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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS II / ALAGOINHAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Celina Batalha Oliveira Lima
Do Arsenal de Guerra para o mundo operário mais
amplo: um estudo sobre a Sociedade Bolsa de Caridade
(1872-1930).
Alagoinhas, julho de 2019
Celina Batalha Oliveira Lima
Do Arsenal de Guerra para o mundo operário mais
amplo: um estudo sobre a história da Sociedade Bolsa
de Caridade (1872-1930).
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade do Estado da Bahia –
Campus II como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Aldrin Armstrong
Silva Castellucci
Banca examinadora:
Prof. Dr. Aldrin Armstrong Silva Castellucci – UNEB
Prof. Dr. Claudio Henrique de Moraes Batalha - UNICAMP
Prof. Dr. Antonio Luigi Negro – UFBA
Suplente:
Prof. Dr. Paulo Santos Silva - UNEB
Alagoinhas, julho de 2019
FICHA CATALOGRÁFICA
Biblioteca do Campus II / Uneb
Bibliotecária: Rosana Cristina de Souza Barretto - CRB: 5/902
L732a Lima, Celina Batalha Oliveira.
Do arsenal de guerra para o mundo operário mais amplo: um
estudo sobre a Sociedade Bolsa de Caridade./ Celina Batalha Oliveira
Lima – Alagoinhas, 2019.
158f. il.
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia.
Departamento de Educação. Mestrado em História.
Orientador: Prof. Dr. Aldrin Armstrong Silva Castellucci.
1. Mutualismo – Bahia – História. 2. Associações de socorro mútuo
– Brasil – História. 3. Trabalhadores – Bahia – Condições sociais. 4.
Arsenal de Guerra da Bahia. I. Castellucci, Aldrin Armstrong Silva. II.
Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. III.
Título.
CDD 334.7098142
Dedico este trabalho a Darci Batalha, minha
mãe, hoje portadora do mal de Alzheimer.
Quanto mais ela precisa dos meus cuidados,
maior é a impressão de que na verdade é ela
que ainda cuida de mim.
Agradecimentos
Gostaria de aproveitar este espaço para enfatizar a importância das universidades
públicas para a produção de conhecimento nesse país. Em um momento em que as
instituições de ensino sofrem ataques grotescos e incoerentes das instâncias de poder que
deveriam apoiá-las, registro meus agradecimentos a UNEB - Universidade do Estado da
Bahia, pela oportunidade de cursar uma pós-graduação stricto sensu em História, que apesar
do pouco tempo de existência, nada fica a dever às suas congêneres mais antigas.
Adicionalmente, agradeço ao PPGH-UNEB o financiamento de uma viagem que fiz para
apresentar alguns resultados de minha pesquisa no V Seminário Internacional Mundos do
Trabalho, realizado entre os dias 25 e 28 de setembro de 2018 nas dependências da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Agradeço aos colegas do GT
Mundos do Trabalho da ANPUH-Brasil pela acolhida e oportunidade de trocas acadêmicas
nessa importante rede de pesquisas em história social do trabalho.
Agradeço ao professor doutor Paulo Santos Silva pelas aulas da disciplina Teorias e
Métodos da História, espaço onde fui estimulada a adquirir as ferramentas essenciais para a
pesquisa histórica. Agradeço também a Diana Marinho, funcionária do programa, pela
presteza com que sempre atendeu as minhas demandas. Sou grata a todos os trabalhadores dos
arquivos públicos onde consultei documentos históricos. Apesar do estado de abandono e
carência de recursos em que tais instituições se encontram, a seriedade, o empenho e a
dedicação de alguns servidores são evidências de que esses profissionais parecem entender
melhor a importância da pesquisa histórica do que os nossos governantes. O apoio deles foi
peça importante para a realização deste trabalho. Aos professores doutores membros da banca
de qualificação, Antonio Luigi Negro, o Gino, e Claudio Batalha, agradeço as contribuições.
Todas foram de grande valia para a correção dos rumos de minha pesquisa e, na medida do
possível, foram incorporadas ao texto final que apresento neste momento.
Quero agradecer especialmente ao meu orientador, o professor doutor Aldrin
Castellucci. Foi graças a uma postagem sua nas redes sociais que tomei conhecimento do
processo seletivo para o curso de mestrado em História do Campus II da UNEB (Alagoinhas).
Sem projeto de pesquisa pronto e longe da academia há muito tempo, solicitei matrícula em
disciplina ofertada por ele, na qualidade de aluna especial. O acolhimento foi total e incluiu
inúmeras caronas entre Salvador e Alagoinhas, empréstimo de livros, indicações de textos e
de arquivos para pesquisa, além de criteriosas correções dos meus escritos. Enfim, sem sua
generosidade dificilmente eu teria concluído este trabalho. Minha gratidão é imensa. Estendo
o agradecimento a sua companheira, Eliza, pelo carinho com que sempre me recebeu.
Deixo aqui um agradecimento especial para o Sr. Aristófanes Muniz Fernandes,
presidente da Sociedade Bolsa de Caridade, por me fornecer acesso aos documentos do
arquivo da associação que estão sob sua guarda, alguns dos quais não disponíveis em outras
instituições.
Agradeço também aos colegas de mestrado pelo apoio mútuo, troca de informações,
livros emprestados, compartilhamento de pesquisa, esclarecimento de dúvidas e pelo carinho
demonstrado.
Muitas outras pessoas colaboraram para que eu pudesse me dedicar a esta pesquisa.
Não é tarefa fácil agradecer a todas elas, mesmo porque a memória falha e esquecimentos
parecerão ingratidão. Mas é fato que sempre que os obstáculos pareceram grandes demais
para mim, uma mão amiga me socorreu. Foi assim quando tive que recorrer ao poder
judiciário para obter licença para curso de pós-graduação, direito consagrado em lei, mas
negado pela Secretaria da Educação do Estado da Bahia. Agradeço a advogada e amiga,
Cecília Simões, que por um preço simbólico impetrou mandado de segurança e garantiu
melhores condições para a conclusão desta dissertação.
Não posso deixar de agradecer a minha amiga Maura Vieira pelo apoio prestado em
um momento difícil, quando me vi na contingência de cuidar de uma tia doente, o que além
de demandar muito do meu tempo exigiu gastos acima da minha condição. Ela reuniu amigos
e colegas, arrecadou donativos e cuidou de garantir que eu pudesse conciliar o tempo de
cuidar do outro com o tempo de cuidar desta dissertação. Não tenho palavras para lhe
agradecer, assim como a todos que atenderam ao seu chamado. Agradeço também a minha
sobrinha Giovana Seixas, por cuidar da minha tia várias horas por dia, me poupando um
tempo precioso que pude dedicar à escrita deste trabalho.
Sou grata a minha filha, Circe Oliveira, a quem a generosidade e a condição
financeira permitiram a inversão do cuidar muito antes do previsto. É ela quem garante que a
avó tenha cuidados 24h por dia, todos os dias do ano. Sem esse conforto eu não teria condição
alguma de enfrentar um curso de mestrado. Também devo a ela o meu melhor refúgio:
assistir, ainda que por vídeo, a risada de minha netinha, Catarina. Mesmo morando a mais de
mil quilômetros daqui, filha e neta trazem alegria, força e coragem para os meus dias.
Por fim, agradeço a Valéria Simões, companheira que a vida me deu em 2010, pelo
apoio e incentivo. Além das incontáveis caronas para a rodoviária e arquivos públicos, ela
assumiu inúmeras tarefas cotidianas de minha responsabilidade para que eu pudesse dedicar
mais tempo a este trabalho. Agradeço também pela edição das imagens que compõem esse
trabalho e pelas noites e finais de semana que abriu mão do lazer para permanecer ao meu
lado.
Resumo
A Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de Guerra da Bahia foi fundada em 8 de maio de
1872, de início uma associação mutualista fechada dos operários daquela instituição, ela foi
gradualmente eliminando entraves, até tornar-se uma agremiação aberta aos indivíduos de
qualquer ocupação, sexo ou nacionalidade. A presente pesquisa acompanhou a trajetória da
associação desde a sua fundação, em 1872, até o ano de 1930, buscando compreender o que
representava o associativismo mutualista para os próprios filiados ao longo desse período.
Nesse sentido, esta dissertação procura apresentar a composição social da agremiação, a
prática mutualista dos associados, a rede de relações de seus membros com outras associações
de auxílio mútuo, especialmente a avultada participação de seus associados no corpo diretivo
de diversas sociedades operárias de Salvador. Busca ainda averiguar o grau de autonomia
relativa da associação por meio da análise da sua gestão financeira, da eficácia securitária, do
peso das elites nas instâncias de poder da instituição e da simbiose entre ajuda mútua e
caridade.
Palavras-chave: Sociedade Bolsa de Caridade; mutualismo; associativismo operário; Arsenal
de Guerra da Bahia.
Abstract
The Society for Charity Funds of the War Arsenal of Bahia was founded on 8 May 1872 as a
mutual aid association exclusive to the War Arsenal workers. After some struggle it gradually
became accessible for workers of any occupation, gender and nationality. This research traces
the trajectory of this association since its foundation in 1872 until 1930, trying to understand
what this mutual aid association represented for its own members during this period. This
dissertation presents the social composition of the association, the mutual practice of its
members, the network of relations between its members and the many other mutual aid
organizations members, especially the significant participation of its members on boards of
directors of the various labor societies in Salvador. It also examines the relative autonomy of
the association by relying on the analysis of the financial administration, the efficiency of
security, the influence of the elites leading the institution and the symbiosis between mutual
aid and charity.
Keywords: Society for Charity Funds; mutualism; labor association; War Arsenal of Bahia.
Sumário
Introdução ...............................................................................................................................14
Capítulo 1: Os trabalhadores e o mundo associativo...........................................................24
Fundação e trajetória da Sociedade Bolsa de Caridade............................................................28
A ocupação dos sócios..............................................................................................................34
A cor dos trabalhadores.............................................................................................................41
A rede de relações sociais.........................................................................................................45
O corpo diretivo da Sociedade Bolsa de Caridade....................................................................58
Capítulo 2: A autonomia possível..........................................................................................70
As receitas da associação..........................................................................................................80
Autofinanciamento e autonomia...............................................................................................85
A inadimplência........................................................................................................................88
As despesas diretas com os socorros aos sócios.......................................................................92
O Fundo Social.........................................................................................................................97
Capítulo 3: A caridade como discurso................................................................................107
Abertura, crescimento e burocratização..................................................................................110
Poucos à frente da Associação................................................................................................114
As assembleias magnas comemorativas de aniversário..........................................................117
O discurso da caridade............................................................................................................124
Epílogo....................................................................................................................................136
Arquivos e Fontes .................................................................................................................139
Bibliografia consultada.........................................................................................................154
Lista de ilustrações
Figura 1 – Euthymio da Cruz Baptista – Comissão Fiscal (1910-1921).................................43
Figura 2 – Carlos Sepúveda – Comissão Fiscal (1921-1923)..................................................43
Figura 3 – Cel. Antônio Freitas da Silva – Pres. Assembleia (1916-1926).............................48
Figura 4 – Cap. João Pompílio de Abreu – Comissão Fiscal (1920-1921) ............................48
Figura 5 – Florencio da Silva Friandes – 2º Sec. do Diretório (1910-1925)...........................50
Figura 6 – Joaquim Pinto dos Santos – Sec. Assembleia (1915-1920)...................................50
Figura 7 – Prudencio de Carvalho – Pres. do Diretório (1910-1923)......................................56
Figura 8 – Honorato de Britto Lima – Síndico (1908-1919)...................................................63
Figura 9 – Faustino do Sacramento Sena – Síndico (1919-1920)...........................................63
Figura 10 – Prof. Presciliano José Leal - Pres. Assembleia (1911-1916)...............................64
Figura 11 – José Zacharias dos Santos – Arquivista (1916-1928)..........................................64
Figura 12 – Faustino da Silva Friandes – Com. Fiscal (1910-1920).......................................66
Figura 13 – Herculano Brittes Guimarães – Com. Fiscal (1910-120).....................................66
Figura 14 – Bacharel Muciano Pompílio de Abreu – Orador (1913-1921)...........................126
Figura 15 – Dr. Paulo Pompílio de Abreu – orador oficial (1912)........................................126
Lista de tabelas, gráficos e quadros
Tabelas
Tabela 1 – Comparativo ocupacional entre os membros brancos e não brancos da Sociedade
Bolsa de Caridade (1872-1930)................................................................................................43
Tabela 2 – Percentagem das contribuições obrigatórias dos sócios (joias e mensalidades)
sobre as receitas (contábil e real). Sociedade Bolsa de Caridade (1875-1930)..................82-83
Gráficos
Gráfico 1 – Profissões agrupadas por categoria ocupacional em números absolutos e em
percentual (1872-1930).............................................................................................................35
Gráfico 2 - Composição por cor dos membros da Sociedade Bolsa de Caridade (1872-
1930).........................................................................................................................................41
Gráfico 3 – Entradas de sócios na SBC (1875-1930)..............................................................75
Gráfico 4 - Distribuição das Receitas da SBC (1875-1930)....................................................86
Gráfico 5 - Percentagem das receitas e das contribuições obrigatórias gastas com socorros aos
sócios da SBC (1875-1930)......................................................................................................93
Gráfico 6 – Percentagem das “aplicações financeiras” e do “ativo imobilizado” sobre o Fundo
Social Líquido. SBC (1875-1930)...........................................................................................99
Quadros
Quadro 1 – Participação de membros da SBS na direção de outras mutuais (1872-
1930)........................................................................................................................................47
Quadro 2 – Comparativo entre mutuais quanto a contribuição de sócios e auxílio em 1914.
Valores em mil-réis...................................................................................................................73
Lista de abreviaturas e siglas
APEB - Arquivo Público do Estado da Bahia
ASBC - Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade
BPEB - Biblioteca Pública do Estado da Bahia
BNDigital - Biblioteca Nacional Digital
CEDIC - Centro de Documentação e Informação Cultural sobre a Bahia da Fundação
Clemente Mariani.
IPAC - Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia
SBC - Sociedade Bolsa de Caridade
14
Introdução
No dia 21 de agosto de 1889, José Jorge Lucas Pinto, mestre da oficina de maquinista
do Arsenal de Guerra da Bahia, peticionou ao presidente da província solicitando o
encaminhamento do seu pedido de aposentadoria aos órgãos competentes.1 Entre os
trabalhadores do Arsenal poucos eram os que faziam jus a essa graça. Somente os militares de
carreira contavam com alguma proteção governamental que lhes garantiam certos direitos, a
exemplo de licença saúde e aposentadoria. Portanto, os que trabalhavam por jornada ou
empreitada, bem como os que tinham patentes militares honoríficas, não estavam assegurados
por quaisquer das vantagens que alguns trabalhadores do setor público poderiam contar, ainda
que trabalhassem lado a lado no referido Arsenal. No período abarcado pela presente
pesquisa, a proteção social ainda era um direito conquistado por poucos.
Efetivamente, durante todo o século XIX e até as primeiras décadas do século XX, os
trabalhadores, geralmente, não contavam com a segurança de um sistema previdenciário
governamental. Assim como ocorreu em diversos países, também no Brasil os que labutavam
nos canteiros de obras e nas oficinas de seus ofícios procuraram diminuir essa insegurança
criando e filiando-se às associações de auxílio-mútuo. A quantidade de associações
mutualistas em funcionamento no início do século XX comprova a importância desse
associativismo. Um levantamento claramente parcial e incompleto feito pelas autoridades
governamentais dava conta de que existiam pelo menos 3.505 sociedades beneficentes e
mutualistas no país em 1917, sendo 165 na Bahia.2 Essas entidades eram muito diversas em
termos de tamanho, força e número de membros, abrangência e perfil dos associados, tipos de
socorros e auxílios oferecidos, tendo em comum a ajuda mútua entre os filiados.3
A multiplicação das associações de ajuda mútua de trabalhadores no último quartel do
século XIX pode ser creditada ao impacto causado pelas mudanças estruturais em curso na
1 Arquivo Público do Estado da Bahia, (APEB), Seção Colonial e Provincial. Correspondências recebidas do
Diretor do Arsenal de Guerra da Bahia. Cx 3355. Ofício n. 3062.
2 BRASIL. Anuário Estatístico do Brasil (1936). V.2. Rio de Janeiro: IBGE, 1936. Apud CASTELLUCCI,
Aldrin A. S. “A luta contra a adversidade: notas de pesquisa sobre o mutualismo na Bahia (1832-1930)”. Revista
Mundos do Trabalho, v. 2, n. 4, p. 40-77, 2010, p. 42. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5007/1984-
9222.2010v2n4p40
3 DE LUCA, Tania Regina. O sonho do futuro assegurado: o mutualismo em São Paulo. São Paulo: Contexto;
Brasília; DF: CNPq, 1990, p. 24.
15
sociedade brasileira.4 A precariedade das condições de vida e de trabalho tornava muito curta
a distância entre uma vida modesta e a miséria. A perda de um posto de trabalho, a doença, a
invalidez ou a velhice eram espectros que assombravam sobremaneira os trabalhadores,
especialmente no momento em que o avanço das relações capitalistas de produção
enfraquecia as formas de solidariedade tradicionais. Para uma parcela dos trabalhadores foi o
associativismo calcado no socorro mútuo que possibilitou o amparo, autonomia e dignidade
que o Estado brasileiro lhes negava. A fundação da associação objeto deste estudo não fugiu à
regra. Os trabalhadores do Arsenal de Guerra perceberam a necessidade de ter uma associação
própria por ocasião do sepultamento de um companheiro de trabalho, veterano da Guerra do
Paraguai (1864-1870), enterrado como indigente. Esse acontecimento expôs a fragilidade da
condição social dos empregados do referido Arsenal e aguçou no grupo o temor de que outros
operários também fossem vítimas de um enterro indigno. A reação de um grupo de
trabalhadores foi fundar uma associação de ajuda mútua cujo objetivo era proporcionar um
funeral digno para os trabalhadores e seus familiares. Liderados pelo alferes Justino Pereira de
Britto, mestre das oficinas de funilaria do Arsenal, e contando com o apoio do comandante da
instituição, foi criada a Sociedade Bolsa de Caridade dos Empregados e Operários do Arsenal
de Guerra da Bahia.5
Assim, em sua origem, a agremiação em questão foi uma associação exclusiva para os
trabalhadores do Arsenal de Guerra, uma mutual “fechada”, fundada com o aval do próprio
Arsenal. Apenas após deixar as dependências do Arsenal e, posteriormente, reformar os seus
estatutos é que a entidade se transformou em uma mutual “aberta” para os demais
trabalhadores, passando a denominar-se simplesmente Sociedade Bolsa de Caridade. Desde
então, a associação experimentou adesão crescente de trabalhadores e posteriormente de seus
familiares e foi, paulatinamente, ampliando seu leque de benefícios, passando a socorrer os
seus sócios também nos casos de desemprego, doença ou morte.
4 Segundo Cláudia Viscardi, o contexto da emergência e proliferação das mutuais foi o da transição do trabalho
escravo para o livre, da monarquia para a república, de introdução das relações capitalistas de produção e da
propagação das doutrinas sociais europeias do século XIX no Brasil. VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. “O
ethos mutualista: valores, costumes e festividades”, p. 194. In: CORD, Marcelo Mac; BATALHA, Claudio H.
M. (Org.). Organizar e Proteger: trabalhadores, associações e mutualismo no Brasil (séculos XIX e XX).
Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2014. Não é demais assinalar que na Bahia, como lembrou Aldrin Castellucci, as
sociedades de ajuda mútua já era uma realidade na primeira metade do século XIX.
5 RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1922-1923 relatado pelo presidente do diretório J.
Prudencio F. de Carvalho em Assembleia Geral de 1 de agosto de 1923 e na mesma unanimemente
aprovado.Typographia do Lyceu de Artes. Bahia: 1923, p. 6. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.
16
O recorte cronológico desta pesquisa engloba o período que se estende da fundação da
Sociedade Bolsa de Caridade, em 8 de maio de 1872, até 1930, data do último relatório
encontrado. É um período que compreende mais de meio século de história, atravessa o
Império escravista e chega até às vésperas do colapso da Primeira República. A fundação da
mutual em questão se deu em um momento em que as transformações nas relações de
produção estavam alterando as condições de trabalho e sobrevivência dos trabalhadores, em
especial de sua parcela mais qualificada, composta pelos artesãos e mestres de ofício, que
gozaram historicamente de maior autonomia, melhores condições de trabalho e prestígio
social quando comparados com os operários fabris. No Brasil, como em outros países, os
trabalhadores qualificados foram os primeiros a se organizar, talvez devido à longa
experiência associativa advinda das corporações de ofício e das irmandades embandeiradas.
Do segundo quartel do século XIX até 1917 o movimento operário foi moldado pelo discurso
e formas de organização dos trabalhadores manuais qualificados, fundamentalmente as
associações de ajuda mútua.6 Segundo Castellucci, na Bahia, até pelo menos a primeira
década do século XX, nos mundos do trabalho “o mutualismo foi um fenômeno exclusivo dos
artesãos”.7
OBETIVOS E FONTES
Em minha dissertação busco investigar as motivações para a criação de uma mutual
exclusiva para os trabalhadores e operários do Arsenal de Guerra da Bahia, bem como o
processo de reorganização da associação a partir da sua abertura para trabalhadores de
diversos ofícios e, posteriormente, para quaisquer cidadãos de reconhecida moralidade.
Analiso os fatores que contribuíram para a sua longevidade, em especial o sucesso no
atendimento das questões securitárias, o eficaz gerenciamento dos recursos dos associados, o
equilíbrio financeiro e a alta demanda para ingressar na mutual. Além disso, analiso como a
associação manteve o difícil equilíbrio entre a autonomia financeira respaldada na aplicação
competente da contribuição dos sócios, e as consequências das relações clientelistas e da
composição pluriclassista de seu quadro de filiados. Por fim, investigo a ampla rede
6 BATALHA, Claudio H. M. “Formação da classe operária e projetos de identidade coletiva”. In: FERREIRA,
Jorge e DELGADO, Lucília de A. N. (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do liberalismo excludente – da
Proclamação da República a revolução de 1930. Livro 1. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, p. 162-
189. A citação é da p. 173.
7 CASTELLUCCI. “A luta contra a adversidade”, p. 47.
17
associativa dos membros da Sociedade Bolsa de Caridade procurando desvendar as
motivações para as filiações múltiplas, em especial para a participação no quadro dirigente de
diversas associações.
“Os trabalhadores e o mundo associativo” é o título do primeiro dos três capítulos que
compõem esta dissertação. Nele, além de traçar um histórico da associação, procurei saber
quem eram aqueles sujeitos que fundaram e tocaram a entidade por anos. Na medida em que
as fontes permitiram, fiz um esforço para reconstituir os percursos de muitos de seus
membros e examinar a composição social em termos mais amplos da Sociedade Bolsa de
Caridade. Com isso, pude valorizar as experiências dos trabalhadores de meu estudo e
investigar como suas práticas integravam o associativismo operário. Como parte desse
esforço, busco compreender as relações dos filiados da Bolsa de Caridade com as demandas
mais gerais da classe trabalhadora, uma vez que 13% dos associados integraram a
administração de diversas mutuais de trabalhadores, algumas delas comprometidas com a
conquista de direitos para seus filiados por meio da inserção de trabalhadores na política
formal, a exemplo do Centro Operário da Bahia, enquanto outras faziam a defesa do ofício, a
exemplo da Associação Tipográfica Baiana.
No segundo capítulo, intitulado “A autonomia possível”, busco investigar a ação
securitária da associação e a autonomia relativa dos trabalhadores frente às elites. Para tanto,
analiso a origem e gestão dos recursos arrecadados, bem como o leque de serviços prestados
pela organização. Em outras palavras, avalio a eficácia de sua gestão mutualista amparada na
longevidade e na significativa adesão de filiados à Sociedade Bolsa de Caridade ao longo de
sua existência.
No terceiro capítulo busquei investigar as variadas acepções da palavra caridade nos
discursos e demais representações da associação. Nascida sob seu signo, batizada com seu
nome, a caridade esteve desde o princípio inscrita na história da associação. Entretanto, seu
significado foi diverso no tempo e dependia de quem falava e para quem se falava. À medida
que a associação cresceu e ganhou prestígio, a participação dos associados nas instâncias
deliberativas diminuiu, a gestão burocratizou-se e o público nas assembleias solenes de
comemoração de aniversário aumentou em tamanho e projeção social. Nesse contexto, o
discurso da caridade como sinônimo de filantropia (culto de atitudes humanas para com os
necessitados) ganhou projeção eclipsando a dimensão mutualista, verdadeiro cerne da
associação. “A caridade como discurso” foi o título dado a este capítulo.
18
As fontes utilizadas foram os estatutos e relatórios anuais da Sociedade Bolsa de
Caridade e de outras associações de ajuda mútua de trabalhadores de Salvador, os jornais,
revistas e almanaques publicados na Bahia no período, e os inventários e testamentos dos
associados da Bolsa de Caridade. Além do Estatuto de fundação (1872), contei com os
estatutos reformados de 1879, 1892, 1900 e 1909. Tive acesso aos demonstrativos de receitas
e despesas que eram enviados pela Bolsa de Caridade ao Presidente da Província cobrindo os
exercícios sociais entre 1875-1876 e 1886-1887, com exceção de 1884-1885. Tenho uma
longa e importante série quase completa dos relatórios anuais que abrange um período de 42
anos, desde o exercício 1887-1888 até 1929-1930, tendo como única lacuna o relatório do
exercício de 1894-1895. Talvez não tenha havido relatório nesse ano, já que o exercício
seguinte correspondeu a um período inabitual, de apenas 6 meses, posto que toda a diretoria
anterior fora afastada.
Por meio dessas fontes pude compor um banco de dados com o nome completo dos
membros da Sociedade Bolsa de Caridade, de sua diretoria, dos sócios auxiliados e dos
falecidos, num total de 2.172 associados. Para uma parcela desses sócios pude também
identificar ocupação, sexo, cor, estado civil e posses. O cruzamento desse banco de dados
com a lista do corpo diretivo de diversas sociedades mutualistas resultou na elaboração de
uma relação nominal composta de 224 associados da Bolsa de Caridade que exerciam cargos
em diversas agremiações coirmãs ou similares.
Parte dessa série de documentos da associação foi garimpada durante quase dois anos
de pesquisa na Seção de Obras Raras e Seção de Periódicos Raros da Biblioteca Pública do
Estado da Bahia (BPEB) e na Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais, Seção Republicana
e Biblioteca do Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), ambos em Salvador; e no
Acervo de Memória e Documentação Clemente Mariani (AMDOC), na Universidade Federal
do Recôncavo da Bahia (UFRB, Campus de Cachoeira, que recebeu os documentos e livros
do antigo Centro de Documentação e Informação Cultural sobre a Bahia (CEDIC). A outra
parte da documentação foi encontrada no finalzinho do segundo tempo, quando já com dois
capítulos escritos, localizei os Arquivos da Sociedade Bolsa de Caridade. Embora esteja
praticamente desativada e conte apenas com seis associados, estando uma hospitalizada há
algum tempo, a entidade ainda paga pensão e possui imóveis. A documentação está
fragilmente acomodada na sede da Sociedade Montepio dos Artistas, onde também realiza
eventuais formalidades, a exemplo de assembleias extraordinárias. O presidente da
associação, o Sr. Aristófanes Muniz Fernandes, gentilmente disponibilizou uma caixa
contendo os estatutos reformados de 1900 e 1909 bem como os relatórios de 1887-1888 a
19
1929-1930, metade dos quais já fazia parte do meu banco de dados. Há também atas
manuscritas e livros de lançamentos de receitas e despesas. Infelizmente, só houve tempo
hábil para examinar criteriosamente os relatórios e estatutos, ficando o restante da
documentação para um outro momento. Devo dizer que essa descoberta inesperada
enriqueceu sobremaneira a minha pesquisa, fornecendo-me mais evidências para as análises
feitas com base nos outros acervos.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Meu trabalho foi fortemente influenciado pela história social, especialmente pela
história social do trabalho da forma como foi concebida pelos britânicos E. P. Thompson e
Eric Hobsbawm. Daí a ênfase que tentei dar tanto às experiências dos trabalhadores comuns,
seu protagonismo no processo de autorreconhecimento e identificação enquanto parte da
classe operária, com interesses distintos e opostos aos de seus empregadores, quanto à auto-
organização ensejada pelos artesãos com vistas à defesa de seus interesses de ofício e de
classe, expressa na criação de um número incontável de associações de auxílio-mútuo,
cooperativas, sindicatos e partidos políticos.8 Essa operação pressupõe um olhar atento tanto
às atitudes dos trabalhadores de base, quanto das lideranças, pondo-os juntos com seus
familiares – a família da classe operária é parte da classe operária – e examinando suas
relações com o patronato e o Estado e suas autoridades.9
Da mesma maneira que em relação a outros temas, a pesquisa sobre o associativismo
mutualista se beneficiou largamente dos avanços verificados tanto na historiografia
internacional quanto na brasileira.10
Não é minha intenção fazer uma revisão dessa produção,
8 THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Tradução Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987; HOBSBAWM, Eric J. Mundos do trabalho: novos estudos sobre história operária. Tradução de
Waldea Barcellos & Sandra Bedran. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987; HOBSBAWM, Eric J. Os trabalhadores:
estudos sobre a história do operariado. Tradução de Marina Leão Teixeira Viriato de Medeiros. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1981. Para uma análise das implicações desses pressupostos no conceito de classe, cf. NEGRO,
Antonio Luigi. “Imperfeita ou refeita? O debate sobre o fazer-se da classe trabalhadora inglesa”. Revista
Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, v. 16, n. 31-32, p. 40-61, 1996; THOMPSON, E. P. As
peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Organizadores: Antonio Luigi Negro e Sergio Silva. Campinas:
Editora da Unicamp, 2001.
9 BATALHA, Claudio H. M. “História do trabalho: um olhar sobre os anos 1990”. História, São Paulo, v. 21, p.
73-87, 2002; LINDEN, Marcel van der.” Rumo a uma nova conceituação histórica da classe trabalhadora
mundial”. História, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 11-40, 2005; LINDEN, Marcel van der. “História do Trabalho: o
velho, o novo e o global”. Revista Mundos do Trabalho, v. 1, n. 1, 2009, p. 11-26.
10 Para estudos sobre o fenômeno no Brasil, cf. CORD, Marcelo Mac; BATALHA, Claudio H. M. (Org.).
Organizar e proteger: trabalhadores, associações e mutualismo no Brasil (séculos XIX e XX). Campinas:
Editora da Unicamp, 2014; LUCA, Tania Regina de. O Sonho do Futuro Assegurado: O Mutualismo em São
20
tarefa que já foi cumprida de modo competente.11
Em vez disso, destacarei alguns autores e
obras de interesse para minha pesquisa. No caso específico do Brasil, Claudio Batalha
apontou para a necessidade de se pesquisar as formas de organização dos trabalhadores
urbanos livres e suas relações com os trabalhadores escravos para a compreensão da
emergência da classe trabalhadora no país. Ao analisar a história dessas associações no Rio de
Janeiro do século XIX esse autor levantou a hipótese de que as sociedades de socorros mútuos
eram a única forma legalmente viável de organização para os trabalhadores livres após 1824,
data da outorga da primeira Constituição brasileira, que proibiu as corporações de ofício.
Argumentou que muitas dessas associações tinham como objetivos a defesa profissional e
citou como exemplo a Associação Tipográfica Fluminense, que teve papel de destaque na
greve de 1858 envolvendo os trabalhadores de três jornais. Segundo Batalha, os elementos de
continuidade entre as associações mutualistas e as sociedades de resistência (sindicatos), a
exemplo dos valores herdados com relação à dignidade do trabalho, a valorização do trabalho
manual e da classe trabalhadora são fortes indícios de que a cultura e a consciência de classe
foram formadas na vivência desses trabalhadores em suas associações.12
É nessa perspectiva de religação dos séculos XIX e XX que Aldrin A. S. Castellucci
refez o percurso de centenas de artesãos brancos, negros e mestiços que se organizaram no
Partido Operário e no Centro Operário da Bahia a partir da década de 1890, muitos deles
vindos de um passado direta ou indiretamente relacionado à escravidão. O autor demonstrou
que esses indivíduos estavam envolvidos com uma ampla rede de irmandades religiosas,
Paulo. São Paulo: Contexto; Brasília: /CNPq, 1990; SILVA JUNIOR, Adhemar Lourenço da. “Etnia e classe no
mutualismo do Rio Grande do Sul (1854 - 1889)”. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. XXV, n. 2, p.
147-174, dez. 1999; SILVA JUNIOR, Adhemar Lourenço da. “O mutualismo de fechamento étnico no Rio
Grande do Sul (1854-1940)”. Métis: história e cultura. Caxias do Sul, v. 4, n. 8, p. 99-126, jul. / dez. 2005;
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. “Estratégias populares de sobrevivência: o mutualismo no Rio de Janeiro
republicano”. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 29, nº 58, p. 291-315, 2009; VISCARDI, Cláudia
Maria Ribeiro; DE JESUS, Ronaldo Pereira. “A experiência mutualista e a formação da classe trabalhadora no
Brasil”. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. A formação das tradições (1889-1945). Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 2007; MACIEL, Osvaldo. “A perseverança dos caixeiros: o mutualismo dos trabalhadores
do comércio em Maceió (1879-1917)” (Tese de Doutorado em História, Universidade Federal de Pernambuco,
2011).
11 BATALHA, Claudio H. M. “Relançando o debate sobre o mutualismo no Brasil: as relações entre
corporações, irmandades, sociedades mutualistas de trabalhadores e sindicatos à luz da produção recente”.
Revista Mundos do Trabalho. Florianópolis, v. 2, n. 4, p. 12-22, 2010. Disponível em: <
http://dx.doi.org/10.5007/1984-9222.2010v2n4p12 >; VISCARDI, Cláudia. M. R. “O estudo do mutualismo:
algumas considerações historiográficas e metodológicas”. Revista Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 2, n. 4,
p. 23-39, 2010. Disponível em:< https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho >.
12 BATALHA, Claudio H. M. “Sociedades de Trabalhadores no Rio de Janeiro do Século XIX: algumas
reflexões em torno da formação da classe operária”. Cadernos AEL. Campinas (S): IFCH/UNICAMP, v. 6, nº
10/11m, p. 41-66, 1999.
21
associações de auxílio-mútuo (inclusive a Bolsa de Caridade) e, em alguns casos, sindicatos.13
Além disso, mostrou como os membros dessas organizações tiveram uma forte e bem-
sucedida inserção na política formal no pós-abolição, alguns deles sendo eleitos para os
cargos de juiz de paz e conselheiro municipal. O Centro Operário da Bahia exerceu funções
beneficentes, mutualistas, sindicais e político-partidárias, tendo o autor privilegiado sua
atuação político-eleitoral, revelando como a entidade jogou um papel político relevante na
Primeira República. Apesar da composição pluriclassista, da existência de redes de
clientelismo e das composições com os partidos tradicionais, os membros das organizações
operárias estudadas por Castellucci já percebiam a divergência de interesses dos trabalhadores
em relação ao patronato e às elites políticas do período. Para o autor, a tática reformista e
eleitoral foi uma opção determinada pelo momento histórico marcado pela dominação
oligárquica e plutocrática.14
Ao se debruçar sobre a Sociedade das Artes Mecânicas - uma associação mutualista
sediada em Recife e composta de homens livres de pele escura, artífices do ramo das
edificações -, o trabalho de Marcelo Mac Cord contribuiu para o avanço dos estudos sobre
mutualismo fora do eixo sul-sudeste e, especialmente, com os estudos que buscaram precisar
a importância dos trabalhadores não brancos na formação da classe operária no Brasil
Imperial, ou seja, no Brasil escravocrata. Como afirmou Silvia Hunold Lara no prefácio da
obra, um dos méritos do livro é mostrar que todas essas histórias estão ligadas à história da
escravidão. Ao discorrer sobre a criação e a trajetória da Sociedade das Artes Mecânicas o
autor apontou as persistentes relações entre uma irmandade religiosa – a Irmandade de São
José do Ribamar - e a mutual pernambucana, demonstrando que não se pode tomar como
absoluta a tese da substituição das irmandades embandeiradas por associações laicas após a
proibição das corporações de oficio em 1824. O trabalho também revelou que práticas típicas
das corporações de ofício sobreviveram na associação do Recife e que esta buscou manter,
por meio de relações clientelistas, o monopólio do ensino de “suas artes”, bem como a
exclusividade de mercado para os seus associados. Questionou também a tese da completa
imobilidade social dos descendentes de escravos ao demonstrar que membros da associação
13
CASTELLUCCI, Aldrin A. S. “Política e cidadania operária em Salvador (1890-1919).” Revista de História
(USP), São Paulo, nº 162, p. 205-241, 1º semestre de 2010; CASTELLUCCI, Aldrin A. S. “Classe e cor na
formação do Centro Operário da Bahia (1890-1930)”. Afro-Asia (UFBA), Salvador, nº 41, 2010, p. 85-131.
14 CASTELLUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Trabalhadores e política no Brasil: do aprendizado do Império aos
sucessos da Primeira República. Salvador: EDUNEB, 2015.
22
pernambucana alcançaram prestígio e projeção social, situação bem distinta da
marginalização social.15
Interessante observar as confluências entre as duas últimas obras citadas. Apesar de se
debruçarem sobre períodos diferentes - Castellucci parte do Brasil Imperial, mas foca sua
atenção na Primeira República, ao passo que Mac Cord se detém na sociedade escravista -, e
de privilegiarem enfoques diversos - Mac Cord a atuação da mutual na área educacional e
defesa do ofício e Castellucci na área político-eleitoral, os pontos em comum são
significativos. Os associados das instituições em questão eram trabalhadores qualificados, em
sua maioria negros e mestiços, alguns alcançaram prestígio social e vivenciavam as práticas
clientelistas como um meio eficaz para o alcance de objetivos. Ambos os autores
relativizaram a tese da completa marginalização de negros e mestiços, fossem libertos, livres
ou descendentes de escravos, e investigaram as instituições de trabalhadores a partir da
atuação dos seus membros, sujeitos de carne e osso, levando em conta a condição fundante de
ser negro ou mestiço no Brasil Imperial e nas primeiras décadas republicanas. As duas
agremiações estudadas por Castellucci e Mac Cord buscaram alcançar cidadania e prestígio
social para os seus associados por meio da valorização dos seus ofícios e do distanciamento
da escravidão e do passado escravo, o que levou os autores a refletirem se não foi esse um
caminho possível de construção de identidade de classe num contexto de uma sociedade
escravagista e pós-escravista.
Apesar dos avanços dos estudos sobre o mutualismo no Brasil, muita investigação
empírica ainda precisa ser feita para a compreensão do papel dessas associações na vida dos
trabalhadores, e de sua formação enquanto classe, no século XIX e nas primeiras décadas do
século XX. Termino esse texto introdutório citando o artigo onde Aldrin Castellucci fez uma
cartografia das 145 associações mutuais para as quais existia fonte na Bahia, para o período
compreendido entre 1832 e 1930. A presente dissertação responde ao apelo feito pelo autor no
final do referido artigo:
Nosso intento, com esse mapeamento, foi despertar, nos historiadores
profissionais e nos aprendizes do ofício, a oportunidade de se debruçarem sobre um
fenômeno quase que, absolutamente, inexplorado em suas mais variadas dimensões.
Se comparado ao que existe para outras regiões do país, quase tudo está por ser feito
entre nós, principalmente, se levarmos em conta os ganhos teóricos e metodológicos
da historiografia do trabalho a partir dos anos 1990. Em última instância, está
lançado o apelo para que sejam feitas dissertações de mestrado e teses de doutorado
15
MAC CORD, Marcelo. Artífices da cidadania: mutualismo, educação e trabalho no Recife oitocentista.
Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2012.
23
sobre o assunto. Se isso ocorrer, nos daremos por satisfeitos com essas notas de
pesquisa.16
Desde 2010, quando publicou esse artigo, alguns trabalhos já foram feitos sobre o
assunto.17
Esta é mais uma contribuição para os estudos do mutualismo no Brasil, a partir do
caso da Sociedade Bolsa de Caridade. O acúmulo de pesquisas sobre o associativismo
mutualista de trabalhadores certamente amplia as possibilidades do entendimento das
especificidades, mas também do que há em comum no fenômeno.
16
CASTELLUCCI. “A luta contra a adversidade”, p. 74.
17 Para a Bahia, cf. SANTOS, Álvaro Leal. “O associativismo dos funcionários públicos na Bahia da Primeira
República” (Dissertação de Mestrado em História Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia – Campus
V, 2012); CARVALHO, Philipe Murillo Santana de. “Trabalhadores, associativismo e política no Sul da Bahia
(Ilhéus e Itabuna, 1918-1934)” (Tese de Doutorado em História Social, Universidade Federal da Bahia, 2015);
LEITE, Douglas Guimarães. “’Mutualistas, graças a Deus’: identidade de cor, tradições e transformações do
mutualismo popular na Bahia do século XIX (1831-1869)” (Tese de Doutorado em História Social, Universidade
de São Paulo, 2017); JESUS, Maurício Vitor Santos de. “Trabalho, classe e nação: um estudo centrado na
Associação dos Empregados no Comércio da Bahia (1900-1930)” (Dissertação de Mestrado em História,
Universidade do Estado da Bahia – Campus II, 2018); SOUSA, Adriano Ferreira de. “A laboriosa classe
caixeiral: relações de trabalho e associativismo no comércio de Salvador (1875-1889)” (Dissertação de Mestrado
em História Social, Universidade Federal da Bahia, 2018); CAMPOS, Lucas Ribeiro. “Sociedade Protetora dos
Desvalidos: mutualismo, política e identidade racial em Salvador (1861-1894)” (Dissertação de mestrado em
História, Universidade Federal da Bahia, 2018).
24
Capítulo 1:
Os trabalhadores e o mundo associativo
Na abertura da sessão magna comemorativa do 36º aniversário da Sociedade Bolsa de
Caridade, realizada em 9 de agosto de 1908, o tipógrafo José Prudêncio Ferreira de Carvalho,
vice-presidente da Assembleia Geral, proferiu um discurso singular, posto que diferia de
todos os outros pronunciados nas sessões magnas comemorativas anteriores e mesmo
posteriores desta agremiação. Ainda que sutilmente, para não melindrar as autoridades
presentes, Prudêncio de Carvalho apontou para a necessidade de objetivos mais ambiciosos
que os da beneficência ou do auxílio-mútuo na associação. Ele começou por elogiar a solidez
da agremiação bem como o desempenho e a abnegação dos seus administradores, mas
lamentou a participação de apenas um terço dos sócios na manutenção de seus fundamentos
financeiros por meio do pagamento das mensalidades. Não foi sem propósito a observação
sobre esse elevado índice de inadimplência, configurando-se numa oportunidade para
discorrer sobre a importância das sociedades de trabalhadores, denunciar a imensa
desigualdade social, a indiferença das classes dominantes e, sobretudo, a necessidade de a
classe trabalhadora brasileira avançar na busca de uma relação menos injusta entre o capital e
o trabalho. De acordo com seu raciocínio:
Há quem afirme que as instituições do gênero da que aqui nos preocupa, não
são de caridade, mas de previdência, pois só auxilia aos que concorrem com
determinadas contribuições.
(...) O que se evidencia, entretanto é que as associações que presentemente
nos cercam entre nós terão em futuro não remoto que modificar seriamente
as suas organizações, acompanhando as normas que estão sendo adotadas
nos países cultos.
Não é possível que continuemos a viver neste marasmo, a constituirmos e
mantermos instituições simplesmente para atender ao momento do
infortúnio.18
Prudêncio de Carvalho procurou provocar nos ouvintes uma reflexão sobre a
necessidade de demarcar diferença em relação às associações que se dedicavam
18
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1908 a 1909 apresentado pelo presidente do diretório
Candido Honorio Pinto em sessão magna comemorativa do 37º aniversário em 11 de julho de 1909. Typ. e
Encadernação do Lyceu de Artes e Offícios, Prudencio de Carvalho, diretor, Bahia: 1909, p. 24 e 25. Biblioteca
Pública do Estado da Bahia (BPEB), Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 27383.
25
fundamentalmente à caridade, a exemplo das filantrópicas, afirmando o caráter de
organização dos trabalhadores para o auxílio-mútuo da Bolsa de Caridade, mas apontando
para o passo seguinte, a dimensão sindical. Para evitar a pobreza seria preciso que os
trabalhadores se organizassem para lutar por uma relação mais justa entre o capital e o
trabalho, indo além do auxílio-mútuo. Como em um jogo de xadrez, ele ousou avançar na
questão da relação de opressão entre as classes, para em seguida recuar e adiar para um futuro
não determinado a resolução dessa questão:
Curemos dos interesses do proletariado, essa classe de verdadeiros párias,
evitemos que a miséria venha estender o seu negro manto sobre os operários
entre nós. Estudemos bem o grande e difícil problema do estabelecimento
das relações entre o capital e o salário de modo que um não sobrepuje ao
outro, e que do resultado das empresas cada um receba a parte a que fez jus,
na proporção do auxílio prestado.
Mas, enquanto não chegarmos nem podermos tentar estas grandes reformas
no meio vicioso em que vivemos, procuremos manter o que já temos – as
instituições desta natureza – que muito já se tem conquistado em meio da
apatia e do servilismo que nos cercam.19
O orador que levantou essas questões na Assembleia Geral de uma agremiação cujo
primado era a exclusividade da função mutualista sabia o que fazia, não era nenhum incauto.
Oito anos após esse discurso, em 1916, em uma das sessões do Conselho Diretório do qual era
presidente, a associação recebeu o convite para tomar parte no Congresso Operário que seria
realizado em Pernambuco. O convite foi levado à Assembleia Geral, que deliberou pela
“desnecessidade desta Sociedade se fazer representar no referido Congresso, visto o seu
caráter puramente beneficente”.20
Apesar de essa associação mutual não ter sido sensível ao
apelo de mudança presente no discurso de 1908 de Prudencio de Carvalho, ele não só se
manteve na presidência do Conselho Diretório por 15 anos consecutivos (de 1910 a 1925),
como exerceu outros cargos na Sociedade Bolsa de Caridade entre 1899 e 1930. Bem antes
disso, já em 1886, ele fundou e dirigiu o Almank Litterário e de Indicações, publicação que
19
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1908 a 1909 apresentado pelo presidente do diretório
Candido Honorio Pinto em sessão magna comemorativa do 37º aniversário em 11 de julho de 1909. Tipografia e
Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, Bahia: 1909, p. 25 e 26. BPEB,
Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 27383.
20 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1915 a 1916 apresentado pelo presidente do diretório
J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 07 de julho de 1916 e unanimemente aprovado.
Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, - Bahia: 1916, p. 17.
Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60. REG.
0600.
26
tinha como objetivo incentivar o cultivo das letras.21
Esse tipógrafo, premiado com medalha
de ouro na Exposição Nacional de 1908, realizada no Rio de Janeiro, sabia conciliar seus
interesses. Em 1895, mesmo ano em que se associou, o relatório da Bolsa de Caridade foi
reproduzido na “Imprensa Moderna”, tipografia de sua propriedade. Entre 1902 e 1905 sua
gráfica voltou a imprimir os relatórios da Sociedade. Depois dessa data ele continuou
responsável pela impressão dos relatórios dessa agremiação, porém agora na qualidade de
diretor da Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes (1906 a 1925).22
A exemplo do que
aconteceu na Sociedade Bolsa de Caridade, a tipografia “Imprensa Moderna”, de sua
propriedade, imprimiu os relatórios de diversas sociedades de trabalhadores entre 1896 e
1905, quando então foi substituída pela Tipografia do Liceu de Artes e Ofícios.23
Não sei se a
sua inserção no mundo das associações de trabalhadores se deu em função da prestação dos
seus serviços tipográficos ou o contrário. Seja como for, foi possível identificar sete
associações de ajuda mútua em que o tipógrafo atuou no corpo diretivo no período
compreendido entre 1889 e 1930, a exemplo da Associação Typografica Baiana, da Sociedade
Beneficente União Philantropica dos Artistas e da Sociedade Beneficente Bolsa dos
Patriotas.24
De todo modo, Prudencio de Carvalho foi um entre os muitos “artistas” membros
da Sociedade Bolsa de Caridade que dedicou grande parte de sua vida a fomentar o
associativismo entre os trabalhadores da cidade do Salvador entre a primeira metade do século
XIX e as primeiras décadas do XX.
As sociedades de socorros mútuos de trabalhadores eram associações onde seus
membros contribuíam periodicamente com o fim de, entre outras coisas, obterem serviços
previdenciários nos casos de ficarem impossibilitados de garantir seu sustento e o de suas
21
Atalaia: Periódico Noticioso, Litterário, Religioso e Comercial (BA), Salvador, 30 jul. 1887, p. 4.
22 A Typografia e Encadernação do Lyceu de Artes imprimiu os relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade entre
1906 e 1925, período em que Prudencio de Carvalho dirigiu a referida tipografia. Prudencio de Carvalho
transferiu o maquinário da “Tipografia Moderna”, da qual era proprietário, para o Liceu e, em contrapartida, o
Liceu utilizaria a oficina para a instrução dos seus alunos. O contrato foi desfeito em 1925, quando o Liceu
pretendeu montar a sua própria oficina, projeto que não se concretizou. LEAL, Maria das Graças de Andrade
Leal. “A Arte de ter um ofício: Liceu de Artes e Ofícios da Bahia (1872-1972)” (Dissertação de Mestrado em
História, Universidade Federal da Bahia, 1995), p.174.
23 As capas dos relatórios das associações de ajuda mútua costumavam indicar a tipografia responsável pela
reprodução dos mesmos.
24 RELATÓRIO do exercício de 1911 apresentado pelo Conselho Diretório de 1911 a 1912 em sessão de 28 de
abril de 1912 e na mesma aprovado. Bahia: 1912. BPEB, Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais.
Almanaque Administrativo, Indicador, Noticioso, Comercial e Literário do Estado da Bahia Para o ano de
1903. Bahia: Reis e Cia., 1903. Salvador, p. 476-477. RELATÓRIO apresentado pelo Presidente do Diretório
Joaquim da Costa Doria em sessão de 29 de dezembro de 1922 e na mesma aprovado. Bahia: 1922. BPEB,
Subgerência de Obras Raras. Almanaque Administrativo, Indicador, Noticioso, Comercial e Literário do Estado
da Bahia Para o ano de 1903. Bahia: Reis e Cia., 1903. Salvador, p. 316.
27
famílias. Em suas pesquisas sobre o mutualismo em São Paulo, De Luca afirmou que as
sociedades mutualistas possuíam múltiplas facetas, mas o ponto comum estava justamente no
caráter previdenciário das mesmas.25
Esse caráter reforçava os laços identitários entre os
associados uma vez que, essencialmente, os socorros dependiam das suas contribuições.
Desse modo, Prudencio de Carvalho estava coberto de razão quando questionou o caráter
caritativo das sociedades de auxílio-mútuo. Apesar de muitas associações mutualistas se
intitularem de caridade, beneficente, filantrópica ou montepio, de fato tinham caráter
previdenciário, ainda que esta não fosse a única função desempenhada em parte delas.26
É certo que além da dimensão material, consubstanciada na prática da cotização entre
os membros para a garantia do socorro mútuo, os trabalhadores buscavam essas associações
enquanto espaços de construção de identidades. De fato, não era incomum que atuassem para
além das ações previdenciárias. Mesmo aquelas que declaravam explicitamente nos seus
estatutos restringirem sua atuação à esfera securitária, proibindo mesmo debates políticos ou
reivindicações de outra natureza em suas dependências, poderiam consolidar laços identitários
entre os trabalhadores e, no limite, contribuir para a identidade de classe. Segundo Claudio
Batalha, há um consenso na historiografia do trabalho de que o associativismo, de forma
geral, contribuiu para reforçar os laços identitários, apesar de destacar que poucas associações
de ajuda mútua de trabalhadores contribuíram diretamente para a formação de uma identidade
de classe.27
Segundo levantamento feito por esse autor, 64% das associações de trabalhadores
criadas entre 1835 e 1899 no Rio de Janeiro eram sociedades de auxílio-mútuo. Todas elas
ofereciam pelo menos os seguintes socorros: auxílio funeral, pensão por morte e por
invalidez. Ante a omissão do Estado, a prestação dos serviços oferecidos pelas mutuais parece
ter tido uma importância fundamental para os trabalhadores.28
25
DE LUCA. O sonho do futuro assegurado, p. 24.
26 Sobre a imprecisão em relação às diferenças entre montepios, mutuais, associações de caridade e filantrópicas,
cf. VISCARDI, Claudia. “Experiências Associativas dos Trabalhadores: organizações mutualistas e cooperativas
populares como estratégias de expansão da cidadania”. In: III Seminário Internacional Mundos do Trabalho.
Florianópolis, 2010. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/283716036_Experiencias_Associativas_dos_Trabalhadores_organizac
oes_mutualistas_e_cooperativas_populares_como_estrategias_de_expansao_da_cidadania. Acesso em: 30 jul.
2018.
27 BATALHA, Claudio H. M. “Relançando o debate sobre o mutualismo no Brasil: as relações entre
corporações, irmandades, sociedades mutualistas de trabalhadores e sindicatos à luz da produção recente”.
Revista Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 2, n. 4, 2010, p. 22.
28 BATALHA, Claudio H. M. “Sociedades de trabalhadores no Rio de Janeiro do século XIX: algumas reflexões
em torno da formação da classe operária”. Cadernos AEL, Campinas, v. 6, n. 10/11, p. 42-67, 1999.
28
FUNDAÇÃO E TRAJETÓRIA DA SOCIEDADE BOLSA DE CARIDADE
Em 1884, D. Maria da Gloria Machado, viúva do tenente honorário Christovão
Francisco de Souto Cavalcante, comandante da Companhia de Menores do Arsenal de Guerra
da Bahia, teve negado seu pleito de auxilio para as despesas funerárias do finado marido. O
Arsenal alegou que o decreto do Ministério da Guerra previa esse benefício apenas para os
militares de carreira.29
Não sendo o finado membro da Sociedade Bolsa de Caridade, e sem
contar com o amparo governamental, restou a D. Maria da Gloria Machado a proteção de
alguma outra associação de ajuda mútua que porventura seu marido fosse sócio, ou arcar com
as despesas funerárias.
Embora não fosse o caso do finado marido de D. Maria da Glória, os trabalhadores
da cidade do Salvador do século XIX pareciam compreender bem a importância do
associativismo. Antes de possuírem uma associação própria, os operários do Arsenal de
Guerra da Bahia costumavam associar-se a uma das primeiras agremiações de auxílio-mútuo
da então província, a Sociedade Montepio dos Artífices da Bahia, fundada em 16 de
dezembro de 1832, assim como a sua dissidência, a Sociedade Montepio dos Artistas, criada
em 2 de fevereiro de 1853. As duas mutuais possuíam carneiros no cemitério das irmandades
na Quinta dos Lázaros, evidências da forte influência da religiosidade católica popular e dos
estreitos vínculos existentes entre irmandades e sociedades de socorros mútuos. Três anos
mais tarde, em 13 de junho 1856 – dia de Santo Antonio -, uma terceira entidade foi fundada,
a Sociedade Humanitária dos Artistas, dessa vez protagonizada pelos calafates e carpinteiros
do Arsenal de Marinha. Por fim, em 8 de maio de 1872, criou-se a Sociedade Bolsa de
Caridade do Arsenal de Guerra da Bahia tendo Nossa Senhora do Noviciado como padroeira,
reiteração das fortes conexões e compartilhamento de experiências entre os membros das
irmandades e das mutuais.30
29
APEB, Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais, Presidência da Província – Série Militares -
Correspondência recebida do diretor do Arsenal de Guerra da Bahia, maço 3335.
30 CASTELLUCCI, Aldrin A. S. “O associativismo mutualista na formação da classe operária em Salvador
(1832-1930)”. In: CORD, Marcelo Mac; BATALHA, Claudio H. M. (Org.). Organizar e proteger: trabalhadores,
associações e mutualismo no Brasil (séculos XIX e XX). Campinas: Editora da Unicamp, 2014, p. 47-82. Apesar
de muito importante, não há um estudo específico sobre o trabalho e a organização dos trabalhadores no Arsenal
de Marinha da Bahia. O tema foi desenvolvido para o caso da Corte Imperial por David Lacerda. LACERDA,
David Patrício. Trabalho, política e solidariedade operária: uma história social do Arsenal de Marinha do Rio de
Janeiro (c. 1860 - c. 1890). Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual de Campinas, 2016. Para uma
análise aprofundada sobre as relações entre irmandades e mutuais, cf. MAC CORD, Marcelo. Artífices da
cidadania: mutualismo, educação e trabalho no Recife oitocentista. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2012;
LEITE, Douglas Guimarães. “Mutualistas, graças a Deus”: identidade de cor, tradições e transformações do
29
Como visto anteriormente, a comoção causada pelo enterramento indigno de um
trabalhador do arsenal levou à criação de uma associação exclusiva para empregados e
operários da instituição. O objetivo inicial da Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de
Guerra da Bahia, oficialmente fundada em 8 de maio de 1872, foi proporcionar um funeral
digno para os associados. Por isso, o seu primeiro estatuto, embora previsse a possibilidade de
se estabelecer pensões no futuro, estipulou como finalidade o auxílio para o enterramento do
sócio que viesse a falecer. Para tanto contaram com a proteção do Coronel de Engenheiros
Thomaz da Silva Paranhos, diretor do mesmo Arsenal. Somente os empregados do Arsenal
poderiam ser sócios efetivos, mas seus familiares poderiam usufruir dos benefícios na
qualidade de sócios honorários, incluindo as mulheres.31
Em tais casos o sócio efetivo seria o
único responsável pelas joias e mensalidades. Assim sendo, em sua fundação, esta era uma
sociedade mutualista fechada que congregava somente trabalhadores do Arsenal de Guerra da
Bahia, podendo seus familiares participar somente sob a tutela do sócio efetivo.32
Na prática,
a associação possibilitou que o sócio efetivo garantisse o enterramento da esposa e filhos,
desde que pagasse joias e mensalidades para cada membro da família inscrito na Sociedade.
Os Estatutos foram aprovados pela Presidência da Província em 17 de outubro de
1873, conforme estabelecia a Lei 1.083, de 22/8/1860, conhecida como Lei dos entraves.
Foram assinados pelos seguintes sócios fundadores e membros de sua primeira diretoria: o
mestre de Oficina de Latoeiros e Funileiros Justino Pereira de Britto, seu principal mentor, o
alfaiate Manoel José Soares, o empregado da Capatazia da Alfândega Juvêncio Alfredo
Portella, o alfaiate João Apollo Bittencourt e Manuel da Natividade Moutinho, mestre da
oficina de obra branca (carpintaria) do Arsenal de Guerra da Bahia. O seu último artigo, o de
número 17, estabelecia que a Sociedade não poderia mudar de nome por pretexto algum.33
Por
mutualismo popular na Bahia do século XIX (1831-1869). Tese (Doutorado em História Social), Universidade
de São Paulo, 2017.
31
Inicialmente os familiares dos sócios foram incluídos na categoria de honorários, termo habitualmente
utilizado pelas mutuais para membros com algum destaque na associação. Nos relatórios posteriores essa
nomenclatura foi alterada, sendo criada a categoria de adjunta para abrigar as esposas e filhas dos sócios. Apesar
de sócias, elas não tinham direito a voz e voto.
32 ESTATUTOS da Sociedade Bolsa de Caridade dos Empregados e Operários do Arsenal de Guerra da Bahia de
8 de maio de 1872. Bahia: Typ. de L. G. Tourinho. APEB, Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais,
Presidência da Província – Série Militares - Correspondência recebida do diretor do Arsenal de Guerra da Bahia,
maço 3337.
33 ESTATUTOS da Sociedade Bolsa de Caridade dos Empregados e Operários do Arsenal de Guerra da Bahia de
8 de maio de 1872. Bahia: Typ. de L. G. Tourinho. APEB, Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais,
Presidência da Província – Série Militares - Correspondência recebida do diretor do Arsenal de Guerra da Bahia,
maço 3337. Sobre a Lei dos entraves, cf. LACERDA, David P. “Mutualismo, trabalho e política: a Seção
Império do Conselho de Estado e a organização dos trabalhadores na cidade do Rio de Janeiro (1860-1882). In:
30
ironia do destino, justamente esse artigo foi parcialmente ignorado por ocasião da primeira
reforma estatutária, em 1879, como se verá a seguir.
A Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de Guerra da Bahia tinha como padroeira
Nossa Senhora do Noviciado e funcionou, nos três primeiros anos, em um cômodo do próprio
Arsenal. “Houve, entretanto, certo tempo depois, desinteligência entre os membros da
Sociedade e a diretoria do Arsenal”, o que ensejou a mudança da entidade para fora do
Arsenal, bem como a posterior modificação dos seus estatutos.34
Essa desinteligência deve ter
ocorrido por volta de 1877, visto que no dia 7 de novembro daquele ano todo o Conselho
Administrativo foi destituído por unanimidade pela Assembleia Geral. No mesmo dia os
novos funcionários foram eleitos e tomaram posse.35
Foi também em 1877 que os relatórios
da Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de Guerra passaram a ser enviados diretamente ao
Presidente da Província, sem passar pela diretoria do Arsenal como previa o art. 11 §5º dos
seus estatutos. Meses antes, em 11 de julho, alguns empregados do Arsenal de Guerra foram
processados criminalmente por venderem bilhetes de rifas em benefício da Sociedade Bolsa
de Caridade.36
E esse foi o motivo do atrito entre a direção do Arsenal e a Bolsa de Caridade
que resultou na abertura da mutual para os trabalhadores de fora do Arsenal de Guerra.
Ao saber do processo criminal envolvendo de alguma forma o nome do Arsenal de
Guerra, o diretor expulsou a associação das suas dependências. A Sociedade passou a atuar na
casa de associados, depois em sede alugada, e em dezembro de1879 a associação mutualista
teve os seus estatutos reformados, sendo retirado do título o termo “do Arsenal de Guerra da
Bahia”, passando a ser denominada apenas Sociedade Bolsa de Caridade. Na ocasião a
Sociedade deixou de ser exclusiva dos trabalhadores do Arsenal de Guerra da Bahia e passou
a admitir “artistas” e profissionais em geral. O seu artigo 3º explicitava apenas que haveria
duas classes de sócios - efetivos e honorários. Os sócios efetivos seriam os indivíduos
nacionais, maiores de 18 anos de idade, de reconhecida moralidade e qualidades que
Marcelo Mac Cord; Claudio H. M. Batalha. (Org.). Organizar e proteger: trabalhadores, associações e
mutualismo no Brasil (séculos XIX e XX). Campinas: Editora da Unicamp, 2014, p. 83-110. Sobre Manuel da
Natividade Moutinho, cf. CASTELLUCCI, Aldrin A. S. Trabalhadores e política no Brasil: do aprendizado do
Império aos sucessos da Primeira República. Salvador: EDUNEB, 2015, p. 101.
34 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1912 a 1913 apresentado pelo presidente do diretório
J. Prudencio F. de Carvalho em sessão magna comemorativa do 41º aniversário em 13 de setembro de 1914.
Typographia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, Bahia: 1914, p. 4.
APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0595.
35 APEB, Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais, Presidência da Província – Série Militares -
Correspondência recebida do diretor do Arsenal de Guerra da Bahia, maço 3340.
36 O Monitor, Salvador 15 de jul. 1877, p. 3.
31
exercessem artes ou profissões. Os sócios honorários seriam os indivíduos que por sua
ilustração, posição e serviços prestados à Sociedade merecessem essa distinção. Portanto,
continuou a admitir nos seu quadro de sócios efetivos somente trabalhadores, mas deixou de
prever o ingresso de familiares de qualquer sexo anteriormente classificados como sócios
honorários. Entretanto, há registro de admissão de mulheres a partir de 1887, talvez em
decorrência de alguma reforma estatutária ou decisão da Assembleia Geral não mencionada
nas fontes a que tive acesso.
Até abril de 1890 os membros da Bolsa de Caridade contavam apenas com o auxílio
funeral, mas nessa data a Assembleia Geral aprovou o auxílio de dez mil-réis mensais para o
sócio que enfermasse. Com essa importante ampliação dos benefícios oferecidos aos
associados foi necessário reformar novamente os estatutos, posto que estes não previam tal
benefício. Assim, em março de 1892, foram aprovados os novos estatutos. Diferentemente
dos regulamentos anteriores (1872 e 1879) este não explicitou a necessidade de se exercer
emprego, arte ou profissão como condição para ingressar na associação na categoria de sócio
efetivo. O seu Art. 1º estabelecia que a Sociedade “continua a ser composta de cidadãos
brasileiros que, tendo um meio de vida honesta, a ela se queira agremiar”.37
Apesar disso,
permanecia nas entrelinhas a condição de associação mutual de trabalhadores. O seu Art. 7º
classificou os sócios como efetivos, honorários e beneméritos. O Art. 8º exigiu que o
aspirante a sócio efetivo mencionasse nome, idade, estado, profissão e residência. O Art. 20
oferecia auxílio financeiro no caso de enfermidade que impossibilitasse o associado de
trabalhar.
Embora esse estatuto tenha estabelecido por meio do Art. 2º que as mães, irmãs,
esposas, filhas e sobrinhas, em primeiro grau de parentesco dos sócios, poderiam fazer parte
da associação com os mesmos direitos e deveres dos sócios efetivos, a realidade era outra. Em
primeiro lugar a admissão de qualquer pessoa do sexo feminino só podia ocorrer na condição
de adjunta, devendo sua candidatura ser proposta por associado da sua família. Em segundo
lugar o Art. 50 as proibia de votar nas “deliberações que se houver de tomar”. Desse modo, o
estatuto reformado de 1892 não trouxe avanço para a condição feminina posto que desde a sua
fundação a Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de Guerra previa o ingresso de pessoas
do sexo feminino sob a tutela dos sócios familiares do sexo masculino. Apesar disso, o efetivo
37
ESTATUTOS e Regimento Interno da Sociedade Bolsa de Caridade aprovados em sessão de 23 de março de
1892. CEDIC – Centro de documentação e Informação Cultural sobre a Bahia da Fundação Clemente Mariani.
Acervo de Memória e Documentação, p. 1.
32
ingresso de mulheres na associação parece ter acontecido somente após a reforma estatutária
de 1879, que ironicamente não explicitava regras para a admissão de associados do sexo
feminino. Provavelmente o primeiro registro de filiação de uma mulher tenha sido o de
Corina Francisca da Silva, cujo ingresso se deu em 23 de agosto de 1887, sob a matrícula de
número 157.38
Ao longo dos anos compreendidos no recorte temporal dessa pesquisa, entre
1872 e 1930, identifiquei o nome de 237 associadas em um total de 2.172 sócios, ou seja,
aproximadamente 11% dos membros dessa associação eram de pessoas do sexo feminino.
Nenhuma delas ocupou cargos eletivos na agremiação. Esse dado corrobora com a afirmação
de que as sociedades de auxílio-mútuo eram essencialmente um universo masculino.39
Visando a manutenção do equilíbrio das suas finanças a referida reforma de 1892
explicitou a idade máxima (50 anos) para ingressar na associação, bem como a exigência de
gozar de boa saúde e de ser pessoa idônea. Elevou ainda para um ano a carência para
recebimento dos benefícios sociais que anteriormente era de apenas 6 meses. Apesar de essas
medidas indicarem cautela e economia nos gastos, nesse período a Sociedade Bolsa de
Caridade gozava de estabilidade financeira, o que lhe permitiu não somente ampliar os
auxílios prestados aos associados como também diversificar seus investimentos. Em 1889, 17
anos após a sua fundação, a mutual adquiriu sua primeira sede própria: uma edificação à Rua
do Gasômetro (localizada onde hoje é o bairro da Calçada, na Cidade Baixa). Em 1890, como
já visto, passou a pagar o auxílio enfermidade e uma década depois, em dezembro de 1900,
concluiu a construção de um mausoléu no cemitério da Quinta dos Lázaros. Nesse mesmo ano
promoveu nova reforma nos seus estatutos.
Como ocorrera em 1892, os Estatutos aprovados em fevereiro de 1900 estabeleceram
como condição para tornar-se sócio ser cidadão brasileiro e ter modo de vida honesto, não
fazendo qualquer exigência ou especificação quanto ao exercício de ofícios. Os novos
38
No anexo do relatório de 1906-1907 pela primeira vez constou a relação nominal de todos os associados vivos
bem como a respectiva data de ingresso. Se contarmos a quantidade de associados por exercício que ingressou
entre 1875 e 1887, nesta data, a numeração das matrículas dos novos sócios deveria começar acima do número
279. Dessa forma, considerando-se a matrícula de n. 157, pode-se especular que seu ingresso teria se dado entre
1885 e 1886, ou que houve algum tipo de ajuste na numeração das matrículas. RELATÓRIO Sociedade Bolsa de
Caridade exercício de 1906 a 1907 apresentado pelo presidente do diretório capitão Euthymio da Cruz Baptista
em sessão magna comemorativa do 35º aniversário em 21 de julho de 1907. Typ. e Encadernação do Lyceu de
Artes e Offícios, Prudencio de Carvalho, diretor, Bahia: 1907. BPEB, Diretoria de Bibliotecas Públicas,
Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 30993.
39 Segundo Cláudia Viscardi, no Rio de Janeiro republicano as associações eram compostas em sua grande
maioria por homens (89%). VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. “Estratégias populares de sobrevivência: o
mutualismo no Rio de Janeiro republicano”. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 29, nº 58, p. 291-315,
2009, p. 298.
33
estatutos basicamente estenderam os socorros aos sócios inválidos, criando a categoria de
pensionistas, e determinaram os valores para os benefícios sociais, a saber: Auxílio aos
enfermos, 30$000 mensais; pensões, 15$000 mensais e enterramentos, 100$000 pagos em
parcela única. O valor das joias foi fixado em 20$000 e a mensalidade em 1$000. Diga-se de
passagem, que pelo menos até 1930, tais valores continuaram vigentes. Este Estatuto manteve
a classificação dos sócios em efetivos, honorários e beneméritos, sendo suas esposas e filhas
consideradas adjuntas e sem direito a voto. Pouco tempo depois foi realizada outra reforma
em suas leis, passando a vigorar o novo estatuto em 24 de março de 1909. Entre as suas
importantes inovações consta a exclusão da categoria adjunta, passando as sócias do sexo
feminino a terem efetivamente os mesmos direitos que os homens, inclusive o de votar e ser
votada. Apesar disso, apenas esposa e filhas dos associados poderiam ser sócias. Além disso,
passou a aceitar filiações “sem distinção de nacionalidade, sexo, profissão e crença, que tendo
moralidade provada e reconhecida, a ela queiram se associar”, explicitando cada vez mais o
seu caráter previdenciário e procurando distanciar-se da composição classista inicial, quando
aceitava apenas indivíduos que exercessem “artes ou profissões”.40
Dado que a imigração
europeia para a Bahia foi irrelevante, é possível que as restrições aos não brasileiros,
explicitamente presentes nos estatutos de 1879, 1892 e 1900 e só excluídas na reforma
estatutária de 1909, estivessem veladamente dirigidas aos africanos livres e libertos.
Infelizmente, não encontrei fontes que permitissem a comprovação dessa hipótese.
Os Estatutos de 1909 mantiveram o valor das joias e mensalidades inalteradas por
mais de trinta anos. No entanto, diminuíram o valor de alguns benefícios, como se verá mais
detalhadamente no segundo capítulo. Também criaram a categoria de sócio remido, que foi
acrescida a dos efetivos, honorários e beneméritos. O sócio remido seria aquele que pagasse
uma joia de valor elevado, 150$000 se já contasse com cinco anos de contribuição ou
300$000 no ato da admissão, ficando isento do pagamento de mensalidades. A bem da
verdade, a possibilidade de remissão das mensalidades já era prevista desde os estatutos de
1879, apenas não fora instituída como uma categoria específica de sócio. Posteriormente, o
sócio que tivesse contribuído por 20 anos, sem ter usufruído qualquer dos auxílios previstos,
poderia solicitar sua remissão.
40
ESTATUTOS da Sociedade Bolsa de Caridade aprovados em Sessão de Assembleia Geral de 24 de março de
1909. Bahia: Typographia e Encadernação do Lyceu de Artes. Prudencio de Carvalho, diretor, 1909, p. 3.
Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade. Grifos meus.
34
Aparentemente o contingenciamento disposto pela reforma estatutária de 1909
contribuiu para o equilíbrio financeiro da agremiação e possibilitou o crescimento do seu
patrimônio. No final de 1913 a Sociedade Bolsa de Caridade concluiu a compra do imóvel
que seria sua nova sede. Com vista para o mar, medindo 7,20 metros de frente para a rua, o
sobrado era composto de loja, andar superior e sótão, estava situado em um bairro muito mais
valorizado e próximo do centro da cidade, no Santo Antônio Além do Carmo, à Rua do
Carmo, n. 42. Como se verá no capítulo II, a Sociedade Bolsa de Caridade gozou de saúde
financeira durante todo o período pesquisado, sem dúvida uma das razões que explicam o
sucesso dessa instituição, em que pese o recorrente e avultado número de inadimplentes.
A OCUPAÇÃO DOS SÓCIOS
Ainda que uma dada associação seja mais do que a soma dos seus sócios, para
apreender sua dinâmica se faz necessário conhecer os atores sociais que se uniram para criá-
la, que a dirigiram, que trabalharam para o seu êxito ou que simplesmente contassem estar
relativamente protegidos ao ingressarem numa das muitas sociedades mutualistas, via de regra
geridas pelos próprios trabalhadores.
Com base nas fontes levantadas em minha pesquisa, foi possível montar uma listagem
nominal composta por 2.172 sócios de ambos os sexos, dos quais identifiquei a ocupação de
288 deles, ou seja, 13,3% do total de membros da Sociedade. Para facilitar a leitura e análise
dos dados agrupei esses profissionais em categorias. No Gráfico 1 as categorias profissionais
foram agrupadas por números absolutos e por percentuais.
O grupo de artesãos, empreiteiros e mestres de ofício era o majoritário entre os
associados da Bolsa de Caridade e contava com pelo menos 147 indivíduos, o que
correspondia a 51,1% da amostragem. Por artesão, artífice ou artista entenda-se o conjunto
formado pelos trabalhadores qualificados, que podiam ou não ser proprietários, no todo ou em
parte, dos seus instrumentos de trabalho e/ou oficinas. A título de exemplo podemos citar
alfaiates, marceneiros, carapinas, pedreiros, sapateiros, ferreiros, carpinteiros, tipógrafos,
pintores, entre outros. Na tentativa de resistir ao processo de proletarização completa, os
artistas buscaram meios de não serem confundidos com os operários. Para tanto, fundavam
associações e buscavam valorizar a arte, a maestria, a qualidade, o compromisso, a
honestidade, a criatividade, o orgulho do seu ofício, enfim, tudo o que pudesse diferenciá-los
35
dos operários fabris. Segundo Claudio Batalha, o discurso de nobilitação do trabalho ocupou
um lugar central na linguagem das sociedades mutualistas e foi precursor de um discurso
classista.41
Adiante, quando discorro sobre a rede de relações dos membros dessa associação o
leitor vai conhecer alguns desses trabalhadores.
Gráfico 1 – Profissões agrupadas por categoria ocupacional em números absolutos e em
percentual (1872-1930).
Fontes: APEB, Seção Judiciária, Inventários e Testamentos; Necrológicos; Estatutos e
Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; Jornais e Almanaques.
*Outros: um lavrador e três cabeleireiros.
De acordo com o Gráfico 1, 58 profissionais liberais compunham o segundo maior
grupo da associação, o que correspondia a 20,1% da amostra. Exceto parte dos professores,
não me parece que os demais profissionais liberais buscassem essa sociedade de ajuda mútua
com vistas a um possível socorro. Afinal, bacharéis, médicos, engenheiros e dentistas
dificilmente teriam o mesmo status ou estariam no mesmo patamar socioeconômico de
artífices e de pequenos funcionários públicos. O mais provável é que esses profissionais
integrassem a parcela de associados que poderia facilitar o trânsito das demandas da
41
BATALHA. “Sociedades de trabalhadores no Rio de Janeiro do século XIX”, p. 65.
Outros
Caixeiro/Comerciário
Clérigo
Militar
Negociante
Empregado Público
Profissional Liberal
Artista/Empreiteiro/Mestre
4
5
5
6
12
51
58
147
1,4%
1,7%
1,7
2,1%
4,2%
17,7%
20,1%
51,10%
Profissões em percentual e em números absolutos 1872-1930
36
agremiação junto às esferas de poder.42
De todo modo, em razão do pequeno percentual da
minha amostra - apenas 13,3% do total de associados - esse número pode estar superestimado,
posto ser mais comum encontrar os registros ocupacionais dessa categoria profissional em
comparação com trabalhadores pobres, provável maioria das centenas de membros para os
quais não consegui identificar a ocupação.
Ainda que os primeiros estatutos da Sociedade Bolsa de Caridade exigissem para a
condição de sócio efetivo o exercício de artes ou profissões, os estatutos seguintes aboliram
essa condição. Dai muitos indivíduos de outras classes sociais terem sido admitidos na
qualidade de efetivos.43
Foi o caso dos profissionais liberais. Dos 58 indivíduos desse grupo
social, quarenta e sete eram sócios efetivos, três eram beneméritos, quatro eram honorários,
um era remido e três não tiveram tal identificação posto que apenas em 1909 os relatórios
passassem a divulgar a relação de associados juntamente com a classificação do sócio. Os
números demonstram que 79% dos profissionais liberais eram sócios efetivos, ou seja, eram
sócios com todos os direitos, o que inclui tomar parte nas deliberações e receber os auxílios
da mutual.
Entre os 58 profissionais liberais, havia 13 médicos, 7 farmacêuticos, 17 professores, 6
engenheiros, 4 dentistas, 6 bacharéis, 3 administradores, 1 jornalista e um foi identificado
apenas como “doutor”. A soma dos 13 médicos com os 7 farmacêuticos e os 4 dentistas
resultou em um total de 24 profissionais liberais da área da saúde, setor muito mal servido
pelo poder público, portanto muito importante para a organização operária. Pelo menos sete
médicos prestaram serviços gratuitos à associação, três foram membros de sua diretoria e
cinco exerceram cargos públicos.
O doutor Edgar Ferreira de Barros cuidou gratuitamente dos associados por mais de
dez anos (1913-25), foi 1º vice-presidente da Assembleia entre 1915 e 1920, sendo também
membro da diretoria da Sociedade Bolsa dos Patriotas em 1921, e da Sociedade Monte Pio
dos Artífices em 1951, o que demonstra a longevidade de sua atuação nas associações de
42
A definição de Profissional Liberal usada na presente dissertação diz respeito ao profissional, usualmente com
formação universitária, que tem liberdade para executar a sua atividade, podendo ser empregado ou trabalhar por
conta própria.
43 Em seu trabalho sobre o associativismo operário no Rio de Janeiro, Claudio Batalha demonstrou que era usual
as mutuais abertas de artistas estabelecerem como critério de admissão a necessidade do trabalhador exercer uma
arte ou ofício, ou seja, um trabalho manual qualificado. BATALHA. “Sociedades de trabalhadores no Rio de
Janeiro do século XIX”, p. 55.
37
ajuda mútua.44
Ele assumiu por 35 anos o cargo de diretor do Liceu de Artes e Ofícios,
instituição voltada para a instrução profissionalizante que no seu início também prestou
socorros previdenciários aos associados.45
O sócio benemérito Manoel Pereira Espinheira,
médico substituto do Hospital da Quinta dos Lázaros, tinha consultório próprio em Água de
Meninos onde atendia os associados da SBC. Em fevereiro de 1890, quase um ano antes de
lançar sua candidatura a deputado, ofereceu-se para tratar gratuitamente dos consórcios
enfermos, o que fez por mais de vinte anos, a ponto de ter sido citado nos relatórios de 1913 e
1922 como pessoa dedicada ao engrandecimento da associação.46
Antonio Ladislau de
Figueiredo Seixas era auxiliar médico da Diretoria de Higiene Municipal e mantinha
consultório particular desde 1898. Este profissional também exerceu diversos cargos na
direção da Sociedade Bolsa de Caridade entre 1923 e 1930, além de prestar serviços médicos
gratuitos à associação desde 1917.47
O farmacêutico Arnaldo Muniz Silvany, certamente
parente do médico Annibal Muniz Silvany, também associado à Sociedade Bolsa de Caridade,
logrou sucesso nas eleições de 1915 para uma vaga no Conselheiro Municipal de Salvador,
superando o insucesso do ano anterior quando concorreu a uma vaga para deputado pela
oposição.48
A prestação de serviços médicos gratuitos aos membros associados comumente
era retribuída na forma de votos nas eleições, sendo este um exemplo trivial do
funcionamento do clientelismo no seio das mutuais. Afinal, a Sociedade Bolsa de Caridade
era uma organização estável que despertava interesse político.
Os 17 professores da amostra formavam um grupo bastante heterogêneo que abrigava
do professor primário ao do ensino superior. O bacharel em letras, José Barbosa Nunes
Pereira, por exemplo, era professor habilitado pela Instrução Pública da Bahia, oferecia aulas
particulares preparatórias para exames, ministrava aulas noturnas no Lyceu de Artes e
Officios, além de ser examinador das escolas públicas de Salvador. Em 1876 ele concorreu a
uma vaga na Câmara Municipal, e em 1886 foi o responsável pela criação e organização do
44
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1923 a 1924 apresentado pelo presidente do diretório
J. Prudencio F. de Carvalho em de 16 de julho de 1924 e na mesma unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e
Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1924, p. 5. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios,
caixa 60. REG. 0595.
45 LEAL, Maria das Graças de Andrade Leal. “A Arte de ter um ofício: Liceu de Artes e Ofícios da Bahia (1872-
1972)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal da Bahia, 1995), p. 174.
46 Pequeno Jornal, Salvador, 23 jan. 1891, p. 2.
47 Almanaque administrativo, commercial e industrial da província da Bahia para o anno de 1898, p. 380.
Almanaque, 1903, p. 421.
48 A Notícia, Salvador, 23 set. 1915, p. 3.
38
Instituto Artístico da Bahia, estabelecimento de instrução primária e secundária do Montepio
dos Artífices.49
Já Agripiniano de Barros foi professor do extinto Arsenal de Guerra, sendo
tempos depois nomeado para o Conservatório de Música do Estado, quando então recebia
seus vencimentos de forma muito irregular posto que em 1927 o Estado lhe devesse
1:500$000 (Um conto e quinhentos mil-réis) de vencimentos referentes àquele ano.50
O
professor municipal Presciliano José Leal ministrou aulas como professor primário no Distrito
dos Mares e também exerceu a função de 1º delegado escolar entre 1905 e 1915.51
Em 1883, a Instrução Pública da Bahia nomeou uma comissão para elaborar um
projeto de associação de amparo mútuo para o professorado baiano. A julgar pelas palavras
do seu diretor, o cônego Romualdo Maria de Seixas Barroso, a condição do professor
primário era bastante precária:
Não é decerto lisonjeira a situação do professor público primário entre nós.
Se, enquanto desempenha as penosas funções do magistério acha-se a braços
quase sempre com dificuldades para sustentar a si e a família, por sua morte
fica esta entregue as durezas da miséria. Aí vivem da caridade pública a
esposa e os filhos dos educadores do povo, dos que foram na sociedade o
farol por onde trilham as gerações.52
Entre os professores encarregados da criação do projeto de amparo à família do
professor público primário após a sua morte estava Antônio Bahia da Silva Araujo. Este
professor assumiu as aulas públicas da freguesia da Sé em 1870, e em 1881 encontrava-se
ministrando aulas de pedagogia na Escola Normal de Homens, instituição que formava
professores primários.53
A escola anexa para exercícios práticos do professor-aluno, tida
como modelo à época, bem como sua biblioteca foram pensadas e organizadas por ele.
Antônio Bahia foi deputado em várias legislaturas tanto no Império, quanto na República,
sendo um dos responsáveis pela concessão da subvenção estatal para a Bolsa de Caridade em
1888, ainda no Império. Em 1915 foi nomeado diretor da Instrução Pública Municipal, cargo
que já exercera anteriormente.54
A trajetória desse professor também é ilustrativa do como se
davam as relações clientelistas no seio das associações de ajuda mútua.
49
Gazeta da Bahia, Salvador, 21 fev. 1886, p. 3. Diário da Bahia, Salvador, 21 mar. 1889, p. 3. O Monitor,
Salvador, 25 ago. 1876, p. 3; 26 maio 1877, p. 1.
50 O Combate, Salvador, 10 out. 1927, p. 1.
51 Gazeta de Notícias, Salvador, 23 dez. 1912.
52 Relatório dos Trabalhos do Conselho Interino do Governo (BA) – 1823 a 1889, p. 320.
53 Relatório dos Trabalhos do Conselho Interino do Governo (BA) – 1823 a 1889. Ano 1879, p. 188.
54 A Notícia, Salvador, 23 out. 1915, p. 1.
39
Entre os demais professores dessa amostra 9 foram identificados apenas como
professor, sendo uma professora, 1 professor primário, 1 professor de música, 2 professores
do Arsenal de Guerra e 1 professor do ensino superior, citado adiante. Pela natureza da
profissão, que permite acumular funções no setor público e privado, bem como trabalhar por
conta própria, mantive a classificação usual do professor como profissional liberal. Pelo
exposto, a diferença de estratificação de renda e status social entre os professores podia ser
bastante significativa, assim como a motivação para associar-se a Bolsa de Caridade.
O terceiro maior grupo era composto por 51 empregados públicos, 17,7% dos
membros de minha amostra. A maior parte trabalhava como contínuo, escrevente, carteiro,
porteiro55
, oficial ou motorista. Vê-se que grande parte desse grupo era constituída por
trabalhadores de baixo poder aquisitivo, mesmo os que integravam o quadro permanente do
funcionalismo público. Apesar de os empregados governamentais serem contemplados com
alguns benefícios previdenciários, nem todos os trabalhadores de órgãos públicos eram
reconhecidos como funcionários públicos. A relação jurídica existente entre as diversas
categorias de indivíduos que prestavam serviços públicos e o Estado podia variar. Segundo
Tania de Luca, “A legislação referente ao funcionalismo durante o período compreendido
entre 1889 e 1935 pode ser caracterizada como um emaranhado de leis, decretos e
regulamentos, nem sempre harmônicos (...)”.56
De modo geral, o funcionário era aquele que
ocupava um cargo público, tendo vencimentos fixados por lei, fazia parte dos quadros
regulares da burocracia estatal e tinha a possibilidade de seguir carreira. Os empregados civis
do Arsenal de Guerra, por exemplo, podiam ser dispensados a qualquer tempo, como
efetivamente acontecia, sendo grande parte constituída de indivíduos contratados por
empreitada ou jornaleiros. Entretanto, na falta de opção melhor, classifiquei os trabalhadores
dos setores burocráticos do Arsenal na categoria de empregados públicos.
Outro grupo de alguma expressão identificado no Gráfico 1 foi o dos negociantes -
eles representavam 4,2% da amostra. Quase metade participou da administração da Bolsa de
55
O cargo de porteiro não se referia a incumbência de atendimento da entrada de um prédio, hotel ou qualquer
instituição. O Jornal de Notícias, ao relatar a cerimônia de enterramento do Porteiro da administração dos
Correios, cita o depósito de uma coroa de flores com a seguinte inscrição “Ao bom chefe e amigo lembrança dos
serventes dos Correios da Bahia”. A Lei n. 628, de 14 de setembro de 1905, que reorganizou o serviço sanitário
do Estado da Bahia, em seu Art. 25 estabeleceu: “Ao porteiro, que tem como auxiliares o contínuo, o carteiro e
os serventes, cumpre: 1º. Abrir e fechar a repartição. 2º Velar pelo asseio interno e externo do edifício da
repartição. 3.º Fechar e expedir correspondências. 4.º Ter sob sua guarda o Livro da Porta, no qual deverá lançar
o resumo dos papéis e, na íntegra, os despachos proferidos. 5.º Escrever o protocolo da entrada e saída de toda
correspondência.”
56 DE LUCA. O sonho do futuro assegurado, p. 108-109.
40
Caridade, ou seja, cinco do total de doze comerciantes. Quatro deles fizeram parte da
administração de outras sociedades de ajuda mútua. Era um grupo heterogêneo, formado por
pequenos e médios negociantes. Ao morrer, a maioria deixou apenas a casa de residência,
geralmente modesta.
Mas esse não foi o caso do presidente da Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de
Caridade entre 1915 e 1925, o coronel Antônio Freitas da Silva. Ao morrer, em 1926, com 60
anos de idade, deixou um legado bastante superior ao dos demais negociantes da associação:
quatro sobrados, cinco casas térreas e três terrenos, além de inúmeras apólices federais. Esse
próspero negociante também foi bem sucedido na política. Foi subdelegado de polícia e juiz
de paz.57
Posteriormente, foi eleito por diversas vezes para o Conselho Municipal. Ali sua
carreira não foi das mais tranquilas. Em 1914 foi acusado de mandar seus capangas
tumultuarem uma sessão no Conselho Municipal que resultou em duas mortes e alguns
feridos. O tumulto teria começado quando ele foi apontado como o autor de matéria publicada
no jornal A Notícia que acusava os edis de corrupção.58
No ano seguinte, o tenente-coronel, artista armador e juiz de paz do distrito da Rua do
Paço, João Pedro Rodrigues Lima, também associado da Bolsa de Caridade e do Centro
Operário da Bahia, publicou um “Repto de Honra” onde convidou o Conselheiro a declarar
publicamente em quais sociedades ele, na qualidade de tesoureiro, havia deixado de prestar
contas.59
Se este assim não o fizesse “ficaria provado que não passa de um vil e miserável
difamador da honra alheia”.60
Antônio Freitas da Silva respondeu negando que tivesse feito
tal acusação, mas aproveitou a ocasião para assinalar que João Pedro prestava serviços
remunerados para as associações das quais era tesoureiro, numa clara insinuação de que este
agia de forma desonesta.61
Talvez essa desavença tenha se dado por motivos políticos, já que
João Pedro Rodrigues Lima foi o candidato do Centro Operário da Bahia para o Conselho
Municipal, em 1915.62
Parece que esses rompantes acusatórios à boca pequena, que o
Conselheiro não sustentava em público, eram compensados pelas obras que conseguia, a
57
Almanaque Administrativo, Indicador, Noticioso, Comercial e Literário do Estado da Bahia Para o ano de
1903. Bahia: Reis e Cia., 1903, p. 425.
58 A Notícia, Salvador, 21 nov. 1914, p. 1.
59 Gazeta de Notícias, Salvador, 1 abr. 1915, p. 3.
60 A Notícia, Salvador, 27 mar. 1915, p. 2.
61 A Notícia, Salvador, 31 mar. 1915, p. 5.
62 A Notícia, Salvador, 11 nov. 1915, p. 2.
41
exemplo do saneamento da Baixa de Quintas, onde ficava o mausoléu de diversas irmandades
e mutuais, incluindo o da Sociedade Bolsa de Caridade.63
Enfim, da análise do Gráfico 1 infere-se que apesar da Sociedade Bolsa de Caridade
admitir indivíduos de diversas camadas sociais, esta era uma agremiação formada
majoritariamente por trabalhadores. A soma dos dois grupos maiores
(artista/empreiteiro/mestre e empregados públicos) representava 69% da composição social da
agremiação. Cabe frisar que estes eram trabalhadores que se distinguiam da massa operária
pela qualificação profissional, caso dos “artistas”, ou pelo grau de alfabetização necessário ao
exercício de variadas funções no serviço público, a exemplo de escreventes, escriturários,
amanuenses, oficiais, carteiros entre outras. É preciso frisar também que, provavelmente,
parte significativa dos sócios cuja ocupação não foi identificada era formada por
trabalhadores, hipótese que me faz sustentar que o peso do mundo artesanal na Bolsa de
Caridade era bem maior.
A COR DOS TRABALHADORES
Gráfico 2 - Composição por cor dos membros da Sociedade Bolsa de
Caridade (1872-1930).
Fontes: APEB, Seção Judiciária, Inventários e Testamentos e
Necrológicos.
63
A Notícia, Salvador, 4 ago. 1915, p. 3.
77%
23%
NEGRO BRANCO
42
Dos 2.172 sócios listados nos relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade foi possível
identificar as classificações raciais ou de cor da pele para 103 deles, o que representa 4,7% do
total de associados ao longo do recorte dessa pesquisa. Desses, 24 indivíduos foram
classificados como brancos, 57 como pretos e 22 como mestiço, ou seja, 79 membros da SBC
eram negros ou mestiços, o que resulta em um percentual de 77% de não brancos e 23% de
brancos, conforme se pode observar no Gráfico 2.
O percentual encontrado no Gráfico 2 se aproxima da composição da população de
Salvador do período.64
Entretanto, se fosse retirado dessa amostragem apenas cinco
associados – os médicos brancos que prestaram serviços voluntários à agremiação – o
percentual de brancos cairia de 24% para 18%. Esses dados podem indicar um percentual
ainda maior de associados não brancos a essa mutual do que a média da população de
Salvador, no que pese o pequeno tamanho da amostra.
Esses números coincidem com os encontrados por Aldrin Castellucci para outra
importante associação do período, o Centro Operário da Bahia, instituição que abrigava
grande quantidade de trabalhadores alfabetizados e qualificados e que tinha seus quadros
compostos por 77,1% de pretos, pardos ou mestiços. Segundo o autor, a trajetória dos
membros da associação demonstrou o prestígio social alcançado por muitos deles, o que
relativiza a tese da total marginalização da população negro-mestiça após a abolição.65
As fontes me permitiram associar cor com profissão para 86 associados, o que
corresponde a 4% do total de associados da Bolsa de Caridade ao longo do período
pesquisado. A Tabela 1 indica que entre os brancos o peso maior é dos profissionais liberais
(38%) seguido dos artesãos e mestres de ofício (28%) e dos negociantes (14%). Já entre os
não brancos os artesãos e mestres de ofício são a imensa maioria (79%) e, somados aos
empregados públicos o índice de trabalhadores seria de 33% para os brancos e de 87% para os
pretos e mestiços. Apenas 6% dos não brancos da associação são profissionais liberais,
enquanto entre os brancos esse índice sobe para 38%, sendo a maioria formada por médicos.
Esses dados indicam o predomínio de brancos nas ocupações de maior prestígio social e
melhor remuneração entre os membros da associação objeto deste estudo.
64
O Censo Demográfico de 1940 indicou que os não brancos constituíam 66,2% da população de Salvador,
percentual muito próximo do apontado pelos dados do Recenseamento de 1872 (68,9%). BACELAR, Jeferson.
“Os negros em Salvador: os atalhos raciais”. Revista de História, São Paulo, n. 129-131, p. 53-65, 1993/1994.
Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.v0i129-131p53-65
65 CASTELLUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Trabalhadores e política no Brasil: do aprendizado do Império aos
sucessos da Primeira República. Salvador: EDUNEB, 2015, principalmente o capítulo 3.
43
Tabela 1 – Comparativo ocupacional entre os membros brancos e não brancos da Sociedade
Bolsa de Caridade (1872-1930)
PROFISSÃO BRANCOS NÃO BRANCOS
Artesão e mestre de ofício 28% 79%
Empregado Público 5% 8%
Profissional Liberal 38% 6%
Empresário * 14% 3%
Outro** 15% 4%
Total da amostra 100% 100%
Fontes: APEB, Seção Judiciária, Inventários e Testamentos e Necrológicos.
* Negociante, comerciante e industrial.
** Caixeiro, cabeleireiro, cônego e militar.
Além dos cinco médicos citados, os demais associados classificados como brancos
tinham as seguintes ocupações: um cirurgião dentista, dois professores, três negociantes, um
empregado público, um tenente reformado, dois caixeiros e seis artesãos e mestres de ofício,
sendo um deles também proprietário de tipografia. Em termos percentuais os profissionais
liberais representavam 38% do total de brancos, os negociantes 14%, os “artistas” 28%, os
empregados públicos 5% e os demais associados 15%.
Figura 1 – Euthymio da Cruz Baptista Figura 2 – Carlos Sepúlveda
Benemérito - C. Fiscal (1910-1921) Comissão Fiscal (1921-1923)
Fonte: RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de
existência. 1872-1922, Bahia: 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente
Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0603.
44
Entre os agremiados de cor branca estava o professor universitário, arquiteto e
engenheiro Carlos Sepúlveda (Figura 2). Casado e pai de duas filhas, quando faleceu em 13
de dezembro de 1962, residia em uma casa de cinco quartos de sua propriedade. Possuía ainda
outra casa de três quartos e mais três terrenos. Portanto, somente em bens imóveis ele deixou
uma herança confortável para os seus descendentes.66
O comerciário Euthymio da Cruz
Baptista (Figura 1), também de cor branca, ao morrer em 1940, aos 68 anos, deixou um bom
patrimônio em imóveis: um prédio no distrito de Santo Antônio com seis quartos, duas casas
térreas, e mais três prédios. Tinha um filho médico e três filhas casadas, ao que parece com
pessoas de posses visto que todos abriram mão da herança em favor da mãe. O finado havia
atuado na administração de quatro associações de ajuda mútua, na maior parte do tempo como
membro de comissões fiscais, como tesoureiro ou no diretório, o que me leva a crer que tinha
intimidade com os números.67
Por sua vez Jacinto Gomes dos Santos, branco, marceneiro, ao
morrer em 1921, legou ao seu único filho duas casas e uma caderneta de poupança que
somados alcançaram o valor de 22:820$898 (vinte e dois contos, oitocentos e vinte mil e
oitocentos e noventa e oito réis).68
O major Manoel de Albuquerque Lisboa, “artista”, branco,
empregado do almoxarifado da Estrada de Ferro, ao falecer em 9 de abril de 1920, possuía
uma casa de seis quartos, avaliada em doze contos de réis, o que demonstra uma boa condição
financeira.69
Grande parte dos brancos dessa amostragem estava longe da situação de
vulnerabilidade que levava os trabalhadores a buscar as associações de auxílio-mútuo como
única alternativa para escapar do descenso social e da caridade pública em momentos de
doença, desemprego ou morte. Metade desse grupo era formada por profissionais liberais e
negociantes. Os exemplos demonstraram não ser incomum que seus membros possuíssem
patrimônio ou status social condizentes com os da classe média.
Entre os indivíduos classificados como não brancos havia os pretos e mestiços. Dos
cinquenta e sete sócios de cor preta consegui identificar a profissão de cinquenta: quarenta e
quatro eram artesãos e mestres de ofício, sendo dois deles também empreiteiros e um
proprietário de depósito de material de construção; um empregado público estadual; um
professor; um negociante; um cabeleireiro; um militar; um administrador do Club Alemão. 66
APEB, Seção Judiciária, 9/4018/-/13 (Autos Cíveis - Inventários e Testamentos).
67 APEB, Seção Judiciária, 6/2403/2903/1 (Autos Cíveis - Inventários e Testamentos); A Notícia, Salvador, 10
mar 1915, p. 2; 15 ago. 1914, p. 3; 18 ago 1915. RELATÓRIOS da Sociedade Beneficente Caixeiral nos
exercícios 1906 e 1907. BPEB, Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais.
68 APEB, Seção Judiciária, 3/916/1385/10 (Autos Cíveis - Inventários e Testamentos).
69 APEB, Seção Judiciária, 8/3239/-/22 (Autos Cíveis - Inventários e Testamentos).
45
Entre os mestiços identifiquei a ocupação de dezesseis: havia oito artífices, quatro
empregados públicos, dois irmãos profissionais liberais (um médico e um bacharel) um
caixeiro e um abastado comerciante. Portanto, para os setenta e nove sócios não brancos da
amostragem identifiquei a ocupação de sessenta e seis deles.
Ainda que a amostra obtida para o critério cor da pele indique que 79% dos não
brancos eram “artistas”, esse percentual ainda pode estar sub-representado. Certamente
muitos trabalhadores listados como funcionários públicos eram artesãos. Além disso, não era
incomum que “artistas” ascendessem à condição de “empresários”, posto que muitos já
possuíssem suas próprias oficinas. Um exemplo é o de Francisco Luiz de Azevedo, um
ferreiro mestiço, falecido aos 69 anos, em 1913, quando já era viúvo. Entre os bens
inventariados constava um sobrado de dois pavimentos com os respectivos maquinários da
fundição de ferro situada no Largo do Pilar. Deixou ainda duas pequenas casas térreas
situadas à Estrada dos Boiadeiros e um lote de terreno em Camaçari.70
A REDE DE RELAÇÕES SOCIAIS
No período abarcado pela presente pesquisa, entre 1872 e 1930, a Sociedade Bolsa de
Caridade tinha matriculado 2.351 sócios. Foi possível identificar os nomes de 2.172 deles,
número que estou usando como parâmetro no presente trabalho. Desse total, o impressionante
número de 224 filiados integrou a administração de outras associações de ajuda mútua. Isso
significa que 10,3% da listagem nominal associados da Bolsa de Caridade não apenas faziam
parte de outras associações, como também integravam os seus corpos diretivos. Se for levado
em conta o pequeno número de associados que frequentava as Assembleias Gerais é possível
afirmar que esse é um número bastante significativo.
Os convites para as reuniões da Assembleia Geral em segunda convocação eram
bastante frequentes. As queixas a respeito da baixa frequência dos associados nas
Assembleias Gerais eram comuns nos relatórios anuais da associação em análise, lamentos
também verificados por outros autores para outras associações e cidades do Brasil. A título de
exemplo, no relatório referente ao exercício 1903 a 1904 o presidente do diretório, Euthymio
da Cruz Baptista, queixou-se que as assembleias gerais da Bolsa de Caridade só aconteciam
em segunda convocação e, ainda assim, com um pequeno número de sócios. Prudencio de
Carvalho, presidente do diretório no exercício 1912 a 1913, fez a mesma reclamação em seu
70
APEB, Seção Judiciária, 1/387/747/10 (Autos Cíveis – Inventários e Testamentos).
46
relatório anual. Diversas associações de ajuda mútua publicavam reiterados convites para os
associados comparecerem às reuniões em segunda convocação. Foi o caso da Sociedade
Beneficente Bolsa dos Patriotas, que em 12 de maio de 1920, em segunda convocação,
convidava os sócios para participarem da Assembleia Geral onde deveriam tomar
conhecimento da renúncia do tesoureiro, eleger seu substituto, e apreciar o balancete do
primeiro semestre.71
No dia 18 do mesmo mês o anúncio foi repetido.72
Ou seja, apesar da
chamada ser de segunda convocação, na verdade já era a terceira convocação. Para Adhemar
Lourenço da Silva Júnior essa era uma situação comum: “É possível generalizar a afirmação
sobre assembleias pouco frequentadas, porque o fenômeno não se restringiu ao Rio Grande do
Sul ou às Sociedades de Socorros Mútuos”.73
Aldrin Castellucci, os trabalhadores baianos possuíam uma tradição de associativismo
mutualista que remontava à primeira metade do século XIX.74
Talvez essa tradição tenha
contribuído para a formação de uma ampla rede associativa entre os trabalhadores
qualificados de Salvador. Na presente pesquisa identifiquei 224 associados da Bolsa de
Caridade atuando na administração de diversas sociedades de ajuda mútua, como pode ser
visto no Quadro 1. Ele permite a Segundo observação dessa rede associativa sob uma
perspectiva mais específica: a da participação dos associados da Bolsa de Caridade nos
quadros administrativos de 30 sociedades de ajuda mútua. O Centro Operário da Bahia foi a
instituição que mais contou com membros da Sociedade Bolsa de Caridade entre os seus
dirigentes: 50 associados. Esse é um dado importante, pois enquanto a Bolsa de Caridade
dava ênfase à dimensão mutualista, o Centro Operário combinava essa esfera de atuação com
objetivos muito mais abrangentes. Nas palavras de Castellucci: “o Centro Operário da Bahia
era uma organização multifacetada em termos de objetivos a serem cumpridos,
desenvolvendo funções beneficentes, mutualistas, sindicais e político-partidárias”.75
O autor
demonstrou que o Centro Operário foi uma máquina política que nos anos iniciais da
República conseguiu mobilizar politicamente a classe operária em torno das lutas por direitos,
de modo eficiente, inclusive elegendo vários dos seus integrantes para a Justiça de Paz, as
Juntas Distritais e o Conselho Municipal de Salvador. O mesmo autor identificou 18
71
A Manhã, Salvador, 12 maio 1920, p. 2.
72 A Manhã, Salvador, 18 maio 1920, p. 3.
73 SILVA JR., Adhemar Lourenço da. “Oligarquias em sociedades de socorros mútuos (1854-1940)”. Revista
Mundos do Trabalho, vol. 2, n. 4, agosto-dezembro de 2010, p. 78-108.
74 CASTELLUCCI, Aldrin. “Classe e cor na formação do Centro Operário da Bahia (1890-1930).” Afro-Ásia, v.
41 85-131, p. 125, 2010.
75 CASTELLUCCI. Trabalhadores e política no Brasil, p. 113.
47
sociedades de auxílio mútuo nas quais 248 membros do Centro Operário da Bahia atuaram.
Somente na Sociedade Bolsa de Caridade ele identificou 91 filiados daquela mutual.76
Esse
cenário só foi modificado a partir do final da segunda década do século XX, com o
esvaziamento dessa associação e o fortalecimento dos sindicatos operários fundados nesse
período.
Quadro 1 – Participação de membros da SBC na direção de outras mutuais (1872-1930). NOME DA SOCIEDADE MUTUALISTA FUND DIRETO-
RES
DIRIGEN.
COMUM
1 Centro Operário da Bahia 1894 50 10
2 Sociedade Protetora dos Desvalidos 1832 42 6
3 Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas 1896 39 17
4 Soc. Beneficente União Filantrópica dos Artistas 1889 31 10
5 Sociedade Montepio dos Artífices da Bahia 1832 22 8
6 Sociedade Beneficente de Santana 1896 20 3
7 Associação Typográphica Bahiana 1871 15 6
8 Sociedade Beneficente dos Alfaiates 1897 12 3
9 Sociedade Beneficente União das Classes 1895 11 4
10 Club Beneficente dos Martyres 1891 10 2
11 Sociedade Beneficente União e Amparo 10 4
12 Sociedade Beneficente dos Açougueiros 8 3
13 Sociedade Montepio dos Artistas da Bahia 1853 8 -
14 Congresso Beneficente Auxílio Fraternal 1898 6 1
15 Sociedade Beneficente dos Marceneiros 6 1
16 Club Defensor e Beneficente dos Maquinistas 1889 5 -
17 Sociedade Dezesseis de Julho 1906 5 4
18 Sociedade Beneficente Bolsa dos Chapeleiros 1891 4 1
19 Grêmio Beneficente do Professorado Baiano 1898 3 1
20 Sociedade Beneficência Mútua de Brotas 1893 3 -
21 Sociedade Beneficência 1 º de Maio 1894 3 -
22 Congresso Beneficente Auxílio Funeral 2 1
23 Sociedade Humanitária dos Artistas 1856 2 2
24 Soc. Protetora e Benef. Dos Artífices, Carpinteiros e
Calafates
1860 2 2
25 Sociedade Beneficente de Socorros Mútuos 1897 1 -
26 Sociedade Beneficente Telegráfica 1898 1 -
27 Sociedade Beneficente dos Funcionários Públicos 1887 1 1
28 Sociedade Beneficente 24 de Julho 1909 1 -
29 Sociedade Montepio da Bahia 1 -
30 Club União dos Artistas Republicanos 1890 1 -
76
CASTELLUCCI. “Classe e cor na formação do Centro Operário da Bahia”, p. 128.
48
Fontes: APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, Caixa 60. Estatutos e Relatórios da
SBC; BPEB, Seção de Obras Raras, Relatórios Institucionais; Jornais e Almanaques.
Figura 3 - Cel. Antonio Freitas da Silva Figura 4 – Cap. João Pompílio de Abreu
Presid. Assembleia (1916-1926) Comissão Fiscal (1920-1921)
Fonte: RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de
existência. 1872-1922, Bahia: 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna,
Relatórios, caixa 60. REG. 0603.
A maior concentração de associados da Sociedade Bolsa de Caridade na administração
do Centro Operário da Bahia ocorreu entre 1895 e 1915 – foram 40 dirigentes. Desse total,
dez eram dirigentes também da Sociedade Bolsa de Caridade. Foi o caso do negociante e
conselheiro municipal Antonio Freitas da Silva (Figura 3), que além de sócio benemérito foi
também dirigente das duas associações.77
O capitão João Pompilio de Abreu (Figura 4)
também compôs a diretoria do Centro Operário e da Bolsa de Caridade, bem como da
Sociedade Beneficente dos Patriotas. Certamente essas relações contribuíram para a sua
eleição ao Juizado de Paz do distrito da Conceição da Praia em 1903 e 1912. Outro dirigente
do Centro Operário entre 1903 e 1905 foi o juiz de paz e major da Guarda Nacional Aurélio
Sebastião Cardoso. Esse alfaiate e ajudante de porteiro da administração dos Correios da
Bahia compôs a administração de pelo menos oito associações mutualistas, a exemplo da
Sociedade Bolsa dos Alfaiates, da qual foi fundador, e da Sociedade Bolsa de Caridade.
77
A Notícia, Salvador, 4 ago. 1915, p. 3.
49
Aurélio Cardoso ocupou o posto eletivo de juiz de paz do distrito da Sé por três mandatos.78
Segundo Castellucci, “A ocupação de mandatos eletivos no aparelho de Estado
retroalimentava a continuidade ou possibilitava a retomada do controle das organizações dos
trabalhadores”.79
O fato de o Centro Operário, uma associação de ajuda mútua com ampla atuação na
esfera político-eleitoral, ter tido entre seus dirigentes 50 associados de uma agremiação cujo
objetivo exclusivo era o dos socorros mútuos, como foi o caso da Bolsa de Caridade, sugere
que os trabalhadores poderiam filiar-se a mais de uma mutual visando objetivos diversos, para
além dos benefícios previdenciários. Para os trabalhadores que contaram com renda suficiente
para filiar-se a várias mutuais concomitantemente é provável que garantir benefícios maiores
fosse um fator importante. Entretanto, o grande número de dirigentes do Centro Operário que
também integrava o quadro social da SBC é um indício da importância do associativismo
operário enquanto interlocutor político e representante dos interesses do conjunto dos
trabalhadores. Eles certamente almejavam a extensão e ampliação dos direitos de cidadania
para os trabalhadores e a valorização de ofícios, categorias profissionais ou dos trabalhadores
enquanto classe social. Embora a Sociedade Bolsa de Caridade não fosse um espaço
institucional que se propunha a agir em defesa da ampliação dos direitos do conjunto dos
trabalhadores, parte dos seus membros atuava nesse sentido, como demonstra sua atuação na
direção do Centro Operário da Bahia.
A Sociedade Protetora dos Desvalidos foi a segunda associação em dirigentes que
também eram associados à SBC. Essa associação sobrevive até a presente data e, desde a sua
fundação, em 1832, quando ainda era a Irmandade de Nossa Senhora da Soledade Amparo
dos Desvalidos, admitia apenas homens de cor preta. Dos quarenta e dois dirigentes desta
mutual que também eram sócios da Bolsa de Caridade, seis integraram o corpo administrativo
das duas associações. Foi o caso de Júlio Alves da Palma, mecânico da Oficina da Assistência
Pública, que exerceu diversos cargos na Sociedade Protetora dos Desvalidos entre 1898 e
191980
, assim como também foi dirigente de mais quatro sociedades mutualistas, incluindo a
78
CASTELLUCCI, Trabalhadores e política no Brasil, p. 128.
79 CASTELLUCCI, Trabalhadores e política no Brasil, p. 194.
80 RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos, relativo ao exercício de 1895 a 1896, apresentado pelo
presidente do Diretório, Florencio da Silva Friandes, aprovado em sessão de 23 de outubro de 1896. Bahia:
Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1896; RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos,
relativo ao exercício de 1896 a 1897, apresentado pelo presidente do Diretório, João Francisco Regis d’Antão,
aprovado em sessão de 1 de novembro de 1897. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1897;
RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos, relativo ao exercício de 1899 a 1900, apresentado pelo
50
Sociedade Bolsa de Caridade.81
Outro exemplo é o de Aurelio Joaquim de Santa Cecília,
sócio benemérito dos Desvalidos, que atuou na sua administração entre 1895 e 1940,
exercendo cargos tais como arquivista, primeiro secretário do diretório, vice-presidente da
assembleia e vice-presidente e presidente do diretório.82
Também foi o caso do 2º escriturário
da Diretoria de Higiene Municipal, Florêncio da Silva Friandes (Figura 5).83
Além de
conselheiro consultivo permanente da Sociedade Protetora dos Desvalidos e de atuar no
diretório da Sociedade Bolsa de Caridade por mais de 15 anos consecutivos, ele ainda fez
parte da administração da Sociedade Dezesseis de Julho,84
da Sociedade Beneficente dos
Açougueiros85
e da Sociedade Beneficente União e Amparo.86
Figura 5 – Florêncio da Silva Friandes Figura 6 – Joaquim Pinto dos Santos
Fonte: RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de existência.
1872-1922, Bahia: 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios,
caixa 60. REG. 0603.
presidente do Diretório, Affonso Maria João de Freitas, aprovado em assembleia geral de 5 de janeiro de 1901.
Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1900; RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos
Desvalidos, apresentado pelo presidente do Diretório, Julio Alves da Palma, aprovado em sessão d’Assembleia
geral de 24 de outubro de 1919. Exercício de 1918-1919. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e
Ofícios, 1919.
81 Gazeta de Notícias, Salvador, 7 nov. 1913, p. 1.
82 RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos, apresentado pelo presidente do Diretório, Julio Alves
da Palma, aprovado em sessão d’Assembleia geral de 24 de outubro de 1919. Exercício de 1918-1919. Bahia:
Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1919. 83
Annuario Administrativo, Agrícola, Profissional, Mercantil e Industrial da República dos Estados Unidos do
Brasil para 1917. Rio de Janeiro: Almanak Laemmert, 1917, p. 71.
84 A Notícia, Salvador, 8 mar. 1915, p. 2
85 O Imparcial, Salvador, 12 jan. de 1935, p. 2.
86 Gazeta de Notícias, Salvador, 7 nov. 1913, p. 3.
51
A Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas contou com 39 dirigentes que também
eram membros da Sociedade Bolsa de Caridade, sendo a terceira associação do Quadro 1.
Também foi a mutual com maior número de dirigentes em comum, 17 deles compuseram os
quadros diretivos de ambas as associações. A proximidade entre essas duas associações pode
ser observada pelo fato de a Sociedade Bolsa de Caridade ter disponibilizado, em 28 de julho
de 1915, um crédito hipotecário no valor de 3:500$000 (três contos e quinhentos mil réis) a
ser amortizado “conforme as forças” da “coirmã” Sociedade Bolsa dos Patriotas. Em 1915, o
escrivão e oficial do Registro Civil, Joaquim Pinto dos Santos (Figura 6), era o secretário do
diretório da Sociedade Bolsa dos Patriotas e também o segundo secretário da assembleia geral
da Sociedade Bolsa de Caridade quando do empréstimo mencionado acima.87
A solicitação do
referido empréstimo foi assinada pelo então presidente do Diretório da Bolsa dos Patriotas, o
capitão do exército Euthymio da Cruz Baptista, que na ocasião fazia parte da Comissão Fiscal
da Sociedade Bolsa de Caridade. A proposta foi aceita pelo Diretório e aprovada em
Assembleia Geral do dia 13 de junho de 1915 com vinte e oito votos a favor e seis contrários.
No dia 28 do mesmo mês o contrato hipotecário foi lavrado em cartório.88
Outro dado que comprova a proximidade entre as duas associações é a composição do
quadro administrativo da Sociedade Bolsa dos Patriotas no exercício de 1924/1925, quando
quase toda a diretoria da Bolsa dos Patriotas era composta por membros da Bolsa de
Caridade.89
A título de exemplo posso citar o bacharel José Félix Simões, sócio benemérito da
Bolsa dos Patriotas, que assumiu o cargo de tesoureiro desta mutual por longo período, de
1921 a 1942. Entre 1923 e 1925 e de 1929 a 1930 o bacharel também foi membro da
Comissão Fiscal da Bolsa de Caridade.90
Outro exemplo é o do tipógrafo, já nosso conhecido,
87
A Notícia, Salvador, 15 dez. 1914, p. 2.
88 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1915 a 1916 apresentado pelo presidente do diretório
J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 7 de julho de 1916 e unanimemente aprovado.
Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1916. APEB,
Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0600, p. 11.
89 RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado pelo presidente do Conselho
Diretório Joaquim da Costa Doria em sessão da Assembleia Geral de 29 de outubro de 1925 e na mesma
aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1925. BPEB, Subgerência de Obras
raras, Relatórios Institucionais, Ref. 7830.
90 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1923 a 1924 apresentado pelo presidente do diretório
J. Prudencio F. de Carvalho em de 16 de julho de 1924 e na mesma unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e
Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1924. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa
60. REG. 0605. RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1928 a 1929 apresentado pelo
presidente do diretório Florencio da Silva Friandes em de 05 de setembro de 1929 e na mesma unanimemente
aprovado. Bahia: Imprensa Moderna, 1929. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.
REG. 0608.
52
José Prudencio Ferreira de Carvalho. Ele foi membro do Diretório da Bolsa dos Patriotas
entre 1907 e 192591
, período que em grande parte coincide com o da sua atuação como
dirigente da Bolsa de Caridade (entre 1905 e 1930). Além dessas associações ele foi membro
do corpo diretivo da Sociedade Beneficente União Filantrópica dos Artistas, do Montepio dos
Artífices, da Associação Tipográfica Baiana e da Sociedade União Beneficente dos Alfaiates.
92 O tenente Paulino Joviniano Caribé foi outro destacado membro da Sociedade Beneficente
Bolsa dos Patriotas. Ele prestou serviços tanto no Diretório quanto na Assembleia Geral no
período compreendido entre 1921 a 1942, tendo como reconhecimento por sua dedicação, seu
retrato exposto na parede do Salão Nobre da agremiação.93
Caribé também foi membro do
corpo diretivo da Sociedade União Filantrópica dos Artistas, da Sociedade Dezesseis de Julho
e da Sociedade Monte Pio dos Artífices, além é claro, da Sociedade Bolsa de Caridade.94
A Sociedade Beneficente União Philantrópica dos Artistas foi a quarta mutual em
número de dirigentes associados da Bolsa de Caridade – foram 31. Desses, 10 dirigiram
ambas as sociedades mutualistas. No seu corpo diretivo há um caso emblemático do quanto as
associações de trabalhadores poderiam favorecer os seus dirigentes. Trata-se do tenente-
coronel, juiz de paz e “artista” armador João Pedro Rodrigues Lima, já citado neste capítulo
em função de desentendimentos com o negociante e conselheiro municipal Antonio Freitas da
Silva. Esse artesão foi tesoureiro da Irmandade de N. S. da Fé95
e da Confraria de N. S. do
Rosário dos Quinze Mistérios.96
Também exerceu cargos em pelo menos sete associações de
ajuda mútua entre 1898 e 1917, ano em que faleceu. Foi inclusive tesoureiro da União
Philantrópica dos Artistas em 1898.97
De início atendia seus clientes em uma loja de cera na
91
BPEB, Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Gazeta de Notícias, Salvador, 14 dez. 1912, p.
2. A Notícia, Salvador, 15 dez. 1914, p. 1.
92 Almanak, 1898, p. 348. Almanak, 1899, p. 422, 442, 459, 472; Almanak, 1903, p. 316, 476-477. A Notícia,
Salvador, 23 dez. 1914, p. 3. Gazeta de Notícias, Salvador, 27 abr. 1914, p. 2; RELATÓRIOS Associação
Tipográfica Baiana de 1904 a 1912. BPEB, Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais.
93 RELATÓRIOS Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas. Diversos Exercícios. BPEB, Subgerência de Obras
Raras, Relatórios Institucionais.
94 RELATÓRIOS Sociedade União Filantrópica dos Artistas para os exercícios 1938 a 1940 e 1940 a 1942.
RELATÓRIOS Sociedade Dezesseis de Julho para os exercícios 1945 a 1949. RELATÓRIOS Associação
Beneficente Bolsa dos Patriotas exercícios 1921 a 1925, 1937 a 1942. RELATÓRIO Sociedade Monte Pio dos
Artífices, exercício 1951 a 1953. BPEB, Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais.
95 A Notícia, Salvador, 29 maio 1915, p. 3.
96 A Notícia, Salvador, 23 fev. 1915, p. 3.
97 Almanaque Administrativo, Indicador, Noticioso, Comercial e Literário do Estado da Bahia Para o ano de
1903. Bahia: Reis e Cia., 1903, p. 476.
53
Ladeira do Taboão98
, depois montou uma casa de armador no Pelourinho.99
As irmandades e
as associações de ajuda mútua eram suas clientes potenciais. E tudo indica que ele não via
problemas em prestar serviços a associações das quais ele integrava o corpo diretivo, já que
montou toda a ornamentação da solenidade organizada pelo Centro Operário da Bahia, por
ocasião do 7º dia do falecimento de d. Orsina da Fonseca, esposa do marechal Hermes da
Fonseca, presidente da República. Na ocasião ele era presidente da Assembleia Geral do
Centro Operário da Bahia.100
Poucos dias depois ele ornamentou a sede social da Sociedade
União dos Carregadores por ocasião da sua instalação à Rua do Saldanha, na Praça Quinze de
Novembro.101
Também a ornamentação do Liceu de Artes e Ofícios foi execução sua, quando
da sessão de homenagens feitas ao falecido Dr. Guilherme Conceição Foeppel, ex-presidente
desta agremiação.102
Não pude identificar se neste ano ele ainda exercia algum cargo nessa
associação, mas no ano seguinte ele era seu tesoureiro e muito antes, em 1903, ele era
membro da Comissão Econômica.
Além dos benefícios financeiros, João Pedro Rodrigues Lima contava com o apoio
dessas associações para pleitear cargos eletivos no nível municipal. Foi eleito juiz de paz pelo
distrito do Paço em 1914103
, e candidato ao Conselho Municipal em 1915. Foi o Centro
Operário que apresentou a sua candidatura ao Conselho Municipal fazendo um apelo aos
operários para que elegessem um representante da classe trabalhadora:
Operários!
Mandamos sempre para as assembleias populares representantes de outras classes
médicos, bacharéis, capitalistas, etc. – por que pois para o Conselho Municipal, a
mais popular de todas elas não enviamos um mandatário nosso, lídimo representante
nosso, enfim um operário como nós?104
Pelo visto ele não era um simples operário como constou no anúncio. Além de ser um
trabalhador qualificado ele tinha o seu próprio negócio e, provavelmente, tinha outros
trabalhadores a seu serviço. Ou talvez o eleitorado que se pretendia atingir era o dos operários
qualificados e pequenos funcionários públicos, ou seja, a parte da classe trabalhadora
98
Leituras Religiosas: Publicação Semanal (BA), 1889 a 1906, Salvador, 19 out. 1902, p. 7.
99 A Notícia, Salvador, 21 dez 1914, p. 1.
100 Gazeta de Notícias, Salvador, 6 dez. 1912, p. 2.
101 Gazeta de Notícias, Salvador, 23 dez. 1912, p. 1.
102 A Notícia, Salvador, 21 out. 1914, p. 1
103 Gazeta de Notícias, Salvador, 29 jan. 1914, p. 1.
104 A Notícia, Salvador, 11 nov. 1915, p. 2.
54
alfabetizada que estava apta a votar nas eleições municipais e que era a base das associações
de ajuda mútua. De toda maneira, quando se tratava de eleições municipais os candidatos do
Centro Operário da Bahia se apresentavam como representantes políticos da classe operária,
não apenas nas campanhas eleitorais, mas também durante o mandato.105
Porém, apesar do
apoio da máquina eleitoral do Centro Operário e de participar da direção de tantas mutuais sua
candidatura não logrou êxito. Seja como for, suas relações com o associativismo indicam que
os cargos ocupados nas irmandades e associações de ajuda mútua de trabalhadores poderiam
proporcionar não apenas votos, mas também se configurar em uma fonte de renda.
Fundada em 1832, a Sociedade Monte Pio dos Artífices da Bahia estava entre as mais
antigas mutuais da Província. Essa associação teve entre seus dirigentes 22 associados da
Bolsa de Caridade, a exemplo do mestiço Francisco Andrelino Brandão de Araújo. Francisco
era empregado público e exerceu a função de visitador na SBC entre 1910 e 1913. Ao morrer,
em 1927, deixou para os herdeiros, sua esposa e um filho de 16 anos, apenas uma caderneta
de poupança na Caixa Econômica Federal no valor de seiscentos e oitenta e oito mil e
setecentos e vinte réis.106
Apesar disso, não deve ter tido problemas financeiros para seu
enterramento, uma vez que era dirigente de quatro associações de ajuda mútua: Monte Pio dos
Artífices, Bolsa de Caridade, Bolsa dos Patriotas e Associação Tipográfica. O capitão da
Guarda Nacional Juvencio Simões Toledo também serviu a Sociedade Monte Pio dos
Artífices desde pelo menos 1898. Em 1914 ele teve seu retrato fixado nas paredes do Salão
Nobre dessa associação.107
Ele foi membro de mais sete associações de ajuda mútua,
incluindo a Sociedade Bolsa de Caridade. Porém, ao morrer em 1921 ele não teve direito aos
auxílios desta associação, provavelmente por inadimplência.108
A Sociedade Beneficente de Santana teve entre seus dirigentes 20 associados da Bolsa
de Caridade, sendo três deles diretores de ambas as associações. Como pode ser visto no
Quadro 1, foi a sexta agremiação com maior número de associados da Bolsa de Caridade em
sua administração. Um dos seus diretores foi o tipógrafo branco José Bernardo da Cunha,
falecido aos 41 anos, no dia 30 de abril de 1901 devido a problemas decorrentes de diabetes.
105
CASTELLUCCI. Trabalhadores e política no Brasil, p. 137 e 176.
106 APEB, Seção Judiciária, 6/2270/2770/6 (Autos Cíveis – Inventários e Testamentos).
107 A Notícia, Salvador 23 dez. 1914, p. 1.
108 RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de existência. 1872-1922. O seu movimento
no exercício de 1921 a 1922, relatado pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho, em Assembleia
Geral de 20 de junho de 1922 e na mesma unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu
de Artes Ofícios, 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0603.
55
O patrimônio que conseguiu formar foram três pequenas casas no bairro do Rio Vermelho,
porém estavam hipotecadas a Carolino José Barroso de Mello pela quantia de cinco mil
contos de réis.109
Esse “artista” certamente conseguiu manter um padrão de vida acima da
média da classe operária. Não era uma vida desprovida de preocupações financeiras, mas
sobrava para investir em imóveis. Ele também arranjava tempo para se dedicar às associações
de trabalhadores e, pelo visto, sonhou com a participação da classe trabalhadora nas decisões
das políticas públicas por meio de representantes populares nas esferas de poder. Por isso
tomou parte das atividades do nascente Partido Operário, em 1890, da Sociedade Bolsa de
Caridade, entre 1886 e 1889, e da Sociedade Beneficente de Santana, em 1899.110
Já o
empregado público da Secretaria do Conselho Municipal, Pedro Muniz Gomes, viveu bem
mais tempo; faleceu em junho de 1928, aos 75 anos. Ele exercia a função de cobrador da
agremiação e morreu sem ter tido tempo de prestar contas a essa sociedade de um total de um
conto e quatrocentos mil réis de mensalidades cobradas aos sócios. Também devia seis meses
de aluguel de sua residência. Somados o que tinha em caderneta de poupança, conta corrente,
pecúlio da Sociedade dos Empregados Públicos e os vencimentos a que tinha direito, o total
era suficiente apenas para pagar os seus débitos. Mesmo assim ele não dependeu de nenhum
dos seus quatro filhos para pagar seu funeral uma vez que tinha direito aos benefícios da
Sociedade Beneficente de Santana e da Sociedade Bolsa de Caridade. Aliás, um dos seus
filhos, Pedro Muniz Gomes Filho também foi dirigente da Sociedade Beneficente de Santana
e associado da Bolsa de Caridade.111
A Associação Tipográfica Baiana, fundada em 16 de abril de 1871, era uma
associação de auxílio-mútuo que congregava tipógrafos, litógrafos ou livreiros. Era, portanto,
uma agremiação profissional de ajuda mútua com forte probabilidade de ter atuado na defesa
da categoria em outras esferas que não a previdenciária. Aqui convêm novamente citar o
tipógrafo José Prudencio Ferreira de Carvalho (Figura 7), liderança dessa instituição. Ele
filiou-se a essa mutual em 17 de julho de 1888 e foi elevado a sócio benemérito em 30 de
abril de 1903.112
Já em 1889 ocupou o cargo de tesoureiro, entre 1904 e 1910 de bibliotecário,
entre 1910 e 1912 foi presidente do diretório e de 1914 a 1915 foi presidente da Assembleia
109
APEB, Seção Judiciária, 1/80/110/4 (Autos Cíveis – Inventários e Testamentos).
110 Almanak Administrativo, Indicador e Noticioso do Estado da Bahia para 1898 organizado por Antonio
Alexandre Borges dos Reis. Bahia: Wilcke, Picard e Cia., 1898, p. 348.
111 Correio do Povo, Salvador, 15 set. 1925, p. 2.
112 Almanak Administrativo, Indicador e Noticioso do Estado da Bahia para 1899 organizado por Antonio
Alexandre Borges dos Reis. Bahia: Wilcke, Picard e Cia., 1899, p. 422.
56
Geral. Ou seja, concomitantemente à direção da Associação Tipográfica Baiana ele comandou
a Sociedade Bolsa de Caridade. Prudêncio de Carvalho foi um dos 15 dirigentes da
Associação Tipográfica Baiana que era associada da SBC.
Figura 7 – Prudencio de Carvalho
Pres. do Diretório (1910-1925)
Fonte: RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de
existência. 1872-1922, Bahia: 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente
Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0603.
João Augusto Neiva, sócio honorário da Associação Tipográfica Baiana, foi membro
do conselho diretório do Monte Pio da Bahia em 1881113
, orador do Monte Pio dos
Artífices114
e diretor da Sociedade Baiana de 13 de Maio.115
O comendador Neiva foi um
importante político do fim do Império e início da República, exercendo cargos eletivos no
Legislativo provincial/estadual e nacional/federal entre 1882 e 1908. De origem humilde, foi
tipógrafo e jornalista, tendo atuado como redator de vários jornais. Em 1879 foi nomeado
oficial da Secretaria da Assembleia Provincial da Bahia, ocasião em que deixou a função de
protocolista da administração dos Correios. Aposentou-se em 1895 como diretor geral dessa
instituição. Obteve nova aposentadoria, desta vez como superintendente da Mesa de Debates
da Câmara, cargo que obteve em 1909, como consolo, após o insucesso nas eleições de 1908.
Um de seus filhos, o médico Artur Neiva, ficou conhecido como grande especialista em
113
O Monitor, Salvador, 11 ago. 1881, p. 1.
114 Cidade do Salvador, Salvador, jan. 1898, p. 1.
115 Pequeno Jornal, Salvador, 20 jan. 1892, p. 2.
57
malária, e chegou a ser nomeado interventor na Bahia no primeiro governo Vargas.116
Esse é
mais um exemplo da relação de interdependência entre políticos e associações de ajuda mútua
de trabalhadores. Fundada em 25 de março de 1897 nas dependências do Liceu de Artes e
Ofícios, a Sociedade Beneficente dos Alfaiates contou em sua administração com 12 sócios
da Bolsa de Caridade.117
O Club Beneficente dos Martyres e a Sociedade Beneficente União e
Amparo, contou cada uma, com 10 dirigentes membros da Sociedade Bolsa de Caridade.
Esses dados demonstram o quanto era comum o trânsito de um mesmo grupo de
pessoas na direção de diversas sociedades mutualistas de trabalhadores. Como vimos, 224
sócios da Bolsa de Caridade participaram do corpo administrativo de 30 associações de
auxílio mútuo. Porém, se os relatórios periódicos dessas associações estivessem disponíveis
nos arquivos em séries mais completas, certamente esse número seria ainda mais expressivo.
Para algumas associações só foi possível localizar o relatório de um único ano, ou mesmo
apenas a relação da diretoria eleita para determinado exercício. De qualquer maneira foi
possível apurar que 33 associados da Bolsa de Caridade participaram da administração de três
ou mais mutuais, sem contar a participação na administração da própria Sociedade Bolsa de
Caridade. Essas pessoas certamente contribuíram muito para o crescimento e manutenção das
sociedades de auxílio-mútuo em Salvador. Elas disponibilizaram tempo e esforço para o
sucesso do associativismo operário.
Com efeito, a administração de uma associação de ajuda mútua podia demandar muito
esforço e paciência dos membros do corpo diretivo. Os conselhos diretórios, via de regra, se
reuniam quinzenalmente. Ainda havia as reuniões das assembleias gerais ordinárias e
extraordinárias. Entre as tarefas administrativas habituais estavam o gerenciamento dos
recursos da agremiação, a administração dos conflitos, a manutenção dos registros e da
contabilidade, a conservação dos imóveis e do mausoléu da associação, o enterramento dos
sócios, a assistência aos enfermos, entre outras. Ainda era necessário captar recursos extras,
manter a credibilidade da associação em meio à opinião pública, representar a instituição nos
eventos, fazer as publicações de praxe na imprensa, manter contato com as autoridades,
escrever e enviar os relatórios anuais etc. Tudo isso sem receber remuneração extraordinária.
116
Disponível em https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/NEIVA, &20Jo%C3%A3o.
117 Almanak Administrativo, Indicador e Noticioso do Estado da Bahia para 1899 organizado por Antonio
Alexandre Borges dos Reis. Bahia: Wilcke, Picard e Cia., 1899, p. 453.
58
O CORPO DIRETIVO DA SOCIEDADE BOLSA DE CARIDADE
Além da intensa participação de seus membros na direção de outras mutuais, alguns
associados exerceram cargos administrativos na Sociedade Bolsa de Caridade por longo
período. Identifiquei 25 associados que atuaram como dirigentes dessa associação por mais de
dez anos, seja em anos seguidos, seja de forma intermitente. Nem os relatórios anuais da
associação, nem os jornais mencionam a existência de chapas de oposição, campanhas
eleitorais, disputas nas assembleias ou qualquer outro indício de concorrência para os cargos
administrativos dessa mutual, situação bem diferente do que foi apurado por Castellucci para
o Partido Operário da Bahia e o Centro Operário da Bahia, organizações nas quais havia forte
competição política entre dois grupos operários.118
Os estatutos estabeleciam que a eleição
dos funcionários da SBC fosse atribuição da Assembleia Geral sem detalhar seu
funcionamento, sendo vedada a recusa aos cargos sob pena de o filiado ter seus direitos
suspensos. Em face do silêncio das fontes não posso afirmar as razões que levaram esses
associados a permanecer por diversos exercícios, seguidos ou não, à frente de cargos na
agremiação. O fato é que um grupo político parece ter se estabelecido de modo burocrático na
direção da associação por longos anos, sobretudo a partir de 1910, como veremos adiante. Em
artigo onde questiona o caráter democrático das associações de ajuda mútua, Adhemar
Lourenço da Silva Júnior apontou para a existência de uma burocracia dirigente nessas
associações. Para tanto o autor analisou o funcionamento das assembleias e os procedimentos
eleitorais nas mutuais do Rio Grande do Sul. Corroboraria para a burocratização das mutuais
o fato de a Assembleia Geral, que seria a instância de democratização por excelência, ser
pouco frequentada.
Se o exercício de cargos, na entidade, nem sempre trazia prestígio ou
benefícios (a ponto de ser, amiúde, obrigatório) e, mesmo quando trazia,
impunha ao eleito tarefas (executadas também conforme regras) e
responsabilidades (pelas quais poderia ser cobrado e, mesmo, deposto) é
previsível que haja uma baixa renovação nos quadros de dirigentes.119
Ainda que o interesse para assumir os encargos inerentes à administração da
associação tenha sido pequeno a ponto de não haver registro de chapas concorrentes nas
118
CASTELLUCCI. Trabalhadores e política no Brasil, principalmente o capítulo 2.
119 SILVA JR. “Oligarquias em sociedades de socorros mútuos”, p. 94
59
eleições anuais, não acredito que essa explicação encerre a questão. Independente dos
interesses e motivações que levaram diversos associados a permanecerem por diversos
exercícios, contínuos ou intercalados, nos cargos administrativos da Bolsa de Caridade, o fato
é que eles dedicaram parte do seu tempo livre, sem contrapartida financeira oficial, à gestão
desta mutual. Foi o caso do sócio fundador, Antônio Borges Nogueira, que também era
vinculado ao Centro Operário da Bahia. Em 1890 ele ocupou o cargo de porteiro da Secretaria
do Senado120
, foi escrivão de paz em 1892121
, candidato a Juiz de Paz pela Chapa Federalista
da Freguesia dos Mares122
, tendo falecido no Rio de Janeiro, em fevereiro de 1927, onde
residia na ocasião. Além de fundador e reorganizador da associação123
ele assumiu cargos no
Conselho Diretório, sendo 1º secretário já em 1875 e presidente em 1883/84, 1884/85,
1887/88 e 1901/02; também presidiu a mesa da Assembleia Geral por mais de uma vez; e
entre 1882 e 1921, foi membro do Conselho Fiscal por dezessete exercícios. Foram pelo
menos 28 anos de atuação nas diversas esferas da gestão da SBC. Por sua dedicação recebeu o
título de benemérito e, após sua morte, teve seu retrato fixado no salão nobre da associação.124
Outro caso interessante foi o de Antonio Bento Guimarães, “artista” carapina, mestiço,
ex-mestre da oficina de obras brancas do extinto Arsenal de Guerra da Bahia125
, residente no
Distrito dos Mares, onde foi eleito Juiz de Paz por várias vezes entre 1876 e 1903.126
Nesse
sentido, vale a pena ler o comunicado publicado em 1876, ao ter sucesso em sua primeira
eleição:
Ao público
Quando organizamos a Chapa Popular de Artista – nesta paróquia – não
hasteamos a bandeira de nenhum dos partidos políticos militantes, quisemos
unicamente demonstrar que os artistas aqui residentes poderiam, unidos,
pleitearem os seus direitos nas urnas – fomos guiados apenas pelo espírito de
120
Almanak Administrativo, Indicador e Noticioso do Estado da Bahia para 1899 organizado por Antonio
Alexandre Borges dos Reis. Bahia: Wilcke, Picard e Cia., 1899.
121 Jornal de Notícias, Salvador, 17 jun. 1892, p. 1.
122 Jornal de Notícias, Salvador, 13 dez. 1892, p. 2.
123 Apesar de não ter seu nome como um dos fundadores nos Estatutos de 1872, ou no de 1879, ocasião da
primeira reforma dos estatutos, quando a associação se tornou uma mutual “aberta”, seu nome é citado em
diversos relatórios como um dos iniciadores e reorganizadores da Sociedade.
124 RELATÓRIO do exercício de 1926 a 1927 apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade
pelo presidente do diretório Florencio da Silva Friandes. Bahia: Imprensa Moderna, 1927, p. 10. Arquivo da
Sociedade Bolsa de Caridade.
125 Almanak Administrativo, Indicador e Noticioso do Estado da Bahia para 1898 organizado por Antonio
Alexandre Borges dos Reis. Bahia: Wilcke, Picard e Cia., 1898, p. 301.
126 Correio do Brasil, Salvador, 14 out. 1903, p. 2.
60
classe e uma vez por todas declaramos que não estamos adstritos nem aos
conservadores, nem aos liberais, temos compromissos e deveres de honra
para com os nossos dignos companheiros que nos elegeram, únicos dos quais
somos obrigados e aos quais agradecemos os esforços, constância e boa
vontade empregados. Saberemos cumprir com os nossos deveres.
Freguesia dos Mares, 7 de outubro de 1876.
Lucas Benício dos Santos
Antônio Bento Guimarães
Antonio Dias de Araujo Pinto.127
O discurso de Antônio Bento Guimarães e seus companheiros colocando seu mandato
a serviço dos “artistas” da paróquia dos Mares128
, aos quais ele atribuiu sua vitória, pode ser
um indício do potencial do associativismo mutualista para a eleição de trabalhadores no
âmbito municipal naquele momento. A intenção dos três artesãos era “demonstrar que os
artistas aqui residentes poderiam, unidos, pleitearem os seus direitos nas urnas”. Uma vez que
sua candidatura esteve desvinculada dos partidos existentes à época - “não hasteamos a
bandeira de nenhum dos partidos políticos militantes”, “fomos guiados apenas pelo espírito de
classe” -, é provável que seu nome tenha ganhado alguma projeção em virtude de sua atuação
junto à Sociedade Bolsa de Caridade e à Beneficente União das Classes.129
Entretanto, com o
advento da República os trabalhadores baianos buscaram fundar suas próprias organizações
políticas para participar dos pleitos eleitorais. Fundado por iniciativa de três “artistas”, o
Partido Operário tinha como objetivo declarado defender os interesses das “classes artísticas e
operárias”, por meio da conquista de cadeiras no parlamento.130
Por levantar a bandeira da
defesa dos trabalhadores qualificados, seu eleitorado potencial, Antonio Bento Guimarães
filiou-se à instituição, tendo integrado a comissão do Distrito dos Mares por esse partido.131
Porém, não se descuidou de sua atuação junto às associações de ajuda mútua. Além de ter
exercido a vice-presidência da Assembleia Geral da Sociedade Beneficente União das Classes
de 1897 a 1899 e em 1903132
, ele prestou serviços enquanto membro do corpo dirigente da
127
O Monitor, Salvador, 8 out. 1876, p. 3.
128 A partir de 1892 os estatutos estabeleciam que a sede da agremiação ficasse circunscrita às freguesias dos
Mares e Pilar, provavelmente por estarem concentrados aí os seus associados.
129 Para uma análise específica da participação dos trabalhadores nas eleições imperiais, cf. CASTELLUCCI,
Aldrin A. S. “Muitos votantes e poucos eleitores: a difícil conquista da cidadania operária no Brasil Império
(Salvador, 1850-1881)”. Varia Historia (UFMG), Belo Horizonte, v. 30, n. 52, p. 183-206, jan./abr. 2014.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-87752014000100009
130 CASTELLUCCI, Aldrin A. S. Trabalhadores e política no Brasil: do aprendizado do Império aos sucessos
da Primeira República. Salvador: EDUNEB, 2015, p. 48.
131 Pequeno Jornal, Salvador 21 jan. 1891, p. 2.
132 Almanaque Administrativo, Indicador, Noticioso, Comercial e Literário do Estado da Bahia Para o ano de
1903. Bahia: Reis e Cia., 1903, p. 472.
61
Sociedade Bolsa de Caridade, nas funções de tesoureiro, vice-presidente da assembleia geral,
presidente e vice-presidente do diretório, entre 1875 e 1904.
Segundo Silva Jr. “Em qualquer associação, os grupos dirigentes obtêm tal posição por
meio do manejo de pelo menos um de dois tipos de recursos: o prestígio externo à associação
e o prestígio interno”.133
Ainda que a dimensão mais evidenciada na atuação da Sociedade
Bolsa de Caridade fosse o previdenciário e, enquanto instituição procurasse manter-se
afastada das disputas eleitorais, é bem provável que os associados canalizassem seus votos
nos pleitos municipais para pessoas que fossem identificadas como representantes dos seus
interesses, senão ainda enquanto classe social, pelo menos enquanto membro da mesma
agremiação de ajuda mútua. Assim, não somente o prestígio interno de um membro da
direção tinha o potencial de alçá-lo a um cargo eletivo municipal, como o prestígio externo de
tais cargos retroalimentava as eleições nas associações de ajuda mútua.
Mas como o capital político nem sempre é revertido em capital financeiro, o exercício
de cargos junto às sociedades de ajuda mútua e mesmo no Juizado de Paz não parece ter
trazido vantagens financeiras para o “artista” Antonio Bento Guimarães. Em agosto de 1907,
aos 58 anos, meses depois de se casar com sua companheira de longos anos, Joana Gualberto
Barbosa Guimarães, ele faleceu sem deixar bens imóveis, restando à viúva apenas 1:241$930
em dinheiro a receber na Delegacia Fiscal e os móveis de sua residência, avaliados em
485$000. Apesar do casamento tardio realizado às vésperas da sua morte sugerir a vontade de
proteger a companheira, não encontrei outros registros nesse sentido. A viúva tinha 38 anos,
era analfabeta e seu nome não constava na lista de associadas da SBC.
Antonio Epiphanio de Góes, mestre de oficina de maquinista do Arsenal de Guerra da
Bahia134
, sócio fundador da Sociedade Bolsa de Caridade, foi um dos três trabalhadores que
assinou os Estatutos reformados de 1879. Em 1872 seu nome já constava como eleitor do
distrito dos Mares para o ano de 1873, status bem superior ao de simples votante do
Império.135
Pois bem, esse associado de matrícula número 4, prestou serviços à Sociedade
Bolsa de Caridade entre 1876 e 1889 na qualidade de secretário e presidente do diretório,
133
SILVA JUNIOR. “As sociedades de socorros mútuos”, p. 253.
134 Almanak Administrativo, Indicador e Noticioso do Estado da Bahia para 1898 organizado por Antonio
Alexandre Borges dos Reis. Bahia: Wilcke, Picard e Cia., 1898, p. 300.
135 Almanak Administrativo, Commercial e Industrial da Província da Bahia Para o anno de 1873,
Quinquagesimo Segundo da Independencia e do Imperio, compilado por Albino Rodrigues Pimenta, Bacharel
em Direito e Chefe da Secção da Secretaria da Presidência. Anno I. Bahia: Typographia Oliveira Mendes & C.,
1872, p. 231.
62
membro da comissão fiscal e recebedor. O seu empenho para o sucesso dessa associação
mutual, aliada a sua condição de eleitor do distrito dos Mares, sugere que o seu voto pode ter
contribuído para a primeira eleição do seu colega da SBC, Antônio Bento Guimarães. Ou
seja, poderia ser um dos que buscaram investir, no âmbito municipal, na eleição de seus iguais
para defender os interesses dos trabalhadores qualificados.
Já o sócio benemérito Antonio Nogueira da Silva foi homenageado em um dos
relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade por sua dedicação ao engrandecimento da
associação.136
Ele associou-se à agremiação em setembro de 1894 e oito anos depois foi eleito
para o seu primeiro cargo, o de visitador, função que exerceu por dezenove exercícios, sendo
de forma ininterrupta entre 1912 e 1926. Como o nome indica, o visitador tinha o dever de
visitar quinzenalmente os sócios enfermos para confirmar seu estado de saúde bem como
entregar-lhes os valores dos benefícios. Além do cargo acima ele também exerceu a função de
1º e 2º secretário da Assembleia Geral. Não fosse sua dedicação às associações de ajuda
mútua seria improvável encontrar algum registro de sua trajetória.
O artista João Pedro de Abreu Farias ocupou o posto de recebedor de 1900 até 18 de
outubro de 1907, data em que faleceu. Todos os seus filhos homens associaram-se a
Sociedade Bolsa de Caridade, tendo o bacharel Gelásio de Abreu Farias participado da equipe
gestora da agremiação. Seu irmão, Acylino de Abreu Farias, cirurgião dentista, seguiu os
passos do pai e assumiu a função de recebedor entre 1925 e 1929. O filho mais novo, José de
Abreu Farias, não ocupou cargos na associação e era empregado da “Chemins de Fer”.
José Prudencio Ferreira de Carvalho, mais conhecido como Prudencio de Carvalho,
tipógrafo cujo discurso foi citado no início deste capítulo, foi proprietário da tipografia
Imprensa Moderna de 1896 a 1903.137
Posteriormente assumiu a direção da Tipografia e
Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, cujo maquinário fora transferido, sob contrato, de
sua antiga tipografia. Foi premiado com medalha de ouro na Exposição Nacional realizada no
Rio de Janeiro em 1908138
e fez constar esse feito nas capas dos relatórios impressos pelo
136
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de existência. 1872-1922. O seu movimento
no exercício de 1921 a 1922, relatado pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho, em Assembleia
Geral de 20 de junho de 1922 e na mesma unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu
de Artes Ofícios, 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0603.
137 Almanaque Administrativo, Indicador, Noticioso, Comercial e Literário do Estado da Bahia Para o ano de
1903. Bahia: Reis e Cia., 1903, p. 585.
138 A Bahia foi um dos quatro estados brasileiros a montar um pavilhão (estande) exclusivo, construído no tempo
recorde de três meses para exibir os seus produtos na Exposição Nacional do Rio de Janeiro. Promovida pelo
Governo Federal para comemorar o centenário do Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas e fazer um
63
Liceu de Artes, onde seu contrato permaneceu vigente até 1925. Não é demais lembrar que
esse personagem imprimiu os relatórios de inúmeras associações de socorros mútuos entre o
final do século XIX e as três primeiras décadas do século XX. Conforme já dito
anteriormente, ele fez parte do corpo diretivo de pelo menos oito associações de ajuda mútua,
entre elas da Sociedade Bolsa de Caridade, onde ocupou a presidência do diretório entre 1910
e 1925.
Durante a sua gestão Prudencio de Carvalho montou, por assim dizer, uma equipe
gestora que o acompanhou por 15 anos. Entre 1910 e 1925 poucos foram os cargos onde
houve alternância de nomes, e ainda assim, em função de doença, morte ou “força maior”.
Além do tipografo Prudêncio de Carvalho na presidência, o Conselho Diretório foi composto
por: Cândido Honório Pinto, vice-presidente de 1911 a 1923; pelo carapina Florêncio da Silva
Friandes, 1º secretário de 1910 a 1925; Miguel Archanjo de Souza, 2º secretário de 1910 a
1925; pelo empregado público Liberato José de Freitas, tesoureiro de 1910 a 1925; Liberato
Gomes dos Anjos, recebedor de 1910 a 1925; Antônio Nogueira da Silva, visitador de 1913 a
1926; Genésio Américo de Lacerda, arquivista, de 1906 a 1914, sendo substituído pelo
mecânico José Zacharias dos Santos (Figura 11); além dos síndicos Honorato de Britto Lima
(Figura 8), e Faustino do Sacramento Senna (Figura 9). O síndico tinha a função de verificar
se os candidatos a sócios efetivos, propostos ao Conselho, cumpriam as exigências
estatutárias.
Figura 8 – Honorato de Britto Lima Figura 9 – Faustino do Sacramento Senna
inventário da economia do país à época. Teve lugar entre 11 de Agosto e 15 de novembro de 1908, constituindo-
se numa ampla exibição de produtos naturais e manufaturados, oriundos dos principais estados brasileiros.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Exposição_Nacional_Comemorativa_do_1º_Centenário_da_Abertura_dos_Portos_
do_Brasil
64
Fonte: RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de
existência. 1872-1922, Bahia: 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente
Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0603, p. 4.
Pouco pude apurar sobre esses dirigentes. De todo modo, o silêncio das fontes parece
indicar que seriam pessoas ligadas ao mundo do trabalho. Os membros do Conselho Diretório
deveriam dedicar pelo menos duas noites por mês às reuniões do Conselho Diretório,
cabendo-lhes cuidar das tarefas administrativas, incluindo inventário, contabilidade, listas de
sócios, diplomas, concessão e suspensão de benefícios, admissão de sócios, entre outras, sem
que houvesse qualquer ajuda de custo. Certamente havia ganhos indiretos, como comprova a
preferência dada à tipografia dirigida por Prudêncio de Carvalho.
Nesse mesmo período os cargos da mesa da Assembleia Geral foram ocupados
majoritariamente por profissionais liberais que se reversavam nos cargos, em especial na
presidência e vice-presidência. As sessões da Assembleia Geral podiam ser magnas,
ordinárias e extraordinárias. As assembleias ordinárias deveriam ser convocadas a cada quatro
meses para exibição de balancete ou balanço, discussão do relatório e posse dos funcionários
eleitos. As extraordinárias seriam as que os interesses sociais exigissem a convocação e as
magnas seriam as comemorativas de aniversário da associação. Portanto, a carga de trabalho
era consideravelmente menor do que a dos membros do Conselho Diretório.
Figura 10 – Prof. Presciliano José Leal Figura 11- José Zacharias dos Santos
Presid. Assembleia (1911-1916) Arquivista (1916-1928)
Fonte: RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de
existência. 1872-1922, Bahia: 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente
Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0603, p. 4.
65
Presidiu a Assembleia Geral entre 1911 e 1916 o professor Presciliano Leal (Figura
10), sendo substituído pelo misto de comerciante e político, coronel Antônio Freitas da Silva,
que permaneceu no cargo até 1926. Entre 1911 e 1916 Freitas havia ocupado a 1ª vice-
presidência da Assembleia, sendo substituído pelo médico Edgar Ferreira de Barros que
ocupou o posto por quatro anos, até 1920. O bacharel e professor Gelásio de Abreu Farias
substituiu o Dr. Barros na vice-presidência da Assembleia. Na 2ª vice-presidência constam
nomes com Eulogio Pinheiro Requião, o artista e juiz de paz, Manuel de Albuquerque Lisboa,
o oficial maior da Secretaria do Conselho Municipal Miguel Archanjo Custódio de Senna,
João Marçal de Magalhães e dos médicos Annibal Muniz Silvany e Otto Rodrigues Pimenta.
O médico Annibal Silvany era irmão do farmacêutico Arnaldo Muniz Silvany, que foi
Conselheiro Municipal e candidato pela oposição a deputado.139
Nos quinze anos em que Prudêncio de Carvalho ficou à frente do Diretório os
principais cargos da Assembleia Geral foram ocupados por membros das duas categorias
emblemáticas do fenômeno clientelista: políticos e médicos. Estes últimos não cobravam
pelos serviços prestados aos associados da Bolsa de Caridade e era comum que integrassem a
diretoria de várias outras associações, fossem de socorros mútuos ou filantrópicas. Adhemar
Lourenço da Silva Júnior encontrou situação similar em sua pesquisa no Rio Grande do Sul:
“Contudo, era frequente que médicos exercessem gratuitamente suas atividades nas entidades.
Não havendo remuneração contratada, compensações simbólicas obtém relevo, tal como
também acontece em relações clientelares de troca de favores (...)”.140
Talvez não fosse
precipitado sugerir que justamente àquela que poderia ser a mais soberana instância
deliberativa, concebida como espaço democrático de autonomia e participação, refletisse as
relações heterônimas e clientelares que perpassavam a associação.
Já a Comissão Fiscal foi composta basicamente pelo sócio fundador e benemérito, o
Major Antonio Borges Nogueira, que exercia a função de porteiro da secretaria do Senado
Estadual desde 1890; pelo também negro, Faustino da Silva Friandes (Figura 12); pelo sócio
benemérito, pardo, major Herculano Brittes Guimarães (Figura 13) e pelo sócio benemérito,
de cor branca, Capitão da Guarda Nacional, Euthymio da Cruz Baptista, que devia ter uma
boa condição de vida, posto que ao morrer em 1940, aos 68 anos, deixou vários imóveis para
a família, como já mencionei neste mesmo capítulo.
139
A Notícia, Salvador, 22 dez. 1914, p. 3; 15 out. 1915, p. 3.
140 SILVA JÚNIOR, “As sociedades de socorros mútuos”, p. 367.
66
Figura 12 – Faustino da Silva Friandes Figura 13 - Herculano Brittes Guimarães
Comissão Fiscal (1910-1920) Benemérito. Com. Fiscal (1910-1920)
Fonte: RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de
existência. 1872-1922, Bahia: 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente
Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0603, p. 4.
De qualquer modo, é importante notar que tanto o Conselho Diretório, quanto a
Comissão Fiscal da associação tiveram o predomínio de trabalhadores durante todo o período
pesquisado, apesar da presença de sócios pertencentes a outras classes sociais no corpo geral
de sócios da SBC. Apenas a Assembleia Geral fugiu a esse padrão após 1910, quando passou
eleger preferencialmente, políticos e profissionais liberais para os seus principais cargos.
Entretanto, é preciso reconhecer a heterogeneidade dos trabalhadores associados. Mesmo
entre os “artistas” a diferença de posses e de acesso a cultura formal podia ser grande. O
próprio Prudêncio de Carvalho não era um simples tipógrafo, mas possuidor dos maquinários
e proprietário de tipografia.
É preciso ainda citar outros trabalhadores que dedicaram longos anos de suas vidas à
Sociedade Bolsa de Caridade. Gente como Candido Honório Pinto, que ocupou a vice-
presidência do Diretório entre 1911 e 1922; Cesláo Joaquim de Santana, que entre 1884 e
1894 ocupou diversos cargos no Conselho Diretório; Genésio Américo de Lacerda que foi
recebedor e arquivista entre 1885 e 1914; o funcionário público Liberato José de Freitas, que
também ocupou diversos cargos entre 1886 e 1925 e Liberato Gomes dos Anjos que foi
recebedor entre 1908 e 1925. Como a imensa maioria dos associados limitava-se a pagar as
67
joias e mensalidades, foram pessoas como essas que tornaram possível o sucesso e
longevidade da associação.
Em resumo, a Sociedade Bolsa de Caridade era uma associação de trabalhadores que
tinha como finalidade o auxílio-mútuo na forma de benefícios previdenciários específicos: o
auxílio funeral, o auxílio na doença e as pensões. Essa sociedade mutualista contava com a
adesão de indivíduos pertencentes a classes sociais, que não precisavam do amparo financeiro
dessa instituição, integrando-a em razão da cultura paternalista e das práticas clientelistas que
permeavam as relações sociais no Brasil do período. A título de exemplo cito a entrega do
título de sócio benemérito aos deputados provinciais Antônio Bahia da Silva Araujo e
Alexandre Herculano Ladislão, apontados como os responsáveis pela subvenção estatal no
valor de 1:000$000 aprovada em 21 de julho de 1888.141
Este último faleceu pouco tempo
depois, tendo sua viúva, fato incomum, requerido os socorros da associação, tendo recebido
os 100$000 do auxílio funeral como determinava os estatutos.142
Apesar de sua composição pluriclassista, é plausível classificá-la como integrante do
associativismo operário, não só em razão de ter sido fundada por trabalhadores para
ajudarem-se mutuamente, como por ter seu corpo diretivo fundamentalmente ocupado por
artesãos, mestres de ofício e pequenos funcionários públicos, e especialmente por sua base de
sustentação econômica: as mensalidades dos associados, ainda que tenha contando com
subvenção estatal por um período de 16 anos, dos 57 em análise.
A adesão de membros da classe média ou das elites econômicas e políticas,
notadamente dos profissionais liberais e dos políticos, certamente contribuiu para disseminar
a ideia da cooperação entre as classes sociais, mas não poderia apagar a experiência de se
saber trabalhador e do lugar que este ocupava no mundo de então. A Bolsa de Caridade não
foi uma associação criada pela elite para fazer caridade aos mais pobres, não era o produto de
relações verticais. Era uma associação operária que se sustentava a si mesma, fundada em
relações de solidariedade horizontais. Apesar das relações clientelistas e paternalistas
imporem limites à ação de seus membros, elas não comprometiam integralmente a autonomia
da associação. Mesmo porque a autonomia total não era uma aspiração da associação visto
que contou em sua história com subvenção estatal direta, isenção de impostos e serviços
médicos gratuitos para os seus associados. Além disso, não só os Estatutos dispunham de
141
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade apresentado em sessão de 12 de maio de 1889 pelo presidente
do conselho Elpídio Adolpho de Menezes. Bahia: 1889, p. 5. Arquivos da Sociedade Bolsa de Caridade.
142 RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade apresentado em sessão de 11 de maio de 1890 pelo presidente
do conselho Elpídio Adolpho de Menezes. Bahia: 1890, p. 8. Arquivos da Sociedade Bolsa de Caridade.
68
mecanismos garantidores de autonomia, a exemplo da Assembleia Geral, como também a
solidez financeira da associação, respaldada majoritariamente na contribuição dos sócios, lhe
dava certa independência, como se verá no próximo capítulo. Por outro lado, a participação
das elites nas associações de trabalhadores, em última análise, também revela os limites da
autonomia política das classes dominantes.
A percepção do potencial das sociedades de ajuda mútua enquanto base eleitoral, visto
que congregassem fundamentalmente artífices, mestres de ofício e pequenos funcionários
públicos, não é suficiente para explicar o grande número de associados da Bolsa de Caridade
partícipes do quadro diretivo de diversas mutuais, quase sempre concomitantemente e, muitas
vezes, por longos períodos. Apenas 5% deles disputaram eleições, fato que deixa sem
explicação a motivação dos outros 95%. Com efeito, dos 224 associados da Bolsa de Caridade
que exerceram cargos na administração de outras sociedades de ajuda mútua, identifiquei
apenas quatorze que pleitearam, com ou sem sucesso, cargos eletivos. São eles: o carapina
Antônio Bento Guimarães e o Major Antônio Borges Nogueira, eleitos juízes de paz pelo
Distrito dos Mares; os alfaiates Francisco de Assis Baptista143
e Aurélio Sebastião Cardoso,
eleitos juiz de paz pelo Distrito da Sé144
; o negociante coronel Antonio Freitas da Silva, eleito
conselheiro municipal;145
o artista, político, professor, funcionário público e intelectual
Manoel Raimundo Querino, eleito conselheiro municipal por duas legislaturas pelo Partido
Operário;146
o rábula, conselheiro municipal e deputado estadual Major Cosme de Farias;147
o
chefe de obras de pedreiro da Linha Circular, tenente Fernando da Costa Barros, juiz de
paz;148
o jornalista e comendador João Augusto Neiva, vereador, deputado estadual e
federal;149
O capitão João Pompílio de Abreu, juiz de paz da Conceição da Praia150
; o artista
armador, candidato a juiz de paz pelo Centro Operário da Bahia, João Pedro Rodrigues
143
Correio da Bahia, Salvador, 30 dez 1877, p. 3.
144 CASTELLUCCI, Trabalhadores e Política no Brasil, p. 128.
145 Almanaque Administrativo, Indicador, Noticioso, Comercial e Literário do Estado da Bahia Para o ano de
1903. Bahia: Reis e Cia., 1903, p. 425.
146 LEAL, Maria das Graças de Andrade. “Manuel Querino entre letras e lutas – Bahia: 1851-1923”. (Tese de
doutorado em História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2004).
147 CELESTINO, Mônica. “Breve síntese das relações entre o Major Cosme de Farias e a vida cultural de
Salvador no século XX”. In: III ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, 2007, UFBA,
Salvador. http://www.cult.ufba.br/enecult2007/MonicaCelestino.pdf, acesso em 11 maio 2019.
148 Diário de Notícias, Salvador, 15 out. 1907, p. 5.
149 O Monitor, Salvador, 10 set. 1876, p. 3. Correio do Brasil, Salvador, 25 abr. 1905, p. 1.
150 Gazeta de Notícias, Salvador, 11 set. 1912, p. 1.
69
Lima151
; Manuel Albuquerque Lisboa, eleito juiz de paz pela freguesia do Pilar;152
o ferreiro
Francisco Luiz Azevedo, eleito conselheiro municipal e o tipografo Paulino dos Santos
Piedade candidato a uma vaga na Junta Distrital da Sé.153
Alguns trabalhadores perceberam que participar da direção das associações de
socorros mútuos poderia lhes render benefícios. O prestígio ou o poder inerente ao cargo
também poderia ser usado para obter privilégios no mercado de trabalho. É provável que tanto
o tipógrafo Prudencio de Carvalho quanto o armador João Pedro Rodrigues Lima tenham sido
beneficiados em razão dos cargos que ocupavam, posto que ambos costumavam prestar
serviços a diversas associações das quais eles próprios eram dirigentes. Outra característica
em comum é que os dois eram proprietários dos seus instrumentos de trabalho e
possivelmente tinham outros trabalhadores a seus serviços, fosse de forma permanente ou
temporária. Apesar de ter identificado apenas esses dois exemplos, acredito que essa não
devia ser uma situação incomum.
Porém, a expressiva participação de associados da Bolsa de Caridade na direção de
outras sociedades de ajuda mútua não pode ser explicada apenas em função das relações
paternalistas e clientelistas, comuns às associações mutuais, ou pela possibilidade de auferir
vantagens no mercado de trabalho. Há que se considerar a participação dos trabalhadores e o
seu protagonismo no esforço para fundar e manter as associações de ajuda mútua, vistas como
um espaço de proteção, socialização e reforço de laços identitários para uma parcela da classe
trabalhadora.154
O prestígio do cargo, a participação voluntária, a militância em prol da ampliação da
cidadania dos trabalhadores e da solidariedade, também ajudam a entender as motivações que
levaram esses trabalhadores a dedicar seu tempo livre à causa mutualista.
151
A Notícia, Salvador, 11 nov. 1915, p. 2.
152 Almanak Administrativo, Indicador e Noticioso do Estado da Bahia para 1899 organizado por Antonio
Alexandre Borges dos Reis. Bahia: Wilcke, Picard e Cia., 1899, p. 367.
153 CASTELLUCCI. Trabalhadores e política no Brasil, p. 181.
154 Claudio Batalha afirma que a ideia de que o associativismo, de forma geral, contribuiu para reforçar os laços
identitários é largamente aceita pela historiografia. Porém, poucas sociedades mutualistas de trabalhadores
contribuíram efetivamente para a “construção de uma identidade de classe, essencial no processo de formação da
classe operária”. BATALHA, Claudio H.M. “Relançando o debate sobre o mutualismo no Brasil: as relações
entre corporações, irmandades, sociedades mutualistas de trabalhadores e sindicatos à luz da produção recente”.
Revista Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 2, n. 4, 2010. Ele também afirma que sendo o movimento
operário complexo e dinâmico, algumas mutuais se limitaram ao discurso de nobilitação do trabalho, enquanto
outras explicitaram um discurso de identidade de ofício e até mesmo de classe. BATALHA, Claudio.
“Sociedades de trabalhadores no Rio de Janeiro do século XIX, p. 65.
70
CAPÍTULO 2:
A AUTONOMIA POSSÍVEL
O trabalho da Comissão Fiscal da Sociedade Bolsa de Caridade, na
verificação de suas contas, é um exercício que enche de animação e de
entusiasmo aos que o executam porque nele têm-se a prova exuberante de
que nas camadas populares da Bahia existem, ainda, nos atuais tempos de
desinteresse e de maldade, homens capazes de dirigirem e orientarem com
honestidade instituições cujo apoio único é o concurso diminuto, mas certo e
constante, dos próprios homens do povo e da humilde classe dos trabalhistas,
os quais lhe acorrem às fileiras na convicção plena de, no infortúnio ou na
velhice, acharem o alento, o auxílio e a solidariedade confortadora.155
Em desobediência à praxe de emitir apenas parecer técnico aprovando ou
desaprovando as contas apresentadas pelo Conselho Diretório, a Comissão Fiscal fez questão
de deixar registrado em seu parecer os elogios acima transcritos. O relator da citada comissão
afirmou ainda acreditar no crescimento contínuo da associação, desde que houvesse um
“rejuvenescimento nas suas fileiras combatentes e de se oferecer melhores vantagens nos seus
benefícios”. A preocupação com a renovação dos seus quadros não era nenhuma novidade,
sendo uma constante nas diversas diretorias da associação. Singular foi a direção reconhecer,
e a comissão fiscal endossar, a necessidade premente de majorar o valor dos benefícios pagos
aos sócios. Em 1930, ao completar 57 anos de existência, a associação sentiu o peso da idade,
por assim dizer. Seus dirigentes perceberam a gravidade da crise que se aproximava. E apesar
de reconhecer o empenho, lisura e competência dos trabalhadores na gestão dos recursos da
associação, a Comissão Fiscal intuiu que isso não seria suficiente para assegurar a
manutenção de sua finalidade: amparar com alguma dignidade os associados que viessem a
necessitar.
Como já discutido na Introdução desta dissertação, ainda que os trabalhadores
buscassem as sociedades mutualistas enquanto espaços de construção de identidades –
identidades de ofício, nação, cor etc. - e muitas atuassem para além das ações puramente
securitárias, “não se pode esquecer que seu fim essencial era a gestão dos fundos dos
sócios”.156
Os dirigentes da Sociedade Bolsa de Caridade pareciam compreender bem esse
aspecto. Ainda em 1919, ao tratar das finanças da entidade, o tipógrafo Prudencio de
155
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade apresentado pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de
Carvalho em sessão de Assembleia Geral de 19 de junho de 1930, relativo ao exercício de 1º de maio de 1929 a
30 de abril de 1930. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade, p. 13.
156 RALLE, Michel. “A função da Proteção Mutualista na Construção de uma Identidade Operária na Espanha
(1870-1910)”. Cadernos AEL. Campinas, v. 6, nº 10/11, p. 13-38, 1999.
71
Carvalho, presidente do Diretório afirmou que “é a parte mais importante de qualquer
instituição, e para onde convergem todas as vistas”.157
Para o estudo de caso em questão se
fez necessário compreender não só a importância dos auxílios prestados pela organização ao
seu heterogêneo quadro de associados, como também o tipo e o grau de eficácia da gestão
implementada sobre os bens e recursos da associação. Este capítulo é dedicado à análise dessa
questão, dando-se ênfase ao exame dos resultados produzidos pela forma como os recursos da
associação foram geridos por seu corpo diretivo. Em outras palavras, pretende-se analisar os
níveis de eficiência da ação securitária da Sociedade Bolsa de Caridade. Meu objetivo é aferir
a capacidade da SBC para conquistar e manter relativa autonomia econômico-financeira ao
longo de sua trajetória.
Considerando que uma das formas de autofinanciamento e, portanto, de autonomia,
era a verba oriunda de mensalidades e joias obtidas com o ingresso de novos sócios, principiei
a investigação sobre a eficácia da gestão securitária da associação pela análise dessa fonte de
receita. Segundo Adhemar Lourenço da Silva Júnior, o crescimento do quadro de sócios era
de suma importância para as associações de ajuda mútua. Os seus dirigentes esperavam que
os novos associados permanecessem contribuindo por tempo suficiente para custear os gastos
com os socorros oferecidos. Para tanto, tais associações costumavam estabelecer rígidos
critérios para a admissão de novos membros. Respeitada a idade mínima e a máxima
estabelecida por cada associação em seus estatutos, os candidatos ainda precisavam gozar de
bom conceito social e de boa saúde. As associações “fechadas”, isto é, aquelas que fixavam
critérios estritos para a filiação, como classe social, categoria profissional, nacionalidade, cor,
exigiam dos aspirantes outros critérios além da capacidade de pagamento das joias e
mensalidades. Desse modo, ao menos em concepção, os membros mais antigos seriam
sustentados pelo constante crescimento do quadro social da mutual. Daí o esforço dos
dirigentes para a captação de associados que contribuíssem com a receita da associação.158
Porém, diferentemente das seguradoras e de outras entidades de previdência privada,
a credibilidade de uma sociedade de ajuda mútua estava assentada em critérios que iam muito
além da mera questão econômica. Não apenas porque sua existência pressupunha o
envolvimento direto de pelo menos parte dos associados, mas também porque esse tipo de
157
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1918 a 1919 apresentado pelo presidente do
diretório J. Prudencio F. de Carvalho em de 27 de junho de 1919 e na mesma unanimemente aprovado. Bahia:
Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1919, p. 22. Arquivo da
Sociedade Bolsa de Caridade.
158 SILVA JUNIOR. “As sociedades de socorros mútuos: estratégias privadas e públicas (estudo centrado no Rio
Grande do Sul-Brasil, 1854-1940)”. Tese de doutorado em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, p. 123-124.
72
organização gravitava em torno de rituais e tradições que marcavam seu cotidiano.
Provavelmente muitos dos protocolos habituais das associações de ajuda mútua foram
herdados da experiência dos trabalhadores nas irmandades e corporações de ofícios. Assim, o
cumprimento do cronograma de reuniões do Conselho Diretório e das Assembleias Gerais que
deveriam obedecer aos preceitos da tradição e das disposições estatutárias, os critérios para
admissão, exclusão e socorros aos associados, a conduta dos seus membros dentro e fora da
associação, as obrigações mútuas, as relações sociais horizontais e verticais, além da
eficiência e rapidez na prestação dos socorros eram essenciais para o conceito que a
associação gozaria junto ao público. Enfim, além da confiança na capacidade de prestar os
socorros prometidos, o “processo de produção e reprodução de discursos integrantes da
identidade dos grupos sociais” era essencial para a manutenção e crescimento do quadro
social das associações de ajuda mútua.159
Devido ao potencial para atingir grande número de pessoas, era comum que as
mutuais publicassem anúncios nos jornais de grande circulação ou naqueles direcionados a
um determinado segmento da população. A repetição de anúncios por vários meses
consecutivos ilustra bem a estratégia de buscar captar associados via publicidade na imprensa
escrita. A título de exemplo, entre outubro de 1914 e janeiro de 1915 cinco associações de
ajuda mútua publicaram diversos anúncios no jornal A Notícia: Nosso programa – nossa rota,
nosso escopo (BA), entre elas a Sociedade Bolsa de Caridade:
Sociedade Bolsa de Caridade
Fundada em 1872
Fundo: 135:396$108
Funciona em prédio próprio à rua do Carmo n.42.
Contribuições: 20$000 de joia; mensalidade 1$000.
Auxílios: 30$000 ao sócio enfermo; funeral 100$000, 150$000 e 200$000,
conforme a antiguidade do sócio e um jazigo na Quinta dos lázaros.
O diretório reúne-se nos dias 15 e 30 de cada mês. 160
Observe o leitor que o anúncio destacava o ano da fundação, o valor do fundo social
(patrimônio) e o fato de possuir prédio próprio. Todos esses fatores buscavam demonstrar a
tradição e solidez da associação visto que na data do anúncio em questão a mutual já atuava
há mais de 40 anos junto aos trabalhadores de Salvador, era proprietária da edificação onde
funcionava sua sede social, e contava com recursos acumulados que poderiam ser usados em
caso de necessidade. O fato de o anúncio citar as reuniões ordinárias do Diretório, inclusive
159
SILVA JUNIOR. “As sociedades de socorros mútuos”, p. 128.
160 A Notícia, Salvador, 1 out. 1914, p. 4.
73
especificando as datas, poderia indicar a tentativa de se apresentar enquanto uma entidade
dotada de seriedade e compromisso com o esforço de funcionamento regular e respeito às
regras estatutárias. Esse detalhamento de informações era comum nos anúncios de diversas
associações de ajuda mútua à época. No Quadro 2 consta um resumo da relação custo x
benefício retirado dos anúncios acima citados.
Quadro 2 – Comparativo entre mutuais quanto as contribuição dos sócios e os auxílios em
1914. Valores em mil-réis.
NOME DA MUTUAL
Fu
nd
açã
o
CONTRIBUIÇÃO DOS
SÓCIOS
AUXÍLIO AOS
SÓCIOS *
Joia
Dip
lom
a
Men
salid
ad
e
Doen
ça
Pen
são
Fu
nera
l
Ass. Tipográfica Baiana 1871
20 2 1 29 10 70
Soc. B. dos Açougueiros 1910
10 2 1 30 60
Soc. Benef. de Santana 1896
10 1 1 15 10 50
Soc. Bolsa dos Patriotas 1895
20 s/custo 1 30 15 60
Soc. Bolsa de Caridade 1872
20 s/ inf.
1 30 s/ inf. 100 a
200
Fonte: A Notícia, Salvador, 30 out. 1914, p. 5.
*Via de regra, o auxílio ao sócio enfermo tinha a duração de um ano. Findo esse prazo o sócio
passava a categoria de pensionista cujo valor do auxílio era menor.
Pela observação do Quadro 2 pode-se perceber que com exceção da Sociedade
Beneficente de Santana, os auxílios aos sócios enfermos tinham valores semelhantes. Já nos
auxílios para funeral a Sociedade Bolsa de Caridade oferecia um valor bastante superior e, a
depender da antiguidade do associado, esse valor poderia ser três vezes maior do que a média
das demais associações. O valor das mensalidades era exatamente o mesmo para todas as
associações (1$000), mas o valor das joias cobradas variava em até 100%, entre 10$000 e
20$000. Segundo Ronaldo Pereira de Jesus, a maioria das sociedades de ajuda mútua no
século XIX cobrava 1$000 (mil reis) de mensalidade e 20$000 de joias, embora as joias
74
variassem mais do que as mensalidades.161
Considerando o Quadro 2 parece que esses dados
também são válidos para os trinta primeiros anos do século XX na Bahia.
Além dos auxílios constantes no Quadro 2, Associação Tipográfica Baiana, mutual
fechada por ofício, oferecia auxílio médico, auxílio farmácia e jazigo para o sócio finado e sua
viúva no cemitério da Quinta dos Lázaros. Além disso, viúva e filhos solteiros teriam direito a
uma pensão no valor de 8$000 cada. A ATB oferecia, ainda, aulas de português e aritmética, e
franqueava sua biblioteca aos associados e ao público em geral. A Sociedade Beneficente dos
Açougueiros também era uma mutual de ofício fechada, ou seja, era exclusiva para
açougueiros. O diferencial do seu anúncio no jornal é que oferecia 15$000 mensais ao sócio
presidiário, auxílio pouco frequente entre as mutuais. Na realidade, o mais comum era que as
associações custeassem as despesas com honorários advocatícios enquanto não houvesse
sentença condenatória definitiva.162
A Beneficente de Santana estendia o auxílio pensão para a
viúva ou mãe do sócio extinto, porém o auxílio ao associado enfermo diminuía de 15$000
para 10$000 após seis meses de socorros. A Bolsa dos Patriotas também diminuía o valor do
auxílio aos sócios enfermos após seis meses, quando o socorro caía pela metade, de 30$000
para 15$000. A Bolsa de Caridade oferecia um jazigo no cemitério da Quinta dos Lázaros e o
valor do auxílio funeral variava de acordo com a antiguidade do associado.163
Ao se considerar apenas os aspectos econômico-financeiros das sociedades
constantes no Quadro 2, a Sociedade Bolsa de Caridade oferecia a melhor relação custo x
benefício para os seus associados. Porém, outras determinantes provavelmente influenciavam
fortemente na decisão de aderir a uma mutual como, por exemplo, o poder aquisitivo dos
trabalhadores em dada conjuntura, a credibilidade de seus dirigentes e o conceito moral dos
associados. O fato é que o ingresso de associados na Sociedade Bolsa de Caridade apresentou
grande variação ao longo do tempo como demonstrado no Gráfico 3.
161
JESUS, Ronaldo P. “Mutualismo e desenvolvimento econômico no Brasil do século XIX”. Revista OIDLES,
vol. 1, n. 1, p. 473-504, set. 2007, p. 475.
162 Claudio Batalha assinalou ser este um auxílio incomum ao citar o caso da Sociedade Protetora dos Barbeiros
e Cabeleireiros que auxiliava mensalmente os sócios presos enquanto não havia sentença de condenação.
BATALHA, Claudio H. M. “Sociedades de Trabalhadores no Rio de Janeiro do Século XIX: algumas reflexões
em torno da formação da classe operária”. Cadernos AEL. Campinas (S): IFCH/UNICAMP, v. 6, nº 10/11m, p.
41-66, 1999, p. 60.
163 A Notícia, Salvador, 30 out. 1914, p. 5. Nem o valor individual da pensão, nem o valor cobrado por diploma
foram divulgados nos anúncios do jornal. Uma vez que nos balanços anuais o valor arrecadado com os diplomas
estava alocado na rubrica “receitas eventuais” juntamente com outras arrecadações e na rubrica “pensões”
constava apenas o montante gasto no exercício com esses socorros, não foi possível deduzir o valor exato do
custo do diploma e nem o valor que cada pensionista poderia receber. Sabe-se apenas que o valor da pensão era
menor do que o socorro ao sócio enfermo. Os relatórios mencionam que após um ano na condição de enfermo o
associado passava à condição de pensionista recebendo um valor menor.
Gráfico 3 – Entradas de sócios na Sociedade Bolsa de Caridade (1875-1930).
Fontes: APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, Caixa 60. Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; BPEB, Subgerência de
Obras Raras. Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade. Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade.
38 18
9 9 10 8 12
78 97
57 30
38
45 53
65 86
56
179
88 93
64
27
38
42 33
9 11 23
19 16
24
13 16
41 39
34 42 46
71
62 52
73
59
79
38
48
41
73 70
51
28
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
200
18
75
-18
76
18
76
-18
77
18
77
-18
80
18
80
-18
81
18
81
-18
82
18
82
-18
83
18
83
-18
84
18
85
-18
86
18
86
-18
87
18
87
-18
88
18
88
-18
89
18
89
-18
90
18
90
-18
91
18
91
-18
92
18
92
-18
93
18
93
-18
94
18
95
-18
96
18
96
-18
97
18
97
-18
98
18
98
-18
99
18
99
-19
00
19
00
-19
01
19
01
-19
02
19
02
-19
03
19
03
-19
04
19
04
-19
05
19
05
-19
06
19
06
-19
07
19
07
-19
08
19
08
-19
09
19
09
-19
10
19
10
-19
11
19
11
-19
12
19
12
-19
13
19
13
-19
14
19
14
-19
15
19
15
-19
16
19
16
-19
17
19
17
-19
18
19
18
-19
19
19
19
-19
20
19
20
-19
21
19
21
-19
22
19
22
-19
23
19
23
-19
24
19
24
-19
25
19
25
-19
26
19
26
-19
27
19
27
-19
28
19
28
-19
29
19
29
-19
30
NOVOS SÓCIOS
A observação do Gráfico 3 me permitiu estabelecer alguma relação entre o aumento
da procura para ingressar na associação e os períodos de grande perturbação econômica e
social, a exemplo das graves crises ocorridas às vésperas da abolição, nas primeiras décadas
da República como consequência do “encilhamento” e da política que ficou conhecida como
“Funding Loan” ou a provocada pela Primeira Guerra Mundial. Esta última tornou-se aguda
na Bahia em fins de 1918 e culminou na greve geral que paralisou a capital baiana por 5 dias
em junho de 1919.164
Esse dado também reforça a tese de que as sociedades de ajuda mútua
foram formadas pela parcela mais qualificada dos trabalhadores – os artesãos - visto que os
operários fabris e outros setores dificilmente poderiam arcar com os custos de joias e
mensalidades, ainda mais numa conjuntura de escassez, carestia, especulação e desemprego.
De fato, marcadas por crises, as duas últimas décadas do século XIX foram palco de
desordem monetária, inflação, aumento da dívida e depreciação cambial, ou seja, o país estava
politicamente e financeiramente convulsionado. A crise generalizada entre 1889 e 1898 levou
o governo à bancarrota em 1898, quando as falências se multiplicaram e o tesouro não
conseguiu pagar nem metade de seus compromissos. Em 1891 estourou a crise do
encilhamento, responsável pela crise inflacionária que repercutiu até a virada do século XIX
para o XX. O governo brasileiro decretou moratória entre 1898 e 1900, ocasião em que
instituiu um plano de refinanciamento da dívida externa que ficou conhecido como “Funding
Loan”. Por sua vez, os preços do café vinham caindo no mercado internacional desde 1890,
mas ficou sério a partir de 1894. Em 1896 ocorreu a crise cafeeira de superprodução do café,
agravando as crises cambiais de 1891/1892.165
E foi justamente esse o período em que a
Sociedade Bolsa de Caridade registrou o ingresso do maior número de associados: entre os
exercícios de 1886-1887 e 1898-1899 a média de ingressos na Sociedade foi de 73,5 novos
sócios. Entretanto, a relação direta entre crise econômica e o aumento do número de
associados ainda carece de estudos que a confirmem, posto que variados fatores, em maior ou
menor grau, podem ter contribuído para a maior demanda para associar-se à mutual.
Contudo, apesar da possível associação entre crise econômica, social e financeira e
aumento da procura por alguma forma de proteção social, o ingresso de 179 sócios no
exercício 1896-1897 é um ponto fora da curva posto que represente mais que o dobro da
média do período. O presidente do diretório do exercício seguinte (1897-1898), o professor
164
CASTELLUCCI, Aldrin A. S. Industriais e operários baianos numa conjuntura de crise (1914-1921).
Salvador, Fieb, 2004, p. 192.
165 Sobre o assunto, cf. VILLELA, Annibal Villanova; SUZIGAN, Wilson. Política do governo e crescimento da
economia brasileira, 1889-1945. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1973; SUZIGAN, Wilson. Indústria brasileira:
origens e desenvolvimento. São Paulo: Hucitec; Campinas: Editora da Unicamp, 2000.
77
Presciliano Leal, não deixou tal disparidade passar em brancas nuvens. Em seu relatório ele
criticou a falta de rigor na admissão de sócios, alegando que a idade avançada ou o estado de
saúde precário de novos associados fatalmente comprometeriam as finanças da associação,
podendo até resultar na sua falência. Certamente preocupado com o expressivo aumento das
despesas com os benefícios aos sócios que saltaram de 6:049$000 para 8:294$000, enquanto a
contribuição regular dos sócios caiu de 9:637$500 para 8:408$000, o professor solicitou (e
obteve) o aumento de 12$000 para 20$000 no valor cobrado por joia. Os receios do professor
não eram infundados, obviamente não era prudente relaxar o rigor na observância dos
critérios exigidos pelos estatutos para a admissão de novos sócios. Por outro lado, a
flexibilização do processo de admissão de novos sócios que poderia representar um risco
maior e, portanto, um aumento nas despesas com auxílios, pode indicar um estreitamento dos
laços de solidariedade horizontal e uma maior coesão interna.
Para além da conjuntura de crise que, em maior ou menor grau, atravessou todo o
recorte temporal da presente pesquisa, possivelmente o baixo valor das mensalidades aliado à
prontidão na prestação dos socorros prometidos tenha sido determinante para a superação da
crise vivida pela associação após o rompimento com a diretoria do Arsenal de Guerra da
Bahia em 1877. Entretanto, a captação de novos associados não poderia depender ad
aeternum dos baixos valores das mensalidades sob pena de comprometer a eficácia da
prestação de socorros, perdendo potencial atrativo. Certamente esse foi o motivo que levou o
funcionário da Iluminação Pública do município, Eduardo Victoriano de Souza, presidente do
Conselho Diretório a solicitar, em 1894, o reajuste do valor da mensalidade em 100%, ou
seja, de $500 para 1$000. Para tanto a diretoria alegou que além da necessidade de acréscimo
de receita para os cofres da mutual, 10$000 de socorro ao sócio enfermo era um valor
insuficiente para atender as carências do associado enfermo. Alegou ainda ser essa a
mensalidade mais baixa entre todas as associações mutuais da cidade do Salvador. Esse
episódio deixa entrever que para além da capacidade de atrair novos associados, as lideranças
foram capazes de calcular as receitas necessárias para a manutenção da associação, inclusive
buscando preservar o princípio da autossustentação: “O Conselho Diretório dando-vos conta
do resultado desta parte da receita, a principal em toda e qualquer associação, toma a
liberdade de indicar-vos, como medida de interesse social, a elevação do valor da mensalidade
(...)”.166
166
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade do exercício de 1893 a 1894 apresentado pelo presidente da
direção Eduardo Victoriano de Souza na sessão magna do 22º aniversário em 27 de maio de 1894. Litho-
78
De fato, como veremos adiante, a contribuição dos sócios nesse exercício (1893-
1894) representava apenas 43,4% da receita da associação, ou seja, pouco menos de 60% de
suas rendas eram oriundas de outras fontes, como por exemplo, subvenção estatal
(1:000$000) e promoção de eventos para arrecadação de fundos. A associação buscava
aumentar suas receitas promovendo eventos para arrecadar fundos, os chamados “benefícios”.
Segundo balanço desse exercício social, a Bolsa de Caridade promoveu uma corrida no
Hipódromo S. Salvador que resultou em um valor líquido superior a 1:000$000 para os cofres
da instituição. Mesmo contando com subvenções estatais (1888 a 1904), que por sinal
costumavam atrasar muito, os gestores entenderam que a Sociedade precisava se capitalizar.
Ao que parece, os associados endossaram o parecer dos dirigentes, pois há indícios de que o
valor da mensalidade foi majorado conforme a proposta do Conselho Diretório. É importante
frisar que tanto as joias (20$000) quanto as mensalidades (1$000) ficaram congeladas até pelo
menos 1930.
De todo modo, em fins do século XIX a situação financeira da Sociedade Bolsa de
Caridade era bastante confortável. Nessa época, a Bolsa de Caridade não só já havia ampliado
os socorros aos sócios para além dos sepultamentos, auxiliando-os também no caso de
enfermidade (1890), como já tinha adquirido a sua própria sede (1889), além de ter construído
um mausoléu na Quinta dos Lázaros (1900). Porém, apesar do prestígio e dos evidentes sinais
de progresso, na primeira década do século XX ocorreu um decréscimo significativo no
ingresso de associados, quando a média caiu de 81 novos sócios na década anterior para
apenas 24,2. A queda abrupta de 93 novos associados em 1898-1899 para apenas 27 em 1900-
1901 sugere que o forte decréscimo no ingresso de novos sócios tenha relação direta com a
extinção do Arsenal de Guerra em 1899. Provavelmente os “artistas” e demais trabalhadores
do Arsenal de Guerra continuaram a associar-se maciçamente à Bolsa de Caridade mesmo
após esta tornar-se uma mutual aberta, em 1879. A título de exemplo cito o escrevente de 1ª
classe, Antônio Bento de Oliveira (09/05/1889), o mestre de oficinas de armas brancas,
Antonio Bento Guimarães (31/07/1884), o escrevente de segunda classe Carlos Magno da
Silva Azevedo (12/01/1897), O professor de desenho Agripino Barros (27/05/1889), o
mandador Dário José Alves (09/08/1890), o contramestre da oficina de maquinista, José
Fernandes Gonçalves Bastos (26/06/1894), o amanuense Laurentino Cherubino Ferreira Paes
(30/10/1884) e Marciano Martinho Domiense (16/10/1885), ajudante do pedagogo, todos
trabalhadores do Arsenal de Guerra da Bahia.
Typographia V. de Oliveira &C., Bahia: 1894. APEB, Seção Legislativa, Câmara dos Deputados, Ofícios
Recebidos e Expedidos (1891-1894), livro 1107. Grifos meus.
79
A queda na demanda por associações de ajuda mútua nos primeiros anos do novo
século não foi exclusividade da Bolsa de Caridade, tendo afetado diversas mutuais. Ainda
assim, no período abarcado por essa pesquisa essa associação atraiu um número de associados
por exercício muito maior do que mutuais mais antigas, a exemplo da Sociedade Monte Pio
dos Artistas (1853)167
e da Sociedade Protetora dos Desvalidos (1832)168
, ambas com muitos
associados em comum com a Bolsa de Caridade, inclusive em seus diretórios, conforme foi
visto no primeiro capítulo. Ainda de acordo com o Gráfico 3, a baixa procura para ingressar
na associação se manteve por todo o primeiro decênio do século XX e início do segundo.
Diante disso, não foi sem razão que, no relatório do exercício 1911-1912, o tipógrafo José
Prudencio Ferreira de Carvalho, presidente do Diretório, queixou-se: “Não têm correspondido
às entradas de sócios ao bom conceito que goza esta Sociedade, a qual (...) de ano a ano
aumenta o seu patrimônio”.
Todavia, pouco tempo depois, no exercício 1914-1915, o ainda presidente do
Diretório, Prudencio de Carvalho classificou como “animadora” a entrada de 34 novos
membros, e no relatório seguinte (1915-1916) festejou o ingresso de 42 novos filiados, tido
como prova do bom conceito de que gozava a mutual. No relatório do exercício 1917-1918,
animado com a admissão de mais 71 associados ele é ainda mais otimista:
Em nosso relatório anterior, ao mencionarmos a admissão de novos
associados, salientamos, com satisfação, que o aumento de entrada dos
mesmos, de ano a ano, era devido à “confiança e simpatia” que tem
conquistado esta sociedade e não nos enganamos, pois, se no exercício
passado o quadro de associados teve um aumento de mais de 46 membros,
no exercício que expira já ele se eleva a 71.
Temos o orgulho de ainda repetir que estes sócios que vão efetivando suas
entradas, o fazem sem que os animasse a isso o empenho ou injunções de
amigos, visando simplesmente o fim altruístico de nossa Sociedade.169
167
Na última década do século XIX entraram 305 sócios na Montepio dos Artistas, já nos 30 primeiros anos do
século XX a Sociedade atraiu apenas 95 associados. Nos dois períodos os números são inferiores ao da
Sociedade Bolsa de Caridade. COSTA E SILVA, Maria da Conceição Barbosa da. O Montepio dos Artistas: elo
dos trabalhadores em Salvador. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia/Fundação
Cultural/EGBA, 1998, p. 61 e 76.
168 CARMO, Emerson Cláudio Cordeiro do. “Trabalho e associativismo mutualista em Salvador: estudo centrado
na Sociedade Protetora dos Desvalidos (1874-1932)”. (Texto do Exame de Qualificação, Mestrado em História,
Universidade Estadual da Bahia, 2019).
169 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1917 a 1918, apresentado pelo presidente do
diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 27 de junho de 1918 e unanimemente
aprovado. Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, Bahia: 1918. APEB, Biblioteca Francisco
Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0601.
80
O otimismo de Prudencio de Carvalho não era sem razão. A baixa demanda do início
do século XX para ingressar na associação foi contingencial e de curta duração. Ainda que
bastante distante da expressiva média de 81 novos membros por ano registrados na última
década do século XIX, a recuperação se deu na segunda e terceira décadas do século XX,
quando a Bolsa de Caridade registrou uma média de 41,6 e 56 ingressos de sócios por
exercício social, respectivamente. Mesmo sem repetir o sucesso do século anterior, a
associação seguiu preservando a sua capacidade de autossustentação.
Contudo, apesar de a historiografia apontar certa tendência ao esvaziamento das
mutuais a partir da década de 1920, momento em que o Estado brasileiro passou a
regulamentar e aumentar o leque de proteção previdenciária para os trabalhadores urbanos, de
fato, a consolidação do sistema previdenciário estatal se deu somente por volta de 1940.170
Nas palavras de Silva Junior: “Nem o sindicalismo de resistência, tampouco a criação da
previdência estatal contribuíram de forma imediata para o fim das sociedades de socorros
mútuos”.171
No caso da Sociedade Bolsa de Caridade o processo de declínio ocorreu após o
recorte temporal desta pesquisa. Hoje a associação conta com apenas seis associados e precisa
dar um destino ao seu patrimônio social composto por três imóveis e um mausoléu no
cemitério Quinta dos Lázaros.
AS RECEITAS DA ASSOCIAÇÃO
A Sociedade Bolsa de Caridade divulgava os balancetes quadrimestrais em suas
assembleias ordinárias, sendo o balanço do exercício social e o parecer da comissão fiscal
parte integrante dos seus relatórios anuais. Esses demonstrativos contábeis ainda deveriam ser
submetidos à aprovação dos sócios por ocasião da assembleia magna comemorativa de
aniversário da associação, quando se esperava um aumento da frequência de associados.
Estatutariamente os relatórios deveriam informar ao quadro de filiados “a marcha evolutiva”
170
A Lei Eloy Chagas (1923), considerada como o marco da Previdência Social no Brasil, determinou a
obrigação de as empresas ferroviárias criarem as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs). Porém, o sistema
não era mantido pelo Estado. As CAPS eram sociedades civis, independentes do governo, mantidas pela empresa
e seus empregados. Nos anos seguintes o benefício foi estendido a outras categorias como portuários e marítimos
(1926), trabalhadores dos serviços telegráficos e radiotelegráficos (1928), empregados dos serviços de força, luz
e bondes (1930). Finalmente em 1931 o Decreto n° 20.465, de 1° de outubro de 1931, estendeu o Regime da Lei
Elói Chaves aos empregados dos demais serviços públicos concedidos ou explorados pelo Poder Público, além
de consolidar a legislação referente às Caixas de Aposentadorias e Pensões.
http://www.previdencia.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/historico/periodo-de-1888-1933/. Acesso em 7
de janeiro de 2019.
171 SILVA JUNIOR. “As sociedades de socorros mútuos”, p. 81-82.
81
da Sociedade.172
Via de regra os relatórios discorriam sobre a comemoração do aniversário da
associação no ano anterior, as principais ocorrências do período, o estado de conservação dos
imóveis e do mausoléu, listava nominalmente os novos sócios bem como os falecidos no
exercício, dava os informes sobre os assuntos relevantes que foram pauta nas reuniões do
diretório e assembleias ordinárias, e prestava contas de toda receita e despesa realizada no
período. Nos anexos era comum constar a relação nominal do seu quadro de associados e,
eventualmente, os associados que receberam os socorros e respectivos valores da SBC. Os
relatórios lidos e aprovados na assembleia continham, também, o demonstrativo de receitas e
despesas com o parecer da comissão fiscal.
Ao analisar os dados constantes nos balanços da associação procurei agrupar as
receitas e despesas de cada exercício social de modo a facilitar a compreensão do seu
movimento anual, sem entrar em pormenores contábeis que não trariam maiores benefícios
aos objetivos da presente pesquisa. Uma vez que esse capítulo busca analisar a eficiência da
gestão securitária da Bolsa de Caridade, pareceu-me importante diferenciar a receita contábil
do que denominei de receita real de cada exercício social. Tal procedimento se fez necessário
porque tanto o saldo transportado do exercício anterior quanto os resgates de aplicações
diversas e as retiradas bancárias eram lançados na coluna de Receitas do Exercício. Esse é um
recurso contábil que torna possível demonstrar a origem dos valores necessários ao custeio
das despesas e investimentos de cada instituição. Porém, como nem o saldo do exercício
anterior, nem os valores com resgates de aplicações e demais saques são receitas adquiridas
efetivamente no exercício, essas verbas acabavam por aumentar artificialmente o total da
receita anual da associação. Por essa razão, optei por analisar os balanços da associação tendo
como referência a receita real de cada exercício. Doravante usarei apenas o termo receita ou
receitas para referir-me a receita real. Dito isto, passo para a análise dos dados.
A Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de Guerra da Bahia oficialmente existiu
entre 1872 e 1879, quando da reforma dos seus estatutos. Porém, a crise entre a direção da
mutual e a administração do Arsenal aconteceu anos antes, e na prática, a associação de
auxílio mútuo já estava desvinculada do Arsenal de Guerra em fins de 1877. Enquanto foi
uma mutual exclusiva para os membros do referido Arsenal, a associação pouco dependia das
contribuições obrigatórias (joias e mensalidades) dos associados. Suas maiores receitas
provinham de subscrições. No exercício de 1875-1876, por exemplo, a entidade arrecadou
apenas 461$000 com a contribuição obrigatória dos associados e três vezes esse valor com as
172
Estatutos e Regimento Interno da Sociedade Bolsa de Caridade aprovados em sessão de 23 de março de 1892.
Bahia: Tipografia do Diário da Bahia. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.
82
subscrições (1:207$720). No exercício seguinte o valor arrecadado com as subscrições foi
quatro vezes maior do que as contribuições estatutárias dos sócios. Não ficou claro em que
consistiam essas subscrições. No balanço do exercício de 1876-1877 consta o valor de 86$000
pagos ao ex-encarregado de agenciar subscrições. A existência desse personagem me fez
acreditar que talvez essa verba fosse arrecadada junto a um público maior, inclusive entre as
autoridades civis e oficiais e diretores do Arsenal. Talvez o empenho e prestígio do diretor do
Arsenal, apoiador da mutual desde o primeiro momento, tenha sido fundamental para o
sucesso obtido com as subscrições. O fato é que em 30 de abril de 1876 a associação já
contava 4:417$000 investidos no mercado financeiro, uma evidência da importância das
subscrições para a capitalização da jovem organização. Foi somente a partir do momento em
que essa sociedade de ajuda mútua passou a aceitar trabalhadores de fora do Arsenal que as
subscrições quase que desapareceram ao passo que o peso da contribuição obrigatória dos
seus associados cresceu significativamente.
Tabela 2 – Percentagem das contribuições obrigatórias dos sócios (joias e mensalidades)
sobre as receitas (contábil e real). Sociedade Bolsa de Caridade (1875-1930).
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1875-1876 1:186$640 461$000 2:901$230 15,90% 1:714$590 26,90%
1876-1877 2:755$860 374$800 1:825$200 6:628$260 5,60% 2:047$200 18,30%
1877-1880**
3:842$840 638$900 5:000$980 12,80% 1:158$140 55,20%
1880-1881 4:676$480 275$500 5:263$860 5,20% 587$380 46,90%
1881-1882 5:015$960 292$500 5:582$700 5,20% 566$740 51,60%
1882-1883 5:582$240 314$000 6:050$860 5,20% 611$620 51,30%
1883-1884 5:964$080 363$500 6:645$720 5,50% 681$640 53,30%
1885-1886 6:902$780 1:164$500 8:420$340 13,80% 1:517$560 76,70%
1886-1887 7:622$620 1:731$500 11:147$270 15,50% 3:554$650 48,70%
1887-1888 8:854$290 1:937$500 12:014$113 16,10% 2:252$650 86,00%
1888-1889 11:042$453 1:889$100 14:563$420 13,00% 3:520$967 53,60%
1889-1890 9:462$446 1:993$500 13:513$643 14,70% 4:051$197 49,20%
1890-1891 12:584$043 2:190$500 16:837$447 13,00% 4:253$404 51,50%
83
Fontes: APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, Caixa 60. Relatórios da
Sociedade Bolsa de Caridade; BPEB, Subgerência de Obras Raras; Arquivo Particular da
Sociedade Bolsa de Caridade. Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade.
* A partir do exercício 1892-1893 o saldo anterior é apenas o saldo em caixa. Antes disso o
saldo estava em diversas verbas, a maior parte em aplicações em bancos e caixas.
** Notar que esse exercício, excepcionalmente, corresponde a um período de 2,5 anos.
1891-1892 15:365$967 2:419$500 19:787$670 12,20% 4:421$703 54,70%
1892-1893 417$127 2:845$000 4:200$000 9:773$386 29,10% 5:156$259 55,20%
1893-1894 762$027 3:263$000 8:279$272 39,40% 7:517$245 43,40%
1896-1897 499$040 9:637$500 1:000$000 15:522$686 62,10% 14:023$646 68,70%
1897-1898 412$222 8:408$000 12:293$961 65,00% 12:511$739 67,20%
1898-1899 1:342$478 7:810$000 13:403$487 58,30% 12:061$329 64,70%
1899-1900 9$910 6:652$000 11:021$010 22:269$321 29,90% 11:238$401 59,20%
1900-1901 578$466 6:568$000 20:600$000 30:032$432 21,90% 8:853$966 74,20%
1901-1902 284$188 6:502$000 10:181$156 63,90% 9:896$968 65,70%
1902-1903 663$838 7:312$000 10:883$627 67,20% 10:219$789 71,50%
1903-1904 871$217 6:355$000 10:033$729 63,30% 9:162$512 69,30%
1904-1905 614$576 6:073$000 800$000 9:863$032 61,60% 8:448$456 71,90%
1905-1906 732$206 5:202$000 9:940$000 27:339$942 19,00% 16:667$736 31,20%
1906-1907 708$076 5:020$000 9:035$780 55,50% 8:327$704 60,30%
1907-1908 817$156 4:751$000 500$000 9:634$601 49,30% 8:317$445 57,10%
1908-1909 620$966 4:472$000 3:000$000 10:868$116 41,10% 7:247$150 61,70%
1909-1910 914$385 4:857$000 3:885$000 13:601$520 35,70% 8:802$135 55,20%
1910-1911 823$133 4:486$000 5:654$300 13:909$431 32,20% 7:431$998 60,40%
1911-1912 1:501$062 4:424$000 11:092$000 20:657$216 21,40% 8:064$154 54,90%
1912-1913 1:164$619 4:972$000 7:446$000 17:570$688 28,30% 8:958$469 55,50%
1913-1914 1:505$479 5:521$000 33:839$000 44:865$022 12,30% 9:520$543 58,00%
1914-1915 2:970$439 4:724$000 3:458$400 14:336$600 32,70% 7:907$761 59,70%
1915-1916 1:867$464 4:965$000 4:000$000 15:816$407 31,30% 9:948$943 49,90%
1916-1917 1:928$249 4:654$000 11:813$621 39,40% 9:885$372 47,10%
1917-1918 2:774$664 5:578$000 13:712$256 42,80% 10:937$592 51,00%
1918-1919 2:801$134 6:257$000 15:116$542 41,40% 12:315$408 50,80%
1919-1920 3:241$947 5:583$000 16:108$330 34,70% 12:866$383 43,40%
1920-1921 2:647$274 7:434$000 18:901$949 39,30% 16:254$675 39,30%
1921-1922 2:410$974 7:180$000 22:677$689 31,70% 12:546$815 57,20%
1922-1923 1:459$664 7:755$000 30:186$284 25,70% 15:076$620 51,40%
1923-1924 594$414 6:916$000 14:400$000 28:280$734 24,40% 13:286$320 52,00%
1924-1925 1:191$164 7:953$000 28:900$000 44:018$054 18,00% 13:926$890 57,10%
1925-1926 2:294$104 7:589$000 20:010$000 33:173$514 21,00% 13:869$410 54,80%
1927-1928 1:397$824 8:169$000 1:365$000 16:421$484 49,70% 13:658$660 59,80%
1928-1929 2:351$789 9:184$000 16:323$789 56,20% 13:972$000 65,70%
1928-1929 4:030$349 7:953$000 21:510$500 40:621$849 20,10% 15:081$000 52,70%
1929-1930 3:548$203 7:758$000 15:456$635 37:000$000 21,00% 17:995$162 43,10%
84
A observação da Tabela 2 permite verificar que entre os exercícios de 1877-1880 e
1883-1884 a Sociedade Bolsa de Caridade registrou uma queda sensível em suas receitas.
Durante esse período a arrecadação anual da Sociedade foi três vezes menor que a receita do
exercício de 1876-1877. Foram sete anos de grave crise no seio da associação até o exercício
de 1885-1886, quando então teve início uma surpreendente recuperação de suas receitas e a
mutual angariou 1:517$560. Apesar dessa quantia ainda ter sido inferior à receita arrecadada
no período anterior ao início da crise (1876-1877), nada menos do que 76,7% dos recursos
levantados na nova fase tiveram origem na contribuição obrigatória dos associados da
entidade. Isso pode sugerir que começava a surgir uma consciência entre os trabalhadores de
que a autonomia da associação só seria alcançada por meio do autofinanciamento, elemento
determinante para o seu sucesso. No exercício social seguinte (1886-1887), o crescimento em
números absolutos de suas receitas demonstrou que a crise que se abatera sobre a mutual fora
completamente superada. Poder-se-ia mesmo dizer que a associação cresceu com a crise. Mas
afinal, quais foram as razões dessa crise?
Como já foi explicado no capítulo anterior, houve uma “desinteligência” entre alguns
membros da associação de ajuda mútua e a diretoria do Arsenal de Guerra da Bahia. O motivo
da desavença foi uma loteria (bilhetes de rifas) extraoficial que alguns membros da mutual
estavam vendendo em benefício da organização. Embora essa rifa não tenha sido oficialmente
autorizada pela Sociedade Bolsa de Caridade, seus diretores tinham conhecimento dela. De
modo que alguns associados, e mesmo alguns membros da diretoria, foram denunciados
conforme noticiado no jornal O Monitor em 15 de julho de 1877:
REMESSA DE PROCESSO - No dia 11 do corrente foi remetido pelo Dr.
Delegado do 1º distrito ao Dr. juiz de Direito do 2.º distrito criminal o
processo contra alguns empregados do Arsenal de Guerra que autorizaram e
venderam bilhetes de rifas em benefício da Sociedade Bolsa de Caridade, do
mesmo Arsenal.173
Ao tomar conhecimento do processo envolvendo o nome do Arsenal de Guerra da
Bahia, o diretor geral da instituição expulsou a associação de ajuda mútua das dependências
do Arsenal, retirando-lhe todo o apoio: (...) tomou o cofre que nos servia a deitar para fora do
estabelecimento dizendo que não queria mais ladroeiras e nem Bolsa de Caridade (...).174
A
173
O Monitor, Salvador, 15 jul. 1877, p. 1.
174 SOUZA, Sociedade Bolsa de Caridade, p. 6. A autora aponta o ano de 1875 como o momento da ruptura
entre a Sociedade Bolsa de Caridade e o Arsenal de Guerra. Porém, os dados de minha pesquisa indicam o ano
de 1877. Foi somente a partir de 1877 que a correspondência da associação para o Presidente da Província
85
associação perdeu título e sede e passou a funcionar provisoriamente na casa de alguns sócios.
Esse incidente resultou nos Estatutos Reformados de 1879, ocasião em que a associação não
somente passou a ser uma mutual aberta, ou seja, acolhia “artistas” de fora do Arsenal de
Guerra, como também modificou a sua denominação para Sociedade Bolsa de Caridade. Essa
ruptura deve ter desorganizado sobremaneira a associação de ajuda mútua posto que o balanço
subsequente ao rompimento foi trienal ao invés de anual como de praxe. Nesse triênio apenas
9 novos sócios ingressaram na associação, ou seja, uma média de 3 por ano, bem abaixo do
que vinha ocorrendo até então. Essa crise durou cerca de sete anos, ao fim dos quais a
associação voltou a atrair elevada quantidade de sócios, no exercício 1885-1886. A partir daí
a média da relação entre a contribuição dos associados e a receita por exercício social foi de
56,7%.
Contudo, se a média percentual entre joias e mensalidades e a receita se manteve
relativamente constante, o mesmo não ocorreu com a arrecadação em números absolutos.
Como pode ser observado na Tabela 2, nos últimos anos do século XIX a contribuição
obrigatória dos sócios registrou valores elevados. No exercício 1896-1897 o valor das joias e
mensalidades alcançou 9:937$500, cifra não superada até pelo menos 1930. Entre 1907 e
1917 os valores arrecadados com joias e mensalidades ficaram abaixo dos 5:000$000 anuais,
com exceção do exercício 1913-1914. Na terceira década do século XX esses valores
voltaram a crescer, porém, sem alcançar a arrecadação de 30 anos antes. Se for levado em
conta que estou trabalhando com valores nominais, portanto sem correção monetária, ficam
patentes os limites da capacidade de assegurar proteção social por parte da associação. Em
outras palavras, as receitas da associação puderam garantir a manutenção da seguridade social
aos associados apenas porque os valores pagos permaneceram os mesmos por mais de 30
anos, como veremos adiante.
AUTOFINANCIAMENTO E AUTONOMIA
O percentual das joias e mensalidades sobre o total de receitas do exercício é um
indicador da capacidade de autofinanciamento da associação, e consequentemente do seu grau
de autonomia. O Gráfico 4 permite acompanhar as oscilações percentuais das contribuições
obrigatórias dos sócios durante 55 anos.
passou a ser enviada diretamente pelo Conselho Diretório da Sociedade Bolsa de Caridade, deixando de ser feita
pela diretoria do Arsenal como rezava o Art. 5.º dos Estatutos de 1872 e era usual até essa data.
Gráfico 4 – Distribuição das receitas da Sociedade Bolsa de Caridade (1875-1930)
Fontes: APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, Caixa 60. Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; BPEB, Subgerência de
Obras Raras, Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade. Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade.
* Os dados do exercício 1877-1880 correspondem a um período de 30 meses. Excepcionalmente não houve relatório anual no período, devido à
crise já comentada acima.
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
120,00%
18
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-18
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-18
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-18
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97
18
97
-18
98
18
98
-18
99
18
99
-19
00
19
00
-19
01
19
01
-19
02
19
02
-19
03
19
03
-19
04
19
04
-19
05
19
05
-19
06
19
06
-19
07
19
07
-19
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29
-19
30
RECEITAS POR EXERCÍCIO
% CONTRIB. SÓCIOS/RECEITA REAL % DIVERSAS % RENDIMENTOS
A observação do Gráfico 4 demonstra o quanto as receitas oriundas da contribuição
obrigatória dos sócios ganharam importância após a abertura da mutual. As oscilações nos
índices de autossustentabilidade podem ser creditadas às amplas transformações econômicas e
sociais ocorridas no extenso período analisado, cujas consequências afetaram, sobretudo, os
trabalhadores, principais vítimas da especulação, do desemprego e da alta generalizada dos
preços. Ainda assim, as contribuições dos associados foram relativamente estáveis, apesar dos
altos índices de inadimplência. A média de mensalidades e joias girou em torno de 54% da
composição das receitas, um forte indicativo da capacidade de autofinanciamento da mutual.
Junte-se a isso o fato de que a segunda verba mais expressiva era oriunda de rendimentos da
eficaz aplicação do excedente de suas receitas. A rubrica “rendimentos” corresponde a renda
obtida com aluguéis, mausoléu e juros de aplicações no mercado financeiro, ou seja, verba da
associação que era gerenciada pelos próprios associados, por meio do seu corpo diretivo.
A rubrica “receitas diversas” (em laranja no Gráfico 4) corresponde às verbas
advindas de subvenções, subscrições, diplomas, benefícios, demais doações e outras verbas
eventuais. Tais receitas foram expressivas apenas enquanto a associação ainda era uma mutual
exclusiva para os trabalhadores do Arsenal de Guerra da Bahia quando as arrecadações com
as subscrições compunham cerca de 70% da sua receita anual. Após tornar-se uma mutual
aberta essas receitas foram quase sempre inexpressivas, tendo alguma importância apenas nos
exercícios compreendidos entre 1888 e 1900 devido à subvenção estatal anual de 1:000$000,
aumentada para 2:000$000 em 1896. Entre junho de 1900 e junho de 1904 a associação não
recebeu qualquer valor referente as subvenções a que tinha direito. Finalmente, em 1905, o
Estado suspendeu oficialmente tal subvenção, porém pagou os 8:166$670 referentes aos
valores atrasados.175
Esse valor fez crescer consideravelmente a rubrica “receitas diversas”
elevando sua participação no total arrecadado para 49,7% no exercício 1905-1906. Afora
essas exceções tais verbas giravam em torno de 1,5% das receitas anuais.
O exame pormenorizado dos números constantes nos demonstrativos de receitas da
Sociedade Bolsa de Caridade atesta a eficácia dos trabalhadores na gestão dos seus recursos,
bem como a capacidade de autofinanciamento da mutual, fator indicador de sua relativa
autonomia frente ao Estado, às autoridades e aos patrões.
175
A Sociedade Bolsa de Caridade recebeu subvenção do Estado da Bahia entre 1889 e 1904. Esses valores eram
pagos de forma muito irregular e muitas vezes não eram recebidos integralmente. Os valores da subvenção
correspondentes aos meses de dezembro de 1894 e de outubro a dezembro de 1900 jamais foram pagos e constou
durante muitos anos na Dívida Ativa da associação.
88
A INADIMPLENCIA
A inadimplência foi objeto de preocupação de quase todos os dirigentes da Sociedade
Bolsa de Caridade. Ainda em 1889 a associação usou a imprensa para convidar seus membros
a quitarem os seus débitos, evitando assim as penalidades previstas nos Estatutos.176
No
relatório anual do exercício 1901-1902, Antônio Borges Nogueira, funcionário público e
presidente do diretório, acusou os sócios inadimplentes de esperteza e solicitou a Assembleia
Geral que fosse possível eliminar os sócios com mais de 3 anos de atraso, bastando que estes
declarassem verbalmente aos cobradores não terem interesse em continuar na associação. De
início o sócio que devesse um ano de mensalidade poderia ser eliminado, porém, os estatutos
de 1900 não previam mais essa punição, ficando os associados apenas suspensos dos seus
direitos. Por isso, a solicitação de Antônio Borges Nogueira não foi atendida. Vale a pena ler
um trecho de sua fala:
Conheço perfeitamente que a crise atual tem sensivelmente atingido a todas
as classes sociais, mas me parece que não é isto o principal motivo desse
retraimento, pois que a contribuição é módica e não é raro encontrar-se sócio
atrasado que pague oito a dez mensalidades de uma só vez quando adoece,
para no fim dos trinta dias usufruir as regalias que oferece a nossa lei
social”.177
Em 1903 o comerciário Euthymio da Cruz Baptista, então presidente do Conselho
Diretório, sugeriu que fossem perdoadas ou eliminadas todas as dívidas de mensalidades até
1º de janeiro de 1900 alegando que o número de sócios com mais de 9 anos em atraso com as
mensalidades era muito grande.178
No exercício 1904-1905 foi oferecido indulto aos
devedores de mais de um ano de mensalidades. Nada menos que 53 sócios efetivos e 4
adjuntas aproveitaram a oportunidade para reestabelecerem o direito aos benefícios sociais
pagando apenas 10$000 ou 20$000, conforme o caso.179
176
Diário de Notícias, Salvador, 8 maio 1889, p. 3.
177 RELATÓRIO do exercício de 1901 a 1902 apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade
pelo presidente do diretório Antonio Borges Nogueira em 15 de junho de 1902. Bahia: Tipografia Gutenberg.
Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade, p. 6.
178 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1902 a 1903 apresentado pelo presidente do
diretório capitão Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna comemorativa do 31º aniversário em 14 de julho
de 1903. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1903, p. 6. BPEB, Diretoria de Bibliotecas
Públicas, Subgerencia de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 30993.
179 RELATÓRIO do exercício de 1904 a 1905 apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade
pelo presidente do diretório Herculano Brittes Guimarães na sessão magna do 33º aniversário em 9 de julho de
1905. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, p. 8. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.
89
O Capitão Herculano Brittes Guimarães, presidente do diretório no exercício 1904-
1905, buscou sensibilizar os associados para a importância de manter-se no gozo dos direitos
sociais: “(...) com um diminuto capital acautela-se o futuro contra as misérias da enfermidade,
da indigência e da fome”. Parece que sua estratégia era tentar reduzir a inadimplência por
meio da conscientização dos associados. Para tanto ele ressaltou as vantagens oferecidas pela
associação citando alguns exemplos: “Ignácio Manoel de Sant´Anna, contribuiu para o cofre
social com 41$000, no entretanto recebeu de socorros Rs 1:215$000”.180
Contudo, os sócios a
quem esse discurso deveria atingir não frequentavam as reuniões ou festividades da
associação e seu apelo não surtiu efeito.
A nova gestão (1905-1906) tentou minorar o elevado índice de inadimplência de
forma mais justa com os sócios antigos que pagavam pontualmente suas mensalidades. Para
tanto o corpo diretivo apresentou, e aprovou por unanimidade, projeto de lei em que os sócios
com mais de dois anos de atraso nas mensalidades poderiam saldar todo o débito com a
quantia de 20$000, pagos em prestações mensais. Por essa mesma proposta o sócio com 20
anos sem usufruir de qualquer auxílio da associação seria elevado a remido, categoria criada
nesta ocasião, e se junto a isso já tivesse prestado serviços no corpo diretivo da associação
seria elevado à categoria de sócio benemérito. Para justificar a proposição o relator apresentou
a média de pagantes entre 1901 e 1906 – apenas 483, um número alto em termos absolutos,
mas pequeno em relação ao total de membros da entidade. Em 30 de abril de 1906 a
Sociedade Bolsa de Caridade contava com 1.023 associados e apenas 412 pagantes. Portanto,
pode-se considerar que a inadimplência orbitava em torno de 60%, ou seja, havia mais
devedores do que sócios com as contribuições em dia. “Fazendo-se um estudo do movimento
da conta de mensalidades desta Sociedade, verifica-se que, apesar do grande número de sócios
existentes, não atinge a 500 o número de associados que têm pagado as suas mensalidades,
neste sexenio decorrido do novo século”.181
Contudo, tal medida não foi suficiente para resolver a questão da inadimplência entre
os associados da mutual. Em 1912 apenas 408 de um total de 1.018 sócios pagavam suas
mensalidades no prazo. Na verdade, como afirmou o tipógrafo Prudencio de Carvalho,
180
RELATÓRIO do exercício de 1905 a 1906 apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade
pelo presidente do diretório Herculano Brittes Guimarães na sessão magna do 34º aniversário em 8 de julho de
1906. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, p. 5-6. Arquivo da Sociedade Bolsa de
Caridade.
181 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1906 a 1907 apresentado pelo presidente do
diretório capitão Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna comemorativa do 35º aniversário em 21 de julho
de 1907. Bahia: Typ. e Encadernação do Lyceu de Artes e Offícios, 1907, p. 7-8. BPEB, Diretoria de Bibliotecas
Públicas, Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 30993.
90
presidente do Diretório, não era possível precisar o débito dos sócios em atraso porque não
era extraída a lista de devedores, sendo o valor das mensalidades em atraso meras estimativas.
Ainda assim é confiável supor que a inadimplência continuou na casa dos 60%. Para enfrentar
essa questão a diretoria propôs mais do mesmo, ou seja, medida semelhante à de 1906:
Dos 1018 sócios apenas 408 pagam regularmente as mensalidades. Dos
outros 610 sócios a Sociedade não sabe o destino, nem ao menos se ainda
vivem. Para que não fique um total de quadro fictício a diretoria propôs à
assembleia o seguinte:
O art. 18 dos Estatutos dá a faculdade ao associado em débito superior a 6
anos de quitar com a importância de 60$000 pagas em prestações mensais no
prazo de 90 dias. A proposta é estender o prazo para um ano com prestações
de 6$000 mensais o que dará o total de 60$000 de sua reabilitação e 12$000
das mensalidades vencidas.
Os sócios que não saldarem suas dívidas terão seus nomes inscritos em um
livro especial, não mais entrando no cálculo de mensalidades em débito, nem
inscrevendo os seus nomes nos relatórios.182
Não foi possível saber se a medida foi aprovada. O certo é que não houve a retirada do
nome dos inadimplentes da lista geral de sócios e muito menos diminuição no índice de
inadimplência. Pelo contrário, esse índice aumentou, ainda que a SBC continuasse confiável
aos olhos da sociedade e solvente do ponto de vista financeiro. Em 1916 existiam 405 sócios
com direitos aos auxílios da mutual, sendo 350 contribuintes e 55 remidos. Portanto, para um
total de 1.103 sócios vivos inscritos na associação apenas 31,7% pagavam as mensalidades
pontualmente. Os relatórios seguintes não trataram mais dos índices de inadimplência,
limitando-se a fazer constar na Dívida Ativa o valor fixo de 28:000$000 referente às
mensalidades em atraso. No balanço do exercício de 1926-1927 as mensalidades em atraso
deixaram de constar na Dívida Ativa e, portanto, não integravam mais o Fundo Social da
mutual, medida que deixava transparecer o real estado de saúde financeira da organização.
Seja como for, o alto índice de inadimplência parecia ser comum nas sociedades de
auxílio mútuo de trabalhadores. A União Philantropica dos Artistas, por exemplo, possuía 972
sócios em 1898, mas apenas 600 estavam com suas mensalidades em dia.183
Na Sociedade
Bolsa dos Patriotas, dos 171 associados apenas 75 estavam em dias com as mensalidades em
182
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1911 a 1912 apresentado pelo presidente do
diretório J. Prudencio F. de Carvalho em sessão magna comemorativa do 40º aniversário em 30 de junho de
1912. Bahia: Typ. e Encadernação do Lyceu de Artes e Offícios, 1912, p. 7. BPEB, Diretoria de Bibliotecas
Públicas, Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 30993.
183 RELATÓRIO da Sociedade Beneficente União Philantropica dos Artistas apresentado à assembleia geral em
reunião de 8 de junho de 1898 pelo presidente da Direção Terencio Aranha Dantas. Bahia: Imprensa Moderna de
Prudencio de Carvalho, 1898, p. 10.
91
dezembro de 1906 e, em 1921, havia apenas 140 pagantes entre os 377 associados.184
Silva
Júnior, ao discorrer sobre a Beneficência Porto-Alegrense, afirmou que as pesquisas
apontavam para uma quitação muita irregular das mensalidades sendo provável que essa fosse
uma realidade comum a diversas associações de ajuda mútua de trabalhadores.185
Enfim, o alto índice de inadimplência da Sociedade Bolsa de Caridade não parece ter
comprometido suas finanças, afinal o sócio em atraso perdia o direito aos benefícios sociais e
a mutual gozou de boa saúde financeira durante grande parte do período pesquisado. Porém,
esse avultado índice de devedores comprometia o valor real do Fundo Social posto que as
mensalidades em atraso, que certamente não seriam pagas, constavam na rubrica “Dívida
Ativa”, elevando artificialmente seu patrimônio. Apesar de parecer apenas um detalhe
contábil não se pode esquecer que as associações de ajuda mútua costumavam publicar na
imprensa o valor do Fundo Social, como foi visto no início deste capítulo.
Talvez esse alto índice de inadimplência comprometesse também a percepção do
tamanho e força real da associação. Isso porque os associados cujos débitos remontavam há
dois anos ou mais, dificilmente voltavam a contribuir com a entidade, apesar de não perderem
a qualidade de associados. Então a associação tinha uma gama de sócios que não estava em
gozo dos direitos e não frequentava os eventos sociais, posto que fosse considerada como
“sócios em atraso”. Nesta condição eles não podiam ingressar como novo associado.186
Para a
quase totalidade dos devedores a dívida de mensalidades acumuladas por muitos meses era
impagável. A título de hipótese (não investigada nessa pesquisa) acredito que esses
trabalhadores, assim que readquiriam alguma estabilidade financeira, procuravam a proteção
social de outra mutual, uma vez que não tinham como saldar a dívida com a Sociedade Bolsa
de Caridade. Possivelmente a própria SBC deve ter recebido novos sócios vindos de outras
associações de auxílio-mútuo deixadas para trás por incapacidade de pagamento dos passivos
oriundos de momentos de dificuldades. Por conseguinte, a inadimplência seria uma das razões
do elevado número de membros da Bolsa de Caridade também constarem no quadro de
184
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado e aprovado em sessão de 31 de
janeiro de 1907, pelo presidente do Conselho Diretório Major Herculano Brittes Guimarães, exercício de 1905 a
1906. Bahia: Tipografia e Encadernação Liceu de Artes e Ofícios, 1906. RELATÓRIO da Sociedade
Beneficente Bolsa dos Patriotas para o exercício social 1921 a 1922, apresentado pelo presidente do Diretório
Joaquim da Costa Doria, em sessão da Assembleia Gera de 29 de dezembro de 1922, e na mesma aprovado.
Bahia, Tipografia e Encadernação Liceu de Artes e Ofícios, 1922.
185
SILVA JÚNIOR. “As sociedades de socorros mútuos”, p. 123.
186 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1906 a 1907 apresentado pelo presidente do
diretório capitão Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna comemorativa do 35º aniversário em 21 de julho
de 1907. Bahia: Typ. e Encadernação do Lyceu de Artes e Offícios, 1907, p. 7. BPEB, Diretoria de Bibliotecas
Públicas, Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 30993.
92
associados de outras mutuais. Esse dado ajuda a explicar o fato de muitos associados
falecerem “sem direitos”, posto que diversas sociedades de ajuda mútua não se davam ao
trabalho de eliminar os inadimplentes, seja por falta de estrutura, seja por falta de previsão
dos Estatutos.
AS DESPESAS DIRETAS COM OS SOCORROS AOS SÓCIOS
Até 1890 a Sociedade Bolsa de Caridade socorria os associados apenas com o auxílio
funeral. Mas, em sessão extraordinária de 23 de abril de 1890, o requerimento para socorro
dos enfermos no valor de 10$000 mensais foi aprovado por unanimidade, vigorando a partir
de maio de 1890. Esse auxílio era apenas para os sócios com enfermidades que os
impossibilitassem de trabalhar. O impacto dos socorros nas finanças da Sociedade estava
diretamente relacionado à condição de saúde dos sócios visto que os auxílios se davam em
função de doença incapacitante ou em caso de morte. Apesar da oscilação anual na demanda
por socorros é possível afirmar que houve uma significativa redução no valor real dos
socorros pagos aos sócios. É o que indica a média percentual de gastos despendidos com
auxílios aos sócios em relação às despesas: 68% no decênio1891-1900; 71% em 1901-1910;
63% em 1911-1920 e 50% em 1921-1930. A queda percentual nos dois últimos decênios pode
ser atribuída ao congelamento no valor dos benefícios pagos aos sócios, ao passo que as
despesas com a manutenção da associação continuavam a crescer, acompanhando a inflação.
Entre esses estavam os custos com material de expediente, anúncios em jornais, celebração do
aniversário da instituição, taxas e impostos, impressão de relatórios, estatutos e balanços,
seguro dos prédios, celebração de missas, manutenção do mausoléu e imóveis, entre outros.
Assim, a redução dos benefícios pagos aos sócios em relação ao total de despesas da
associação indica um enfraquecimento paulatino do seu fundamento: os socorros
previdenciários.187
Também é interessante verificar o peso do montante pago aos sócios tanto sobre a
receita total quanto sobre as mensalidades e joias. Para tanto, o Gráfico 5 proporciona uma
visão panorâmica dessa relação.
187
Naturalmente, em caso de grande gasto com compra, reforma ou construção de imóvel/mausoléu ou com
compra de “Benefícios” o percentual dos socorros aos sócios tendia a cair. Porém, tais gastos eram eventuais e
revertiam em forma de lucro ou aumento do valor do patrimônio da mutual e podem ser consideradas mais como
investimentos do que como despesas. Eram conhecidos como “benefícios” as rendas obtidas com eventos que
revertessem em benefício da agremiação. Era comum que as associações investissem em programação cultural
com o objetivo de angariar fundos em benefício da Sociedade. A associação podia promover baile, corrida de
cavalos ou espetáculo de teatro ou loterias. Estas últimas dependiam de autorização do Poder Público.
Gráfico 5 – Percentagem das receitas e das contribuições obrigatórias gastas com socorros aos sócios da SBC (1875-1930).
Fontes: APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, Caixa 60. Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; BPEB, Subgerência de
Obras Raras, Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; Arquivo Particular da Sociedade Bolsa de Caridade. Relatórios da Sociedade Bolsa de
Caridade.
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
120,00%
140,00%
18
75
-18
76
18
76
-18
77
18
77
-18
80
18
80
-18
81
18
81
-18
82
18
82
-18
83
18
83
-18
84
18
85
-18
86
18
86
-18
87
18
87
-18
88
18
88
-18
89
18
89
-18
90
18
90
-18
91
18
91
-18
92
18
92
-18
93
18
93
-18
94
18
96
-18
97
18
97
-18
98
18
98
-18
99
18
99
-19
00
19
00
-19
01
19
01
-19
02
19
02
-19
03
19
03
-19
04
19
04
-19
05
19
05
-19
06
19
06
-19
07
19
07
-19
08
19
08
-19
09
19
09
-19
10
19
10
-19
11
19
11
-19
12
19
12
-19
13
19
13
-19
14
19
14
-19
15
19
15
-19
16
19
16
-19
17
19
17
-19
18
19
18
-19
19
19
19
-19
20
19
20
-19
21
19
21
-19
22
19
22
-19
23
19
23
-19
24
19
24
-19
25
19
25
-19
26
19
26
-19
27
19
27
-19
28
19
28
-19
29
19
29
-19
30
PESO DOS SOCORROS AOS SÓCIOS SOBRE AS RECEITAS
% AUXÍLIOS/CONTRIBUIÇÃO DOS SÓCIOS % AUXÍLIOS SOBRE RECEITA REAL
O Gráfico 5 permite verificar em que medida as contribuições obrigatórias dos
associados supriam os gastos com os socorros e, também, qual o percentual destes gastos
sobre a receita anual. Como já relatado, até 1890 o único auxílio oferecido pela sociedade era
o sepultamento dos sócios. Por isso o peso desse socorro comprometia menos de 40% das
receitas oriundas de joias e mensalidades. A exceção foi o exercício de 1880-1881, quando a
morte de apenas dois associados consumiu 75,6% da contribuição obrigatória dos sócios. No
médio prazo esse dispêndio não teve maior significação porque foi pontual e, pouco tempo
depois, não houve despesa com socorros aos associados por dois exercícios seguidos (1882-
1883 e 1883-1884). Desse modo, a média das contribuições obrigatórias dos sócios gasta em
auxílio funeral entre 1875 e 1890 foi de apenas 27%.
A partir de 1890, com a ampliação dos socorros para acudir aos enfermos e aos
comprovadamente indigentes, a despesa com os auxílios passou a comprometer a quase
totalidade das contribuições obrigatórias dos sócios, sem jamais ultrapassar a receita do
exercício, como pode ser observado no Gráfico 5. Apesar disso, apenas em cinco exercícios
sociais os gastos com os benefícios previdenciários foram maiores do que a arrecadação de
joias e mensalidades. Foi o que aconteceu no exercício 1903-1904 quando Herculano Brittes
Guimarães, presidente do Conselho Diretório, reclamou que “as despesas com socorros e
pensões tem sido maior do que a verba de mensalidades, só nesse semestre foram 12
enterros”.188
Lamentou ainda que em um momento de grave crise financeira no país a
associação estivesse há 4 anos sem receber as subvenções estatais a que fazia jus. Em função
disso solicitou a Assembleia Geral para fazer retiradas do Fundo Social com a finalidade
exclusiva de honrar as despesas com socorros, enterramentos e pensões. Seu requerimento foi
aprovado, porém não foi preciso fazer uso do Fundo Social naquele momento.
Porém, no exercício seguinte a crise na associação pareceu se agravar e, como não
foi possível incrementar as receitas da organização, a solução encontrada foi reduzir as
despesas. Desse modo, os sócios viram seus benefícios minguarem. A resolução de 10 de
novembro de 1904 reduziu de um ano para seis meses os socorros aos enfermos. Após um
semestre o sócio enfermo passaria a condição de pensionista, o que significava receber apenas
metade do valor pago ao sócio enfermo. Mas não foi só isso. Os socorros e pensões foram
reduzidos a duas terças partes. A resolução de 30 de novembro de 1905 prorrogou “até o fim
188
RELATÓRIO do exercício de 1904 a 1905 apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade
pelo presidente do diretório Herculano Brittes Guimarães na sessão magna do 33º aniversário em 9 de julho de
1905. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1905, p. 10. Arquivo da Sociedade Bolsa de
Caridade.
95
da crise” as medidas tomadas pela resolução anterior. Assim, se antes os enfermos recebiam
30$000 mensais, passaram a receber apenas 20$000 e os pensionistas que anteriormente
recebiam 15$000 passaram a receber apenas 10$000.189
Porém, no relatório referente ao
exercício 1905-1906 os valores pagos já haviam voltado ao patamar anterior a crise, ou seja a
novembro de 1904.
Entretanto, o Estatuto aprovado em março de 1909 diminuiu o valor e os prazos dos
socorros, embora tenha aumentado o valor do auxílio funeral de acordo com a antiguidade do
sócio. O novo Estatuto manteve o valor pago ao sócio enfermo em 30$000 se a enfermidade
não ultrapasse três meses; mantido o socorro por mais de três meses o valor do auxílio cairia
para 20$000. Após seis meses recebendo auxílio enfermidade o associado seria considerado
pensionista. O associado poderia receber a título de pensão a quantia mensal de 10$000. Teria
direito a receber pensão aquele associado que “por defeito físico, decrepitude ou provada
indigência, achar-se privado de qualquer trabalho”.190
Já o auxílio funeral foi majorado para
150$000 para os que contassem mais de 10 anos de associado sem nunca ter obtido quaisquer
socorros da Sociedade, e para 200$000 para os que tivessem mais de 20 anos na casa, também
sem usufruir de benefícios. O contingenciamento imposto por esse Estatuto era patente posto
que reduzisse em 1/3 o valor da pensão e, no caso do socorro ultrapassar 3 meses, também o
auxílio para o sócio enfermo sofria a mesma redução. Já o aumento no valor do auxílio
funeral era restrito aos associados com mais de 10 anos ou 20 anos de contribuição e, somente
se, este jamais tivesse requerido quaisquer benefícios a que fazia jus.
Ainda assim no exercício 1914-1915 as despesas com os benéficos superaram as
receitas oriundas de joias e mensalidades. O déficit do período no valor de 4:402$454 foi
coberto com o saldo do exercício anterior e retiradas do fundo capitalizado. O Conselho
Fiscal da mutual atribuiu a diminuição do Fundo Social à crise econômica que fez decrescer a
receita e aumentar a despesa. Entretanto, é importante salientar que o déficit do exercício
correspondeu ao valor gasto na reforma da antiga sede social da associação no mesmo
período, portanto os valores dos benefícios não ultrapassaram a receita anual. Assim, apesar
desse desequilíbrio momentâneo no balanço da mutual, sua situação financeira continuava
confortável. Basta lembrar que pouco tempo antes, em 1913, a Sociedade havia adquirido
189
RELATÓRIO do exercício de 1905 a 1906 apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade
pelo presidente do diretório Herculano Brittes Guimarães na sessão magna do 34º aniversário em 8 de julho de
1906. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1906, p. 8. Arquivo da Sociedade Bolsa de
Caridade.
190 ESTATUTOS da Sociedade Bolsa de Caridade aprovados em sessão da Assembleia Geral de 24 de março de
1909. Bahia: Typographia e Encadernação do Lyceu de Artes. Prudencio de Carvalho, diretor, 1909, p 8-9.
96
uma nova sede social, um sobrado com loja, andar superior e sótão, com vista para o mar,
contendo 18 cômodos e ainda quintal, situado à Rua do Carmo, n. 42, no bairro do Santo
Antônio, uma área relativamente valorizada da cidade, e que em 1915, ou seja, no exercício
seguinte ao deficitário, emprestou 3:500$000 à coirmã Sociedade Bolsa dos Patriotas.
Portanto, apesar dos socorros aos filiados comprometerem a maior parte das joias e
mensalidades, e da alta inadimplência, o constante ingresso de novos sócios aliado à
diversificação da aplicação dos recursos e ao controle rigoroso na concessão dos auxílios,
proporcionou um grau de autonomia a associação que lhe permitiu prescindir das subvenções
estatais e garantir os benefícios assistenciais aos sócios. As direções não descuidaram da
árdua tarefa de manter o equilíbrio econômico-financeiro da Sociedade, ainda que fosse
preciso descumprir eventual deliberação da Assembleia Geral. Foi o que aconteceu na
administração do exercício social de 1928-1929, quando o conselho diretório deliberadamente
deixou de elaborar um projeto de reforma dos estatutos que onerava os gastos com socorros
aos enfermos alegando risco à própria manutenção da associação, como se depreende da fala
do seu presidente, o carapina Florencio da Silva Friandes:
(...) devemos continuar a seguir a passos lentos e quando tivermos de tratar
da reforma dos nossos Estatutos devemos ter em mente que a receita seja
calculada de modo que possa fazer face às despesas (...) não devemos
prometer muito hoje para nada não podermos dar amanhã e haver
necessidade de pedirmos uma moratória; convém, pois, continuarmos a dar o
que presentemente determina a lei, com a pontualidade que tem sido
observada até hoje.191
Entretanto, no relatório do exercício social seguinte (1929-1930), Prudencio de
Carvalho, então de volta à presidência do diretório, fez uma defesa contundente da
necessidade de reformar os estatutos para aumentar os valores dos benefícios e das
mensalidades, ambos sem nenhum tipo de correção há décadas. Ele disse que era “muito
parca a beneficência” paga aos sócios assim como era “exígua e deficiente a mensalidade”,
tudo isso agravado pelo fato de apenas 600 sócios entre os 1.406 inscritos como contribuintes
pagarem as mensalidades. Por isso, ele clamou pela urgência da reforma dos estatutos:
Uma reforma sábia e ponderada, em que desapareçam as condições
detrimentosas que existem na lei vigente, endeusando o sócio a quem a
191
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1928 a 1929 apresentado pelo presidente do
diretório Florencio da Silva Friandes em de 05 de setembro de 1929 e na mesma unanimemente aprovado.
Bahia: Imprensa Moderna, 1929, p. 8. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.
97
adversidade ou moléstia não obrigou a solicitar o auxílio a que tinha
indeclinável direito, dando-lhes, por tal motivo, título honorífico, e
cerceando direitos, como o da remissão, concedendo-a a maior prazo e
diminuindo o auxílio do funeral ao que a moléstia veio encontrar desprovido
de recursos e necessitou apelar para um direito que tinha.192
Como visto no início do primeiro capítulo, mais uma vez o tipógrafo Prudencio de Carvalho
traçou um retrato acurado da situação, teceu críticas pertinentes e apontou caminhos quando lhe
pareceu não ser mais possível ignorar a urgência das mudanças. De fato, o momento era crucial e as
medidas a serem tomadas poderiam prorrogar a história de sucesso da associação ou apressar sua
decadência. A Comissão Fiscal também percebeu a encruzilhada em que se encontrava a Sociedade
Bolsa de Caridade, como de resto muitas outras coirmãs, e endossou as considerações do presidente do
diretório.
Pode-se dizer que a estabilidade financeira da mutual atraía novos associados que
acabavam por contribuir para a manutenção desse quadro estável, formando um círculo
virtuoso de autoconfiança e segurança para aqueles trabalhadores organizados na SBC. Mas
também é forçoso reconhecer que as coisas começavam a mudar, a insatisfação crescia e os
pedidos para reformar os estatutos começavam a se avolumar.
O FUNDO SOCIAL
A gestão eficiente dos recursos da associação pode ser verificada por meio do
acompanhamento do crescimento do seu Patrimônio Social por meio do “Fundo Social”.
Basicamente o Fundo Social da Sociedade Bolsa de Caridade era composto pelos valores em
caixa e os investidos no mercado financeiro (títulos da dívida pública, ações, aplicações a
prazo fixo, depósitos em caderneta de poupança e em conta corrente etc.), além do ativo
imobilizado (imóveis e mausoléu). Também compunha o Fundo Social a Dívida Ativa, ou
seja, verbas que a Sociedade não havia recebido no exercício social, mas que esperava que
fossem saldadas nos próximos exercícios. Nessa coluna eram lançados os alugueis a receber,
bilhetes de benefícios que alguns sócios não haviam prestado contas, subvenções estatais em
atraso e especialmente mensalidades em atraso.
Porém, não havia perspectiva real de recebimento para a quase totalidade dos valores
constantes na Dívida Ativa da associação. No século XX, quando os balanços passaram a
192
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade apresentado pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de
Carvalho em sessão de Assembleia Geral de 19 de junho de 1930, relativo ao exercício de 1º de maio de 1929 a
30 de abril de 1930, p. 9-10. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.
98
registrar o montante presumido dos débitos das mensalidades em atraso de forma sistemática,
estas representavam, em média, 98% do total da Dívida Ativa. Por diversas vezes os
dirigentes da associação fizeram constar nos relatórios anuais a necessidade de se excluir tais
valores dos balanços da Sociedade Bolsa de Caridade, visto que não havia mais esperança de
recebimento. O relatório de 1914-1915 é um exemplo esclarecedor de como a manutenção de
tais verbas superestimavam o patrimônio social da associação. Prudencio de Carvalho foi
enfático quanto à questão: “O Fundo Social monta a Rs. 92:209$000; pondo-se de parte as
verbas de puro enfeite de subvenção não recebida jamais e mensalidades em atraso (...)”.193
Observe o leitor que para esse mesmo exercício, o Fundo Social publicado no anúncio de
jornal transcrito no início desse capítulo foi de 135:396$108. Ou seja, o anúncio incluiu os
43:187$108 da Dívida Ativa, aumentando artificialmente o patrimônio da mutual em 31,9%.
Visando trabalhar com dados que pudessem ser mais féis à realidade financeira da
associação, desconsiderei os valores constantes na Dívida Ativa para a análise do seu
patrimônio social. Portanto, os dados constantes no Gráfico 6, assim como toda a análise do
patrimônio social da agremiação foi feita sem levar em consideração a Dívida Ativa registrada
em sua contabilidade. Ressalto que no exercício de 1926-1927 os valores das mensalidades
em atraso finalmente foram suprimidos da contabilidade da associação.
Para os exercícios compreendidos entre abril de 1875 e maio de 1886 tive acesso
apenas aos Demonstrativos de Receitas e Despesas da associação que eram enviados ao
Presidente da Província. Nesse período a associação ainda não possuía imóvel e preferia
aplicar o fundo dos sócios nas ações da Caixa Econômica da Bahia ou em depósitos na Caixa
Monte Socorro. Como pode ser observado no Gráfico 6, até 1887-1888 as aplicações
financeiras representavam quase cem por cento do patrimônio social da Bolsa de Caridade. O
restante do patrimônio estava representado pelo saldo em caixa e pelos móveis e utensílios da
associação. Em valores nominais o montante aplicado no mercado financeiro saltou de
2:592$000 em 1875-1876 para 11:328$373 em 1887-1888. Para se ter uma ideia de valores,
em abril de 1888, o montante de capital investido no mercado financeiro era suficiente para
garantir o enterramento de 113 associados. Nesse período a média de funerais cobertos pela
associação não chegava a dois enterros por exercício social.
193
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1914 a 1915 apresentado pelo presidente do
diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 13 de junho de 1915 e unanimemente
aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1915, p.
16. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.
Gráfico 6 – Percentagem das “aplicações financeiras” e do “ativo imobilizado” sobre o Fundo Social Líquido da SBC (1875-1930).*
Fontes: APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, Caixa 60. Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; BPEB, Subgerência de
Obras Raras, Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; Arquivo Particular da Sociedade Bolsa de Caridade. Relatórios da Sociedade Bolsa de
Caridade.
*O percentual não fecha em cem por cento porque exclui o dinheiro existente em caixa desse montante uma vez que não se encaixa nem nas
aplicações financeiras e nem no ativo imobilizado.
0%
20%
40%
60%
80%
100%
120%
18
75
-18
76
18
76
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-18
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18
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-19
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19
00
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05
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20
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24
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-19
28
19
28
-19
29
19
29
-19
30
% APLICAÇÕES FINANCEIRAS % ATIVO IMOBILIZADO
Portanto, a associação já estava suficientemente capitalizada para ampliar o leque de
socorros aos sócios e adquirir sua primeira sede social. Assim, em 1889 ela adquiriu o seu
primeiro imóvel, e no ano seguinte ampliou os auxílios passando a socorrer os sócios
enfermos. A sua primeira sede social foi um prédio pequeno, situado na Rua do Gasômetro,
em uma área pouco valorizada, no bairro da Calçada, na Cidade Baixa. O sistema para
iluminação pública a gás carbônico emitia um odor fétido que atingia os moradores do
entorno, a fuligem sujava os imóveis e o barulho incomodava a vizinhança. O sistema de
transporte era deficiente e o imóvel ficava longe do centro da cidade. Em resumo, era um
prédio sem grande valor de mercado que representava menos de 20% do patrimônio da
associação. Porém, a partir de 1900, quando a Sociedade adquiriu um mausoléu no cemitério
da Quinta dos Lázaros, o percentual do ativo imobilizado sobre o total do ativo passou a girar
em torno de 47%. Esse percentual cresceu ainda mais a partir da compra da nova sede social,
em 1913, quando o ativo imobilizado sobrepujou em muito o montante aplicado no mercado
financeiro, girando em torno de 70%, como pode ser observado no Gráfico 6.
As razões que levaram a mutual a mudar seu padrão de investimento podem ser
percebidas no relatório do exercício de 1914-1915, quando o presidente do diretório queixou-
se não somente do prejuízo de 4:190$290 depositados no Banco Commercial, como também
da demora para recebimento de juros de apólices e para as retiradas em dinheiro em caixas
econômicas. Na ocasião, aconselhou ainda a venda das ações e apólices para investir em
imóveis. Entretanto, desfazer-se de suas aplicações financeiras de médio e curto prazo para
investir em imóveis seria a melhor opção? Apesar da queixa do presidente do diretório a
respeito da lentidão para receber os juros de apólices ou sacar os valores investidos no
mercado financeiro, não há termo de comparação entre a liquidez desse tipo de aplicação
financeira e os imóveis. As sociedades de socorros mútuos precisavam ter reservas com
liquidez imediata para atender a eventual desequilíbrio orçamentário. A prestação dos
socorros não poderia ser comprometida por um erro de investimento. Essa pode ter sido uma
das razões pela qual a associação preferiu não aumentar seu ativo imobilizado e, portanto, não
atendeu a sugestão do presidente do diretório quanto à compra do imóvel vizinho à nova sede
social. Não é demais frisar que nesse momento a Sociedade tinha 72% do seu patrimônio
social investidos em bens imóveis, incluindo o mausoléu. Decerto algumas mutuais possuíam
muitos imóveis. A Sociedade Protetora dos Desvalidos, por exemplo, investia
preferencialmente em imóveis, a ponto de estes representarem mais de 80% do seu patrimônio
social nas primeiras três décadas do século XX, chegando a 93,2% em 1931. Mas há que se
considerar que os associados e patronos da Sociedade Protetora dos Desvalidos costumavam
101
doar em testamento bens imóveis para a associação, o que não ocorria com a Sociedade Bolsa
de Caridade.194
Voltando à fala do tipógrafo José Prudente de Carvalho, presidente do diretório,
sobre a pertinência de investir em imóveis, vale a pena reproduzir um pequeno trecho do
relatório de 1915:
Ainda restam 10:000$000 em apólices federais de preço nominal de
1:000$000. Estas tentamos empregar na compra de um prédio junto ao da
sede social, mas, estando prestes a expirar o nosso mandato, suspendemos
todas as negociações a respeito, deixando para levar ao conhecimento da
ilustre assembleia a nossa intenção, a fim de que fiquem habilitados os
nossos sucessores a resolver sobre o assunto.
Entendemos que adquirindo o prédio contiguo, damos melhor aplicação ao
nosso patrimônio e podemos, de futuro, ter melhor ventilação e mais
claridade em alguns cômodos do nosso edifício, com abertura de janelas ao
lado.195
Seria a proposta de Prudêncio de Carvalho uma questão restrita apenas aos aspectos
econômicos e financeiros? Se assim o fosse era de se esperar que fosse feito um levantamento
das despesas com a manutenção dos imóveis da associação, das receitas aferidas com os
respectivos alugueres, assim como demonstrar a depreciação contábil e a valorização do
mesmo. Seria o mínimo necessário antes de apresentar uma proposta dessa natureza à
assembleia geral. Penso que aqui cabe considerar as questões levantadas por Silva Júnior
sobre o significado de um imóvel para as associações de ajuda mútua: Demarcam um espaço
de sociabilidade? Orgulham seus proprietários? Geram renda de aluguéis?196
Que a aquisição de imóveis atendia a interesse material da associação pode ser
facilmente verificado observando-se o aumento das receitas de locações, sobretudo após a
aquisição da nova sede social, em 1913. O prédio da antiga sede na Rua do Gasômetro fora
reformado para locação, e a nova sede teve o sótão e o térreo alugados, ficando todo o
primeiro andar para uso da entidade. No exercício social de 1914-1915, a receita proveniente
do aluguel da nova sede correspondeu a 7% do capital nele empregado, sendo 1:927$000 o
valor total arrecadado com as locações dos dois prédios, ou seja, 24% das receitas desse ano.
Porém, a aquisição de um imóvel provavelmente não atendia apenas a interesse material. Por
194
CARMO. “Trabalho e associativismo mutualista em Salvador”, p. 40.
195 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1914 a 1915 apresentado pelo presidente do
diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 13 de junho de 1915 e unanimemente
aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, 1915, p. 16-17. APEB, Biblioteca
Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.
196 SILVA JUNIOR. “As sociedades de socorros mútuos”, p. 218-219.
102
diversas vezes, em seus relatórios anuais, os presidentes do diretório atribuíram a baixa
frequência dos sócios nas assembleias à distância da primeira sede social do centro da cidade.
Essa foi, inclusive, uma das justificativas para a aquisição da nova sede da organização. Em
1914, a pedido de 25 sócios, realizou-se uma assembleia extraordinária para tratar da
pertinência da compra de um imóvel em um ponto mais central da cidade. A proposta foi
aprovada sem que nenhum dos 52 sócios presentes àquela sessão a impugnasse. A nova sede
social, livre “do pó de carvão e cinzas das fornalhas do Gasômetro”, localizada em local
próximo ao centro da cidade, dispunha de uma sala para reunião do diretório, um salão para as
assembleias gerais, recepção, chapeleiro, arquivos e sanitários. Portanto, demarcar um espaço
de sociabilidade também parece ter pesado na decisão de se investir em imóveis, como se
depreende do trecho do relatório de 1914-1915:
Alguns de vós que já passaram pelos martírios de demorar-se algumas horas
na baixa sala do prédio à Rua do Gasômetro, só se podendo mover para um
estreito corredor e pequeno quarto, privado do franco ar, não podendo
satisfazer uma necessidade de momento, empoeirados, suarentos e com os
cérebros atordoados da bulha pela passagem dos bondes da Light, hão de
forçosamente bem dizer o destino que os colocou em melhor situação de
comodidade e desafogo”.197
Com efeito, houve aumento da frequência dos sócios nas assembleias da associação
após a transferência de sede social do Gasômetro, no bairro da Calçada, para a Rua do Carmo,
no Santo Antônio, um bairro de classe média à época.198
No exercício 1914-1915 todas as
assembleias foram realizadas em primeira convocação, ao contrário do que acontecia
anteriormente, quando estas só se realizavam em segunda convocação e quase que
exclusivamente com a presença da diretoria. Ainda assim, o número de sócios presentes era
pequeno, tendo a assembleia de maior concorrência nesse exercício social atraído 43 filiados,
o que representava cerca de 10% do total de membros adimplentes da associação. Tanto os
Estatutos de 1892, como os de 1900 e os de 1909 estabeleciam que, em primeira convocação,
a assembleia geral fosse constituída com a reunião de pelo menos 25 sócios na plenitude dos
direitos sociais. Mas, apesar de a grande maioria dos associados em dias com o pagamento
197
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1914 a 1915 apresentado pelo presidente do
diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 13 de junho de 1915 e unanimemente
aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, 1915, p. 13. APEB, Biblioteca Francisco
Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.
198 CASTELLUCCI, Aldrin A. S. Industriais e operários baianos numa conjuntura de crise (1914-1921).
Salvador, Fieb, 2004, p. 89.
103
das mensalidades não frequentarem as assembleias ou mesmo a sede da agremiação, isso não
significava que uma boa sede social não fosse um diferencial que os orgulhasse. A dar crédito
a Silva Junior, pode-se dizer que a baixa frequência nas assembleias das associações de ajuda
mútua era bastante comum.199
Como visto no início desse capítulo, as associações de auxílio-mútuo costumavam
exibir em seus anúncios nos jornais a condição de proprietárias de sedes próprias. Esse parece
ser mais um indício do status e da sensação de segurança que a propriedade coletiva de um
imóvel podia proporcionar aos associados e potenciais interessados em ingressar nessas
sociedades, sentimento que ultrapassava o interesse puramente material.
Porém, não se pode desprezar o interesse material. O parecer da comissão fiscal
aprovou as contas do exercício 1925-1926, mas sugeriu que a diretoria investisse 75% do
capital acumulado em imóveis. Para tanto alegou que “Os juros de depósitos, na média de 4 a
6%, quase que não representam vantagem que compense o esforço despendido para a
acumulação da importância referida”.200
Nesse momento a associação tinha 44$506$172
aplicados no mercado financeiro, e havia gasto com os socorros aos sócios o equivalente a
13% deste valor. Ou seja, a Sociedade mantinha em aplicações de curto e médio prazo quase
8 vezes o valor gasto com o pagamento de benefícios aos associados. Se a gestão acolhesse a
proposta do Conselho Fiscal disporia de um capital investido no mercado financeiro de
apenas duas vezes o valor gasto com os socorros aos sócios. Talvez fosse arriscado. O fato é
que até 1930 tal medida não foi posta em execução e o Fundo Social Líquido da associação
teve mantida a proporção de 70% investidos em imóveis e 30% no mercado financeiro.
Quanto ao mausoléu no cemitério da Quinta dos Lázaros, também parte integrante do
ativo imobilizado da associação, foi um investimento acertado na visão do então presidente do
diretório em 1902-1903. Segundo o Capitão Euthymio da Cruz Baptista, nos 29 meses que se
passaram desde a inauguração do mausoléu, em 3 de dezembro de 1900, apurou-se 5,23% ao
ano de receita líquida sobre a quantia gasta com a construção deste. O presidente do diretório
da associação elogiou também a decisão do investimento porque essa ação teria salvado a
quantia utilizada de “uma péssima eventualidade, tal a suspensão de pagamentos dos
199
Adhemar Lourenço afirmou serem as assembleias gerais, por padrão, mal frequentadas e que a baixa
frequência era um indicativo do desinteresse da maioria dos sócios em participar da gestão da Sociedade posto
que estas fossem a instância decisória por excelência das mutuais. SILVA JUNIOR. “As sociedades de socorros
mútuos”, p. 275-276.
200 RELATÓRIO do exercício de 1925 a 1926 apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade
pelo presidente do diretório Florencio da Silva Friandes em sessão de 10 de junho de 1926 e pela mesma
unanimemente aprovado, p. 13. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.
104
bancos”.201
É verdade que o mausoléu seguiu remunerando o capital investindo de forma
eficiente, apesar das oscilações do mercado. Porém, o seu significado ia muito além do
interesse material. Afinal, “Quanto vale um enterro? Ele certamente tem um valor em
dinheiro, mas as mutuais com frequência não o pagam só com dinheiro, mas também com
prestígio”.202
Com efeito, os Estatutos reformados de 1879 estabeleciam o comparecimento
aos funerais como um dos deveres dos sócios efetivos. Já o Regimento Interno de 1892
atribuiu ao presidente do diretório a função de nomear uma comissão para assistir aos funerais
dos associados que falecessem.203
Apesar da relativa secularização dos rituais fúnebres estes não perderem sua
sacralidade. Manter a respeitabilidade sobre os serviços que atendiam não somente aos
consortes da sociedade, mas também aos não membros da entidade, era de vital importância
para a imagem da associação. Por ironia do destino, o único registro com forte potencial de
repercussão negativa sobre a imagem da Sociedade Bolsa de Caridade envolveu justamente o
seu mausoléu. O episódio constou no relatório da associação como o caso da abertura do
carneiro número 19 e foi amplamente debatido pelos jornais. O incidente consistiu na
transferência indevida da ossada de um sócio recém-sepultado para a vala comum da
associação no cemitério Quinta dos Lázaros. Em janeiro de 1906, quando da publicação nos
jornais da numeração dos carneiros que seriam abertos para transferência das ossadas, foi
erroneamente inserido o de número 19, como sendo o do menor Estavam José Pinto, cujo
nome já constava no referido anúncio como sendo o do carneiro 109. No carneiro de número
19 fora recentemente sepultado o consócio Hermegenildo José de Souza Campos, falecido no
dia 8 daquele mesmo mês. Ao cumprir as determinações da Sociedade Bolsa de Caridade para
a abertura dos carneiros e transferência das ossadas o administrador do mausoléu da
associação, Melchiades José Garcia, guiou-se apenas pela publicação dos jornais, deixando de
conferir os dados, como era o seu dever. Portanto, a ossada do consócio Hermegenildo José
de Souza Campos foi indevidamente removida para o sumidouro da associação no cemitério,
sem que tivesse se passado nem três meses do seu enterramento, quando deveria permanecer
no carneiro alugado pelo prazo de cinco anos. Ao tomar conhecimento do ocorrido o
201
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1902 a 1903 apresentado pelo presidente do
diretório capitão Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna comemorativa do 31º aniversário em 14 de julho
de 1903. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, Rua São Francisco, 29, 1903, p. 15. BPEB,
Subgerencia de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 30993.
202 SILVA JUNIOR. “As sociedades de socorros mútuos”, p. 287.
203 Estatutos e Regimento Interno da Sociedade Bolsa de Caridade aprovados em sessão de 23 de março de 1892.
Bahia: Tipografia do Diário da Bahia, 1892, p. 17. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.
105
presidente do Conselho Diretório mandou devolver a ossada ao carneiro original, e ofereceu à
família do falecido a opção de um novo caixão e devolução do pagamento do aluguel do
carneiro, ou um carneiro perpétuo. A gravidade da situação pode ser percebida pelo
oferecimento feito por Euthymio da Cruz Baptista, presidente do diretório, para arcar, com
recursos próprios, com as despesas de aquisição de um carneiro perpétuo. Além da
repercussão do caso nos jornais a associação precisou prestar esclarecimentos à Inspetoria de
Higiene Municipal. O administrador foi demitido e foi contratada a Santa Casa de
Misericórdia para administrar o mausoléu da Sociedade. Não era para menos, os rituais
fúnebres e a celebração da memória dos mortos por meio de missas e visitas aos cemitérios
era uma tradição das mais importantes na sociedade de então.
Na era colonial, havia toda uma preparação para morte, sendo a família e os irmãos de
confraria (irmandades e ordens terceiras) os responsáveis para atender os desejos do falecido.
A pompa dos rituais fúnebres, típica do catolicismo barroco à época dominante no Brasil,
culminava com o sepultamento dos corpos nos espaços sagrados das igrejas. No decorrer do
século XIX, os enterramentos perderam parte de sua pompa, especialmente a partir da
obrigatoriedade de sepultamento nos cemitérios. A obrigatoriedade do sepultamento no
recém-inaugurado cemitério de Salvador, detentor do monopólio sobre os enterramentos,
desencadeou, em 25 de outubro de 1836, uma rebelião (a Cemiterada) que resultou em sua
quase completa destruição.204
Apesar disso, a consolidação dos enterros nos cemitérios,
finalmente geridos pelo poder público, foi uma questão de tempo e estes acabaram por ganhar
o status de campo santo. Esse foi mais um dos fatores que contribuíram para o declínio das
finanças das irmandades em razão da perda de parte das rendas obtidas com a intermediação
das cerimônias fúnebres. Estas perderam grande parte de sua importância e passaram a
compartilhar com as associações de auxílio-mútuo a responsabilidade pelo enterramento de
uma parcela da população local. Entretanto, a sacralização e ritualização da morte não
desapareceram, apenas se adequaram aos novos tempos.
Assim, a inspiração para a fundação de associações de ajuda mútua muitas vezes
surgiu do desejo de assegurar dignidade para os mortos. Segundo Maria Conceição Barbosa
da Costa e Silva, a fundação da Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de Guerra da Bahia
se deveu à comoção provocada pelo sepultamento como indigente de um trabalhador do
Arsenal de Guerra, veterano da Guerra do Paraguai.205
A iniciativa teria sido do alferes
204
REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo,
Cia. das Letras, 1991.
205 COSTA E SILVA. O Montepio dos Artistas, p. 39.
106
Justino Pereira de Britto, mestre das oficinas de funilaria do Arsenal, que contando com o
apoio do coronel Thomas da Silva Paranhos, comandante do mesmo Arsenal, e mais um
grupo de colegas, em 1872, instituíram a associação de ajuda mútua com a finalidade de
providenciar o sepultamento dos empregados e operários da instituição que se associassem,
bem como de seus familiares. Durante 18 anos esse foi o único socorro prestado pela mutual,
por si só, uma clara evidência da importância social que o enterramento digno representava às
vésperas do século XX. Pelo visto, os ritos de passagem da vida terrena para a vida eterna
continuavam a ser essenciais na sociedade soteropolitana no final do século XIX. Um enterro
sem o ritual fúnebre e a ampla presença de familiares, amigos e irmãos de confraria era sinal
de desprestígio ou de miserabilidade. Os trabalhadores poderiam se precaver dessa
indignidade associando-se às sociedades de auxílio-mútuo, fundadas desde a primeira metade
do século XIX e plenamente ativas nas primeiras décadas do século XX.
107
CAPÍTULO 3:
A CARIDADE COMO DISCURSO
No dia 5 de junho de 1898, o professor Presciliano José Leal, presidente do Diretório
da Sociedade Bolsa de Caridade, leu o relatório referente ao exercício 1897-1898 na sessão
magna comemorativa do 26º aniversário da associação. Ele teceu críticas veladas à falta de
comprometimento dos membros da gestão anterior, não apenas por costumeiramente faltarem
às reuniões quinzenais, como pela inobservância dos critérios estatutários para admissão de
novos associados. Já as críticas à postura dos associados da base não foram tão veladas assim.
O professor lamentou o desperdício de recursos financeiros e humanos a cada assembleia
geral frustrada por falta de quórum. Ele calculou os valores gastos com os repetidos anúncios
em jornais e com o gás (para iluminar o salão de reuniões) e lamentou ainda a perda de tempo
dos dirigentes, obrigados a esperar os consócios, algo que, em sua opinião, tinha valor
imensurável. As críticas do professor eram pertinentes, afinal, na sua gestão a Assembleia
Geral esteve reunida apenas uma vez, mas a lei exigia ao menos três. Nada mais oportuno do
que aproveitar o quorum da sessão magna para lembrar aos companheiros os compromissos
inerentes ao ato de associar-se a uma mutual:
Na verdade, senhores, nada mais lastimável do que uma sociedade que conta
mais de 800 sócios ver-se em apuros para reunir, apenas, uns vinte e cinco.
Cremos que ser sócio da Sociedade Bolsa de Caridade não quer dizer que se
pague a joia e as mensalidades, podendo cada qual conservar-se indiferente
no seu aposento, aguardando somente a ocasião que possam vir a precisar
dos auxílios dela.
Não senhores, há mais alguma coisa que os Estatutos obrigam a cumprir-se:
no entanto poucos são os que a servem com dedicação e louvável
desinteresse.
Enfim pode ser que tenham razão; mas nem pensam que o aumento ou
diminuição do capital social incide favorável ou desfavoravelmente sobre
todos os sócios, em geral, e que eles poderão maiormente gozar ou sofrer as
consequências em particular.
Senhores consócios: Vós sois que formais o supremo poder social; portanto
aqui, neste recinto, é que deveis manifestar dignamente as vossas opiniões
sobre todo mecanismo social.
Se quereis sociedade, cumpri com os vossos deveres: sede rigorosos nas
vossas indagações e constantes no exercício do vosso poder.206
206
RELATÓRIO apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do
Diretório Presciliano José Leal, na sessão magna de 5 de junho de 1898 comemorativa do 26º aniversário, p. 6-7.
Arquivos da Sociedade Bolsa de Caridade
108
O interesse por tal relato está na importância dada ao caráter de autossustentação e
autogestão da associação, bem como a um valor fundamental do mutualismo: seu caráter
voluntário. O professor foi enfático ao lembrar que a existência da associação de ajuda mútua
dependia da participação voluntária dos seus integrantes. Estes se associavam por vontade
própria e ao formalizarem seu ingresso na associação assumiam compromissos com a
coletividade. Ao negligenciar o dever estatutário de participar e contribuir com a gestão dos
recursos comunitários, os associados colocavam em risco o futuro da associação. É possível
que o professor Presciliano José Leal quisesse, adicionalmente, demarcar as fronteiras entre as
associações de auxílio-mútuo, cuja filiação era livre, individual e voluntária, e as sociedades
beneficentes das fábricas, criadas por iniciativa dos industriais, que controlavam os fundos e a
direção das entidades, impondo-as de cima para baixo aos operários.207
Segundo Cláudia
Viscardi, nas sociedades de socorros mútuos “Todos contribuem e todos recebem a
contribuição. Realçam o ethos da obrigação mútua e a responsabilidade coletiva pelo bem-
estar dos outros”.208
Portanto, Presciliano Leal cobrou dos companheiros coerência com suas
escolhas: “se quereis sociedade, cumpri com os vossos deveres”. Entretanto, se o argumento
do dever com a coletividade não fosse suficiente para convencer os que se eximiam da
participação, então que refletissem sobre as consequências de permitir que uns poucos
gerissem o futuro da associação. A negligência em participar poderia refletir diretamente na
capacidade da mutual prestar os socorros prometidos. Os associados sabiam que muito
embora os benefícios oferecidos pela mutual não os livrassem do empobrecimento,
certamente eram uma alternativa para os momentos em que estivessem impossibilitados de
sustentarem-se.
Apesar da contundência do discurso do professor Presciliano Leal, esta não foi a
primeira e nem a última crítica feita à falta de engajamento mais decidido dos sócios. Seis
anos antes, em 1891, o presidente do Diretório, o ajudante de pedagogo do Arsenal de Guerra,
Marciano Martinho Dumiense, responsabilizou o baixo comparecimento dos associados pelo
atraso na reforma dos Estatutos.209
No ano seguinte, em 1892, por ocasião da distribuição dos
Estatutos reformados, o maquinista José Paula de Souza Moraes, então presidente do
207
CASTELLUCCI. “A luta contra a adversidade”, p. 60-62. 208
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. “Estratégias populares de sobrevivência: o mutualismo no Rio de Janeiro
republicano”. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 29, nº 58, p. 291-315, 2009, p. 292.
209 RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1890 a 1891) apresentado em sessão de 10 de maio
de 1891 pelo presidente do conselho administrativo Marciano Martinho Dumiense, p. 6. Arquivos da Sociedade
Bolsa de Caridade.
109
diretório, responsabilizou a falta constante dos sócios pelo atraso de 3 anos na aprovação
daquele documento.210
Euthymio da Cruz Baptista, dirigente no exercício 1903-1904
perguntou perplexo:
Sabeis que é este o poder soberano da nossa associação; e como consentis
que funcione um tal poder com o número de 12 ou 14 associados? Uma
instituição que conta com um milhar de associados, que socorre anualmente
para mais de 50 sócios, 12 ou 14 sócios deliberarem sobre tudo! Sobre
vossos mais sagrados direitos?
Essa exposição faço senhores consócios, porque com exceção da Sessão
Magna em que se fez a eleição não conseguimos reunir nas outras
assembleias 25 sócios, conforme marcam os Estatutos”.211
No relatório imediatamente anterior ele já havia registrado que fora preciso
descumprir os Estatutos e fazer uma terceira convocação para reunir a assembleia geral
ordinária por ocasião da apresentação do balanço do segundo quadrimestre. Afirmou ainda
não saber se a ausência dos associados nas assembleias se devia “ao indiferentismo a essa
instituição ou a plena confiança no Diretório”.212
Em 1910 o major Herculano Brittes
Guimarães relatou não ter havido quorum para discussão e aprovação do 2º e 3º quadrimestre,
visto que na segunda convocação só compareceram o presidente da Assembleia e alguns
membros do Conselho Diretório.213
Já Prudêncio de Carvalho atribuiu a baixa frequência nas
Assembleias Gerais à inadequação da sua sede social. Segundo ele, além de distante do centro
e mal servida de transporte público, suas acomodações eram pequenas, sem ventilação
adequada, abafadas e enegrecidas pela fuligem do gasômetro situado na mesma rua.214
210
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1891 a 1892) apresentado em sessão de 8 de maio
de 1892 pelo presidente do conselho administrativo José Paulo de Souza Moraes. p. 4. Arquivos da Sociedade
Bolsa de Caridade.
211 RELATÓRIO do exercício de 1903 a 1904 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de
Caridade pelo presidente do diretório Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna comemorativa do 32º
aniversário em 12 de junho de 1904, p. 13. Arquivos da Sociedade Bolsa de Caridade.
212 RELATÓRIO do exercício de 1902 a 1903 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de
Caridade pelo presidente do diretório Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna comemorativa do 31º
aniversário em 14 de julho de 1903, pp. 9-10. BPEB, Diretoria de Bibliotecas públicas. Subgerencia de Obras
Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 30993.
213 RELATÓRIO do exercício de 1909 a 1910 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de
Caridade pelo presidente do diretório Major Herculano Brittes Guimarães em sessão magna comemorativa do
38º aniversário em 31 de julho de 1910, p. 9. Arquivos da Sociedade Bolsa de Caridade.
214 RELATÓRIO do exercício de 1910 a 1911 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de
Caridade pelo presidente do diretório Prudencio de Carvalho em sessão de 16 de abril de 1911, p. 14. APEB,
Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0595.
110
Talvez Prudencio de Carvalho tivesse alguma razão. Afinal, como vimos em capítulo
anterior, efetivamente, a nova sede social, mais espaçosa e melhor localizada, atraiu um maior
número de associados às reuniões das assembleias gerais ordinárias e extraordinárias. A
assembleia geral extraordinária, realizada em 5 de março de 1915, ocasião em que se discutiu
o projeto de revisão dos Estatutos, reuniu 43 associados.215
Após essa data, um ou dois
relatórios mencionaram reuniões regulares das assembleias, sempre em primeira convocação,
sem, no entanto, registrar o número de presentes. A exceção foi o registro de eleições
realizadas em 20 de junho de 1922, quando compareceram 192 associados.216
Nenhum outro
relatório fez qualquer menção ao número de votantes nas eleições para os cargos da
associação. Passada a novidade da nova sede, tudo indica que a situação tenha voltado ao
patamar anterior, haja vista alguns relatórios apontarem apenas uma reunião da assembleia
ordinária no exercício, quando os estatutos previam o mínimo de duas ordinárias e uma
magna. Portanto, as razões da baixa frequência às assembleias devem ser procuradas em outro
lugar.
ABERTURA, CRESCIMENTO E BUROCRATIZAÇÃO.
Ainda que fossem agremiações de solidariedade horizontal “e definissem sua
identidade a partir da isonomia e da ajuda mútua”, as sociedades mutualistas tinham estruturas
hierarquizadas e excludentes, sendo os fatores de exclusão mais usuais a renda ou profissão, o
gênero, a idade e a nacionalidade.217
De início a Sociedade Bolsa de Caridade incorporou
todas essas modalidades de exclusão. Lembro ao leitor que em seu primeiro Estatuto a
associação era exclusiva para os trabalhadores do Arsenal de Guerra, podendo seus familiares
participar como beneficiários. Menores de idade e mulheres não tinham direitos políticos. Os
Estatutos reformados de 1879 aceitavam como sócios apenas os trabalhadores nacionais
maiores de 18 anos, sem fazer qualquer menção à situação das mulheres. Em 1892 os novos
estatutos mantiveram a exclusão por nacionalidade, ampliaram a exclusão por faixa etária ao
estabelecerem também a idade máxima (50 anos), criaram nova exclusão (gozar de perfeita
215
RELATÓRIO do exercício de 1914 a 1915 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de
Caridade pelo presidente do diretório Prudencio de Carvalho em sessão magna comemorativa do 38º aniversário
em 13 de junho de 1915, p. 10. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0595.
216 RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1922-1923 relatado pelo presidente do diretório J.
Prudencio F. de Carvalho em Assembleia Geral de 1 de agosto de 1923 e na mesma unanimemente aprovado.
Bahia: Typographia do Lyceu de Artes, 1923, p. 3. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.
217 VISCARDI. “Estratégias populares de sobrevivência”, p. 297.
111
saúde), permanecendo as mulheres sem direitos políticos e, dado importante, deixou de exigir
do aspirante a sócio o exercício de “artes ou profissões”. Os Estatutos de 1900 não alteraram
os fatores de exclusão, mas os de 1909 garantiram às associadas do sexo feminino os mesmos
direitos conferidos aos homens. Entretanto, apenas as esposas e filhas de sócios poderiam
associar-se.
Portanto, a associação foi lentamente eliminando algumas modalidades de exclusão
ou fechamento. De uma associação exclusiva para artesãos e mestres de ofício do Arsenal de
Guerra da Bahia ela passou a aceitar membros de posição indiferenciada do ponto de vista de
classe, fossem brasileiros ou estrangeiros que tivessem entre 18 e 50 anos, o mesmo valendo
para suas esposas e filhas, desde que gozassem de perfeita saúde e de reconhecida
“moralidade” e idoneidade. Certamente a necessidade de ampliação dos seus quadros por
meio da adesão de novos sócios foi o principal motor para a eliminação de diversas
modalidades de “fechamento”, sendo mantidas apenas as exigências etárias, de saúde e
moralidade. A manutenção de tais exigências é um indicador de que a preocupação com a
capacidade de garantir os benefícios securitários eclipsou critérios identitários, levando a
associação a abdicar de seu caráter de mutual exclusiva de trabalhadores. Entretanto, essa
abertura parece não ter resultado em uma alteração significativa na composição do seu quadro
de associados visto que o valor dos benefícios não era atraente para os grupos sociais mais
favorecidos, e o valor das contribuições dos associados, ainda que bastante baixo, não
permitia que os grupos sociais ainda menos favorecidos a ela se associassem. Dessa forma, os
artesãos e mestres de ofícios continuaram a compor a base principal da organização no século
XIX.
Durante todo o período em que a Sociedade Bolsa de Caridade se manteve como
mutual exclusiva para “profissionais ou artistas” seus relatórios raramente fizeram referência
à frequência dos associados às sessões das assembleias gerais. Os relatórios costumavam
apontar apenas o número delas: usualmente três ordinárias e entre três e sete extraordinárias.
Também não foi registrada qualquer queixa sobre a dificuldade de se constituir as sessões das
assembleias gerais ordinárias por falta de quorum. Porém, o atraso na reforma dos estatutos
aprovados em 1892 foi atribuído à frequência irregular dos sócios.218
Embora exista a
possibilidade de se tratar apenas de uma omissão dos relatores, intencional ou não, esses
218
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1891 a 1892) apresentado em sessão de 8 de maio
de 1892 pelo presidente do conselho administrativo José Paulo de Souza Moraes. Bahia: Lytho-Typographia V.
Oliveira & C. Rua Nova das Princesas, n. 8, 2º andar, 1892, p. 4. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.
112
dados sugerem ter havido certa participação dos filiados nas reuniões gerais da associação.
Durante esse período foi verificada certa alternância nos cargos dirigentes, o que também
reforça a possibilidade de que uma parcela maior do quadro de associados fosse efetivamente
comprometida com a associação. Em outras palavras, só tenho maiores evidências da baixa
participação dos associados nas assembleias gerais quando a mutual já não tinha como critério
para tornar-se sócio o efetivo exercício de “artes ou profissões”.
Com efeito, a partir de 1897 alguns dirigentes destacaram a dificuldade de reunir o
número mínimo de sócios exigidos pelos estatutos para o funcionamento da assembleia geral
em primeira convocação. Também assinalaram que as reuniões feitas após a segunda
convocação aconteciam com número insignificante de associados, muitas vezes limitando-se
à liderança à frente da entidade, ainda assim sem a totalidade dos seus membros. Apesar dos
constantes lamentos dos presidentes do Conselho Diretório essa não era uma característica
exclusiva da Sociedade Bolsa de Caridade. Nas palavras de Silva Júnior, nas associações de
ajuda mútua do Rio Grande do Sul, mas não só lá, “o público é, exatamente, o que faltava nas
assembleias pouco frequentadas”. Ainda segundo o autor, era comum que os Estatutos das
associações de ajuda mútua definissem a presença dos sócios nas assembleias gerais como um
dever e buscassem valorizar essa instância decisória afirmando sua plena soberania.219
De fato, os estatutos de 1900 da Sociedade Bolsa de Caridade definiam a Assembleia
Geral como “supremo poder social, soberana nas suas deliberações, só tendo acima de si
Deus, a lei e seus direitos”, um indicador da valorização dessa instância deliberativa, ao
menos em retórica. Já na primeira reforma estatutária, em 1879, a presença nas sessões da
assembleia geral passou a configurar-se num dever do sócio efetivo, sem que fosse aventada,
no entanto, qualquer penalidade para os faltosos. Apesar disso, a análise dos estatutos da
associação apontou para a tentativa crescente de valorização das assembleias gerais. Enquanto
os Estatutos de 1872, o mais simples de todos, mencionaram a assembleia geral apenas duas
vezes, os de 1879 lhe dedicaram todo um capítulo. 220
Entretanto, termos como soberania, ou
poder social só foram incorporados a partir dos Estatutos de 1892. Estes afirmavam ser a
Assembleia soberana nas suas deliberações, só tendo acima de si a lei. Os estatutos seguintes
219
SILVA JÚNIOR, Adhemar Lourenço da. “Oligarquias em sociedades de socorros mútuos (1854-1940)”.
Revistas Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 2, n. 4, p. 78-108, 2010.
220 Os Estatutos de 1872 citam a Assembleia Geral apenas no §2º do Artigo 2º ao estabelecer a possibilidade de
se criar pensões no futuro, a critério da assembleia geral; e no Artigo 13 onde define a Assembleia Geral como
uma reunião geral, cabendo sua convocação ao Conselho Administrativo.
113
acrescentaram adjetivos como supremo poder, ou colocavam a assembleia geral abaixo
apenas de Deus. Contudo, a retórica estatutária não foi suficiente para animar o corpo de
associados a participar das reuniões gerais.
A ampliação dos socorros para além do auxílio funeral pode ter contribuído para o
afrouxamento de laços de solidariedade horizontais e identitários caros às diversas formas de
associativismo de trabalhadores. De fato, o auxílio funeral podia contribuir para agregar
valores que iam além do mero socorro pecuniário. A mutual tinha por obrigação organizar a
comissão que acompanharia o morto em todas as etapas do funeral, fato que contribuía para o
sentimento de respeito, dignidade, união e amparo. A presença de numerosos consortes no
velório, incluindo membros do corpo diretivo, era um indicador do prestígio e da
respeitabilidade do defunto. Para Viscardi, “Na condição de ritos de solidariedade, os funerais
financiados pelas mutuais eram ocasiões em que os valores por elas cultivados poderiam ser
reforçados”.221
Como visto no capítulo anterior, apesar da crescente dessacralização, o ritual
da morte ainda tinha muita importância no período pesquisado. Porém, quando a associação
passou a assegurar também o auxílio-enfermo e posteriormente pensão, socorros que
prescindiam da ritualização do enterramento, possivelmente alguns valores que eram
reforçados por aqueles rituais perderam vigor. Por outro lado, o crescimento do quadro de
associados somado à ampliação das modalidades dos socorros forçou a mutual a se precaver
contra as fraudes e requerimentos indevidos dos benefícios. Nesse sentido, o rigor da
fiscalização sobre a saúde do requerente do benefício, o acompanhamento quinzenal da
evolução da doença, bem como a necessidade crescente de novos associados que garantissem
a eficácia securitária da mutual tornou as relações mais impessoais, contribuindo para a baixa
participação nas assembleias e demais reuniões da associação.
O fato é que a participação dos associados nas assembleias gerais foi realmente
muito baixa, especialmente se comparado com o total de sócios, ou mesmo com os associados
no gozo dos direitos sociais, ou seja, os adimplentes. Quando o professor Presciliano José
Leal, no exercício social de 1897-1898, expressou seu descontentamento com a baixa
frequência dos associados às assembleias, a agremiação contava com 849 sócios. Em 1910,
quando o major Herculano Brittes Guimarães também lamentou a falta de quórum para o
funcionamento da assembleia geral, a Sociedade Bolsa de Caridade tinha 1.030 associados. E
221
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. “O Ethos Mutualista: valores, costumes e festividades”. In: CORD,
Marcelo Mac.; BATALHA, Claudio H. M. (orgs.). Organizar e Proteger: trabalhadores, associações e
mutualismo no Brasil (séculos XIX e XX). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014, p. 193-218, citada à p.
205.
114
em 1915, quando Prudencio de Carvalho comemorou a presença de 43 sócios em uma
assembleia extraordinária, a associação contava com 1.077 membros, enquanto em 1930, data
limite deste trabalho, existiam 1.532 associados. Apesar do alto índice de inadimplência, fator
impeditivo para o exercício das funções sociais na agremiação, é confiável supor que um terço
dos associados estivesse no gozo de direitos. Ainda assim era um número expressivo. Uma
sociedade na casa de um milhar e meio de associados, se contasse com um terço dos sócios no
gozo das regalias sociais, e destes, 30% resolvessem comparecer as assembleias, talvez fosse
difícil acomodá-los no salão de reuniões da entidade.
POUCOS À FRENTE DA ASSOCIAÇÃO
Diante da dificuldade para garantir a presença de apenas 25 sócios para se constituir
a Assembleia Geral em primeira convocação, é de se imaginar que encontrar 17 membros
dispostos a preencher as vagas nas três instâncias dirigentes (Diretório, Mesa da Assembleia
Geral e Comissão Fiscal) tenha sido ainda mais difícil. Tanto a participação em assembleias
gerais quanto a ocupação de cargos dirigentes dependiam da disposição dos associados em
delas participar, mesmo porque “quem tem interesse em se filiar as mutuais não têm,
necessariamente interesse em dirigi-las”, como bem assinalou Silva Jr.222
No século XX,
muitos indivíduos ingressaram na Sociedade Bolsa de Caridade, mas poucos se dispuseram a
participar ativamente da sua gestão. Como já demonstrei no primeiro capítulo, alguns nomes
assumiram encargos na diretoria por anos seguidos, por vezes ocupando repetidas vezes a
presidência do Conselho Diretório, principal cargo dirigente da associação mutual. Antônio
Borges Nogueira presidiu o diretório por quatro vezes, Elpídio Adolpho de Menezes por três
anos consecutivos, Herculano Brittes Guimarães por sete vezes, Euthymio da Cruz Baptista
por quatro vezes. Apesar do baixo índice de renovação do seu corpo diretivo como um todo,
assim como da presidência do Conselho Diretório, até 1910 havia alguma alternância nos
cargos, inclusive com associados que assumiram a presidência da instituição por apenas um
exercício. Porém, como também já foi assinalado, entre 1910 e 1925 a Sociedade Bolsa de
Caridade foi administrada por um grupo liderado pelo tipografo Prudencio de Carvalho que
estabeleceu uma espécie de oligarquia na gestão da mutual. A justificativa foi sempre a falta
de braços dispostos a assumir os encargos administrativos.
222
SILVA JÚNIOR, Adhemar Lourenço da. “As sociedades de socorros mútuos: estratégias privadas e públicas
(estudo centrado no Rio Grande do Sul-Brasil, 1854-1940)” (Tese de doutorado em História, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2010), p. 204.
115
Em 1917, ao anunciar a elevação de Florêncio da Silva Friandes, 1º secretário do
diretório desde 1910, à categoria de Benemérito, José Prudencio F. de Carvalho, então
presidente do Diretório, afirmou que o título parecia ainda mais justo diante da dificuldade de
“se proverem os cargos dirigentes das associações pela excusa de muitos dos seus associados,
e dos eleitos, em preencherem as obrigações inerentes aos seus cargos, pesando os trabalhos
administrativos nos seus companheiros (...)”. Neste mesmo relatório, Prudencio de Carvalho
elogiou o trabalho dos membros do Conselho Diretório, sem modéstia alguma, chegando a
afirmar que uma visita a qualquer reunião quinzenal da diretoria lembraria ao visitante uma
repartição onde os funcionários eram muito bem remunerados, embora ali o pagamento fosse
apenas a satisfação de contribuir com uma obra de fraternidade. Apesar do autoelogio, ele
concluiu o seu relato com uma súplica: “É justo, no entanto, que outros consócios nos
substituam nesses postos”.223
Em 1920, Prudêncio de Carvalho voltou a reclamar a
participação de outros associados na direção da mutual: “Bastas são as vezes que vos temos
solicitado a nossa substituição. Os relatórios respectivos dão disto conta. É num posto de
sacrifício que nos colocamos (...)”.224
Apesar das constantes reclamações, Prudencio de
Carvalho se manteve na presidência do conselho diretório por 15 anos ininterruptos, um
indício de que tais queixas funcionavam, sobretudo, para valorizar o aspecto de sacrifício
pessoal que a função exigia. Em 1925, possivelmente em função dos rumores que tão longo
mandato suscitava, deixou o cargo de presidente do diretório, mas continuou a participar da
gestão, desta feita na condição de 2º secretário da Assembleia Geral. Indicou o seu substituto,
Florêncio da Silva Friandes, sendo sua eleição mais uma comprovação do grande prestígio
que ainda gozava no seio da associação, apesar da acusação de apego ao cargo. Mesmo
alegando estar velho e debilitado, voltou a assumir a presidência do conselho diretório no
exercício 1929-1930.
A tendência à baixa renovação do corpo diretivo, agravada no período liderado por
Prudencio de Carvalho, é um fator indicativo da existência de “monopólio por parte de grupos
e a impossibilidade de dissensos, ou pelo menos, a inexistência de mecanismos que permitam
223
RELATÓRIO do exercício de 1916 a 1917 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de
Caridade pelo presidente do diretório Prudencio de Carvalho na Assembleia Geral realizada em 17 de julho de
1917 e na mesma unanimemente aprovado. Citações às páginas 20 e 21, respectivamente. Arquivos da
Sociedade Bolsa de Caridade.
224 RELATÓRIO do exercício de 1919 a 1920 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de
Caridade pelo presidente do diretório Prudencio de Carvalho na Assembleia Geral realizada em 16 de julho de
1920 e na mesma unanimemente aprovado, p, 4. Arquivos da Sociedade Bolsa de Caridade.
116
a livre discussão interna”, conforme assinalou Silva Jr.225
Ressalvou, porém, que as diretorias
tinham seus poderes limitados pelo processo eleitoral bem como pela possibilidade de
deposição pela assembleia geral, fato que as impediriam de exercerem poderes autocráticos.
Para o autor, as associações de ajuda mútua tendencialmente apresentaram um grau de
democratização bem menor do que os seus Estatutos previam, tanto em decorrência da pouca
participação nas assembleias gerais, como pela baixa alternância de poder entre os dirigentes.
No caso da associação em questão, são raros os registros de embates, debates ou mesmo
pequenas divergências nos seus relatórios. Nem mesmo disputas eleitorais foram registradas.
A única exceção foi citada acima, quando relatei o único registro do número de associados
presentes a uma eleição. Segue o relato:
(...) esta passou a proceder a eleição dos novos funcionários, que apesar de
bastante disputada, tendo comparecido ao pleito 192 associados, foi eleita a
diretoria que ora extinguem os seus mandatos por 146 votos, reeleita em sua
totalidade, como vereis.226
Tendo como parâmetro apenas os dados citados acima, não me pareceu que a eleição
tenha sido bastante disputada. Lembro ao leitor que grande parte desse grupo dirigente
ocupava os mesmos cargos desde 1910, o que torna ainda menos plausível o discurso de
eleições bastante disputadas. Apesar disso, as assembleias gerais podiam efetivamente barrar
abusos dos dirigentes ou forçar uma guinada na condução dos negócios da associação. A
Sociedade Bolsa de Caridade teve exemplos da força que as assembleias gerais podiam
representar, especialmente em momentos de crise, quando os seus membros percebiam a
necessidade de vencer a inércia e contribuir para a manutenção da finalidade da sua
agremiação. Foi assim em 1877, quando toda a diretoria foi deposta e a Sociedade foi
reorganizada, disso resultando a abertura da mutual para trabalhadores de fora do Arsenal,
como já foi visto no primeiro capítulo. Em novembro de 1895 a assembleia geral elegeu uma
comissão provisória para substituir a diretoria afastada por essa mesma instância, fato também
já relatado em capítulo anterior. Ainda que essa instância decisória estivesse sub-representada
podendo ser alvo de manipulação, era um instrumento que os associados poderiam ter à sua
disposição para garantia de suas prerrogativas.
225
SILVA JÚNIOR. “Oligarquias em sociedades de socorros mútuos”, p. 88.
226 RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1922-1923 relatado pelo presidente do diretório J.
Prudencio F. de Carvalho em Assembleia Geral de 1 de agosto de 1923 e na mesma unanimemente aprovado.
Bahia: Typographia do Lyceu de Artes, 1923, p. 3. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.
117
É bastante provável que a abertura e o crescimento da mutual tenham resultado na
burocratização da sua gestão, contribuindo para tornar mais restrita a disseminação dos
valores originais do associativismo mutualista, a exemplo do voluntarismo. Contudo, o
crescimento da agremiação também tinha potencial para disseminar esses valores junto aos
novos sócios, a partir do momento da formalização da sociabilidade, caso houvesse um
trabalho nesse sentido. Apesar da primordial importância do atendimento securitário na
trajetória da Sociedade Bolsa de Caridade, esse fator, por si só, não excluía a manutenção de
elementos identitários entre os associados. Segundo Silva Jr., se assim fosse, o critério para
associar-se a uma mutual estaria vinculado apenas a sua capacidade de oferecer serviços. Mas
esse não parecia ser o único critério observado pelos trabalhadores quando se candidatavam
ao ingresso em uma associação de ajuda mútua. Para esse autor, “quem produzia os discursos
que eram capazes de fazer a conversão e a reconversão entre benefícios materiais e espirituais
eram os grupos dirigentes das mutuais”. As sessões comemorativas de aniversário da entidade
são um exemplo do esforço de sociabilidade e de reforço dos valores que privilegiam a
dimensão social da associação.227
AS ASSEMBLEIAS MAGNAS COMEMORATIVAS DE ANIVERSÁRIO
Festas e cerimônias podiam ser promovidas para angariar recursos, proporcionar
lazer e confraternização entre os sócios ou para comemorações diversas, em especial a
celebração do aniversário de fundação da entidade. De alguma maneira, essas festas e
solenidades contribuíam para o fortalecimento de relações afetivas entre seus pares.
Usualmente os estatutos das associações de socorros mútuos previam os recursos a serem
gastos com as assembleias solenes de aniversário, numa demonstração da importância dessa
tradição para as mutuais. No caso da Sociedade Bolsa de Caridade havia uma quantia fixada
anualmente para a realização dessa solenidade, muito embora, por vezes, recursos extras
tenham sido arrecadados com a finalidade específica de promover ou abrilhantar tais eventos.
As solenidades de aniversário da associação foram crescendo em tamanho e prestígio na
227
SILVA JÚNIOR. “Oligarquias em sociedades de socorros mútuos”, p. 86. Segundo o autor diante da baixa
participação dos associados e da burocratização da gestão, a comunicação com a os sócios que não frequentam
as assembleias parece acontecer por meio da publicação de dados financeiros e do resultado das eleições do
corpo diretivos em jornais, pela edição e distribuição dos relatórios anuais nas assembleias magnas
comemorativas de aniversário, e do contato com os sócios via recebedor, cobradores e visitadores.
118
medida em que a mutual aumentava seu quadro social, adquiria patrimônio e via reforçado
seu conceito junto à sociedade.
De fato, o prestígio da associação também era medido em função da maior ou menor
demanda para fazer parte do seu quadro de associados. Os dirigentes aproveitavam as
solenidades de aniversário para reforçar a imagem de prosperidade, respeitabilidade e
compromisso exclusivamente securitário, distante, por exemplo, de “interesse eleitoral”:
Não pode ser mais eloquente a confiança e simpatia que tem conquistado
esta Sociedade, acusando nos exercícios decorridos a entrada de número tão
elevado de associados, sem que houvesse alguma razão fora do comum que
isso determinasse.
Diga-se com verdade, que nas sociedades existentes entre nós, não havendo
um motivo extraordinário, um interesse eleitoral, verifica-se de ordinário
certa apatia, registrando ela anualmente a entrada de reduzido número de
sócios. (...)
Felizmente, há muitos anos vida serena decorre entre nós e os que avolumam
as nossas fileiras, vêm espontaneamente, sem outra pretensão senão a de
usufruírem no dia da adversidade os benefícios que a lei faculta.228
A celebração do 21º aniversário da associação, realizada em 8 de maio de 1893, foi a
primeira solenidade desta natureza a ser descrita nos relatórios da Bolsa de Caridade.
Basicamente informava que a sessão magna teve lugar na sede social da agremiação, à Rua do
Gasômetro, sendo precedida por celebração de missa. Por ocasião da sessão magna
comemorativa do 24º aniversário, realizada em 31 de maio de 1896, foi citada, pela primeira
vez, a presença da imprensa na solenidade, e em 14 de junho de 1903, por ocasião da
comemoração do 31º aniversário, foi registrada, também pela primeira vez, a presença de
representantes de autoridades. A associação percorrera um longo caminho até firmar-se como
associação de prestígio.
De acordo com a descrição dos relatórios, as assembleias magnas eram precedidas de
celebração de missa em louvor a Nossa Senhora do Noviciado, padroeira da associação. As
missas aconteciam por volta das 9h e, em seguida, os associados, familiares e convidados
seguiam para a sede da associação, onde era realizada a sessão comemorativa de aniversário
da Sociedade Bolsa de Caridade. O presidente da mesa abria a sessão, pronunciava um breve
228
RELATÓRIO do exercício de 1916 a 1917 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de
Caridade pelo presidente do diretório José Prudencio Ferreira de Carvalho na Assembleia Geral realisada em 17
de julho de 1917 e unanimemente aprovado. Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes. Bahia: Tipografia e
Encadernação do Liceu de Artes, Prudencio de Carvalho, diretor premiado com Medalha de Ouro da Exposição
Nacional de 1908, 1917, p. 9. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.
119
discurso e passava a palavra para o presidente do diretório, que deveria ler o relatório anual da
sua gestão, seguido pelo relator da comissão fiscal, que lia o seu parecer. Em seguida a
palavra era dada aos representantes das autoridades e das associações presentes. Por fim,
discursava o orador oficial. Durante longos anos as missas de aniversário e a sessões solenes
foram embaladas pela Philarmônica Recreio do Bomfim, que chegou a ganhar o título de
sócia benemérita. A sessão era encerrada para os preparativos das eleições, e logo depois era
reaberta para a realização do pleito que elegeria os novos dirigentes da agremiação. Embora
os relatórios anuais não especificassem o número de presentes nas assembleias magnas
comemorativas de aniversário da associação, costumavam usar expressões tais como
“crescido número de sócios e seus familiares” ou “grande número de consócios”.
O relatório do exercício de 1908-1909 foi o primeiro a publicar um discurso
proferido nas assembleias magnas de aniversário. Entretanto, a fala publicada não foi a do
orador oficial da associação, o prestigiado rábula e major da Guarda Nacional Cosme de
Farias, conhecido pela defesa dos pobres e eleito diversas vezes para cargos no legislativo
baiano. Apesar de seus discursos terem feito história nas tribunas de Salvador, sua alocução
não foi preservada pela agremiação. O discurso transcrito foi o proferido pelo vice-presidente
da assembleia geral, Prudêncio de Carvalho, realizado por ocasião da abertura da sessão
magna comemorativa do 36º aniversário da Sociedade Bolsa de Caridade, em 9 de agosto de
1908. Trechos de sua fala já foram usados na abertura do primeiro capítulo deste trabalho. A
singularidade desse discurso está no questionamento do alcance da ajuda mútua,
consubstanciada no uso da palavra caridade ou beneficência, para a efetiva superação da
pobreza dos trabalhadores.
Habilidoso, Prudencio de Carvalho atribuiu aos associados o mérito pela
prosperidade da associação. Começou seu discurso agradecendo aos eleitores por tê-lo alçado
a “tão elevado cargo”, parabenizou a associação pelos festejos natalícios e lisonjeou os
consortes: “(...) ficareis ainda uma vez convencidos de que não foi debalde que cada um tem
concorrido com sua quota para a manutenção deste benemérito instituto. Ele continua
próspero (...)”.229
Em seguida reafirmou o protagonismo dos consortes bem como a
importância das associações de trabalhadores no amparo dos seus: “E quem é que vem então
229
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1908 a 1909 apresentado pelo presidente do
diretório Candido Honorio Pinto em sessão magna comemorativa do 37º aniversário em 11 de julho de 1909.
Bahia: Typ. e Encadernação do Lyceu de Artes e Officios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1909, p. 23.
Biblioteca Pública do Estado da Bahia (BPEB), Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref.
273383.
120
estender a mão aos desvalidos? É preciso haver alguém que escute compadecido os clamores
do infortúnio, esse alguém são as agremiações desta natureza como a que se denomina –
Bolsa de Caridade.”230
. Foi também nessa ocasião que ele levantou a discussão se essa seria
uma instituição de caridade ou de previdência, já que só podia ser socorrido quem contribuía
para tanto.
Além de apostar em valores caros ao associativismo mutualista tais como autonomia,
respeitabilidade, solidariedade e laicidade, seu discurso trouxe elementos que apontaram para
a necessidade de transformação social: “Procuremos educar a criança na verdadeira escola,
preparando-a para a vida, fora de todo o fanatismo e preconceitos que lhes incutem os
estabelecimentos dirigidos pelo clero”.231
Também citou o desequilíbrio nas relações entre
capital e trabalho. Porém, concluiu seu discurso em tom contemporizador: “Esqueçamos por
momentos estas mágoas que nos cruciam e cuidemos da hora presente. Estreitemo-nos, pois,
em amistoso amplexo com os que têm procurado manter este instituto (...) que vai mitigar o
infortúnio”.232
Parece que na “hora presente” não era conveniente afastar o clero ou o capital
do seio desta associação de ajuda mútua.
Na abertura da sessão solene do 37ª aniversário da associação, em 11 de julho de
1909, novamente o discurso de Prudencio de Carvalho foi publicado no relatório anual, em
detrimento do proferido pelo ainda orador oficial, o Major Cosme de Farias. Nesse discurso
ele resgatou a história da fundação da Sociedade Bolsa de Caridade para lembrar que ela foi
fundada por um “grupo de homens do trabalho (...) que estavam convictos de que a classe
operária, pouco remunerada, não podia prescindir de um meio associativo” com o qual
pudesse contar nos momentos de privação.233
Porém, diferentemente do exercício anterior, os
recursos da associação passavam por um momento delicado e o discurso de Prudencio de
Carvalho mudou de tom. Nada de embate entre o capital e o trabalho, nada de educação para a
autonomia da nova geração da classe trabalhadora, nada de questionamentos. Desta feita ele
fez um apelo:
230
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1908 a 1909, p. 24.
231 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1908 a 1909, p. 25.
232 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1908 a 1909, p. 26.
233 RELATÓRIO do exercício de 1909 a 1910 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de
Caridade pelo presidente do diretório Major Herculano Brittes Guimarães em sessão magna comemorativa do
38º aniversário em 31 de julho de 1910. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes, Prudencio de
Carvalho, diretor premiado com Medalha de Ouro da Exposição Nacional de 1908, p. 19. Arquivos da Sociedade
Bolsa de Caridade.
121
“(...) e assim todo esforço deve convergir para que o capital não se extinga, e
procuremos a todo o transe novos combatentes que venham cooperar nesta
meritíssima obra de benemerência e de filantropia. Venham outros apóstolos
da caridade, cheios de abnegação e devotados até ao sacrifício, tomar parte
nesta lida sacrossanta (...)
Vê-se que se não houvesse espíritos previdentes e cuidadosos à frente de sua
gestão, conservando com avareza as reservas acumuladas, já há muito ele
encontrar-se-ia esgotado.
Necessário é que todos os esforços convirjam para um só ponto – manter
este preciosíssimo patrimônio, com a mesma tenacidade e perseverança com
que ele foi constituído”.234
Repare o leitor que o tom do discurso de Prudencio de Carvalho foi outro. Ele usou
palavras como benemerência, filantropia, apóstolos da caridade, sacrifício, obra sacrossanta,
linguajar bem mais condizente com valores conservadores do que com as transformações que
ele afirmava necessárias no discurso anterior. A partir de então, os discursos de Prudencio de
Carvalho se afastaram cada vez mais daquele proferido em 1908, quando fez críticas ao clero,
à relação injusta entre capital e trabalho e, sobretudo, quando questionou a caridade enquanto
valor da mutual posto que todos contribuíam solidariamente para a obtenção dos benefícios.
“Novos combatentes” das camadas superiores seriam bem-vindos. A caridade ganhou
importância no seu discurso.
Ainda que a caridade fosse a tônica da maioria dos pronunciamentos dos dirigentes, a
cooperação entre as classes também foi exaltada como demonstrou o discurso de abertura da
sessão solene do 39º aniversário da associação, proferido pelo seu presidente, Antônio Borges
Nogueira:
“(...) porque hoje nossa Instituição se acha representada por todas as classes
de atividades, nas letras, ciências, comércio, indústria, artes e numerosos e
laboriosos operários e jornaleiros; mas aqui, neste recinto, todos se unem
sem distinção, com o mesmo sentimento de cumprir fielmente os preceitos
de nossa lei social, e do que fielmente tem dado provas inequívocas os
corpos diretivos da Sociedade em boa hora escolhidos já em sucessivos anos
dentre os quais, é de justiça dizer-se, temos encontrado verdadeiros obreiros
de beneficência. Salve distintos representantes dos poderes oficiais e das
instituições sociais presentes que vindes com o vosso concurso abrilhantar a
nossa comemoração natalícia”.235
234
RELATÓRIO do exercício de 1909 a 1910, p. 20 e 21.
235 RELATÓRIO do exercício de 1910 a 1911 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de
Caridade pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho na sessão magna comemorativa do 39º
aniversário em 9 de julho de 1911, p. 7. Arquivos da Sociedade Bolsa de Caridade.
122
Segundo Cláudia Viscardi, por seu caráter de ajuda solidária, as associações de
socorros mútuos buscavam minimizar as diferenças sociais entre seus consortes. “Nesse
sentido, as mutuais esforçaram-se em negar a importância das diferenças de classe,
oferecendo idade, gênero e raça como categorias apropriadas para a organização de
identidades coletivas”.236
O discurso de Antônio Borges Nogueira parece caminhar nesse
sentido. Além de sócio fundador e reorganizador da Bolsa de Caridade, ele acompanhou a
trajetória da abertura gradual da associação bem como da ampliação dos benefícios. Diante da
importância crescente da dimensão securitária e do aporte de recursos necessários à
manutenção dos socorros, é possível que o discurso de solidariedade interclasse tenha sido
uma estratégia do dirigente para reforçar o ingresso de pessoas socialmente influentes, não
apenas por razões clientelistas, mais pelo ganho de prestígio que tal reforço poderia acarretar.
Quanto maior o prestígio de uma associação maior sua capacidade de atrair novos associados.
Afinal, como notou Silva Jr., “todas as mutuais agem, de algum modo, na distribuição de
prestígio social”.237
Todavia é preciso relativizar a composição pluriclassista das associações de ajuda
mútua em geral, e da Sociedade Bolsa de Caridade em particular. Ou ao menos ponderar o
peso e importância das diversas camadas sociais na sua composição. Qual o percentual efetivo
de trabalhadores nos quadros da associação? E no seu quadro dirigente? Em que medida isso
refletia na saúde financeira da instituição? A contribuição obrigatória dos sócios garantia
autonomia financeira à instituição? Qual camada formava sua base social? Quais camadas
sociais predominavam nas sessões das assembleias gerais, incluindo a magna comemorativa
de aniversário? São questões já colocadas no primeiro capitulo, as quais foram parcialmente
respondidas, na medida em que as fontes permitiram. Entretanto não custa lembrar que os
números constantes na amostra ocupacional exibida no primeiro capítulo demonstraram o
predomínio de artífices (50,7%), seguido dos profissionais liberais (19,8%) e dos empregados
públicos (18,4%). Tendo obtido a ocupação para apenas 13,3% do total de associados, é lícito
supor que grande parte dos 86,7% restantes fosse trabalhadores manuais, possivelmente
operários e jornaleiros, especialmente após a virada do século XIX.
236
VISCARDI. “Estratégias populares de sobrevivência, p. 7.
237 SILVA JÚNIOR, Adhemar Lourenço da. “Oligarquias em sociedades de socorros mútuos”. Revistas Mundos
do Trabalho, v. 2, n. 4, p. 78-108, 2010, p. 105.
123
A fala de Antônio Borges Nogueira reforça essa suposição. Ao enumerar as
categorias sociais, ele parece ter seguido uma ordem de status social: ”nas letras, ciências,
comércio, indústria, artes e numerosos e laboriosos operários e jornaleiros”. De alguma
maneira, mesmo que em uma escala descendente, os artistas estariam no patamar dos
primeiros citados, enquanto os operários e jornaleiros seriam dignos de citação por serem
laboriosos e pelo peso numérico. Saliento que a condição de artista não precisou vir precedida
de qualquer adjetivo, o que parece sugerir que essa categoria era vista, ou ao menos gostaria
de ser vista, como ocupando um lugar social acima da massa de trabalhadores
desqualificados, e ao lado das demais “classes” citadas. Já os operários e jornaleiros que por
seu peso numérico compunham a base social da entidade, eram laboriosos. Ou seja, não
bastou indicar sua ocupação, foi preciso afirmar que não eram ociosos, preguiçosos,
indolentes ou dados a vícios. Muito pelo contrário, eram trabalhadores honrados e dignos,
posto que a dignificação do trabalho fosse um dos valores caros ao associativismo operário.238
Com efeito, o discurso nobilitador do trabalho e do trabalhador estava inserido na busca por
reconhecimento social, e ainda que reiterasse elementos conservadores, buscando, sobretudo
diferenciar o trabalhador das “classes perigosas”, ele também suscitava elementos de “união,
fraternidade e autonomia”. Segundo Rafaela Leuchtenberger, o discurso da valorização do
trabalho em busca da ordem e do progresso, apesar de alinhado as concepções da classe
proprietária, “foi um importante referencial de construção da identidade operária, propiciando
um orgulho pela atividade desempenhada e uma noção de pertencimento de grupo”.239
Com relação à composição social dos quadros administrativos cumpre salientar que
não era fácil para os trabalhadores manuais contribuírem com prestação de serviços
voluntários por diversas razões. Entre elas estava o pouco tempo ocioso que restava à maior
parte dos trabalhadores após as intensas e extenuantes jornadas de trabalho, e o domínio das
habilidades necessárias para assumir encargos na direção da associação. O domínio da escrita,
da contabilidade, da oratória, eram alguns dos requisitos inerentes ao exercício de algumas
funções na gestão da mutual. É provável que essa fosse uma das razões pelas quais os
trabalhadores manuais, mesmo sendo a principal parcela do quadro de associados,
238
Sobre o assunto, cf. BATALHA, Claudio. “Identidade da classe operária no Brasil (1880-1920): atipicidade
ou legitimidade”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 12, nº 23/24, p. 111-124, setembro de 1991 -
agosto de 1992.
239 LEUUCHTENBERGER, Rafaela. "A influência das associações voluntárias de socorros mútuos dos
trabalhadores na sociedade de Florianópolis (1886-1931)”, In: CORD, Marcelo Mac.; BATALHA, Claudio H.
M. (Orgs.). Organizar e Proteger: trabalhadores, associações e mutualismo no Brasil (séculos XIX e XX).
Campinas: Editora da Unicamp, 2014, p. 219-245, citado na p. 236.
124
representassem apenas 39% do corpo dirigente ao longo dos 57 anos abarcados por essa
pesquisa. Já os empregados públicos, muitos dos quais escriturários, ocuparam 32% dos
cargos, enquanto os profissionais liberais ficaram com 20%. Se de fato o quadro dirigente
contou com um índice considerável de integrantes de categorias sociais de maior status social,
também é verdade que a maior parte dos seus ocupantes era de trabalhadores. Especialmente
os que atuaram no Conselho Diretório, cujos serviços demandavam o emprego de tempo e
trabalho incomparavelmente maior do que os exigidos para os membros da Assembleia Geral
ou da Comissão Fiscal. Esses números também acabam por reafirmar a existência de
diferenciações de renda e de prestígio no seio da classe trabalhadora. Provavelmente os
trabalhadores que compunham o quadro de dirigentes fossem os de maior qualificação e
gozassem de maior prestígio social.
Outro ponto a ser registrado é a quantidade de associados originários do Arsenal de
Guerra da Bahia que ocupou cargos na associação até os primeiros anos do século XX. Entre
os 66 dirigentes para os quais identifiquei a ocupação 20 trabalhavam ou já haviam trabalhado
no Arsenal de Guerra, o que comprova que muito tempo depois de se tornar uma mutual
aberta (1879) a entidade ainda mantinha uma forte identidade com sua origem. Efetivamente,
a maior parte dos dirigentes originários do Arsenal de Guerra da Bahia assumiu cargos na
associação entre 1880 e 1903. Entre os originários do Arsenal, sete eram artífices, três eram
professores das séries iniciais e dez trabalhavam em setores burocráticos do Arsenal.
O DISCURSO DA CARIDADE
Não apenas Prudencio de Carvalho e Antonio Borges Nogueira renderam-se ao
discurso da caridade ou da cooperação entre as classes. A caridade esteve presente desde a
escolha do nome, do hino e nos discursos proferidos pelos dirigentes e oradores oficiais nas
solenidades de aniversário. Já na abertura do relatório referente ao exercício de 1893-1894, o
presidente do diretório fez constar que “os seus fins não podem ser mais louváveis e
humanitários: conforta o enfermo e enterra o morto; dois preceitos sublimes da caridade”.240
Nesse momento a caridade aparece enquanto valor intrínseco ao ato de socorrer os mortos e
240
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade do exercício de 1893 a 1894 apresentado pelo presidente da
direção Eduardo Victoriano de Souza na sessão magna do 22º aniversário em 27 de maio de 1894. Bahia: Litho-
Typographia V. de Oliveira &C., 1894, p. 4. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.
125
os enfermos. Em 1892, a caridade foi associada com a responsabilidade individual e coletiva
dos associados na gestão da Sociedade:
Nós caríssimos consócios, que temos o coração abrasado no fogo santo da
caridade, ao terminarmos esta incumbência que tão benevolamente nos
confiaste, temos a dizer-vos: Esta instituição originada do esforço patriótico
de um punhado de homens filhos do trabalho precisa sempre, sempre do
concurso poderoso de todos os seus membros para que a marcha de sua
existência seja uma conquista interminável dos recursos que venha mais
solidificarem os princípios constitutivos de suas bases.241
Os relatórios do século XIX eram bastante sucintos, quase lacônicos. Basicamente
prestavam contas dos atos da diretoria, agradeciam a confiança dos consortes na gestão e
felicitavam a associação pela passagem de mais um aniversário. Mesmo o discurso de
abertura e conclusão de cada relatório era breve, quase uma repetição do anterior, sendo raro
constar citações como as acima transcritas. Em 1909 foi publicado pela primeira vez o
discurso de abertura de uma assembleia magna comemorativa de aniversário, mas somente em
1913 um pronunciamento de orador oficial. Como consequência, concentrei a análise dos
discursos da associação no século XX.
O primeiro discurso de um orador oficial a ser publicado pelos relatórios da
associação foi pronunciado por ocasião da comemoração do 40º aniversário da entidade, em
30 de junho de 1912, por Paulo Pompílio de Abreu (Figura 15). Seu irmão, Muciano Pompílio
de Abreu (Figura 14), foi o Orador Oficial da associação entre 1913 e 1921. Em 1918, esse
bacharel negro e de origem humilde, recebeu a seguinte homenagem da entidade:
BACHAREL MUCIANO POMPÍLIO DE ABREU
Cumprindo o dever de agradecer ao distinto consócio, cujo nome encima
estas linhas, o concurso que nos vem prestando há anos, incumbindo-se da
árdua e difícil tarefa de ser o intérprete dos nossos sentimentos nas festas do
aniversário desta instituição, ao mesmo tempo aproveitamos o ensejo que se
nos depara para dar-lhe sincero parabéns pela invejável posição que assumiu
na escala social, bacharelando-se em ciências jurídicas e sociais.
E para louvar a quem não dispondo de bens de fortuna para corresponder
presentemente aos onerosos encargos do ensino entre nós, pudesse pelos
241
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1891 a 1892) apresentado em sessão de 8 de maio
de 1892 pelo presidente do conselho administrativo José Paulo de Souza Moraes. Bahia: Lytho-Typographia V.
Oliveira & C. Rua Nova das Princesas, n. 8, 2º andar, 1892, p. 6. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.
Grifos meus.
126
seus esforços e pertinácia chegar ao fim almejado, por isto ainda mais é
digno de nossas homenagens.242
Figura 14 – O bacharel Dr. Muciano Figura 15 – O médico Dr. Paulo
Pompílio de Abreu Pompílio de Abreu
Fonte: RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de
existência. 1872-1922, Bahia: 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente
Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0603.
A caridade também foi a temática do hino da associação, composto por Prudencio de
Carvalho, com letra de Henrique Casaes. Tanto o discurso do bacharel quanto o hino foram
publicados no relatório do exercício 1913-1914, quando a associação já existia há 41 anos.
HINO DA SOCIEDADE BOLSA DE CARIDADE
Composto e oferecido por Prudencio de Carvalho
Versos de Dr. Henrique Casaes
SOLO
Tua caridade encerra
O que há mais puro nos céus;
Plantando o bem sobre a terra
És a imagem de Deus,
No teu seio a desventura
Encontra guarida seria,
Acha alívios a amargura,
Acha o sofrer porta aberta.
242
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1917 a 1918 apresentado pelo presidente do
diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 27 de junho de 1918 e unanimemente
aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, 1918, p. 6.
127
CORO
Salve, recinto feliz,
Da amizade, santo lar,
Onde o bem elevar quis
A virtude um puro altar.
SOLO
Quanto infeliz tem bendito
O teu braço salutar!
Quanta lágrima do aflito
A tua mão faz secar!
Vais espalhando a ventura
Onde quer que a dor assista;
A tua luz meiga e pura
Não há noite que resista.
CORO
Salve, recinto feliz,
Da amizade, santo lar,
Onde o bem elevar quis
A virtude um puro altar.
Comumente, as palavras caridade, beneficente e filantropia foram utilizadas para
caracterizar as sociedades de ajuda mútua no Brasil. Não foram poucas as associações
mutuais a usar esses termos nos seus próprios títulos, a exemplo da Sociedade Bolsa de
Caridade. A palavra caridade acompanhou a associação desde o seu nascedouro, quando então
se chamava Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de Guerra da Bahia. O próprio hino da
associação, cuja letra a define como uma instituição de caridade, foi composta por aquele que
um dia questionou o caráter caritativo desta: Prudêncio de Carvalho. O discurso da caridade
esteve associado à trajetória da mutual a ponto de se fazer necessário compreender qual o seu
significado. O que representava o discurso da caridade para os trabalhadores que se
associaram justamente para não depender da caridade alheia? A que público era dirigido esse
discurso?
Segundo Cláudia Viscardi, “A retórica fraternal, o uso da metáfora da família, o
apelo à ajuda mútua (...) compunham parte do universo cognitivo, não só das mutuais, (...) de
outras associações que faziam parte do vasto universo associativo ao longo do tempo”.243
De
acordo com a autora, por definição, as sociedades de ajuda mútua seriam àquelas onde a
243
VISCARDI, Cláudia. “O Ethos Mutualista”, p. 210.
128
contribuição mensal dos sócios fosse destinada a socorrê-los nos casos estipulados pelos
estatutos, portanto não seriam instituições beneficentes ou filantrópicas. Entretanto, os
próprios criadores das associações de auxílio mútuo utilizavam-se desses termos de forma
indiferenciada, tendo o próprio Conselho de Estado alguma dificuldade do uso desses
conceitos.244
Desse modo, instituições de ajuda mútua denominavam-se beneficentes,
filantrópicas ou de caridade. Foi o caso da Sociedade Bolsa de Caridade, cujo título está em
desacordo com suas leis estatutárias.
Enquanto sinônimo de filantropia, o uso do termo caridade teria algum sentido nos
anos iniciais da associação, quando as subscrições foram uma importante receita para a
Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de Guerra. Como visto no segundo capítulo, o
montante do valor anual obtido por meio de subscrições sugere que essa verba fosse
arrecadada junto às camadas sociais mais favorecidas, utilizando-se do prestígio do diretor do
Arsenal de Guerra. Nesse caso, ajuda mútua, caridade e filantropia estariam realmente
intimamente relacionadas no seio da associação. Entretanto, após o processo de abertura e
reestruturação, a associação passou a ser mantida, principalmente, por meio da gestão da
contribuição obrigatória dos sócios. A partir de então, não há que se falar em caridade.
Mesmo a subvenção estatal, recebida por um período, a rigor não caracteriza caridade, ainda
que nesse período a sociedade, de forma geral, não visse a securitização como uma obrigação
do Estado.
Se por um lado o sócio inadimplente tinha seus direitos suspensos, incluindo o de
receber socorros, fato que reafirma o caráter mutualista da associação, por outro lado, o dever
estatutário de participar da vida social contribuindo para o bem comum raramente era punido.
O dever de contribuir com a gestão, fosse por meio da participação nas assembleias, fosse
assumindo cargos, não era observado pela grande maioria dos associados, sem que a
inobservância desse dever gerasse maiores consequências para os seus membros. Sem entrar
no mérito das razões pelas quais esse comportamento foi tolerado, esse certamente foi um
elemento que contribuiu grandemente para o abandono progressivo da disseminação de um
valor básico do associativismo mutualista: o voluntarismo. Desse modo, poucos eram os que
se dispunham a prestar serviços voluntários para o bem comum, o que acabou por colocar o
destino da mutual em mãos de uma elite dirigente.
244
VISCARDI, Cláudia. “Experiências da prática associativa no Brasil”, p. 120.
129
Ademais, não foram tomadas medidas efetivas visando corrigir essa distorção.
Apenas críticas e admoestações pontuais foram feitas por meio dos relatórios anuais
distribuídos ou lidos nas assembleias magnas. Eventualmente um orador oficial, fugindo ao
protocolo, aproveitava a ocasião e tecia crítica aos associados que negligenciavam os deveres
estatutários:
E nas sociedades o egoísmo humano é bem manifesto. Como não ignorais,
muitos, inteiramente divorciados dos movimentos das sociedades a que
pertencem, negam-se quando são chamados para trabalhar, mas querem
achar tudo pronto quando precisam e fazem choro na maledicência,
ataçalhando, muita vez, a honra dos que trabalham, dos que perdem horas
proveitosas em benefício da coletividade.245
No entanto, todos sabiam que admoestações não eram suficientes para garantir o
cumprimento do dever social de participar das assembleias e de servir a mutual. Desse modo,
a participação dos sócios parece ter diminuído à medida que a associação cresceu, ficando a
responsabilidade pelos destinos da associação em mãos de uma oligarquia dirigente. Como
consequência, o trabalho voluntário praticamente ficou resumido a um pequeno grupo de
dirigentes e colaboradores. Entretanto, a assunção de encargos que deveriam ser
compartilhados pelo grupo tampouco se configura caridade. Apesar disso, é possível que o
esforço para gerir uma associação tão numerosa, onde a imensa maioria dos filiados limitava-
se a pagar as joias e mensalidades, tenha contribuído para a ampliação do discurso da caridade
nas sessões solenes de aniversário. Afinal, gerir uma associação do porte da Bolsa de
Caridade exigia muito trabalho e dedicação. Em outras palavras, talvez os dirigentes se
vissem, e ou fossem vistos, como filantropos em função do trabalho voluntário à frente da
mutual:
Dobrai, portanto, os vossos esforços, senhores da diretoria, porque a palma
da vitória que recebestes, é o inventivo que vos estimula para maior luta.
É preciso ter a fé de um crente e a coragem de um nauta.
Trabalhai, porque em troca dos vossos labores, vos espera um prêmio tão
elevado, que as minhas palavras não podem enaltecê-lo, mal podem traduzi-
lo. (...)
Trabalhai inspirados nos altos princípios do patriotismo e do cumprimento
do dever.
245
Discurso de João Pompílio de Abreu, orador oficial. RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de
1913 a 1914 apresentado pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em sessão magna
comemorativa do 42º aniversário em 30 de junho de 1912. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes
Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, Bahia: 1914, p. 22. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna,
Relatórios, caixa 60.
130
Trabalhai com verdadeiro amor a esta instituição, cujo título, Bolsa de
Caridade, vos obriga a isto fazer.246
A impressão que a leitura de tais discursos transmite é que eles visavam enaltecer os
dirigentes da associação, reconhecendo sua dedicação, competência e sacrifício em proveito
da instituição. O bacharel em letras, João Pompílio de Abreu Filho, orador oficial na sessão
solene do 46º aniversário da associação foi um pouco além. Não se limitou a elogiar os
dirigentes da associação, ele os alçou à condição de exemplo, de modelo de caridade para as
demais agremiações:
Que belo espelho tem sido esta nobilíssima agremiação na qual as suas
coirmãs com dignidade deviam mirar-se!
Por ventura tem ela nos seus preceitos estabelecidos princípios superiores as
demais congêneres! Não. Entretanto o modo porque os seus dirigentes
desempenham o seu papel com a altivez superior, a magnanimidade de ação,
a pureza de sentimentos, o desinteresse harmônico e o verdadeiro amor a
santa causa que abraçaram, ela bem serve do modelo.247
O discurso da caridade se manteve alhures e para além da associação voluntária dos
membros e do trabalho voluntário dos dirigentes. Algumas falas sugerem que os socorros
pagos pela associação eram simplesmente caridade, ao invés de uma retribuição a que o
associado tinha direito. Na comemoração do 42º aniversário da associação, o coronel Antonio
Freitas da Silva, presidente da Assembleia Geral, ao abrir a sessão solene pronunciou um
pequeno discurso, em que o leitor desavisado pensaria tratar-se de uma instituição
filantrópica.
Que alegria não daremos a uma pobre família, fazendo-lhe a caridade,
irradiando esperanças a pálidos semblantes, que, baídos de pão, gritam
246
RELATÓRIO do exercício de 1916 a 1917 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de
Caridade pelo presidente do diretório José Prudencio Ferreira de Carvalho na Assembleia Geral realisada em 17
de julho de 1917 e unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes, Prudencio de
Carvalho, diretor premiado com Medalha de Ouro da Exposição Nacional de 1908, 1917, p. 30. Arquivo da
Sociedade Bolsa de Caridade.
247 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1918 a 1919 apresentado pelo presidente do
diretório J. Prudencio F. de Carvalho em de 27 de junho de 1919 e na mesma unanimemente aprovado. Bahia:
Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1919, p. 9. APEB,
Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.
131
chorando e repetindo as palavras – tenho fome – como uma espada aguda
ferindo os corações fraternos.248
A mesma impressão é transmitida pelo discurso de Muciano Pompílio de Abreu,
orador oficial na sessão solene comemorativa do 45º aniversário da associação:
A caridade representa o expoente máximo de todas as virtudes. (...)
A verdadeira beneficência (...) consiste (...) em uma constante solicitude
pelos interesses de outrem.
O seu posto é ao lado dos enfermos e da miséria; vê-las-eis fundando
escolas, abrindo oficina, construindo asilos, espalhando a luz, combatendo o
vício, moralizando o costume, protegendo os desgraçados.
Por isso senhores, baseados neste exemplo, foi que os sócios desta benéfica
instituição procuraram não deixar quedar a obra grandiosa do início desta
casa, amparando desta arte o trabalho dos seus beneméritos fundadores.249
Não obstante, não custa lembrar, uma vez que os inadimplentes não eram socorridos
pela associação não havia caridade na distribuição dos socorros. A não ser que a caridade
fosse vista como o ato de associar-se para garantir não apenas o próprio socorro em momento
de infortúnio, mas também o socorro ao próximo, como parece sugerir o pronunciamento de
Paulo Pompílio de Abreu, na sessão magna comemorativa do 40º aniversário, em 30 de junho
de 1912.
Os homens associam-se, atendendo ao princípio de que da união provém a
força. Associam-se para garantir seus direitos, liberdade e sua crença, para
estabelecerem o respeito a sua vida e sua honra.
(...) o respeito é um princípio inviolável que liga todos os homens entre si.
O ser social é conhecer fiel e claramente e observar os direitos que assistem
(...) e os deveres que dali emana (...)
Esses deveres são quatro: amor ao próximo, justiça, beneficência e
gratidão.250
248
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1914 a 1915 apresentado pelo presidente do
diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 13 de junho de 1915 e unanimemente
aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1915, p.
24. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.
249 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1917 a 1918 apresentado pelo presidente do
diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 27 de junho de 1918 e unanimemente
aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, 1918, p. 24. APEB, Biblioteca Francisco
Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.
250 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1912 a 1913 apresentado pelo presidente do
diretório J. Prudencio F. de Carvalho em sessão magna comemorativa do 41º aniversário em 13 de setembro de
1914. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1913, p. 3-4
do anexo. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.
132
Já Muciano Pompílio de Abreu, nos festejos do 49º aniversário da associação, deu
um sentido diferente do que usualmente era atribuído à caridade, nas solenidades da casa:
O ensino popular, o ensino dos condenados do preconceito; daqueles que
esperam e anseiam pela hora do resgate imediato dos cérebros cativos da
ignorância, é para estes que a sociedade em geral deve melhorar de sorte,
pois assim praticará a caridade. (...)
É preciso, senhores, distribuir as mãos cheias o pão do ensino por todas as
cabeças.
O povo tem sede de saber.
Abri-lhe a escola, entrega-lhe a oficina, ensina-lhe a Arte que ele deve amar,
prendendo a vontade, a seu prestígio singular, dando a seu sedutor encanto o
melhor dos seus carinhos.
Ao artista cabe preparar a maior porção da nossa felicidade.
Não esqueci esta sentença de um profundo pensador: “Não é possível estar
dentro da civilização e fora da Arte”.251
Neste discurso, excepcionalmente, a caridade não foi citada enquanto doação de
tempo e trabalho para o auxílio de outrem ou enquanto socorro da miséria, da enfermidade e
da fome. A fome era outra. Era preciso saciar a fome do saber. O Brasil precisava propiciar as
condições para o progresso intelectual da juventude. Garantir o futuro da mocidade pobre,
ensinando-lhe uma Arte, seria a caridade mais importante e necessária. Mais do que isso, a
educação popular deveria ser responsabilidade do Estado brasileiro que não poderia mais se
omitir desse dever. Criticou duramente o Império por ter cultivado “o analfabetismo,
explorado durante sessenta e sete anos em proveito das trapaças dos partidos políticos”, mas
também a República por não ter implantado um “sistema completo de educação popular”.
Desta feita seu discurso parece ter sido direcionado para as autoridades do Estado e da
República ali representados. Foi seu último discurso na associação.
No ano seguinte, de acordo com o relato do presidente do diretório a totalidade dos
associados se mostrou empenhada para a realização dos festejos do cinquentenário da mutual.
Para que os 50 anos da entidade fossem comemorados condignamente foi realizado um
festival no cinema Lyceu onde recursos extras foram levantados. As celebrações foram
exitosas, desde a festa religiosa, que de tão concorrida não comportou todos os convidados no
templo, até a assembleia magna realizada na sede da associação. O orador oficial foi o vice-
251
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de existência. 1872-1922. O seu movimento
no exercício de 1921 a 1922, relatado pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho, em Assembleia
Geral de 20 de junho de 1922 e na mesma unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu
de Artes Ofícios, 1922, p, 7-8. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.
133
presidente da assembleia geral, o Dr. Gelásio de Abreu Farias, que adoeceu as vésperas da
solenidade, mas enviou o discurso para leitura. Ele adjetivou a associação de beneficente, fez
um apanhando da história da associação, desde a sua fundação por “um simples, um modesto,
um despretensioso” trabalhador do Arsenal de Guerra da Bahia, até aquela data, em que a
Sociedade Bolsa de Caridade contava com “milhares de filantropos”. E o exagero não parou
por aí:
A caridade tem sido aqui distribuída patriarcalmente a todos quantos lhe
vieram bater as portas, que a todos estiveram sempre de par em par abertas.
Cinquenta anos, meio século de beneficência, no silêncio de quatro paredes,
sem o estardalhaço costumeiro da vaidade mundana, (...)”.252
O Dr. Gelásio de Abreu Farias, foi o orador oficial por mais quatro anos, tendo os
seus demais discursos versados sobre temas como caridade, religião ou amor à pátria. Em
1927, assumiu a presidência da mesa da assembleia geral, cabendo-lhe pronunciar o discurso
de abertura da sessão solene. O orador oficial que o substituiu, o Dr. Deraldo Dias de Morais,
não teve os seus pronunciamentos preservados, embora tenha se mantido na função até, pelo
menos, 1930.
Após três anos como 2º secretário da assembleia geral, em 1929 Prudencio de
Carvalho reassumiu a presidência do Diretório. Bem mais eloquente do que seu antecessor,
brindou a plateia da sessão magna comemorativa do 57º aniversário da associação com um
relatório onde fez considerações sob a necessidade premente de mudanças nos valores e
regras dos benefícios e contribuições dos associados. Discurso que ia ao encontro de
requerimentos de associados que já cobravam a majoração dos valores dos benefícios.
Também sugeriu que o Estado deveria subvencionar mutuais e irmandades nos enterramentos
ao invés de auferir renda por meio de taxas diversas:
“É de abismar o quanto um dos departamentos da administração do Estado
tem procurado tirar proveito do serviço de enterramentos, onde a piedade
deveria imperar e não a ganância de proventos.
Um regulamento foi baixado há cerca de dois anos em que foram criadas
elevadas taxas sobre enterramentos, aberturas de carneiros etc., e não
satisfeito o fisco insaciável, ainda vai anualmente aumentando tais taxas por
meio de percentagens.
Basta dizer-vos que o proprietário de uma cava toda vez que tenha
necessidade de nela depositar ossadas, está sujeito a uma licença para se
252
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1922-1923 relatado pelo presidente do diretório J.
Prudencio F. de Carvalho em Assembleia Geral de 1 de agosto de 1923 e na mesma unanimemente aprovado.
Bahia: Typographia do Lyceu de Artes, 1923, p. 8. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.
134
utilizar do que lhe pertence, despendendo não menos de 20$000, além das
despesas a que é forçado a fazer com petição, selos, taxas, num total de
70$000 a mais. É o cúmulo!
Além do foro a que estão obrigados a pagar as sociedades e irmandades pelo
terreno em que estão edificados os mausoléus, há ainda uma contribuição
anual sobre carneiros ocupados e 5$000 por cada abertura. Não tendo em
tempo os que dirigem a instituições de beneficência interessadas no assunto
protestado coletivamente pelos meios legais contra esta ganância dos que
nos governam, procurando tirar o máximo proveito de um serviço que devia
até auxiliar, como largamente faz com os esportes, é a razão de perdurar esta
situação, agravada a todo momento com novos tributos.
Se não houver meios para minorar tão vexatória situação, seja ao menos este
nosso protesto ouvido por quem possa pôr um entrave a este sugar
desmedido dos que procuram manter uma obra simplesmente de amor e
piedade”. 253
A crítica feita por Prudencio de Carvalho demonstra o quanto as solenidades de
aniversário podiam ser palco de exposição das demandas da associação frente ao poder
público. A estratégia de sensibilizar associados e convidados para a necessidade de corrigir a
“ganância” do fisco sobre os enterramentos se deu nos moldes clientelistas comuns ao
associativismo mutualista. Ele cuidou para que o seu protesto fosse ouvido por alguém que
pudesse resolver a situação, ou seja, uma autoridade com prestígio para interceder junto aos
órgãos competentes. As conquistas de privilégios tais como isenções de taxas continuavam a
se processar por meio da velha troca de favores.
Para além das relações clientelistas, sua fala demonstrou também os quão defasados
estavam os valores dos benefícios pagos pela associação. Lembro ao leitor que os benefícios
não eram reajustados há mais de trinta anos, variando os valores dos enterramentos de
100$000 a 200$000, de acordo com a antiguidade do associado. Segundo a fala acima
transcrita, as despesas com taxas e demais burocracia consumiam 90$000, ou seja, para as
despesas com o funeral em si quase não sobrava dinheiro.
Tal situação derivou da política de autossustentação da associação por meio do
ingresso frequente de novos associados. Um dos fatores de atração de novos sócios era o
baixo valor das joias e mensalidades, o que por sua vez impedia o reajuste dos benefícios.
Durante todo o tempo em que participou da gestão da mutual, incluindo os quinze anos
seguidos em que dirigiu a associação, Prudencio de Carvalho manteve os preços de
mensalidades e benefícios sem qualquer reajuste. Durante a sua gestão no exercício 1929-
253
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade apresentado pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de
Carvalho em sessão de Assembleia Geral de 19 de junho de 1930, relativo ao exercício de 1º de maio de 1929 a
30 de abril de 1930, p. 7-8. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.
135
1930, ele também não se preocupou em propor quaisquer mudanças. Mas, ao prestar contas
de sua gestão, fez constar no relatório que as duras críticas que a associação vinha sofrendo
quanto aos valores irrisórios dos benefícios eram procedentes. Concordava que os benefícios
pagos pela associação não eram suficientes para minorar o sofrimento dos enfermos e
pensionistas. Apontava como solução uma reforma estatutária que majorasse os valores das
contribuições obrigatórias dos associados e instituísse critérios mais justos e maiores
benefícios.
Portanto, o impasse econômico em que se encontrava a associação permitiu a
elaboração de discurso diverso do que vinha sendo praticado pela mutual. Outros valores que
não o da caridade foram reforçados, ainda que subliminarmente. Especificamente a autonomia
e o direito à proteção social digna foram levantados por Prudencio de Carvalho ao defender o
aumento das contribuições e dos benefícios dos associados. Diante da percepção dos dilemas
a serem enfrentadas pela mutual, outros valores precisaram voltar à pauta, enfraquecendo o
discurso da caridade naquele momento. Ainda que a caridade estivesse presente no discurso,
desta feita era como sinônimo de justiça: “Não é esta a situação compatível a uma agremiação
como a nossa, que tem como legenda – a Caridade – e assim a sua ação para com os
necessitados devia ser eficaz e compensadora”.254
254
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade apresentado pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de
Carvalho em sessão de Assembleia Geral de 19 de junho de 1930, relativo ao exercício de 1º de maio de 1929 a
30 de abril de 1930. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade, p. 10.
136
EPÍLOGO
Em 1924 Francisco Andrelino Brandão de Araujo, cobrador da Sociedade Bolsa de
Caridade desde 1904, exonerou-se da função alegando problemas de saúde. Os dois consócios
que já atuavam como auxiliares de cobrança, Francisco Deocleciano Cardoso de Aguiar,
arquivista da associação, e Florencio da Silva Friandes, 1º secretário do Diretório, assumiram
provisoriamente todo serviço de cobrança da associação. Na ocasião, Prudencio de Carvalho,
presidente do conselho diretório, sugeriu a contratação de um funcionário remunerado para
dinamizar o recebimento dessa fonte de receitas. Sua sugestão não foi atendida, restando
então a opção de nomear outro cobrador. Porém, não seria tarefa fácil encontrar alguém para
substituir o antigo cobrador da Sociedade Bolsa de Caridade.
De fato, não havia interessados em assumir essa função. Entre 1924 e 1930, a
associação contou com os serviços de um cobrador oficial apenas em 1927. Os relatórios
deixavam patente que essa dificuldade estava relacionada ao baixo valor da comissão auferida
com a cobrança das mensalidades, apenas 10% sobre as módicas contribuições mensais dos
sócios, de apenas um mil réis, quantia que estava congelada há cerca de trinta anos. A
exigência estatutária de caução, o grande número de sócios residentes em distritos distantes e
as muitas viagens que resultavam inúteis, contribuíam para tornar ainda mais ingrato o
trabalho do cobrador. Apesar de haver a possibilidade da quitação das mensalidades por
semestre ou mesmo anualmente, o que facilitaria a arrecadação e melhor compensaria ao
encarregado da cobrança, a maioria dos associados preferia o pagamento mensal. Podia
acontecer de a comissão recebida pelo cobrador ser insuficiente até para cobrir as despesas
com o transporte.
Em 1925, decorrido um ano da exoneração do antigo cobrador e sem que se
conseguisse um substituto, Florencio da Silva Friandes, já na condição de presidente do
diretório, convidou a sua esposa, também filiada à associação, D. Joanna Baptista Friandes
para substituí-lo na função que exercera desde 1912 - auxiliar de cobrança. Usualmente o
auxiliar de cobrança ficava sob a responsabilidade da diretoria, não lhes sendo exigido
qualquer tipo de caução. Ao aceitar o convite D. Joanna tornou-se a primeira mulher a
assumir formalmente uma função importante na associação. Cabe ressaltar que o cobrador não
fazia parte do diretório, portanto, não era um cargo eletivo, a exemplo do Recebedor.
137
Embora fosse um avanço para a condição feminina assumir uma função importante
na associação, é preciso levar em consideração que a nomeação de D. Joanna se deveu, em
grande medida, à falta de voluntários do sexo masculino para assumir o encargo. Também é
preciso destacar que a aceitação do seu nome parece estar muito mais influenciada pelo
prestígio que seu marido gozava na entidade e menos às suas qualificações para o exercício da
função. Apesar do ineditismo, Joanna Friandes permaneceu na condição de auxiliar de
cobrança até pelo menos 1930. Entretanto, seu pioneirismo não parece ter contribuído para
mudança significativa do lugar subalterno da condição feminina na associação. Para o período
posterior a 1930 localizei apenas um relatório, o referente ao exercício 1955-1957. Nele,
apenas os homens ocupavam cargos eletivos e não há qualquer menção a existência da função
de cobrador.
De qualquer maneira, não deve ter sido uma situação confortável para D. Joanna
Friandes. O exercício da função a obrigava a usar condução pública e percorrer distritos
distantes portando dinheiro dos associados. Havia o risco de furto ou assalto, como já
acontecera com o visitador da associação, que tivera a quantia destinada aos socorros de dez
associados furtada no bonde. O valor total de 163$000 (cento e sessenta e três mil-réis) foi
devolvida a associação em sete parcelas mensais, a pedido do visitador.255
Ademais, ter sua
mensalidade cobrada por uma mulher poderia causar certo estranhamento nos associados,
ainda que esta estivesse na prestigiosa condição de esposa do presidente do diretório.
Apesar de esse caso sugerir um tímido avanço da participação das mulheres na
associação, não foi meu objetivo discorrer sobre as questões de gênero no seio da mutual.
Faço a leitura desse caso muito mais como um indicativo do esgotamento de um modelo de
gestão que não mais atendia aos desafios postos pelo novo momento histórico. À medida que
o novo governo passou a investir de modo mais decisivo na criação do sistema público de
previdência social, as associações de ajuda mútua se tornavam menos atrativas do ponto de
vista securitário. Após quase seis décadas de existência a Sociedade Bolsa de Caridade teria
que se reinventar para continuar a cumprir com o seu papel de auxílio-mútuo. Mas isso já é
outra história.
Por outro lado, algumas mutuais resistiram à concorrência da previdência estatal e
conseguiram sobreviver aos nossos dias. A Sociedade Protetora dos Desvalidos, a Sociedade
255
RELATÓRIO do exercício de 1904 a 1905 apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade
pelo presidente do diretório Herculano Brittes Guimarães na sessão magna do 33º aniversário em 9 de julho de
1905. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, Rua São Francisco nº 29, 1905. P. 12. Arquivo da
Sociedade Bolsa de Caridade.
138
Bolsa dos Patriotas e a Sociedade Montepio dos Artistas são exemplos de associações ainda
existentes, mantendo sua memória e seu patrimônio preservados, inclusive parte dos bens
imóveis. É o caso da SBC, que ainda possui dois prédios e um mausoléu no Cemitério da
Quinta dos Lázaros. Ainda que não tenham mais peso no sistema de proteção material aos
trabalhadores, o fato de essas associações sobreviverem até o século XXI possivelmente seja
um indicador de que as sociedades mutualistas representavam - ao menos para uma parcela
dos associados - mais do que apenas o interesse securitário.
139
Arquivos e fontes
ARQUIVOS
I. Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB)
Seção de Arquivos Colonial e Provincial (SACP)
Presidência da Província – Série Militares - Correspondência recebida do diretor do
Arsenal de Guerra da Bahia: Maços 3331; 3334; 3335; 3336; 3337; 3340; 3341; 3349;
3351 e 3354.
Série Religião – Correspondências de Asilos - Correspondência recebida da Sociedade
Bolsa de Caridade (1879 – 1889): Maço 5305.
Seção Judiciária
Autos Cíveis, Inventários e Testamentos.
Seção Republicana
Documentos da Secretaria de Governo. Caixa 1821 – Maço 1935.
Seção Legislativa
Assembleia Legislativa Provincial do Estado da Bahia - Série Ofícios Recebidos e
Expedidos: Livro 1180.
Câmara dos Deputados, Ofícios Recebidos e Expedidos (1891-1894), livro 1107.
Biblioteca Francisco Vicente Vianna
Relatórios.
o Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade. Caixa 60. n.º 37-56.
o Relatórios diversas sociedades de auxílio mútuo. Caixa 60.
II. Biblioteca Pública do Estado da Bahia
Diretoria de Bibliotecas Públicas, Subgerência de Obras Raras, Relatórios
Institucionais.
III. CEDIC – Centro de documentação e Informação Cultural sobre a Bahia da
Fundação Clemente Mariani.
140
Acervo de Memória e Documentação
o Estatuto e Regimento Interno da Sociedade Bolsa de Caridade – 1892.
IV. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade – ASBC
o Relatórios – 1887/1888 a 1929/1930
o Estatutos – 1900 e 1906.
V. IPAC – Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia
Centro de Documentação e Memória do IPAC - Biblioteca Manuel Querino
VI. Biblioteca Nacional Digital (BNDigital)
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional
FONTES
APEB - ESTATUTOS, RELATÓRIOS E BALANCETES DA SOCIEDADE BOLSA DE
CARIDADE
Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 8 de maio de
1875 a 30 de abril de 1876. Série Militares - Correspondência recebida do diretor do
Arsenal de Guerra da Bahia, maço 3336.
Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 8 de maio de
1875 a 30 de abril de 1876. Série Militares - Correspondência recebida do diretor do
Arsenal de Guerra da Bahia, maço 3337.
Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 7 de
novembro de 1877 a 30 de abril de 1880. Série Religião – Correspondências de Asilos.
Fls. 126. Correspondência recebida da Sociedade Bolsa de Caridade (1879-1889), maço
5305.
Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 1º de maio de
1880 a 30 de abril de 1881. Série Religião – Correspondências de Asilos. Fls. 126.
Correspondência recebida da Sociedade Bolsa de Caridade (1879-1889), maço 5305.
Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 1º de maio de
1881 a 30 de abril de 1882. Série Religião – Correspondências de Asilos. Fls. 126.
Correspondência recebida da Sociedade Bolsa de Caridade (1879-1889), maço 5305.
141
Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 1º de maio de
1882 a 30 de abril de 1883. Série Religião – Correspondências de Asilos. Fls. 126.
Correspondência recebida da Sociedade Bolsa de Caridade (1879-1889), maço 5305.
Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 1º de maio de
1883 a 30 de abril de 1884. Série Religião – Correspondências de Asilos. Fls. 126.
Correspondência recebida da Sociedade Bolsa de Caridade (1879-1889), maço 5305.
Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 1º de maio de
1885 a 30 de abril de 1886. Série Religião – Correspondências de Asilos. Fls. 126.
Correspondência recebida da Sociedade Bolsa de Caridade (1879-1889), maço 5305.
Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 1º de maio de
1886 a 30 de abril de 1887. Série Religião – Correspondências de Asilos. Fls. 126.
Correspondência recebida da Sociedade Bolsa de Caridade (1879-1889), maço 5305.
ESTATUTOS da Sociedade Bolsa de Caridade dos Empregados e Operários do Arsenal
de Guerra da Bahia de 8 de maio de 1872. Bahia: Tipografia de J. G. Tourinho, 1873.
ESTATUTOS da Sociedade Bolsa de Caridade reformados a 9 de dezembro de 1879 e
instalada a 8 de maio de 1872. Bahia: Litho-Typographia de J. G. Tourinho, 1880.
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1892 a 1893 apresentado pelo
presidente do diretório Manoel Victoriano de Souza em sessão magna comemorativa do
21º aniversário em 14 de maio de 1893. Bahia: Litho-typographia V. Oliveira & C., 1893.
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade do exercício de 1893 a 1894 apresentado pelo
presidente da direção Eduardo Victoriano de Souza na sessão magna do 22º aniversário
em 27 de maio de 1894. Bahia: Litho-Typographia V. de Oliveira &C., 1894.
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1911 a 1912 apresentado pelo
presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em sessão magna comemorativa do
40º aniversário em 30 de junho de 1912. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de
Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1912.
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1912 a 1913 apresentado pelo
presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em sessão magna comemorativa do
41º aniversário em 13 de setembro de 1914. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu
de Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1913.
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1913 a 1914 apresentado pelo
presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em sessão magna comemorativa do
142
42º aniversário em 30 de junho de 1912. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de
Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, Bahia: 1914.
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1914 a 1915 apresentado pelo
presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 13
de junho de 1915 e unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu
de Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1915.
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1915 a 1916 apresentado pelo
presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 7 de
julho de 1916 e unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de
Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1916.
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1917 a 1918 apresentado pelo
presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 27
de junho de 1918 e unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu
de Artes Ofícios, 1918.
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1918 a 1919 apresentado pelo
presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em de 27 de junho de 1919 e na
mesma unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e
Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1919.
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de existência. 1872-
1922. O seu movimento no exercício de 1921 a 1922, relatado pelo presidente do diretório
J. Prudencio F. de Carvalho, em Assembleia Geral de 20 de junho de 1922 e na mesma
unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios,
1922.
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1923 a 1924 apresentado pelo
presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em de 16 de julho de 1924 e na mesma
unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e
Ofícios,1924.
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1928 a 1929 apresentado pelo
presidente do diretório Florencio da Silva Friandes em de 05 de setembro de 1929 e na
mesma unanimemente aprovado. Bahia: Imprensa Moderna, 1929.
143
APEB – RELATÓRIOS DE SOCIEDADES MUTUALISTAS
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado e aprovado
em sessão de 31 de janeiro de 1907, pelo presidente do Conselho Diretório Major
Herculano Brittes Guimarães, exercício de 1905 a 1906. Bahia: Tipografia e
Encadernação Liceu de Artes e Ofícios, 1906.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas para o exercício social
1921 a 1922, apresentado pelo presidente do Diretório Joaquim da Costa Doria, em
sessão da Assembleia Gera de 29 de dezembro de 1922, e na mesma aprovado. Bahia,
Tipografia e Encadernação Liceu de Artes e Ofícios, 1922.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas para o exercício social
1937 a 1938, apresentado pelo presidente do Conselho Diretório Pedro da Boa Morte,
aprovado em sessão de 15 de fevereiro de 1939. Bahia: Tipografia Ideal, 1939.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas para o exercício social
1938 a 1939, apresentado pelo presidente do Conselho Diretório Pedro da Boa Morte e
unanimemente aprovado em sessão de 29 de março de 1940. Bahia: Tipografia Ideal,
1940.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas para o exercício social
1940 a 1941, apresentado pelo presidente do Conselho Diretório Pedro da Boa Morte,
aprovado unanimemente em sessão de Assembleia de 20 de fevereiro de 1942. Bahia:
Tipografia Ideal, 1942.
RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos apresentado pelo presidente do
Diretório Júlio Alves da Palma aprovado em sessão da Assembleia Geral de 24 de
outubro de 1919, exercício 1918 a 1919. Bahia: Tipografia e Encadernação Liceu de
Artes e Ofícios, 1919.
RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos apresentado pelo presidente do
Diretório Aureliano Joaquim de Santa Cecília, em Assembleia Geral de 9 de setembro
de 1936 e na mesma unanimemente aprovado, exercício de 1935-36. Bahia:
Tipografia Ideal, 1936.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente União Philantropica dos Artistas apresentado
à Assembleia Geral em reunião de 8 de junho de 1898, pelo presidente da Direção
Terencio Aranha Dantas e pela mesma unanimemente aprovado. Bahia, Imprensa
Moderna de Prudencio de Carvalho, 1898.
144
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente União Philantropica dos Artistas apresentado
pelo presidente da diretoria Major Cosme de Farias, em sessão de Assembleia Geral
de 20 de junho de 1911, e unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia do Salvador –
Catedral, 1911.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente União Philantropica dos Artistas apresentado
pelo presidente da Direção Major Ivo Pedro de Souza Pinheiro, na sessão da
Assembleia Geral de 25 de junho de 1912, e na mesma aprovado. Bahia: Tipografia e
Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1912.
BPEB - RELATÓRIOS DA SOCIEDADE BOLSA DE CARIDADE
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1902 a 1903 apresentado
pelo presidente do diretório capitão Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna
comemorativa do 31º aniversário em 14 de julho de 1903. Bahia: Imprensa Moderna
de Prudencio de Carvalho, Rua São Francisco, 29, 1903.
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1906 a 1907 apresentado
pelo presidente do diretório capitão Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna
comemorativa do 35º aniversário em 21 de julho de 1907. Bahia: Tipografia e
Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1907.
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1907 a 1908 apresentado
pelo presidente do diretório capitão Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna
comemorativa do 36º aniversário em 09 de agosto de 1908. Bahia: Tipografia e
Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1908.
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1908 a 1909 apresentado
pelo presidente do diretório Candido Honorio Pinto em sessão magna comemorativa
do 37º aniversário em 11 de julho de 1909. Bahia: Tipogafia e Encadernação do Liceu
de Artes e Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1909.
BPEB - RELATÓRIOS DE SOCIEDADES MUTUALISTAS
RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1904 a
1905, apresentado pelo Conselho Diretório em sessão da Assembleia Geral de 30 de
abril de 1905, e na mesma aprovado. Bahia, Imprensa Moderna, 1905.
145
RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1905 a
1906, apresentado pelo Conselho Diretório em sessão da Assembleia Geral de 22 de
abril de 1906, e na mesma aprovado. Bahia, Tipografia e Encadernação do Liceu de
Artes e Ofícios, 1906.
RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1906 a
1907, apresentado pelo Conselho Diretório em sessão da Assembleia Geral de 21 de
abril de 1907 e unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu
de Artes e Ofícios, 1907.
RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1907 a
1908, apresentado pelo Conselho Diretório em sessão da Assembleia Geral de 19 de
abril de 1908 e unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu
de Artes e Ofícios, 1908.
RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1908 a
1909, apresentado pelo Conselho Diretório em sessão da Assembleia Geral de 25 de
abril de 1909. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1909.
RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1909 a
1910, apresentado pelo Conselho Diretório e aprovado em Assembleia Geral de 24 de
abril de 1910. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1910.
RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1910 a
1911, apresentado pelo Conselho Diretório em sessão da Assembleia Geral de 16 de
abril de 1911. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1911.
RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1911 a
1912, apresentado pelo Conselho Diretório em sessão da Assembleia Geral de 28 de
abril de 1912. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1912.
RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1924,
apresentado pelo Presidente do Conselho Diretório Theodomiro Baptista, aprovado em
Assembleia Geral do dia 8 de fevereiro de 1924. Bahia, 1925.
RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1928,
apresentado pelo Presidente do Conselho Diretório Caetano de Carvalho, aprovado em
Assembleia Geral do dia 24 de fevereiro de 1929. Bahia: s/e, 1929.
RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1937,
apresentado pelo Presidente do Conselho Diretório Democrito Gomes de Carvalho,
aprovado em Assembleia Geral de 27 de março de 1938. Bahia, 1939.
146
RELATÓRIO do Centro Operário da Bahia para o exercício social de 6 de maio de
1899 a 21 de abril de 1900, apresentado pelo presidente do Conselho Executivo, Sr
Ismael Ribeiro, e aprovado em sessão da Assembleia Geral de 12 de agosto de 1900.
Bahia: Tipografia Passos, 1900.
RELATÓRIO do Centro Operário da Bahia para o exercício social de 6 de maio de
1902 a 30 de abril de 1903, apresentado pelo presidente do Conselho Executivo, Sr
Ismael Ribeiro, e aprovado em sessão da Assembleia Geral de 3 de maio de 1903.
Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1903.
RELATÓRIO do Centro Operário da Bahia para o exercício social de 06 de maio de
1908 a 5 de maio de 1909, apresentado pelo presidente do Conselho Executivo, Sr
Ismael Ribeiro, e aprovado em sessão da Assembleia Geral de 20 de abril de 1910.
Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1910.
RELATÓRIO da diretoria do Club Caixeiral, relativo ao exercício 1918 a 1919,
apresentada à Assembleia Geral reunida em 25 de julho de 1919, Bahia, Imprensa
Oficial do Estado, 1919.
RELATÓRIO do Club Defensor e Beneficente dos Machinistas, relativo ao ano de
1903, apresentado por Júlio Marcellino Gesteira, presidente do Diretório, em sessão de
Assembleia Geral. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1904.
RELATÓRIO do Grêmio Beneficente do Professorado Baiano para o exercício social
1901 a 1902. Bahia, 1902.
RELATÓRIO do Grêmio Beneficente do Professorado Baiano para o exercício social
1902 a 1903. Bahia, 1903.
RELATÓRIO do Grêmio Beneficente do Professorado Baiano para o exercício social
1903 a 1904. Bahia, 1904.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Chapeleiros para o exercício social
1897 a 1898. Bahia: 1898.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado em 22 de
outubro de 1899, e pela mesma unanimemente aprovado, pelo presidente do Diretório
João Maria. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1899.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado em 22 de
outubro de 1900, e pela mesma unanimemente aprovado, pelo presidente do Diretório
Justiniano Augusto do Bonfim. Bahia: Imprensa Moderna, 1900.
147
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado pelo
presidente do Diretório Justiniano Augusto do Bonfim, em sessão de 24 de outubro de
1901 e na mesma unanimemente aprovado. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de
Carvalho, 1901.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado pelo
presidente do Diretório Professor Lúcio Casimiro dos Santos, em sessão da
Assembleia Geral de 27 de outubro de 1904, e na mesma unanimemente aprovado.
Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1904.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado e aprovado
em sessão de 31 de janeiro de 1907, pelo presidente do Conselho Diretório major
Herculano Brittes Guimarães, exercício de 1905 a 1906. Bahia: Tipografia e
Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1906.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado em sessão da
Assembleia Geral de 23 de novembro de 1908 pelo presidente do Conselho Diretório
capitão Horário de Andrade Silva e na mesma unanimemente aprovado, exercício de
1907 a 1908. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1908.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado em
Assembleia Geral de 27 de novembro de 1910 pelo presidente do Conselho Diretório
José Balbino Falcão e na mesma aprovado, exercício de 1909 a 1910. Bahia: Oficinas
do Diário da Bahia, 1910.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado pelo
presidente do Conselho Diretório Joaquim da Costa Doria em sessão da Assembleia
Geral de 29 de outubro de 1925 e na mesma aprovado. Bahia: Tipografia e
Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1925.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente 24 de Julho, dos operários da fábrica
Empório Industrial do Norte, apresentado pelo presidente da Diretoria, Dr. Adriano
dos Reis Gordilho, em 28 de julho de 1918. Bahia: Oficinas do Diário da Bahia, 1918.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente 24 de Julho para o exercício social 1917 a
1918. Bahia: Oficinas do Diário da Bahia, 1918.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente de Santana apresentado na sessão da
Assembleia Geral em 30 de julho de 1899. Bahia: Imprensa Econômica, 1899.
148
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente de Santana apresentado na sessão da
Assembleia Geral em 29 de julho de 1900. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de
Carvalho, 1900.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente de Santana apresentado na sessão da
Assembleia Geral em 28 de julho de 1901. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de
Carvalho, 1901.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente de Santana apresentado na sessão da
Assembleia Geral em 27 de julho de 1902, Bahia, Imprensa Moderna de Prudencio de
Carvalho, 1902.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente de Santana apresentado na sessão da
Assembleia Geral em 19 de julho de 1903. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de
Carvalho, 1903.
RELATÓRIO apresentado à Assembleia Geral da Sociedade Beneficência Primeiro de
Maio, em 20 de maio de 1894, pelo Dr. José Isidoro dos Santos Silva, presidente do
Diretório. Bahia: Lito-Tipografia V. Oliveira & Cia., 1894.
RELATÓRIO da Sociedade Beneficente União das Classes apresentado e aprovado
em Assembleia Geral de 23 de dezembro de 1898, por Manoel Cardoso de Aguiar,
presidente do Conselho Diretório. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de
Carvalho, 1898.
RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos relativo ao exercício de 1895 a
1896, apresentado pelo presidente do Diretório Florencio da Silva Friandes, aprovado
em sessão de 23 de outubro de 1896. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de
Carvalho, 1896.
RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos relativo ao exercício de 1896 a
1897, apresentado pelo presidente do Diretório João Francisco Regis d’Antão,
aprovado em sessão de 1º de novembro de 1897. Bahia: Imprensa Moderna de
Prudencio de Carvalho, 1897.
RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos apresentado pelo presidente do
Diretório Affonso João Maria de Freitas, exercício de 1899 a 1900, aprovado em
sessão de Assembleia Geral de 15 de janeiro de 1901. Bahia: Imprensa Moderna de
Prudencio de Carvalho, 1900.
149
RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos apresentado pelo presidente do
Diretório Theotonio Teixeira dos Santos, aprovado em sessão de Assembleia Geral de
25 de fevereiro de 1925. Bahia: 1925.
CEDIC – ESTATUTO E REGIMENTO INTERNO DA SOCIEDADE BOLSA DE
CARIDADE
ESTATUTOS e regimento interno da Sociedade Bolsa de Caridade aprovado em sessão
de 23 de março de 1892. Bahia: Tipografia do Diário da Bahia, 1892. Acervo 200757.
ASBC – ESTATUTOS E RELATÓRIOS DA SOCIEDADE BOLSA DE CARIDADE
Estatutos da Sociedade Bolsa de Caridade aprovado em sessão de 8 de fevereiro de
1900. Bahia: Typographia Gutenberg, Rua do Arcebispo n.2, 1900.
Estatutos da Sociedade Bolsa de Caridade aprovados em sessão de assembleia geral de
24 de março de 11909. Bahia: Tipografia e Encadernação do Lyceu de Artes.
Prudencio de Carvalho, diretor, 1909.
RELATÓRIO do exercício de 1887 a 1888 apresentado a Assembleia Geral da
Sociedade Bolsa de Caridade na sessão magna do 16º aniversário no dia 10 de maio de
1888. Bahia: Lytho-Typographia de J. G. Tourinho, Largo das Princesas n.15, 2º
andar, 1888.
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1888 a 1889) apresentado
em sessão de 12 de maio de 1889 pelo presidente do conselho Elpidio Adolpho de
Menezes. Bahia: Lytho-Typographia de J. G. Tourinho, Largo das Princesas n.15, 2º
andar, 1889.
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1889 a 1890) apresentado
em sessão de 11 de maio de 1890 pelo presidente do conselho administrativo Elpidio
Adolpho de Menezes. Bahia: Lytho-Typographia de J. G. Tourinho, Largo das
Princesas n.15, 2º andar, 1890.
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1890 a 1891) apresentado
em sessão de 10 de maio de 1891 pelo presidente do conselho administrativo
Marciano Martinho Dumiense. Bahia: Typographia Dois Mundos, Praça do Comércio,
n. 3, 1891.
150
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1891 a 1892) apresentado
em sessão de 8 de maio de 1892 pelo presidente do conselho administrativo José Paulo
de Souza Moraes. Bahia: Lytho-Typographia V. Oliveira & C. Rua Nova das
Princesas, n.8, 2º andar, 1892.
RELATÓRIO apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade pelo
presidente do diretório Herculano Brittes Guimarães na sessão magna do seu 24º
aniversário em 31 de maio de 1896. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de
Carvalho, Ladeira da Praça n. 29, 1896.
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1896 a 1897) apresentado
pelo presidente do diretório Capitão Herculano Brittes Guimarães na Assembleia
Geral da sessão magna do seu 25º aniversário em 30 de maio de 1897. Bahia:
Typographia da “Cidade do Salvador”, Rua da Alfândega n. 23, 1897.
RELATÓRIO do exercício de 1897 a 1898 apresentado em Assembleia Geral da
Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório Presciliano José Leal na
sessão magna de 5 de junho de 1898 comemorativa do 26º aniversário. Bahia: Litho-
Typo. e Encadernação V. Oliveira & C. Praça do Comércio n.13, 1898
RELATÓRIO do exercício de 1898 a 1899 apresentado em Assembleia Geral da
Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório Antonio Bento Guimarães
na sessão magna de 28 de maio comemorativa do 27º aniversário. Bahia: Typ.
Gutenberg de Costa $ Brandão, Rua Direita do Colégio n. 23, 1899.
RELATÓRIO do exercício de 1899 a 1900 apresentado a Sociedade Bolsa de
Caridade em Assembleia Geral pelo presidente do diretório Herculano Brittes
Guimarães em sessão magna de 15 de julho de 1900 comemorativa do 28º aniversário.
Bahia: Typographia Gutenberg, Rua do Arcebispo n. 2, 1900.
RELATÓRIO do exercício de 1900 a 1901 apresentado a Sociedade Bolsa de
Caridade em Assembleia Geral pelo presidente do diretório Herculano Brittes
Guimarães na sessão magna de 21 de julho de 1901 comemorativa do 29º aniversário.
Bahia: Typographia Gutenberg, Rua dos Droguistas n. 32, 1901.
RELATÓRIO do exercício de 1901 a 1902 apresentado a Assembleia Geral da
Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório Antonio Borges Nogueira na
sessão magna do 30º aniversário em 15 de junho de 1902. Bahia: Tipografia
Gutenberg Rua dos Droguistas n. 32, 1902.
151
RELATÓRIO do exercício de 1903 a 1904 apresentado em Assembleia Geral da
Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório Euthymio da Cruz Baptista
em sessão magna comemorativa do 32º aniversário em 12 de junho de 1904. Bahia:
Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, Rua São Francisco n. 29, 1904.
RELATÓRIO do exercício de 1904 a 1905 apresentado a Assembleia Geral da
Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório Herculano Brittes
Guimarães na sessão magna do 33º aniversário em 9 de julho de 1905. Bahia:
Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, Rua São Francisco nº 29, 1905.
RELATÓRIO do exercício de 1905 a 1906 apresentado a Assembleia Geral da
Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório Herculano Brittes
Guimarães na sessão magna do 34º aniversário em 8 de julho de 1906. Bahia:
Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios dirigida por Prudencio de
Carvalho, 1906
RELATÓRIO do exercício de 1909 a 1910 apresentado em Assembleia Geral da
Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório Major Herculano Brittes
Guimarães em sessão magna comemorativa do 38º aniversário em 31 de julho de
1910. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes, Prudencio de Carvalho,
diretor premiado com Medalha de Ouro da Exposição Nacional de 1908.
RELATÓRIO do exercício de 1910 a 1911 apresentado em Assembleia Geral da
Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho
na sessão magna comemorativa do 39º aniversário em 9 de julho de 1911. Bahia:
Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes, Prudencio de Carvalho, diretor
premiado com Medalha de Ouro da Exposição Nacional de 1908.
RELATÓRIO do exercício de 1916 a 1917 apresentado em Assembleia Geral da
Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório José Prudencio Ferreira de
Carvalho na Assembleia Geral realisada em 17 de julho de 1917 e unanimemente
aprovado. Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes, Prudencio de Carvalho,
diretor premiado com Medalha de Ouro da Exposição Nacional de 1908. Bahia: 1917.
RELATÓRIO do exercício de 1919 a 1920 apresentado em Assembleia Geral da
Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho
em sessão de 16 de julho de 1920 e na mesma unanimemente aprovado.Tipografia e
Encadernação do Liceu de Artes, Prudencio de Carvalho, diretor premiado com
Medalha de Ouro da Exposição Nacional de 1908. Bahia: 1920.
152
RELATÓRIO do exercício de 1920 a 1921 apresentado em Assembleia Geral da
Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do conselho diretório J. Prudencio F. de
Carvalho em sessão de 14 de julho de 1921 e na mesma unanimemente
aprovado.Typographia e Encadernação do Lyceu de Artes, Prudencio de Carvalho,
diretor, premiado com Medalha de Ouro da Exposição Nacional de 1908 e na do
Lyceu de Artes e Officios em 1913. Bahia: 1921.
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1922-1923 relatado pelo
presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em Assembleia Geral de 1 de
agosto de 1923 e na mesma unanimemente aprovado.Typographia do Lyceu de Artes.
Bahia: 1923.
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade 1924-1925. Typographia e
Encadernação do Lyceu de Artes e Officios. Brasil: 1925.
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1925-1926 apresentado
em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do conselho
diretório Florencio da Silva Friandes em sessão de 10 de junho de 1926 e pela mesma
unanimemente aprovado. Bahia: 1926.
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1926-1927 apresentado
pelo presidente do diretório Florencio da Silva Friandes. Imprensa Moderna – Rua
Campellas n. 18. Bahia: 1927.
RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1927-1928 apresentado
pelo presidente do diretório Florencio da Silva Friandes em sessão da Assembleia
Geral de 17 de agosto de 1928 e pela mesma unanimemente aprovado. Imprensa
Moderna de Eurico Wanderley & C. – Rua do Motta, 7 A. Bahia: 1928.
RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade apresentado pelo presidente do diretório
J. Prudencio F. de Carvalho em sessão de Assembleia Geral de 19 de junho de 1930,
relativo ao exercício de 1º de maio de 1929 a 30 de abril de 1930.
(BNDigital) – PERIÓDICOS
A Manhã: Propriedade da Sociedade Anonyma “Diário de Notícias” (BA).
A Notícia: Nosso Programma - nossa rota, nosso escopo (BA).
Almanak do Estado da Bahia: Administrativo, Indicador e Noticioso (BA) – 1898 a
1903.
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Quinquagesimo Segundo da Independência e do Império (BA).
Almanaque Laemmert: Administrativo, Mercantil e Industrial (RJ) – 1891 a 1940.
Almanack Litterario: E de indicações para o anno de 1889 (BA).
Annaes da Assembleia Legislativa dos Senhores Deputados do Estado Federado
da Bahia: Sessões (BA).
Annaes da Assembleia Legislativa Provincial da Bahia (BA).
Atalaia: Periódico Noticioso, Litterário, Religioso e Comercial (BA).
Cidade do Salvador (BA).
Correio da Bahia: O Correio da Bahia é propriedade de uma Associação (BA).
Correio do Povo: Orgão Independente, Noticioso e Informativo (BA).
Diário da Bahia: Jornal Mercantil, Político e Litterario (BA).
Diário de Noticias (BA).
Gazeta de Notícias: Sociedade Anonyma (BA).
Jornal de Notícias (BA).
Leituras Religiosas: Publicação Semanal (BA).
Mensagens do Governador da Bahia para Assembleia (BA) – 1892 a 1930.
O Combate: Vespertino Independente, Político, Noticioso e Reacionário (BA).
O Imparcial: Matutino Independente (BA).
O Monitor (BA).
Pequeno Jornal (BA).
Relatório dos Trabalhos do Conselho interino de Governo (BA) – 1823 a 1889.
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