1. Nestes indivduos, esse gene geralmente

    se encontra completamente metilado, impedindo a produo da protena

    FMRP. Enquanto na populao em geral o nmero de repeties desse

    trinucleotdeo varia de 6 a 50, nos indivduos portadores da pr-mutao

    detecta-se um nmero intermedirio de repeties (entre 50 e 200). Esta

    regio, geralmente, no encontra-se metilada, podendo, dessa forma,

    produzir a protena FMRP.

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  • Gentica Bsica | Casos especiais da expresso da herana monognica

    CEDERJ22

    O estudo da transmisso do gene alterado mostrou que os homens

    com a pr-mutao a transmitem para suas lhas com o nmero de

    repeties praticamente inalterado (Figura 11.13.a). Mas, quando

    transmitida por uma mulher, a pr-mutao pode sofrer aumento no

    nmero de repeties de trinucleotdeos, cando ainda na categoria

    de pr-mutao ou transformando-se numa mutao completa (Figura

    11.13.b). As mulheres com mutaes com maior nmero de repeties

    so aquelas com maior risco de ter crianas afetadas. Sendo assim, o

    risco para a prole de mulheres portadoras da pr-mutao maior a cada

    gerao. Entretanto, nas mulheres o quadro clnico , em geral, menos grave

    provavelmente pela compensao de dose do cromossomo X.

    Figura 11.13: Representao esquemtica do padro de herana da sndrome do cromossomo X frgil. (a) Homem portador de pr-mutao; (b) mulher portadora de pr-mutao.

    a b

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    R E S U M O

    Determinadas caractersticas apresentam padres diferenciados de herana gentica.

    Algumas mutaes possuem penetrncia incompleta, que ocorre quando os indivduos

    no apresentam uma caracterstica, mesmo tendo o gentipo apropriado. Outras

    mutaes podem apresentar uma expressividade varivel, ou seja, uma variao

    no padro de manifestao do fentipo em indivduos que apresentam o mesmo

    gentipo. J o imprinting parental consiste num tipo de herana em que a expresso

    de um gene controlada por sua origem parental. Nesses casos, observa-se que apenas

    um dos alelos, paterno ou materno, normalmente expresso.

    Em muitos casos, ao contrrio do que se poderia imaginar, fmeas homozigticas para

    genes dos cromossomos X no expressam a caracterstica mais intensamente do que os

    machos hemizigticos. Esse fato pode ser explicado pela existncia de dois mecanismos

    de compensao de dose: (1) hiperativao de genes ligados ao cromossomo X como

    em machos de Drosophila; ou (2) inativao de um dos cromossomos X como nas

    fmeas de mamferos. Neste ltimo caso, uma fmea heterozigtica para um alelo

    ligado ao X capaz de apresentar mosaicismo fenotpico.

    Apesar de a maior parte do DNA ser transmitida para a prole como cpias exatas,

    existem casos excepcionais. Pode haver um aumento ou decrscimo no nmero de

    repeties de uma seqncia de trinucleotdeos quando certos genes passam dos

    genitores para os descendentes. Esse fenmeno, chamado expanso de repetio

    de trinucleotdeos, pode causar a antecipao de determinadas mutaes, sendo

    responsvel por uma srie de doenas humanas, como a doena de Huntington

    e a sndrome do X frgil.

    INFORMAO SOBRE A PRXIMA AULA

    Na prxima aula discutiremos um padro espec co de herana gentica: a herana extranuclear,

    ou seja, de genes localizados fora do ncleo.

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  • Gentica Bsica | Casos especiais da expresso da herana monognica

    CEDERJ24

    A

    EXERCCIOS

    1. No heredograma a seguir, os indivduos em negrito apresentam fentipo

    dominantes controlado por um gene autossmico. O que este heredograma

    sugere sobre o fentipo do indivduo A e o que voc pode deduzir sobre o seu

    gentipo?

    2. A maioria dos heredogramas mostra a polidactilia como sendo uma anomalia

    rara herdada de modo autossmico dominante, mas os heredogramas de algumas

    famlias no se ajustam aos padres esperados para tal herana. Um deles

    mostrado a seguir (os losangos claros mostram o nmero de pessoas no afetadas

    cujo sexo no foi informado).

    a) Que irregularidade este heredograma mostra?

    b) Que fenmeno gentico este heredograma ilustra?

    3. No heredograma a seguir est apresentada uma famlia afetada por duas

    anomalias genticas. Em preto esto os indivduos afetados pela esclertica azul,

    que deixa na e azulada a camada externa dos olhos. A barra (/) representa os

    indivduos afetados pela presena de ossos quebradios.

    1 2

    1 2 114 5 1098763

    115 109876 12 13 14 15 16 17

    5 9876

    4

    4

    I

    II

    III

    IV

    aula_11.indd 24 19/7/2004, 12:40:51

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    LO 2

    a) Estas duas anomalias so causadas pelo mesmo gene ou por genes diferentes?

    Justi que sua resposta.

    b) O(s) gene(s) (so) autossmico(s) ou ligado(s) ao X? Por qu?

    c) O heredograma mostra alguma evidncia de penetrncia incompleta ou

    expressividade varivel?

    4. O que voc entende por imprinting parental? Como o imprinting afeta molecu-

    larmente os genes?

    5. O heredograma abaixo da doena de Huntington (HD), um distrbio do

    sistema nervoso de manifestao tardia. As barras inclinadas indicam os membros

    da famlia que j morreram.

    1 2

    1 2 114 5 1098763

    115 109876 12 13 14 15 16 17

    5 9876

    4

    4

    I

    II

    III

    IV

    3

    12 13 14 15

    321

    321 1110 12 13

    esclertica azul ossos quebradios

    1 2

    1 2 4 5 763

    5 876

    5 6

    4

    4

    I

    II

    III

    IV

    321

    321

    2V

    1Susana Alan

    aula_11.indd 25 19/7/2004, 12:40:52

  • Gentica Bsica | Casos especiais da expresso da herana monognica

    CEDERJ26

    a) Este heredograma compatvel com que modo de herana?

    b) Considere as duas crianas recm-nascidas na gerao V do heredograma, Susana

    e Alan. Estudando o gr co abaixo, calcule a chance da cada um ter herdado o

    alelo que causa a doena, e formule uma opinio sobre a possibilidade de eles

    desenvolverem HD. Suponha, nessa discusso, que os genitores tiveram os lhos

    aos 25 anos de idade.

    Po

    rcen

    tag

    em d

    e p

    esso

    as a

    feta

    das

    pel

    a d

    oen

    a

    den

    tre

    tod

    as a

    s p

    ort

    ado

    ras

    do

    ale

    lo

    Idade em anos

    0 10 20 30 40 50 60 70 80

    50

    100

    6. O heredograma abaixo o exemplo de uma famlia portadora do alelo para a

    sndrome do X frgil, um caso de antecipao gentica. Os indivduos em negrito

    so afetados, apresentando retardo mental. Como voc explicaria o padro de

    transmisso apresentado? XF indica que o gene possui um nmero de repeties

    de CGG maior do que o normal.

    XFY XX

    XFX XY

    XFY XFX XFY XFX

    XY

    XY XXIII

    II

    I1 2

    1 2

    1 2 3 4 5 6

    7- As mulheres que possuem a sndrome de X frgil apresentam, em geral, um

    quadro clnico menos grave do que os homens, provavelmente devido ao mecanismo

    de compensao de dose do cromossomo X. Explique como a compensao de

    dose nas mulheres pode abrandar os sintomas desta sndrome.

    aula_11.indd 26 19/7/2004, 12:40:53

  • 12Herana extranuclearAo nal desta aula, voc dever ser capaz de:

    Reconhecer a existncia de genes extranucleares, sua organizao e padro de transmisso.

    Identi car as principais doenas humanas causadas por mutaes em genes mitocondriais.

    Compreender a importncia do uso de DNA mitocondrial em estudos sobre a evoluo.

    au

    la

    OBJETIVOS Pr-requisitos Diviso celular e ciclos reprodutivos.

    Teoria cromossmica da herana.

    Estrutura do DNA.

    aula_12.indd 27 19/7/2004, 12:41:41

  • Gentica Bsica | Herana extranuclear

    CEDERJ28

    Os conceitos, tal como os reconhecemos, so ao mesmo tempo

    o produto e o processo de uma atividade de construo mental da

    realidade... No so simples imagens ou representaes mentais,

    mas sim indicadores de um modelo, um tipo de discurso intelectual,

    em resposta a um problema ou uma srie de problemas.

    Andr Giordan

    Como voc j sabe, a maior proporo do DNA dos organismos

    eucariticos encontrada nos cromossomos nucleares. Porm, na aula

    de hoje veremos que existem duas organelas celulares as mitocndrias

    e os cloroplastos que apresentam tipos particulares de cromossomos.

    Estes cromossomos contm genes que codificam funes especficas

    dessas organelas. O cromossomo mitocondrial chamado de mtDNA e o

    cromossomo do cloroplasto de cpDNA, sendo o nmero de genes nesses

    cromossomos pequeno em relao ao nmero de genes nucleares. Por

    exemplo, o genoma nuclear humano consiste em aproximadamente 3109

    pares de bases (pb) contendo cerca de 30.000 genes, enquanto o DNA

    mitocondrial tem cerca de 16.000 pb com 37 genes conhecidos. Os genes de

    mitocndrias e cloroplastos so, em geral, espec cos para cada uma dessas

    organelas e no possuem cpias nos cromossomos nucleares. No entanto,

    j foram identi cadas algumas cpias inativas de genes extranucleares nos

    cromossomos nucleares.

    Mas qual ser a origem do material gentico presente nas mito-

    cndrias e nos cloroplastos? A hiptese mais aceita de que essas organelas

    celulares surgiram a partir de organismos endossimbiontes. As clulas

    pr-eucariticas ancestrais teriam sido invadidas em diferentes pocas

    por organismos procariontes fotossintetizantes e no-fotossintetizantes que

    estabeleceram uma simbiose mutuamente ben ca e, no curso da evoluo,

    originaram, respectivamente, os cloroplastos e as mitocndrias presentes

    nas clulas dos eucariontes modernos.

    Os cromossomos de cloroplastos e mitocndrias possuem algumas

    caractersticas que os diferem dos cromossomos nucleares. Em geral, os

    cromossomos dessas organelas so circulares, embora existam evidncias de

    que podem adquirir formas lineares. Outras diferenas incluem possuir um

    grau de condensao menor quando comparado aos cromossomos nucleares

    e estarem presentes em centenas ou milhares de cpias por clulas.

    aula_12.indd 28 19/7/2004, 12:41:42

  • CEDERJ 29

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    LO 2

    Assim como os genes nucleares, os genes de organelas sofrem

    mutaes pontuais, como delees e substituies, e rearranjos

    cromossmicos. No mtDNA de mamferos, por exemplo, a taxa de

    substituio de pares de bases aproximadamente 10 vezes mais alta que

    a dos genes nucleares.

    Muitas dessas mutaes so expressas como fentipos anormais

    e, como as mitocndrias e cloroplastos esto relacionados produo

    energia, o fentipo mutante normalmente tem crescimento lento ou de

    aspecto anormal.

    A descoberta do DNA de cloroplastos e mitocndrias foi antecipada

    pelos estudos que apontaram, no incio do sculo XX, a existncia de

    fatores hereditrios fora do ncleo. Os primeiros estudos eram realizados

    com plantas, que possuem tanto cloroplastos como mitocndrias. Desta

    forma, era difcil identi car qual das duas organelas era responsvel

    pela herana no-nuclear. Estudos posteriores utilizaram leveduras, para

    as quais o envolvimento de cloroplastos podia ser excludo. Atravs

    desses estudos os cientistas puderam concluir que a hereditariedade

    das organelas no segue as regras mendelianas, caracterizando-se por

    contribuies desiguais dos dois genitores. Acompanharemos, a seguir,

    alguns desses estudos clssicos.

    VARIEGAO DE FOLHAS EM ANGIOSPERMAS

    Eventualmente, as folhas de plantas apresentam um padro

    marcante de variegao de cor: alguns setores da folha tm colorao

    verde e outros, branca, podendo existir tonalidades intermedirias de

    verde claro ou amarelo-esverdeado (Figura 12.1). A variegao das

    folhas despertou o interesse de muitos pesquisadores, principalmente

    por suas qualidades ornamentais. Esse fentipo pode ser explicado pela

    distribuio de diferentes tipos de cloroplastos durante a multiplicao

    celular. Alguns dos cloroplastos possuem o alelo capaz de sintetizar o

    pigmento verde e outros no. Quando uma clula se divide, os dois tipos

    de cloroplastos so distribudos de modo aleatrio para as clulas- lhas.

    Aps algumas divises, uma distribuio irregular pode produzir uma

    clula que no tenha cloroplastos produtores de pigmento. Essa clula ir

    ento proliferar em um setor branco da folha. Esses setores so irregulares

    em tamanho, forma e posio.

    aula_12.indd 29 19/7/2004, 12:41:43

  • Gentica Bsica | Herana extranuclear

    CEDERJ30

    Figura 12.1: Exemplos de variegao de cor em folhas de plantas.

    Os primeiros estudos sobre a herana da variegao em folhas

    foram realizados pelos botnicos alemes Carl Correns e Erwin Baur.

    Correns trabalhou com linhagens variegadas de maravilha (Mirabilis

    jalapa), uma planta ornamental. Em seus experimentos, Correns cruzou

    ores normais com ores originrias de setores brancos das plantas

    variegadas. Ele observou que a prole de tais cruzamentos era sempre

    fenotipicamente semelhante ao tecido que produziu os gametas femininos

    (Figura 12.2). Assim, um cruzamento feito pela fertilizao de ovcitos

    de uma planta verde com plen de um setor branco de uma planta

    variegada produziu apenas prole verde. Entretanto, um cruzamento feito

    com ovcitos de um setor branco em uma planta variegada e plen de uma

    planta verde produzia apenas prole branca pura. Essa herana materna

    s podia ser explicada caso a cor da planta fosse controlada por fatores

    que eram transmitidos pelos ovcitos mas no pelo plen.

    P Planta verde X Planta variegada P Planta variegada X Planta verde

    plen provenienteda regio branca

    vulos provenientesda regio branca

    F1 100% plantas verdes F1 100% plantas brancas

    Figura 12.2: Experimentos de Correns sobre a herana de variegao de folhas em Mirabilis. a) cruzamento entre planta verde (fonte dos gametas femininos) e planta variegada (fonte dos gametas masculinos; plen retirado da regio branca). b) cruzamento recproco entre planta variegada (fonte dos gametas femininos; vulos retira-dos da regio branca) e planta verde (fonte dos gametas masculinos). Em ambos os casos, a prole apresentou o fentipo da planta doadora dos gametas femininos, um caso de herana materna estrita.

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    Na Mirabilis, os cloroplastos so transmitidos para a prole pelas

    clulas reprodutivas femininas, mas so inteiramente excludos das clulas

    reprodutivas masculinas. Portanto, os cloroplastos eram os candidatos

    bvios para conter esses fatores. Quando uma planta herda uma mistura

    de cloroplastos pigmentados e no pigmentados do seu progenitor, seus

    tecidos podem variegar porque os dois tipos de cloroplastos se distribuem

    aleatoriamente durante seu desenvolvimento.

    Baur estudou a variegao das folhas em outra espcie ornamental,

    Pelargonium zonale. Nessa planta, os cruzamentos entre as linhagens

    verde e variegada produzem uma mistura de prole, algumas verdes,

    algumas variegadas e algumas brancas puras. Entretanto, esses fentipos

    no aparecem nas propores mendelianas (Figura 12.3). Esta herana

    biparental no-mendeliana indica que a cor das folhas de Pelargonium

    determinada por uma mistura de fatores maternos e paternos situados

    fora do ncleo, provavelmente nos cloroplastos. Dessa forma, ca

    evidente que nessa espcie os cloroplastos so transmitidos tanto pelo

    plen como pelo ovcito. Contudo, a base molecular da variegao das

    folhas ainda desconhecida.

    P Planta verde X Planta variegada P Planta variegada X Planta verde

    plenprovenienteda regio branca

    vulos provenientesda regio branca

    F1 Propores no-mendelianas de plantas F1 Propores no-mendelianas de plantas

    verdes variegadas brancas verdes variegadas brancas

    Figura 12.3: Experimentos de Baur sobre a herana de variegao em folhas de Pelargonium. a) cruzamento entre planta verde (fonte dos gametas femininos) e planta variegada (fonte dos gametas masculinos; plen retirado da regio branca). b) cruzamento recproco entre planta variegada (fonte dos gametas femininos; vulos retirados da regio branca) e planta verde (fonte dos gametas masculinos). Em ambos os casos, trs tipos de plantas foram obtidas, em propores no-mendelianas, um caso de herana biparental no-mendeliana.

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    CEDERJ32

    RESISTNCIA A ANTIBITICOS EM CHLAMYDOMONAS

    As algas verdes fotossintetizantes so uma parte importante

    da biosfera. Uma espcie terrestre, a Chlamydomonas reinhardtii, foi

    amplamente usada em pesquisas genticas. A Chlamydomonas reinhardtii

    um organismo haplide unicelular que contm um nico cloroplasto grande e

    vrias mitocndrias. Nessa espcie existem dois tipos reprodutivos diferentes,

    representados por (+) e (). As clulas de tipos reprodutivos diferentes se

    fundem e produzem um zigoto diplide. Esse zigoto, ento, sofre meiose e

    origina quatro clulas haplides, sendo duas (+) e duas ().

    Em 1954, Ruth Sager, uma geneticista americana, descobriu que

    a resistncia a antibiticos na Chlamydomonas herdada de modo no-

    mendeliano. Sager cruzou indivduos (+) mutantes que apresentavam

    resistncia ao antibitico estreptomicina (stm-r) com indivduos ()

    sensveis a esse antibitico (stm-s) (Figura 12.4). Toda a prole apresentava

    resistncia ao antibitico. Em seguida, Sager cruzou indivduos ()

    resistentes estreptomicina com indivduos (+) sensveis, obtendo uma

    prole inteiramente sensvel. Os estudos mostraram que a resistncia ou

    sensibilidade estreptomicina em Chlamydomonas controlada por um

    fator com padro de transmisso no-mendeliano.

    Figura 12.4: Experimentos de Sager sobre a herana da resistncia estreptomicina em Chlamydomonas rein-hardtii. a) cruzamento entre linhagem (+) resistente e linhagem () sensvel. b) cruzamento recproco entre linhagem () resistente e linhagem (+) sensvel. Em ambos os casos, a prole apresentou o fentipo da linhagem parental (+), um caso de herana uniparental.

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    Figura 12.5: Segregao no-mendeliana de (a) mutaes petites neutras e (b) petites supressivas em leveduras.

    A resistncia ou a sensibilidade, nesse caso, sempre herdada pelo

    citoplasma da clula (+), num caso de herana uniparental. Sager logo

    descobriu outras caractersticas que seguiam esse padro de herana. Esses

    fenmenos foram nalmente esclarecidos quando foi descoberto DNA

    no cloroplasto de Chlamydomonas. Tanto as clulas (+) quanto as ()

    possuem esse DNA, porm, quando ocorre o cruzamento, o cloroplasto

    da clula () degradado e apenas o cloroplasto da clula (+) transmitido

    s clulas- lhas.

    DEFEITOS METABLICOS EM LEVEDURAS

    Algumas linhagens mutantes em leveduras formam pequenas colnias

    quando cultivadas em meio contendo glicose. Essas linhagens so chamadas

    mutantes petites (pequenas em francs). Experimentos demonstraram que

    as linhagens petites sofrem de um defeito no metabolismo de glicose. Esse

    defeito causado pelas mitocndrias dessas clulas que so malformadas,

    no contendo muitas das macromolculas encontradas nas mitocndrias

    selvagens. Dessa forma, a mitocndria ca impossibilitada de realizar o

    metabolismo aerbico, gerando clulas de tamanho reduzido.

    As primeiras anlises genticas da condio petite foram feitas pelo

    pesquisador francs Boris Ephrussi nas dcadas de 1940 e 1950. Sua anlise

    revelou a existncia de duas classes de mutantes: os petites neutros e os petites

    supressivos. Os mutantes petites neutros so caracterizados pela inabilidade

    de transmitir o fentipo petite para a prole em um cruzamento com linhagens

    selvagens. Nesses cruzamentos, todos os quatro haplides originrios do

    cruzamento crescem em colnias grandes, sugerindo que a mutao petite tenha

    sido perdida (Figura 12.5.a). Em contraste, os mutantes petites supressivos so,

    em condies apropriadas, capazes de transmitir o fentipo petite para toda a sua

    prole, sugerindo que a condio tipo selvagem foi perdida (Figura 12.5.b).

    a b

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  • Gentica Bsica | Herana extranuclear

    CEDERJ34

    A base molecular dos dois tipos de mutantes petite foi determinada

    nas dcadas de 1970 e 1980. Os petites neutros no tm nenhum DNA mito-

    condrial, e os petites supressivos tm um DNA mitocondrial muito mutado.

    Um cruzamento entre um mutante petite neutro e o tipo selvagem produz

    zigotos que herdam mitocndrias de ambos os genitores. Entretanto, apenas

    as mitocndrias do genitor tipo selvagem contm algum DNA. Quando

    esses zigotos sofrem meiose e formam esporos, o DNA mitocondrial tipo

    selvagem distribudo para cada um dos quatro ascsporos (os ascomicetos

    tm ciclo de vida do tipo haplobionte haplonte, veja Aula 3). medida

    que eles crescem e se multiplicam, desenvolvem-se mitocndrias saudveis

    e funcionais, permitindo que as clulas faam o metabolismo aerbico,

    produzindo colnias de tamanho normal (Figura 12.6.a).

    Um cruzamento entre um mutante supressivo petite e uma

    linhagem tipo selvagem produz zigotos com DNA mitocondrial de ambos

    os progenitores. Se esses zigotos forem esporulados imediatamente, os

    ascsporos resultantes herdam apenas o mtDNA mutante e crescem em

    colnias petite. Entretanto, se os zigotos forem primeiro propagados

    mitoticamente em cultura lquida e ento esporulados, cada ascsporo herda

    o mtDNA tipo selvagem e cresce em colnias grandes (Figura 12.6.b). Esses

    resultados sugerem que o mtDNA mutante inicialmente tem algum tipo de

    vantagem, suprimindo o DNA tipo selvagem. Acredita-se que, por diferenas

    no tamanho e na estrutura do mtDNA tipo mutante, sua replicao mais

    rpida. Entretanto, durante a propagao mittica, a replicao do mtDNA

    tipo selvagem se iguala do mutante e por m a ultrapassa.

    Figura 12.6: Herana de mtDNA em cruzamentos entre linhagens petite neutra e selvagem (a), e entre linha-gens petite supressiva e selvagem (b), em levedura. O mtDNA mutante da linhagem petite supressiva possui um tamanho menor do que o mtDNA selvagem, devido perda de segmentos cromossmicos.

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    DOENAS MITOCONDRIAIS HUMANAS

    O mtDNA humano consiste em um cromossomo em forma de

    anel, com cerca de 17.000 pares de bases que codi cam 13 polipeptdeos

    que participam da via mitocondrial produtora de energia (fosforilao

    oxidativa). A maioria das protenas necessrias para o desenvolvimento

    das prprias mitocndrias produzida por genes nucleares. Assim,

    algumas das doenas devidas ao mau funcionamento das mitocndrias

    so causadas por defeitos nesses genes, seguindo o padro mendeliano

    clssico de herana. Por outro lado, as doenas provenientes de defeitos

    em genes do genoma mitocondrial so transmitidas como as prprias

    mitocndrias, isto , da me para toda a prole, independente do sexo.

    Entretanto, considerando o grande nmero de mitocndrias que um

    ovcito contm, e o nmero de genomas por mitocndria (de 5 a 10

    molculas de mtDNA), no surpreendente que uma criana possa herdar

    de sua me mais que um tipo de genoma mitocondrial.

    As clulas que contm dois ou mais tipos diferentes de genomas

    mitocondriais so chamadas heteroplsmicas. Durante o seu desenvolvimento,

    um dos genomas pode se tornar, aleatoriamente, mais abundante at

    constituir linhagens de clulas homoplsmicas, onde s ser encontrado

    um nico tipo de genoma mitocondrial. Isto pode explicar em parte

    a enorme variao fenotpica entre indivduos com a mesma doena

    mitocondrial. A seguir, discutiremos algumas das doenas mitocondriais

    que afetam a espcie humana.

    Atro a ptica de Leber

    Esta doena caracteriza-se pela morte do nervo ptico nos adultos,

    ocasionando uma sbita perda de viso. Os homens so mais freqente

    e gravemente afetados que as mulheres, sendo grande a variao na

    gravidade da doena em ambos os sexos. Como seria de se esperar

    para uma mutao mitocondrial, a atro a ptica de Leber herdada

    estritamente pela linhagem materna; no sendo conhecida transmisso

    pelos homens. As anlises moleculares demonstraram que essa doena

    possui heterogeneidade gentica, ou seja, pode ser causada por mutaes

    em um dentre os vrios genes mitocondriais que codi cam as protenas

    envolvidas no processo de fosforilao oxidativa, reduzindo a e cincia

    desse processo. Essa reduo de e cincia pode ser su cientemente grande

    para destruir o funcionamento do nervo ptico e causar a cegueira total.

    Na fertilizao, o vulo contm cerca de 200.000 mtDNAs. Uma vez ferti-lizado, o DNA nuclear se replica e o zigoto sofre clivagem, mas o mtDNA no se replica at a for-mao do blastocisto. Como as clulas do blasto-cisto que iro formar o embrio propriamente dito constituem apenas uma frao de todas as suas clulas, poucas molculas de mtDNA do vulo so encontradas nas clulas germinativas primordiais. Entretanto, questionvel se esse mecanismo suficiente para criar uma populao homognea de mtDNA nas clulas humanas.

    !

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  • Gentica Bsica | Herana extranuclear

    CEDERJ36

    Sndrome de Pearson

    A sndrome de Pearson caracterizada pela perda de clulas da

    medula ssea durante a infncia, sendo geralmente fatal. Pacientes afetados

    por essa sndrome possuem uma deleo relativamente grande no mtDNA,

    sendo essa a causa do desencadeamento da doena. As pessoas doentes quase

    nunca tm os genitores afetados, o que sugere que a deleo responsvel

    provavelmente ocorre espontaneamente durante o desenvolvimento da

    criana ou durante a ovocitognese da me. As pessoas com sndrome de

    Pearson tm uma mistura de mtDNA deletado e normal um exemplo de

    heteroplasmia mitocondrial.

    DNA MITOCONDRIAL E O ESTUDO DA EVOLUO HUMANA

    O estudo da evoluo humana sempre foi um assunto que fascinou

    os cientistas e, at o desenvolvimento da Biologia Molecular, dependia

    da anlise de fsseis raros fragmentos de ossos, dentes e utenslios. No

    entanto, hoje em dia, a evoluo humana, e de outras espcies, pode

    ser estudada comparando-se as seqncias de DNA. Cada seqncia de

    DNA descende de uma seqncia que estava presente em um organismo

    ancestral. Assim, as seqncias de DNA que encontramos hoje re etem

    as seqncias de DNA dos organismos fsseis transmitidas por muitas

    geraes. Nesse processo, as seqncias de DNA sofreram uma srie de

    mutaes que so encontradas nos organismos atuais.

    Alguns dos mais esclarecedores estudos da evoluo humana

    envolvem a anlise de DNA mitocondrial. Existem trs motivos pelos quais

    o mtDNA considerado to til: (1) ser transmitido exclusivamente pela

    mulher; (2) no sofrer recombinao; (3) evoluir mais rpido que o DNA

    nuclear. A estrita transmisso materna do mtDNA e a no ocorrncia de

    recombinao permitem que os cientistas rastreiem seqncias modernas

    de DNA at uma ancestral feminina comum. J a sua rapidez da evoluo

    permite que sejam detectadas mudanas genticas signi cativas em um

    perodo relativamente curto de tempo, se comparado ao DNA nuclear.

    Os primeiros estudos do mtDNA humano, no incio da dcada

    de 1980, demonstraram a existncia de relativamente pouca variao no

    mtDNA de populaes humanas diferentes, sendo as maiores variaes

    encontradas em populaes africanas. Tendo em vista a taxa estimada

    para evoluo do mtDNA, esses estudos indicavam que os seres humanos

    modernos se originaram nos ltimos 200.000 anos na frica. Embora

    essas concluses fossem inicialmente controversas, diversos trabalhos

    posteriores as reforaram.

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  • CEDERJ 37

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    R E S U M O

    As mitocndrias contm mltiplas cpias de um pequeno cromossomo circular

    com genes cujas funes esto relacionadas fosforilao oxidativa e sntese

    de protenas mitocondriais. Os cloroplastos tambm possuem muitas cpias de

    um nico cromossomo circular de DNA que contm genes relacionados com a

    fotossntese e a produo de protenas estruturais dessa organela. Mutaes em

    alguns desses genes levam a defeitos nos sistemas de produo de energia e,

    portanto, a um crescimento lento ou anormal.

    Genes localizados em diferentes tipos de DNA extranuclear apresentam padres de

    herana no-mendelianos, como herana materna, biparental ou uniparental.

    Nos humanos, a maioria das protenas necessrias para o desenvolvimento das

    mitocndrias produzida por genes nucleares. Assim, algumas das doenas devidas

    ao mau funcionamento das mitocndrias so causadas por defeitos nesses genes,

    que seguem os padres mendelianos clssicos de transmisso da herana. Por outro

    lado, as doenas provenientes de defeitos em genes do genoma mitocondrial

    so transmitidas como as prprias mitocndrias, isto , da me para toda a prole,

    independente do sexo.

    Atualmente, diversos estudos em Biologia Evolutiva vm empregando a anlise do

    DNA mitocondrial. A estrita transmisso materna do mtDNA e a no ocorrncia de

    recombinao permitem que os cientistas rastreiem seqncias modernas de DNA

    at uma seqncia ancestral comum. J a rapidez da sua evoluo permite que

    sejam detectadas mudanas genticas signi cativas em um perodo relativamente

    curto de tempo, se comparado ao DNA nuclear.

    Voc ter a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos sobre o uso da anlise do mtDNA em estudos evolutivos na disciplina Evoluo.

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  • Gentica Bsica | Herana extranuclear

    CEDERJ38

    EXERCCIOS

    1. Plantas, tais como as do gnero Mirabilis, podem ter setores verdes, verde-claros

    e brancos em suas folhas devido variao em genes localizados no cpDNA. Se tais

    setores derem origem a estruturas reprodutivas da planta, que caractersticas de

    cor cada setor dever transmitir atravs de gametas masculinos e femininos?

    2. Uma linhagem (+) de Chlamydomonas resistente ao antibitico espectinomicina

    foi cruzada com uma linhagem (-) resistente ao antibitico estreptomicina. Sabe-

    se que os genes para resistncia a esses dois antibiticos residem no cpDNA.

    Aps os cruzamentos, toda a prole era resistente espectinomicina e sensvel

    estreptomicina. Explique o porqu.

    3. Duas linhagens mutantes petite de levedura (M1 e M2) que produziam colnias

    pequenas quando cultivadas em meio rico em glicose foram cruzadas com

    linhagens do tipo selvagem. O cruzamento que incluiu a linhagem M1 resultou

    numa prole toda do tipo selvagem, enquanto o cruzamento que incluiu a linhagem

    M2 produziu toda a prole com colnias pequenas. A partir do seu conhecimento

    sobre a mutao petite em leveduras, interprete os resultados e d uma explicao

    para o ocorrido em ambos os cruzamentos.

    4. O heredograma abaixo mostra uma doena humana rara. Qual o padro de

    herana mais provvel para essa doena?

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    5. A expresso da cardiomiopatia hereditria em humanos pode ser de branda

    a grave, com a expresso grave em geral resultando em morte prematura. O

    heredograma seguinte mostra a ocorrncia (indivduos claros) e a gravidade da

    cardiomiopatia em uma famlia. A gravidade da doena indicada pelas letras m

    (branda), i (intermediria) e s (severa).

    i

    i m s m i s

    i s i m i

    s i m i ms

    m s i i

    a) Qual o tipo de herana mais provvel para a cardiomiopatia?

    b) Como voc explicaria a expressividade varivel da cardiomiopatia nesse

    heredograma?

    a) Qual o padro de herana mais provvel para essa caracterstica?

    b) Como voc explicaria a ausncia de manifestao da doena nos indivduos

    II.1 e II.4?

    c) E nos indivduos III.8 a III.13?

    d) E nos caso do indivduo III.3?

    6. O heredograma humano abaixo refere-se a uma anomalia visual rara, na qual

    a pessoa afetada perde a viso central, embora mantenha a viso perifrica.

    I

    II

    III

    1 2

    1 2 3 4

    1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13

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  • Genes ligados

    Ao fi nal desta aula, voc dever ser capaz de:

    Reconhecer que excees s teorias estabelecidas fornecem evidncias para que estas teorias sejam complementadas ou substitudas.

    Identifi car a ocorrncia de ligao gnica atravs da anlise de cruzamentos.

    Reconhecer a permuta cromossmica como uma das causas de recombinao gnica.

    Pr-requisito

    Possuir noes bsicas de testes de hipteses, conceito visto nas aulas

    de Bioestatstica.

    1313AULA

    objetivos

  • GENTICA BSICA | Genes ligados

    42 C E D E R J

    Como ponto de partida da aula de hoje, recordamos que o estabelecimento da

    teoria cromossmica da herana, no comeo do sculo XX, desencadeou um

    grande perodo de investigao gentica. Muitos geneticistas fi caram motivados

    a estudar a segregao dos alelos em mais de um gene, atravs de cruzamentos

    entre indivduos com mutaes visveis.

    Por vezes, os resultados desses experimentos estavam de acordo com o

    esperado pelas leis de Mendel, reforando a idia de que alelos de genes

    diferentes segregam independentemente. Entretanto, em alguns casos

    foram encontrados resultados inesperados, e essas excees passaram a ser

    intensamente estudadas.

    Quando alelos de dois genes diferentes eram transmitidos juntos para a prole

    em uma freqncia superior esperada pela segregao independente, os

    genes eram ditos acoplados.

    Mesmo sem o conhecimento exato da natureza do acoplamento, alguns

    geneticistas, incluindo Thomas Morgan e seus alunos, imaginavam que

    genes presentes em um mesmo cromossomo estariam ligados uns aos outros

    como as contas de um colar. Esse modelo linear da organizao dos genes

    nos cromossomos e as observaes citolgicas de trocas entre segmentos

    cromossmicos serviram de base para a hiptese de Morgan, que pretendia

    explicar como ocorriam algumas das excees s leis de Mendel, encontradas

    nos mais diversos cruzamentos.

    LEI DA SEGREGAO INDEPENDENTE: EXISTEM EXCEES?

    Na Aula 6, vimos que Sutton, a partir da observao da semelhana

    entre o comportamento dos cromossomos durante a meiose e a segregao

    dos fatores hereditrios postulados por Mendel, props que os fatores

    mendelianos, atualmente conhecidos como genes, deveriam estar nos

    cromossomos. Contudo, na poca, havia o questionamento de que os

    genes no s poderiam estar nos cromossomos, mas tambm poderiam

    estar em qualquer outra estrutura celular que tivesse comportamento

    semelhante.

    Vrias pesquisas foram necessrias at que a comunidade cientfi ca

    fi casse convencida da idia proposta por Sutton. A partir da hiptese de

    que os genes estariam nos cromossomos, uma srie de dedues pde ser

    feita e testada, at que a Teoria Cromossmica da Herana fosse aceita

    acima de qualquer suspeita.

    INTRODUO

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    C E D E R J 43

    O prprio Sutton no se limitou a descrever o que havia observado,

    tendo realizado dedues que levaram a importantes descobertas sobre

    a relao entre genes e cromossomos. Por exemplo, ele deduziu que

    se houvesse apenas um gene em cada cromossomo, (...) o nmero de

    caractersticas diferentes de um indivduo no poderia exceder o nmero

    de cromossomos nos gametas: o que indubitavelmente contrrio aos

    fatos (Sutton, 1903).

    Com esse pensamento dedutivo, Sutton chegou concluso de

    que poderiam existir muitos genes em um mesmo cromossomo. Observe

    esse outro trecho de seu trabalho publicado em 1903: Ns devemos,

    assim, assumir que pelo menos alguns cromossomos esto relacionados

    a um certo nmero de diferentes ALELOMORFOS.

    Porm, Sutton foi alm dessa concluso. Ele havia observado

    que os cromossomos mantinham sua individualidade no decorrer dos

    processos de diviso celular e, ento, imaginou que os cromossomos

    de um indivduo deveriam ser transmitidos aos seus descendentes sem

    qualquer alterao em sua composio allica. Assim, Sutton props que

    se os cromossomos retm permanentemente as suas individualidades,

    ento todos os alelomorfos presentes em um mesmo cromossomo devem

    ser herdados juntos.

    Mas, e quanto lei da segregao independente? Se a hiptese de

    que genes do mesmo cromossomo so herdados juntos estivesse correta,

    no haveria, a princpio, a possibilidade de segregao independente

    entre estes genes. Nesse caso, deveramos encontrar resultados diferentes

    dos observados por Mendel. De fato, conforme aumentava o nmero

    de experimentos com cruzamentos entre indivduos mutantes para mais

    de um gene, tambm aumentava o nmero de resultados que no se

    ajustavam s propores fenotpicas esperadas pela 2 Lei de Mendel.

    No comeo do sculo XX, parecia claro para os geneticistas que

    aceitavam as hipteses suttonianas que o modelo original de Mendel no

    era completamente satisfatrio. Ele no conseguia explicar os resultados

    observados quando dois ou mais genes estivessem localizados no mesmo

    par de cromossomos homlogos, embora explicasse satisfatoriamente

    como ocorria a segregao independente dos genes localizados em

    cromossomos diferentes.

    AL E L O M O R F O

    Era o termo usado na poca para

    designar alelos.

  • GENTICA BSICA | Genes ligados

    44 C E D E R J

    TESTANDO A 2 LEI: SEGREGAO INDEPENDENTE x LIGAO GNICA

    Para facilitar a compreenso, acompanhe os cruzamentos

    apresentados no Quadro 13.1. Nestes experimentos, voc vai observar

    cruzamento de indivduos puros que diferem quanto a duas caractersticas

    e a F1 (dibrida) obtida cruzada com indivduos duplo-homozigotos

    recessivos. Como voc deve se lembrar, o cruzamento entre um indivduo

    heterozigtico para um ou mais genes com um homozigoto recessivo

    chamado de cruzamento-teste.

    Quadro 13.1: Resultados de cruzamentos entre indivduos dibridos.

    Caractersticasanalisadas

    Gerao parental Gerao F1Cruzamento-teste

    (F1 x duplo-homozigoto recessivo)

    ERVILHA: cor e forma da semente

    amarelarugosax

    verdelisa

    100% amarelalisa

    252 sementes amarelalisa

    248 sementes verderugosa

    250 sementes amarelarugosa

    258 sementes verdelisa

    DROSFILA: forma da asa ecor do corpo

    selvagemselvagemx

    deltaebony

    100% selvagem

    52 moscas selvagemselvagem

    48 moscas deltaebony

    selvagemebonyx

    deltaselvagem

    100% selvagem

    49 moscas selvagemebony

    50 moscas deltaselvagem

    I

    II

    III

    Vamos comear calculando os resultados esperados pela lei da

    segregao independente. Em todos os casos, os indivduos da F1 so

    heterozigticos e apresentam o fentipo dominante. Agora, podemos

    prever os resultados esperados pela 2 Lei de Mendel para os cruzamentos-

    teste dos indivduos F1 com indivduos duplo-homozigticos recessivos.

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    M

    DU

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    Mas como fazer para prever estes resultados? bastante simples.

    A 2 Lei de Mendel estabelece que os alelos de genes diferentes segregam-se

    independentemente durante a formao dos gametas de um indivduo.

    Acompanhe a Figura 13.1 para relembrar o comportamento dos

    cromossomos, e dos alelos de dois genes diferentes, durante a formao

    dos gametas.

    Figura 13.1: Tipos de gametas formados por um indivduo heterozigtico para dois genes localizados em cromossomos diferentes. Os tipos formados por cada clula meitica dependem da associao dos cromossomos no homlogos durante a Metfase I da diviso meitica. Considerando todos os gametas de um indivduo, espera-se encontrar 1/4 de cada tipo, pela lei da segregao independente.

  • GENTICA BSICA | Genes ligados

    46 C E D E R J

    Ento, se voc sabe os tipos e propores de gametas formados

    por cada indivduo, voc poder deduzir os gentipos produzidos pela

    associao dos gametas masculinos e femininos. Poder deduzir tambm

    qual a proporo esperada de cada gentipo na prole, e qual a proporo

    fenotpica esperada na prole de qualquer cruzamento! Observe a Figura

    13.2.

    Figura 13.2: Proporo fenotpica esperada pela lei da segregao independente no cruzamento de indivduos duplo-heterozigticos com indivduos duplo-homozigticos recessivos (cruzamento-teste). Os gametas do tipo parental so aqueles que apresentam os mesmos arranjos de alelos encontrados nos gametas parentais, ao passo que os gametas recombinantes so aqueles que apresentam novas combinaes de alelos. No caso de genes localizados em cromossomos diferentes, espera-se obter gametas com arranjos parentais e recombinantes na mesma freqncia de 50% (1/4 + 1/4 = 1/2), devido associao independente dos alelos dos dois genes. Reveja como os gametas so formados na fi gura 13.1.

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    Seguindo essa fi gura, podemos deduzir que, para dois genes, a

    proporo fenotpica esperada na prole deste cruzamento-teste 1:1:

    1:1. Neste ponto pode surgir uma dvida: na Aula 5, ns vimos que a

    proporo fenotpica esperada pela lei da segregao independente em

    um cruzamento dibrido era 9:3:3:1. Por que chegamos a uma proporo

    diferente? Nos cruzamentos dibridos mostrados na Aula 5, a F1 era

    cruzada entre si (intercruzada) para produzir a gerao F2. Portanto,

    voc deve estar deduzindo que esta proporo de 9:3:3:1 esperada em

    cruzamentos entre indivduos heterozigticos (AaBb x AaBb). Quanto

    aos cruzamentos mostrados no Quadro 13.1, os indivduos da F1 foram

    cruzados com indivduos duplo-homozigticos (AaBb x aabb), resultando

    na proporo fenotpica esperada de 1:1:1:1 na prole de cada cruzamento-

    teste. Quando calculamos a proporo esperada em um cruzamento

    qualquer, devemos levar em conta o gentipo dos indivduos parentais

    e que tipos de gametas so formados por cada indivduo.

    Ateno! Se voc ainda tem alguma dvida sobre a lei da segregao independente ou sobre como os gametas so formados durante a meiose, consulte as Aulas 5 e 6, com ateno especial para as Figuras 5.2 e 6.3. O pouco tempo que voc gastar revendo estes conceitos ter o seu valor aumentado no futuro!

    !

    Agora, volte a analisar os resultados dos cruzamentos-teste no

    Quadro 13.1. Voc poderia dizer se os resultados observados em cada

    cruzamento esto de acordo com o esperado pela lei da segregao

    independente?

    No primeiro cruzamento-teste, o cruzamento das ervilhas que

    diferem quanto cor e forma das sementes, os resultados observados

    se aproximam da proporo fenotpica esperada pela 2 Lei de Mendel,

    de 1:1:1:1.

    Entretanto, quando analisamos os cruzamentos II e III, com

    drosfi las que diferem quanto forma da asa e cor do corpo, podemos

    dizer que os resultados observados em cada um desses dois cruzamentos

    no esto de acordo com os resultados esperados pela 2 Lei de Mendel,

    j que apenas duas classes fenotpicas foram encontradas na prole de

    cada um desses cruzamentos-teste, na proporo aproximada de 1:1.

    Note, ainda, que na prole de cada um desses cruzamentos-teste aparecem

    somente indivduos com os mesmos fentipos dos indivduos parentais.

  • GENTICA BSICA | Genes ligados

    48 C E D E R J

    No cruzamento II foram encontrados apenas indivduos selvagem

    selvagem e deltaebony na proporo de 1:1, enquanto no cruzamento

    III s foram encontrados indivduos selvagemebony e deltaselvagem,

    na mesma proporo.

    Como voc explicaria a ocorrncia desse desvio da proporo

    esperada? E por que os fentipos encontrados nos indivduos da prole de

    cada cruzamento-teste so os mesmos fentipos dos indivduos parentais?

    Em nenhum dos casos ocorreu a formao de gametas

    recombinantes na meiose dos indivduos heterozigticos da F1 e, por esse

    motivo, apenas classes fenotpicas parentais foram observadas na prole

    dos cruzamentos-teste. Considerando que os genes que condicionam a

    forma da asa e a cor do corpo estejam localizados no mesmo cromossomo,

    e assumindo a hiptese de Sutton de que genes localizados em um mesmo

    cromossomo so herdados juntos, podemos facilmente explicar a ausncia

    das classes fenotpicas recombinantes nesses cruzamentos (Figura 13.3).

    Assim, a associao dos alelos de genes que se localizam em um mesmo

    cromossomo no independente.

    Chamamos o evento da ligao entre genes de ligao gnica.

    Note que casos em que apenas indivduos com fentipos parentais so

    observados na prole dos cruzamentos, na proporo de 1:1, como nos

    cruzamentos II e III, so raros e constituem um tipo especial de ligao

    gnica, a ligao completa.

    Fase de ligao: confi gurao cis (AB/ab) x confi gurao trans (Ab/aB)

    a maneira pela qual os alelos de um indivduo duplo-heterozigtico esto dispostos no par de cromossomos homlogos em questo. Existe uma nomenclatura especfica para cada fase de ligao. Chamamos de configurao cis, ou acoplamento, quando os indivduos heterozigticos recebem, de um dos seus progenitores, os dois alelos dominantes ligados em um cromossomo, enquanto os dois alelos recessivos ligados ao cromossomo homlogo so herdados do outro progenitor. Por sua vez, a configurao trans, ou repulso, observada quando os alelos dominantes se encontram em cromossomos homlogos diferentes, o mesmo ocorrendo com os alelos recessivos. Acompanhe a Figura 13.3.

    !

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    Figura 13.3: Resultados dos cruzamentos-teste em que os genes apresentaram ligao completa, isto , a freqncia de recombinao estimada foi 0%, pois nenhum recombinante foi formado. a) cruzamento que produz o dibrido com confi gurao cis; b) cruzamento que produz o dibrido com confi gurao trans; c) gametas produzidos por cada indivduo dibrido. Note que esse exemplo tem fi ns didticos, sendo possvel haver a formao de gametas recombinantes entre os genes delta e ebony em Drosophila.

  • GENTICA BSICA | Genes ligados

    50 C E D E R J

    A forma mais comum de ligao gnica a ligao incompleta,

    onde, apesar de os genes estarem localizados no mesmo cromossomo,

    gametas recombinantes podem ser produzidos durante a meiose de

    indivduos heterozigticos. Como isto possvel? Veremos a seguir.

    A DESCOBERTA DA LIGAO GNICA

    William Bateson, Edith Saunders e Reginald Punnett foram os

    primeiros a descrever a ocorrncia de desvios entre as propores

    fenotpicas observadas e as propores esperadas pela lei da associao

    ou segregao independente. Como voc viu na Aula 6, Bateson foi um

    dos primeiros a aceitar as idias mendelianas. Seu grupo de pesquisa

    passou a investigar a fundo os experimentos que representavam

    excees a elas.

    Em 1905, Bateson, Saunders e Punnett publicaram os resul-

    tados de experimentos em que cruzavam variedades de ervilhas-de-

    cheiro que diferiam quanto cor da flor e ao tamanho do plen.

    Um desses cruzamentos dibridos apresentou o resultado que est

    ilustrado na Figura 13.4.

    Edith Rebecca Saunders (1865-1945)Cientista inglesa, trabalhou com Bateson em alguns poucos experimentos no campo da Gentica. No entanto, seu maior interesse era a anatomia e morfologia das fl ores, tema que investigou durante 15 anos.

    Reginald Crundall Punnett (1875-1967)

    Geneticista ingls que desempenhou um papel importante na associao das hipteses mendelianas com clculos estatsticos. Punnett desenvolveu um mtodo para calcular as freqncias genotpicas e fenotpicas esperadas em cruzamentos, conhecido como o Diagrama de Punnett.

    A representao dos alelos de genes ligados depende do arranjo

    desses alelos em cada cromossomo homlogo. Por conveno, os alelos

    que se encontram em um cromossomo so separados por uma barra

    daqueles localizados no cromossomo homlogo (DE/de ou De/dE, por

    exemplo). Indivduos com os gentipos DE/de ou De/dE apresentam o

    mesmo fentipo por serem heterozigticos para os dois genes em questo.

    No entanto, dependendo do modo como os alelos esto dispostos no par

    de cromossomos homlogos, resultados diferentes podem ser produzidos

    em determinados cruzamentos. Observe a Figura 13.3.

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    Figura 13.4: Cruzamento dibrido entre variedades de ervilha-de-cheiro, realizado por Bateson e seus colaboradores.

    Eles observaram que a proporo observada na F2 desse cruzamento

    no estava de acordo com a proporo fenotpica esperada pela 2 Lei

    de Mendel para cruzamentos entre indivduos duplo-heterozigticos.

    Note que algumas classes apresentaram uma proporo maior do que a

    esperada, enquanto outras apresentaram uma proporo menor. Mas, para ter certeza de que se tratava de um caso de ligao gnica, Bateson

    e seus colaboradores realizaram cruzamentos-teste com os indivduos

    da F1 (Quadro 13.2).

    P

    F1

    F2

    Flor vermelhaPlen redondo

    X Flor prpuraPlen longo

    100% plantas:Flor prpuraPlen longo

    Flor prpuraPlen longo

    Flor prpuraPlen redondo

    Flor vermelhaPlen longo

    Flor vermelhaPlen redondo

    Proporo observada:12 : 1 : 1 : 3

    Proporo esperada:9 : 3 : 3 : 1

  • GENTICA BSICA | Genes ligados

    52 C E D E R J

    Quadro 13.2: Resultados dos cruzamentos-teste realizados por Bateson e colaboradores, entre variedades de ervilha-de-cheiro.

    Caractersticasanalisadas

    Gerao parental Gerao F1Resultado do cruzamento-teste

    (F1 x duplo-homozigoto recessivo)

    ERVILHA: cor da fl or e

    tamanho do plen

    prpuralongox

    vermelhoredondo

    100% prpuralongo

    43,7% plantas prpuralongo

    6,3% plantas prpuraredondo

    6,3% plantas vermelholongo

    43,7% plantas vermelhoredondo

    prpuraredondox

    vermelholongo

    100% prpuralongo

    6,3% plantas prpuralongo

    43,7% plantas prpuraredondo

    43,7% plantas vermelholongo

    6,3% plantas vermelhoredondo

    I

    II

    No caso de cruzamentos-teste dibridos, a proporo fenotpica

    esperada era de 1:1:1:1. No entanto, eles novamente observaram um

    desvio em relao proporo esperada. Embora esses resultados no

    estivessem de acordo com a lei da segregao independente, propores

    muito semelhantes eram encontradas sempre que Bateson e seus

    colaboradores repetiam os cruzamentos. Eles notaram que parecia

    existirem duas regras:

    1. As classes fenotpicas mais comuns so dos tipos parentais e

    apareciam na freqncia de 43,7% para cada classe.

    2. As classes fenotpicas recombinantes tambm apresentavam

    freqncias iguais (6,3% para cada classe), mas bem menores

    do que o esperado.

    Bateson e seus colaboradores concluram que os genes que

    condicionam estas duas caractersticas, de alguma forma, apresentavam

    um acoplamento. Contudo, este acoplamento no era total, pois classes

    fenotpicas recombinantes tambm foram observadas na prole desses

    cruzamentos.

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    A observao de que as classes recombinantes surgiam com

    freqncia constante, mesmo quando os experimentos eram repetidos

    muitas vezes, sugeria a existncia de uma causa, a ser descoberta,

    que explicasse esses resultados. Porm, Bateson, Saunders e Punnett

    no conseguiram imaginar uma hiptese que pudesse esclarecer,

    satisfatoriamente, a ocorrncia desses casos: (...) Ns no temos at

    o momento explicao alguma para esta diferena, e tudo o que pode

    ser dito que nestes casos especiais a distribuio dos caracteres no

    heterozigoto infl uenciada pela maneira como se encontram distribudos

    nos parentais homozigticos.

    O que poderia estar acontecendo, ento? Nesta altura da aula, deve

    estar claro para voc que nem a lei da segregao independente, nem a hiptese

    de Sutton de que os alelos do mesmo cromossomo devem ser herdados juntos

    explicam a ocorrncia de classes recombinantes em cruzamentos envolvendo

    genes ligados. Foi ento que, em 1911, surgiu na sala das moscas a hiptese

    que levou ao esclarecimento desse problema.

    A HIPTESE DE MORGAN PARA A LIGAO INCOMPLETA: PERMUTA ENTRE CROMOSSOMOS

    J no comeo do sculo XX, THOMAS MORGAN e seus estudantes

    haviam descoberto dezenas de novas mutaes nas drosfi las. Cada

    mutao nova era testada em cruzamentos dibridos e, na maioria dos

    casos, a proporo fenotpica observada no intercruzamento da F1 estava

    de acordo com a proporo mendeliana esperada de 9 : 3 : 3 :1. Neste

    casos, considerava-se que os genes envolvidos estavam segregando de

    maneira independente. Mas, em muitos outros casos, foram observados

    resultados semelhantes aos obtidos por Bateson.

    A princpio, Morgan, como Bateson e seus colaboradores, no

    estava convencido da veracidade da hiptese suttoniana. Mas considerou-a

    e testou-a atravs dos estudos realizados com as drosfi las por seu grupo.

    Por fi m, Morgan e seus colaboradores puderam comprovar que Sutton

    estava certo. Morgan percebeu que uma pequena modifi cao na hiptese

    de Sutton era o que faltava para explicar os fenmenos de acoplamento

    e repulso.

    THOMAS MORGAN (1866-1945)

    Geneticista americano que muito

    contribuiu para o estabelecimento

    dos fundamentos da Gentica. Na

    Aula 6, voc teve a oportunidade de

    conhecer um pouco da sua vida cientfi ca

    e de seus principais trabalhos. Morgan

    ganhou o Prmio Nobel de Fisiologia e

    Medicina em 1933.

  • GENTICA BSICA | Genes ligados

    54 C E D E R J

    Em 1911, Morgan props uma nova hiptese: cada gene

    localizava-se em um local especfi co do cromossomo, hoje conhecido

    como locus ou loco gnico, e, atravs de pontos de ligao entre eles,

    ocorriam recombinaes fsicas entre segmentos dos cromossomos

    homlogos emparelhados durante a meiose. Conseqentemente, essas

    trocas, chamada de permutas (crossing-over), poderiam levar formao

    de gametas contendo cromossomos recombinantes. Se essa hiptese

    estivesse correta, haveria uma explicao precisa para o aparecimento

    das classes fenotpicas recombinantes nos cruzamentos dibridos para

    genes ligados.

    De fato, antes de propor sua hiptese, Morgan j havia encontrado