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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS II / ALAGOINHAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA Celina Batalha Oliveira Lima Do Arsenal de Guerra para o mundo operário mais amplo: um estudo sobre a Sociedade Bolsa de Caridade (1872-1930). Alagoinhas, julho de 2019

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS II / ALAGOINHAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Celina Batalha Oliveira Lima

Do Arsenal de Guerra para o mundo operário mais

amplo: um estudo sobre a Sociedade Bolsa de Caridade

(1872-1930).

Alagoinhas, julho de 2019

Celina Batalha Oliveira Lima

Do Arsenal de Guerra para o mundo operário mais

amplo: um estudo sobre a história da Sociedade Bolsa

de Caridade (1872-1930).

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em História

da Universidade do Estado da Bahia –

Campus II como requisito parcial para

obtenção do título de Mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Aldrin Armstrong

Silva Castellucci

Banca examinadora:

Prof. Dr. Aldrin Armstrong Silva Castellucci – UNEB

Prof. Dr. Claudio Henrique de Moraes Batalha - UNICAMP

Prof. Dr. Antonio Luigi Negro – UFBA

Suplente:

Prof. Dr. Paulo Santos Silva - UNEB

Alagoinhas, julho de 2019

FICHA CATALOGRÁFICA

Biblioteca do Campus II / Uneb

Bibliotecária: Rosana Cristina de Souza Barretto - CRB: 5/902

L732a Lima, Celina Batalha Oliveira.

Do arsenal de guerra para o mundo operário mais amplo: um

estudo sobre a Sociedade Bolsa de Caridade./ Celina Batalha Oliveira

Lima – Alagoinhas, 2019.

158f. il.

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia.

Departamento de Educação. Mestrado em História.

Orientador: Prof. Dr. Aldrin Armstrong Silva Castellucci.

1. Mutualismo – Bahia – História. 2. Associações de socorro mútuo

– Brasil – História. 3. Trabalhadores – Bahia – Condições sociais. 4.

Arsenal de Guerra da Bahia. I. Castellucci, Aldrin Armstrong Silva. II.

Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. III.

Título.

CDD 334.7098142

Dedico este trabalho a Darci Batalha, minha

mãe, hoje portadora do mal de Alzheimer.

Quanto mais ela precisa dos meus cuidados,

maior é a impressão de que na verdade é ela

que ainda cuida de mim.

Agradecimentos

Gostaria de aproveitar este espaço para enfatizar a importância das universidades

públicas para a produção de conhecimento nesse país. Em um momento em que as

instituições de ensino sofrem ataques grotescos e incoerentes das instâncias de poder que

deveriam apoiá-las, registro meus agradecimentos a UNEB - Universidade do Estado da

Bahia, pela oportunidade de cursar uma pós-graduação stricto sensu em História, que apesar

do pouco tempo de existência, nada fica a dever às suas congêneres mais antigas.

Adicionalmente, agradeço ao PPGH-UNEB o financiamento de uma viagem que fiz para

apresentar alguns resultados de minha pesquisa no V Seminário Internacional Mundos do

Trabalho, realizado entre os dias 25 e 28 de setembro de 2018 nas dependências da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Agradeço aos colegas do GT

Mundos do Trabalho da ANPUH-Brasil pela acolhida e oportunidade de trocas acadêmicas

nessa importante rede de pesquisas em história social do trabalho.

Agradeço ao professor doutor Paulo Santos Silva pelas aulas da disciplina Teorias e

Métodos da História, espaço onde fui estimulada a adquirir as ferramentas essenciais para a

pesquisa histórica. Agradeço também a Diana Marinho, funcionária do programa, pela

presteza com que sempre atendeu as minhas demandas. Sou grata a todos os trabalhadores dos

arquivos públicos onde consultei documentos históricos. Apesar do estado de abandono e

carência de recursos em que tais instituições se encontram, a seriedade, o empenho e a

dedicação de alguns servidores são evidências de que esses profissionais parecem entender

melhor a importância da pesquisa histórica do que os nossos governantes. O apoio deles foi

peça importante para a realização deste trabalho. Aos professores doutores membros da banca

de qualificação, Antonio Luigi Negro, o Gino, e Claudio Batalha, agradeço as contribuições.

Todas foram de grande valia para a correção dos rumos de minha pesquisa e, na medida do

possível, foram incorporadas ao texto final que apresento neste momento.

Quero agradecer especialmente ao meu orientador, o professor doutor Aldrin

Castellucci. Foi graças a uma postagem sua nas redes sociais que tomei conhecimento do

processo seletivo para o curso de mestrado em História do Campus II da UNEB (Alagoinhas).

Sem projeto de pesquisa pronto e longe da academia há muito tempo, solicitei matrícula em

disciplina ofertada por ele, na qualidade de aluna especial. O acolhimento foi total e incluiu

inúmeras caronas entre Salvador e Alagoinhas, empréstimo de livros, indicações de textos e

de arquivos para pesquisa, além de criteriosas correções dos meus escritos. Enfim, sem sua

generosidade dificilmente eu teria concluído este trabalho. Minha gratidão é imensa. Estendo

o agradecimento a sua companheira, Eliza, pelo carinho com que sempre me recebeu.

Deixo aqui um agradecimento especial para o Sr. Aristófanes Muniz Fernandes,

presidente da Sociedade Bolsa de Caridade, por me fornecer acesso aos documentos do

arquivo da associação que estão sob sua guarda, alguns dos quais não disponíveis em outras

instituições.

Agradeço também aos colegas de mestrado pelo apoio mútuo, troca de informações,

livros emprestados, compartilhamento de pesquisa, esclarecimento de dúvidas e pelo carinho

demonstrado.

Muitas outras pessoas colaboraram para que eu pudesse me dedicar a esta pesquisa.

Não é tarefa fácil agradecer a todas elas, mesmo porque a memória falha e esquecimentos

parecerão ingratidão. Mas é fato que sempre que os obstáculos pareceram grandes demais

para mim, uma mão amiga me socorreu. Foi assim quando tive que recorrer ao poder

judiciário para obter licença para curso de pós-graduação, direito consagrado em lei, mas

negado pela Secretaria da Educação do Estado da Bahia. Agradeço a advogada e amiga,

Cecília Simões, que por um preço simbólico impetrou mandado de segurança e garantiu

melhores condições para a conclusão desta dissertação.

Não posso deixar de agradecer a minha amiga Maura Vieira pelo apoio prestado em

um momento difícil, quando me vi na contingência de cuidar de uma tia doente, o que além

de demandar muito do meu tempo exigiu gastos acima da minha condição. Ela reuniu amigos

e colegas, arrecadou donativos e cuidou de garantir que eu pudesse conciliar o tempo de

cuidar do outro com o tempo de cuidar desta dissertação. Não tenho palavras para lhe

agradecer, assim como a todos que atenderam ao seu chamado. Agradeço também a minha

sobrinha Giovana Seixas, por cuidar da minha tia várias horas por dia, me poupando um

tempo precioso que pude dedicar à escrita deste trabalho.

Sou grata a minha filha, Circe Oliveira, a quem a generosidade e a condição

financeira permitiram a inversão do cuidar muito antes do previsto. É ela quem garante que a

avó tenha cuidados 24h por dia, todos os dias do ano. Sem esse conforto eu não teria condição

alguma de enfrentar um curso de mestrado. Também devo a ela o meu melhor refúgio:

assistir, ainda que por vídeo, a risada de minha netinha, Catarina. Mesmo morando a mais de

mil quilômetros daqui, filha e neta trazem alegria, força e coragem para os meus dias.

Por fim, agradeço a Valéria Simões, companheira que a vida me deu em 2010, pelo

apoio e incentivo. Além das incontáveis caronas para a rodoviária e arquivos públicos, ela

assumiu inúmeras tarefas cotidianas de minha responsabilidade para que eu pudesse dedicar

mais tempo a este trabalho. Agradeço também pela edição das imagens que compõem esse

trabalho e pelas noites e finais de semana que abriu mão do lazer para permanecer ao meu

lado.

Resumo

A Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de Guerra da Bahia foi fundada em 8 de maio de

1872, de início uma associação mutualista fechada dos operários daquela instituição, ela foi

gradualmente eliminando entraves, até tornar-se uma agremiação aberta aos indivíduos de

qualquer ocupação, sexo ou nacionalidade. A presente pesquisa acompanhou a trajetória da

associação desde a sua fundação, em 1872, até o ano de 1930, buscando compreender o que

representava o associativismo mutualista para os próprios filiados ao longo desse período.

Nesse sentido, esta dissertação procura apresentar a composição social da agremiação, a

prática mutualista dos associados, a rede de relações de seus membros com outras associações

de auxílio mútuo, especialmente a avultada participação de seus associados no corpo diretivo

de diversas sociedades operárias de Salvador. Busca ainda averiguar o grau de autonomia

relativa da associação por meio da análise da sua gestão financeira, da eficácia securitária, do

peso das elites nas instâncias de poder da instituição e da simbiose entre ajuda mútua e

caridade.

Palavras-chave: Sociedade Bolsa de Caridade; mutualismo; associativismo operário; Arsenal

de Guerra da Bahia.

Abstract

The Society for Charity Funds of the War Arsenal of Bahia was founded on 8 May 1872 as a

mutual aid association exclusive to the War Arsenal workers. After some struggle it gradually

became accessible for workers of any occupation, gender and nationality. This research traces

the trajectory of this association since its foundation in 1872 until 1930, trying to understand

what this mutual aid association represented for its own members during this period. This

dissertation presents the social composition of the association, the mutual practice of its

members, the network of relations between its members and the many other mutual aid

organizations members, especially the significant participation of its members on boards of

directors of the various labor societies in Salvador. It also examines the relative autonomy of

the association by relying on the analysis of the financial administration, the efficiency of

security, the influence of the elites leading the institution and the symbiosis between mutual

aid and charity.

Keywords: Society for Charity Funds; mutualism; labor association; War Arsenal of Bahia.

Sumário

Introdução ...............................................................................................................................14

Capítulo 1: Os trabalhadores e o mundo associativo...........................................................24

Fundação e trajetória da Sociedade Bolsa de Caridade............................................................28

A ocupação dos sócios..............................................................................................................34

A cor dos trabalhadores.............................................................................................................41

A rede de relações sociais.........................................................................................................45

O corpo diretivo da Sociedade Bolsa de Caridade....................................................................58

Capítulo 2: A autonomia possível..........................................................................................70

As receitas da associação..........................................................................................................80

Autofinanciamento e autonomia...............................................................................................85

A inadimplência........................................................................................................................88

As despesas diretas com os socorros aos sócios.......................................................................92

O Fundo Social.........................................................................................................................97

Capítulo 3: A caridade como discurso................................................................................107

Abertura, crescimento e burocratização..................................................................................110

Poucos à frente da Associação................................................................................................114

As assembleias magnas comemorativas de aniversário..........................................................117

O discurso da caridade............................................................................................................124

Epílogo....................................................................................................................................136

Arquivos e Fontes .................................................................................................................139

Bibliografia consultada.........................................................................................................154

Lista de ilustrações

Figura 1 – Euthymio da Cruz Baptista – Comissão Fiscal (1910-1921).................................43

Figura 2 – Carlos Sepúveda – Comissão Fiscal (1921-1923)..................................................43

Figura 3 – Cel. Antônio Freitas da Silva – Pres. Assembleia (1916-1926).............................48

Figura 4 – Cap. João Pompílio de Abreu – Comissão Fiscal (1920-1921) ............................48

Figura 5 – Florencio da Silva Friandes – 2º Sec. do Diretório (1910-1925)...........................50

Figura 6 – Joaquim Pinto dos Santos – Sec. Assembleia (1915-1920)...................................50

Figura 7 – Prudencio de Carvalho – Pres. do Diretório (1910-1923)......................................56

Figura 8 – Honorato de Britto Lima – Síndico (1908-1919)...................................................63

Figura 9 – Faustino do Sacramento Sena – Síndico (1919-1920)...........................................63

Figura 10 – Prof. Presciliano José Leal - Pres. Assembleia (1911-1916)...............................64

Figura 11 – José Zacharias dos Santos – Arquivista (1916-1928)..........................................64

Figura 12 – Faustino da Silva Friandes – Com. Fiscal (1910-1920).......................................66

Figura 13 – Herculano Brittes Guimarães – Com. Fiscal (1910-120).....................................66

Figura 14 – Bacharel Muciano Pompílio de Abreu – Orador (1913-1921)...........................126

Figura 15 – Dr. Paulo Pompílio de Abreu – orador oficial (1912)........................................126

Lista de tabelas, gráficos e quadros

Tabelas

Tabela 1 – Comparativo ocupacional entre os membros brancos e não brancos da Sociedade

Bolsa de Caridade (1872-1930)................................................................................................43

Tabela 2 – Percentagem das contribuições obrigatórias dos sócios (joias e mensalidades)

sobre as receitas (contábil e real). Sociedade Bolsa de Caridade (1875-1930)..................82-83

Gráficos

Gráfico 1 – Profissões agrupadas por categoria ocupacional em números absolutos e em

percentual (1872-1930).............................................................................................................35

Gráfico 2 - Composição por cor dos membros da Sociedade Bolsa de Caridade (1872-

1930).........................................................................................................................................41

Gráfico 3 – Entradas de sócios na SBC (1875-1930)..............................................................75

Gráfico 4 - Distribuição das Receitas da SBC (1875-1930)....................................................86

Gráfico 5 - Percentagem das receitas e das contribuições obrigatórias gastas com socorros aos

sócios da SBC (1875-1930)......................................................................................................93

Gráfico 6 – Percentagem das “aplicações financeiras” e do “ativo imobilizado” sobre o Fundo

Social Líquido. SBC (1875-1930)...........................................................................................99

Quadros

Quadro 1 – Participação de membros da SBS na direção de outras mutuais (1872-

1930)........................................................................................................................................47

Quadro 2 – Comparativo entre mutuais quanto a contribuição de sócios e auxílio em 1914.

Valores em mil-réis...................................................................................................................73

Lista de abreviaturas e siglas

APEB - Arquivo Público do Estado da Bahia

ASBC - Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade

BPEB - Biblioteca Pública do Estado da Bahia

BNDigital - Biblioteca Nacional Digital

CEDIC - Centro de Documentação e Informação Cultural sobre a Bahia da Fundação

Clemente Mariani.

IPAC - Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia

SBC - Sociedade Bolsa de Caridade

14

Introdução

No dia 21 de agosto de 1889, José Jorge Lucas Pinto, mestre da oficina de maquinista

do Arsenal de Guerra da Bahia, peticionou ao presidente da província solicitando o

encaminhamento do seu pedido de aposentadoria aos órgãos competentes.1 Entre os

trabalhadores do Arsenal poucos eram os que faziam jus a essa graça. Somente os militares de

carreira contavam com alguma proteção governamental que lhes garantiam certos direitos, a

exemplo de licença saúde e aposentadoria. Portanto, os que trabalhavam por jornada ou

empreitada, bem como os que tinham patentes militares honoríficas, não estavam assegurados

por quaisquer das vantagens que alguns trabalhadores do setor público poderiam contar, ainda

que trabalhassem lado a lado no referido Arsenal. No período abarcado pela presente

pesquisa, a proteção social ainda era um direito conquistado por poucos.

Efetivamente, durante todo o século XIX e até as primeiras décadas do século XX, os

trabalhadores, geralmente, não contavam com a segurança de um sistema previdenciário

governamental. Assim como ocorreu em diversos países, também no Brasil os que labutavam

nos canteiros de obras e nas oficinas de seus ofícios procuraram diminuir essa insegurança

criando e filiando-se às associações de auxílio-mútuo. A quantidade de associações

mutualistas em funcionamento no início do século XX comprova a importância desse

associativismo. Um levantamento claramente parcial e incompleto feito pelas autoridades

governamentais dava conta de que existiam pelo menos 3.505 sociedades beneficentes e

mutualistas no país em 1917, sendo 165 na Bahia.2 Essas entidades eram muito diversas em

termos de tamanho, força e número de membros, abrangência e perfil dos associados, tipos de

socorros e auxílios oferecidos, tendo em comum a ajuda mútua entre os filiados.3

A multiplicação das associações de ajuda mútua de trabalhadores no último quartel do

século XIX pode ser creditada ao impacto causado pelas mudanças estruturais em curso na

1 Arquivo Público do Estado da Bahia, (APEB), Seção Colonial e Provincial. Correspondências recebidas do

Diretor do Arsenal de Guerra da Bahia. Cx 3355. Ofício n. 3062.

2 BRASIL. Anuário Estatístico do Brasil (1936). V.2. Rio de Janeiro: IBGE, 1936. Apud CASTELLUCCI,

Aldrin A. S. “A luta contra a adversidade: notas de pesquisa sobre o mutualismo na Bahia (1832-1930)”. Revista

Mundos do Trabalho, v. 2, n. 4, p. 40-77, 2010, p. 42. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5007/1984-

9222.2010v2n4p40

3 DE LUCA, Tania Regina. O sonho do futuro assegurado: o mutualismo em São Paulo. São Paulo: Contexto;

Brasília; DF: CNPq, 1990, p. 24.

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sociedade brasileira.4 A precariedade das condições de vida e de trabalho tornava muito curta

a distância entre uma vida modesta e a miséria. A perda de um posto de trabalho, a doença, a

invalidez ou a velhice eram espectros que assombravam sobremaneira os trabalhadores,

especialmente no momento em que o avanço das relações capitalistas de produção

enfraquecia as formas de solidariedade tradicionais. Para uma parcela dos trabalhadores foi o

associativismo calcado no socorro mútuo que possibilitou o amparo, autonomia e dignidade

que o Estado brasileiro lhes negava. A fundação da associação objeto deste estudo não fugiu à

regra. Os trabalhadores do Arsenal de Guerra perceberam a necessidade de ter uma associação

própria por ocasião do sepultamento de um companheiro de trabalho, veterano da Guerra do

Paraguai (1864-1870), enterrado como indigente. Esse acontecimento expôs a fragilidade da

condição social dos empregados do referido Arsenal e aguçou no grupo o temor de que outros

operários também fossem vítimas de um enterro indigno. A reação de um grupo de

trabalhadores foi fundar uma associação de ajuda mútua cujo objetivo era proporcionar um

funeral digno para os trabalhadores e seus familiares. Liderados pelo alferes Justino Pereira de

Britto, mestre das oficinas de funilaria do Arsenal, e contando com o apoio do comandante da

instituição, foi criada a Sociedade Bolsa de Caridade dos Empregados e Operários do Arsenal

de Guerra da Bahia.5

Assim, em sua origem, a agremiação em questão foi uma associação exclusiva para os

trabalhadores do Arsenal de Guerra, uma mutual “fechada”, fundada com o aval do próprio

Arsenal. Apenas após deixar as dependências do Arsenal e, posteriormente, reformar os seus

estatutos é que a entidade se transformou em uma mutual “aberta” para os demais

trabalhadores, passando a denominar-se simplesmente Sociedade Bolsa de Caridade. Desde

então, a associação experimentou adesão crescente de trabalhadores e posteriormente de seus

familiares e foi, paulatinamente, ampliando seu leque de benefícios, passando a socorrer os

seus sócios também nos casos de desemprego, doença ou morte.

4 Segundo Cláudia Viscardi, o contexto da emergência e proliferação das mutuais foi o da transição do trabalho

escravo para o livre, da monarquia para a república, de introdução das relações capitalistas de produção e da

propagação das doutrinas sociais europeias do século XIX no Brasil. VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. “O

ethos mutualista: valores, costumes e festividades”, p. 194. In: CORD, Marcelo Mac; BATALHA, Claudio H.

M. (Org.). Organizar e Proteger: trabalhadores, associações e mutualismo no Brasil (séculos XIX e XX).

Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2014. Não é demais assinalar que na Bahia, como lembrou Aldrin Castellucci, as

sociedades de ajuda mútua já era uma realidade na primeira metade do século XIX.

5 RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1922-1923 relatado pelo presidente do diretório J.

Prudencio F. de Carvalho em Assembleia Geral de 1 de agosto de 1923 e na mesma unanimemente

aprovado.Typographia do Lyceu de Artes. Bahia: 1923, p. 6. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.

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O recorte cronológico desta pesquisa engloba o período que se estende da fundação da

Sociedade Bolsa de Caridade, em 8 de maio de 1872, até 1930, data do último relatório

encontrado. É um período que compreende mais de meio século de história, atravessa o

Império escravista e chega até às vésperas do colapso da Primeira República. A fundação da

mutual em questão se deu em um momento em que as transformações nas relações de

produção estavam alterando as condições de trabalho e sobrevivência dos trabalhadores, em

especial de sua parcela mais qualificada, composta pelos artesãos e mestres de ofício, que

gozaram historicamente de maior autonomia, melhores condições de trabalho e prestígio

social quando comparados com os operários fabris. No Brasil, como em outros países, os

trabalhadores qualificados foram os primeiros a se organizar, talvez devido à longa

experiência associativa advinda das corporações de ofício e das irmandades embandeiradas.

Do segundo quartel do século XIX até 1917 o movimento operário foi moldado pelo discurso

e formas de organização dos trabalhadores manuais qualificados, fundamentalmente as

associações de ajuda mútua.6 Segundo Castellucci, na Bahia, até pelo menos a primeira

década do século XX, nos mundos do trabalho “o mutualismo foi um fenômeno exclusivo dos

artesãos”.7

OBETIVOS E FONTES

Em minha dissertação busco investigar as motivações para a criação de uma mutual

exclusiva para os trabalhadores e operários do Arsenal de Guerra da Bahia, bem como o

processo de reorganização da associação a partir da sua abertura para trabalhadores de

diversos ofícios e, posteriormente, para quaisquer cidadãos de reconhecida moralidade.

Analiso os fatores que contribuíram para a sua longevidade, em especial o sucesso no

atendimento das questões securitárias, o eficaz gerenciamento dos recursos dos associados, o

equilíbrio financeiro e a alta demanda para ingressar na mutual. Além disso, analiso como a

associação manteve o difícil equilíbrio entre a autonomia financeira respaldada na aplicação

competente da contribuição dos sócios, e as consequências das relações clientelistas e da

composição pluriclassista de seu quadro de filiados. Por fim, investigo a ampla rede

6 BATALHA, Claudio H. M. “Formação da classe operária e projetos de identidade coletiva”. In: FERREIRA,

Jorge e DELGADO, Lucília de A. N. (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do liberalismo excludente – da

Proclamação da República a revolução de 1930. Livro 1. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, p. 162-

189. A citação é da p. 173.

7 CASTELLUCCI. “A luta contra a adversidade”, p. 47.

17

associativa dos membros da Sociedade Bolsa de Caridade procurando desvendar as

motivações para as filiações múltiplas, em especial para a participação no quadro dirigente de

diversas associações.

“Os trabalhadores e o mundo associativo” é o título do primeiro dos três capítulos que

compõem esta dissertação. Nele, além de traçar um histórico da associação, procurei saber

quem eram aqueles sujeitos que fundaram e tocaram a entidade por anos. Na medida em que

as fontes permitiram, fiz um esforço para reconstituir os percursos de muitos de seus

membros e examinar a composição social em termos mais amplos da Sociedade Bolsa de

Caridade. Com isso, pude valorizar as experiências dos trabalhadores de meu estudo e

investigar como suas práticas integravam o associativismo operário. Como parte desse

esforço, busco compreender as relações dos filiados da Bolsa de Caridade com as demandas

mais gerais da classe trabalhadora, uma vez que 13% dos associados integraram a

administração de diversas mutuais de trabalhadores, algumas delas comprometidas com a

conquista de direitos para seus filiados por meio da inserção de trabalhadores na política

formal, a exemplo do Centro Operário da Bahia, enquanto outras faziam a defesa do ofício, a

exemplo da Associação Tipográfica Baiana.

No segundo capítulo, intitulado “A autonomia possível”, busco investigar a ação

securitária da associação e a autonomia relativa dos trabalhadores frente às elites. Para tanto,

analiso a origem e gestão dos recursos arrecadados, bem como o leque de serviços prestados

pela organização. Em outras palavras, avalio a eficácia de sua gestão mutualista amparada na

longevidade e na significativa adesão de filiados à Sociedade Bolsa de Caridade ao longo de

sua existência.

No terceiro capítulo busquei investigar as variadas acepções da palavra caridade nos

discursos e demais representações da associação. Nascida sob seu signo, batizada com seu

nome, a caridade esteve desde o princípio inscrita na história da associação. Entretanto, seu

significado foi diverso no tempo e dependia de quem falava e para quem se falava. À medida

que a associação cresceu e ganhou prestígio, a participação dos associados nas instâncias

deliberativas diminuiu, a gestão burocratizou-se e o público nas assembleias solenes de

comemoração de aniversário aumentou em tamanho e projeção social. Nesse contexto, o

discurso da caridade como sinônimo de filantropia (culto de atitudes humanas para com os

necessitados) ganhou projeção eclipsando a dimensão mutualista, verdadeiro cerne da

associação. “A caridade como discurso” foi o título dado a este capítulo.

18

As fontes utilizadas foram os estatutos e relatórios anuais da Sociedade Bolsa de

Caridade e de outras associações de ajuda mútua de trabalhadores de Salvador, os jornais,

revistas e almanaques publicados na Bahia no período, e os inventários e testamentos dos

associados da Bolsa de Caridade. Além do Estatuto de fundação (1872), contei com os

estatutos reformados de 1879, 1892, 1900 e 1909. Tive acesso aos demonstrativos de receitas

e despesas que eram enviados pela Bolsa de Caridade ao Presidente da Província cobrindo os

exercícios sociais entre 1875-1876 e 1886-1887, com exceção de 1884-1885. Tenho uma

longa e importante série quase completa dos relatórios anuais que abrange um período de 42

anos, desde o exercício 1887-1888 até 1929-1930, tendo como única lacuna o relatório do

exercício de 1894-1895. Talvez não tenha havido relatório nesse ano, já que o exercício

seguinte correspondeu a um período inabitual, de apenas 6 meses, posto que toda a diretoria

anterior fora afastada.

Por meio dessas fontes pude compor um banco de dados com o nome completo dos

membros da Sociedade Bolsa de Caridade, de sua diretoria, dos sócios auxiliados e dos

falecidos, num total de 2.172 associados. Para uma parcela desses sócios pude também

identificar ocupação, sexo, cor, estado civil e posses. O cruzamento desse banco de dados

com a lista do corpo diretivo de diversas sociedades mutualistas resultou na elaboração de

uma relação nominal composta de 224 associados da Bolsa de Caridade que exerciam cargos

em diversas agremiações coirmãs ou similares.

Parte dessa série de documentos da associação foi garimpada durante quase dois anos

de pesquisa na Seção de Obras Raras e Seção de Periódicos Raros da Biblioteca Pública do

Estado da Bahia (BPEB) e na Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais, Seção Republicana

e Biblioteca do Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), ambos em Salvador; e no

Acervo de Memória e Documentação Clemente Mariani (AMDOC), na Universidade Federal

do Recôncavo da Bahia (UFRB, Campus de Cachoeira, que recebeu os documentos e livros

do antigo Centro de Documentação e Informação Cultural sobre a Bahia (CEDIC). A outra

parte da documentação foi encontrada no finalzinho do segundo tempo, quando já com dois

capítulos escritos, localizei os Arquivos da Sociedade Bolsa de Caridade. Embora esteja

praticamente desativada e conte apenas com seis associados, estando uma hospitalizada há

algum tempo, a entidade ainda paga pensão e possui imóveis. A documentação está

fragilmente acomodada na sede da Sociedade Montepio dos Artistas, onde também realiza

eventuais formalidades, a exemplo de assembleias extraordinárias. O presidente da

associação, o Sr. Aristófanes Muniz Fernandes, gentilmente disponibilizou uma caixa

contendo os estatutos reformados de 1900 e 1909 bem como os relatórios de 1887-1888 a

19

1929-1930, metade dos quais já fazia parte do meu banco de dados. Há também atas

manuscritas e livros de lançamentos de receitas e despesas. Infelizmente, só houve tempo

hábil para examinar criteriosamente os relatórios e estatutos, ficando o restante da

documentação para um outro momento. Devo dizer que essa descoberta inesperada

enriqueceu sobremaneira a minha pesquisa, fornecendo-me mais evidências para as análises

feitas com base nos outros acervos.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Meu trabalho foi fortemente influenciado pela história social, especialmente pela

história social do trabalho da forma como foi concebida pelos britânicos E. P. Thompson e

Eric Hobsbawm. Daí a ênfase que tentei dar tanto às experiências dos trabalhadores comuns,

seu protagonismo no processo de autorreconhecimento e identificação enquanto parte da

classe operária, com interesses distintos e opostos aos de seus empregadores, quanto à auto-

organização ensejada pelos artesãos com vistas à defesa de seus interesses de ofício e de

classe, expressa na criação de um número incontável de associações de auxílio-mútuo,

cooperativas, sindicatos e partidos políticos.8 Essa operação pressupõe um olhar atento tanto

às atitudes dos trabalhadores de base, quanto das lideranças, pondo-os juntos com seus

familiares – a família da classe operária é parte da classe operária – e examinando suas

relações com o patronato e o Estado e suas autoridades.9

Da mesma maneira que em relação a outros temas, a pesquisa sobre o associativismo

mutualista se beneficiou largamente dos avanços verificados tanto na historiografia

internacional quanto na brasileira.10

Não é minha intenção fazer uma revisão dessa produção,

8 THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Tradução Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1987; HOBSBAWM, Eric J. Mundos do trabalho: novos estudos sobre história operária. Tradução de

Waldea Barcellos & Sandra Bedran. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987; HOBSBAWM, Eric J. Os trabalhadores:

estudos sobre a história do operariado. Tradução de Marina Leão Teixeira Viriato de Medeiros. Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 1981. Para uma análise das implicações desses pressupostos no conceito de classe, cf. NEGRO,

Antonio Luigi. “Imperfeita ou refeita? O debate sobre o fazer-se da classe trabalhadora inglesa”. Revista

Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, v. 16, n. 31-32, p. 40-61, 1996; THOMPSON, E. P. As

peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Organizadores: Antonio Luigi Negro e Sergio Silva. Campinas:

Editora da Unicamp, 2001.

9 BATALHA, Claudio H. M. “História do trabalho: um olhar sobre os anos 1990”. História, São Paulo, v. 21, p.

73-87, 2002; LINDEN, Marcel van der.” Rumo a uma nova conceituação histórica da classe trabalhadora

mundial”. História, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 11-40, 2005; LINDEN, Marcel van der. “História do Trabalho: o

velho, o novo e o global”. Revista Mundos do Trabalho, v. 1, n. 1, 2009, p. 11-26.

10 Para estudos sobre o fenômeno no Brasil, cf. CORD, Marcelo Mac; BATALHA, Claudio H. M. (Org.).

Organizar e proteger: trabalhadores, associações e mutualismo no Brasil (séculos XIX e XX). Campinas:

Editora da Unicamp, 2014; LUCA, Tania Regina de. O Sonho do Futuro Assegurado: O Mutualismo em São

20

tarefa que já foi cumprida de modo competente.11

Em vez disso, destacarei alguns autores e

obras de interesse para minha pesquisa. No caso específico do Brasil, Claudio Batalha

apontou para a necessidade de se pesquisar as formas de organização dos trabalhadores

urbanos livres e suas relações com os trabalhadores escravos para a compreensão da

emergência da classe trabalhadora no país. Ao analisar a história dessas associações no Rio de

Janeiro do século XIX esse autor levantou a hipótese de que as sociedades de socorros mútuos

eram a única forma legalmente viável de organização para os trabalhadores livres após 1824,

data da outorga da primeira Constituição brasileira, que proibiu as corporações de ofício.

Argumentou que muitas dessas associações tinham como objetivos a defesa profissional e

citou como exemplo a Associação Tipográfica Fluminense, que teve papel de destaque na

greve de 1858 envolvendo os trabalhadores de três jornais. Segundo Batalha, os elementos de

continuidade entre as associações mutualistas e as sociedades de resistência (sindicatos), a

exemplo dos valores herdados com relação à dignidade do trabalho, a valorização do trabalho

manual e da classe trabalhadora são fortes indícios de que a cultura e a consciência de classe

foram formadas na vivência desses trabalhadores em suas associações.12

É nessa perspectiva de religação dos séculos XIX e XX que Aldrin A. S. Castellucci

refez o percurso de centenas de artesãos brancos, negros e mestiços que se organizaram no

Partido Operário e no Centro Operário da Bahia a partir da década de 1890, muitos deles

vindos de um passado direta ou indiretamente relacionado à escravidão. O autor demonstrou

que esses indivíduos estavam envolvidos com uma ampla rede de irmandades religiosas,

Paulo. São Paulo: Contexto; Brasília: /CNPq, 1990; SILVA JUNIOR, Adhemar Lourenço da. “Etnia e classe no

mutualismo do Rio Grande do Sul (1854 - 1889)”. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. XXV, n. 2, p.

147-174, dez. 1999; SILVA JUNIOR, Adhemar Lourenço da. “O mutualismo de fechamento étnico no Rio

Grande do Sul (1854-1940)”. Métis: história e cultura. Caxias do Sul, v. 4, n. 8, p. 99-126, jul. / dez. 2005;

VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. “Estratégias populares de sobrevivência: o mutualismo no Rio de Janeiro

republicano”. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 29, nº 58, p. 291-315, 2009; VISCARDI, Cláudia

Maria Ribeiro; DE JESUS, Ronaldo Pereira. “A experiência mutualista e a formação da classe trabalhadora no

Brasil”. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. A formação das tradições (1889-1945). Rio de Janeiro:

Civilização brasileira, 2007; MACIEL, Osvaldo. “A perseverança dos caixeiros: o mutualismo dos trabalhadores

do comércio em Maceió (1879-1917)” (Tese de Doutorado em História, Universidade Federal de Pernambuco,

2011).

11 BATALHA, Claudio H. M. “Relançando o debate sobre o mutualismo no Brasil: as relações entre

corporações, irmandades, sociedades mutualistas de trabalhadores e sindicatos à luz da produção recente”.

Revista Mundos do Trabalho. Florianópolis, v. 2, n. 4, p. 12-22, 2010. Disponível em: <

http://dx.doi.org/10.5007/1984-9222.2010v2n4p12 >; VISCARDI, Cláudia. M. R. “O estudo do mutualismo:

algumas considerações historiográficas e metodológicas”. Revista Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 2, n. 4,

p. 23-39, 2010. Disponível em:< https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho >.

12 BATALHA, Claudio H. M. “Sociedades de Trabalhadores no Rio de Janeiro do Século XIX: algumas

reflexões em torno da formação da classe operária”. Cadernos AEL. Campinas (S): IFCH/UNICAMP, v. 6, nº

10/11m, p. 41-66, 1999.

21

associações de auxílio-mútuo (inclusive a Bolsa de Caridade) e, em alguns casos, sindicatos.13

Além disso, mostrou como os membros dessas organizações tiveram uma forte e bem-

sucedida inserção na política formal no pós-abolição, alguns deles sendo eleitos para os

cargos de juiz de paz e conselheiro municipal. O Centro Operário da Bahia exerceu funções

beneficentes, mutualistas, sindicais e político-partidárias, tendo o autor privilegiado sua

atuação político-eleitoral, revelando como a entidade jogou um papel político relevante na

Primeira República. Apesar da composição pluriclassista, da existência de redes de

clientelismo e das composições com os partidos tradicionais, os membros das organizações

operárias estudadas por Castellucci já percebiam a divergência de interesses dos trabalhadores

em relação ao patronato e às elites políticas do período. Para o autor, a tática reformista e

eleitoral foi uma opção determinada pelo momento histórico marcado pela dominação

oligárquica e plutocrática.14

Ao se debruçar sobre a Sociedade das Artes Mecânicas - uma associação mutualista

sediada em Recife e composta de homens livres de pele escura, artífices do ramo das

edificações -, o trabalho de Marcelo Mac Cord contribuiu para o avanço dos estudos sobre

mutualismo fora do eixo sul-sudeste e, especialmente, com os estudos que buscaram precisar

a importância dos trabalhadores não brancos na formação da classe operária no Brasil

Imperial, ou seja, no Brasil escravocrata. Como afirmou Silvia Hunold Lara no prefácio da

obra, um dos méritos do livro é mostrar que todas essas histórias estão ligadas à história da

escravidão. Ao discorrer sobre a criação e a trajetória da Sociedade das Artes Mecânicas o

autor apontou as persistentes relações entre uma irmandade religiosa – a Irmandade de São

José do Ribamar - e a mutual pernambucana, demonstrando que não se pode tomar como

absoluta a tese da substituição das irmandades embandeiradas por associações laicas após a

proibição das corporações de oficio em 1824. O trabalho também revelou que práticas típicas

das corporações de ofício sobreviveram na associação do Recife e que esta buscou manter,

por meio de relações clientelistas, o monopólio do ensino de “suas artes”, bem como a

exclusividade de mercado para os seus associados. Questionou também a tese da completa

imobilidade social dos descendentes de escravos ao demonstrar que membros da associação

13

CASTELLUCCI, Aldrin A. S. “Política e cidadania operária em Salvador (1890-1919).” Revista de História

(USP), São Paulo, nº 162, p. 205-241, 1º semestre de 2010; CASTELLUCCI, Aldrin A. S. “Classe e cor na

formação do Centro Operário da Bahia (1890-1930)”. Afro-Asia (UFBA), Salvador, nº 41, 2010, p. 85-131.

14 CASTELLUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Trabalhadores e política no Brasil: do aprendizado do Império aos

sucessos da Primeira República. Salvador: EDUNEB, 2015.

22

pernambucana alcançaram prestígio e projeção social, situação bem distinta da

marginalização social.15

Interessante observar as confluências entre as duas últimas obras citadas. Apesar de se

debruçarem sobre períodos diferentes - Castellucci parte do Brasil Imperial, mas foca sua

atenção na Primeira República, ao passo que Mac Cord se detém na sociedade escravista -, e

de privilegiarem enfoques diversos - Mac Cord a atuação da mutual na área educacional e

defesa do ofício e Castellucci na área político-eleitoral, os pontos em comum são

significativos. Os associados das instituições em questão eram trabalhadores qualificados, em

sua maioria negros e mestiços, alguns alcançaram prestígio social e vivenciavam as práticas

clientelistas como um meio eficaz para o alcance de objetivos. Ambos os autores

relativizaram a tese da completa marginalização de negros e mestiços, fossem libertos, livres

ou descendentes de escravos, e investigaram as instituições de trabalhadores a partir da

atuação dos seus membros, sujeitos de carne e osso, levando em conta a condição fundante de

ser negro ou mestiço no Brasil Imperial e nas primeiras décadas republicanas. As duas

agremiações estudadas por Castellucci e Mac Cord buscaram alcançar cidadania e prestígio

social para os seus associados por meio da valorização dos seus ofícios e do distanciamento

da escravidão e do passado escravo, o que levou os autores a refletirem se não foi esse um

caminho possível de construção de identidade de classe num contexto de uma sociedade

escravagista e pós-escravista.

Apesar dos avanços dos estudos sobre o mutualismo no Brasil, muita investigação

empírica ainda precisa ser feita para a compreensão do papel dessas associações na vida dos

trabalhadores, e de sua formação enquanto classe, no século XIX e nas primeiras décadas do

século XX. Termino esse texto introdutório citando o artigo onde Aldrin Castellucci fez uma

cartografia das 145 associações mutuais para as quais existia fonte na Bahia, para o período

compreendido entre 1832 e 1930. A presente dissertação responde ao apelo feito pelo autor no

final do referido artigo:

Nosso intento, com esse mapeamento, foi despertar, nos historiadores

profissionais e nos aprendizes do ofício, a oportunidade de se debruçarem sobre um

fenômeno quase que, absolutamente, inexplorado em suas mais variadas dimensões.

Se comparado ao que existe para outras regiões do país, quase tudo está por ser feito

entre nós, principalmente, se levarmos em conta os ganhos teóricos e metodológicos

da historiografia do trabalho a partir dos anos 1990. Em última instância, está

lançado o apelo para que sejam feitas dissertações de mestrado e teses de doutorado

15

MAC CORD, Marcelo. Artífices da cidadania: mutualismo, educação e trabalho no Recife oitocentista.

Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2012.

23

sobre o assunto. Se isso ocorrer, nos daremos por satisfeitos com essas notas de

pesquisa.16

Desde 2010, quando publicou esse artigo, alguns trabalhos já foram feitos sobre o

assunto.17

Esta é mais uma contribuição para os estudos do mutualismo no Brasil, a partir do

caso da Sociedade Bolsa de Caridade. O acúmulo de pesquisas sobre o associativismo

mutualista de trabalhadores certamente amplia as possibilidades do entendimento das

especificidades, mas também do que há em comum no fenômeno.

16

CASTELLUCCI. “A luta contra a adversidade”, p. 74.

17 Para a Bahia, cf. SANTOS, Álvaro Leal. “O associativismo dos funcionários públicos na Bahia da Primeira

República” (Dissertação de Mestrado em História Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia – Campus

V, 2012); CARVALHO, Philipe Murillo Santana de. “Trabalhadores, associativismo e política no Sul da Bahia

(Ilhéus e Itabuna, 1918-1934)” (Tese de Doutorado em História Social, Universidade Federal da Bahia, 2015);

LEITE, Douglas Guimarães. “’Mutualistas, graças a Deus’: identidade de cor, tradições e transformações do

mutualismo popular na Bahia do século XIX (1831-1869)” (Tese de Doutorado em História Social, Universidade

de São Paulo, 2017); JESUS, Maurício Vitor Santos de. “Trabalho, classe e nação: um estudo centrado na

Associação dos Empregados no Comércio da Bahia (1900-1930)” (Dissertação de Mestrado em História,

Universidade do Estado da Bahia – Campus II, 2018); SOUSA, Adriano Ferreira de. “A laboriosa classe

caixeiral: relações de trabalho e associativismo no comércio de Salvador (1875-1889)” (Dissertação de Mestrado

em História Social, Universidade Federal da Bahia, 2018); CAMPOS, Lucas Ribeiro. “Sociedade Protetora dos

Desvalidos: mutualismo, política e identidade racial em Salvador (1861-1894)” (Dissertação de mestrado em

História, Universidade Federal da Bahia, 2018).

24

Capítulo 1:

Os trabalhadores e o mundo associativo

Na abertura da sessão magna comemorativa do 36º aniversário da Sociedade Bolsa de

Caridade, realizada em 9 de agosto de 1908, o tipógrafo José Prudêncio Ferreira de Carvalho,

vice-presidente da Assembleia Geral, proferiu um discurso singular, posto que diferia de

todos os outros pronunciados nas sessões magnas comemorativas anteriores e mesmo

posteriores desta agremiação. Ainda que sutilmente, para não melindrar as autoridades

presentes, Prudêncio de Carvalho apontou para a necessidade de objetivos mais ambiciosos

que os da beneficência ou do auxílio-mútuo na associação. Ele começou por elogiar a solidez

da agremiação bem como o desempenho e a abnegação dos seus administradores, mas

lamentou a participação de apenas um terço dos sócios na manutenção de seus fundamentos

financeiros por meio do pagamento das mensalidades. Não foi sem propósito a observação

sobre esse elevado índice de inadimplência, configurando-se numa oportunidade para

discorrer sobre a importância das sociedades de trabalhadores, denunciar a imensa

desigualdade social, a indiferença das classes dominantes e, sobretudo, a necessidade de a

classe trabalhadora brasileira avançar na busca de uma relação menos injusta entre o capital e

o trabalho. De acordo com seu raciocínio:

Há quem afirme que as instituições do gênero da que aqui nos preocupa, não

são de caridade, mas de previdência, pois só auxilia aos que concorrem com

determinadas contribuições.

(...) O que se evidencia, entretanto é que as associações que presentemente

nos cercam entre nós terão em futuro não remoto que modificar seriamente

as suas organizações, acompanhando as normas que estão sendo adotadas

nos países cultos.

Não é possível que continuemos a viver neste marasmo, a constituirmos e

mantermos instituições simplesmente para atender ao momento do

infortúnio.18

Prudêncio de Carvalho procurou provocar nos ouvintes uma reflexão sobre a

necessidade de demarcar diferença em relação às associações que se dedicavam

18

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1908 a 1909 apresentado pelo presidente do diretório

Candido Honorio Pinto em sessão magna comemorativa do 37º aniversário em 11 de julho de 1909. Typ. e

Encadernação do Lyceu de Artes e Offícios, Prudencio de Carvalho, diretor, Bahia: 1909, p. 24 e 25. Biblioteca

Pública do Estado da Bahia (BPEB), Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 27383.

25

fundamentalmente à caridade, a exemplo das filantrópicas, afirmando o caráter de

organização dos trabalhadores para o auxílio-mútuo da Bolsa de Caridade, mas apontando

para o passo seguinte, a dimensão sindical. Para evitar a pobreza seria preciso que os

trabalhadores se organizassem para lutar por uma relação mais justa entre o capital e o

trabalho, indo além do auxílio-mútuo. Como em um jogo de xadrez, ele ousou avançar na

questão da relação de opressão entre as classes, para em seguida recuar e adiar para um futuro

não determinado a resolução dessa questão:

Curemos dos interesses do proletariado, essa classe de verdadeiros párias,

evitemos que a miséria venha estender o seu negro manto sobre os operários

entre nós. Estudemos bem o grande e difícil problema do estabelecimento

das relações entre o capital e o salário de modo que um não sobrepuje ao

outro, e que do resultado das empresas cada um receba a parte a que fez jus,

na proporção do auxílio prestado.

Mas, enquanto não chegarmos nem podermos tentar estas grandes reformas

no meio vicioso em que vivemos, procuremos manter o que já temos – as

instituições desta natureza – que muito já se tem conquistado em meio da

apatia e do servilismo que nos cercam.19

O orador que levantou essas questões na Assembleia Geral de uma agremiação cujo

primado era a exclusividade da função mutualista sabia o que fazia, não era nenhum incauto.

Oito anos após esse discurso, em 1916, em uma das sessões do Conselho Diretório do qual era

presidente, a associação recebeu o convite para tomar parte no Congresso Operário que seria

realizado em Pernambuco. O convite foi levado à Assembleia Geral, que deliberou pela

“desnecessidade desta Sociedade se fazer representar no referido Congresso, visto o seu

caráter puramente beneficente”.20

Apesar de essa associação mutual não ter sido sensível ao

apelo de mudança presente no discurso de 1908 de Prudencio de Carvalho, ele não só se

manteve na presidência do Conselho Diretório por 15 anos consecutivos (de 1910 a 1925),

como exerceu outros cargos na Sociedade Bolsa de Caridade entre 1899 e 1930. Bem antes

disso, já em 1886, ele fundou e dirigiu o Almank Litterário e de Indicações, publicação que

19

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1908 a 1909 apresentado pelo presidente do diretório

Candido Honorio Pinto em sessão magna comemorativa do 37º aniversário em 11 de julho de 1909. Tipografia e

Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, Bahia: 1909, p. 25 e 26. BPEB,

Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 27383.

20 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1915 a 1916 apresentado pelo presidente do diretório

J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 07 de julho de 1916 e unanimemente aprovado.

Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, - Bahia: 1916, p. 17.

Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60. REG.

0600.

26

tinha como objetivo incentivar o cultivo das letras.21

Esse tipógrafo, premiado com medalha

de ouro na Exposição Nacional de 1908, realizada no Rio de Janeiro, sabia conciliar seus

interesses. Em 1895, mesmo ano em que se associou, o relatório da Bolsa de Caridade foi

reproduzido na “Imprensa Moderna”, tipografia de sua propriedade. Entre 1902 e 1905 sua

gráfica voltou a imprimir os relatórios da Sociedade. Depois dessa data ele continuou

responsável pela impressão dos relatórios dessa agremiação, porém agora na qualidade de

diretor da Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes (1906 a 1925).22

A exemplo do que

aconteceu na Sociedade Bolsa de Caridade, a tipografia “Imprensa Moderna”, de sua

propriedade, imprimiu os relatórios de diversas sociedades de trabalhadores entre 1896 e

1905, quando então foi substituída pela Tipografia do Liceu de Artes e Ofícios.23

Não sei se a

sua inserção no mundo das associações de trabalhadores se deu em função da prestação dos

seus serviços tipográficos ou o contrário. Seja como for, foi possível identificar sete

associações de ajuda mútua em que o tipógrafo atuou no corpo diretivo no período

compreendido entre 1889 e 1930, a exemplo da Associação Typografica Baiana, da Sociedade

Beneficente União Philantropica dos Artistas e da Sociedade Beneficente Bolsa dos

Patriotas.24

De todo modo, Prudencio de Carvalho foi um entre os muitos “artistas” membros

da Sociedade Bolsa de Caridade que dedicou grande parte de sua vida a fomentar o

associativismo entre os trabalhadores da cidade do Salvador entre a primeira metade do século

XIX e as primeiras décadas do XX.

As sociedades de socorros mútuos de trabalhadores eram associações onde seus

membros contribuíam periodicamente com o fim de, entre outras coisas, obterem serviços

previdenciários nos casos de ficarem impossibilitados de garantir seu sustento e o de suas

21

Atalaia: Periódico Noticioso, Litterário, Religioso e Comercial (BA), Salvador, 30 jul. 1887, p. 4.

22 A Typografia e Encadernação do Lyceu de Artes imprimiu os relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade entre

1906 e 1925, período em que Prudencio de Carvalho dirigiu a referida tipografia. Prudencio de Carvalho

transferiu o maquinário da “Tipografia Moderna”, da qual era proprietário, para o Liceu e, em contrapartida, o

Liceu utilizaria a oficina para a instrução dos seus alunos. O contrato foi desfeito em 1925, quando o Liceu

pretendeu montar a sua própria oficina, projeto que não se concretizou. LEAL, Maria das Graças de Andrade

Leal. “A Arte de ter um ofício: Liceu de Artes e Ofícios da Bahia (1872-1972)” (Dissertação de Mestrado em

História, Universidade Federal da Bahia, 1995), p.174.

23 As capas dos relatórios das associações de ajuda mútua costumavam indicar a tipografia responsável pela

reprodução dos mesmos.

24 RELATÓRIO do exercício de 1911 apresentado pelo Conselho Diretório de 1911 a 1912 em sessão de 28 de

abril de 1912 e na mesma aprovado. Bahia: 1912. BPEB, Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais.

Almanaque Administrativo, Indicador, Noticioso, Comercial e Literário do Estado da Bahia Para o ano de

1903. Bahia: Reis e Cia., 1903. Salvador, p. 476-477. RELATÓRIO apresentado pelo Presidente do Diretório

Joaquim da Costa Doria em sessão de 29 de dezembro de 1922 e na mesma aprovado. Bahia: 1922. BPEB,

Subgerência de Obras Raras. Almanaque Administrativo, Indicador, Noticioso, Comercial e Literário do Estado

da Bahia Para o ano de 1903. Bahia: Reis e Cia., 1903. Salvador, p. 316.

27

famílias. Em suas pesquisas sobre o mutualismo em São Paulo, De Luca afirmou que as

sociedades mutualistas possuíam múltiplas facetas, mas o ponto comum estava justamente no

caráter previdenciário das mesmas.25

Esse caráter reforçava os laços identitários entre os

associados uma vez que, essencialmente, os socorros dependiam das suas contribuições.

Desse modo, Prudencio de Carvalho estava coberto de razão quando questionou o caráter

caritativo das sociedades de auxílio-mútuo. Apesar de muitas associações mutualistas se

intitularem de caridade, beneficente, filantrópica ou montepio, de fato tinham caráter

previdenciário, ainda que esta não fosse a única função desempenhada em parte delas.26

É certo que além da dimensão material, consubstanciada na prática da cotização entre

os membros para a garantia do socorro mútuo, os trabalhadores buscavam essas associações

enquanto espaços de construção de identidades. De fato, não era incomum que atuassem para

além das ações previdenciárias. Mesmo aquelas que declaravam explicitamente nos seus

estatutos restringirem sua atuação à esfera securitária, proibindo mesmo debates políticos ou

reivindicações de outra natureza em suas dependências, poderiam consolidar laços identitários

entre os trabalhadores e, no limite, contribuir para a identidade de classe. Segundo Claudio

Batalha, há um consenso na historiografia do trabalho de que o associativismo, de forma

geral, contribuiu para reforçar os laços identitários, apesar de destacar que poucas associações

de ajuda mútua de trabalhadores contribuíram diretamente para a formação de uma identidade

de classe.27

Segundo levantamento feito por esse autor, 64% das associações de trabalhadores

criadas entre 1835 e 1899 no Rio de Janeiro eram sociedades de auxílio-mútuo. Todas elas

ofereciam pelo menos os seguintes socorros: auxílio funeral, pensão por morte e por

invalidez. Ante a omissão do Estado, a prestação dos serviços oferecidos pelas mutuais parece

ter tido uma importância fundamental para os trabalhadores.28

25

DE LUCA. O sonho do futuro assegurado, p. 24.

26 Sobre a imprecisão em relação às diferenças entre montepios, mutuais, associações de caridade e filantrópicas,

cf. VISCARDI, Claudia. “Experiências Associativas dos Trabalhadores: organizações mutualistas e cooperativas

populares como estratégias de expansão da cidadania”. In: III Seminário Internacional Mundos do Trabalho.

Florianópolis, 2010. Disponível em:

https://www.researchgate.net/publication/283716036_Experiencias_Associativas_dos_Trabalhadores_organizac

oes_mutualistas_e_cooperativas_populares_como_estrategias_de_expansao_da_cidadania. Acesso em: 30 jul.

2018.

27 BATALHA, Claudio H. M. “Relançando o debate sobre o mutualismo no Brasil: as relações entre

corporações, irmandades, sociedades mutualistas de trabalhadores e sindicatos à luz da produção recente”.

Revista Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 2, n. 4, 2010, p. 22.

28 BATALHA, Claudio H. M. “Sociedades de trabalhadores no Rio de Janeiro do século XIX: algumas reflexões

em torno da formação da classe operária”. Cadernos AEL, Campinas, v. 6, n. 10/11, p. 42-67, 1999.

28

FUNDAÇÃO E TRAJETÓRIA DA SOCIEDADE BOLSA DE CARIDADE

Em 1884, D. Maria da Gloria Machado, viúva do tenente honorário Christovão

Francisco de Souto Cavalcante, comandante da Companhia de Menores do Arsenal de Guerra

da Bahia, teve negado seu pleito de auxilio para as despesas funerárias do finado marido. O

Arsenal alegou que o decreto do Ministério da Guerra previa esse benefício apenas para os

militares de carreira.29

Não sendo o finado membro da Sociedade Bolsa de Caridade, e sem

contar com o amparo governamental, restou a D. Maria da Gloria Machado a proteção de

alguma outra associação de ajuda mútua que porventura seu marido fosse sócio, ou arcar com

as despesas funerárias.

Embora não fosse o caso do finado marido de D. Maria da Glória, os trabalhadores

da cidade do Salvador do século XIX pareciam compreender bem a importância do

associativismo. Antes de possuírem uma associação própria, os operários do Arsenal de

Guerra da Bahia costumavam associar-se a uma das primeiras agremiações de auxílio-mútuo

da então província, a Sociedade Montepio dos Artífices da Bahia, fundada em 16 de

dezembro de 1832, assim como a sua dissidência, a Sociedade Montepio dos Artistas, criada

em 2 de fevereiro de 1853. As duas mutuais possuíam carneiros no cemitério das irmandades

na Quinta dos Lázaros, evidências da forte influência da religiosidade católica popular e dos

estreitos vínculos existentes entre irmandades e sociedades de socorros mútuos. Três anos

mais tarde, em 13 de junho 1856 – dia de Santo Antonio -, uma terceira entidade foi fundada,

a Sociedade Humanitária dos Artistas, dessa vez protagonizada pelos calafates e carpinteiros

do Arsenal de Marinha. Por fim, em 8 de maio de 1872, criou-se a Sociedade Bolsa de

Caridade do Arsenal de Guerra da Bahia tendo Nossa Senhora do Noviciado como padroeira,

reiteração das fortes conexões e compartilhamento de experiências entre os membros das

irmandades e das mutuais.30

29

APEB, Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais, Presidência da Província – Série Militares -

Correspondência recebida do diretor do Arsenal de Guerra da Bahia, maço 3335.

30 CASTELLUCCI, Aldrin A. S. “O associativismo mutualista na formação da classe operária em Salvador

(1832-1930)”. In: CORD, Marcelo Mac; BATALHA, Claudio H. M. (Org.). Organizar e proteger: trabalhadores,

associações e mutualismo no Brasil (séculos XIX e XX). Campinas: Editora da Unicamp, 2014, p. 47-82. Apesar

de muito importante, não há um estudo específico sobre o trabalho e a organização dos trabalhadores no Arsenal

de Marinha da Bahia. O tema foi desenvolvido para o caso da Corte Imperial por David Lacerda. LACERDA,

David Patrício. Trabalho, política e solidariedade operária: uma história social do Arsenal de Marinha do Rio de

Janeiro (c. 1860 - c. 1890). Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual de Campinas, 2016. Para uma

análise aprofundada sobre as relações entre irmandades e mutuais, cf. MAC CORD, Marcelo. Artífices da

cidadania: mutualismo, educação e trabalho no Recife oitocentista. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2012;

LEITE, Douglas Guimarães. “Mutualistas, graças a Deus”: identidade de cor, tradições e transformações do

29

Como visto anteriormente, a comoção causada pelo enterramento indigno de um

trabalhador do arsenal levou à criação de uma associação exclusiva para empregados e

operários da instituição. O objetivo inicial da Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de

Guerra da Bahia, oficialmente fundada em 8 de maio de 1872, foi proporcionar um funeral

digno para os associados. Por isso, o seu primeiro estatuto, embora previsse a possibilidade de

se estabelecer pensões no futuro, estipulou como finalidade o auxílio para o enterramento do

sócio que viesse a falecer. Para tanto contaram com a proteção do Coronel de Engenheiros

Thomaz da Silva Paranhos, diretor do mesmo Arsenal. Somente os empregados do Arsenal

poderiam ser sócios efetivos, mas seus familiares poderiam usufruir dos benefícios na

qualidade de sócios honorários, incluindo as mulheres.31

Em tais casos o sócio efetivo seria o

único responsável pelas joias e mensalidades. Assim sendo, em sua fundação, esta era uma

sociedade mutualista fechada que congregava somente trabalhadores do Arsenal de Guerra da

Bahia, podendo seus familiares participar somente sob a tutela do sócio efetivo.32

Na prática,

a associação possibilitou que o sócio efetivo garantisse o enterramento da esposa e filhos,

desde que pagasse joias e mensalidades para cada membro da família inscrito na Sociedade.

Os Estatutos foram aprovados pela Presidência da Província em 17 de outubro de

1873, conforme estabelecia a Lei 1.083, de 22/8/1860, conhecida como Lei dos entraves.

Foram assinados pelos seguintes sócios fundadores e membros de sua primeira diretoria: o

mestre de Oficina de Latoeiros e Funileiros Justino Pereira de Britto, seu principal mentor, o

alfaiate Manoel José Soares, o empregado da Capatazia da Alfândega Juvêncio Alfredo

Portella, o alfaiate João Apollo Bittencourt e Manuel da Natividade Moutinho, mestre da

oficina de obra branca (carpintaria) do Arsenal de Guerra da Bahia. O seu último artigo, o de

número 17, estabelecia que a Sociedade não poderia mudar de nome por pretexto algum.33

Por

mutualismo popular na Bahia do século XIX (1831-1869). Tese (Doutorado em História Social), Universidade

de São Paulo, 2017.

31

Inicialmente os familiares dos sócios foram incluídos na categoria de honorários, termo habitualmente

utilizado pelas mutuais para membros com algum destaque na associação. Nos relatórios posteriores essa

nomenclatura foi alterada, sendo criada a categoria de adjunta para abrigar as esposas e filhas dos sócios. Apesar

de sócias, elas não tinham direito a voz e voto.

32 ESTATUTOS da Sociedade Bolsa de Caridade dos Empregados e Operários do Arsenal de Guerra da Bahia de

8 de maio de 1872. Bahia: Typ. de L. G. Tourinho. APEB, Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais,

Presidência da Província – Série Militares - Correspondência recebida do diretor do Arsenal de Guerra da Bahia,

maço 3337.

33 ESTATUTOS da Sociedade Bolsa de Caridade dos Empregados e Operários do Arsenal de Guerra da Bahia de

8 de maio de 1872. Bahia: Typ. de L. G. Tourinho. APEB, Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais,

Presidência da Província – Série Militares - Correspondência recebida do diretor do Arsenal de Guerra da Bahia,

maço 3337. Sobre a Lei dos entraves, cf. LACERDA, David P. “Mutualismo, trabalho e política: a Seção

Império do Conselho de Estado e a organização dos trabalhadores na cidade do Rio de Janeiro (1860-1882). In:

30

ironia do destino, justamente esse artigo foi parcialmente ignorado por ocasião da primeira

reforma estatutária, em 1879, como se verá a seguir.

A Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de Guerra da Bahia tinha como padroeira

Nossa Senhora do Noviciado e funcionou, nos três primeiros anos, em um cômodo do próprio

Arsenal. “Houve, entretanto, certo tempo depois, desinteligência entre os membros da

Sociedade e a diretoria do Arsenal”, o que ensejou a mudança da entidade para fora do

Arsenal, bem como a posterior modificação dos seus estatutos.34

Essa desinteligência deve ter

ocorrido por volta de 1877, visto que no dia 7 de novembro daquele ano todo o Conselho

Administrativo foi destituído por unanimidade pela Assembleia Geral. No mesmo dia os

novos funcionários foram eleitos e tomaram posse.35

Foi também em 1877 que os relatórios

da Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de Guerra passaram a ser enviados diretamente ao

Presidente da Província, sem passar pela diretoria do Arsenal como previa o art. 11 §5º dos

seus estatutos. Meses antes, em 11 de julho, alguns empregados do Arsenal de Guerra foram

processados criminalmente por venderem bilhetes de rifas em benefício da Sociedade Bolsa

de Caridade.36

E esse foi o motivo do atrito entre a direção do Arsenal e a Bolsa de Caridade

que resultou na abertura da mutual para os trabalhadores de fora do Arsenal de Guerra.

Ao saber do processo criminal envolvendo de alguma forma o nome do Arsenal de

Guerra, o diretor expulsou a associação das suas dependências. A Sociedade passou a atuar na

casa de associados, depois em sede alugada, e em dezembro de1879 a associação mutualista

teve os seus estatutos reformados, sendo retirado do título o termo “do Arsenal de Guerra da

Bahia”, passando a ser denominada apenas Sociedade Bolsa de Caridade. Na ocasião a

Sociedade deixou de ser exclusiva dos trabalhadores do Arsenal de Guerra da Bahia e passou

a admitir “artistas” e profissionais em geral. O seu artigo 3º explicitava apenas que haveria

duas classes de sócios - efetivos e honorários. Os sócios efetivos seriam os indivíduos

nacionais, maiores de 18 anos de idade, de reconhecida moralidade e qualidades que

Marcelo Mac Cord; Claudio H. M. Batalha. (Org.). Organizar e proteger: trabalhadores, associações e

mutualismo no Brasil (séculos XIX e XX). Campinas: Editora da Unicamp, 2014, p. 83-110. Sobre Manuel da

Natividade Moutinho, cf. CASTELLUCCI, Aldrin A. S. Trabalhadores e política no Brasil: do aprendizado do

Império aos sucessos da Primeira República. Salvador: EDUNEB, 2015, p. 101.

34 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1912 a 1913 apresentado pelo presidente do diretório

J. Prudencio F. de Carvalho em sessão magna comemorativa do 41º aniversário em 13 de setembro de 1914.

Typographia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, Bahia: 1914, p. 4.

APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0595.

35 APEB, Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais, Presidência da Província – Série Militares -

Correspondência recebida do diretor do Arsenal de Guerra da Bahia, maço 3340.

36 O Monitor, Salvador 15 de jul. 1877, p. 3.

31

exercessem artes ou profissões. Os sócios honorários seriam os indivíduos que por sua

ilustração, posição e serviços prestados à Sociedade merecessem essa distinção. Portanto,

continuou a admitir nos seu quadro de sócios efetivos somente trabalhadores, mas deixou de

prever o ingresso de familiares de qualquer sexo anteriormente classificados como sócios

honorários. Entretanto, há registro de admissão de mulheres a partir de 1887, talvez em

decorrência de alguma reforma estatutária ou decisão da Assembleia Geral não mencionada

nas fontes a que tive acesso.

Até abril de 1890 os membros da Bolsa de Caridade contavam apenas com o auxílio

funeral, mas nessa data a Assembleia Geral aprovou o auxílio de dez mil-réis mensais para o

sócio que enfermasse. Com essa importante ampliação dos benefícios oferecidos aos

associados foi necessário reformar novamente os estatutos, posto que estes não previam tal

benefício. Assim, em março de 1892, foram aprovados os novos estatutos. Diferentemente

dos regulamentos anteriores (1872 e 1879) este não explicitou a necessidade de se exercer

emprego, arte ou profissão como condição para ingressar na associação na categoria de sócio

efetivo. O seu Art. 1º estabelecia que a Sociedade “continua a ser composta de cidadãos

brasileiros que, tendo um meio de vida honesta, a ela se queira agremiar”.37

Apesar disso,

permanecia nas entrelinhas a condição de associação mutual de trabalhadores. O seu Art. 7º

classificou os sócios como efetivos, honorários e beneméritos. O Art. 8º exigiu que o

aspirante a sócio efetivo mencionasse nome, idade, estado, profissão e residência. O Art. 20

oferecia auxílio financeiro no caso de enfermidade que impossibilitasse o associado de

trabalhar.

Embora esse estatuto tenha estabelecido por meio do Art. 2º que as mães, irmãs,

esposas, filhas e sobrinhas, em primeiro grau de parentesco dos sócios, poderiam fazer parte

da associação com os mesmos direitos e deveres dos sócios efetivos, a realidade era outra. Em

primeiro lugar a admissão de qualquer pessoa do sexo feminino só podia ocorrer na condição

de adjunta, devendo sua candidatura ser proposta por associado da sua família. Em segundo

lugar o Art. 50 as proibia de votar nas “deliberações que se houver de tomar”. Desse modo, o

estatuto reformado de 1892 não trouxe avanço para a condição feminina posto que desde a sua

fundação a Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de Guerra previa o ingresso de pessoas

do sexo feminino sob a tutela dos sócios familiares do sexo masculino. Apesar disso, o efetivo

37

ESTATUTOS e Regimento Interno da Sociedade Bolsa de Caridade aprovados em sessão de 23 de março de

1892. CEDIC – Centro de documentação e Informação Cultural sobre a Bahia da Fundação Clemente Mariani.

Acervo de Memória e Documentação, p. 1.

32

ingresso de mulheres na associação parece ter acontecido somente após a reforma estatutária

de 1879, que ironicamente não explicitava regras para a admissão de associados do sexo

feminino. Provavelmente o primeiro registro de filiação de uma mulher tenha sido o de

Corina Francisca da Silva, cujo ingresso se deu em 23 de agosto de 1887, sob a matrícula de

número 157.38

Ao longo dos anos compreendidos no recorte temporal dessa pesquisa, entre

1872 e 1930, identifiquei o nome de 237 associadas em um total de 2.172 sócios, ou seja,

aproximadamente 11% dos membros dessa associação eram de pessoas do sexo feminino.

Nenhuma delas ocupou cargos eletivos na agremiação. Esse dado corrobora com a afirmação

de que as sociedades de auxílio-mútuo eram essencialmente um universo masculino.39

Visando a manutenção do equilíbrio das suas finanças a referida reforma de 1892

explicitou a idade máxima (50 anos) para ingressar na associação, bem como a exigência de

gozar de boa saúde e de ser pessoa idônea. Elevou ainda para um ano a carência para

recebimento dos benefícios sociais que anteriormente era de apenas 6 meses. Apesar de essas

medidas indicarem cautela e economia nos gastos, nesse período a Sociedade Bolsa de

Caridade gozava de estabilidade financeira, o que lhe permitiu não somente ampliar os

auxílios prestados aos associados como também diversificar seus investimentos. Em 1889, 17

anos após a sua fundação, a mutual adquiriu sua primeira sede própria: uma edificação à Rua

do Gasômetro (localizada onde hoje é o bairro da Calçada, na Cidade Baixa). Em 1890, como

já visto, passou a pagar o auxílio enfermidade e uma década depois, em dezembro de 1900,

concluiu a construção de um mausoléu no cemitério da Quinta dos Lázaros. Nesse mesmo ano

promoveu nova reforma nos seus estatutos.

Como ocorrera em 1892, os Estatutos aprovados em fevereiro de 1900 estabeleceram

como condição para tornar-se sócio ser cidadão brasileiro e ter modo de vida honesto, não

fazendo qualquer exigência ou especificação quanto ao exercício de ofícios. Os novos

38

No anexo do relatório de 1906-1907 pela primeira vez constou a relação nominal de todos os associados vivos

bem como a respectiva data de ingresso. Se contarmos a quantidade de associados por exercício que ingressou

entre 1875 e 1887, nesta data, a numeração das matrículas dos novos sócios deveria começar acima do número

279. Dessa forma, considerando-se a matrícula de n. 157, pode-se especular que seu ingresso teria se dado entre

1885 e 1886, ou que houve algum tipo de ajuste na numeração das matrículas. RELATÓRIO Sociedade Bolsa de

Caridade exercício de 1906 a 1907 apresentado pelo presidente do diretório capitão Euthymio da Cruz Baptista

em sessão magna comemorativa do 35º aniversário em 21 de julho de 1907. Typ. e Encadernação do Lyceu de

Artes e Offícios, Prudencio de Carvalho, diretor, Bahia: 1907. BPEB, Diretoria de Bibliotecas Públicas,

Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 30993.

39 Segundo Cláudia Viscardi, no Rio de Janeiro republicano as associações eram compostas em sua grande

maioria por homens (89%). VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. “Estratégias populares de sobrevivência: o

mutualismo no Rio de Janeiro republicano”. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 29, nº 58, p. 291-315,

2009, p. 298.

33

estatutos basicamente estenderam os socorros aos sócios inválidos, criando a categoria de

pensionistas, e determinaram os valores para os benefícios sociais, a saber: Auxílio aos

enfermos, 30$000 mensais; pensões, 15$000 mensais e enterramentos, 100$000 pagos em

parcela única. O valor das joias foi fixado em 20$000 e a mensalidade em 1$000. Diga-se de

passagem, que pelo menos até 1930, tais valores continuaram vigentes. Este Estatuto manteve

a classificação dos sócios em efetivos, honorários e beneméritos, sendo suas esposas e filhas

consideradas adjuntas e sem direito a voto. Pouco tempo depois foi realizada outra reforma

em suas leis, passando a vigorar o novo estatuto em 24 de março de 1909. Entre as suas

importantes inovações consta a exclusão da categoria adjunta, passando as sócias do sexo

feminino a terem efetivamente os mesmos direitos que os homens, inclusive o de votar e ser

votada. Apesar disso, apenas esposa e filhas dos associados poderiam ser sócias. Além disso,

passou a aceitar filiações “sem distinção de nacionalidade, sexo, profissão e crença, que tendo

moralidade provada e reconhecida, a ela queiram se associar”, explicitando cada vez mais o

seu caráter previdenciário e procurando distanciar-se da composição classista inicial, quando

aceitava apenas indivíduos que exercessem “artes ou profissões”.40

Dado que a imigração

europeia para a Bahia foi irrelevante, é possível que as restrições aos não brasileiros,

explicitamente presentes nos estatutos de 1879, 1892 e 1900 e só excluídas na reforma

estatutária de 1909, estivessem veladamente dirigidas aos africanos livres e libertos.

Infelizmente, não encontrei fontes que permitissem a comprovação dessa hipótese.

Os Estatutos de 1909 mantiveram o valor das joias e mensalidades inalteradas por

mais de trinta anos. No entanto, diminuíram o valor de alguns benefícios, como se verá mais

detalhadamente no segundo capítulo. Também criaram a categoria de sócio remido, que foi

acrescida a dos efetivos, honorários e beneméritos. O sócio remido seria aquele que pagasse

uma joia de valor elevado, 150$000 se já contasse com cinco anos de contribuição ou

300$000 no ato da admissão, ficando isento do pagamento de mensalidades. A bem da

verdade, a possibilidade de remissão das mensalidades já era prevista desde os estatutos de

1879, apenas não fora instituída como uma categoria específica de sócio. Posteriormente, o

sócio que tivesse contribuído por 20 anos, sem ter usufruído qualquer dos auxílios previstos,

poderia solicitar sua remissão.

40

ESTATUTOS da Sociedade Bolsa de Caridade aprovados em Sessão de Assembleia Geral de 24 de março de

1909. Bahia: Typographia e Encadernação do Lyceu de Artes. Prudencio de Carvalho, diretor, 1909, p. 3.

Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade. Grifos meus.

34

Aparentemente o contingenciamento disposto pela reforma estatutária de 1909

contribuiu para o equilíbrio financeiro da agremiação e possibilitou o crescimento do seu

patrimônio. No final de 1913 a Sociedade Bolsa de Caridade concluiu a compra do imóvel

que seria sua nova sede. Com vista para o mar, medindo 7,20 metros de frente para a rua, o

sobrado era composto de loja, andar superior e sótão, estava situado em um bairro muito mais

valorizado e próximo do centro da cidade, no Santo Antônio Além do Carmo, à Rua do

Carmo, n. 42. Como se verá no capítulo II, a Sociedade Bolsa de Caridade gozou de saúde

financeira durante todo o período pesquisado, sem dúvida uma das razões que explicam o

sucesso dessa instituição, em que pese o recorrente e avultado número de inadimplentes.

A OCUPAÇÃO DOS SÓCIOS

Ainda que uma dada associação seja mais do que a soma dos seus sócios, para

apreender sua dinâmica se faz necessário conhecer os atores sociais que se uniram para criá-

la, que a dirigiram, que trabalharam para o seu êxito ou que simplesmente contassem estar

relativamente protegidos ao ingressarem numa das muitas sociedades mutualistas, via de regra

geridas pelos próprios trabalhadores.

Com base nas fontes levantadas em minha pesquisa, foi possível montar uma listagem

nominal composta por 2.172 sócios de ambos os sexos, dos quais identifiquei a ocupação de

288 deles, ou seja, 13,3% do total de membros da Sociedade. Para facilitar a leitura e análise

dos dados agrupei esses profissionais em categorias. No Gráfico 1 as categorias profissionais

foram agrupadas por números absolutos e por percentuais.

O grupo de artesãos, empreiteiros e mestres de ofício era o majoritário entre os

associados da Bolsa de Caridade e contava com pelo menos 147 indivíduos, o que

correspondia a 51,1% da amostragem. Por artesão, artífice ou artista entenda-se o conjunto

formado pelos trabalhadores qualificados, que podiam ou não ser proprietários, no todo ou em

parte, dos seus instrumentos de trabalho e/ou oficinas. A título de exemplo podemos citar

alfaiates, marceneiros, carapinas, pedreiros, sapateiros, ferreiros, carpinteiros, tipógrafos,

pintores, entre outros. Na tentativa de resistir ao processo de proletarização completa, os

artistas buscaram meios de não serem confundidos com os operários. Para tanto, fundavam

associações e buscavam valorizar a arte, a maestria, a qualidade, o compromisso, a

honestidade, a criatividade, o orgulho do seu ofício, enfim, tudo o que pudesse diferenciá-los

35

dos operários fabris. Segundo Claudio Batalha, o discurso de nobilitação do trabalho ocupou

um lugar central na linguagem das sociedades mutualistas e foi precursor de um discurso

classista.41

Adiante, quando discorro sobre a rede de relações dos membros dessa associação o

leitor vai conhecer alguns desses trabalhadores.

Gráfico 1 – Profissões agrupadas por categoria ocupacional em números absolutos e em

percentual (1872-1930).

Fontes: APEB, Seção Judiciária, Inventários e Testamentos; Necrológicos; Estatutos e

Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; Jornais e Almanaques.

*Outros: um lavrador e três cabeleireiros.

De acordo com o Gráfico 1, 58 profissionais liberais compunham o segundo maior

grupo da associação, o que correspondia a 20,1% da amostra. Exceto parte dos professores,

não me parece que os demais profissionais liberais buscassem essa sociedade de ajuda mútua

com vistas a um possível socorro. Afinal, bacharéis, médicos, engenheiros e dentistas

dificilmente teriam o mesmo status ou estariam no mesmo patamar socioeconômico de

artífices e de pequenos funcionários públicos. O mais provável é que esses profissionais

integrassem a parcela de associados que poderia facilitar o trânsito das demandas da

41

BATALHA. “Sociedades de trabalhadores no Rio de Janeiro do século XIX”, p. 65.

Outros

Caixeiro/Comerciário

Clérigo

Militar

Negociante

Empregado Público

Profissional Liberal

Artista/Empreiteiro/Mestre

4

5

5

6

12

51

58

147

1,4%

1,7%

1,7

2,1%

4,2%

17,7%

20,1%

51,10%

Profissões em percentual e em números absolutos 1872-1930

36

agremiação junto às esferas de poder.42

De todo modo, em razão do pequeno percentual da

minha amostra - apenas 13,3% do total de associados - esse número pode estar superestimado,

posto ser mais comum encontrar os registros ocupacionais dessa categoria profissional em

comparação com trabalhadores pobres, provável maioria das centenas de membros para os

quais não consegui identificar a ocupação.

Ainda que os primeiros estatutos da Sociedade Bolsa de Caridade exigissem para a

condição de sócio efetivo o exercício de artes ou profissões, os estatutos seguintes aboliram

essa condição. Dai muitos indivíduos de outras classes sociais terem sido admitidos na

qualidade de efetivos.43

Foi o caso dos profissionais liberais. Dos 58 indivíduos desse grupo

social, quarenta e sete eram sócios efetivos, três eram beneméritos, quatro eram honorários,

um era remido e três não tiveram tal identificação posto que apenas em 1909 os relatórios

passassem a divulgar a relação de associados juntamente com a classificação do sócio. Os

números demonstram que 79% dos profissionais liberais eram sócios efetivos, ou seja, eram

sócios com todos os direitos, o que inclui tomar parte nas deliberações e receber os auxílios

da mutual.

Entre os 58 profissionais liberais, havia 13 médicos, 7 farmacêuticos, 17 professores, 6

engenheiros, 4 dentistas, 6 bacharéis, 3 administradores, 1 jornalista e um foi identificado

apenas como “doutor”. A soma dos 13 médicos com os 7 farmacêuticos e os 4 dentistas

resultou em um total de 24 profissionais liberais da área da saúde, setor muito mal servido

pelo poder público, portanto muito importante para a organização operária. Pelo menos sete

médicos prestaram serviços gratuitos à associação, três foram membros de sua diretoria e

cinco exerceram cargos públicos.

O doutor Edgar Ferreira de Barros cuidou gratuitamente dos associados por mais de

dez anos (1913-25), foi 1º vice-presidente da Assembleia entre 1915 e 1920, sendo também

membro da diretoria da Sociedade Bolsa dos Patriotas em 1921, e da Sociedade Monte Pio

dos Artífices em 1951, o que demonstra a longevidade de sua atuação nas associações de

42

A definição de Profissional Liberal usada na presente dissertação diz respeito ao profissional, usualmente com

formação universitária, que tem liberdade para executar a sua atividade, podendo ser empregado ou trabalhar por

conta própria.

43 Em seu trabalho sobre o associativismo operário no Rio de Janeiro, Claudio Batalha demonstrou que era usual

as mutuais abertas de artistas estabelecerem como critério de admissão a necessidade do trabalhador exercer uma

arte ou ofício, ou seja, um trabalho manual qualificado. BATALHA. “Sociedades de trabalhadores no Rio de

Janeiro do século XIX”, p. 55.

37

ajuda mútua.44

Ele assumiu por 35 anos o cargo de diretor do Liceu de Artes e Ofícios,

instituição voltada para a instrução profissionalizante que no seu início também prestou

socorros previdenciários aos associados.45

O sócio benemérito Manoel Pereira Espinheira,

médico substituto do Hospital da Quinta dos Lázaros, tinha consultório próprio em Água de

Meninos onde atendia os associados da SBC. Em fevereiro de 1890, quase um ano antes de

lançar sua candidatura a deputado, ofereceu-se para tratar gratuitamente dos consórcios

enfermos, o que fez por mais de vinte anos, a ponto de ter sido citado nos relatórios de 1913 e

1922 como pessoa dedicada ao engrandecimento da associação.46

Antonio Ladislau de

Figueiredo Seixas era auxiliar médico da Diretoria de Higiene Municipal e mantinha

consultório particular desde 1898. Este profissional também exerceu diversos cargos na

direção da Sociedade Bolsa de Caridade entre 1923 e 1930, além de prestar serviços médicos

gratuitos à associação desde 1917.47

O farmacêutico Arnaldo Muniz Silvany, certamente

parente do médico Annibal Muniz Silvany, também associado à Sociedade Bolsa de Caridade,

logrou sucesso nas eleições de 1915 para uma vaga no Conselheiro Municipal de Salvador,

superando o insucesso do ano anterior quando concorreu a uma vaga para deputado pela

oposição.48

A prestação de serviços médicos gratuitos aos membros associados comumente

era retribuída na forma de votos nas eleições, sendo este um exemplo trivial do

funcionamento do clientelismo no seio das mutuais. Afinal, a Sociedade Bolsa de Caridade

era uma organização estável que despertava interesse político.

Os 17 professores da amostra formavam um grupo bastante heterogêneo que abrigava

do professor primário ao do ensino superior. O bacharel em letras, José Barbosa Nunes

Pereira, por exemplo, era professor habilitado pela Instrução Pública da Bahia, oferecia aulas

particulares preparatórias para exames, ministrava aulas noturnas no Lyceu de Artes e

Officios, além de ser examinador das escolas públicas de Salvador. Em 1876 ele concorreu a

uma vaga na Câmara Municipal, e em 1886 foi o responsável pela criação e organização do

44

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1923 a 1924 apresentado pelo presidente do diretório

J. Prudencio F. de Carvalho em de 16 de julho de 1924 e na mesma unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e

Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1924, p. 5. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios,

caixa 60. REG. 0595.

45 LEAL, Maria das Graças de Andrade Leal. “A Arte de ter um ofício: Liceu de Artes e Ofícios da Bahia (1872-

1972)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal da Bahia, 1995), p. 174.

46 Pequeno Jornal, Salvador, 23 jan. 1891, p. 2.

47 Almanaque administrativo, commercial e industrial da província da Bahia para o anno de 1898, p. 380.

Almanaque, 1903, p. 421.

48 A Notícia, Salvador, 23 set. 1915, p. 3.

38

Instituto Artístico da Bahia, estabelecimento de instrução primária e secundária do Montepio

dos Artífices.49

Já Agripiniano de Barros foi professor do extinto Arsenal de Guerra, sendo

tempos depois nomeado para o Conservatório de Música do Estado, quando então recebia

seus vencimentos de forma muito irregular posto que em 1927 o Estado lhe devesse

1:500$000 (Um conto e quinhentos mil-réis) de vencimentos referentes àquele ano.50

O

professor municipal Presciliano José Leal ministrou aulas como professor primário no Distrito

dos Mares e também exerceu a função de 1º delegado escolar entre 1905 e 1915.51

Em 1883, a Instrução Pública da Bahia nomeou uma comissão para elaborar um

projeto de associação de amparo mútuo para o professorado baiano. A julgar pelas palavras

do seu diretor, o cônego Romualdo Maria de Seixas Barroso, a condição do professor

primário era bastante precária:

Não é decerto lisonjeira a situação do professor público primário entre nós.

Se, enquanto desempenha as penosas funções do magistério acha-se a braços

quase sempre com dificuldades para sustentar a si e a família, por sua morte

fica esta entregue as durezas da miséria. Aí vivem da caridade pública a

esposa e os filhos dos educadores do povo, dos que foram na sociedade o

farol por onde trilham as gerações.52

Entre os professores encarregados da criação do projeto de amparo à família do

professor público primário após a sua morte estava Antônio Bahia da Silva Araujo. Este

professor assumiu as aulas públicas da freguesia da Sé em 1870, e em 1881 encontrava-se

ministrando aulas de pedagogia na Escola Normal de Homens, instituição que formava

professores primários.53

A escola anexa para exercícios práticos do professor-aluno, tida

como modelo à época, bem como sua biblioteca foram pensadas e organizadas por ele.

Antônio Bahia foi deputado em várias legislaturas tanto no Império, quanto na República,

sendo um dos responsáveis pela concessão da subvenção estatal para a Bolsa de Caridade em

1888, ainda no Império. Em 1915 foi nomeado diretor da Instrução Pública Municipal, cargo

que já exercera anteriormente.54

A trajetória desse professor também é ilustrativa do como se

davam as relações clientelistas no seio das associações de ajuda mútua.

49

Gazeta da Bahia, Salvador, 21 fev. 1886, p. 3. Diário da Bahia, Salvador, 21 mar. 1889, p. 3. O Monitor,

Salvador, 25 ago. 1876, p. 3; 26 maio 1877, p. 1.

50 O Combate, Salvador, 10 out. 1927, p. 1.

51 Gazeta de Notícias, Salvador, 23 dez. 1912.

52 Relatório dos Trabalhos do Conselho Interino do Governo (BA) – 1823 a 1889, p. 320.

53 Relatório dos Trabalhos do Conselho Interino do Governo (BA) – 1823 a 1889. Ano 1879, p. 188.

54 A Notícia, Salvador, 23 out. 1915, p. 1.

39

Entre os demais professores dessa amostra 9 foram identificados apenas como

professor, sendo uma professora, 1 professor primário, 1 professor de música, 2 professores

do Arsenal de Guerra e 1 professor do ensino superior, citado adiante. Pela natureza da

profissão, que permite acumular funções no setor público e privado, bem como trabalhar por

conta própria, mantive a classificação usual do professor como profissional liberal. Pelo

exposto, a diferença de estratificação de renda e status social entre os professores podia ser

bastante significativa, assim como a motivação para associar-se a Bolsa de Caridade.

O terceiro maior grupo era composto por 51 empregados públicos, 17,7% dos

membros de minha amostra. A maior parte trabalhava como contínuo, escrevente, carteiro,

porteiro55

, oficial ou motorista. Vê-se que grande parte desse grupo era constituída por

trabalhadores de baixo poder aquisitivo, mesmo os que integravam o quadro permanente do

funcionalismo público. Apesar de os empregados governamentais serem contemplados com

alguns benefícios previdenciários, nem todos os trabalhadores de órgãos públicos eram

reconhecidos como funcionários públicos. A relação jurídica existente entre as diversas

categorias de indivíduos que prestavam serviços públicos e o Estado podia variar. Segundo

Tania de Luca, “A legislação referente ao funcionalismo durante o período compreendido

entre 1889 e 1935 pode ser caracterizada como um emaranhado de leis, decretos e

regulamentos, nem sempre harmônicos (...)”.56

De modo geral, o funcionário era aquele que

ocupava um cargo público, tendo vencimentos fixados por lei, fazia parte dos quadros

regulares da burocracia estatal e tinha a possibilidade de seguir carreira. Os empregados civis

do Arsenal de Guerra, por exemplo, podiam ser dispensados a qualquer tempo, como

efetivamente acontecia, sendo grande parte constituída de indivíduos contratados por

empreitada ou jornaleiros. Entretanto, na falta de opção melhor, classifiquei os trabalhadores

dos setores burocráticos do Arsenal na categoria de empregados públicos.

Outro grupo de alguma expressão identificado no Gráfico 1 foi o dos negociantes -

eles representavam 4,2% da amostra. Quase metade participou da administração da Bolsa de

55

O cargo de porteiro não se referia a incumbência de atendimento da entrada de um prédio, hotel ou qualquer

instituição. O Jornal de Notícias, ao relatar a cerimônia de enterramento do Porteiro da administração dos

Correios, cita o depósito de uma coroa de flores com a seguinte inscrição “Ao bom chefe e amigo lembrança dos

serventes dos Correios da Bahia”. A Lei n. 628, de 14 de setembro de 1905, que reorganizou o serviço sanitário

do Estado da Bahia, em seu Art. 25 estabeleceu: “Ao porteiro, que tem como auxiliares o contínuo, o carteiro e

os serventes, cumpre: 1º. Abrir e fechar a repartição. 2º Velar pelo asseio interno e externo do edifício da

repartição. 3.º Fechar e expedir correspondências. 4.º Ter sob sua guarda o Livro da Porta, no qual deverá lançar

o resumo dos papéis e, na íntegra, os despachos proferidos. 5.º Escrever o protocolo da entrada e saída de toda

correspondência.”

56 DE LUCA. O sonho do futuro assegurado, p. 108-109.

40

Caridade, ou seja, cinco do total de doze comerciantes. Quatro deles fizeram parte da

administração de outras sociedades de ajuda mútua. Era um grupo heterogêneo, formado por

pequenos e médios negociantes. Ao morrer, a maioria deixou apenas a casa de residência,

geralmente modesta.

Mas esse não foi o caso do presidente da Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de

Caridade entre 1915 e 1925, o coronel Antônio Freitas da Silva. Ao morrer, em 1926, com 60

anos de idade, deixou um legado bastante superior ao dos demais negociantes da associação:

quatro sobrados, cinco casas térreas e três terrenos, além de inúmeras apólices federais. Esse

próspero negociante também foi bem sucedido na política. Foi subdelegado de polícia e juiz

de paz.57

Posteriormente, foi eleito por diversas vezes para o Conselho Municipal. Ali sua

carreira não foi das mais tranquilas. Em 1914 foi acusado de mandar seus capangas

tumultuarem uma sessão no Conselho Municipal que resultou em duas mortes e alguns

feridos. O tumulto teria começado quando ele foi apontado como o autor de matéria publicada

no jornal A Notícia que acusava os edis de corrupção.58

No ano seguinte, o tenente-coronel, artista armador e juiz de paz do distrito da Rua do

Paço, João Pedro Rodrigues Lima, também associado da Bolsa de Caridade e do Centro

Operário da Bahia, publicou um “Repto de Honra” onde convidou o Conselheiro a declarar

publicamente em quais sociedades ele, na qualidade de tesoureiro, havia deixado de prestar

contas.59

Se este assim não o fizesse “ficaria provado que não passa de um vil e miserável

difamador da honra alheia”.60

Antônio Freitas da Silva respondeu negando que tivesse feito

tal acusação, mas aproveitou a ocasião para assinalar que João Pedro prestava serviços

remunerados para as associações das quais era tesoureiro, numa clara insinuação de que este

agia de forma desonesta.61

Talvez essa desavença tenha se dado por motivos políticos, já que

João Pedro Rodrigues Lima foi o candidato do Centro Operário da Bahia para o Conselho

Municipal, em 1915.62

Parece que esses rompantes acusatórios à boca pequena, que o

Conselheiro não sustentava em público, eram compensados pelas obras que conseguia, a

57

Almanaque Administrativo, Indicador, Noticioso, Comercial e Literário do Estado da Bahia Para o ano de

1903. Bahia: Reis e Cia., 1903, p. 425.

58 A Notícia, Salvador, 21 nov. 1914, p. 1.

59 Gazeta de Notícias, Salvador, 1 abr. 1915, p. 3.

60 A Notícia, Salvador, 27 mar. 1915, p. 2.

61 A Notícia, Salvador, 31 mar. 1915, p. 5.

62 A Notícia, Salvador, 11 nov. 1915, p. 2.

41

exemplo do saneamento da Baixa de Quintas, onde ficava o mausoléu de diversas irmandades

e mutuais, incluindo o da Sociedade Bolsa de Caridade.63

Enfim, da análise do Gráfico 1 infere-se que apesar da Sociedade Bolsa de Caridade

admitir indivíduos de diversas camadas sociais, esta era uma agremiação formada

majoritariamente por trabalhadores. A soma dos dois grupos maiores

(artista/empreiteiro/mestre e empregados públicos) representava 69% da composição social da

agremiação. Cabe frisar que estes eram trabalhadores que se distinguiam da massa operária

pela qualificação profissional, caso dos “artistas”, ou pelo grau de alfabetização necessário ao

exercício de variadas funções no serviço público, a exemplo de escreventes, escriturários,

amanuenses, oficiais, carteiros entre outras. É preciso frisar também que, provavelmente,

parte significativa dos sócios cuja ocupação não foi identificada era formada por

trabalhadores, hipótese que me faz sustentar que o peso do mundo artesanal na Bolsa de

Caridade era bem maior.

A COR DOS TRABALHADORES

Gráfico 2 - Composição por cor dos membros da Sociedade Bolsa de

Caridade (1872-1930).

Fontes: APEB, Seção Judiciária, Inventários e Testamentos e

Necrológicos.

63

A Notícia, Salvador, 4 ago. 1915, p. 3.

77%

23%

NEGRO BRANCO

42

Dos 2.172 sócios listados nos relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade foi possível

identificar as classificações raciais ou de cor da pele para 103 deles, o que representa 4,7% do

total de associados ao longo do recorte dessa pesquisa. Desses, 24 indivíduos foram

classificados como brancos, 57 como pretos e 22 como mestiço, ou seja, 79 membros da SBC

eram negros ou mestiços, o que resulta em um percentual de 77% de não brancos e 23% de

brancos, conforme se pode observar no Gráfico 2.

O percentual encontrado no Gráfico 2 se aproxima da composição da população de

Salvador do período.64

Entretanto, se fosse retirado dessa amostragem apenas cinco

associados – os médicos brancos que prestaram serviços voluntários à agremiação – o

percentual de brancos cairia de 24% para 18%. Esses dados podem indicar um percentual

ainda maior de associados não brancos a essa mutual do que a média da população de

Salvador, no que pese o pequeno tamanho da amostra.

Esses números coincidem com os encontrados por Aldrin Castellucci para outra

importante associação do período, o Centro Operário da Bahia, instituição que abrigava

grande quantidade de trabalhadores alfabetizados e qualificados e que tinha seus quadros

compostos por 77,1% de pretos, pardos ou mestiços. Segundo o autor, a trajetória dos

membros da associação demonstrou o prestígio social alcançado por muitos deles, o que

relativiza a tese da total marginalização da população negro-mestiça após a abolição.65

As fontes me permitiram associar cor com profissão para 86 associados, o que

corresponde a 4% do total de associados da Bolsa de Caridade ao longo do período

pesquisado. A Tabela 1 indica que entre os brancos o peso maior é dos profissionais liberais

(38%) seguido dos artesãos e mestres de ofício (28%) e dos negociantes (14%). Já entre os

não brancos os artesãos e mestres de ofício são a imensa maioria (79%) e, somados aos

empregados públicos o índice de trabalhadores seria de 33% para os brancos e de 87% para os

pretos e mestiços. Apenas 6% dos não brancos da associação são profissionais liberais,

enquanto entre os brancos esse índice sobe para 38%, sendo a maioria formada por médicos.

Esses dados indicam o predomínio de brancos nas ocupações de maior prestígio social e

melhor remuneração entre os membros da associação objeto deste estudo.

64

O Censo Demográfico de 1940 indicou que os não brancos constituíam 66,2% da população de Salvador,

percentual muito próximo do apontado pelos dados do Recenseamento de 1872 (68,9%). BACELAR, Jeferson.

“Os negros em Salvador: os atalhos raciais”. Revista de História, São Paulo, n. 129-131, p. 53-65, 1993/1994.

Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.v0i129-131p53-65

65 CASTELLUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Trabalhadores e política no Brasil: do aprendizado do Império aos

sucessos da Primeira República. Salvador: EDUNEB, 2015, principalmente o capítulo 3.

43

Tabela 1 – Comparativo ocupacional entre os membros brancos e não brancos da Sociedade

Bolsa de Caridade (1872-1930)

PROFISSÃO BRANCOS NÃO BRANCOS

Artesão e mestre de ofício 28% 79%

Empregado Público 5% 8%

Profissional Liberal 38% 6%

Empresário * 14% 3%

Outro** 15% 4%

Total da amostra 100% 100%

Fontes: APEB, Seção Judiciária, Inventários e Testamentos e Necrológicos.

* Negociante, comerciante e industrial.

** Caixeiro, cabeleireiro, cônego e militar.

Além dos cinco médicos citados, os demais associados classificados como brancos

tinham as seguintes ocupações: um cirurgião dentista, dois professores, três negociantes, um

empregado público, um tenente reformado, dois caixeiros e seis artesãos e mestres de ofício,

sendo um deles também proprietário de tipografia. Em termos percentuais os profissionais

liberais representavam 38% do total de brancos, os negociantes 14%, os “artistas” 28%, os

empregados públicos 5% e os demais associados 15%.

Figura 1 – Euthymio da Cruz Baptista Figura 2 – Carlos Sepúlveda

Benemérito - C. Fiscal (1910-1921) Comissão Fiscal (1921-1923)

Fonte: RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de

existência. 1872-1922, Bahia: 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente

Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0603.

44

Entre os agremiados de cor branca estava o professor universitário, arquiteto e

engenheiro Carlos Sepúlveda (Figura 2). Casado e pai de duas filhas, quando faleceu em 13

de dezembro de 1962, residia em uma casa de cinco quartos de sua propriedade. Possuía ainda

outra casa de três quartos e mais três terrenos. Portanto, somente em bens imóveis ele deixou

uma herança confortável para os seus descendentes.66

O comerciário Euthymio da Cruz

Baptista (Figura 1), também de cor branca, ao morrer em 1940, aos 68 anos, deixou um bom

patrimônio em imóveis: um prédio no distrito de Santo Antônio com seis quartos, duas casas

térreas, e mais três prédios. Tinha um filho médico e três filhas casadas, ao que parece com

pessoas de posses visto que todos abriram mão da herança em favor da mãe. O finado havia

atuado na administração de quatro associações de ajuda mútua, na maior parte do tempo como

membro de comissões fiscais, como tesoureiro ou no diretório, o que me leva a crer que tinha

intimidade com os números.67

Por sua vez Jacinto Gomes dos Santos, branco, marceneiro, ao

morrer em 1921, legou ao seu único filho duas casas e uma caderneta de poupança que

somados alcançaram o valor de 22:820$898 (vinte e dois contos, oitocentos e vinte mil e

oitocentos e noventa e oito réis).68

O major Manoel de Albuquerque Lisboa, “artista”, branco,

empregado do almoxarifado da Estrada de Ferro, ao falecer em 9 de abril de 1920, possuía

uma casa de seis quartos, avaliada em doze contos de réis, o que demonstra uma boa condição

financeira.69

Grande parte dos brancos dessa amostragem estava longe da situação de

vulnerabilidade que levava os trabalhadores a buscar as associações de auxílio-mútuo como

única alternativa para escapar do descenso social e da caridade pública em momentos de

doença, desemprego ou morte. Metade desse grupo era formada por profissionais liberais e

negociantes. Os exemplos demonstraram não ser incomum que seus membros possuíssem

patrimônio ou status social condizentes com os da classe média.

Entre os indivíduos classificados como não brancos havia os pretos e mestiços. Dos

cinquenta e sete sócios de cor preta consegui identificar a profissão de cinquenta: quarenta e

quatro eram artesãos e mestres de ofício, sendo dois deles também empreiteiros e um

proprietário de depósito de material de construção; um empregado público estadual; um

professor; um negociante; um cabeleireiro; um militar; um administrador do Club Alemão. 66

APEB, Seção Judiciária, 9/4018/-/13 (Autos Cíveis - Inventários e Testamentos).

67 APEB, Seção Judiciária, 6/2403/2903/1 (Autos Cíveis - Inventários e Testamentos); A Notícia, Salvador, 10

mar 1915, p. 2; 15 ago. 1914, p. 3; 18 ago 1915. RELATÓRIOS da Sociedade Beneficente Caixeiral nos

exercícios 1906 e 1907. BPEB, Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais.

68 APEB, Seção Judiciária, 3/916/1385/10 (Autos Cíveis - Inventários e Testamentos).

69 APEB, Seção Judiciária, 8/3239/-/22 (Autos Cíveis - Inventários e Testamentos).

45

Entre os mestiços identifiquei a ocupação de dezesseis: havia oito artífices, quatro

empregados públicos, dois irmãos profissionais liberais (um médico e um bacharel) um

caixeiro e um abastado comerciante. Portanto, para os setenta e nove sócios não brancos da

amostragem identifiquei a ocupação de sessenta e seis deles.

Ainda que a amostra obtida para o critério cor da pele indique que 79% dos não

brancos eram “artistas”, esse percentual ainda pode estar sub-representado. Certamente

muitos trabalhadores listados como funcionários públicos eram artesãos. Além disso, não era

incomum que “artistas” ascendessem à condição de “empresários”, posto que muitos já

possuíssem suas próprias oficinas. Um exemplo é o de Francisco Luiz de Azevedo, um

ferreiro mestiço, falecido aos 69 anos, em 1913, quando já era viúvo. Entre os bens

inventariados constava um sobrado de dois pavimentos com os respectivos maquinários da

fundição de ferro situada no Largo do Pilar. Deixou ainda duas pequenas casas térreas

situadas à Estrada dos Boiadeiros e um lote de terreno em Camaçari.70

A REDE DE RELAÇÕES SOCIAIS

No período abarcado pela presente pesquisa, entre 1872 e 1930, a Sociedade Bolsa de

Caridade tinha matriculado 2.351 sócios. Foi possível identificar os nomes de 2.172 deles,

número que estou usando como parâmetro no presente trabalho. Desse total, o impressionante

número de 224 filiados integrou a administração de outras associações de ajuda mútua. Isso

significa que 10,3% da listagem nominal associados da Bolsa de Caridade não apenas faziam

parte de outras associações, como também integravam os seus corpos diretivos. Se for levado

em conta o pequeno número de associados que frequentava as Assembleias Gerais é possível

afirmar que esse é um número bastante significativo.

Os convites para as reuniões da Assembleia Geral em segunda convocação eram

bastante frequentes. As queixas a respeito da baixa frequência dos associados nas

Assembleias Gerais eram comuns nos relatórios anuais da associação em análise, lamentos

também verificados por outros autores para outras associações e cidades do Brasil. A título de

exemplo, no relatório referente ao exercício 1903 a 1904 o presidente do diretório, Euthymio

da Cruz Baptista, queixou-se que as assembleias gerais da Bolsa de Caridade só aconteciam

em segunda convocação e, ainda assim, com um pequeno número de sócios. Prudencio de

Carvalho, presidente do diretório no exercício 1912 a 1913, fez a mesma reclamação em seu

70

APEB, Seção Judiciária, 1/387/747/10 (Autos Cíveis – Inventários e Testamentos).

46

relatório anual. Diversas associações de ajuda mútua publicavam reiterados convites para os

associados comparecerem às reuniões em segunda convocação. Foi o caso da Sociedade

Beneficente Bolsa dos Patriotas, que em 12 de maio de 1920, em segunda convocação,

convidava os sócios para participarem da Assembleia Geral onde deveriam tomar

conhecimento da renúncia do tesoureiro, eleger seu substituto, e apreciar o balancete do

primeiro semestre.71

No dia 18 do mesmo mês o anúncio foi repetido.72

Ou seja, apesar da

chamada ser de segunda convocação, na verdade já era a terceira convocação. Para Adhemar

Lourenço da Silva Júnior essa era uma situação comum: “É possível generalizar a afirmação

sobre assembleias pouco frequentadas, porque o fenômeno não se restringiu ao Rio Grande do

Sul ou às Sociedades de Socorros Mútuos”.73

Aldrin Castellucci, os trabalhadores baianos possuíam uma tradição de associativismo

mutualista que remontava à primeira metade do século XIX.74

Talvez essa tradição tenha

contribuído para a formação de uma ampla rede associativa entre os trabalhadores

qualificados de Salvador. Na presente pesquisa identifiquei 224 associados da Bolsa de

Caridade atuando na administração de diversas sociedades de ajuda mútua, como pode ser

visto no Quadro 1. Ele permite a Segundo observação dessa rede associativa sob uma

perspectiva mais específica: a da participação dos associados da Bolsa de Caridade nos

quadros administrativos de 30 sociedades de ajuda mútua. O Centro Operário da Bahia foi a

instituição que mais contou com membros da Sociedade Bolsa de Caridade entre os seus

dirigentes: 50 associados. Esse é um dado importante, pois enquanto a Bolsa de Caridade

dava ênfase à dimensão mutualista, o Centro Operário combinava essa esfera de atuação com

objetivos muito mais abrangentes. Nas palavras de Castellucci: “o Centro Operário da Bahia

era uma organização multifacetada em termos de objetivos a serem cumpridos,

desenvolvendo funções beneficentes, mutualistas, sindicais e político-partidárias”.75

O autor

demonstrou que o Centro Operário foi uma máquina política que nos anos iniciais da

República conseguiu mobilizar politicamente a classe operária em torno das lutas por direitos,

de modo eficiente, inclusive elegendo vários dos seus integrantes para a Justiça de Paz, as

Juntas Distritais e o Conselho Municipal de Salvador. O mesmo autor identificou 18

71

A Manhã, Salvador, 12 maio 1920, p. 2.

72 A Manhã, Salvador, 18 maio 1920, p. 3.

73 SILVA JR., Adhemar Lourenço da. “Oligarquias em sociedades de socorros mútuos (1854-1940)”. Revista

Mundos do Trabalho, vol. 2, n. 4, agosto-dezembro de 2010, p. 78-108.

74 CASTELLUCCI, Aldrin. “Classe e cor na formação do Centro Operário da Bahia (1890-1930).” Afro-Ásia, v.

41 85-131, p. 125, 2010.

75 CASTELLUCCI. Trabalhadores e política no Brasil, p. 113.

47

sociedades de auxílio mútuo nas quais 248 membros do Centro Operário da Bahia atuaram.

Somente na Sociedade Bolsa de Caridade ele identificou 91 filiados daquela mutual.76

Esse

cenário só foi modificado a partir do final da segunda década do século XX, com o

esvaziamento dessa associação e o fortalecimento dos sindicatos operários fundados nesse

período.

Quadro 1 – Participação de membros da SBC na direção de outras mutuais (1872-1930). NOME DA SOCIEDADE MUTUALISTA FUND DIRETO-

RES

DIRIGEN.

COMUM

1 Centro Operário da Bahia 1894 50 10

2 Sociedade Protetora dos Desvalidos 1832 42 6

3 Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas 1896 39 17

4 Soc. Beneficente União Filantrópica dos Artistas 1889 31 10

5 Sociedade Montepio dos Artífices da Bahia 1832 22 8

6 Sociedade Beneficente de Santana 1896 20 3

7 Associação Typográphica Bahiana 1871 15 6

8 Sociedade Beneficente dos Alfaiates 1897 12 3

9 Sociedade Beneficente União das Classes 1895 11 4

10 Club Beneficente dos Martyres 1891 10 2

11 Sociedade Beneficente União e Amparo 10 4

12 Sociedade Beneficente dos Açougueiros 8 3

13 Sociedade Montepio dos Artistas da Bahia 1853 8 -

14 Congresso Beneficente Auxílio Fraternal 1898 6 1

15 Sociedade Beneficente dos Marceneiros 6 1

16 Club Defensor e Beneficente dos Maquinistas 1889 5 -

17 Sociedade Dezesseis de Julho 1906 5 4

18 Sociedade Beneficente Bolsa dos Chapeleiros 1891 4 1

19 Grêmio Beneficente do Professorado Baiano 1898 3 1

20 Sociedade Beneficência Mútua de Brotas 1893 3 -

21 Sociedade Beneficência 1 º de Maio 1894 3 -

22 Congresso Beneficente Auxílio Funeral 2 1

23 Sociedade Humanitária dos Artistas 1856 2 2

24 Soc. Protetora e Benef. Dos Artífices, Carpinteiros e

Calafates

1860 2 2

25 Sociedade Beneficente de Socorros Mútuos 1897 1 -

26 Sociedade Beneficente Telegráfica 1898 1 -

27 Sociedade Beneficente dos Funcionários Públicos 1887 1 1

28 Sociedade Beneficente 24 de Julho 1909 1 -

29 Sociedade Montepio da Bahia 1 -

30 Club União dos Artistas Republicanos 1890 1 -

76

CASTELLUCCI. “Classe e cor na formação do Centro Operário da Bahia”, p. 128.

48

Fontes: APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, Caixa 60. Estatutos e Relatórios da

SBC; BPEB, Seção de Obras Raras, Relatórios Institucionais; Jornais e Almanaques.

Figura 3 - Cel. Antonio Freitas da Silva Figura 4 – Cap. João Pompílio de Abreu

Presid. Assembleia (1916-1926) Comissão Fiscal (1920-1921)

Fonte: RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de

existência. 1872-1922, Bahia: 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna,

Relatórios, caixa 60. REG. 0603.

A maior concentração de associados da Sociedade Bolsa de Caridade na administração

do Centro Operário da Bahia ocorreu entre 1895 e 1915 – foram 40 dirigentes. Desse total,

dez eram dirigentes também da Sociedade Bolsa de Caridade. Foi o caso do negociante e

conselheiro municipal Antonio Freitas da Silva (Figura 3), que além de sócio benemérito foi

também dirigente das duas associações.77

O capitão João Pompilio de Abreu (Figura 4)

também compôs a diretoria do Centro Operário e da Bolsa de Caridade, bem como da

Sociedade Beneficente dos Patriotas. Certamente essas relações contribuíram para a sua

eleição ao Juizado de Paz do distrito da Conceição da Praia em 1903 e 1912. Outro dirigente

do Centro Operário entre 1903 e 1905 foi o juiz de paz e major da Guarda Nacional Aurélio

Sebastião Cardoso. Esse alfaiate e ajudante de porteiro da administração dos Correios da

Bahia compôs a administração de pelo menos oito associações mutualistas, a exemplo da

Sociedade Bolsa dos Alfaiates, da qual foi fundador, e da Sociedade Bolsa de Caridade.

77

A Notícia, Salvador, 4 ago. 1915, p. 3.

49

Aurélio Cardoso ocupou o posto eletivo de juiz de paz do distrito da Sé por três mandatos.78

Segundo Castellucci, “A ocupação de mandatos eletivos no aparelho de Estado

retroalimentava a continuidade ou possibilitava a retomada do controle das organizações dos

trabalhadores”.79

O fato de o Centro Operário, uma associação de ajuda mútua com ampla atuação na

esfera político-eleitoral, ter tido entre seus dirigentes 50 associados de uma agremiação cujo

objetivo exclusivo era o dos socorros mútuos, como foi o caso da Bolsa de Caridade, sugere

que os trabalhadores poderiam filiar-se a mais de uma mutual visando objetivos diversos, para

além dos benefícios previdenciários. Para os trabalhadores que contaram com renda suficiente

para filiar-se a várias mutuais concomitantemente é provável que garantir benefícios maiores

fosse um fator importante. Entretanto, o grande número de dirigentes do Centro Operário que

também integrava o quadro social da SBC é um indício da importância do associativismo

operário enquanto interlocutor político e representante dos interesses do conjunto dos

trabalhadores. Eles certamente almejavam a extensão e ampliação dos direitos de cidadania

para os trabalhadores e a valorização de ofícios, categorias profissionais ou dos trabalhadores

enquanto classe social. Embora a Sociedade Bolsa de Caridade não fosse um espaço

institucional que se propunha a agir em defesa da ampliação dos direitos do conjunto dos

trabalhadores, parte dos seus membros atuava nesse sentido, como demonstra sua atuação na

direção do Centro Operário da Bahia.

A Sociedade Protetora dos Desvalidos foi a segunda associação em dirigentes que

também eram associados à SBC. Essa associação sobrevive até a presente data e, desde a sua

fundação, em 1832, quando ainda era a Irmandade de Nossa Senhora da Soledade Amparo

dos Desvalidos, admitia apenas homens de cor preta. Dos quarenta e dois dirigentes desta

mutual que também eram sócios da Bolsa de Caridade, seis integraram o corpo administrativo

das duas associações. Foi o caso de Júlio Alves da Palma, mecânico da Oficina da Assistência

Pública, que exerceu diversos cargos na Sociedade Protetora dos Desvalidos entre 1898 e

191980

, assim como também foi dirigente de mais quatro sociedades mutualistas, incluindo a

78

CASTELLUCCI, Trabalhadores e política no Brasil, p. 128.

79 CASTELLUCCI, Trabalhadores e política no Brasil, p. 194.

80 RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos, relativo ao exercício de 1895 a 1896, apresentado pelo

presidente do Diretório, Florencio da Silva Friandes, aprovado em sessão de 23 de outubro de 1896. Bahia:

Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1896; RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos,

relativo ao exercício de 1896 a 1897, apresentado pelo presidente do Diretório, João Francisco Regis d’Antão,

aprovado em sessão de 1 de novembro de 1897. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1897;

RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos, relativo ao exercício de 1899 a 1900, apresentado pelo

50

Sociedade Bolsa de Caridade.81

Outro exemplo é o de Aurelio Joaquim de Santa Cecília,

sócio benemérito dos Desvalidos, que atuou na sua administração entre 1895 e 1940,

exercendo cargos tais como arquivista, primeiro secretário do diretório, vice-presidente da

assembleia e vice-presidente e presidente do diretório.82

Também foi o caso do 2º escriturário

da Diretoria de Higiene Municipal, Florêncio da Silva Friandes (Figura 5).83

Além de

conselheiro consultivo permanente da Sociedade Protetora dos Desvalidos e de atuar no

diretório da Sociedade Bolsa de Caridade por mais de 15 anos consecutivos, ele ainda fez

parte da administração da Sociedade Dezesseis de Julho,84

da Sociedade Beneficente dos

Açougueiros85

e da Sociedade Beneficente União e Amparo.86

Figura 5 – Florêncio da Silva Friandes Figura 6 – Joaquim Pinto dos Santos

Fonte: RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de existência.

1872-1922, Bahia: 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios,

caixa 60. REG. 0603.

presidente do Diretório, Affonso Maria João de Freitas, aprovado em assembleia geral de 5 de janeiro de 1901.

Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1900; RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos

Desvalidos, apresentado pelo presidente do Diretório, Julio Alves da Palma, aprovado em sessão d’Assembleia

geral de 24 de outubro de 1919. Exercício de 1918-1919. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e

Ofícios, 1919.

81 Gazeta de Notícias, Salvador, 7 nov. 1913, p. 1.

82 RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos, apresentado pelo presidente do Diretório, Julio Alves

da Palma, aprovado em sessão d’Assembleia geral de 24 de outubro de 1919. Exercício de 1918-1919. Bahia:

Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1919. 83

Annuario Administrativo, Agrícola, Profissional, Mercantil e Industrial da República dos Estados Unidos do

Brasil para 1917. Rio de Janeiro: Almanak Laemmert, 1917, p. 71.

84 A Notícia, Salvador, 8 mar. 1915, p. 2

85 O Imparcial, Salvador, 12 jan. de 1935, p. 2.

86 Gazeta de Notícias, Salvador, 7 nov. 1913, p. 3.

51

A Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas contou com 39 dirigentes que também

eram membros da Sociedade Bolsa de Caridade, sendo a terceira associação do Quadro 1.

Também foi a mutual com maior número de dirigentes em comum, 17 deles compuseram os

quadros diretivos de ambas as associações. A proximidade entre essas duas associações pode

ser observada pelo fato de a Sociedade Bolsa de Caridade ter disponibilizado, em 28 de julho

de 1915, um crédito hipotecário no valor de 3:500$000 (três contos e quinhentos mil réis) a

ser amortizado “conforme as forças” da “coirmã” Sociedade Bolsa dos Patriotas. Em 1915, o

escrivão e oficial do Registro Civil, Joaquim Pinto dos Santos (Figura 6), era o secretário do

diretório da Sociedade Bolsa dos Patriotas e também o segundo secretário da assembleia geral

da Sociedade Bolsa de Caridade quando do empréstimo mencionado acima.87

A solicitação do

referido empréstimo foi assinada pelo então presidente do Diretório da Bolsa dos Patriotas, o

capitão do exército Euthymio da Cruz Baptista, que na ocasião fazia parte da Comissão Fiscal

da Sociedade Bolsa de Caridade. A proposta foi aceita pelo Diretório e aprovada em

Assembleia Geral do dia 13 de junho de 1915 com vinte e oito votos a favor e seis contrários.

No dia 28 do mesmo mês o contrato hipotecário foi lavrado em cartório.88

Outro dado que comprova a proximidade entre as duas associações é a composição do

quadro administrativo da Sociedade Bolsa dos Patriotas no exercício de 1924/1925, quando

quase toda a diretoria da Bolsa dos Patriotas era composta por membros da Bolsa de

Caridade.89

A título de exemplo posso citar o bacharel José Félix Simões, sócio benemérito da

Bolsa dos Patriotas, que assumiu o cargo de tesoureiro desta mutual por longo período, de

1921 a 1942. Entre 1923 e 1925 e de 1929 a 1930 o bacharel também foi membro da

Comissão Fiscal da Bolsa de Caridade.90

Outro exemplo é o do tipógrafo, já nosso conhecido,

87

A Notícia, Salvador, 15 dez. 1914, p. 2.

88 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1915 a 1916 apresentado pelo presidente do diretório

J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 7 de julho de 1916 e unanimemente aprovado.

Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1916. APEB,

Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0600, p. 11.

89 RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado pelo presidente do Conselho

Diretório Joaquim da Costa Doria em sessão da Assembleia Geral de 29 de outubro de 1925 e na mesma

aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1925. BPEB, Subgerência de Obras

raras, Relatórios Institucionais, Ref. 7830.

90 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1923 a 1924 apresentado pelo presidente do diretório

J. Prudencio F. de Carvalho em de 16 de julho de 1924 e na mesma unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e

Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1924. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa

60. REG. 0605. RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1928 a 1929 apresentado pelo

presidente do diretório Florencio da Silva Friandes em de 05 de setembro de 1929 e na mesma unanimemente

aprovado. Bahia: Imprensa Moderna, 1929. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.

REG. 0608.

52

José Prudencio Ferreira de Carvalho. Ele foi membro do Diretório da Bolsa dos Patriotas

entre 1907 e 192591

, período que em grande parte coincide com o da sua atuação como

dirigente da Bolsa de Caridade (entre 1905 e 1930). Além dessas associações ele foi membro

do corpo diretivo da Sociedade Beneficente União Filantrópica dos Artistas, do Montepio dos

Artífices, da Associação Tipográfica Baiana e da Sociedade União Beneficente dos Alfaiates.

92 O tenente Paulino Joviniano Caribé foi outro destacado membro da Sociedade Beneficente

Bolsa dos Patriotas. Ele prestou serviços tanto no Diretório quanto na Assembleia Geral no

período compreendido entre 1921 a 1942, tendo como reconhecimento por sua dedicação, seu

retrato exposto na parede do Salão Nobre da agremiação.93

Caribé também foi membro do

corpo diretivo da Sociedade União Filantrópica dos Artistas, da Sociedade Dezesseis de Julho

e da Sociedade Monte Pio dos Artífices, além é claro, da Sociedade Bolsa de Caridade.94

A Sociedade Beneficente União Philantrópica dos Artistas foi a quarta mutual em

número de dirigentes associados da Bolsa de Caridade – foram 31. Desses, 10 dirigiram

ambas as sociedades mutualistas. No seu corpo diretivo há um caso emblemático do quanto as

associações de trabalhadores poderiam favorecer os seus dirigentes. Trata-se do tenente-

coronel, juiz de paz e “artista” armador João Pedro Rodrigues Lima, já citado neste capítulo

em função de desentendimentos com o negociante e conselheiro municipal Antonio Freitas da

Silva. Esse artesão foi tesoureiro da Irmandade de N. S. da Fé95

e da Confraria de N. S. do

Rosário dos Quinze Mistérios.96

Também exerceu cargos em pelo menos sete associações de

ajuda mútua entre 1898 e 1917, ano em que faleceu. Foi inclusive tesoureiro da União

Philantrópica dos Artistas em 1898.97

De início atendia seus clientes em uma loja de cera na

91

BPEB, Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Gazeta de Notícias, Salvador, 14 dez. 1912, p.

2. A Notícia, Salvador, 15 dez. 1914, p. 1.

92 Almanak, 1898, p. 348. Almanak, 1899, p. 422, 442, 459, 472; Almanak, 1903, p. 316, 476-477. A Notícia,

Salvador, 23 dez. 1914, p. 3. Gazeta de Notícias, Salvador, 27 abr. 1914, p. 2; RELATÓRIOS Associação

Tipográfica Baiana de 1904 a 1912. BPEB, Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais.

93 RELATÓRIOS Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas. Diversos Exercícios. BPEB, Subgerência de Obras

Raras, Relatórios Institucionais.

94 RELATÓRIOS Sociedade União Filantrópica dos Artistas para os exercícios 1938 a 1940 e 1940 a 1942.

RELATÓRIOS Sociedade Dezesseis de Julho para os exercícios 1945 a 1949. RELATÓRIOS Associação

Beneficente Bolsa dos Patriotas exercícios 1921 a 1925, 1937 a 1942. RELATÓRIO Sociedade Monte Pio dos

Artífices, exercício 1951 a 1953. BPEB, Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais.

95 A Notícia, Salvador, 29 maio 1915, p. 3.

96 A Notícia, Salvador, 23 fev. 1915, p. 3.

97 Almanaque Administrativo, Indicador, Noticioso, Comercial e Literário do Estado da Bahia Para o ano de

1903. Bahia: Reis e Cia., 1903, p. 476.

53

Ladeira do Taboão98

, depois montou uma casa de armador no Pelourinho.99

As irmandades e

as associações de ajuda mútua eram suas clientes potenciais. E tudo indica que ele não via

problemas em prestar serviços a associações das quais ele integrava o corpo diretivo, já que

montou toda a ornamentação da solenidade organizada pelo Centro Operário da Bahia, por

ocasião do 7º dia do falecimento de d. Orsina da Fonseca, esposa do marechal Hermes da

Fonseca, presidente da República. Na ocasião ele era presidente da Assembleia Geral do

Centro Operário da Bahia.100

Poucos dias depois ele ornamentou a sede social da Sociedade

União dos Carregadores por ocasião da sua instalação à Rua do Saldanha, na Praça Quinze de

Novembro.101

Também a ornamentação do Liceu de Artes e Ofícios foi execução sua, quando

da sessão de homenagens feitas ao falecido Dr. Guilherme Conceição Foeppel, ex-presidente

desta agremiação.102

Não pude identificar se neste ano ele ainda exercia algum cargo nessa

associação, mas no ano seguinte ele era seu tesoureiro e muito antes, em 1903, ele era

membro da Comissão Econômica.

Além dos benefícios financeiros, João Pedro Rodrigues Lima contava com o apoio

dessas associações para pleitear cargos eletivos no nível municipal. Foi eleito juiz de paz pelo

distrito do Paço em 1914103

, e candidato ao Conselho Municipal em 1915. Foi o Centro

Operário que apresentou a sua candidatura ao Conselho Municipal fazendo um apelo aos

operários para que elegessem um representante da classe trabalhadora:

Operários!

Mandamos sempre para as assembleias populares representantes de outras classes

médicos, bacharéis, capitalistas, etc. – por que pois para o Conselho Municipal, a

mais popular de todas elas não enviamos um mandatário nosso, lídimo representante

nosso, enfim um operário como nós?104

Pelo visto ele não era um simples operário como constou no anúncio. Além de ser um

trabalhador qualificado ele tinha o seu próprio negócio e, provavelmente, tinha outros

trabalhadores a seu serviço. Ou talvez o eleitorado que se pretendia atingir era o dos operários

qualificados e pequenos funcionários públicos, ou seja, a parte da classe trabalhadora

98

Leituras Religiosas: Publicação Semanal (BA), 1889 a 1906, Salvador, 19 out. 1902, p. 7.

99 A Notícia, Salvador, 21 dez 1914, p. 1.

100 Gazeta de Notícias, Salvador, 6 dez. 1912, p. 2.

101 Gazeta de Notícias, Salvador, 23 dez. 1912, p. 1.

102 A Notícia, Salvador, 21 out. 1914, p. 1

103 Gazeta de Notícias, Salvador, 29 jan. 1914, p. 1.

104 A Notícia, Salvador, 11 nov. 1915, p. 2.

54

alfabetizada que estava apta a votar nas eleições municipais e que era a base das associações

de ajuda mútua. De toda maneira, quando se tratava de eleições municipais os candidatos do

Centro Operário da Bahia se apresentavam como representantes políticos da classe operária,

não apenas nas campanhas eleitorais, mas também durante o mandato.105

Porém, apesar do

apoio da máquina eleitoral do Centro Operário e de participar da direção de tantas mutuais sua

candidatura não logrou êxito. Seja como for, suas relações com o associativismo indicam que

os cargos ocupados nas irmandades e associações de ajuda mútua de trabalhadores poderiam

proporcionar não apenas votos, mas também se configurar em uma fonte de renda.

Fundada em 1832, a Sociedade Monte Pio dos Artífices da Bahia estava entre as mais

antigas mutuais da Província. Essa associação teve entre seus dirigentes 22 associados da

Bolsa de Caridade, a exemplo do mestiço Francisco Andrelino Brandão de Araújo. Francisco

era empregado público e exerceu a função de visitador na SBC entre 1910 e 1913. Ao morrer,

em 1927, deixou para os herdeiros, sua esposa e um filho de 16 anos, apenas uma caderneta

de poupança na Caixa Econômica Federal no valor de seiscentos e oitenta e oito mil e

setecentos e vinte réis.106

Apesar disso, não deve ter tido problemas financeiros para seu

enterramento, uma vez que era dirigente de quatro associações de ajuda mútua: Monte Pio dos

Artífices, Bolsa de Caridade, Bolsa dos Patriotas e Associação Tipográfica. O capitão da

Guarda Nacional Juvencio Simões Toledo também serviu a Sociedade Monte Pio dos

Artífices desde pelo menos 1898. Em 1914 ele teve seu retrato fixado nas paredes do Salão

Nobre dessa associação.107

Ele foi membro de mais sete associações de ajuda mútua,

incluindo a Sociedade Bolsa de Caridade. Porém, ao morrer em 1921 ele não teve direito aos

auxílios desta associação, provavelmente por inadimplência.108

A Sociedade Beneficente de Santana teve entre seus dirigentes 20 associados da Bolsa

de Caridade, sendo três deles diretores de ambas as associações. Como pode ser visto no

Quadro 1, foi a sexta agremiação com maior número de associados da Bolsa de Caridade em

sua administração. Um dos seus diretores foi o tipógrafo branco José Bernardo da Cunha,

falecido aos 41 anos, no dia 30 de abril de 1901 devido a problemas decorrentes de diabetes.

105

CASTELLUCCI. Trabalhadores e política no Brasil, p. 137 e 176.

106 APEB, Seção Judiciária, 6/2270/2770/6 (Autos Cíveis – Inventários e Testamentos).

107 A Notícia, Salvador 23 dez. 1914, p. 1.

108 RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de existência. 1872-1922. O seu movimento

no exercício de 1921 a 1922, relatado pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho, em Assembleia

Geral de 20 de junho de 1922 e na mesma unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu

de Artes Ofícios, 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0603.

55

O patrimônio que conseguiu formar foram três pequenas casas no bairro do Rio Vermelho,

porém estavam hipotecadas a Carolino José Barroso de Mello pela quantia de cinco mil

contos de réis.109

Esse “artista” certamente conseguiu manter um padrão de vida acima da

média da classe operária. Não era uma vida desprovida de preocupações financeiras, mas

sobrava para investir em imóveis. Ele também arranjava tempo para se dedicar às associações

de trabalhadores e, pelo visto, sonhou com a participação da classe trabalhadora nas decisões

das políticas públicas por meio de representantes populares nas esferas de poder. Por isso

tomou parte das atividades do nascente Partido Operário, em 1890, da Sociedade Bolsa de

Caridade, entre 1886 e 1889, e da Sociedade Beneficente de Santana, em 1899.110

Já o

empregado público da Secretaria do Conselho Municipal, Pedro Muniz Gomes, viveu bem

mais tempo; faleceu em junho de 1928, aos 75 anos. Ele exercia a função de cobrador da

agremiação e morreu sem ter tido tempo de prestar contas a essa sociedade de um total de um

conto e quatrocentos mil réis de mensalidades cobradas aos sócios. Também devia seis meses

de aluguel de sua residência. Somados o que tinha em caderneta de poupança, conta corrente,

pecúlio da Sociedade dos Empregados Públicos e os vencimentos a que tinha direito, o total

era suficiente apenas para pagar os seus débitos. Mesmo assim ele não dependeu de nenhum

dos seus quatro filhos para pagar seu funeral uma vez que tinha direito aos benefícios da

Sociedade Beneficente de Santana e da Sociedade Bolsa de Caridade. Aliás, um dos seus

filhos, Pedro Muniz Gomes Filho também foi dirigente da Sociedade Beneficente de Santana

e associado da Bolsa de Caridade.111

A Associação Tipográfica Baiana, fundada em 16 de abril de 1871, era uma

associação de auxílio-mútuo que congregava tipógrafos, litógrafos ou livreiros. Era, portanto,

uma agremiação profissional de ajuda mútua com forte probabilidade de ter atuado na defesa

da categoria em outras esferas que não a previdenciária. Aqui convêm novamente citar o

tipógrafo José Prudencio Ferreira de Carvalho (Figura 7), liderança dessa instituição. Ele

filiou-se a essa mutual em 17 de julho de 1888 e foi elevado a sócio benemérito em 30 de

abril de 1903.112

Já em 1889 ocupou o cargo de tesoureiro, entre 1904 e 1910 de bibliotecário,

entre 1910 e 1912 foi presidente do diretório e de 1914 a 1915 foi presidente da Assembleia

109

APEB, Seção Judiciária, 1/80/110/4 (Autos Cíveis – Inventários e Testamentos).

110 Almanak Administrativo, Indicador e Noticioso do Estado da Bahia para 1898 organizado por Antonio

Alexandre Borges dos Reis. Bahia: Wilcke, Picard e Cia., 1898, p. 348.

111 Correio do Povo, Salvador, 15 set. 1925, p. 2.

112 Almanak Administrativo, Indicador e Noticioso do Estado da Bahia para 1899 organizado por Antonio

Alexandre Borges dos Reis. Bahia: Wilcke, Picard e Cia., 1899, p. 422.

56

Geral. Ou seja, concomitantemente à direção da Associação Tipográfica Baiana ele comandou

a Sociedade Bolsa de Caridade. Prudêncio de Carvalho foi um dos 15 dirigentes da

Associação Tipográfica Baiana que era associada da SBC.

Figura 7 – Prudencio de Carvalho

Pres. do Diretório (1910-1925)

Fonte: RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de

existência. 1872-1922, Bahia: 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente

Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0603.

João Augusto Neiva, sócio honorário da Associação Tipográfica Baiana, foi membro

do conselho diretório do Monte Pio da Bahia em 1881113

, orador do Monte Pio dos

Artífices114

e diretor da Sociedade Baiana de 13 de Maio.115

O comendador Neiva foi um

importante político do fim do Império e início da República, exercendo cargos eletivos no

Legislativo provincial/estadual e nacional/federal entre 1882 e 1908. De origem humilde, foi

tipógrafo e jornalista, tendo atuado como redator de vários jornais. Em 1879 foi nomeado

oficial da Secretaria da Assembleia Provincial da Bahia, ocasião em que deixou a função de

protocolista da administração dos Correios. Aposentou-se em 1895 como diretor geral dessa

instituição. Obteve nova aposentadoria, desta vez como superintendente da Mesa de Debates

da Câmara, cargo que obteve em 1909, como consolo, após o insucesso nas eleições de 1908.

Um de seus filhos, o médico Artur Neiva, ficou conhecido como grande especialista em

113

O Monitor, Salvador, 11 ago. 1881, p. 1.

114 Cidade do Salvador, Salvador, jan. 1898, p. 1.

115 Pequeno Jornal, Salvador, 20 jan. 1892, p. 2.

57

malária, e chegou a ser nomeado interventor na Bahia no primeiro governo Vargas.116

Esse é

mais um exemplo da relação de interdependência entre políticos e associações de ajuda mútua

de trabalhadores. Fundada em 25 de março de 1897 nas dependências do Liceu de Artes e

Ofícios, a Sociedade Beneficente dos Alfaiates contou em sua administração com 12 sócios

da Bolsa de Caridade.117

O Club Beneficente dos Martyres e a Sociedade Beneficente União e

Amparo, contou cada uma, com 10 dirigentes membros da Sociedade Bolsa de Caridade.

Esses dados demonstram o quanto era comum o trânsito de um mesmo grupo de

pessoas na direção de diversas sociedades mutualistas de trabalhadores. Como vimos, 224

sócios da Bolsa de Caridade participaram do corpo administrativo de 30 associações de

auxílio mútuo. Porém, se os relatórios periódicos dessas associações estivessem disponíveis

nos arquivos em séries mais completas, certamente esse número seria ainda mais expressivo.

Para algumas associações só foi possível localizar o relatório de um único ano, ou mesmo

apenas a relação da diretoria eleita para determinado exercício. De qualquer maneira foi

possível apurar que 33 associados da Bolsa de Caridade participaram da administração de três

ou mais mutuais, sem contar a participação na administração da própria Sociedade Bolsa de

Caridade. Essas pessoas certamente contribuíram muito para o crescimento e manutenção das

sociedades de auxílio-mútuo em Salvador. Elas disponibilizaram tempo e esforço para o

sucesso do associativismo operário.

Com efeito, a administração de uma associação de ajuda mútua podia demandar muito

esforço e paciência dos membros do corpo diretivo. Os conselhos diretórios, via de regra, se

reuniam quinzenalmente. Ainda havia as reuniões das assembleias gerais ordinárias e

extraordinárias. Entre as tarefas administrativas habituais estavam o gerenciamento dos

recursos da agremiação, a administração dos conflitos, a manutenção dos registros e da

contabilidade, a conservação dos imóveis e do mausoléu da associação, o enterramento dos

sócios, a assistência aos enfermos, entre outras. Ainda era necessário captar recursos extras,

manter a credibilidade da associação em meio à opinião pública, representar a instituição nos

eventos, fazer as publicações de praxe na imprensa, manter contato com as autoridades,

escrever e enviar os relatórios anuais etc. Tudo isso sem receber remuneração extraordinária.

116

Disponível em https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/NEIVA, &20Jo%C3%A3o.

pdf

117 Almanak Administrativo, Indicador e Noticioso do Estado da Bahia para 1899 organizado por Antonio

Alexandre Borges dos Reis. Bahia: Wilcke, Picard e Cia., 1899, p. 453.

58

O CORPO DIRETIVO DA SOCIEDADE BOLSA DE CARIDADE

Além da intensa participação de seus membros na direção de outras mutuais, alguns

associados exerceram cargos administrativos na Sociedade Bolsa de Caridade por longo

período. Identifiquei 25 associados que atuaram como dirigentes dessa associação por mais de

dez anos, seja em anos seguidos, seja de forma intermitente. Nem os relatórios anuais da

associação, nem os jornais mencionam a existência de chapas de oposição, campanhas

eleitorais, disputas nas assembleias ou qualquer outro indício de concorrência para os cargos

administrativos dessa mutual, situação bem diferente do que foi apurado por Castellucci para

o Partido Operário da Bahia e o Centro Operário da Bahia, organizações nas quais havia forte

competição política entre dois grupos operários.118

Os estatutos estabeleciam que a eleição

dos funcionários da SBC fosse atribuição da Assembleia Geral sem detalhar seu

funcionamento, sendo vedada a recusa aos cargos sob pena de o filiado ter seus direitos

suspensos. Em face do silêncio das fontes não posso afirmar as razões que levaram esses

associados a permanecer por diversos exercícios, seguidos ou não, à frente de cargos na

agremiação. O fato é que um grupo político parece ter se estabelecido de modo burocrático na

direção da associação por longos anos, sobretudo a partir de 1910, como veremos adiante. Em

artigo onde questiona o caráter democrático das associações de ajuda mútua, Adhemar

Lourenço da Silva Júnior apontou para a existência de uma burocracia dirigente nessas

associações. Para tanto o autor analisou o funcionamento das assembleias e os procedimentos

eleitorais nas mutuais do Rio Grande do Sul. Corroboraria para a burocratização das mutuais

o fato de a Assembleia Geral, que seria a instância de democratização por excelência, ser

pouco frequentada.

Se o exercício de cargos, na entidade, nem sempre trazia prestígio ou

benefícios (a ponto de ser, amiúde, obrigatório) e, mesmo quando trazia,

impunha ao eleito tarefas (executadas também conforme regras) e

responsabilidades (pelas quais poderia ser cobrado e, mesmo, deposto) é

previsível que haja uma baixa renovação nos quadros de dirigentes.119

Ainda que o interesse para assumir os encargos inerentes à administração da

associação tenha sido pequeno a ponto de não haver registro de chapas concorrentes nas

118

CASTELLUCCI. Trabalhadores e política no Brasil, principalmente o capítulo 2.

119 SILVA JR. “Oligarquias em sociedades de socorros mútuos”, p. 94

59

eleições anuais, não acredito que essa explicação encerre a questão. Independente dos

interesses e motivações que levaram diversos associados a permanecerem por diversos

exercícios, contínuos ou intercalados, nos cargos administrativos da Bolsa de Caridade, o fato

é que eles dedicaram parte do seu tempo livre, sem contrapartida financeira oficial, à gestão

desta mutual. Foi o caso do sócio fundador, Antônio Borges Nogueira, que também era

vinculado ao Centro Operário da Bahia. Em 1890 ele ocupou o cargo de porteiro da Secretaria

do Senado120

, foi escrivão de paz em 1892121

, candidato a Juiz de Paz pela Chapa Federalista

da Freguesia dos Mares122

, tendo falecido no Rio de Janeiro, em fevereiro de 1927, onde

residia na ocasião. Além de fundador e reorganizador da associação123

ele assumiu cargos no

Conselho Diretório, sendo 1º secretário já em 1875 e presidente em 1883/84, 1884/85,

1887/88 e 1901/02; também presidiu a mesa da Assembleia Geral por mais de uma vez; e

entre 1882 e 1921, foi membro do Conselho Fiscal por dezessete exercícios. Foram pelo

menos 28 anos de atuação nas diversas esferas da gestão da SBC. Por sua dedicação recebeu o

título de benemérito e, após sua morte, teve seu retrato fixado no salão nobre da associação.124

Outro caso interessante foi o de Antonio Bento Guimarães, “artista” carapina, mestiço,

ex-mestre da oficina de obras brancas do extinto Arsenal de Guerra da Bahia125

, residente no

Distrito dos Mares, onde foi eleito Juiz de Paz por várias vezes entre 1876 e 1903.126

Nesse

sentido, vale a pena ler o comunicado publicado em 1876, ao ter sucesso em sua primeira

eleição:

Ao público

Quando organizamos a Chapa Popular de Artista – nesta paróquia – não

hasteamos a bandeira de nenhum dos partidos políticos militantes, quisemos

unicamente demonstrar que os artistas aqui residentes poderiam, unidos,

pleitearem os seus direitos nas urnas – fomos guiados apenas pelo espírito de

120

Almanak Administrativo, Indicador e Noticioso do Estado da Bahia para 1899 organizado por Antonio

Alexandre Borges dos Reis. Bahia: Wilcke, Picard e Cia., 1899.

121 Jornal de Notícias, Salvador, 17 jun. 1892, p. 1.

122 Jornal de Notícias, Salvador, 13 dez. 1892, p. 2.

123 Apesar de não ter seu nome como um dos fundadores nos Estatutos de 1872, ou no de 1879, ocasião da

primeira reforma dos estatutos, quando a associação se tornou uma mutual “aberta”, seu nome é citado em

diversos relatórios como um dos iniciadores e reorganizadores da Sociedade.

124 RELATÓRIO do exercício de 1926 a 1927 apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade

pelo presidente do diretório Florencio da Silva Friandes. Bahia: Imprensa Moderna, 1927, p. 10. Arquivo da

Sociedade Bolsa de Caridade.

125 Almanak Administrativo, Indicador e Noticioso do Estado da Bahia para 1898 organizado por Antonio

Alexandre Borges dos Reis. Bahia: Wilcke, Picard e Cia., 1898, p. 301.

126 Correio do Brasil, Salvador, 14 out. 1903, p. 2.

60

classe e uma vez por todas declaramos que não estamos adstritos nem aos

conservadores, nem aos liberais, temos compromissos e deveres de honra

para com os nossos dignos companheiros que nos elegeram, únicos dos quais

somos obrigados e aos quais agradecemos os esforços, constância e boa

vontade empregados. Saberemos cumprir com os nossos deveres.

Freguesia dos Mares, 7 de outubro de 1876.

Lucas Benício dos Santos

Antônio Bento Guimarães

Antonio Dias de Araujo Pinto.127

O discurso de Antônio Bento Guimarães e seus companheiros colocando seu mandato

a serviço dos “artistas” da paróquia dos Mares128

, aos quais ele atribuiu sua vitória, pode ser

um indício do potencial do associativismo mutualista para a eleição de trabalhadores no

âmbito municipal naquele momento. A intenção dos três artesãos era “demonstrar que os

artistas aqui residentes poderiam, unidos, pleitearem os seus direitos nas urnas”. Uma vez que

sua candidatura esteve desvinculada dos partidos existentes à época - “não hasteamos a

bandeira de nenhum dos partidos políticos militantes”, “fomos guiados apenas pelo espírito de

classe” -, é provável que seu nome tenha ganhado alguma projeção em virtude de sua atuação

junto à Sociedade Bolsa de Caridade e à Beneficente União das Classes.129

Entretanto, com o

advento da República os trabalhadores baianos buscaram fundar suas próprias organizações

políticas para participar dos pleitos eleitorais. Fundado por iniciativa de três “artistas”, o

Partido Operário tinha como objetivo declarado defender os interesses das “classes artísticas e

operárias”, por meio da conquista de cadeiras no parlamento.130

Por levantar a bandeira da

defesa dos trabalhadores qualificados, seu eleitorado potencial, Antonio Bento Guimarães

filiou-se à instituição, tendo integrado a comissão do Distrito dos Mares por esse partido.131

Porém, não se descuidou de sua atuação junto às associações de ajuda mútua. Além de ter

exercido a vice-presidência da Assembleia Geral da Sociedade Beneficente União das Classes

de 1897 a 1899 e em 1903132

, ele prestou serviços enquanto membro do corpo dirigente da

127

O Monitor, Salvador, 8 out. 1876, p. 3.

128 A partir de 1892 os estatutos estabeleciam que a sede da agremiação ficasse circunscrita às freguesias dos

Mares e Pilar, provavelmente por estarem concentrados aí os seus associados.

129 Para uma análise específica da participação dos trabalhadores nas eleições imperiais, cf. CASTELLUCCI,

Aldrin A. S. “Muitos votantes e poucos eleitores: a difícil conquista da cidadania operária no Brasil Império

(Salvador, 1850-1881)”. Varia Historia (UFMG), Belo Horizonte, v. 30, n. 52, p. 183-206, jan./abr. 2014.

Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-87752014000100009

130 CASTELLUCCI, Aldrin A. S. Trabalhadores e política no Brasil: do aprendizado do Império aos sucessos

da Primeira República. Salvador: EDUNEB, 2015, p. 48.

131 Pequeno Jornal, Salvador 21 jan. 1891, p. 2.

132 Almanaque Administrativo, Indicador, Noticioso, Comercial e Literário do Estado da Bahia Para o ano de

1903. Bahia: Reis e Cia., 1903, p. 472.

61

Sociedade Bolsa de Caridade, nas funções de tesoureiro, vice-presidente da assembleia geral,

presidente e vice-presidente do diretório, entre 1875 e 1904.

Segundo Silva Jr. “Em qualquer associação, os grupos dirigentes obtêm tal posição por

meio do manejo de pelo menos um de dois tipos de recursos: o prestígio externo à associação

e o prestígio interno”.133

Ainda que a dimensão mais evidenciada na atuação da Sociedade

Bolsa de Caridade fosse o previdenciário e, enquanto instituição procurasse manter-se

afastada das disputas eleitorais, é bem provável que os associados canalizassem seus votos

nos pleitos municipais para pessoas que fossem identificadas como representantes dos seus

interesses, senão ainda enquanto classe social, pelo menos enquanto membro da mesma

agremiação de ajuda mútua. Assim, não somente o prestígio interno de um membro da

direção tinha o potencial de alçá-lo a um cargo eletivo municipal, como o prestígio externo de

tais cargos retroalimentava as eleições nas associações de ajuda mútua.

Mas como o capital político nem sempre é revertido em capital financeiro, o exercício

de cargos junto às sociedades de ajuda mútua e mesmo no Juizado de Paz não parece ter

trazido vantagens financeiras para o “artista” Antonio Bento Guimarães. Em agosto de 1907,

aos 58 anos, meses depois de se casar com sua companheira de longos anos, Joana Gualberto

Barbosa Guimarães, ele faleceu sem deixar bens imóveis, restando à viúva apenas 1:241$930

em dinheiro a receber na Delegacia Fiscal e os móveis de sua residência, avaliados em

485$000. Apesar do casamento tardio realizado às vésperas da sua morte sugerir a vontade de

proteger a companheira, não encontrei outros registros nesse sentido. A viúva tinha 38 anos,

era analfabeta e seu nome não constava na lista de associadas da SBC.

Antonio Epiphanio de Góes, mestre de oficina de maquinista do Arsenal de Guerra da

Bahia134

, sócio fundador da Sociedade Bolsa de Caridade, foi um dos três trabalhadores que

assinou os Estatutos reformados de 1879. Em 1872 seu nome já constava como eleitor do

distrito dos Mares para o ano de 1873, status bem superior ao de simples votante do

Império.135

Pois bem, esse associado de matrícula número 4, prestou serviços à Sociedade

Bolsa de Caridade entre 1876 e 1889 na qualidade de secretário e presidente do diretório,

133

SILVA JUNIOR. “As sociedades de socorros mútuos”, p. 253.

134 Almanak Administrativo, Indicador e Noticioso do Estado da Bahia para 1898 organizado por Antonio

Alexandre Borges dos Reis. Bahia: Wilcke, Picard e Cia., 1898, p. 300.

135 Almanak Administrativo, Commercial e Industrial da Província da Bahia Para o anno de 1873,

Quinquagesimo Segundo da Independencia e do Imperio, compilado por Albino Rodrigues Pimenta, Bacharel

em Direito e Chefe da Secção da Secretaria da Presidência. Anno I. Bahia: Typographia Oliveira Mendes & C.,

1872, p. 231.

62

membro da comissão fiscal e recebedor. O seu empenho para o sucesso dessa associação

mutual, aliada a sua condição de eleitor do distrito dos Mares, sugere que o seu voto pode ter

contribuído para a primeira eleição do seu colega da SBC, Antônio Bento Guimarães. Ou

seja, poderia ser um dos que buscaram investir, no âmbito municipal, na eleição de seus iguais

para defender os interesses dos trabalhadores qualificados.

Já o sócio benemérito Antonio Nogueira da Silva foi homenageado em um dos

relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade por sua dedicação ao engrandecimento da

associação.136

Ele associou-se à agremiação em setembro de 1894 e oito anos depois foi eleito

para o seu primeiro cargo, o de visitador, função que exerceu por dezenove exercícios, sendo

de forma ininterrupta entre 1912 e 1926. Como o nome indica, o visitador tinha o dever de

visitar quinzenalmente os sócios enfermos para confirmar seu estado de saúde bem como

entregar-lhes os valores dos benefícios. Além do cargo acima ele também exerceu a função de

1º e 2º secretário da Assembleia Geral. Não fosse sua dedicação às associações de ajuda

mútua seria improvável encontrar algum registro de sua trajetória.

O artista João Pedro de Abreu Farias ocupou o posto de recebedor de 1900 até 18 de

outubro de 1907, data em que faleceu. Todos os seus filhos homens associaram-se a

Sociedade Bolsa de Caridade, tendo o bacharel Gelásio de Abreu Farias participado da equipe

gestora da agremiação. Seu irmão, Acylino de Abreu Farias, cirurgião dentista, seguiu os

passos do pai e assumiu a função de recebedor entre 1925 e 1929. O filho mais novo, José de

Abreu Farias, não ocupou cargos na associação e era empregado da “Chemins de Fer”.

José Prudencio Ferreira de Carvalho, mais conhecido como Prudencio de Carvalho,

tipógrafo cujo discurso foi citado no início deste capítulo, foi proprietário da tipografia

Imprensa Moderna de 1896 a 1903.137

Posteriormente assumiu a direção da Tipografia e

Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, cujo maquinário fora transferido, sob contrato, de

sua antiga tipografia. Foi premiado com medalha de ouro na Exposição Nacional realizada no

Rio de Janeiro em 1908138

e fez constar esse feito nas capas dos relatórios impressos pelo

136

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de existência. 1872-1922. O seu movimento

no exercício de 1921 a 1922, relatado pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho, em Assembleia

Geral de 20 de junho de 1922 e na mesma unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu

de Artes Ofícios, 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0603.

137 Almanaque Administrativo, Indicador, Noticioso, Comercial e Literário do Estado da Bahia Para o ano de

1903. Bahia: Reis e Cia., 1903, p. 585.

138 A Bahia foi um dos quatro estados brasileiros a montar um pavilhão (estande) exclusivo, construído no tempo

recorde de três meses para exibir os seus produtos na Exposição Nacional do Rio de Janeiro. Promovida pelo

Governo Federal para comemorar o centenário do Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas e fazer um

63

Liceu de Artes, onde seu contrato permaneceu vigente até 1925. Não é demais lembrar que

esse personagem imprimiu os relatórios de inúmeras associações de socorros mútuos entre o

final do século XIX e as três primeiras décadas do século XX. Conforme já dito

anteriormente, ele fez parte do corpo diretivo de pelo menos oito associações de ajuda mútua,

entre elas da Sociedade Bolsa de Caridade, onde ocupou a presidência do diretório entre 1910

e 1925.

Durante a sua gestão Prudencio de Carvalho montou, por assim dizer, uma equipe

gestora que o acompanhou por 15 anos. Entre 1910 e 1925 poucos foram os cargos onde

houve alternância de nomes, e ainda assim, em função de doença, morte ou “força maior”.

Além do tipografo Prudêncio de Carvalho na presidência, o Conselho Diretório foi composto

por: Cândido Honório Pinto, vice-presidente de 1911 a 1923; pelo carapina Florêncio da Silva

Friandes, 1º secretário de 1910 a 1925; Miguel Archanjo de Souza, 2º secretário de 1910 a

1925; pelo empregado público Liberato José de Freitas, tesoureiro de 1910 a 1925; Liberato

Gomes dos Anjos, recebedor de 1910 a 1925; Antônio Nogueira da Silva, visitador de 1913 a

1926; Genésio Américo de Lacerda, arquivista, de 1906 a 1914, sendo substituído pelo

mecânico José Zacharias dos Santos (Figura 11); além dos síndicos Honorato de Britto Lima

(Figura 8), e Faustino do Sacramento Senna (Figura 9). O síndico tinha a função de verificar

se os candidatos a sócios efetivos, propostos ao Conselho, cumpriam as exigências

estatutárias.

Figura 8 – Honorato de Britto Lima Figura 9 – Faustino do Sacramento Senna

inventário da economia do país à época. Teve lugar entre 11 de Agosto e 15 de novembro de 1908, constituindo-

se numa ampla exibição de produtos naturais e manufaturados, oriundos dos principais estados brasileiros.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Exposição_Nacional_Comemorativa_do_1º_Centenário_da_Abertura_dos_Portos_

do_Brasil

64

Fonte: RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de

existência. 1872-1922, Bahia: 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente

Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0603, p. 4.

Pouco pude apurar sobre esses dirigentes. De todo modo, o silêncio das fontes parece

indicar que seriam pessoas ligadas ao mundo do trabalho. Os membros do Conselho Diretório

deveriam dedicar pelo menos duas noites por mês às reuniões do Conselho Diretório,

cabendo-lhes cuidar das tarefas administrativas, incluindo inventário, contabilidade, listas de

sócios, diplomas, concessão e suspensão de benefícios, admissão de sócios, entre outras, sem

que houvesse qualquer ajuda de custo. Certamente havia ganhos indiretos, como comprova a

preferência dada à tipografia dirigida por Prudêncio de Carvalho.

Nesse mesmo período os cargos da mesa da Assembleia Geral foram ocupados

majoritariamente por profissionais liberais que se reversavam nos cargos, em especial na

presidência e vice-presidência. As sessões da Assembleia Geral podiam ser magnas,

ordinárias e extraordinárias. As assembleias ordinárias deveriam ser convocadas a cada quatro

meses para exibição de balancete ou balanço, discussão do relatório e posse dos funcionários

eleitos. As extraordinárias seriam as que os interesses sociais exigissem a convocação e as

magnas seriam as comemorativas de aniversário da associação. Portanto, a carga de trabalho

era consideravelmente menor do que a dos membros do Conselho Diretório.

Figura 10 – Prof. Presciliano José Leal Figura 11- José Zacharias dos Santos

Presid. Assembleia (1911-1916) Arquivista (1916-1928)

Fonte: RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de

existência. 1872-1922, Bahia: 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente

Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0603, p. 4.

65

Presidiu a Assembleia Geral entre 1911 e 1916 o professor Presciliano Leal (Figura

10), sendo substituído pelo misto de comerciante e político, coronel Antônio Freitas da Silva,

que permaneceu no cargo até 1926. Entre 1911 e 1916 Freitas havia ocupado a 1ª vice-

presidência da Assembleia, sendo substituído pelo médico Edgar Ferreira de Barros que

ocupou o posto por quatro anos, até 1920. O bacharel e professor Gelásio de Abreu Farias

substituiu o Dr. Barros na vice-presidência da Assembleia. Na 2ª vice-presidência constam

nomes com Eulogio Pinheiro Requião, o artista e juiz de paz, Manuel de Albuquerque Lisboa,

o oficial maior da Secretaria do Conselho Municipal Miguel Archanjo Custódio de Senna,

João Marçal de Magalhães e dos médicos Annibal Muniz Silvany e Otto Rodrigues Pimenta.

O médico Annibal Silvany era irmão do farmacêutico Arnaldo Muniz Silvany, que foi

Conselheiro Municipal e candidato pela oposição a deputado.139

Nos quinze anos em que Prudêncio de Carvalho ficou à frente do Diretório os

principais cargos da Assembleia Geral foram ocupados por membros das duas categorias

emblemáticas do fenômeno clientelista: políticos e médicos. Estes últimos não cobravam

pelos serviços prestados aos associados da Bolsa de Caridade e era comum que integrassem a

diretoria de várias outras associações, fossem de socorros mútuos ou filantrópicas. Adhemar

Lourenço da Silva Júnior encontrou situação similar em sua pesquisa no Rio Grande do Sul:

“Contudo, era frequente que médicos exercessem gratuitamente suas atividades nas entidades.

Não havendo remuneração contratada, compensações simbólicas obtém relevo, tal como

também acontece em relações clientelares de troca de favores (...)”.140

Talvez não fosse

precipitado sugerir que justamente àquela que poderia ser a mais soberana instância

deliberativa, concebida como espaço democrático de autonomia e participação, refletisse as

relações heterônimas e clientelares que perpassavam a associação.

Já a Comissão Fiscal foi composta basicamente pelo sócio fundador e benemérito, o

Major Antonio Borges Nogueira, que exercia a função de porteiro da secretaria do Senado

Estadual desde 1890; pelo também negro, Faustino da Silva Friandes (Figura 12); pelo sócio

benemérito, pardo, major Herculano Brittes Guimarães (Figura 13) e pelo sócio benemérito,

de cor branca, Capitão da Guarda Nacional, Euthymio da Cruz Baptista, que devia ter uma

boa condição de vida, posto que ao morrer em 1940, aos 68 anos, deixou vários imóveis para

a família, como já mencionei neste mesmo capítulo.

139

A Notícia, Salvador, 22 dez. 1914, p. 3; 15 out. 1915, p. 3.

140 SILVA JÚNIOR, “As sociedades de socorros mútuos”, p. 367.

66

Figura 12 – Faustino da Silva Friandes Figura 13 - Herculano Brittes Guimarães

Comissão Fiscal (1910-1920) Benemérito. Com. Fiscal (1910-1920)

Fonte: RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de

existência. 1872-1922, Bahia: 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente

Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0603, p. 4.

De qualquer modo, é importante notar que tanto o Conselho Diretório, quanto a

Comissão Fiscal da associação tiveram o predomínio de trabalhadores durante todo o período

pesquisado, apesar da presença de sócios pertencentes a outras classes sociais no corpo geral

de sócios da SBC. Apenas a Assembleia Geral fugiu a esse padrão após 1910, quando passou

eleger preferencialmente, políticos e profissionais liberais para os seus principais cargos.

Entretanto, é preciso reconhecer a heterogeneidade dos trabalhadores associados. Mesmo

entre os “artistas” a diferença de posses e de acesso a cultura formal podia ser grande. O

próprio Prudêncio de Carvalho não era um simples tipógrafo, mas possuidor dos maquinários

e proprietário de tipografia.

É preciso ainda citar outros trabalhadores que dedicaram longos anos de suas vidas à

Sociedade Bolsa de Caridade. Gente como Candido Honório Pinto, que ocupou a vice-

presidência do Diretório entre 1911 e 1922; Cesláo Joaquim de Santana, que entre 1884 e

1894 ocupou diversos cargos no Conselho Diretório; Genésio Américo de Lacerda que foi

recebedor e arquivista entre 1885 e 1914; o funcionário público Liberato José de Freitas, que

também ocupou diversos cargos entre 1886 e 1925 e Liberato Gomes dos Anjos que foi

recebedor entre 1908 e 1925. Como a imensa maioria dos associados limitava-se a pagar as

67

joias e mensalidades, foram pessoas como essas que tornaram possível o sucesso e

longevidade da associação.

Em resumo, a Sociedade Bolsa de Caridade era uma associação de trabalhadores que

tinha como finalidade o auxílio-mútuo na forma de benefícios previdenciários específicos: o

auxílio funeral, o auxílio na doença e as pensões. Essa sociedade mutualista contava com a

adesão de indivíduos pertencentes a classes sociais, que não precisavam do amparo financeiro

dessa instituição, integrando-a em razão da cultura paternalista e das práticas clientelistas que

permeavam as relações sociais no Brasil do período. A título de exemplo cito a entrega do

título de sócio benemérito aos deputados provinciais Antônio Bahia da Silva Araujo e

Alexandre Herculano Ladislão, apontados como os responsáveis pela subvenção estatal no

valor de 1:000$000 aprovada em 21 de julho de 1888.141

Este último faleceu pouco tempo

depois, tendo sua viúva, fato incomum, requerido os socorros da associação, tendo recebido

os 100$000 do auxílio funeral como determinava os estatutos.142

Apesar de sua composição pluriclassista, é plausível classificá-la como integrante do

associativismo operário, não só em razão de ter sido fundada por trabalhadores para

ajudarem-se mutuamente, como por ter seu corpo diretivo fundamentalmente ocupado por

artesãos, mestres de ofício e pequenos funcionários públicos, e especialmente por sua base de

sustentação econômica: as mensalidades dos associados, ainda que tenha contando com

subvenção estatal por um período de 16 anos, dos 57 em análise.

A adesão de membros da classe média ou das elites econômicas e políticas,

notadamente dos profissionais liberais e dos políticos, certamente contribuiu para disseminar

a ideia da cooperação entre as classes sociais, mas não poderia apagar a experiência de se

saber trabalhador e do lugar que este ocupava no mundo de então. A Bolsa de Caridade não

foi uma associação criada pela elite para fazer caridade aos mais pobres, não era o produto de

relações verticais. Era uma associação operária que se sustentava a si mesma, fundada em

relações de solidariedade horizontais. Apesar das relações clientelistas e paternalistas

imporem limites à ação de seus membros, elas não comprometiam integralmente a autonomia

da associação. Mesmo porque a autonomia total não era uma aspiração da associação visto

que contou em sua história com subvenção estatal direta, isenção de impostos e serviços

médicos gratuitos para os seus associados. Além disso, não só os Estatutos dispunham de

141

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade apresentado em sessão de 12 de maio de 1889 pelo presidente

do conselho Elpídio Adolpho de Menezes. Bahia: 1889, p. 5. Arquivos da Sociedade Bolsa de Caridade.

142 RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade apresentado em sessão de 11 de maio de 1890 pelo presidente

do conselho Elpídio Adolpho de Menezes. Bahia: 1890, p. 8. Arquivos da Sociedade Bolsa de Caridade.

68

mecanismos garantidores de autonomia, a exemplo da Assembleia Geral, como também a

solidez financeira da associação, respaldada majoritariamente na contribuição dos sócios, lhe

dava certa independência, como se verá no próximo capítulo. Por outro lado, a participação

das elites nas associações de trabalhadores, em última análise, também revela os limites da

autonomia política das classes dominantes.

A percepção do potencial das sociedades de ajuda mútua enquanto base eleitoral, visto

que congregassem fundamentalmente artífices, mestres de ofício e pequenos funcionários

públicos, não é suficiente para explicar o grande número de associados da Bolsa de Caridade

partícipes do quadro diretivo de diversas mutuais, quase sempre concomitantemente e, muitas

vezes, por longos períodos. Apenas 5% deles disputaram eleições, fato que deixa sem

explicação a motivação dos outros 95%. Com efeito, dos 224 associados da Bolsa de Caridade

que exerceram cargos na administração de outras sociedades de ajuda mútua, identifiquei

apenas quatorze que pleitearam, com ou sem sucesso, cargos eletivos. São eles: o carapina

Antônio Bento Guimarães e o Major Antônio Borges Nogueira, eleitos juízes de paz pelo

Distrito dos Mares; os alfaiates Francisco de Assis Baptista143

e Aurélio Sebastião Cardoso,

eleitos juiz de paz pelo Distrito da Sé144

; o negociante coronel Antonio Freitas da Silva, eleito

conselheiro municipal;145

o artista, político, professor, funcionário público e intelectual

Manoel Raimundo Querino, eleito conselheiro municipal por duas legislaturas pelo Partido

Operário;146

o rábula, conselheiro municipal e deputado estadual Major Cosme de Farias;147

o

chefe de obras de pedreiro da Linha Circular, tenente Fernando da Costa Barros, juiz de

paz;148

o jornalista e comendador João Augusto Neiva, vereador, deputado estadual e

federal;149

O capitão João Pompílio de Abreu, juiz de paz da Conceição da Praia150

; o artista

armador, candidato a juiz de paz pelo Centro Operário da Bahia, João Pedro Rodrigues

143

Correio da Bahia, Salvador, 30 dez 1877, p. 3.

144 CASTELLUCCI, Trabalhadores e Política no Brasil, p. 128.

145 Almanaque Administrativo, Indicador, Noticioso, Comercial e Literário do Estado da Bahia Para o ano de

1903. Bahia: Reis e Cia., 1903, p. 425.

146 LEAL, Maria das Graças de Andrade. “Manuel Querino entre letras e lutas – Bahia: 1851-1923”. (Tese de

doutorado em História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2004).

147 CELESTINO, Mônica. “Breve síntese das relações entre o Major Cosme de Farias e a vida cultural de

Salvador no século XX”. In: III ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, 2007, UFBA,

Salvador. http://www.cult.ufba.br/enecult2007/MonicaCelestino.pdf, acesso em 11 maio 2019.

148 Diário de Notícias, Salvador, 15 out. 1907, p. 5.

149 O Monitor, Salvador, 10 set. 1876, p. 3. Correio do Brasil, Salvador, 25 abr. 1905, p. 1.

150 Gazeta de Notícias, Salvador, 11 set. 1912, p. 1.

69

Lima151

; Manuel Albuquerque Lisboa, eleito juiz de paz pela freguesia do Pilar;152

o ferreiro

Francisco Luiz Azevedo, eleito conselheiro municipal e o tipografo Paulino dos Santos

Piedade candidato a uma vaga na Junta Distrital da Sé.153

Alguns trabalhadores perceberam que participar da direção das associações de

socorros mútuos poderia lhes render benefícios. O prestígio ou o poder inerente ao cargo

também poderia ser usado para obter privilégios no mercado de trabalho. É provável que tanto

o tipógrafo Prudencio de Carvalho quanto o armador João Pedro Rodrigues Lima tenham sido

beneficiados em razão dos cargos que ocupavam, posto que ambos costumavam prestar

serviços a diversas associações das quais eles próprios eram dirigentes. Outra característica

em comum é que os dois eram proprietários dos seus instrumentos de trabalho e

possivelmente tinham outros trabalhadores a seus serviços, fosse de forma permanente ou

temporária. Apesar de ter identificado apenas esses dois exemplos, acredito que essa não

devia ser uma situação incomum.

Porém, a expressiva participação de associados da Bolsa de Caridade na direção de

outras sociedades de ajuda mútua não pode ser explicada apenas em função das relações

paternalistas e clientelistas, comuns às associações mutuais, ou pela possibilidade de auferir

vantagens no mercado de trabalho. Há que se considerar a participação dos trabalhadores e o

seu protagonismo no esforço para fundar e manter as associações de ajuda mútua, vistas como

um espaço de proteção, socialização e reforço de laços identitários para uma parcela da classe

trabalhadora.154

O prestígio do cargo, a participação voluntária, a militância em prol da ampliação da

cidadania dos trabalhadores e da solidariedade, também ajudam a entender as motivações que

levaram esses trabalhadores a dedicar seu tempo livre à causa mutualista.

151

A Notícia, Salvador, 11 nov. 1915, p. 2.

152 Almanak Administrativo, Indicador e Noticioso do Estado da Bahia para 1899 organizado por Antonio

Alexandre Borges dos Reis. Bahia: Wilcke, Picard e Cia., 1899, p. 367.

153 CASTELLUCCI. Trabalhadores e política no Brasil, p. 181.

154 Claudio Batalha afirma que a ideia de que o associativismo, de forma geral, contribuiu para reforçar os laços

identitários é largamente aceita pela historiografia. Porém, poucas sociedades mutualistas de trabalhadores

contribuíram efetivamente para a “construção de uma identidade de classe, essencial no processo de formação da

classe operária”. BATALHA, Claudio H.M. “Relançando o debate sobre o mutualismo no Brasil: as relações

entre corporações, irmandades, sociedades mutualistas de trabalhadores e sindicatos à luz da produção recente”.

Revista Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 2, n. 4, 2010. Ele também afirma que sendo o movimento

operário complexo e dinâmico, algumas mutuais se limitaram ao discurso de nobilitação do trabalho, enquanto

outras explicitaram um discurso de identidade de ofício e até mesmo de classe. BATALHA, Claudio.

“Sociedades de trabalhadores no Rio de Janeiro do século XIX, p. 65.

70

CAPÍTULO 2:

A AUTONOMIA POSSÍVEL

O trabalho da Comissão Fiscal da Sociedade Bolsa de Caridade, na

verificação de suas contas, é um exercício que enche de animação e de

entusiasmo aos que o executam porque nele têm-se a prova exuberante de

que nas camadas populares da Bahia existem, ainda, nos atuais tempos de

desinteresse e de maldade, homens capazes de dirigirem e orientarem com

honestidade instituições cujo apoio único é o concurso diminuto, mas certo e

constante, dos próprios homens do povo e da humilde classe dos trabalhistas,

os quais lhe acorrem às fileiras na convicção plena de, no infortúnio ou na

velhice, acharem o alento, o auxílio e a solidariedade confortadora.155

Em desobediência à praxe de emitir apenas parecer técnico aprovando ou

desaprovando as contas apresentadas pelo Conselho Diretório, a Comissão Fiscal fez questão

de deixar registrado em seu parecer os elogios acima transcritos. O relator da citada comissão

afirmou ainda acreditar no crescimento contínuo da associação, desde que houvesse um

“rejuvenescimento nas suas fileiras combatentes e de se oferecer melhores vantagens nos seus

benefícios”. A preocupação com a renovação dos seus quadros não era nenhuma novidade,

sendo uma constante nas diversas diretorias da associação. Singular foi a direção reconhecer,

e a comissão fiscal endossar, a necessidade premente de majorar o valor dos benefícios pagos

aos sócios. Em 1930, ao completar 57 anos de existência, a associação sentiu o peso da idade,

por assim dizer. Seus dirigentes perceberam a gravidade da crise que se aproximava. E apesar

de reconhecer o empenho, lisura e competência dos trabalhadores na gestão dos recursos da

associação, a Comissão Fiscal intuiu que isso não seria suficiente para assegurar a

manutenção de sua finalidade: amparar com alguma dignidade os associados que viessem a

necessitar.

Como já discutido na Introdução desta dissertação, ainda que os trabalhadores

buscassem as sociedades mutualistas enquanto espaços de construção de identidades –

identidades de ofício, nação, cor etc. - e muitas atuassem para além das ações puramente

securitárias, “não se pode esquecer que seu fim essencial era a gestão dos fundos dos

sócios”.156

Os dirigentes da Sociedade Bolsa de Caridade pareciam compreender bem esse

aspecto. Ainda em 1919, ao tratar das finanças da entidade, o tipógrafo Prudencio de

155

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade apresentado pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de

Carvalho em sessão de Assembleia Geral de 19 de junho de 1930, relativo ao exercício de 1º de maio de 1929 a

30 de abril de 1930. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade, p. 13.

156 RALLE, Michel. “A função da Proteção Mutualista na Construção de uma Identidade Operária na Espanha

(1870-1910)”. Cadernos AEL. Campinas, v. 6, nº 10/11, p. 13-38, 1999.

71

Carvalho, presidente do Diretório afirmou que “é a parte mais importante de qualquer

instituição, e para onde convergem todas as vistas”.157

Para o estudo de caso em questão se

fez necessário compreender não só a importância dos auxílios prestados pela organização ao

seu heterogêneo quadro de associados, como também o tipo e o grau de eficácia da gestão

implementada sobre os bens e recursos da associação. Este capítulo é dedicado à análise dessa

questão, dando-se ênfase ao exame dos resultados produzidos pela forma como os recursos da

associação foram geridos por seu corpo diretivo. Em outras palavras, pretende-se analisar os

níveis de eficiência da ação securitária da Sociedade Bolsa de Caridade. Meu objetivo é aferir

a capacidade da SBC para conquistar e manter relativa autonomia econômico-financeira ao

longo de sua trajetória.

Considerando que uma das formas de autofinanciamento e, portanto, de autonomia,

era a verba oriunda de mensalidades e joias obtidas com o ingresso de novos sócios, principiei

a investigação sobre a eficácia da gestão securitária da associação pela análise dessa fonte de

receita. Segundo Adhemar Lourenço da Silva Júnior, o crescimento do quadro de sócios era

de suma importância para as associações de ajuda mútua. Os seus dirigentes esperavam que

os novos associados permanecessem contribuindo por tempo suficiente para custear os gastos

com os socorros oferecidos. Para tanto, tais associações costumavam estabelecer rígidos

critérios para a admissão de novos membros. Respeitada a idade mínima e a máxima

estabelecida por cada associação em seus estatutos, os candidatos ainda precisavam gozar de

bom conceito social e de boa saúde. As associações “fechadas”, isto é, aquelas que fixavam

critérios estritos para a filiação, como classe social, categoria profissional, nacionalidade, cor,

exigiam dos aspirantes outros critérios além da capacidade de pagamento das joias e

mensalidades. Desse modo, ao menos em concepção, os membros mais antigos seriam

sustentados pelo constante crescimento do quadro social da mutual. Daí o esforço dos

dirigentes para a captação de associados que contribuíssem com a receita da associação.158

Porém, diferentemente das seguradoras e de outras entidades de previdência privada,

a credibilidade de uma sociedade de ajuda mútua estava assentada em critérios que iam muito

além da mera questão econômica. Não apenas porque sua existência pressupunha o

envolvimento direto de pelo menos parte dos associados, mas também porque esse tipo de

157

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1918 a 1919 apresentado pelo presidente do

diretório J. Prudencio F. de Carvalho em de 27 de junho de 1919 e na mesma unanimemente aprovado. Bahia:

Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1919, p. 22. Arquivo da

Sociedade Bolsa de Caridade.

158 SILVA JUNIOR. “As sociedades de socorros mútuos: estratégias privadas e públicas (estudo centrado no Rio

Grande do Sul-Brasil, 1854-1940)”. Tese de doutorado em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul, p. 123-124.

72

organização gravitava em torno de rituais e tradições que marcavam seu cotidiano.

Provavelmente muitos dos protocolos habituais das associações de ajuda mútua foram

herdados da experiência dos trabalhadores nas irmandades e corporações de ofícios. Assim, o

cumprimento do cronograma de reuniões do Conselho Diretório e das Assembleias Gerais que

deveriam obedecer aos preceitos da tradição e das disposições estatutárias, os critérios para

admissão, exclusão e socorros aos associados, a conduta dos seus membros dentro e fora da

associação, as obrigações mútuas, as relações sociais horizontais e verticais, além da

eficiência e rapidez na prestação dos socorros eram essenciais para o conceito que a

associação gozaria junto ao público. Enfim, além da confiança na capacidade de prestar os

socorros prometidos, o “processo de produção e reprodução de discursos integrantes da

identidade dos grupos sociais” era essencial para a manutenção e crescimento do quadro

social das associações de ajuda mútua.159

Devido ao potencial para atingir grande número de pessoas, era comum que as

mutuais publicassem anúncios nos jornais de grande circulação ou naqueles direcionados a

um determinado segmento da população. A repetição de anúncios por vários meses

consecutivos ilustra bem a estratégia de buscar captar associados via publicidade na imprensa

escrita. A título de exemplo, entre outubro de 1914 e janeiro de 1915 cinco associações de

ajuda mútua publicaram diversos anúncios no jornal A Notícia: Nosso programa – nossa rota,

nosso escopo (BA), entre elas a Sociedade Bolsa de Caridade:

Sociedade Bolsa de Caridade

Fundada em 1872

Fundo: 135:396$108

Funciona em prédio próprio à rua do Carmo n.42.

Contribuições: 20$000 de joia; mensalidade 1$000.

Auxílios: 30$000 ao sócio enfermo; funeral 100$000, 150$000 e 200$000,

conforme a antiguidade do sócio e um jazigo na Quinta dos lázaros.

O diretório reúne-se nos dias 15 e 30 de cada mês. 160

Observe o leitor que o anúncio destacava o ano da fundação, o valor do fundo social

(patrimônio) e o fato de possuir prédio próprio. Todos esses fatores buscavam demonstrar a

tradição e solidez da associação visto que na data do anúncio em questão a mutual já atuava

há mais de 40 anos junto aos trabalhadores de Salvador, era proprietária da edificação onde

funcionava sua sede social, e contava com recursos acumulados que poderiam ser usados em

caso de necessidade. O fato de o anúncio citar as reuniões ordinárias do Diretório, inclusive

159

SILVA JUNIOR. “As sociedades de socorros mútuos”, p. 128.

160 A Notícia, Salvador, 1 out. 1914, p. 4.

73

especificando as datas, poderia indicar a tentativa de se apresentar enquanto uma entidade

dotada de seriedade e compromisso com o esforço de funcionamento regular e respeito às

regras estatutárias. Esse detalhamento de informações era comum nos anúncios de diversas

associações de ajuda mútua à época. No Quadro 2 consta um resumo da relação custo x

benefício retirado dos anúncios acima citados.

Quadro 2 – Comparativo entre mutuais quanto as contribuição dos sócios e os auxílios em

1914. Valores em mil-réis.

NOME DA MUTUAL

Fu

nd

açã

o

CONTRIBUIÇÃO DOS

SÓCIOS

AUXÍLIO AOS

SÓCIOS *

Joia

Dip

lom

a

Men

salid

ad

e

Doen

ça

Pen

são

Fu

nera

l

Ass. Tipográfica Baiana 1871

20 2 1 29 10 70

Soc. B. dos Açougueiros 1910

10 2 1 30 60

Soc. Benef. de Santana 1896

10 1 1 15 10 50

Soc. Bolsa dos Patriotas 1895

20 s/custo 1 30 15 60

Soc. Bolsa de Caridade 1872

20 s/ inf.

1 30 s/ inf. 100 a

200

Fonte: A Notícia, Salvador, 30 out. 1914, p. 5.

*Via de regra, o auxílio ao sócio enfermo tinha a duração de um ano. Findo esse prazo o sócio

passava a categoria de pensionista cujo valor do auxílio era menor.

Pela observação do Quadro 2 pode-se perceber que com exceção da Sociedade

Beneficente de Santana, os auxílios aos sócios enfermos tinham valores semelhantes. Já nos

auxílios para funeral a Sociedade Bolsa de Caridade oferecia um valor bastante superior e, a

depender da antiguidade do associado, esse valor poderia ser três vezes maior do que a média

das demais associações. O valor das mensalidades era exatamente o mesmo para todas as

associações (1$000), mas o valor das joias cobradas variava em até 100%, entre 10$000 e

20$000. Segundo Ronaldo Pereira de Jesus, a maioria das sociedades de ajuda mútua no

século XIX cobrava 1$000 (mil reis) de mensalidade e 20$000 de joias, embora as joias

74

variassem mais do que as mensalidades.161

Considerando o Quadro 2 parece que esses dados

também são válidos para os trinta primeiros anos do século XX na Bahia.

Além dos auxílios constantes no Quadro 2, Associação Tipográfica Baiana, mutual

fechada por ofício, oferecia auxílio médico, auxílio farmácia e jazigo para o sócio finado e sua

viúva no cemitério da Quinta dos Lázaros. Além disso, viúva e filhos solteiros teriam direito a

uma pensão no valor de 8$000 cada. A ATB oferecia, ainda, aulas de português e aritmética, e

franqueava sua biblioteca aos associados e ao público em geral. A Sociedade Beneficente dos

Açougueiros também era uma mutual de ofício fechada, ou seja, era exclusiva para

açougueiros. O diferencial do seu anúncio no jornal é que oferecia 15$000 mensais ao sócio

presidiário, auxílio pouco frequente entre as mutuais. Na realidade, o mais comum era que as

associações custeassem as despesas com honorários advocatícios enquanto não houvesse

sentença condenatória definitiva.162

A Beneficente de Santana estendia o auxílio pensão para a

viúva ou mãe do sócio extinto, porém o auxílio ao associado enfermo diminuía de 15$000

para 10$000 após seis meses de socorros. A Bolsa dos Patriotas também diminuía o valor do

auxílio aos sócios enfermos após seis meses, quando o socorro caía pela metade, de 30$000

para 15$000. A Bolsa de Caridade oferecia um jazigo no cemitério da Quinta dos Lázaros e o

valor do auxílio funeral variava de acordo com a antiguidade do associado.163

Ao se considerar apenas os aspectos econômico-financeiros das sociedades

constantes no Quadro 2, a Sociedade Bolsa de Caridade oferecia a melhor relação custo x

benefício para os seus associados. Porém, outras determinantes provavelmente influenciavam

fortemente na decisão de aderir a uma mutual como, por exemplo, o poder aquisitivo dos

trabalhadores em dada conjuntura, a credibilidade de seus dirigentes e o conceito moral dos

associados. O fato é que o ingresso de associados na Sociedade Bolsa de Caridade apresentou

grande variação ao longo do tempo como demonstrado no Gráfico 3.

161

JESUS, Ronaldo P. “Mutualismo e desenvolvimento econômico no Brasil do século XIX”. Revista OIDLES,

vol. 1, n. 1, p. 473-504, set. 2007, p. 475.

162 Claudio Batalha assinalou ser este um auxílio incomum ao citar o caso da Sociedade Protetora dos Barbeiros

e Cabeleireiros que auxiliava mensalmente os sócios presos enquanto não havia sentença de condenação.

BATALHA, Claudio H. M. “Sociedades de Trabalhadores no Rio de Janeiro do Século XIX: algumas reflexões

em torno da formação da classe operária”. Cadernos AEL. Campinas (S): IFCH/UNICAMP, v. 6, nº 10/11m, p.

41-66, 1999, p. 60.

163 A Notícia, Salvador, 30 out. 1914, p. 5. Nem o valor individual da pensão, nem o valor cobrado por diploma

foram divulgados nos anúncios do jornal. Uma vez que nos balanços anuais o valor arrecadado com os diplomas

estava alocado na rubrica “receitas eventuais” juntamente com outras arrecadações e na rubrica “pensões”

constava apenas o montante gasto no exercício com esses socorros, não foi possível deduzir o valor exato do

custo do diploma e nem o valor que cada pensionista poderia receber. Sabe-se apenas que o valor da pensão era

menor do que o socorro ao sócio enfermo. Os relatórios mencionam que após um ano na condição de enfermo o

associado passava à condição de pensionista recebendo um valor menor.

Gráfico 3 – Entradas de sócios na Sociedade Bolsa de Caridade (1875-1930).

Fontes: APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, Caixa 60. Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; BPEB, Subgerência de

Obras Raras. Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade. Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade.

38 18

9 9 10 8 12

78 97

57 30

38

45 53

65 86

56

179

88 93

64

27

38

42 33

9 11 23

19 16

24

13 16

41 39

34 42 46

71

62 52

73

59

79

38

48

41

73 70

51

28

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

200

18

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18

76

-18

77

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77

-18

80

18

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18

81

-18

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18

82

-18

83

18

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-18

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18

86

-18

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87

-18

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18

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89

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96

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00

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10

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10

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19

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14

19

14

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15

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19

16

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19

17

-19

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18

-19

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19

-19

20

19

20

-19

21

19

21

-19

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19

22

-19

23

19

23

-19

24

19

24

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19

25

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19

26

-19

27

19

27

-19

28

19

28

-19

29

19

29

-19

30

NOVOS SÓCIOS

A observação do Gráfico 3 me permitiu estabelecer alguma relação entre o aumento

da procura para ingressar na associação e os períodos de grande perturbação econômica e

social, a exemplo das graves crises ocorridas às vésperas da abolição, nas primeiras décadas

da República como consequência do “encilhamento” e da política que ficou conhecida como

“Funding Loan” ou a provocada pela Primeira Guerra Mundial. Esta última tornou-se aguda

na Bahia em fins de 1918 e culminou na greve geral que paralisou a capital baiana por 5 dias

em junho de 1919.164

Esse dado também reforça a tese de que as sociedades de ajuda mútua

foram formadas pela parcela mais qualificada dos trabalhadores – os artesãos - visto que os

operários fabris e outros setores dificilmente poderiam arcar com os custos de joias e

mensalidades, ainda mais numa conjuntura de escassez, carestia, especulação e desemprego.

De fato, marcadas por crises, as duas últimas décadas do século XIX foram palco de

desordem monetária, inflação, aumento da dívida e depreciação cambial, ou seja, o país estava

politicamente e financeiramente convulsionado. A crise generalizada entre 1889 e 1898 levou

o governo à bancarrota em 1898, quando as falências se multiplicaram e o tesouro não

conseguiu pagar nem metade de seus compromissos. Em 1891 estourou a crise do

encilhamento, responsável pela crise inflacionária que repercutiu até a virada do século XIX

para o XX. O governo brasileiro decretou moratória entre 1898 e 1900, ocasião em que

instituiu um plano de refinanciamento da dívida externa que ficou conhecido como “Funding

Loan”. Por sua vez, os preços do café vinham caindo no mercado internacional desde 1890,

mas ficou sério a partir de 1894. Em 1896 ocorreu a crise cafeeira de superprodução do café,

agravando as crises cambiais de 1891/1892.165

E foi justamente esse o período em que a

Sociedade Bolsa de Caridade registrou o ingresso do maior número de associados: entre os

exercícios de 1886-1887 e 1898-1899 a média de ingressos na Sociedade foi de 73,5 novos

sócios. Entretanto, a relação direta entre crise econômica e o aumento do número de

associados ainda carece de estudos que a confirmem, posto que variados fatores, em maior ou

menor grau, podem ter contribuído para a maior demanda para associar-se à mutual.

Contudo, apesar da possível associação entre crise econômica, social e financeira e

aumento da procura por alguma forma de proteção social, o ingresso de 179 sócios no

exercício 1896-1897 é um ponto fora da curva posto que represente mais que o dobro da

média do período. O presidente do diretório do exercício seguinte (1897-1898), o professor

164

CASTELLUCCI, Aldrin A. S. Industriais e operários baianos numa conjuntura de crise (1914-1921).

Salvador, Fieb, 2004, p. 192.

165 Sobre o assunto, cf. VILLELA, Annibal Villanova; SUZIGAN, Wilson. Política do governo e crescimento da

economia brasileira, 1889-1945. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1973; SUZIGAN, Wilson. Indústria brasileira:

origens e desenvolvimento. São Paulo: Hucitec; Campinas: Editora da Unicamp, 2000.

77

Presciliano Leal, não deixou tal disparidade passar em brancas nuvens. Em seu relatório ele

criticou a falta de rigor na admissão de sócios, alegando que a idade avançada ou o estado de

saúde precário de novos associados fatalmente comprometeriam as finanças da associação,

podendo até resultar na sua falência. Certamente preocupado com o expressivo aumento das

despesas com os benefícios aos sócios que saltaram de 6:049$000 para 8:294$000, enquanto a

contribuição regular dos sócios caiu de 9:637$500 para 8:408$000, o professor solicitou (e

obteve) o aumento de 12$000 para 20$000 no valor cobrado por joia. Os receios do professor

não eram infundados, obviamente não era prudente relaxar o rigor na observância dos

critérios exigidos pelos estatutos para a admissão de novos sócios. Por outro lado, a

flexibilização do processo de admissão de novos sócios que poderia representar um risco

maior e, portanto, um aumento nas despesas com auxílios, pode indicar um estreitamento dos

laços de solidariedade horizontal e uma maior coesão interna.

Para além da conjuntura de crise que, em maior ou menor grau, atravessou todo o

recorte temporal da presente pesquisa, possivelmente o baixo valor das mensalidades aliado à

prontidão na prestação dos socorros prometidos tenha sido determinante para a superação da

crise vivida pela associação após o rompimento com a diretoria do Arsenal de Guerra da

Bahia em 1877. Entretanto, a captação de novos associados não poderia depender ad

aeternum dos baixos valores das mensalidades sob pena de comprometer a eficácia da

prestação de socorros, perdendo potencial atrativo. Certamente esse foi o motivo que levou o

funcionário da Iluminação Pública do município, Eduardo Victoriano de Souza, presidente do

Conselho Diretório a solicitar, em 1894, o reajuste do valor da mensalidade em 100%, ou

seja, de $500 para 1$000. Para tanto a diretoria alegou que além da necessidade de acréscimo

de receita para os cofres da mutual, 10$000 de socorro ao sócio enfermo era um valor

insuficiente para atender as carências do associado enfermo. Alegou ainda ser essa a

mensalidade mais baixa entre todas as associações mutuais da cidade do Salvador. Esse

episódio deixa entrever que para além da capacidade de atrair novos associados, as lideranças

foram capazes de calcular as receitas necessárias para a manutenção da associação, inclusive

buscando preservar o princípio da autossustentação: “O Conselho Diretório dando-vos conta

do resultado desta parte da receita, a principal em toda e qualquer associação, toma a

liberdade de indicar-vos, como medida de interesse social, a elevação do valor da mensalidade

(...)”.166

166

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade do exercício de 1893 a 1894 apresentado pelo presidente da

direção Eduardo Victoriano de Souza na sessão magna do 22º aniversário em 27 de maio de 1894. Litho-

78

De fato, como veremos adiante, a contribuição dos sócios nesse exercício (1893-

1894) representava apenas 43,4% da receita da associação, ou seja, pouco menos de 60% de

suas rendas eram oriundas de outras fontes, como por exemplo, subvenção estatal

(1:000$000) e promoção de eventos para arrecadação de fundos. A associação buscava

aumentar suas receitas promovendo eventos para arrecadar fundos, os chamados “benefícios”.

Segundo balanço desse exercício social, a Bolsa de Caridade promoveu uma corrida no

Hipódromo S. Salvador que resultou em um valor líquido superior a 1:000$000 para os cofres

da instituição. Mesmo contando com subvenções estatais (1888 a 1904), que por sinal

costumavam atrasar muito, os gestores entenderam que a Sociedade precisava se capitalizar.

Ao que parece, os associados endossaram o parecer dos dirigentes, pois há indícios de que o

valor da mensalidade foi majorado conforme a proposta do Conselho Diretório. É importante

frisar que tanto as joias (20$000) quanto as mensalidades (1$000) ficaram congeladas até pelo

menos 1930.

De todo modo, em fins do século XIX a situação financeira da Sociedade Bolsa de

Caridade era bastante confortável. Nessa época, a Bolsa de Caridade não só já havia ampliado

os socorros aos sócios para além dos sepultamentos, auxiliando-os também no caso de

enfermidade (1890), como já tinha adquirido a sua própria sede (1889), além de ter construído

um mausoléu na Quinta dos Lázaros (1900). Porém, apesar do prestígio e dos evidentes sinais

de progresso, na primeira década do século XX ocorreu um decréscimo significativo no

ingresso de associados, quando a média caiu de 81 novos sócios na década anterior para

apenas 24,2. A queda abrupta de 93 novos associados em 1898-1899 para apenas 27 em 1900-

1901 sugere que o forte decréscimo no ingresso de novos sócios tenha relação direta com a

extinção do Arsenal de Guerra em 1899. Provavelmente os “artistas” e demais trabalhadores

do Arsenal de Guerra continuaram a associar-se maciçamente à Bolsa de Caridade mesmo

após esta tornar-se uma mutual aberta, em 1879. A título de exemplo cito o escrevente de 1ª

classe, Antônio Bento de Oliveira (09/05/1889), o mestre de oficinas de armas brancas,

Antonio Bento Guimarães (31/07/1884), o escrevente de segunda classe Carlos Magno da

Silva Azevedo (12/01/1897), O professor de desenho Agripino Barros (27/05/1889), o

mandador Dário José Alves (09/08/1890), o contramestre da oficina de maquinista, José

Fernandes Gonçalves Bastos (26/06/1894), o amanuense Laurentino Cherubino Ferreira Paes

(30/10/1884) e Marciano Martinho Domiense (16/10/1885), ajudante do pedagogo, todos

trabalhadores do Arsenal de Guerra da Bahia.

Typographia V. de Oliveira &C., Bahia: 1894. APEB, Seção Legislativa, Câmara dos Deputados, Ofícios

Recebidos e Expedidos (1891-1894), livro 1107. Grifos meus.

79

A queda na demanda por associações de ajuda mútua nos primeiros anos do novo

século não foi exclusividade da Bolsa de Caridade, tendo afetado diversas mutuais. Ainda

assim, no período abarcado por essa pesquisa essa associação atraiu um número de associados

por exercício muito maior do que mutuais mais antigas, a exemplo da Sociedade Monte Pio

dos Artistas (1853)167

e da Sociedade Protetora dos Desvalidos (1832)168

, ambas com muitos

associados em comum com a Bolsa de Caridade, inclusive em seus diretórios, conforme foi

visto no primeiro capítulo. Ainda de acordo com o Gráfico 3, a baixa procura para ingressar

na associação se manteve por todo o primeiro decênio do século XX e início do segundo.

Diante disso, não foi sem razão que, no relatório do exercício 1911-1912, o tipógrafo José

Prudencio Ferreira de Carvalho, presidente do Diretório, queixou-se: “Não têm correspondido

às entradas de sócios ao bom conceito que goza esta Sociedade, a qual (...) de ano a ano

aumenta o seu patrimônio”.

Todavia, pouco tempo depois, no exercício 1914-1915, o ainda presidente do

Diretório, Prudencio de Carvalho classificou como “animadora” a entrada de 34 novos

membros, e no relatório seguinte (1915-1916) festejou o ingresso de 42 novos filiados, tido

como prova do bom conceito de que gozava a mutual. No relatório do exercício 1917-1918,

animado com a admissão de mais 71 associados ele é ainda mais otimista:

Em nosso relatório anterior, ao mencionarmos a admissão de novos

associados, salientamos, com satisfação, que o aumento de entrada dos

mesmos, de ano a ano, era devido à “confiança e simpatia” que tem

conquistado esta sociedade e não nos enganamos, pois, se no exercício

passado o quadro de associados teve um aumento de mais de 46 membros,

no exercício que expira já ele se eleva a 71.

Temos o orgulho de ainda repetir que estes sócios que vão efetivando suas

entradas, o fazem sem que os animasse a isso o empenho ou injunções de

amigos, visando simplesmente o fim altruístico de nossa Sociedade.169

167

Na última década do século XIX entraram 305 sócios na Montepio dos Artistas, já nos 30 primeiros anos do

século XX a Sociedade atraiu apenas 95 associados. Nos dois períodos os números são inferiores ao da

Sociedade Bolsa de Caridade. COSTA E SILVA, Maria da Conceição Barbosa da. O Montepio dos Artistas: elo

dos trabalhadores em Salvador. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia/Fundação

Cultural/EGBA, 1998, p. 61 e 76.

168 CARMO, Emerson Cláudio Cordeiro do. “Trabalho e associativismo mutualista em Salvador: estudo centrado

na Sociedade Protetora dos Desvalidos (1874-1932)”. (Texto do Exame de Qualificação, Mestrado em História,

Universidade Estadual da Bahia, 2019).

169 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1917 a 1918, apresentado pelo presidente do

diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 27 de junho de 1918 e unanimemente

aprovado. Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, Bahia: 1918. APEB, Biblioteca Francisco

Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0601.

80

O otimismo de Prudencio de Carvalho não era sem razão. A baixa demanda do início

do século XX para ingressar na associação foi contingencial e de curta duração. Ainda que

bastante distante da expressiva média de 81 novos membros por ano registrados na última

década do século XIX, a recuperação se deu na segunda e terceira décadas do século XX,

quando a Bolsa de Caridade registrou uma média de 41,6 e 56 ingressos de sócios por

exercício social, respectivamente. Mesmo sem repetir o sucesso do século anterior, a

associação seguiu preservando a sua capacidade de autossustentação.

Contudo, apesar de a historiografia apontar certa tendência ao esvaziamento das

mutuais a partir da década de 1920, momento em que o Estado brasileiro passou a

regulamentar e aumentar o leque de proteção previdenciária para os trabalhadores urbanos, de

fato, a consolidação do sistema previdenciário estatal se deu somente por volta de 1940.170

Nas palavras de Silva Junior: “Nem o sindicalismo de resistência, tampouco a criação da

previdência estatal contribuíram de forma imediata para o fim das sociedades de socorros

mútuos”.171

No caso da Sociedade Bolsa de Caridade o processo de declínio ocorreu após o

recorte temporal desta pesquisa. Hoje a associação conta com apenas seis associados e precisa

dar um destino ao seu patrimônio social composto por três imóveis e um mausoléu no

cemitério Quinta dos Lázaros.

AS RECEITAS DA ASSOCIAÇÃO

A Sociedade Bolsa de Caridade divulgava os balancetes quadrimestrais em suas

assembleias ordinárias, sendo o balanço do exercício social e o parecer da comissão fiscal

parte integrante dos seus relatórios anuais. Esses demonstrativos contábeis ainda deveriam ser

submetidos à aprovação dos sócios por ocasião da assembleia magna comemorativa de

aniversário da associação, quando se esperava um aumento da frequência de associados.

Estatutariamente os relatórios deveriam informar ao quadro de filiados “a marcha evolutiva”

170

A Lei Eloy Chagas (1923), considerada como o marco da Previdência Social no Brasil, determinou a

obrigação de as empresas ferroviárias criarem as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs). Porém, o sistema

não era mantido pelo Estado. As CAPS eram sociedades civis, independentes do governo, mantidas pela empresa

e seus empregados. Nos anos seguintes o benefício foi estendido a outras categorias como portuários e marítimos

(1926), trabalhadores dos serviços telegráficos e radiotelegráficos (1928), empregados dos serviços de força, luz

e bondes (1930). Finalmente em 1931 o Decreto n° 20.465, de 1° de outubro de 1931, estendeu o Regime da Lei

Elói Chaves aos empregados dos demais serviços públicos concedidos ou explorados pelo Poder Público, além

de consolidar a legislação referente às Caixas de Aposentadorias e Pensões.

http://www.previdencia.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/historico/periodo-de-1888-1933/. Acesso em 7

de janeiro de 2019.

171 SILVA JUNIOR. “As sociedades de socorros mútuos”, p. 81-82.

81

da Sociedade.172

Via de regra os relatórios discorriam sobre a comemoração do aniversário da

associação no ano anterior, as principais ocorrências do período, o estado de conservação dos

imóveis e do mausoléu, listava nominalmente os novos sócios bem como os falecidos no

exercício, dava os informes sobre os assuntos relevantes que foram pauta nas reuniões do

diretório e assembleias ordinárias, e prestava contas de toda receita e despesa realizada no

período. Nos anexos era comum constar a relação nominal do seu quadro de associados e,

eventualmente, os associados que receberam os socorros e respectivos valores da SBC. Os

relatórios lidos e aprovados na assembleia continham, também, o demonstrativo de receitas e

despesas com o parecer da comissão fiscal.

Ao analisar os dados constantes nos balanços da associação procurei agrupar as

receitas e despesas de cada exercício social de modo a facilitar a compreensão do seu

movimento anual, sem entrar em pormenores contábeis que não trariam maiores benefícios

aos objetivos da presente pesquisa. Uma vez que esse capítulo busca analisar a eficiência da

gestão securitária da Bolsa de Caridade, pareceu-me importante diferenciar a receita contábil

do que denominei de receita real de cada exercício social. Tal procedimento se fez necessário

porque tanto o saldo transportado do exercício anterior quanto os resgates de aplicações

diversas e as retiradas bancárias eram lançados na coluna de Receitas do Exercício. Esse é um

recurso contábil que torna possível demonstrar a origem dos valores necessários ao custeio

das despesas e investimentos de cada instituição. Porém, como nem o saldo do exercício

anterior, nem os valores com resgates de aplicações e demais saques são receitas adquiridas

efetivamente no exercício, essas verbas acabavam por aumentar artificialmente o total da

receita anual da associação. Por essa razão, optei por analisar os balanços da associação tendo

como referência a receita real de cada exercício. Doravante usarei apenas o termo receita ou

receitas para referir-me a receita real. Dito isto, passo para a análise dos dados.

A Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de Guerra da Bahia oficialmente existiu

entre 1872 e 1879, quando da reforma dos seus estatutos. Porém, a crise entre a direção da

mutual e a administração do Arsenal aconteceu anos antes, e na prática, a associação de

auxílio mútuo já estava desvinculada do Arsenal de Guerra em fins de 1877. Enquanto foi

uma mutual exclusiva para os membros do referido Arsenal, a associação pouco dependia das

contribuições obrigatórias (joias e mensalidades) dos associados. Suas maiores receitas

provinham de subscrições. No exercício de 1875-1876, por exemplo, a entidade arrecadou

apenas 461$000 com a contribuição obrigatória dos associados e três vezes esse valor com as

172

Estatutos e Regimento Interno da Sociedade Bolsa de Caridade aprovados em sessão de 23 de março de 1892.

Bahia: Tipografia do Diário da Bahia. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.

82

subscrições (1:207$720). No exercício seguinte o valor arrecadado com as subscrições foi

quatro vezes maior do que as contribuições estatutárias dos sócios. Não ficou claro em que

consistiam essas subscrições. No balanço do exercício de 1876-1877 consta o valor de 86$000

pagos ao ex-encarregado de agenciar subscrições. A existência desse personagem me fez

acreditar que talvez essa verba fosse arrecadada junto a um público maior, inclusive entre as

autoridades civis e oficiais e diretores do Arsenal. Talvez o empenho e prestígio do diretor do

Arsenal, apoiador da mutual desde o primeiro momento, tenha sido fundamental para o

sucesso obtido com as subscrições. O fato é que em 30 de abril de 1876 a associação já

contava 4:417$000 investidos no mercado financeiro, uma evidência da importância das

subscrições para a capitalização da jovem organização. Foi somente a partir do momento em

que essa sociedade de ajuda mútua passou a aceitar trabalhadores de fora do Arsenal que as

subscrições quase que desapareceram ao passo que o peso da contribuição obrigatória dos

seus associados cresceu significativamente.

Tabela 2 – Percentagem das contribuições obrigatórias dos sócios (joias e mensalidades)

sobre as receitas (contábil e real). Sociedade Bolsa de Caridade (1875-1930).

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1875-1876 1:186$640 461$000 2:901$230 15,90% 1:714$590 26,90%

1876-1877 2:755$860 374$800 1:825$200 6:628$260 5,60% 2:047$200 18,30%

1877-1880**

3:842$840 638$900 5:000$980 12,80% 1:158$140 55,20%

1880-1881 4:676$480 275$500 5:263$860 5,20% 587$380 46,90%

1881-1882 5:015$960 292$500 5:582$700 5,20% 566$740 51,60%

1882-1883 5:582$240 314$000 6:050$860 5,20% 611$620 51,30%

1883-1884 5:964$080 363$500 6:645$720 5,50% 681$640 53,30%

1885-1886 6:902$780 1:164$500 8:420$340 13,80% 1:517$560 76,70%

1886-1887 7:622$620 1:731$500 11:147$270 15,50% 3:554$650 48,70%

1887-1888 8:854$290 1:937$500 12:014$113 16,10% 2:252$650 86,00%

1888-1889 11:042$453 1:889$100 14:563$420 13,00% 3:520$967 53,60%

1889-1890 9:462$446 1:993$500 13:513$643 14,70% 4:051$197 49,20%

1890-1891 12:584$043 2:190$500 16:837$447 13,00% 4:253$404 51,50%

83

Fontes: APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, Caixa 60. Relatórios da

Sociedade Bolsa de Caridade; BPEB, Subgerência de Obras Raras; Arquivo Particular da

Sociedade Bolsa de Caridade. Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade.

* A partir do exercício 1892-1893 o saldo anterior é apenas o saldo em caixa. Antes disso o

saldo estava em diversas verbas, a maior parte em aplicações em bancos e caixas.

** Notar que esse exercício, excepcionalmente, corresponde a um período de 2,5 anos.

1891-1892 15:365$967 2:419$500 19:787$670 12,20% 4:421$703 54,70%

1892-1893 417$127 2:845$000 4:200$000 9:773$386 29,10% 5:156$259 55,20%

1893-1894 762$027 3:263$000 8:279$272 39,40% 7:517$245 43,40%

1896-1897 499$040 9:637$500 1:000$000 15:522$686 62,10% 14:023$646 68,70%

1897-1898 412$222 8:408$000 12:293$961 65,00% 12:511$739 67,20%

1898-1899 1:342$478 7:810$000 13:403$487 58,30% 12:061$329 64,70%

1899-1900 9$910 6:652$000 11:021$010 22:269$321 29,90% 11:238$401 59,20%

1900-1901 578$466 6:568$000 20:600$000 30:032$432 21,90% 8:853$966 74,20%

1901-1902 284$188 6:502$000 10:181$156 63,90% 9:896$968 65,70%

1902-1903 663$838 7:312$000 10:883$627 67,20% 10:219$789 71,50%

1903-1904 871$217 6:355$000 10:033$729 63,30% 9:162$512 69,30%

1904-1905 614$576 6:073$000 800$000 9:863$032 61,60% 8:448$456 71,90%

1905-1906 732$206 5:202$000 9:940$000 27:339$942 19,00% 16:667$736 31,20%

1906-1907 708$076 5:020$000 9:035$780 55,50% 8:327$704 60,30%

1907-1908 817$156 4:751$000 500$000 9:634$601 49,30% 8:317$445 57,10%

1908-1909 620$966 4:472$000 3:000$000 10:868$116 41,10% 7:247$150 61,70%

1909-1910 914$385 4:857$000 3:885$000 13:601$520 35,70% 8:802$135 55,20%

1910-1911 823$133 4:486$000 5:654$300 13:909$431 32,20% 7:431$998 60,40%

1911-1912 1:501$062 4:424$000 11:092$000 20:657$216 21,40% 8:064$154 54,90%

1912-1913 1:164$619 4:972$000 7:446$000 17:570$688 28,30% 8:958$469 55,50%

1913-1914 1:505$479 5:521$000 33:839$000 44:865$022 12,30% 9:520$543 58,00%

1914-1915 2:970$439 4:724$000 3:458$400 14:336$600 32,70% 7:907$761 59,70%

1915-1916 1:867$464 4:965$000 4:000$000 15:816$407 31,30% 9:948$943 49,90%

1916-1917 1:928$249 4:654$000 11:813$621 39,40% 9:885$372 47,10%

1917-1918 2:774$664 5:578$000 13:712$256 42,80% 10:937$592 51,00%

1918-1919 2:801$134 6:257$000 15:116$542 41,40% 12:315$408 50,80%

1919-1920 3:241$947 5:583$000 16:108$330 34,70% 12:866$383 43,40%

1920-1921 2:647$274 7:434$000 18:901$949 39,30% 16:254$675 39,30%

1921-1922 2:410$974 7:180$000 22:677$689 31,70% 12:546$815 57,20%

1922-1923 1:459$664 7:755$000 30:186$284 25,70% 15:076$620 51,40%

1923-1924 594$414 6:916$000 14:400$000 28:280$734 24,40% 13:286$320 52,00%

1924-1925 1:191$164 7:953$000 28:900$000 44:018$054 18,00% 13:926$890 57,10%

1925-1926 2:294$104 7:589$000 20:010$000 33:173$514 21,00% 13:869$410 54,80%

1927-1928 1:397$824 8:169$000 1:365$000 16:421$484 49,70% 13:658$660 59,80%

1928-1929 2:351$789 9:184$000 16:323$789 56,20% 13:972$000 65,70%

1928-1929 4:030$349 7:953$000 21:510$500 40:621$849 20,10% 15:081$000 52,70%

1929-1930 3:548$203 7:758$000 15:456$635 37:000$000 21,00% 17:995$162 43,10%

84

A observação da Tabela 2 permite verificar que entre os exercícios de 1877-1880 e

1883-1884 a Sociedade Bolsa de Caridade registrou uma queda sensível em suas receitas.

Durante esse período a arrecadação anual da Sociedade foi três vezes menor que a receita do

exercício de 1876-1877. Foram sete anos de grave crise no seio da associação até o exercício

de 1885-1886, quando então teve início uma surpreendente recuperação de suas receitas e a

mutual angariou 1:517$560. Apesar dessa quantia ainda ter sido inferior à receita arrecadada

no período anterior ao início da crise (1876-1877), nada menos do que 76,7% dos recursos

levantados na nova fase tiveram origem na contribuição obrigatória dos associados da

entidade. Isso pode sugerir que começava a surgir uma consciência entre os trabalhadores de

que a autonomia da associação só seria alcançada por meio do autofinanciamento, elemento

determinante para o seu sucesso. No exercício social seguinte (1886-1887), o crescimento em

números absolutos de suas receitas demonstrou que a crise que se abatera sobre a mutual fora

completamente superada. Poder-se-ia mesmo dizer que a associação cresceu com a crise. Mas

afinal, quais foram as razões dessa crise?

Como já foi explicado no capítulo anterior, houve uma “desinteligência” entre alguns

membros da associação de ajuda mútua e a diretoria do Arsenal de Guerra da Bahia. O motivo

da desavença foi uma loteria (bilhetes de rifas) extraoficial que alguns membros da mutual

estavam vendendo em benefício da organização. Embora essa rifa não tenha sido oficialmente

autorizada pela Sociedade Bolsa de Caridade, seus diretores tinham conhecimento dela. De

modo que alguns associados, e mesmo alguns membros da diretoria, foram denunciados

conforme noticiado no jornal O Monitor em 15 de julho de 1877:

REMESSA DE PROCESSO - No dia 11 do corrente foi remetido pelo Dr.

Delegado do 1º distrito ao Dr. juiz de Direito do 2.º distrito criminal o

processo contra alguns empregados do Arsenal de Guerra que autorizaram e

venderam bilhetes de rifas em benefício da Sociedade Bolsa de Caridade, do

mesmo Arsenal.173

Ao tomar conhecimento do processo envolvendo o nome do Arsenal de Guerra da

Bahia, o diretor geral da instituição expulsou a associação de ajuda mútua das dependências

do Arsenal, retirando-lhe todo o apoio: (...) tomou o cofre que nos servia a deitar para fora do

estabelecimento dizendo que não queria mais ladroeiras e nem Bolsa de Caridade (...).174

A

173

O Monitor, Salvador, 15 jul. 1877, p. 1.

174 SOUZA, Sociedade Bolsa de Caridade, p. 6. A autora aponta o ano de 1875 como o momento da ruptura

entre a Sociedade Bolsa de Caridade e o Arsenal de Guerra. Porém, os dados de minha pesquisa indicam o ano

de 1877. Foi somente a partir de 1877 que a correspondência da associação para o Presidente da Província

85

associação perdeu título e sede e passou a funcionar provisoriamente na casa de alguns sócios.

Esse incidente resultou nos Estatutos Reformados de 1879, ocasião em que a associação não

somente passou a ser uma mutual aberta, ou seja, acolhia “artistas” de fora do Arsenal de

Guerra, como também modificou a sua denominação para Sociedade Bolsa de Caridade. Essa

ruptura deve ter desorganizado sobremaneira a associação de ajuda mútua posto que o balanço

subsequente ao rompimento foi trienal ao invés de anual como de praxe. Nesse triênio apenas

9 novos sócios ingressaram na associação, ou seja, uma média de 3 por ano, bem abaixo do

que vinha ocorrendo até então. Essa crise durou cerca de sete anos, ao fim dos quais a

associação voltou a atrair elevada quantidade de sócios, no exercício 1885-1886. A partir daí

a média da relação entre a contribuição dos associados e a receita por exercício social foi de

56,7%.

Contudo, se a média percentual entre joias e mensalidades e a receita se manteve

relativamente constante, o mesmo não ocorreu com a arrecadação em números absolutos.

Como pode ser observado na Tabela 2, nos últimos anos do século XIX a contribuição

obrigatória dos sócios registrou valores elevados. No exercício 1896-1897 o valor das joias e

mensalidades alcançou 9:937$500, cifra não superada até pelo menos 1930. Entre 1907 e

1917 os valores arrecadados com joias e mensalidades ficaram abaixo dos 5:000$000 anuais,

com exceção do exercício 1913-1914. Na terceira década do século XX esses valores

voltaram a crescer, porém, sem alcançar a arrecadação de 30 anos antes. Se for levado em

conta que estou trabalhando com valores nominais, portanto sem correção monetária, ficam

patentes os limites da capacidade de assegurar proteção social por parte da associação. Em

outras palavras, as receitas da associação puderam garantir a manutenção da seguridade social

aos associados apenas porque os valores pagos permaneceram os mesmos por mais de 30

anos, como veremos adiante.

AUTOFINANCIAMENTO E AUTONOMIA

O percentual das joias e mensalidades sobre o total de receitas do exercício é um

indicador da capacidade de autofinanciamento da associação, e consequentemente do seu grau

de autonomia. O Gráfico 4 permite acompanhar as oscilações percentuais das contribuições

obrigatórias dos sócios durante 55 anos.

passou a ser enviada diretamente pelo Conselho Diretório da Sociedade Bolsa de Caridade, deixando de ser feita

pela diretoria do Arsenal como rezava o Art. 5.º dos Estatutos de 1872 e era usual até essa data.

Gráfico 4 – Distribuição das receitas da Sociedade Bolsa de Caridade (1875-1930)

Fontes: APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, Caixa 60. Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; BPEB, Subgerência de

Obras Raras, Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade. Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade.

* Os dados do exercício 1877-1880 correspondem a um período de 30 meses. Excepcionalmente não houve relatório anual no período, devido à

crise já comentada acima.

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30

RECEITAS POR EXERCÍCIO

% CONTRIB. SÓCIOS/RECEITA REAL % DIVERSAS % RENDIMENTOS

A observação do Gráfico 4 demonstra o quanto as receitas oriundas da contribuição

obrigatória dos sócios ganharam importância após a abertura da mutual. As oscilações nos

índices de autossustentabilidade podem ser creditadas às amplas transformações econômicas e

sociais ocorridas no extenso período analisado, cujas consequências afetaram, sobretudo, os

trabalhadores, principais vítimas da especulação, do desemprego e da alta generalizada dos

preços. Ainda assim, as contribuições dos associados foram relativamente estáveis, apesar dos

altos índices de inadimplência. A média de mensalidades e joias girou em torno de 54% da

composição das receitas, um forte indicativo da capacidade de autofinanciamento da mutual.

Junte-se a isso o fato de que a segunda verba mais expressiva era oriunda de rendimentos da

eficaz aplicação do excedente de suas receitas. A rubrica “rendimentos” corresponde a renda

obtida com aluguéis, mausoléu e juros de aplicações no mercado financeiro, ou seja, verba da

associação que era gerenciada pelos próprios associados, por meio do seu corpo diretivo.

A rubrica “receitas diversas” (em laranja no Gráfico 4) corresponde às verbas

advindas de subvenções, subscrições, diplomas, benefícios, demais doações e outras verbas

eventuais. Tais receitas foram expressivas apenas enquanto a associação ainda era uma mutual

exclusiva para os trabalhadores do Arsenal de Guerra da Bahia quando as arrecadações com

as subscrições compunham cerca de 70% da sua receita anual. Após tornar-se uma mutual

aberta essas receitas foram quase sempre inexpressivas, tendo alguma importância apenas nos

exercícios compreendidos entre 1888 e 1900 devido à subvenção estatal anual de 1:000$000,

aumentada para 2:000$000 em 1896. Entre junho de 1900 e junho de 1904 a associação não

recebeu qualquer valor referente as subvenções a que tinha direito. Finalmente, em 1905, o

Estado suspendeu oficialmente tal subvenção, porém pagou os 8:166$670 referentes aos

valores atrasados.175

Esse valor fez crescer consideravelmente a rubrica “receitas diversas”

elevando sua participação no total arrecadado para 49,7% no exercício 1905-1906. Afora

essas exceções tais verbas giravam em torno de 1,5% das receitas anuais.

O exame pormenorizado dos números constantes nos demonstrativos de receitas da

Sociedade Bolsa de Caridade atesta a eficácia dos trabalhadores na gestão dos seus recursos,

bem como a capacidade de autofinanciamento da mutual, fator indicador de sua relativa

autonomia frente ao Estado, às autoridades e aos patrões.

175

A Sociedade Bolsa de Caridade recebeu subvenção do Estado da Bahia entre 1889 e 1904. Esses valores eram

pagos de forma muito irregular e muitas vezes não eram recebidos integralmente. Os valores da subvenção

correspondentes aos meses de dezembro de 1894 e de outubro a dezembro de 1900 jamais foram pagos e constou

durante muitos anos na Dívida Ativa da associação.

88

A INADIMPLENCIA

A inadimplência foi objeto de preocupação de quase todos os dirigentes da Sociedade

Bolsa de Caridade. Ainda em 1889 a associação usou a imprensa para convidar seus membros

a quitarem os seus débitos, evitando assim as penalidades previstas nos Estatutos.176

No

relatório anual do exercício 1901-1902, Antônio Borges Nogueira, funcionário público e

presidente do diretório, acusou os sócios inadimplentes de esperteza e solicitou a Assembleia

Geral que fosse possível eliminar os sócios com mais de 3 anos de atraso, bastando que estes

declarassem verbalmente aos cobradores não terem interesse em continuar na associação. De

início o sócio que devesse um ano de mensalidade poderia ser eliminado, porém, os estatutos

de 1900 não previam mais essa punição, ficando os associados apenas suspensos dos seus

direitos. Por isso, a solicitação de Antônio Borges Nogueira não foi atendida. Vale a pena ler

um trecho de sua fala:

Conheço perfeitamente que a crise atual tem sensivelmente atingido a todas

as classes sociais, mas me parece que não é isto o principal motivo desse

retraimento, pois que a contribuição é módica e não é raro encontrar-se sócio

atrasado que pague oito a dez mensalidades de uma só vez quando adoece,

para no fim dos trinta dias usufruir as regalias que oferece a nossa lei

social”.177

Em 1903 o comerciário Euthymio da Cruz Baptista, então presidente do Conselho

Diretório, sugeriu que fossem perdoadas ou eliminadas todas as dívidas de mensalidades até

1º de janeiro de 1900 alegando que o número de sócios com mais de 9 anos em atraso com as

mensalidades era muito grande.178

No exercício 1904-1905 foi oferecido indulto aos

devedores de mais de um ano de mensalidades. Nada menos que 53 sócios efetivos e 4

adjuntas aproveitaram a oportunidade para reestabelecerem o direito aos benefícios sociais

pagando apenas 10$000 ou 20$000, conforme o caso.179

176

Diário de Notícias, Salvador, 8 maio 1889, p. 3.

177 RELATÓRIO do exercício de 1901 a 1902 apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade

pelo presidente do diretório Antonio Borges Nogueira em 15 de junho de 1902. Bahia: Tipografia Gutenberg.

Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade, p. 6.

178 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1902 a 1903 apresentado pelo presidente do

diretório capitão Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna comemorativa do 31º aniversário em 14 de julho

de 1903. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1903, p. 6. BPEB, Diretoria de Bibliotecas

Públicas, Subgerencia de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 30993.

179 RELATÓRIO do exercício de 1904 a 1905 apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade

pelo presidente do diretório Herculano Brittes Guimarães na sessão magna do 33º aniversário em 9 de julho de

1905. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, p. 8. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.

89

O Capitão Herculano Brittes Guimarães, presidente do diretório no exercício 1904-

1905, buscou sensibilizar os associados para a importância de manter-se no gozo dos direitos

sociais: “(...) com um diminuto capital acautela-se o futuro contra as misérias da enfermidade,

da indigência e da fome”. Parece que sua estratégia era tentar reduzir a inadimplência por

meio da conscientização dos associados. Para tanto ele ressaltou as vantagens oferecidas pela

associação citando alguns exemplos: “Ignácio Manoel de Sant´Anna, contribuiu para o cofre

social com 41$000, no entretanto recebeu de socorros Rs 1:215$000”.180

Contudo, os sócios a

quem esse discurso deveria atingir não frequentavam as reuniões ou festividades da

associação e seu apelo não surtiu efeito.

A nova gestão (1905-1906) tentou minorar o elevado índice de inadimplência de

forma mais justa com os sócios antigos que pagavam pontualmente suas mensalidades. Para

tanto o corpo diretivo apresentou, e aprovou por unanimidade, projeto de lei em que os sócios

com mais de dois anos de atraso nas mensalidades poderiam saldar todo o débito com a

quantia de 20$000, pagos em prestações mensais. Por essa mesma proposta o sócio com 20

anos sem usufruir de qualquer auxílio da associação seria elevado a remido, categoria criada

nesta ocasião, e se junto a isso já tivesse prestado serviços no corpo diretivo da associação

seria elevado à categoria de sócio benemérito. Para justificar a proposição o relator apresentou

a média de pagantes entre 1901 e 1906 – apenas 483, um número alto em termos absolutos,

mas pequeno em relação ao total de membros da entidade. Em 30 de abril de 1906 a

Sociedade Bolsa de Caridade contava com 1.023 associados e apenas 412 pagantes. Portanto,

pode-se considerar que a inadimplência orbitava em torno de 60%, ou seja, havia mais

devedores do que sócios com as contribuições em dia. “Fazendo-se um estudo do movimento

da conta de mensalidades desta Sociedade, verifica-se que, apesar do grande número de sócios

existentes, não atinge a 500 o número de associados que têm pagado as suas mensalidades,

neste sexenio decorrido do novo século”.181

Contudo, tal medida não foi suficiente para resolver a questão da inadimplência entre

os associados da mutual. Em 1912 apenas 408 de um total de 1.018 sócios pagavam suas

mensalidades no prazo. Na verdade, como afirmou o tipógrafo Prudencio de Carvalho,

180

RELATÓRIO do exercício de 1905 a 1906 apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade

pelo presidente do diretório Herculano Brittes Guimarães na sessão magna do 34º aniversário em 8 de julho de

1906. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, p. 5-6. Arquivo da Sociedade Bolsa de

Caridade.

181 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1906 a 1907 apresentado pelo presidente do

diretório capitão Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna comemorativa do 35º aniversário em 21 de julho

de 1907. Bahia: Typ. e Encadernação do Lyceu de Artes e Offícios, 1907, p. 7-8. BPEB, Diretoria de Bibliotecas

Públicas, Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 30993.

90

presidente do Diretório, não era possível precisar o débito dos sócios em atraso porque não

era extraída a lista de devedores, sendo o valor das mensalidades em atraso meras estimativas.

Ainda assim é confiável supor que a inadimplência continuou na casa dos 60%. Para enfrentar

essa questão a diretoria propôs mais do mesmo, ou seja, medida semelhante à de 1906:

Dos 1018 sócios apenas 408 pagam regularmente as mensalidades. Dos

outros 610 sócios a Sociedade não sabe o destino, nem ao menos se ainda

vivem. Para que não fique um total de quadro fictício a diretoria propôs à

assembleia o seguinte:

O art. 18 dos Estatutos dá a faculdade ao associado em débito superior a 6

anos de quitar com a importância de 60$000 pagas em prestações mensais no

prazo de 90 dias. A proposta é estender o prazo para um ano com prestações

de 6$000 mensais o que dará o total de 60$000 de sua reabilitação e 12$000

das mensalidades vencidas.

Os sócios que não saldarem suas dívidas terão seus nomes inscritos em um

livro especial, não mais entrando no cálculo de mensalidades em débito, nem

inscrevendo os seus nomes nos relatórios.182

Não foi possível saber se a medida foi aprovada. O certo é que não houve a retirada do

nome dos inadimplentes da lista geral de sócios e muito menos diminuição no índice de

inadimplência. Pelo contrário, esse índice aumentou, ainda que a SBC continuasse confiável

aos olhos da sociedade e solvente do ponto de vista financeiro. Em 1916 existiam 405 sócios

com direitos aos auxílios da mutual, sendo 350 contribuintes e 55 remidos. Portanto, para um

total de 1.103 sócios vivos inscritos na associação apenas 31,7% pagavam as mensalidades

pontualmente. Os relatórios seguintes não trataram mais dos índices de inadimplência,

limitando-se a fazer constar na Dívida Ativa o valor fixo de 28:000$000 referente às

mensalidades em atraso. No balanço do exercício de 1926-1927 as mensalidades em atraso

deixaram de constar na Dívida Ativa e, portanto, não integravam mais o Fundo Social da

mutual, medida que deixava transparecer o real estado de saúde financeira da organização.

Seja como for, o alto índice de inadimplência parecia ser comum nas sociedades de

auxílio mútuo de trabalhadores. A União Philantropica dos Artistas, por exemplo, possuía 972

sócios em 1898, mas apenas 600 estavam com suas mensalidades em dia.183

Na Sociedade

Bolsa dos Patriotas, dos 171 associados apenas 75 estavam em dias com as mensalidades em

182

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1911 a 1912 apresentado pelo presidente do

diretório J. Prudencio F. de Carvalho em sessão magna comemorativa do 40º aniversário em 30 de junho de

1912. Bahia: Typ. e Encadernação do Lyceu de Artes e Offícios, 1912, p. 7. BPEB, Diretoria de Bibliotecas

Públicas, Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 30993.

183 RELATÓRIO da Sociedade Beneficente União Philantropica dos Artistas apresentado à assembleia geral em

reunião de 8 de junho de 1898 pelo presidente da Direção Terencio Aranha Dantas. Bahia: Imprensa Moderna de

Prudencio de Carvalho, 1898, p. 10.

91

dezembro de 1906 e, em 1921, havia apenas 140 pagantes entre os 377 associados.184

Silva

Júnior, ao discorrer sobre a Beneficência Porto-Alegrense, afirmou que as pesquisas

apontavam para uma quitação muita irregular das mensalidades sendo provável que essa fosse

uma realidade comum a diversas associações de ajuda mútua de trabalhadores.185

Enfim, o alto índice de inadimplência da Sociedade Bolsa de Caridade não parece ter

comprometido suas finanças, afinal o sócio em atraso perdia o direito aos benefícios sociais e

a mutual gozou de boa saúde financeira durante grande parte do período pesquisado. Porém,

esse avultado índice de devedores comprometia o valor real do Fundo Social posto que as

mensalidades em atraso, que certamente não seriam pagas, constavam na rubrica “Dívida

Ativa”, elevando artificialmente seu patrimônio. Apesar de parecer apenas um detalhe

contábil não se pode esquecer que as associações de ajuda mútua costumavam publicar na

imprensa o valor do Fundo Social, como foi visto no início deste capítulo.

Talvez esse alto índice de inadimplência comprometesse também a percepção do

tamanho e força real da associação. Isso porque os associados cujos débitos remontavam há

dois anos ou mais, dificilmente voltavam a contribuir com a entidade, apesar de não perderem

a qualidade de associados. Então a associação tinha uma gama de sócios que não estava em

gozo dos direitos e não frequentava os eventos sociais, posto que fosse considerada como

“sócios em atraso”. Nesta condição eles não podiam ingressar como novo associado.186

Para a

quase totalidade dos devedores a dívida de mensalidades acumuladas por muitos meses era

impagável. A título de hipótese (não investigada nessa pesquisa) acredito que esses

trabalhadores, assim que readquiriam alguma estabilidade financeira, procuravam a proteção

social de outra mutual, uma vez que não tinham como saldar a dívida com a Sociedade Bolsa

de Caridade. Possivelmente a própria SBC deve ter recebido novos sócios vindos de outras

associações de auxílio-mútuo deixadas para trás por incapacidade de pagamento dos passivos

oriundos de momentos de dificuldades. Por conseguinte, a inadimplência seria uma das razões

do elevado número de membros da Bolsa de Caridade também constarem no quadro de

184

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado e aprovado em sessão de 31 de

janeiro de 1907, pelo presidente do Conselho Diretório Major Herculano Brittes Guimarães, exercício de 1905 a

1906. Bahia: Tipografia e Encadernação Liceu de Artes e Ofícios, 1906. RELATÓRIO da Sociedade

Beneficente Bolsa dos Patriotas para o exercício social 1921 a 1922, apresentado pelo presidente do Diretório

Joaquim da Costa Doria, em sessão da Assembleia Gera de 29 de dezembro de 1922, e na mesma aprovado.

Bahia, Tipografia e Encadernação Liceu de Artes e Ofícios, 1922.

185

SILVA JÚNIOR. “As sociedades de socorros mútuos”, p. 123.

186 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1906 a 1907 apresentado pelo presidente do

diretório capitão Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna comemorativa do 35º aniversário em 21 de julho

de 1907. Bahia: Typ. e Encadernação do Lyceu de Artes e Offícios, 1907, p. 7. BPEB, Diretoria de Bibliotecas

Públicas, Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 30993.

92

associados de outras mutuais. Esse dado ajuda a explicar o fato de muitos associados

falecerem “sem direitos”, posto que diversas sociedades de ajuda mútua não se davam ao

trabalho de eliminar os inadimplentes, seja por falta de estrutura, seja por falta de previsão

dos Estatutos.

AS DESPESAS DIRETAS COM OS SOCORROS AOS SÓCIOS

Até 1890 a Sociedade Bolsa de Caridade socorria os associados apenas com o auxílio

funeral. Mas, em sessão extraordinária de 23 de abril de 1890, o requerimento para socorro

dos enfermos no valor de 10$000 mensais foi aprovado por unanimidade, vigorando a partir

de maio de 1890. Esse auxílio era apenas para os sócios com enfermidades que os

impossibilitassem de trabalhar. O impacto dos socorros nas finanças da Sociedade estava

diretamente relacionado à condição de saúde dos sócios visto que os auxílios se davam em

função de doença incapacitante ou em caso de morte. Apesar da oscilação anual na demanda

por socorros é possível afirmar que houve uma significativa redução no valor real dos

socorros pagos aos sócios. É o que indica a média percentual de gastos despendidos com

auxílios aos sócios em relação às despesas: 68% no decênio1891-1900; 71% em 1901-1910;

63% em 1911-1920 e 50% em 1921-1930. A queda percentual nos dois últimos decênios pode

ser atribuída ao congelamento no valor dos benefícios pagos aos sócios, ao passo que as

despesas com a manutenção da associação continuavam a crescer, acompanhando a inflação.

Entre esses estavam os custos com material de expediente, anúncios em jornais, celebração do

aniversário da instituição, taxas e impostos, impressão de relatórios, estatutos e balanços,

seguro dos prédios, celebração de missas, manutenção do mausoléu e imóveis, entre outros.

Assim, a redução dos benefícios pagos aos sócios em relação ao total de despesas da

associação indica um enfraquecimento paulatino do seu fundamento: os socorros

previdenciários.187

Também é interessante verificar o peso do montante pago aos sócios tanto sobre a

receita total quanto sobre as mensalidades e joias. Para tanto, o Gráfico 5 proporciona uma

visão panorâmica dessa relação.

187

Naturalmente, em caso de grande gasto com compra, reforma ou construção de imóvel/mausoléu ou com

compra de “Benefícios” o percentual dos socorros aos sócios tendia a cair. Porém, tais gastos eram eventuais e

revertiam em forma de lucro ou aumento do valor do patrimônio da mutual e podem ser consideradas mais como

investimentos do que como despesas. Eram conhecidos como “benefícios” as rendas obtidas com eventos que

revertessem em benefício da agremiação. Era comum que as associações investissem em programação cultural

com o objetivo de angariar fundos em benefício da Sociedade. A associação podia promover baile, corrida de

cavalos ou espetáculo de teatro ou loterias. Estas últimas dependiam de autorização do Poder Público.

Gráfico 5 – Percentagem das receitas e das contribuições obrigatórias gastas com socorros aos sócios da SBC (1875-1930).

Fontes: APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, Caixa 60. Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; BPEB, Subgerência de

Obras Raras, Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; Arquivo Particular da Sociedade Bolsa de Caridade. Relatórios da Sociedade Bolsa de

Caridade.

0,00%

20,00%

40,00%

60,00%

80,00%

100,00%

120,00%

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19

29

-19

30

PESO DOS SOCORROS AOS SÓCIOS SOBRE AS RECEITAS

% AUXÍLIOS/CONTRIBUIÇÃO DOS SÓCIOS % AUXÍLIOS SOBRE RECEITA REAL

O Gráfico 5 permite verificar em que medida as contribuições obrigatórias dos

associados supriam os gastos com os socorros e, também, qual o percentual destes gastos

sobre a receita anual. Como já relatado, até 1890 o único auxílio oferecido pela sociedade era

o sepultamento dos sócios. Por isso o peso desse socorro comprometia menos de 40% das

receitas oriundas de joias e mensalidades. A exceção foi o exercício de 1880-1881, quando a

morte de apenas dois associados consumiu 75,6% da contribuição obrigatória dos sócios. No

médio prazo esse dispêndio não teve maior significação porque foi pontual e, pouco tempo

depois, não houve despesa com socorros aos associados por dois exercícios seguidos (1882-

1883 e 1883-1884). Desse modo, a média das contribuições obrigatórias dos sócios gasta em

auxílio funeral entre 1875 e 1890 foi de apenas 27%.

A partir de 1890, com a ampliação dos socorros para acudir aos enfermos e aos

comprovadamente indigentes, a despesa com os auxílios passou a comprometer a quase

totalidade das contribuições obrigatórias dos sócios, sem jamais ultrapassar a receita do

exercício, como pode ser observado no Gráfico 5. Apesar disso, apenas em cinco exercícios

sociais os gastos com os benefícios previdenciários foram maiores do que a arrecadação de

joias e mensalidades. Foi o que aconteceu no exercício 1903-1904 quando Herculano Brittes

Guimarães, presidente do Conselho Diretório, reclamou que “as despesas com socorros e

pensões tem sido maior do que a verba de mensalidades, só nesse semestre foram 12

enterros”.188

Lamentou ainda que em um momento de grave crise financeira no país a

associação estivesse há 4 anos sem receber as subvenções estatais a que fazia jus. Em função

disso solicitou a Assembleia Geral para fazer retiradas do Fundo Social com a finalidade

exclusiva de honrar as despesas com socorros, enterramentos e pensões. Seu requerimento foi

aprovado, porém não foi preciso fazer uso do Fundo Social naquele momento.

Porém, no exercício seguinte a crise na associação pareceu se agravar e, como não

foi possível incrementar as receitas da organização, a solução encontrada foi reduzir as

despesas. Desse modo, os sócios viram seus benefícios minguarem. A resolução de 10 de

novembro de 1904 reduziu de um ano para seis meses os socorros aos enfermos. Após um

semestre o sócio enfermo passaria a condição de pensionista, o que significava receber apenas

metade do valor pago ao sócio enfermo. Mas não foi só isso. Os socorros e pensões foram

reduzidos a duas terças partes. A resolução de 30 de novembro de 1905 prorrogou “até o fim

188

RELATÓRIO do exercício de 1904 a 1905 apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade

pelo presidente do diretório Herculano Brittes Guimarães na sessão magna do 33º aniversário em 9 de julho de

1905. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1905, p. 10. Arquivo da Sociedade Bolsa de

Caridade.

95

da crise” as medidas tomadas pela resolução anterior. Assim, se antes os enfermos recebiam

30$000 mensais, passaram a receber apenas 20$000 e os pensionistas que anteriormente

recebiam 15$000 passaram a receber apenas 10$000.189

Porém, no relatório referente ao

exercício 1905-1906 os valores pagos já haviam voltado ao patamar anterior a crise, ou seja a

novembro de 1904.

Entretanto, o Estatuto aprovado em março de 1909 diminuiu o valor e os prazos dos

socorros, embora tenha aumentado o valor do auxílio funeral de acordo com a antiguidade do

sócio. O novo Estatuto manteve o valor pago ao sócio enfermo em 30$000 se a enfermidade

não ultrapasse três meses; mantido o socorro por mais de três meses o valor do auxílio cairia

para 20$000. Após seis meses recebendo auxílio enfermidade o associado seria considerado

pensionista. O associado poderia receber a título de pensão a quantia mensal de 10$000. Teria

direito a receber pensão aquele associado que “por defeito físico, decrepitude ou provada

indigência, achar-se privado de qualquer trabalho”.190

Já o auxílio funeral foi majorado para

150$000 para os que contassem mais de 10 anos de associado sem nunca ter obtido quaisquer

socorros da Sociedade, e para 200$000 para os que tivessem mais de 20 anos na casa, também

sem usufruir de benefícios. O contingenciamento imposto por esse Estatuto era patente posto

que reduzisse em 1/3 o valor da pensão e, no caso do socorro ultrapassar 3 meses, também o

auxílio para o sócio enfermo sofria a mesma redução. Já o aumento no valor do auxílio

funeral era restrito aos associados com mais de 10 anos ou 20 anos de contribuição e, somente

se, este jamais tivesse requerido quaisquer benefícios a que fazia jus.

Ainda assim no exercício 1914-1915 as despesas com os benéficos superaram as

receitas oriundas de joias e mensalidades. O déficit do período no valor de 4:402$454 foi

coberto com o saldo do exercício anterior e retiradas do fundo capitalizado. O Conselho

Fiscal da mutual atribuiu a diminuição do Fundo Social à crise econômica que fez decrescer a

receita e aumentar a despesa. Entretanto, é importante salientar que o déficit do exercício

correspondeu ao valor gasto na reforma da antiga sede social da associação no mesmo

período, portanto os valores dos benefícios não ultrapassaram a receita anual. Assim, apesar

desse desequilíbrio momentâneo no balanço da mutual, sua situação financeira continuava

confortável. Basta lembrar que pouco tempo antes, em 1913, a Sociedade havia adquirido

189

RELATÓRIO do exercício de 1905 a 1906 apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade

pelo presidente do diretório Herculano Brittes Guimarães na sessão magna do 34º aniversário em 8 de julho de

1906. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1906, p. 8. Arquivo da Sociedade Bolsa de

Caridade.

190 ESTATUTOS da Sociedade Bolsa de Caridade aprovados em sessão da Assembleia Geral de 24 de março de

1909. Bahia: Typographia e Encadernação do Lyceu de Artes. Prudencio de Carvalho, diretor, 1909, p 8-9.

96

uma nova sede social, um sobrado com loja, andar superior e sótão, com vista para o mar,

contendo 18 cômodos e ainda quintal, situado à Rua do Carmo, n. 42, no bairro do Santo

Antônio, uma área relativamente valorizada da cidade, e que em 1915, ou seja, no exercício

seguinte ao deficitário, emprestou 3:500$000 à coirmã Sociedade Bolsa dos Patriotas.

Portanto, apesar dos socorros aos filiados comprometerem a maior parte das joias e

mensalidades, e da alta inadimplência, o constante ingresso de novos sócios aliado à

diversificação da aplicação dos recursos e ao controle rigoroso na concessão dos auxílios,

proporcionou um grau de autonomia a associação que lhe permitiu prescindir das subvenções

estatais e garantir os benefícios assistenciais aos sócios. As direções não descuidaram da

árdua tarefa de manter o equilíbrio econômico-financeiro da Sociedade, ainda que fosse

preciso descumprir eventual deliberação da Assembleia Geral. Foi o que aconteceu na

administração do exercício social de 1928-1929, quando o conselho diretório deliberadamente

deixou de elaborar um projeto de reforma dos estatutos que onerava os gastos com socorros

aos enfermos alegando risco à própria manutenção da associação, como se depreende da fala

do seu presidente, o carapina Florencio da Silva Friandes:

(...) devemos continuar a seguir a passos lentos e quando tivermos de tratar

da reforma dos nossos Estatutos devemos ter em mente que a receita seja

calculada de modo que possa fazer face às despesas (...) não devemos

prometer muito hoje para nada não podermos dar amanhã e haver

necessidade de pedirmos uma moratória; convém, pois, continuarmos a dar o

que presentemente determina a lei, com a pontualidade que tem sido

observada até hoje.191

Entretanto, no relatório do exercício social seguinte (1929-1930), Prudencio de

Carvalho, então de volta à presidência do diretório, fez uma defesa contundente da

necessidade de reformar os estatutos para aumentar os valores dos benefícios e das

mensalidades, ambos sem nenhum tipo de correção há décadas. Ele disse que era “muito

parca a beneficência” paga aos sócios assim como era “exígua e deficiente a mensalidade”,

tudo isso agravado pelo fato de apenas 600 sócios entre os 1.406 inscritos como contribuintes

pagarem as mensalidades. Por isso, ele clamou pela urgência da reforma dos estatutos:

Uma reforma sábia e ponderada, em que desapareçam as condições

detrimentosas que existem na lei vigente, endeusando o sócio a quem a

191

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1928 a 1929 apresentado pelo presidente do

diretório Florencio da Silva Friandes em de 05 de setembro de 1929 e na mesma unanimemente aprovado.

Bahia: Imprensa Moderna, 1929, p. 8. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.

97

adversidade ou moléstia não obrigou a solicitar o auxílio a que tinha

indeclinável direito, dando-lhes, por tal motivo, título honorífico, e

cerceando direitos, como o da remissão, concedendo-a a maior prazo e

diminuindo o auxílio do funeral ao que a moléstia veio encontrar desprovido

de recursos e necessitou apelar para um direito que tinha.192

Como visto no início do primeiro capítulo, mais uma vez o tipógrafo Prudencio de Carvalho

traçou um retrato acurado da situação, teceu críticas pertinentes e apontou caminhos quando lhe

pareceu não ser mais possível ignorar a urgência das mudanças. De fato, o momento era crucial e as

medidas a serem tomadas poderiam prorrogar a história de sucesso da associação ou apressar sua

decadência. A Comissão Fiscal também percebeu a encruzilhada em que se encontrava a Sociedade

Bolsa de Caridade, como de resto muitas outras coirmãs, e endossou as considerações do presidente do

diretório.

Pode-se dizer que a estabilidade financeira da mutual atraía novos associados que

acabavam por contribuir para a manutenção desse quadro estável, formando um círculo

virtuoso de autoconfiança e segurança para aqueles trabalhadores organizados na SBC. Mas

também é forçoso reconhecer que as coisas começavam a mudar, a insatisfação crescia e os

pedidos para reformar os estatutos começavam a se avolumar.

O FUNDO SOCIAL

A gestão eficiente dos recursos da associação pode ser verificada por meio do

acompanhamento do crescimento do seu Patrimônio Social por meio do “Fundo Social”.

Basicamente o Fundo Social da Sociedade Bolsa de Caridade era composto pelos valores em

caixa e os investidos no mercado financeiro (títulos da dívida pública, ações, aplicações a

prazo fixo, depósitos em caderneta de poupança e em conta corrente etc.), além do ativo

imobilizado (imóveis e mausoléu). Também compunha o Fundo Social a Dívida Ativa, ou

seja, verbas que a Sociedade não havia recebido no exercício social, mas que esperava que

fossem saldadas nos próximos exercícios. Nessa coluna eram lançados os alugueis a receber,

bilhetes de benefícios que alguns sócios não haviam prestado contas, subvenções estatais em

atraso e especialmente mensalidades em atraso.

Porém, não havia perspectiva real de recebimento para a quase totalidade dos valores

constantes na Dívida Ativa da associação. No século XX, quando os balanços passaram a

192

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade apresentado pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de

Carvalho em sessão de Assembleia Geral de 19 de junho de 1930, relativo ao exercício de 1º de maio de 1929 a

30 de abril de 1930, p. 9-10. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.

98

registrar o montante presumido dos débitos das mensalidades em atraso de forma sistemática,

estas representavam, em média, 98% do total da Dívida Ativa. Por diversas vezes os

dirigentes da associação fizeram constar nos relatórios anuais a necessidade de se excluir tais

valores dos balanços da Sociedade Bolsa de Caridade, visto que não havia mais esperança de

recebimento. O relatório de 1914-1915 é um exemplo esclarecedor de como a manutenção de

tais verbas superestimavam o patrimônio social da associação. Prudencio de Carvalho foi

enfático quanto à questão: “O Fundo Social monta a Rs. 92:209$000; pondo-se de parte as

verbas de puro enfeite de subvenção não recebida jamais e mensalidades em atraso (...)”.193

Observe o leitor que para esse mesmo exercício, o Fundo Social publicado no anúncio de

jornal transcrito no início desse capítulo foi de 135:396$108. Ou seja, o anúncio incluiu os

43:187$108 da Dívida Ativa, aumentando artificialmente o patrimônio da mutual em 31,9%.

Visando trabalhar com dados que pudessem ser mais féis à realidade financeira da

associação, desconsiderei os valores constantes na Dívida Ativa para a análise do seu

patrimônio social. Portanto, os dados constantes no Gráfico 6, assim como toda a análise do

patrimônio social da agremiação foi feita sem levar em consideração a Dívida Ativa registrada

em sua contabilidade. Ressalto que no exercício de 1926-1927 os valores das mensalidades

em atraso finalmente foram suprimidos da contabilidade da associação.

Para os exercícios compreendidos entre abril de 1875 e maio de 1886 tive acesso

apenas aos Demonstrativos de Receitas e Despesas da associação que eram enviados ao

Presidente da Província. Nesse período a associação ainda não possuía imóvel e preferia

aplicar o fundo dos sócios nas ações da Caixa Econômica da Bahia ou em depósitos na Caixa

Monte Socorro. Como pode ser observado no Gráfico 6, até 1887-1888 as aplicações

financeiras representavam quase cem por cento do patrimônio social da Bolsa de Caridade. O

restante do patrimônio estava representado pelo saldo em caixa e pelos móveis e utensílios da

associação. Em valores nominais o montante aplicado no mercado financeiro saltou de

2:592$000 em 1875-1876 para 11:328$373 em 1887-1888. Para se ter uma ideia de valores,

em abril de 1888, o montante de capital investido no mercado financeiro era suficiente para

garantir o enterramento de 113 associados. Nesse período a média de funerais cobertos pela

associação não chegava a dois enterros por exercício social.

193

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1914 a 1915 apresentado pelo presidente do

diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 13 de junho de 1915 e unanimemente

aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1915, p.

16. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.

Gráfico 6 – Percentagem das “aplicações financeiras” e do “ativo imobilizado” sobre o Fundo Social Líquido da SBC (1875-1930).*

Fontes: APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, Caixa 60. Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; BPEB, Subgerência de

Obras Raras, Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade; Arquivo Particular da Sociedade Bolsa de Caridade. Relatórios da Sociedade Bolsa de

Caridade.

*O percentual não fecha em cem por cento porque exclui o dinheiro existente em caixa desse montante uma vez que não se encaixa nem nas

aplicações financeiras e nem no ativo imobilizado.

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30

% APLICAÇÕES FINANCEIRAS % ATIVO IMOBILIZADO

Portanto, a associação já estava suficientemente capitalizada para ampliar o leque de

socorros aos sócios e adquirir sua primeira sede social. Assim, em 1889 ela adquiriu o seu

primeiro imóvel, e no ano seguinte ampliou os auxílios passando a socorrer os sócios

enfermos. A sua primeira sede social foi um prédio pequeno, situado na Rua do Gasômetro,

em uma área pouco valorizada, no bairro da Calçada, na Cidade Baixa. O sistema para

iluminação pública a gás carbônico emitia um odor fétido que atingia os moradores do

entorno, a fuligem sujava os imóveis e o barulho incomodava a vizinhança. O sistema de

transporte era deficiente e o imóvel ficava longe do centro da cidade. Em resumo, era um

prédio sem grande valor de mercado que representava menos de 20% do patrimônio da

associação. Porém, a partir de 1900, quando a Sociedade adquiriu um mausoléu no cemitério

da Quinta dos Lázaros, o percentual do ativo imobilizado sobre o total do ativo passou a girar

em torno de 47%. Esse percentual cresceu ainda mais a partir da compra da nova sede social,

em 1913, quando o ativo imobilizado sobrepujou em muito o montante aplicado no mercado

financeiro, girando em torno de 70%, como pode ser observado no Gráfico 6.

As razões que levaram a mutual a mudar seu padrão de investimento podem ser

percebidas no relatório do exercício de 1914-1915, quando o presidente do diretório queixou-

se não somente do prejuízo de 4:190$290 depositados no Banco Commercial, como também

da demora para recebimento de juros de apólices e para as retiradas em dinheiro em caixas

econômicas. Na ocasião, aconselhou ainda a venda das ações e apólices para investir em

imóveis. Entretanto, desfazer-se de suas aplicações financeiras de médio e curto prazo para

investir em imóveis seria a melhor opção? Apesar da queixa do presidente do diretório a

respeito da lentidão para receber os juros de apólices ou sacar os valores investidos no

mercado financeiro, não há termo de comparação entre a liquidez desse tipo de aplicação

financeira e os imóveis. As sociedades de socorros mútuos precisavam ter reservas com

liquidez imediata para atender a eventual desequilíbrio orçamentário. A prestação dos

socorros não poderia ser comprometida por um erro de investimento. Essa pode ter sido uma

das razões pela qual a associação preferiu não aumentar seu ativo imobilizado e, portanto, não

atendeu a sugestão do presidente do diretório quanto à compra do imóvel vizinho à nova sede

social. Não é demais frisar que nesse momento a Sociedade tinha 72% do seu patrimônio

social investidos em bens imóveis, incluindo o mausoléu. Decerto algumas mutuais possuíam

muitos imóveis. A Sociedade Protetora dos Desvalidos, por exemplo, investia

preferencialmente em imóveis, a ponto de estes representarem mais de 80% do seu patrimônio

social nas primeiras três décadas do século XX, chegando a 93,2% em 1931. Mas há que se

considerar que os associados e patronos da Sociedade Protetora dos Desvalidos costumavam

101

doar em testamento bens imóveis para a associação, o que não ocorria com a Sociedade Bolsa

de Caridade.194

Voltando à fala do tipógrafo José Prudente de Carvalho, presidente do diretório,

sobre a pertinência de investir em imóveis, vale a pena reproduzir um pequeno trecho do

relatório de 1915:

Ainda restam 10:000$000 em apólices federais de preço nominal de

1:000$000. Estas tentamos empregar na compra de um prédio junto ao da

sede social, mas, estando prestes a expirar o nosso mandato, suspendemos

todas as negociações a respeito, deixando para levar ao conhecimento da

ilustre assembleia a nossa intenção, a fim de que fiquem habilitados os

nossos sucessores a resolver sobre o assunto.

Entendemos que adquirindo o prédio contiguo, damos melhor aplicação ao

nosso patrimônio e podemos, de futuro, ter melhor ventilação e mais

claridade em alguns cômodos do nosso edifício, com abertura de janelas ao

lado.195

Seria a proposta de Prudêncio de Carvalho uma questão restrita apenas aos aspectos

econômicos e financeiros? Se assim o fosse era de se esperar que fosse feito um levantamento

das despesas com a manutenção dos imóveis da associação, das receitas aferidas com os

respectivos alugueres, assim como demonstrar a depreciação contábil e a valorização do

mesmo. Seria o mínimo necessário antes de apresentar uma proposta dessa natureza à

assembleia geral. Penso que aqui cabe considerar as questões levantadas por Silva Júnior

sobre o significado de um imóvel para as associações de ajuda mútua: Demarcam um espaço

de sociabilidade? Orgulham seus proprietários? Geram renda de aluguéis?196

Que a aquisição de imóveis atendia a interesse material da associação pode ser

facilmente verificado observando-se o aumento das receitas de locações, sobretudo após a

aquisição da nova sede social, em 1913. O prédio da antiga sede na Rua do Gasômetro fora

reformado para locação, e a nova sede teve o sótão e o térreo alugados, ficando todo o

primeiro andar para uso da entidade. No exercício social de 1914-1915, a receita proveniente

do aluguel da nova sede correspondeu a 7% do capital nele empregado, sendo 1:927$000 o

valor total arrecadado com as locações dos dois prédios, ou seja, 24% das receitas desse ano.

Porém, a aquisição de um imóvel provavelmente não atendia apenas a interesse material. Por

194

CARMO. “Trabalho e associativismo mutualista em Salvador”, p. 40.

195 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1914 a 1915 apresentado pelo presidente do

diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 13 de junho de 1915 e unanimemente

aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, 1915, p. 16-17. APEB, Biblioteca

Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.

196 SILVA JUNIOR. “As sociedades de socorros mútuos”, p. 218-219.

102

diversas vezes, em seus relatórios anuais, os presidentes do diretório atribuíram a baixa

frequência dos sócios nas assembleias à distância da primeira sede social do centro da cidade.

Essa foi, inclusive, uma das justificativas para a aquisição da nova sede da organização. Em

1914, a pedido de 25 sócios, realizou-se uma assembleia extraordinária para tratar da

pertinência da compra de um imóvel em um ponto mais central da cidade. A proposta foi

aprovada sem que nenhum dos 52 sócios presentes àquela sessão a impugnasse. A nova sede

social, livre “do pó de carvão e cinzas das fornalhas do Gasômetro”, localizada em local

próximo ao centro da cidade, dispunha de uma sala para reunião do diretório, um salão para as

assembleias gerais, recepção, chapeleiro, arquivos e sanitários. Portanto, demarcar um espaço

de sociabilidade também parece ter pesado na decisão de se investir em imóveis, como se

depreende do trecho do relatório de 1914-1915:

Alguns de vós que já passaram pelos martírios de demorar-se algumas horas

na baixa sala do prédio à Rua do Gasômetro, só se podendo mover para um

estreito corredor e pequeno quarto, privado do franco ar, não podendo

satisfazer uma necessidade de momento, empoeirados, suarentos e com os

cérebros atordoados da bulha pela passagem dos bondes da Light, hão de

forçosamente bem dizer o destino que os colocou em melhor situação de

comodidade e desafogo”.197

Com efeito, houve aumento da frequência dos sócios nas assembleias da associação

após a transferência de sede social do Gasômetro, no bairro da Calçada, para a Rua do Carmo,

no Santo Antônio, um bairro de classe média à época.198

No exercício 1914-1915 todas as

assembleias foram realizadas em primeira convocação, ao contrário do que acontecia

anteriormente, quando estas só se realizavam em segunda convocação e quase que

exclusivamente com a presença da diretoria. Ainda assim, o número de sócios presentes era

pequeno, tendo a assembleia de maior concorrência nesse exercício social atraído 43 filiados,

o que representava cerca de 10% do total de membros adimplentes da associação. Tanto os

Estatutos de 1892, como os de 1900 e os de 1909 estabeleciam que, em primeira convocação,

a assembleia geral fosse constituída com a reunião de pelo menos 25 sócios na plenitude dos

direitos sociais. Mas, apesar de a grande maioria dos associados em dias com o pagamento

197

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1914 a 1915 apresentado pelo presidente do

diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 13 de junho de 1915 e unanimemente

aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, 1915, p. 13. APEB, Biblioteca Francisco

Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.

198 CASTELLUCCI, Aldrin A. S. Industriais e operários baianos numa conjuntura de crise (1914-1921).

Salvador, Fieb, 2004, p. 89.

103

das mensalidades não frequentarem as assembleias ou mesmo a sede da agremiação, isso não

significava que uma boa sede social não fosse um diferencial que os orgulhasse. A dar crédito

a Silva Junior, pode-se dizer que a baixa frequência nas assembleias das associações de ajuda

mútua era bastante comum.199

Como visto no início desse capítulo, as associações de auxílio-mútuo costumavam

exibir em seus anúncios nos jornais a condição de proprietárias de sedes próprias. Esse parece

ser mais um indício do status e da sensação de segurança que a propriedade coletiva de um

imóvel podia proporcionar aos associados e potenciais interessados em ingressar nessas

sociedades, sentimento que ultrapassava o interesse puramente material.

Porém, não se pode desprezar o interesse material. O parecer da comissão fiscal

aprovou as contas do exercício 1925-1926, mas sugeriu que a diretoria investisse 75% do

capital acumulado em imóveis. Para tanto alegou que “Os juros de depósitos, na média de 4 a

6%, quase que não representam vantagem que compense o esforço despendido para a

acumulação da importância referida”.200

Nesse momento a associação tinha 44$506$172

aplicados no mercado financeiro, e havia gasto com os socorros aos sócios o equivalente a

13% deste valor. Ou seja, a Sociedade mantinha em aplicações de curto e médio prazo quase

8 vezes o valor gasto com o pagamento de benefícios aos associados. Se a gestão acolhesse a

proposta do Conselho Fiscal disporia de um capital investido no mercado financeiro de

apenas duas vezes o valor gasto com os socorros aos sócios. Talvez fosse arriscado. O fato é

que até 1930 tal medida não foi posta em execução e o Fundo Social Líquido da associação

teve mantida a proporção de 70% investidos em imóveis e 30% no mercado financeiro.

Quanto ao mausoléu no cemitério da Quinta dos Lázaros, também parte integrante do

ativo imobilizado da associação, foi um investimento acertado na visão do então presidente do

diretório em 1902-1903. Segundo o Capitão Euthymio da Cruz Baptista, nos 29 meses que se

passaram desde a inauguração do mausoléu, em 3 de dezembro de 1900, apurou-se 5,23% ao

ano de receita líquida sobre a quantia gasta com a construção deste. O presidente do diretório

da associação elogiou também a decisão do investimento porque essa ação teria salvado a

quantia utilizada de “uma péssima eventualidade, tal a suspensão de pagamentos dos

199

Adhemar Lourenço afirmou serem as assembleias gerais, por padrão, mal frequentadas e que a baixa

frequência era um indicativo do desinteresse da maioria dos sócios em participar da gestão da Sociedade posto

que estas fossem a instância decisória por excelência das mutuais. SILVA JUNIOR. “As sociedades de socorros

mútuos”, p. 275-276.

200 RELATÓRIO do exercício de 1925 a 1926 apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade

pelo presidente do diretório Florencio da Silva Friandes em sessão de 10 de junho de 1926 e pela mesma

unanimemente aprovado, p. 13. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.

104

bancos”.201

É verdade que o mausoléu seguiu remunerando o capital investindo de forma

eficiente, apesar das oscilações do mercado. Porém, o seu significado ia muito além do

interesse material. Afinal, “Quanto vale um enterro? Ele certamente tem um valor em

dinheiro, mas as mutuais com frequência não o pagam só com dinheiro, mas também com

prestígio”.202

Com efeito, os Estatutos reformados de 1879 estabeleciam o comparecimento

aos funerais como um dos deveres dos sócios efetivos. Já o Regimento Interno de 1892

atribuiu ao presidente do diretório a função de nomear uma comissão para assistir aos funerais

dos associados que falecessem.203

Apesar da relativa secularização dos rituais fúnebres estes não perderem sua

sacralidade. Manter a respeitabilidade sobre os serviços que atendiam não somente aos

consortes da sociedade, mas também aos não membros da entidade, era de vital importância

para a imagem da associação. Por ironia do destino, o único registro com forte potencial de

repercussão negativa sobre a imagem da Sociedade Bolsa de Caridade envolveu justamente o

seu mausoléu. O episódio constou no relatório da associação como o caso da abertura do

carneiro número 19 e foi amplamente debatido pelos jornais. O incidente consistiu na

transferência indevida da ossada de um sócio recém-sepultado para a vala comum da

associação no cemitério Quinta dos Lázaros. Em janeiro de 1906, quando da publicação nos

jornais da numeração dos carneiros que seriam abertos para transferência das ossadas, foi

erroneamente inserido o de número 19, como sendo o do menor Estavam José Pinto, cujo

nome já constava no referido anúncio como sendo o do carneiro 109. No carneiro de número

19 fora recentemente sepultado o consócio Hermegenildo José de Souza Campos, falecido no

dia 8 daquele mesmo mês. Ao cumprir as determinações da Sociedade Bolsa de Caridade para

a abertura dos carneiros e transferência das ossadas o administrador do mausoléu da

associação, Melchiades José Garcia, guiou-se apenas pela publicação dos jornais, deixando de

conferir os dados, como era o seu dever. Portanto, a ossada do consócio Hermegenildo José

de Souza Campos foi indevidamente removida para o sumidouro da associação no cemitério,

sem que tivesse se passado nem três meses do seu enterramento, quando deveria permanecer

no carneiro alugado pelo prazo de cinco anos. Ao tomar conhecimento do ocorrido o

201

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1902 a 1903 apresentado pelo presidente do

diretório capitão Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna comemorativa do 31º aniversário em 14 de julho

de 1903. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, Rua São Francisco, 29, 1903, p. 15. BPEB,

Subgerencia de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 30993.

202 SILVA JUNIOR. “As sociedades de socorros mútuos”, p. 287.

203 Estatutos e Regimento Interno da Sociedade Bolsa de Caridade aprovados em sessão de 23 de março de 1892.

Bahia: Tipografia do Diário da Bahia, 1892, p. 17. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.

105

presidente do Conselho Diretório mandou devolver a ossada ao carneiro original, e ofereceu à

família do falecido a opção de um novo caixão e devolução do pagamento do aluguel do

carneiro, ou um carneiro perpétuo. A gravidade da situação pode ser percebida pelo

oferecimento feito por Euthymio da Cruz Baptista, presidente do diretório, para arcar, com

recursos próprios, com as despesas de aquisição de um carneiro perpétuo. Além da

repercussão do caso nos jornais a associação precisou prestar esclarecimentos à Inspetoria de

Higiene Municipal. O administrador foi demitido e foi contratada a Santa Casa de

Misericórdia para administrar o mausoléu da Sociedade. Não era para menos, os rituais

fúnebres e a celebração da memória dos mortos por meio de missas e visitas aos cemitérios

era uma tradição das mais importantes na sociedade de então.

Na era colonial, havia toda uma preparação para morte, sendo a família e os irmãos de

confraria (irmandades e ordens terceiras) os responsáveis para atender os desejos do falecido.

A pompa dos rituais fúnebres, típica do catolicismo barroco à época dominante no Brasil,

culminava com o sepultamento dos corpos nos espaços sagrados das igrejas. No decorrer do

século XIX, os enterramentos perderam parte de sua pompa, especialmente a partir da

obrigatoriedade de sepultamento nos cemitérios. A obrigatoriedade do sepultamento no

recém-inaugurado cemitério de Salvador, detentor do monopólio sobre os enterramentos,

desencadeou, em 25 de outubro de 1836, uma rebelião (a Cemiterada) que resultou em sua

quase completa destruição.204

Apesar disso, a consolidação dos enterros nos cemitérios,

finalmente geridos pelo poder público, foi uma questão de tempo e estes acabaram por ganhar

o status de campo santo. Esse foi mais um dos fatores que contribuíram para o declínio das

finanças das irmandades em razão da perda de parte das rendas obtidas com a intermediação

das cerimônias fúnebres. Estas perderam grande parte de sua importância e passaram a

compartilhar com as associações de auxílio-mútuo a responsabilidade pelo enterramento de

uma parcela da população local. Entretanto, a sacralização e ritualização da morte não

desapareceram, apenas se adequaram aos novos tempos.

Assim, a inspiração para a fundação de associações de ajuda mútua muitas vezes

surgiu do desejo de assegurar dignidade para os mortos. Segundo Maria Conceição Barbosa

da Costa e Silva, a fundação da Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de Guerra da Bahia

se deveu à comoção provocada pelo sepultamento como indigente de um trabalhador do

Arsenal de Guerra, veterano da Guerra do Paraguai.205

A iniciativa teria sido do alferes

204

REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo,

Cia. das Letras, 1991.

205 COSTA E SILVA. O Montepio dos Artistas, p. 39.

106

Justino Pereira de Britto, mestre das oficinas de funilaria do Arsenal, que contando com o

apoio do coronel Thomas da Silva Paranhos, comandante do mesmo Arsenal, e mais um

grupo de colegas, em 1872, instituíram a associação de ajuda mútua com a finalidade de

providenciar o sepultamento dos empregados e operários da instituição que se associassem,

bem como de seus familiares. Durante 18 anos esse foi o único socorro prestado pela mutual,

por si só, uma clara evidência da importância social que o enterramento digno representava às

vésperas do século XX. Pelo visto, os ritos de passagem da vida terrena para a vida eterna

continuavam a ser essenciais na sociedade soteropolitana no final do século XIX. Um enterro

sem o ritual fúnebre e a ampla presença de familiares, amigos e irmãos de confraria era sinal

de desprestígio ou de miserabilidade. Os trabalhadores poderiam se precaver dessa

indignidade associando-se às sociedades de auxílio-mútuo, fundadas desde a primeira metade

do século XIX e plenamente ativas nas primeiras décadas do século XX.

107

CAPÍTULO 3:

A CARIDADE COMO DISCURSO

No dia 5 de junho de 1898, o professor Presciliano José Leal, presidente do Diretório

da Sociedade Bolsa de Caridade, leu o relatório referente ao exercício 1897-1898 na sessão

magna comemorativa do 26º aniversário da associação. Ele teceu críticas veladas à falta de

comprometimento dos membros da gestão anterior, não apenas por costumeiramente faltarem

às reuniões quinzenais, como pela inobservância dos critérios estatutários para admissão de

novos associados. Já as críticas à postura dos associados da base não foram tão veladas assim.

O professor lamentou o desperdício de recursos financeiros e humanos a cada assembleia

geral frustrada por falta de quórum. Ele calculou os valores gastos com os repetidos anúncios

em jornais e com o gás (para iluminar o salão de reuniões) e lamentou ainda a perda de tempo

dos dirigentes, obrigados a esperar os consócios, algo que, em sua opinião, tinha valor

imensurável. As críticas do professor eram pertinentes, afinal, na sua gestão a Assembleia

Geral esteve reunida apenas uma vez, mas a lei exigia ao menos três. Nada mais oportuno do

que aproveitar o quorum da sessão magna para lembrar aos companheiros os compromissos

inerentes ao ato de associar-se a uma mutual:

Na verdade, senhores, nada mais lastimável do que uma sociedade que conta

mais de 800 sócios ver-se em apuros para reunir, apenas, uns vinte e cinco.

Cremos que ser sócio da Sociedade Bolsa de Caridade não quer dizer que se

pague a joia e as mensalidades, podendo cada qual conservar-se indiferente

no seu aposento, aguardando somente a ocasião que possam vir a precisar

dos auxílios dela.

Não senhores, há mais alguma coisa que os Estatutos obrigam a cumprir-se:

no entanto poucos são os que a servem com dedicação e louvável

desinteresse.

Enfim pode ser que tenham razão; mas nem pensam que o aumento ou

diminuição do capital social incide favorável ou desfavoravelmente sobre

todos os sócios, em geral, e que eles poderão maiormente gozar ou sofrer as

consequências em particular.

Senhores consócios: Vós sois que formais o supremo poder social; portanto

aqui, neste recinto, é que deveis manifestar dignamente as vossas opiniões

sobre todo mecanismo social.

Se quereis sociedade, cumpri com os vossos deveres: sede rigorosos nas

vossas indagações e constantes no exercício do vosso poder.206

206

RELATÓRIO apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do

Diretório Presciliano José Leal, na sessão magna de 5 de junho de 1898 comemorativa do 26º aniversário, p. 6-7.

Arquivos da Sociedade Bolsa de Caridade

108

O interesse por tal relato está na importância dada ao caráter de autossustentação e

autogestão da associação, bem como a um valor fundamental do mutualismo: seu caráter

voluntário. O professor foi enfático ao lembrar que a existência da associação de ajuda mútua

dependia da participação voluntária dos seus integrantes. Estes se associavam por vontade

própria e ao formalizarem seu ingresso na associação assumiam compromissos com a

coletividade. Ao negligenciar o dever estatutário de participar e contribuir com a gestão dos

recursos comunitários, os associados colocavam em risco o futuro da associação. É possível

que o professor Presciliano José Leal quisesse, adicionalmente, demarcar as fronteiras entre as

associações de auxílio-mútuo, cuja filiação era livre, individual e voluntária, e as sociedades

beneficentes das fábricas, criadas por iniciativa dos industriais, que controlavam os fundos e a

direção das entidades, impondo-as de cima para baixo aos operários.207

Segundo Cláudia

Viscardi, nas sociedades de socorros mútuos “Todos contribuem e todos recebem a

contribuição. Realçam o ethos da obrigação mútua e a responsabilidade coletiva pelo bem-

estar dos outros”.208

Portanto, Presciliano Leal cobrou dos companheiros coerência com suas

escolhas: “se quereis sociedade, cumpri com os vossos deveres”. Entretanto, se o argumento

do dever com a coletividade não fosse suficiente para convencer os que se eximiam da

participação, então que refletissem sobre as consequências de permitir que uns poucos

gerissem o futuro da associação. A negligência em participar poderia refletir diretamente na

capacidade da mutual prestar os socorros prometidos. Os associados sabiam que muito

embora os benefícios oferecidos pela mutual não os livrassem do empobrecimento,

certamente eram uma alternativa para os momentos em que estivessem impossibilitados de

sustentarem-se.

Apesar da contundência do discurso do professor Presciliano Leal, esta não foi a

primeira e nem a última crítica feita à falta de engajamento mais decidido dos sócios. Seis

anos antes, em 1891, o presidente do Diretório, o ajudante de pedagogo do Arsenal de Guerra,

Marciano Martinho Dumiense, responsabilizou o baixo comparecimento dos associados pelo

atraso na reforma dos Estatutos.209

No ano seguinte, em 1892, por ocasião da distribuição dos

Estatutos reformados, o maquinista José Paula de Souza Moraes, então presidente do

207

CASTELLUCCI. “A luta contra a adversidade”, p. 60-62. 208

VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. “Estratégias populares de sobrevivência: o mutualismo no Rio de Janeiro

republicano”. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 29, nº 58, p. 291-315, 2009, p. 292.

209 RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1890 a 1891) apresentado em sessão de 10 de maio

de 1891 pelo presidente do conselho administrativo Marciano Martinho Dumiense, p. 6. Arquivos da Sociedade

Bolsa de Caridade.

109

diretório, responsabilizou a falta constante dos sócios pelo atraso de 3 anos na aprovação

daquele documento.210

Euthymio da Cruz Baptista, dirigente no exercício 1903-1904

perguntou perplexo:

Sabeis que é este o poder soberano da nossa associação; e como consentis

que funcione um tal poder com o número de 12 ou 14 associados? Uma

instituição que conta com um milhar de associados, que socorre anualmente

para mais de 50 sócios, 12 ou 14 sócios deliberarem sobre tudo! Sobre

vossos mais sagrados direitos?

Essa exposição faço senhores consócios, porque com exceção da Sessão

Magna em que se fez a eleição não conseguimos reunir nas outras

assembleias 25 sócios, conforme marcam os Estatutos”.211

No relatório imediatamente anterior ele já havia registrado que fora preciso

descumprir os Estatutos e fazer uma terceira convocação para reunir a assembleia geral

ordinária por ocasião da apresentação do balanço do segundo quadrimestre. Afirmou ainda

não saber se a ausência dos associados nas assembleias se devia “ao indiferentismo a essa

instituição ou a plena confiança no Diretório”.212

Em 1910 o major Herculano Brittes

Guimarães relatou não ter havido quorum para discussão e aprovação do 2º e 3º quadrimestre,

visto que na segunda convocação só compareceram o presidente da Assembleia e alguns

membros do Conselho Diretório.213

Já Prudêncio de Carvalho atribuiu a baixa frequência nas

Assembleias Gerais à inadequação da sua sede social. Segundo ele, além de distante do centro

e mal servida de transporte público, suas acomodações eram pequenas, sem ventilação

adequada, abafadas e enegrecidas pela fuligem do gasômetro situado na mesma rua.214

210

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1891 a 1892) apresentado em sessão de 8 de maio

de 1892 pelo presidente do conselho administrativo José Paulo de Souza Moraes. p. 4. Arquivos da Sociedade

Bolsa de Caridade.

211 RELATÓRIO do exercício de 1903 a 1904 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de

Caridade pelo presidente do diretório Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna comemorativa do 32º

aniversário em 12 de junho de 1904, p. 13. Arquivos da Sociedade Bolsa de Caridade.

212 RELATÓRIO do exercício de 1902 a 1903 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de

Caridade pelo presidente do diretório Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna comemorativa do 31º

aniversário em 14 de julho de 1903, pp. 9-10. BPEB, Diretoria de Bibliotecas públicas. Subgerencia de Obras

Raras, Relatórios Institucionais. Ref. 30993.

213 RELATÓRIO do exercício de 1909 a 1910 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de

Caridade pelo presidente do diretório Major Herculano Brittes Guimarães em sessão magna comemorativa do

38º aniversário em 31 de julho de 1910, p. 9. Arquivos da Sociedade Bolsa de Caridade.

214 RELATÓRIO do exercício de 1910 a 1911 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de

Caridade pelo presidente do diretório Prudencio de Carvalho em sessão de 16 de abril de 1911, p. 14. APEB,

Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0595.

110

Talvez Prudencio de Carvalho tivesse alguma razão. Afinal, como vimos em capítulo

anterior, efetivamente, a nova sede social, mais espaçosa e melhor localizada, atraiu um maior

número de associados às reuniões das assembleias gerais ordinárias e extraordinárias. A

assembleia geral extraordinária, realizada em 5 de março de 1915, ocasião em que se discutiu

o projeto de revisão dos Estatutos, reuniu 43 associados.215

Após essa data, um ou dois

relatórios mencionaram reuniões regulares das assembleias, sempre em primeira convocação,

sem, no entanto, registrar o número de presentes. A exceção foi o registro de eleições

realizadas em 20 de junho de 1922, quando compareceram 192 associados.216

Nenhum outro

relatório fez qualquer menção ao número de votantes nas eleições para os cargos da

associação. Passada a novidade da nova sede, tudo indica que a situação tenha voltado ao

patamar anterior, haja vista alguns relatórios apontarem apenas uma reunião da assembleia

ordinária no exercício, quando os estatutos previam o mínimo de duas ordinárias e uma

magna. Portanto, as razões da baixa frequência às assembleias devem ser procuradas em outro

lugar.

ABERTURA, CRESCIMENTO E BUROCRATIZAÇÃO.

Ainda que fossem agremiações de solidariedade horizontal “e definissem sua

identidade a partir da isonomia e da ajuda mútua”, as sociedades mutualistas tinham estruturas

hierarquizadas e excludentes, sendo os fatores de exclusão mais usuais a renda ou profissão, o

gênero, a idade e a nacionalidade.217

De início a Sociedade Bolsa de Caridade incorporou

todas essas modalidades de exclusão. Lembro ao leitor que em seu primeiro Estatuto a

associação era exclusiva para os trabalhadores do Arsenal de Guerra, podendo seus familiares

participar como beneficiários. Menores de idade e mulheres não tinham direitos políticos. Os

Estatutos reformados de 1879 aceitavam como sócios apenas os trabalhadores nacionais

maiores de 18 anos, sem fazer qualquer menção à situação das mulheres. Em 1892 os novos

estatutos mantiveram a exclusão por nacionalidade, ampliaram a exclusão por faixa etária ao

estabelecerem também a idade máxima (50 anos), criaram nova exclusão (gozar de perfeita

215

RELATÓRIO do exercício de 1914 a 1915 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de

Caridade pelo presidente do diretório Prudencio de Carvalho em sessão magna comemorativa do 38º aniversário

em 13 de junho de 1915, p. 10. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0595.

216 RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1922-1923 relatado pelo presidente do diretório J.

Prudencio F. de Carvalho em Assembleia Geral de 1 de agosto de 1923 e na mesma unanimemente aprovado.

Bahia: Typographia do Lyceu de Artes, 1923, p. 3. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.

217 VISCARDI. “Estratégias populares de sobrevivência”, p. 297.

111

saúde), permanecendo as mulheres sem direitos políticos e, dado importante, deixou de exigir

do aspirante a sócio o exercício de “artes ou profissões”. Os Estatutos de 1900 não alteraram

os fatores de exclusão, mas os de 1909 garantiram às associadas do sexo feminino os mesmos

direitos conferidos aos homens. Entretanto, apenas as esposas e filhas de sócios poderiam

associar-se.

Portanto, a associação foi lentamente eliminando algumas modalidades de exclusão

ou fechamento. De uma associação exclusiva para artesãos e mestres de ofício do Arsenal de

Guerra da Bahia ela passou a aceitar membros de posição indiferenciada do ponto de vista de

classe, fossem brasileiros ou estrangeiros que tivessem entre 18 e 50 anos, o mesmo valendo

para suas esposas e filhas, desde que gozassem de perfeita saúde e de reconhecida

“moralidade” e idoneidade. Certamente a necessidade de ampliação dos seus quadros por

meio da adesão de novos sócios foi o principal motor para a eliminação de diversas

modalidades de “fechamento”, sendo mantidas apenas as exigências etárias, de saúde e

moralidade. A manutenção de tais exigências é um indicador de que a preocupação com a

capacidade de garantir os benefícios securitários eclipsou critérios identitários, levando a

associação a abdicar de seu caráter de mutual exclusiva de trabalhadores. Entretanto, essa

abertura parece não ter resultado em uma alteração significativa na composição do seu quadro

de associados visto que o valor dos benefícios não era atraente para os grupos sociais mais

favorecidos, e o valor das contribuições dos associados, ainda que bastante baixo, não

permitia que os grupos sociais ainda menos favorecidos a ela se associassem. Dessa forma, os

artesãos e mestres de ofícios continuaram a compor a base principal da organização no século

XIX.

Durante todo o período em que a Sociedade Bolsa de Caridade se manteve como

mutual exclusiva para “profissionais ou artistas” seus relatórios raramente fizeram referência

à frequência dos associados às sessões das assembleias gerais. Os relatórios costumavam

apontar apenas o número delas: usualmente três ordinárias e entre três e sete extraordinárias.

Também não foi registrada qualquer queixa sobre a dificuldade de se constituir as sessões das

assembleias gerais ordinárias por falta de quorum. Porém, o atraso na reforma dos estatutos

aprovados em 1892 foi atribuído à frequência irregular dos sócios.218

Embora exista a

possibilidade de se tratar apenas de uma omissão dos relatores, intencional ou não, esses

218

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1891 a 1892) apresentado em sessão de 8 de maio

de 1892 pelo presidente do conselho administrativo José Paulo de Souza Moraes. Bahia: Lytho-Typographia V.

Oliveira & C. Rua Nova das Princesas, n. 8, 2º andar, 1892, p. 4. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.

112

dados sugerem ter havido certa participação dos filiados nas reuniões gerais da associação.

Durante esse período foi verificada certa alternância nos cargos dirigentes, o que também

reforça a possibilidade de que uma parcela maior do quadro de associados fosse efetivamente

comprometida com a associação. Em outras palavras, só tenho maiores evidências da baixa

participação dos associados nas assembleias gerais quando a mutual já não tinha como critério

para tornar-se sócio o efetivo exercício de “artes ou profissões”.

Com efeito, a partir de 1897 alguns dirigentes destacaram a dificuldade de reunir o

número mínimo de sócios exigidos pelos estatutos para o funcionamento da assembleia geral

em primeira convocação. Também assinalaram que as reuniões feitas após a segunda

convocação aconteciam com número insignificante de associados, muitas vezes limitando-se

à liderança à frente da entidade, ainda assim sem a totalidade dos seus membros. Apesar dos

constantes lamentos dos presidentes do Conselho Diretório essa não era uma característica

exclusiva da Sociedade Bolsa de Caridade. Nas palavras de Silva Júnior, nas associações de

ajuda mútua do Rio Grande do Sul, mas não só lá, “o público é, exatamente, o que faltava nas

assembleias pouco frequentadas”. Ainda segundo o autor, era comum que os Estatutos das

associações de ajuda mútua definissem a presença dos sócios nas assembleias gerais como um

dever e buscassem valorizar essa instância decisória afirmando sua plena soberania.219

De fato, os estatutos de 1900 da Sociedade Bolsa de Caridade definiam a Assembleia

Geral como “supremo poder social, soberana nas suas deliberações, só tendo acima de si

Deus, a lei e seus direitos”, um indicador da valorização dessa instância deliberativa, ao

menos em retórica. Já na primeira reforma estatutária, em 1879, a presença nas sessões da

assembleia geral passou a configurar-se num dever do sócio efetivo, sem que fosse aventada,

no entanto, qualquer penalidade para os faltosos. Apesar disso, a análise dos estatutos da

associação apontou para a tentativa crescente de valorização das assembleias gerais. Enquanto

os Estatutos de 1872, o mais simples de todos, mencionaram a assembleia geral apenas duas

vezes, os de 1879 lhe dedicaram todo um capítulo. 220

Entretanto, termos como soberania, ou

poder social só foram incorporados a partir dos Estatutos de 1892. Estes afirmavam ser a

Assembleia soberana nas suas deliberações, só tendo acima de si a lei. Os estatutos seguintes

219

SILVA JÚNIOR, Adhemar Lourenço da. “Oligarquias em sociedades de socorros mútuos (1854-1940)”.

Revistas Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 2, n. 4, p. 78-108, 2010.

220 Os Estatutos de 1872 citam a Assembleia Geral apenas no §2º do Artigo 2º ao estabelecer a possibilidade de

se criar pensões no futuro, a critério da assembleia geral; e no Artigo 13 onde define a Assembleia Geral como

uma reunião geral, cabendo sua convocação ao Conselho Administrativo.

113

acrescentaram adjetivos como supremo poder, ou colocavam a assembleia geral abaixo

apenas de Deus. Contudo, a retórica estatutária não foi suficiente para animar o corpo de

associados a participar das reuniões gerais.

A ampliação dos socorros para além do auxílio funeral pode ter contribuído para o

afrouxamento de laços de solidariedade horizontais e identitários caros às diversas formas de

associativismo de trabalhadores. De fato, o auxílio funeral podia contribuir para agregar

valores que iam além do mero socorro pecuniário. A mutual tinha por obrigação organizar a

comissão que acompanharia o morto em todas as etapas do funeral, fato que contribuía para o

sentimento de respeito, dignidade, união e amparo. A presença de numerosos consortes no

velório, incluindo membros do corpo diretivo, era um indicador do prestígio e da

respeitabilidade do defunto. Para Viscardi, “Na condição de ritos de solidariedade, os funerais

financiados pelas mutuais eram ocasiões em que os valores por elas cultivados poderiam ser

reforçados”.221

Como visto no capítulo anterior, apesar da crescente dessacralização, o ritual

da morte ainda tinha muita importância no período pesquisado. Porém, quando a associação

passou a assegurar também o auxílio-enfermo e posteriormente pensão, socorros que

prescindiam da ritualização do enterramento, possivelmente alguns valores que eram

reforçados por aqueles rituais perderam vigor. Por outro lado, o crescimento do quadro de

associados somado à ampliação das modalidades dos socorros forçou a mutual a se precaver

contra as fraudes e requerimentos indevidos dos benefícios. Nesse sentido, o rigor da

fiscalização sobre a saúde do requerente do benefício, o acompanhamento quinzenal da

evolução da doença, bem como a necessidade crescente de novos associados que garantissem

a eficácia securitária da mutual tornou as relações mais impessoais, contribuindo para a baixa

participação nas assembleias e demais reuniões da associação.

O fato é que a participação dos associados nas assembleias gerais foi realmente

muito baixa, especialmente se comparado com o total de sócios, ou mesmo com os associados

no gozo dos direitos sociais, ou seja, os adimplentes. Quando o professor Presciliano José

Leal, no exercício social de 1897-1898, expressou seu descontentamento com a baixa

frequência dos associados às assembleias, a agremiação contava com 849 sócios. Em 1910,

quando o major Herculano Brittes Guimarães também lamentou a falta de quórum para o

funcionamento da assembleia geral, a Sociedade Bolsa de Caridade tinha 1.030 associados. E

221

VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. “O Ethos Mutualista: valores, costumes e festividades”. In: CORD,

Marcelo Mac.; BATALHA, Claudio H. M. (orgs.). Organizar e Proteger: trabalhadores, associações e

mutualismo no Brasil (séculos XIX e XX). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014, p. 193-218, citada à p.

205.

114

em 1915, quando Prudencio de Carvalho comemorou a presença de 43 sócios em uma

assembleia extraordinária, a associação contava com 1.077 membros, enquanto em 1930, data

limite deste trabalho, existiam 1.532 associados. Apesar do alto índice de inadimplência, fator

impeditivo para o exercício das funções sociais na agremiação, é confiável supor que um terço

dos associados estivesse no gozo de direitos. Ainda assim era um número expressivo. Uma

sociedade na casa de um milhar e meio de associados, se contasse com um terço dos sócios no

gozo das regalias sociais, e destes, 30% resolvessem comparecer as assembleias, talvez fosse

difícil acomodá-los no salão de reuniões da entidade.

POUCOS À FRENTE DA ASSOCIAÇÃO

Diante da dificuldade para garantir a presença de apenas 25 sócios para se constituir

a Assembleia Geral em primeira convocação, é de se imaginar que encontrar 17 membros

dispostos a preencher as vagas nas três instâncias dirigentes (Diretório, Mesa da Assembleia

Geral e Comissão Fiscal) tenha sido ainda mais difícil. Tanto a participação em assembleias

gerais quanto a ocupação de cargos dirigentes dependiam da disposição dos associados em

delas participar, mesmo porque “quem tem interesse em se filiar as mutuais não têm,

necessariamente interesse em dirigi-las”, como bem assinalou Silva Jr.222

No século XX,

muitos indivíduos ingressaram na Sociedade Bolsa de Caridade, mas poucos se dispuseram a

participar ativamente da sua gestão. Como já demonstrei no primeiro capítulo, alguns nomes

assumiram encargos na diretoria por anos seguidos, por vezes ocupando repetidas vezes a

presidência do Conselho Diretório, principal cargo dirigente da associação mutual. Antônio

Borges Nogueira presidiu o diretório por quatro vezes, Elpídio Adolpho de Menezes por três

anos consecutivos, Herculano Brittes Guimarães por sete vezes, Euthymio da Cruz Baptista

por quatro vezes. Apesar do baixo índice de renovação do seu corpo diretivo como um todo,

assim como da presidência do Conselho Diretório, até 1910 havia alguma alternância nos

cargos, inclusive com associados que assumiram a presidência da instituição por apenas um

exercício. Porém, como também já foi assinalado, entre 1910 e 1925 a Sociedade Bolsa de

Caridade foi administrada por um grupo liderado pelo tipografo Prudencio de Carvalho que

estabeleceu uma espécie de oligarquia na gestão da mutual. A justificativa foi sempre a falta

de braços dispostos a assumir os encargos administrativos.

222

SILVA JÚNIOR, Adhemar Lourenço da. “As sociedades de socorros mútuos: estratégias privadas e públicas

(estudo centrado no Rio Grande do Sul-Brasil, 1854-1940)” (Tese de doutorado em História, Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2010), p. 204.

115

Em 1917, ao anunciar a elevação de Florêncio da Silva Friandes, 1º secretário do

diretório desde 1910, à categoria de Benemérito, José Prudencio F. de Carvalho, então

presidente do Diretório, afirmou que o título parecia ainda mais justo diante da dificuldade de

“se proverem os cargos dirigentes das associações pela excusa de muitos dos seus associados,

e dos eleitos, em preencherem as obrigações inerentes aos seus cargos, pesando os trabalhos

administrativos nos seus companheiros (...)”. Neste mesmo relatório, Prudencio de Carvalho

elogiou o trabalho dos membros do Conselho Diretório, sem modéstia alguma, chegando a

afirmar que uma visita a qualquer reunião quinzenal da diretoria lembraria ao visitante uma

repartição onde os funcionários eram muito bem remunerados, embora ali o pagamento fosse

apenas a satisfação de contribuir com uma obra de fraternidade. Apesar do autoelogio, ele

concluiu o seu relato com uma súplica: “É justo, no entanto, que outros consócios nos

substituam nesses postos”.223

Em 1920, Prudêncio de Carvalho voltou a reclamar a

participação de outros associados na direção da mutual: “Bastas são as vezes que vos temos

solicitado a nossa substituição. Os relatórios respectivos dão disto conta. É num posto de

sacrifício que nos colocamos (...)”.224

Apesar das constantes reclamações, Prudencio de

Carvalho se manteve na presidência do conselho diretório por 15 anos ininterruptos, um

indício de que tais queixas funcionavam, sobretudo, para valorizar o aspecto de sacrifício

pessoal que a função exigia. Em 1925, possivelmente em função dos rumores que tão longo

mandato suscitava, deixou o cargo de presidente do diretório, mas continuou a participar da

gestão, desta feita na condição de 2º secretário da Assembleia Geral. Indicou o seu substituto,

Florêncio da Silva Friandes, sendo sua eleição mais uma comprovação do grande prestígio

que ainda gozava no seio da associação, apesar da acusação de apego ao cargo. Mesmo

alegando estar velho e debilitado, voltou a assumir a presidência do conselho diretório no

exercício 1929-1930.

A tendência à baixa renovação do corpo diretivo, agravada no período liderado por

Prudencio de Carvalho, é um fator indicativo da existência de “monopólio por parte de grupos

e a impossibilidade de dissensos, ou pelo menos, a inexistência de mecanismos que permitam

223

RELATÓRIO do exercício de 1916 a 1917 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de

Caridade pelo presidente do diretório Prudencio de Carvalho na Assembleia Geral realizada em 17 de julho de

1917 e na mesma unanimemente aprovado. Citações às páginas 20 e 21, respectivamente. Arquivos da

Sociedade Bolsa de Caridade.

224 RELATÓRIO do exercício de 1919 a 1920 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de

Caridade pelo presidente do diretório Prudencio de Carvalho na Assembleia Geral realizada em 16 de julho de

1920 e na mesma unanimemente aprovado, p, 4. Arquivos da Sociedade Bolsa de Caridade.

116

a livre discussão interna”, conforme assinalou Silva Jr.225

Ressalvou, porém, que as diretorias

tinham seus poderes limitados pelo processo eleitoral bem como pela possibilidade de

deposição pela assembleia geral, fato que as impediriam de exercerem poderes autocráticos.

Para o autor, as associações de ajuda mútua tendencialmente apresentaram um grau de

democratização bem menor do que os seus Estatutos previam, tanto em decorrência da pouca

participação nas assembleias gerais, como pela baixa alternância de poder entre os dirigentes.

No caso da associação em questão, são raros os registros de embates, debates ou mesmo

pequenas divergências nos seus relatórios. Nem mesmo disputas eleitorais foram registradas.

A única exceção foi citada acima, quando relatei o único registro do número de associados

presentes a uma eleição. Segue o relato:

(...) esta passou a proceder a eleição dos novos funcionários, que apesar de

bastante disputada, tendo comparecido ao pleito 192 associados, foi eleita a

diretoria que ora extinguem os seus mandatos por 146 votos, reeleita em sua

totalidade, como vereis.226

Tendo como parâmetro apenas os dados citados acima, não me pareceu que a eleição

tenha sido bastante disputada. Lembro ao leitor que grande parte desse grupo dirigente

ocupava os mesmos cargos desde 1910, o que torna ainda menos plausível o discurso de

eleições bastante disputadas. Apesar disso, as assembleias gerais podiam efetivamente barrar

abusos dos dirigentes ou forçar uma guinada na condução dos negócios da associação. A

Sociedade Bolsa de Caridade teve exemplos da força que as assembleias gerais podiam

representar, especialmente em momentos de crise, quando os seus membros percebiam a

necessidade de vencer a inércia e contribuir para a manutenção da finalidade da sua

agremiação. Foi assim em 1877, quando toda a diretoria foi deposta e a Sociedade foi

reorganizada, disso resultando a abertura da mutual para trabalhadores de fora do Arsenal,

como já foi visto no primeiro capítulo. Em novembro de 1895 a assembleia geral elegeu uma

comissão provisória para substituir a diretoria afastada por essa mesma instância, fato também

já relatado em capítulo anterior. Ainda que essa instância decisória estivesse sub-representada

podendo ser alvo de manipulação, era um instrumento que os associados poderiam ter à sua

disposição para garantia de suas prerrogativas.

225

SILVA JÚNIOR. “Oligarquias em sociedades de socorros mútuos”, p. 88.

226 RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1922-1923 relatado pelo presidente do diretório J.

Prudencio F. de Carvalho em Assembleia Geral de 1 de agosto de 1923 e na mesma unanimemente aprovado.

Bahia: Typographia do Lyceu de Artes, 1923, p. 3. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.

117

É bastante provável que a abertura e o crescimento da mutual tenham resultado na

burocratização da sua gestão, contribuindo para tornar mais restrita a disseminação dos

valores originais do associativismo mutualista, a exemplo do voluntarismo. Contudo, o

crescimento da agremiação também tinha potencial para disseminar esses valores junto aos

novos sócios, a partir do momento da formalização da sociabilidade, caso houvesse um

trabalho nesse sentido. Apesar da primordial importância do atendimento securitário na

trajetória da Sociedade Bolsa de Caridade, esse fator, por si só, não excluía a manutenção de

elementos identitários entre os associados. Segundo Silva Jr., se assim fosse, o critério para

associar-se a uma mutual estaria vinculado apenas a sua capacidade de oferecer serviços. Mas

esse não parecia ser o único critério observado pelos trabalhadores quando se candidatavam

ao ingresso em uma associação de ajuda mútua. Para esse autor, “quem produzia os discursos

que eram capazes de fazer a conversão e a reconversão entre benefícios materiais e espirituais

eram os grupos dirigentes das mutuais”. As sessões comemorativas de aniversário da entidade

são um exemplo do esforço de sociabilidade e de reforço dos valores que privilegiam a

dimensão social da associação.227

AS ASSEMBLEIAS MAGNAS COMEMORATIVAS DE ANIVERSÁRIO

Festas e cerimônias podiam ser promovidas para angariar recursos, proporcionar

lazer e confraternização entre os sócios ou para comemorações diversas, em especial a

celebração do aniversário de fundação da entidade. De alguma maneira, essas festas e

solenidades contribuíam para o fortalecimento de relações afetivas entre seus pares.

Usualmente os estatutos das associações de socorros mútuos previam os recursos a serem

gastos com as assembleias solenes de aniversário, numa demonstração da importância dessa

tradição para as mutuais. No caso da Sociedade Bolsa de Caridade havia uma quantia fixada

anualmente para a realização dessa solenidade, muito embora, por vezes, recursos extras

tenham sido arrecadados com a finalidade específica de promover ou abrilhantar tais eventos.

As solenidades de aniversário da associação foram crescendo em tamanho e prestígio na

227

SILVA JÚNIOR. “Oligarquias em sociedades de socorros mútuos”, p. 86. Segundo o autor diante da baixa

participação dos associados e da burocratização da gestão, a comunicação com a os sócios que não frequentam

as assembleias parece acontecer por meio da publicação de dados financeiros e do resultado das eleições do

corpo diretivos em jornais, pela edição e distribuição dos relatórios anuais nas assembleias magnas

comemorativas de aniversário, e do contato com os sócios via recebedor, cobradores e visitadores.

118

medida em que a mutual aumentava seu quadro social, adquiria patrimônio e via reforçado

seu conceito junto à sociedade.

De fato, o prestígio da associação também era medido em função da maior ou menor

demanda para fazer parte do seu quadro de associados. Os dirigentes aproveitavam as

solenidades de aniversário para reforçar a imagem de prosperidade, respeitabilidade e

compromisso exclusivamente securitário, distante, por exemplo, de “interesse eleitoral”:

Não pode ser mais eloquente a confiança e simpatia que tem conquistado

esta Sociedade, acusando nos exercícios decorridos a entrada de número tão

elevado de associados, sem que houvesse alguma razão fora do comum que

isso determinasse.

Diga-se com verdade, que nas sociedades existentes entre nós, não havendo

um motivo extraordinário, um interesse eleitoral, verifica-se de ordinário

certa apatia, registrando ela anualmente a entrada de reduzido número de

sócios. (...)

Felizmente, há muitos anos vida serena decorre entre nós e os que avolumam

as nossas fileiras, vêm espontaneamente, sem outra pretensão senão a de

usufruírem no dia da adversidade os benefícios que a lei faculta.228

A celebração do 21º aniversário da associação, realizada em 8 de maio de 1893, foi a

primeira solenidade desta natureza a ser descrita nos relatórios da Bolsa de Caridade.

Basicamente informava que a sessão magna teve lugar na sede social da agremiação, à Rua do

Gasômetro, sendo precedida por celebração de missa. Por ocasião da sessão magna

comemorativa do 24º aniversário, realizada em 31 de maio de 1896, foi citada, pela primeira

vez, a presença da imprensa na solenidade, e em 14 de junho de 1903, por ocasião da

comemoração do 31º aniversário, foi registrada, também pela primeira vez, a presença de

representantes de autoridades. A associação percorrera um longo caminho até firmar-se como

associação de prestígio.

De acordo com a descrição dos relatórios, as assembleias magnas eram precedidas de

celebração de missa em louvor a Nossa Senhora do Noviciado, padroeira da associação. As

missas aconteciam por volta das 9h e, em seguida, os associados, familiares e convidados

seguiam para a sede da associação, onde era realizada a sessão comemorativa de aniversário

da Sociedade Bolsa de Caridade. O presidente da mesa abria a sessão, pronunciava um breve

228

RELATÓRIO do exercício de 1916 a 1917 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de

Caridade pelo presidente do diretório José Prudencio Ferreira de Carvalho na Assembleia Geral realisada em 17

de julho de 1917 e unanimemente aprovado. Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes. Bahia: Tipografia e

Encadernação do Liceu de Artes, Prudencio de Carvalho, diretor premiado com Medalha de Ouro da Exposição

Nacional de 1908, 1917, p. 9. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.

119

discurso e passava a palavra para o presidente do diretório, que deveria ler o relatório anual da

sua gestão, seguido pelo relator da comissão fiscal, que lia o seu parecer. Em seguida a

palavra era dada aos representantes das autoridades e das associações presentes. Por fim,

discursava o orador oficial. Durante longos anos as missas de aniversário e a sessões solenes

foram embaladas pela Philarmônica Recreio do Bomfim, que chegou a ganhar o título de

sócia benemérita. A sessão era encerrada para os preparativos das eleições, e logo depois era

reaberta para a realização do pleito que elegeria os novos dirigentes da agremiação. Embora

os relatórios anuais não especificassem o número de presentes nas assembleias magnas

comemorativas de aniversário da associação, costumavam usar expressões tais como

“crescido número de sócios e seus familiares” ou “grande número de consócios”.

O relatório do exercício de 1908-1909 foi o primeiro a publicar um discurso

proferido nas assembleias magnas de aniversário. Entretanto, a fala publicada não foi a do

orador oficial da associação, o prestigiado rábula e major da Guarda Nacional Cosme de

Farias, conhecido pela defesa dos pobres e eleito diversas vezes para cargos no legislativo

baiano. Apesar de seus discursos terem feito história nas tribunas de Salvador, sua alocução

não foi preservada pela agremiação. O discurso transcrito foi o proferido pelo vice-presidente

da assembleia geral, Prudêncio de Carvalho, realizado por ocasião da abertura da sessão

magna comemorativa do 36º aniversário da Sociedade Bolsa de Caridade, em 9 de agosto de

1908. Trechos de sua fala já foram usados na abertura do primeiro capítulo deste trabalho. A

singularidade desse discurso está no questionamento do alcance da ajuda mútua,

consubstanciada no uso da palavra caridade ou beneficência, para a efetiva superação da

pobreza dos trabalhadores.

Habilidoso, Prudencio de Carvalho atribuiu aos associados o mérito pela

prosperidade da associação. Começou seu discurso agradecendo aos eleitores por tê-lo alçado

a “tão elevado cargo”, parabenizou a associação pelos festejos natalícios e lisonjeou os

consortes: “(...) ficareis ainda uma vez convencidos de que não foi debalde que cada um tem

concorrido com sua quota para a manutenção deste benemérito instituto. Ele continua

próspero (...)”.229

Em seguida reafirmou o protagonismo dos consortes bem como a

importância das associações de trabalhadores no amparo dos seus: “E quem é que vem então

229

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1908 a 1909 apresentado pelo presidente do

diretório Candido Honorio Pinto em sessão magna comemorativa do 37º aniversário em 11 de julho de 1909.

Bahia: Typ. e Encadernação do Lyceu de Artes e Officios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1909, p. 23.

Biblioteca Pública do Estado da Bahia (BPEB), Subgerência de Obras Raras, Relatórios Institucionais. Ref.

273383.

120

estender a mão aos desvalidos? É preciso haver alguém que escute compadecido os clamores

do infortúnio, esse alguém são as agremiações desta natureza como a que se denomina –

Bolsa de Caridade.”230

. Foi também nessa ocasião que ele levantou a discussão se essa seria

uma instituição de caridade ou de previdência, já que só podia ser socorrido quem contribuía

para tanto.

Além de apostar em valores caros ao associativismo mutualista tais como autonomia,

respeitabilidade, solidariedade e laicidade, seu discurso trouxe elementos que apontaram para

a necessidade de transformação social: “Procuremos educar a criança na verdadeira escola,

preparando-a para a vida, fora de todo o fanatismo e preconceitos que lhes incutem os

estabelecimentos dirigidos pelo clero”.231

Também citou o desequilíbrio nas relações entre

capital e trabalho. Porém, concluiu seu discurso em tom contemporizador: “Esqueçamos por

momentos estas mágoas que nos cruciam e cuidemos da hora presente. Estreitemo-nos, pois,

em amistoso amplexo com os que têm procurado manter este instituto (...) que vai mitigar o

infortúnio”.232

Parece que na “hora presente” não era conveniente afastar o clero ou o capital

do seio desta associação de ajuda mútua.

Na abertura da sessão solene do 37ª aniversário da associação, em 11 de julho de

1909, novamente o discurso de Prudencio de Carvalho foi publicado no relatório anual, em

detrimento do proferido pelo ainda orador oficial, o Major Cosme de Farias. Nesse discurso

ele resgatou a história da fundação da Sociedade Bolsa de Caridade para lembrar que ela foi

fundada por um “grupo de homens do trabalho (...) que estavam convictos de que a classe

operária, pouco remunerada, não podia prescindir de um meio associativo” com o qual

pudesse contar nos momentos de privação.233

Porém, diferentemente do exercício anterior, os

recursos da associação passavam por um momento delicado e o discurso de Prudencio de

Carvalho mudou de tom. Nada de embate entre o capital e o trabalho, nada de educação para a

autonomia da nova geração da classe trabalhadora, nada de questionamentos. Desta feita ele

fez um apelo:

230

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1908 a 1909, p. 24.

231 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1908 a 1909, p. 25.

232 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1908 a 1909, p. 26.

233 RELATÓRIO do exercício de 1909 a 1910 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de

Caridade pelo presidente do diretório Major Herculano Brittes Guimarães em sessão magna comemorativa do

38º aniversário em 31 de julho de 1910. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes, Prudencio de

Carvalho, diretor premiado com Medalha de Ouro da Exposição Nacional de 1908, p. 19. Arquivos da Sociedade

Bolsa de Caridade.

121

“(...) e assim todo esforço deve convergir para que o capital não se extinga, e

procuremos a todo o transe novos combatentes que venham cooperar nesta

meritíssima obra de benemerência e de filantropia. Venham outros apóstolos

da caridade, cheios de abnegação e devotados até ao sacrifício, tomar parte

nesta lida sacrossanta (...)

Vê-se que se não houvesse espíritos previdentes e cuidadosos à frente de sua

gestão, conservando com avareza as reservas acumuladas, já há muito ele

encontrar-se-ia esgotado.

Necessário é que todos os esforços convirjam para um só ponto – manter

este preciosíssimo patrimônio, com a mesma tenacidade e perseverança com

que ele foi constituído”.234

Repare o leitor que o tom do discurso de Prudencio de Carvalho foi outro. Ele usou

palavras como benemerência, filantropia, apóstolos da caridade, sacrifício, obra sacrossanta,

linguajar bem mais condizente com valores conservadores do que com as transformações que

ele afirmava necessárias no discurso anterior. A partir de então, os discursos de Prudencio de

Carvalho se afastaram cada vez mais daquele proferido em 1908, quando fez críticas ao clero,

à relação injusta entre capital e trabalho e, sobretudo, quando questionou a caridade enquanto

valor da mutual posto que todos contribuíam solidariamente para a obtenção dos benefícios.

“Novos combatentes” das camadas superiores seriam bem-vindos. A caridade ganhou

importância no seu discurso.

Ainda que a caridade fosse a tônica da maioria dos pronunciamentos dos dirigentes, a

cooperação entre as classes também foi exaltada como demonstrou o discurso de abertura da

sessão solene do 39º aniversário da associação, proferido pelo seu presidente, Antônio Borges

Nogueira:

“(...) porque hoje nossa Instituição se acha representada por todas as classes

de atividades, nas letras, ciências, comércio, indústria, artes e numerosos e

laboriosos operários e jornaleiros; mas aqui, neste recinto, todos se unem

sem distinção, com o mesmo sentimento de cumprir fielmente os preceitos

de nossa lei social, e do que fielmente tem dado provas inequívocas os

corpos diretivos da Sociedade em boa hora escolhidos já em sucessivos anos

dentre os quais, é de justiça dizer-se, temos encontrado verdadeiros obreiros

de beneficência. Salve distintos representantes dos poderes oficiais e das

instituições sociais presentes que vindes com o vosso concurso abrilhantar a

nossa comemoração natalícia”.235

234

RELATÓRIO do exercício de 1909 a 1910, p. 20 e 21.

235 RELATÓRIO do exercício de 1910 a 1911 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de

Caridade pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho na sessão magna comemorativa do 39º

aniversário em 9 de julho de 1911, p. 7. Arquivos da Sociedade Bolsa de Caridade.

122

Segundo Cláudia Viscardi, por seu caráter de ajuda solidária, as associações de

socorros mútuos buscavam minimizar as diferenças sociais entre seus consortes. “Nesse

sentido, as mutuais esforçaram-se em negar a importância das diferenças de classe,

oferecendo idade, gênero e raça como categorias apropriadas para a organização de

identidades coletivas”.236

O discurso de Antônio Borges Nogueira parece caminhar nesse

sentido. Além de sócio fundador e reorganizador da Bolsa de Caridade, ele acompanhou a

trajetória da abertura gradual da associação bem como da ampliação dos benefícios. Diante da

importância crescente da dimensão securitária e do aporte de recursos necessários à

manutenção dos socorros, é possível que o discurso de solidariedade interclasse tenha sido

uma estratégia do dirigente para reforçar o ingresso de pessoas socialmente influentes, não

apenas por razões clientelistas, mais pelo ganho de prestígio que tal reforço poderia acarretar.

Quanto maior o prestígio de uma associação maior sua capacidade de atrair novos associados.

Afinal, como notou Silva Jr., “todas as mutuais agem, de algum modo, na distribuição de

prestígio social”.237

Todavia é preciso relativizar a composição pluriclassista das associações de ajuda

mútua em geral, e da Sociedade Bolsa de Caridade em particular. Ou ao menos ponderar o

peso e importância das diversas camadas sociais na sua composição. Qual o percentual efetivo

de trabalhadores nos quadros da associação? E no seu quadro dirigente? Em que medida isso

refletia na saúde financeira da instituição? A contribuição obrigatória dos sócios garantia

autonomia financeira à instituição? Qual camada formava sua base social? Quais camadas

sociais predominavam nas sessões das assembleias gerais, incluindo a magna comemorativa

de aniversário? São questões já colocadas no primeiro capitulo, as quais foram parcialmente

respondidas, na medida em que as fontes permitiram. Entretanto não custa lembrar que os

números constantes na amostra ocupacional exibida no primeiro capítulo demonstraram o

predomínio de artífices (50,7%), seguido dos profissionais liberais (19,8%) e dos empregados

públicos (18,4%). Tendo obtido a ocupação para apenas 13,3% do total de associados, é lícito

supor que grande parte dos 86,7% restantes fosse trabalhadores manuais, possivelmente

operários e jornaleiros, especialmente após a virada do século XIX.

236

VISCARDI. “Estratégias populares de sobrevivência, p. 7.

237 SILVA JÚNIOR, Adhemar Lourenço da. “Oligarquias em sociedades de socorros mútuos”. Revistas Mundos

do Trabalho, v. 2, n. 4, p. 78-108, 2010, p. 105.

123

A fala de Antônio Borges Nogueira reforça essa suposição. Ao enumerar as

categorias sociais, ele parece ter seguido uma ordem de status social: ”nas letras, ciências,

comércio, indústria, artes e numerosos e laboriosos operários e jornaleiros”. De alguma

maneira, mesmo que em uma escala descendente, os artistas estariam no patamar dos

primeiros citados, enquanto os operários e jornaleiros seriam dignos de citação por serem

laboriosos e pelo peso numérico. Saliento que a condição de artista não precisou vir precedida

de qualquer adjetivo, o que parece sugerir que essa categoria era vista, ou ao menos gostaria

de ser vista, como ocupando um lugar social acima da massa de trabalhadores

desqualificados, e ao lado das demais “classes” citadas. Já os operários e jornaleiros que por

seu peso numérico compunham a base social da entidade, eram laboriosos. Ou seja, não

bastou indicar sua ocupação, foi preciso afirmar que não eram ociosos, preguiçosos,

indolentes ou dados a vícios. Muito pelo contrário, eram trabalhadores honrados e dignos,

posto que a dignificação do trabalho fosse um dos valores caros ao associativismo operário.238

Com efeito, o discurso nobilitador do trabalho e do trabalhador estava inserido na busca por

reconhecimento social, e ainda que reiterasse elementos conservadores, buscando, sobretudo

diferenciar o trabalhador das “classes perigosas”, ele também suscitava elementos de “união,

fraternidade e autonomia”. Segundo Rafaela Leuchtenberger, o discurso da valorização do

trabalho em busca da ordem e do progresso, apesar de alinhado as concepções da classe

proprietária, “foi um importante referencial de construção da identidade operária, propiciando

um orgulho pela atividade desempenhada e uma noção de pertencimento de grupo”.239

Com relação à composição social dos quadros administrativos cumpre salientar que

não era fácil para os trabalhadores manuais contribuírem com prestação de serviços

voluntários por diversas razões. Entre elas estava o pouco tempo ocioso que restava à maior

parte dos trabalhadores após as intensas e extenuantes jornadas de trabalho, e o domínio das

habilidades necessárias para assumir encargos na direção da associação. O domínio da escrita,

da contabilidade, da oratória, eram alguns dos requisitos inerentes ao exercício de algumas

funções na gestão da mutual. É provável que essa fosse uma das razões pelas quais os

trabalhadores manuais, mesmo sendo a principal parcela do quadro de associados,

238

Sobre o assunto, cf. BATALHA, Claudio. “Identidade da classe operária no Brasil (1880-1920): atipicidade

ou legitimidade”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 12, nº 23/24, p. 111-124, setembro de 1991 -

agosto de 1992.

239 LEUUCHTENBERGER, Rafaela. "A influência das associações voluntárias de socorros mútuos dos

trabalhadores na sociedade de Florianópolis (1886-1931)”, In: CORD, Marcelo Mac.; BATALHA, Claudio H.

M. (Orgs.). Organizar e Proteger: trabalhadores, associações e mutualismo no Brasil (séculos XIX e XX).

Campinas: Editora da Unicamp, 2014, p. 219-245, citado na p. 236.

124

representassem apenas 39% do corpo dirigente ao longo dos 57 anos abarcados por essa

pesquisa. Já os empregados públicos, muitos dos quais escriturários, ocuparam 32% dos

cargos, enquanto os profissionais liberais ficaram com 20%. Se de fato o quadro dirigente

contou com um índice considerável de integrantes de categorias sociais de maior status social,

também é verdade que a maior parte dos seus ocupantes era de trabalhadores. Especialmente

os que atuaram no Conselho Diretório, cujos serviços demandavam o emprego de tempo e

trabalho incomparavelmente maior do que os exigidos para os membros da Assembleia Geral

ou da Comissão Fiscal. Esses números também acabam por reafirmar a existência de

diferenciações de renda e de prestígio no seio da classe trabalhadora. Provavelmente os

trabalhadores que compunham o quadro de dirigentes fossem os de maior qualificação e

gozassem de maior prestígio social.

Outro ponto a ser registrado é a quantidade de associados originários do Arsenal de

Guerra da Bahia que ocupou cargos na associação até os primeiros anos do século XX. Entre

os 66 dirigentes para os quais identifiquei a ocupação 20 trabalhavam ou já haviam trabalhado

no Arsenal de Guerra, o que comprova que muito tempo depois de se tornar uma mutual

aberta (1879) a entidade ainda mantinha uma forte identidade com sua origem. Efetivamente,

a maior parte dos dirigentes originários do Arsenal de Guerra da Bahia assumiu cargos na

associação entre 1880 e 1903. Entre os originários do Arsenal, sete eram artífices, três eram

professores das séries iniciais e dez trabalhavam em setores burocráticos do Arsenal.

O DISCURSO DA CARIDADE

Não apenas Prudencio de Carvalho e Antonio Borges Nogueira renderam-se ao

discurso da caridade ou da cooperação entre as classes. A caridade esteve presente desde a

escolha do nome, do hino e nos discursos proferidos pelos dirigentes e oradores oficiais nas

solenidades de aniversário. Já na abertura do relatório referente ao exercício de 1893-1894, o

presidente do diretório fez constar que “os seus fins não podem ser mais louváveis e

humanitários: conforta o enfermo e enterra o morto; dois preceitos sublimes da caridade”.240

Nesse momento a caridade aparece enquanto valor intrínseco ao ato de socorrer os mortos e

240

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade do exercício de 1893 a 1894 apresentado pelo presidente da

direção Eduardo Victoriano de Souza na sessão magna do 22º aniversário em 27 de maio de 1894. Bahia: Litho-

Typographia V. de Oliveira &C., 1894, p. 4. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.

125

os enfermos. Em 1892, a caridade foi associada com a responsabilidade individual e coletiva

dos associados na gestão da Sociedade:

Nós caríssimos consócios, que temos o coração abrasado no fogo santo da

caridade, ao terminarmos esta incumbência que tão benevolamente nos

confiaste, temos a dizer-vos: Esta instituição originada do esforço patriótico

de um punhado de homens filhos do trabalho precisa sempre, sempre do

concurso poderoso de todos os seus membros para que a marcha de sua

existência seja uma conquista interminável dos recursos que venha mais

solidificarem os princípios constitutivos de suas bases.241

Os relatórios do século XIX eram bastante sucintos, quase lacônicos. Basicamente

prestavam contas dos atos da diretoria, agradeciam a confiança dos consortes na gestão e

felicitavam a associação pela passagem de mais um aniversário. Mesmo o discurso de

abertura e conclusão de cada relatório era breve, quase uma repetição do anterior, sendo raro

constar citações como as acima transcritas. Em 1909 foi publicado pela primeira vez o

discurso de abertura de uma assembleia magna comemorativa de aniversário, mas somente em

1913 um pronunciamento de orador oficial. Como consequência, concentrei a análise dos

discursos da associação no século XX.

O primeiro discurso de um orador oficial a ser publicado pelos relatórios da

associação foi pronunciado por ocasião da comemoração do 40º aniversário da entidade, em

30 de junho de 1912, por Paulo Pompílio de Abreu (Figura 15). Seu irmão, Muciano Pompílio

de Abreu (Figura 14), foi o Orador Oficial da associação entre 1913 e 1921. Em 1918, esse

bacharel negro e de origem humilde, recebeu a seguinte homenagem da entidade:

BACHAREL MUCIANO POMPÍLIO DE ABREU

Cumprindo o dever de agradecer ao distinto consócio, cujo nome encima

estas linhas, o concurso que nos vem prestando há anos, incumbindo-se da

árdua e difícil tarefa de ser o intérprete dos nossos sentimentos nas festas do

aniversário desta instituição, ao mesmo tempo aproveitamos o ensejo que se

nos depara para dar-lhe sincero parabéns pela invejável posição que assumiu

na escala social, bacharelando-se em ciências jurídicas e sociais.

E para louvar a quem não dispondo de bens de fortuna para corresponder

presentemente aos onerosos encargos do ensino entre nós, pudesse pelos

241

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1891 a 1892) apresentado em sessão de 8 de maio

de 1892 pelo presidente do conselho administrativo José Paulo de Souza Moraes. Bahia: Lytho-Typographia V.

Oliveira & C. Rua Nova das Princesas, n. 8, 2º andar, 1892, p. 6. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.

Grifos meus.

126

seus esforços e pertinácia chegar ao fim almejado, por isto ainda mais é

digno de nossas homenagens.242

Figura 14 – O bacharel Dr. Muciano Figura 15 – O médico Dr. Paulo

Pompílio de Abreu Pompílio de Abreu

Fonte: RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de

existência. 1872-1922, Bahia: 1922. APEB, Biblioteca Francisco Vicente

Vianna, Relatórios, caixa 60. REG. 0603.

A caridade também foi a temática do hino da associação, composto por Prudencio de

Carvalho, com letra de Henrique Casaes. Tanto o discurso do bacharel quanto o hino foram

publicados no relatório do exercício 1913-1914, quando a associação já existia há 41 anos.

HINO DA SOCIEDADE BOLSA DE CARIDADE

Composto e oferecido por Prudencio de Carvalho

Versos de Dr. Henrique Casaes

SOLO

Tua caridade encerra

O que há mais puro nos céus;

Plantando o bem sobre a terra

És a imagem de Deus,

No teu seio a desventura

Encontra guarida seria,

Acha alívios a amargura,

Acha o sofrer porta aberta.

242

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1917 a 1918 apresentado pelo presidente do

diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 27 de junho de 1918 e unanimemente

aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, 1918, p. 6.

127

CORO

Salve, recinto feliz,

Da amizade, santo lar,

Onde o bem elevar quis

A virtude um puro altar.

SOLO

Quanto infeliz tem bendito

O teu braço salutar!

Quanta lágrima do aflito

A tua mão faz secar!

Vais espalhando a ventura

Onde quer que a dor assista;

A tua luz meiga e pura

Não há noite que resista.

CORO

Salve, recinto feliz,

Da amizade, santo lar,

Onde o bem elevar quis

A virtude um puro altar.

Comumente, as palavras caridade, beneficente e filantropia foram utilizadas para

caracterizar as sociedades de ajuda mútua no Brasil. Não foram poucas as associações

mutuais a usar esses termos nos seus próprios títulos, a exemplo da Sociedade Bolsa de

Caridade. A palavra caridade acompanhou a associação desde o seu nascedouro, quando então

se chamava Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de Guerra da Bahia. O próprio hino da

associação, cuja letra a define como uma instituição de caridade, foi composta por aquele que

um dia questionou o caráter caritativo desta: Prudêncio de Carvalho. O discurso da caridade

esteve associado à trajetória da mutual a ponto de se fazer necessário compreender qual o seu

significado. O que representava o discurso da caridade para os trabalhadores que se

associaram justamente para não depender da caridade alheia? A que público era dirigido esse

discurso?

Segundo Cláudia Viscardi, “A retórica fraternal, o uso da metáfora da família, o

apelo à ajuda mútua (...) compunham parte do universo cognitivo, não só das mutuais, (...) de

outras associações que faziam parte do vasto universo associativo ao longo do tempo”.243

De

acordo com a autora, por definição, as sociedades de ajuda mútua seriam àquelas onde a

243

VISCARDI, Cláudia. “O Ethos Mutualista”, p. 210.

128

contribuição mensal dos sócios fosse destinada a socorrê-los nos casos estipulados pelos

estatutos, portanto não seriam instituições beneficentes ou filantrópicas. Entretanto, os

próprios criadores das associações de auxílio mútuo utilizavam-se desses termos de forma

indiferenciada, tendo o próprio Conselho de Estado alguma dificuldade do uso desses

conceitos.244

Desse modo, instituições de ajuda mútua denominavam-se beneficentes,

filantrópicas ou de caridade. Foi o caso da Sociedade Bolsa de Caridade, cujo título está em

desacordo com suas leis estatutárias.

Enquanto sinônimo de filantropia, o uso do termo caridade teria algum sentido nos

anos iniciais da associação, quando as subscrições foram uma importante receita para a

Sociedade Bolsa de Caridade do Arsenal de Guerra. Como visto no segundo capítulo, o

montante do valor anual obtido por meio de subscrições sugere que essa verba fosse

arrecadada junto às camadas sociais mais favorecidas, utilizando-se do prestígio do diretor do

Arsenal de Guerra. Nesse caso, ajuda mútua, caridade e filantropia estariam realmente

intimamente relacionadas no seio da associação. Entretanto, após o processo de abertura e

reestruturação, a associação passou a ser mantida, principalmente, por meio da gestão da

contribuição obrigatória dos sócios. A partir de então, não há que se falar em caridade.

Mesmo a subvenção estatal, recebida por um período, a rigor não caracteriza caridade, ainda

que nesse período a sociedade, de forma geral, não visse a securitização como uma obrigação

do Estado.

Se por um lado o sócio inadimplente tinha seus direitos suspensos, incluindo o de

receber socorros, fato que reafirma o caráter mutualista da associação, por outro lado, o dever

estatutário de participar da vida social contribuindo para o bem comum raramente era punido.

O dever de contribuir com a gestão, fosse por meio da participação nas assembleias, fosse

assumindo cargos, não era observado pela grande maioria dos associados, sem que a

inobservância desse dever gerasse maiores consequências para os seus membros. Sem entrar

no mérito das razões pelas quais esse comportamento foi tolerado, esse certamente foi um

elemento que contribuiu grandemente para o abandono progressivo da disseminação de um

valor básico do associativismo mutualista: o voluntarismo. Desse modo, poucos eram os que

se dispunham a prestar serviços voluntários para o bem comum, o que acabou por colocar o

destino da mutual em mãos de uma elite dirigente.

244

VISCARDI, Cláudia. “Experiências da prática associativa no Brasil”, p. 120.

129

Ademais, não foram tomadas medidas efetivas visando corrigir essa distorção.

Apenas críticas e admoestações pontuais foram feitas por meio dos relatórios anuais

distribuídos ou lidos nas assembleias magnas. Eventualmente um orador oficial, fugindo ao

protocolo, aproveitava a ocasião e tecia crítica aos associados que negligenciavam os deveres

estatutários:

E nas sociedades o egoísmo humano é bem manifesto. Como não ignorais,

muitos, inteiramente divorciados dos movimentos das sociedades a que

pertencem, negam-se quando são chamados para trabalhar, mas querem

achar tudo pronto quando precisam e fazem choro na maledicência,

ataçalhando, muita vez, a honra dos que trabalham, dos que perdem horas

proveitosas em benefício da coletividade.245

No entanto, todos sabiam que admoestações não eram suficientes para garantir o

cumprimento do dever social de participar das assembleias e de servir a mutual. Desse modo,

a participação dos sócios parece ter diminuído à medida que a associação cresceu, ficando a

responsabilidade pelos destinos da associação em mãos de uma oligarquia dirigente. Como

consequência, o trabalho voluntário praticamente ficou resumido a um pequeno grupo de

dirigentes e colaboradores. Entretanto, a assunção de encargos que deveriam ser

compartilhados pelo grupo tampouco se configura caridade. Apesar disso, é possível que o

esforço para gerir uma associação tão numerosa, onde a imensa maioria dos filiados limitava-

se a pagar as joias e mensalidades, tenha contribuído para a ampliação do discurso da caridade

nas sessões solenes de aniversário. Afinal, gerir uma associação do porte da Bolsa de

Caridade exigia muito trabalho e dedicação. Em outras palavras, talvez os dirigentes se

vissem, e ou fossem vistos, como filantropos em função do trabalho voluntário à frente da

mutual:

Dobrai, portanto, os vossos esforços, senhores da diretoria, porque a palma

da vitória que recebestes, é o inventivo que vos estimula para maior luta.

É preciso ter a fé de um crente e a coragem de um nauta.

Trabalhai, porque em troca dos vossos labores, vos espera um prêmio tão

elevado, que as minhas palavras não podem enaltecê-lo, mal podem traduzi-

lo. (...)

Trabalhai inspirados nos altos princípios do patriotismo e do cumprimento

do dever.

245

Discurso de João Pompílio de Abreu, orador oficial. RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de

1913 a 1914 apresentado pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em sessão magna

comemorativa do 42º aniversário em 30 de junho de 1912. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes

Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, Bahia: 1914, p. 22. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna,

Relatórios, caixa 60.

130

Trabalhai com verdadeiro amor a esta instituição, cujo título, Bolsa de

Caridade, vos obriga a isto fazer.246

A impressão que a leitura de tais discursos transmite é que eles visavam enaltecer os

dirigentes da associação, reconhecendo sua dedicação, competência e sacrifício em proveito

da instituição. O bacharel em letras, João Pompílio de Abreu Filho, orador oficial na sessão

solene do 46º aniversário da associação foi um pouco além. Não se limitou a elogiar os

dirigentes da associação, ele os alçou à condição de exemplo, de modelo de caridade para as

demais agremiações:

Que belo espelho tem sido esta nobilíssima agremiação na qual as suas

coirmãs com dignidade deviam mirar-se!

Por ventura tem ela nos seus preceitos estabelecidos princípios superiores as

demais congêneres! Não. Entretanto o modo porque os seus dirigentes

desempenham o seu papel com a altivez superior, a magnanimidade de ação,

a pureza de sentimentos, o desinteresse harmônico e o verdadeiro amor a

santa causa que abraçaram, ela bem serve do modelo.247

O discurso da caridade se manteve alhures e para além da associação voluntária dos

membros e do trabalho voluntário dos dirigentes. Algumas falas sugerem que os socorros

pagos pela associação eram simplesmente caridade, ao invés de uma retribuição a que o

associado tinha direito. Na comemoração do 42º aniversário da associação, o coronel Antonio

Freitas da Silva, presidente da Assembleia Geral, ao abrir a sessão solene pronunciou um

pequeno discurso, em que o leitor desavisado pensaria tratar-se de uma instituição

filantrópica.

Que alegria não daremos a uma pobre família, fazendo-lhe a caridade,

irradiando esperanças a pálidos semblantes, que, baídos de pão, gritam

246

RELATÓRIO do exercício de 1916 a 1917 apresentado em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de

Caridade pelo presidente do diretório José Prudencio Ferreira de Carvalho na Assembleia Geral realisada em 17

de julho de 1917 e unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes, Prudencio de

Carvalho, diretor premiado com Medalha de Ouro da Exposição Nacional de 1908, 1917, p. 30. Arquivo da

Sociedade Bolsa de Caridade.

247 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1918 a 1919 apresentado pelo presidente do

diretório J. Prudencio F. de Carvalho em de 27 de junho de 1919 e na mesma unanimemente aprovado. Bahia:

Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1919, p. 9. APEB,

Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.

131

chorando e repetindo as palavras – tenho fome – como uma espada aguda

ferindo os corações fraternos.248

A mesma impressão é transmitida pelo discurso de Muciano Pompílio de Abreu,

orador oficial na sessão solene comemorativa do 45º aniversário da associação:

A caridade representa o expoente máximo de todas as virtudes. (...)

A verdadeira beneficência (...) consiste (...) em uma constante solicitude

pelos interesses de outrem.

O seu posto é ao lado dos enfermos e da miséria; vê-las-eis fundando

escolas, abrindo oficina, construindo asilos, espalhando a luz, combatendo o

vício, moralizando o costume, protegendo os desgraçados.

Por isso senhores, baseados neste exemplo, foi que os sócios desta benéfica

instituição procuraram não deixar quedar a obra grandiosa do início desta

casa, amparando desta arte o trabalho dos seus beneméritos fundadores.249

Não obstante, não custa lembrar, uma vez que os inadimplentes não eram socorridos

pela associação não havia caridade na distribuição dos socorros. A não ser que a caridade

fosse vista como o ato de associar-se para garantir não apenas o próprio socorro em momento

de infortúnio, mas também o socorro ao próximo, como parece sugerir o pronunciamento de

Paulo Pompílio de Abreu, na sessão magna comemorativa do 40º aniversário, em 30 de junho

de 1912.

Os homens associam-se, atendendo ao princípio de que da união provém a

força. Associam-se para garantir seus direitos, liberdade e sua crença, para

estabelecerem o respeito a sua vida e sua honra.

(...) o respeito é um princípio inviolável que liga todos os homens entre si.

O ser social é conhecer fiel e claramente e observar os direitos que assistem

(...) e os deveres que dali emana (...)

Esses deveres são quatro: amor ao próximo, justiça, beneficência e

gratidão.250

248

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1914 a 1915 apresentado pelo presidente do

diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 13 de junho de 1915 e unanimemente

aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1915, p.

24. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.

249 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1917 a 1918 apresentado pelo presidente do

diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 27 de junho de 1918 e unanimemente

aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, 1918, p. 24. APEB, Biblioteca Francisco

Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.

250 RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1912 a 1913 apresentado pelo presidente do

diretório J. Prudencio F. de Carvalho em sessão magna comemorativa do 41º aniversário em 13 de setembro de

1914. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1913, p. 3-4

do anexo. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.

132

Já Muciano Pompílio de Abreu, nos festejos do 49º aniversário da associação, deu

um sentido diferente do que usualmente era atribuído à caridade, nas solenidades da casa:

O ensino popular, o ensino dos condenados do preconceito; daqueles que

esperam e anseiam pela hora do resgate imediato dos cérebros cativos da

ignorância, é para estes que a sociedade em geral deve melhorar de sorte,

pois assim praticará a caridade. (...)

É preciso, senhores, distribuir as mãos cheias o pão do ensino por todas as

cabeças.

O povo tem sede de saber.

Abri-lhe a escola, entrega-lhe a oficina, ensina-lhe a Arte que ele deve amar,

prendendo a vontade, a seu prestígio singular, dando a seu sedutor encanto o

melhor dos seus carinhos.

Ao artista cabe preparar a maior porção da nossa felicidade.

Não esqueci esta sentença de um profundo pensador: “Não é possível estar

dentro da civilização e fora da Arte”.251

Neste discurso, excepcionalmente, a caridade não foi citada enquanto doação de

tempo e trabalho para o auxílio de outrem ou enquanto socorro da miséria, da enfermidade e

da fome. A fome era outra. Era preciso saciar a fome do saber. O Brasil precisava propiciar as

condições para o progresso intelectual da juventude. Garantir o futuro da mocidade pobre,

ensinando-lhe uma Arte, seria a caridade mais importante e necessária. Mais do que isso, a

educação popular deveria ser responsabilidade do Estado brasileiro que não poderia mais se

omitir desse dever. Criticou duramente o Império por ter cultivado “o analfabetismo,

explorado durante sessenta e sete anos em proveito das trapaças dos partidos políticos”, mas

também a República por não ter implantado um “sistema completo de educação popular”.

Desta feita seu discurso parece ter sido direcionado para as autoridades do Estado e da

República ali representados. Foi seu último discurso na associação.

No ano seguinte, de acordo com o relato do presidente do diretório a totalidade dos

associados se mostrou empenhada para a realização dos festejos do cinquentenário da mutual.

Para que os 50 anos da entidade fossem comemorados condignamente foi realizado um

festival no cinema Lyceu onde recursos extras foram levantados. As celebrações foram

exitosas, desde a festa religiosa, que de tão concorrida não comportou todos os convidados no

templo, até a assembleia magna realizada na sede da associação. O orador oficial foi o vice-

251

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de existência. 1872-1922. O seu movimento

no exercício de 1921 a 1922, relatado pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho, em Assembleia

Geral de 20 de junho de 1922 e na mesma unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu

de Artes Ofícios, 1922, p, 7-8. APEB, Biblioteca Francisco Vicente Vianna, Relatórios, caixa 60.

133

presidente da assembleia geral, o Dr. Gelásio de Abreu Farias, que adoeceu as vésperas da

solenidade, mas enviou o discurso para leitura. Ele adjetivou a associação de beneficente, fez

um apanhando da história da associação, desde a sua fundação por “um simples, um modesto,

um despretensioso” trabalhador do Arsenal de Guerra da Bahia, até aquela data, em que a

Sociedade Bolsa de Caridade contava com “milhares de filantropos”. E o exagero não parou

por aí:

A caridade tem sido aqui distribuída patriarcalmente a todos quantos lhe

vieram bater as portas, que a todos estiveram sempre de par em par abertas.

Cinquenta anos, meio século de beneficência, no silêncio de quatro paredes,

sem o estardalhaço costumeiro da vaidade mundana, (...)”.252

O Dr. Gelásio de Abreu Farias, foi o orador oficial por mais quatro anos, tendo os

seus demais discursos versados sobre temas como caridade, religião ou amor à pátria. Em

1927, assumiu a presidência da mesa da assembleia geral, cabendo-lhe pronunciar o discurso

de abertura da sessão solene. O orador oficial que o substituiu, o Dr. Deraldo Dias de Morais,

não teve os seus pronunciamentos preservados, embora tenha se mantido na função até, pelo

menos, 1930.

Após três anos como 2º secretário da assembleia geral, em 1929 Prudencio de

Carvalho reassumiu a presidência do Diretório. Bem mais eloquente do que seu antecessor,

brindou a plateia da sessão magna comemorativa do 57º aniversário da associação com um

relatório onde fez considerações sob a necessidade premente de mudanças nos valores e

regras dos benefícios e contribuições dos associados. Discurso que ia ao encontro de

requerimentos de associados que já cobravam a majoração dos valores dos benefícios.

Também sugeriu que o Estado deveria subvencionar mutuais e irmandades nos enterramentos

ao invés de auferir renda por meio de taxas diversas:

“É de abismar o quanto um dos departamentos da administração do Estado

tem procurado tirar proveito do serviço de enterramentos, onde a piedade

deveria imperar e não a ganância de proventos.

Um regulamento foi baixado há cerca de dois anos em que foram criadas

elevadas taxas sobre enterramentos, aberturas de carneiros etc., e não

satisfeito o fisco insaciável, ainda vai anualmente aumentando tais taxas por

meio de percentagens.

Basta dizer-vos que o proprietário de uma cava toda vez que tenha

necessidade de nela depositar ossadas, está sujeito a uma licença para se

252

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1922-1923 relatado pelo presidente do diretório J.

Prudencio F. de Carvalho em Assembleia Geral de 1 de agosto de 1923 e na mesma unanimemente aprovado.

Bahia: Typographia do Lyceu de Artes, 1923, p. 8. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.

134

utilizar do que lhe pertence, despendendo não menos de 20$000, além das

despesas a que é forçado a fazer com petição, selos, taxas, num total de

70$000 a mais. É o cúmulo!

Além do foro a que estão obrigados a pagar as sociedades e irmandades pelo

terreno em que estão edificados os mausoléus, há ainda uma contribuição

anual sobre carneiros ocupados e 5$000 por cada abertura. Não tendo em

tempo os que dirigem a instituições de beneficência interessadas no assunto

protestado coletivamente pelos meios legais contra esta ganância dos que

nos governam, procurando tirar o máximo proveito de um serviço que devia

até auxiliar, como largamente faz com os esportes, é a razão de perdurar esta

situação, agravada a todo momento com novos tributos.

Se não houver meios para minorar tão vexatória situação, seja ao menos este

nosso protesto ouvido por quem possa pôr um entrave a este sugar

desmedido dos que procuram manter uma obra simplesmente de amor e

piedade”. 253

A crítica feita por Prudencio de Carvalho demonstra o quanto as solenidades de

aniversário podiam ser palco de exposição das demandas da associação frente ao poder

público. A estratégia de sensibilizar associados e convidados para a necessidade de corrigir a

“ganância” do fisco sobre os enterramentos se deu nos moldes clientelistas comuns ao

associativismo mutualista. Ele cuidou para que o seu protesto fosse ouvido por alguém que

pudesse resolver a situação, ou seja, uma autoridade com prestígio para interceder junto aos

órgãos competentes. As conquistas de privilégios tais como isenções de taxas continuavam a

se processar por meio da velha troca de favores.

Para além das relações clientelistas, sua fala demonstrou também os quão defasados

estavam os valores dos benefícios pagos pela associação. Lembro ao leitor que os benefícios

não eram reajustados há mais de trinta anos, variando os valores dos enterramentos de

100$000 a 200$000, de acordo com a antiguidade do associado. Segundo a fala acima

transcrita, as despesas com taxas e demais burocracia consumiam 90$000, ou seja, para as

despesas com o funeral em si quase não sobrava dinheiro.

Tal situação derivou da política de autossustentação da associação por meio do

ingresso frequente de novos associados. Um dos fatores de atração de novos sócios era o

baixo valor das joias e mensalidades, o que por sua vez impedia o reajuste dos benefícios.

Durante todo o tempo em que participou da gestão da mutual, incluindo os quinze anos

seguidos em que dirigiu a associação, Prudencio de Carvalho manteve os preços de

mensalidades e benefícios sem qualquer reajuste. Durante a sua gestão no exercício 1929-

253

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade apresentado pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de

Carvalho em sessão de Assembleia Geral de 19 de junho de 1930, relativo ao exercício de 1º de maio de 1929 a

30 de abril de 1930, p. 7-8. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade.

135

1930, ele também não se preocupou em propor quaisquer mudanças. Mas, ao prestar contas

de sua gestão, fez constar no relatório que as duras críticas que a associação vinha sofrendo

quanto aos valores irrisórios dos benefícios eram procedentes. Concordava que os benefícios

pagos pela associação não eram suficientes para minorar o sofrimento dos enfermos e

pensionistas. Apontava como solução uma reforma estatutária que majorasse os valores das

contribuições obrigatórias dos associados e instituísse critérios mais justos e maiores

benefícios.

Portanto, o impasse econômico em que se encontrava a associação permitiu a

elaboração de discurso diverso do que vinha sendo praticado pela mutual. Outros valores que

não o da caridade foram reforçados, ainda que subliminarmente. Especificamente a autonomia

e o direito à proteção social digna foram levantados por Prudencio de Carvalho ao defender o

aumento das contribuições e dos benefícios dos associados. Diante da percepção dos dilemas

a serem enfrentadas pela mutual, outros valores precisaram voltar à pauta, enfraquecendo o

discurso da caridade naquele momento. Ainda que a caridade estivesse presente no discurso,

desta feita era como sinônimo de justiça: “Não é esta a situação compatível a uma agremiação

como a nossa, que tem como legenda – a Caridade – e assim a sua ação para com os

necessitados devia ser eficaz e compensadora”.254

254

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade apresentado pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de

Carvalho em sessão de Assembleia Geral de 19 de junho de 1930, relativo ao exercício de 1º de maio de 1929 a

30 de abril de 1930. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade, p. 10.

136

EPÍLOGO

Em 1924 Francisco Andrelino Brandão de Araujo, cobrador da Sociedade Bolsa de

Caridade desde 1904, exonerou-se da função alegando problemas de saúde. Os dois consócios

que já atuavam como auxiliares de cobrança, Francisco Deocleciano Cardoso de Aguiar,

arquivista da associação, e Florencio da Silva Friandes, 1º secretário do Diretório, assumiram

provisoriamente todo serviço de cobrança da associação. Na ocasião, Prudencio de Carvalho,

presidente do conselho diretório, sugeriu a contratação de um funcionário remunerado para

dinamizar o recebimento dessa fonte de receitas. Sua sugestão não foi atendida, restando

então a opção de nomear outro cobrador. Porém, não seria tarefa fácil encontrar alguém para

substituir o antigo cobrador da Sociedade Bolsa de Caridade.

De fato, não havia interessados em assumir essa função. Entre 1924 e 1930, a

associação contou com os serviços de um cobrador oficial apenas em 1927. Os relatórios

deixavam patente que essa dificuldade estava relacionada ao baixo valor da comissão auferida

com a cobrança das mensalidades, apenas 10% sobre as módicas contribuições mensais dos

sócios, de apenas um mil réis, quantia que estava congelada há cerca de trinta anos. A

exigência estatutária de caução, o grande número de sócios residentes em distritos distantes e

as muitas viagens que resultavam inúteis, contribuíam para tornar ainda mais ingrato o

trabalho do cobrador. Apesar de haver a possibilidade da quitação das mensalidades por

semestre ou mesmo anualmente, o que facilitaria a arrecadação e melhor compensaria ao

encarregado da cobrança, a maioria dos associados preferia o pagamento mensal. Podia

acontecer de a comissão recebida pelo cobrador ser insuficiente até para cobrir as despesas

com o transporte.

Em 1925, decorrido um ano da exoneração do antigo cobrador e sem que se

conseguisse um substituto, Florencio da Silva Friandes, já na condição de presidente do

diretório, convidou a sua esposa, também filiada à associação, D. Joanna Baptista Friandes

para substituí-lo na função que exercera desde 1912 - auxiliar de cobrança. Usualmente o

auxiliar de cobrança ficava sob a responsabilidade da diretoria, não lhes sendo exigido

qualquer tipo de caução. Ao aceitar o convite D. Joanna tornou-se a primeira mulher a

assumir formalmente uma função importante na associação. Cabe ressaltar que o cobrador não

fazia parte do diretório, portanto, não era um cargo eletivo, a exemplo do Recebedor.

137

Embora fosse um avanço para a condição feminina assumir uma função importante

na associação, é preciso levar em consideração que a nomeação de D. Joanna se deveu, em

grande medida, à falta de voluntários do sexo masculino para assumir o encargo. Também é

preciso destacar que a aceitação do seu nome parece estar muito mais influenciada pelo

prestígio que seu marido gozava na entidade e menos às suas qualificações para o exercício da

função. Apesar do ineditismo, Joanna Friandes permaneceu na condição de auxiliar de

cobrança até pelo menos 1930. Entretanto, seu pioneirismo não parece ter contribuído para

mudança significativa do lugar subalterno da condição feminina na associação. Para o período

posterior a 1930 localizei apenas um relatório, o referente ao exercício 1955-1957. Nele,

apenas os homens ocupavam cargos eletivos e não há qualquer menção a existência da função

de cobrador.

De qualquer maneira, não deve ter sido uma situação confortável para D. Joanna

Friandes. O exercício da função a obrigava a usar condução pública e percorrer distritos

distantes portando dinheiro dos associados. Havia o risco de furto ou assalto, como já

acontecera com o visitador da associação, que tivera a quantia destinada aos socorros de dez

associados furtada no bonde. O valor total de 163$000 (cento e sessenta e três mil-réis) foi

devolvida a associação em sete parcelas mensais, a pedido do visitador.255

Ademais, ter sua

mensalidade cobrada por uma mulher poderia causar certo estranhamento nos associados,

ainda que esta estivesse na prestigiosa condição de esposa do presidente do diretório.

Apesar de esse caso sugerir um tímido avanço da participação das mulheres na

associação, não foi meu objetivo discorrer sobre as questões de gênero no seio da mutual.

Faço a leitura desse caso muito mais como um indicativo do esgotamento de um modelo de

gestão que não mais atendia aos desafios postos pelo novo momento histórico. À medida que

o novo governo passou a investir de modo mais decisivo na criação do sistema público de

previdência social, as associações de ajuda mútua se tornavam menos atrativas do ponto de

vista securitário. Após quase seis décadas de existência a Sociedade Bolsa de Caridade teria

que se reinventar para continuar a cumprir com o seu papel de auxílio-mútuo. Mas isso já é

outra história.

Por outro lado, algumas mutuais resistiram à concorrência da previdência estatal e

conseguiram sobreviver aos nossos dias. A Sociedade Protetora dos Desvalidos, a Sociedade

255

RELATÓRIO do exercício de 1904 a 1905 apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade

pelo presidente do diretório Herculano Brittes Guimarães na sessão magna do 33º aniversário em 9 de julho de

1905. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, Rua São Francisco nº 29, 1905. P. 12. Arquivo da

Sociedade Bolsa de Caridade.

138

Bolsa dos Patriotas e a Sociedade Montepio dos Artistas são exemplos de associações ainda

existentes, mantendo sua memória e seu patrimônio preservados, inclusive parte dos bens

imóveis. É o caso da SBC, que ainda possui dois prédios e um mausoléu no Cemitério da

Quinta dos Lázaros. Ainda que não tenham mais peso no sistema de proteção material aos

trabalhadores, o fato de essas associações sobreviverem até o século XXI possivelmente seja

um indicador de que as sociedades mutualistas representavam - ao menos para uma parcela

dos associados - mais do que apenas o interesse securitário.

139

Arquivos e fontes

ARQUIVOS

I. Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB)

Seção de Arquivos Colonial e Provincial (SACP)

Presidência da Província – Série Militares - Correspondência recebida do diretor do

Arsenal de Guerra da Bahia: Maços 3331; 3334; 3335; 3336; 3337; 3340; 3341; 3349;

3351 e 3354.

Série Religião – Correspondências de Asilos - Correspondência recebida da Sociedade

Bolsa de Caridade (1879 – 1889): Maço 5305.

Seção Judiciária

Autos Cíveis, Inventários e Testamentos.

Seção Republicana

Documentos da Secretaria de Governo. Caixa 1821 – Maço 1935.

Seção Legislativa

Assembleia Legislativa Provincial do Estado da Bahia - Série Ofícios Recebidos e

Expedidos: Livro 1180.

Câmara dos Deputados, Ofícios Recebidos e Expedidos (1891-1894), livro 1107.

Biblioteca Francisco Vicente Vianna

Relatórios.

o Relatórios da Sociedade Bolsa de Caridade. Caixa 60. n.º 37-56.

o Relatórios diversas sociedades de auxílio mútuo. Caixa 60.

II. Biblioteca Pública do Estado da Bahia

Diretoria de Bibliotecas Públicas, Subgerência de Obras Raras, Relatórios

Institucionais.

III. CEDIC – Centro de documentação e Informação Cultural sobre a Bahia da

Fundação Clemente Mariani.

140

Acervo de Memória e Documentação

o Estatuto e Regimento Interno da Sociedade Bolsa de Caridade – 1892.

IV. Arquivo da Sociedade Bolsa de Caridade – ASBC

o Relatórios – 1887/1888 a 1929/1930

o Estatutos – 1900 e 1906.

V. IPAC – Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia

Centro de Documentação e Memória do IPAC - Biblioteca Manuel Querino

VI. Biblioteca Nacional Digital (BNDigital)

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

FONTES

APEB - ESTATUTOS, RELATÓRIOS E BALANCETES DA SOCIEDADE BOLSA DE

CARIDADE

Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 8 de maio de

1875 a 30 de abril de 1876. Série Militares - Correspondência recebida do diretor do

Arsenal de Guerra da Bahia, maço 3336.

Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 8 de maio de

1875 a 30 de abril de 1876. Série Militares - Correspondência recebida do diretor do

Arsenal de Guerra da Bahia, maço 3337.

Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 7 de

novembro de 1877 a 30 de abril de 1880. Série Religião – Correspondências de Asilos.

Fls. 126. Correspondência recebida da Sociedade Bolsa de Caridade (1879-1889), maço

5305.

Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 1º de maio de

1880 a 30 de abril de 1881. Série Religião – Correspondências de Asilos. Fls. 126.

Correspondência recebida da Sociedade Bolsa de Caridade (1879-1889), maço 5305.

Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 1º de maio de

1881 a 30 de abril de 1882. Série Religião – Correspondências de Asilos. Fls. 126.

Correspondência recebida da Sociedade Bolsa de Caridade (1879-1889), maço 5305.

141

Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 1º de maio de

1882 a 30 de abril de 1883. Série Religião – Correspondências de Asilos. Fls. 126.

Correspondência recebida da Sociedade Bolsa de Caridade (1879-1889), maço 5305.

Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 1º de maio de

1883 a 30 de abril de 1884. Série Religião – Correspondências de Asilos. Fls. 126.

Correspondência recebida da Sociedade Bolsa de Caridade (1879-1889), maço 5305.

Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 1º de maio de

1885 a 30 de abril de 1886. Série Religião – Correspondências de Asilos. Fls. 126.

Correspondência recebida da Sociedade Bolsa de Caridade (1879-1889), maço 5305.

Demonstrativo da Receita e Despesa da Sociedade Bolsa de Caridade desde 1º de maio de

1886 a 30 de abril de 1887. Série Religião – Correspondências de Asilos. Fls. 126.

Correspondência recebida da Sociedade Bolsa de Caridade (1879-1889), maço 5305.

ESTATUTOS da Sociedade Bolsa de Caridade dos Empregados e Operários do Arsenal

de Guerra da Bahia de 8 de maio de 1872. Bahia: Tipografia de J. G. Tourinho, 1873.

ESTATUTOS da Sociedade Bolsa de Caridade reformados a 9 de dezembro de 1879 e

instalada a 8 de maio de 1872. Bahia: Litho-Typographia de J. G. Tourinho, 1880.

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1892 a 1893 apresentado pelo

presidente do diretório Manoel Victoriano de Souza em sessão magna comemorativa do

21º aniversário em 14 de maio de 1893. Bahia: Litho-typographia V. Oliveira & C., 1893.

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade do exercício de 1893 a 1894 apresentado pelo

presidente da direção Eduardo Victoriano de Souza na sessão magna do 22º aniversário

em 27 de maio de 1894. Bahia: Litho-Typographia V. de Oliveira &C., 1894.

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1911 a 1912 apresentado pelo

presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em sessão magna comemorativa do

40º aniversário em 30 de junho de 1912. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de

Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1912.

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1912 a 1913 apresentado pelo

presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em sessão magna comemorativa do

41º aniversário em 13 de setembro de 1914. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu

de Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1913.

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1913 a 1914 apresentado pelo

presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em sessão magna comemorativa do

142

42º aniversário em 30 de junho de 1912. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de

Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, Bahia: 1914.

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1914 a 1915 apresentado pelo

presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 13

de junho de 1915 e unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu

de Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1915.

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1915 a 1916 apresentado pelo

presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 7 de

julho de 1916 e unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de

Artes Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1916.

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1917 a 1918 apresentado pelo

presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em assembleia geral realizada em 27

de junho de 1918 e unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu

de Artes Ofícios, 1918.

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1918 a 1919 apresentado pelo

presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em de 27 de junho de 1919 e na

mesma unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e

Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1919.

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade – Cinquenta anos de existência. 1872-

1922. O seu movimento no exercício de 1921 a 1922, relatado pelo presidente do diretório

J. Prudencio F. de Carvalho, em Assembleia Geral de 20 de junho de 1922 e na mesma

unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes Ofícios,

1922.

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1923 a 1924 apresentado pelo

presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em de 16 de julho de 1924 e na mesma

unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e

Ofícios,1924.

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1928 a 1929 apresentado pelo

presidente do diretório Florencio da Silva Friandes em de 05 de setembro de 1929 e na

mesma unanimemente aprovado. Bahia: Imprensa Moderna, 1929.

143

APEB – RELATÓRIOS DE SOCIEDADES MUTUALISTAS

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado e aprovado

em sessão de 31 de janeiro de 1907, pelo presidente do Conselho Diretório Major

Herculano Brittes Guimarães, exercício de 1905 a 1906. Bahia: Tipografia e

Encadernação Liceu de Artes e Ofícios, 1906.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas para o exercício social

1921 a 1922, apresentado pelo presidente do Diretório Joaquim da Costa Doria, em

sessão da Assembleia Gera de 29 de dezembro de 1922, e na mesma aprovado. Bahia,

Tipografia e Encadernação Liceu de Artes e Ofícios, 1922.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas para o exercício social

1937 a 1938, apresentado pelo presidente do Conselho Diretório Pedro da Boa Morte,

aprovado em sessão de 15 de fevereiro de 1939. Bahia: Tipografia Ideal, 1939.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas para o exercício social

1938 a 1939, apresentado pelo presidente do Conselho Diretório Pedro da Boa Morte e

unanimemente aprovado em sessão de 29 de março de 1940. Bahia: Tipografia Ideal,

1940.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas para o exercício social

1940 a 1941, apresentado pelo presidente do Conselho Diretório Pedro da Boa Morte,

aprovado unanimemente em sessão de Assembleia de 20 de fevereiro de 1942. Bahia:

Tipografia Ideal, 1942.

RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos apresentado pelo presidente do

Diretório Júlio Alves da Palma aprovado em sessão da Assembleia Geral de 24 de

outubro de 1919, exercício 1918 a 1919. Bahia: Tipografia e Encadernação Liceu de

Artes e Ofícios, 1919.

RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos apresentado pelo presidente do

Diretório Aureliano Joaquim de Santa Cecília, em Assembleia Geral de 9 de setembro

de 1936 e na mesma unanimemente aprovado, exercício de 1935-36. Bahia:

Tipografia Ideal, 1936.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente União Philantropica dos Artistas apresentado

à Assembleia Geral em reunião de 8 de junho de 1898, pelo presidente da Direção

Terencio Aranha Dantas e pela mesma unanimemente aprovado. Bahia, Imprensa

Moderna de Prudencio de Carvalho, 1898.

144

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente União Philantropica dos Artistas apresentado

pelo presidente da diretoria Major Cosme de Farias, em sessão de Assembleia Geral

de 20 de junho de 1911, e unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia do Salvador –

Catedral, 1911.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente União Philantropica dos Artistas apresentado

pelo presidente da Direção Major Ivo Pedro de Souza Pinheiro, na sessão da

Assembleia Geral de 25 de junho de 1912, e na mesma aprovado. Bahia: Tipografia e

Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1912.

BPEB - RELATÓRIOS DA SOCIEDADE BOLSA DE CARIDADE

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1902 a 1903 apresentado

pelo presidente do diretório capitão Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna

comemorativa do 31º aniversário em 14 de julho de 1903. Bahia: Imprensa Moderna

de Prudencio de Carvalho, Rua São Francisco, 29, 1903.

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1906 a 1907 apresentado

pelo presidente do diretório capitão Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna

comemorativa do 35º aniversário em 21 de julho de 1907. Bahia: Tipografia e

Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1907.

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1907 a 1908 apresentado

pelo presidente do diretório capitão Euthymio da Cruz Baptista em sessão magna

comemorativa do 36º aniversário em 09 de agosto de 1908. Bahia: Tipografia e

Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1908.

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1908 a 1909 apresentado

pelo presidente do diretório Candido Honorio Pinto em sessão magna comemorativa

do 37º aniversário em 11 de julho de 1909. Bahia: Tipogafia e Encadernação do Liceu

de Artes e Ofícios, Prudencio de Carvalho, diretor, 1909.

BPEB - RELATÓRIOS DE SOCIEDADES MUTUALISTAS

RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1904 a

1905, apresentado pelo Conselho Diretório em sessão da Assembleia Geral de 30 de

abril de 1905, e na mesma aprovado. Bahia, Imprensa Moderna, 1905.

145

RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1905 a

1906, apresentado pelo Conselho Diretório em sessão da Assembleia Geral de 22 de

abril de 1906, e na mesma aprovado. Bahia, Tipografia e Encadernação do Liceu de

Artes e Ofícios, 1906.

RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1906 a

1907, apresentado pelo Conselho Diretório em sessão da Assembleia Geral de 21 de

abril de 1907 e unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu

de Artes e Ofícios, 1907.

RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1907 a

1908, apresentado pelo Conselho Diretório em sessão da Assembleia Geral de 19 de

abril de 1908 e unanimemente aprovado. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu

de Artes e Ofícios, 1908.

RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1908 a

1909, apresentado pelo Conselho Diretório em sessão da Assembleia Geral de 25 de

abril de 1909. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1909.

RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1909 a

1910, apresentado pelo Conselho Diretório e aprovado em Assembleia Geral de 24 de

abril de 1910. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1910.

RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1910 a

1911, apresentado pelo Conselho Diretório em sessão da Assembleia Geral de 16 de

abril de 1911. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1911.

RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1911 a

1912, apresentado pelo Conselho Diretório em sessão da Assembleia Geral de 28 de

abril de 1912. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1912.

RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1924,

apresentado pelo Presidente do Conselho Diretório Theodomiro Baptista, aprovado em

Assembleia Geral do dia 8 de fevereiro de 1924. Bahia, 1925.

RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1928,

apresentado pelo Presidente do Conselho Diretório Caetano de Carvalho, aprovado em

Assembleia Geral do dia 24 de fevereiro de 1929. Bahia: s/e, 1929.

RELATÓRIO da Associação Typográfica Baiana para o exercício social de 1937,

apresentado pelo Presidente do Conselho Diretório Democrito Gomes de Carvalho,

aprovado em Assembleia Geral de 27 de março de 1938. Bahia, 1939.

146

RELATÓRIO do Centro Operário da Bahia para o exercício social de 6 de maio de

1899 a 21 de abril de 1900, apresentado pelo presidente do Conselho Executivo, Sr

Ismael Ribeiro, e aprovado em sessão da Assembleia Geral de 12 de agosto de 1900.

Bahia: Tipografia Passos, 1900.

RELATÓRIO do Centro Operário da Bahia para o exercício social de 6 de maio de

1902 a 30 de abril de 1903, apresentado pelo presidente do Conselho Executivo, Sr

Ismael Ribeiro, e aprovado em sessão da Assembleia Geral de 3 de maio de 1903.

Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1903.

RELATÓRIO do Centro Operário da Bahia para o exercício social de 06 de maio de

1908 a 5 de maio de 1909, apresentado pelo presidente do Conselho Executivo, Sr

Ismael Ribeiro, e aprovado em sessão da Assembleia Geral de 20 de abril de 1910.

Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1910.

RELATÓRIO da diretoria do Club Caixeiral, relativo ao exercício 1918 a 1919,

apresentada à Assembleia Geral reunida em 25 de julho de 1919, Bahia, Imprensa

Oficial do Estado, 1919.

RELATÓRIO do Club Defensor e Beneficente dos Machinistas, relativo ao ano de

1903, apresentado por Júlio Marcellino Gesteira, presidente do Diretório, em sessão de

Assembleia Geral. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1904.

RELATÓRIO do Grêmio Beneficente do Professorado Baiano para o exercício social

1901 a 1902. Bahia, 1902.

RELATÓRIO do Grêmio Beneficente do Professorado Baiano para o exercício social

1902 a 1903. Bahia, 1903.

RELATÓRIO do Grêmio Beneficente do Professorado Baiano para o exercício social

1903 a 1904. Bahia, 1904.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Chapeleiros para o exercício social

1897 a 1898. Bahia: 1898.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado em 22 de

outubro de 1899, e pela mesma unanimemente aprovado, pelo presidente do Diretório

João Maria. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1899.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado em 22 de

outubro de 1900, e pela mesma unanimemente aprovado, pelo presidente do Diretório

Justiniano Augusto do Bonfim. Bahia: Imprensa Moderna, 1900.

147

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado pelo

presidente do Diretório Justiniano Augusto do Bonfim, em sessão de 24 de outubro de

1901 e na mesma unanimemente aprovado. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de

Carvalho, 1901.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado pelo

presidente do Diretório Professor Lúcio Casimiro dos Santos, em sessão da

Assembleia Geral de 27 de outubro de 1904, e na mesma unanimemente aprovado.

Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, 1904.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado e aprovado

em sessão de 31 de janeiro de 1907, pelo presidente do Conselho Diretório major

Herculano Brittes Guimarães, exercício de 1905 a 1906. Bahia: Tipografia e

Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1906.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado em sessão da

Assembleia Geral de 23 de novembro de 1908 pelo presidente do Conselho Diretório

capitão Horário de Andrade Silva e na mesma unanimemente aprovado, exercício de

1907 a 1908. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1908.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado em

Assembleia Geral de 27 de novembro de 1910 pelo presidente do Conselho Diretório

José Balbino Falcão e na mesma aprovado, exercício de 1909 a 1910. Bahia: Oficinas

do Diário da Bahia, 1910.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas apresentado pelo

presidente do Conselho Diretório Joaquim da Costa Doria em sessão da Assembleia

Geral de 29 de outubro de 1925 e na mesma aprovado. Bahia: Tipografia e

Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios, 1925.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente 24 de Julho, dos operários da fábrica

Empório Industrial do Norte, apresentado pelo presidente da Diretoria, Dr. Adriano

dos Reis Gordilho, em 28 de julho de 1918. Bahia: Oficinas do Diário da Bahia, 1918.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente 24 de Julho para o exercício social 1917 a

1918. Bahia: Oficinas do Diário da Bahia, 1918.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente de Santana apresentado na sessão da

Assembleia Geral em 30 de julho de 1899. Bahia: Imprensa Econômica, 1899.

148

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente de Santana apresentado na sessão da

Assembleia Geral em 29 de julho de 1900. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de

Carvalho, 1900.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente de Santana apresentado na sessão da

Assembleia Geral em 28 de julho de 1901. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de

Carvalho, 1901.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente de Santana apresentado na sessão da

Assembleia Geral em 27 de julho de 1902, Bahia, Imprensa Moderna de Prudencio de

Carvalho, 1902.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente de Santana apresentado na sessão da

Assembleia Geral em 19 de julho de 1903. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de

Carvalho, 1903.

RELATÓRIO apresentado à Assembleia Geral da Sociedade Beneficência Primeiro de

Maio, em 20 de maio de 1894, pelo Dr. José Isidoro dos Santos Silva, presidente do

Diretório. Bahia: Lito-Tipografia V. Oliveira & Cia., 1894.

RELATÓRIO da Sociedade Beneficente União das Classes apresentado e aprovado

em Assembleia Geral de 23 de dezembro de 1898, por Manoel Cardoso de Aguiar,

presidente do Conselho Diretório. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de

Carvalho, 1898.

RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos relativo ao exercício de 1895 a

1896, apresentado pelo presidente do Diretório Florencio da Silva Friandes, aprovado

em sessão de 23 de outubro de 1896. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de

Carvalho, 1896.

RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos relativo ao exercício de 1896 a

1897, apresentado pelo presidente do Diretório João Francisco Regis d’Antão,

aprovado em sessão de 1º de novembro de 1897. Bahia: Imprensa Moderna de

Prudencio de Carvalho, 1897.

RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos apresentado pelo presidente do

Diretório Affonso João Maria de Freitas, exercício de 1899 a 1900, aprovado em

sessão de Assembleia Geral de 15 de janeiro de 1901. Bahia: Imprensa Moderna de

Prudencio de Carvalho, 1900.

149

RELATÓRIO da Sociedade Protetora dos Desvalidos apresentado pelo presidente do

Diretório Theotonio Teixeira dos Santos, aprovado em sessão de Assembleia Geral de

25 de fevereiro de 1925. Bahia: 1925.

CEDIC – ESTATUTO E REGIMENTO INTERNO DA SOCIEDADE BOLSA DE

CARIDADE

ESTATUTOS e regimento interno da Sociedade Bolsa de Caridade aprovado em sessão

de 23 de março de 1892. Bahia: Tipografia do Diário da Bahia, 1892. Acervo 200757.

ASBC – ESTATUTOS E RELATÓRIOS DA SOCIEDADE BOLSA DE CARIDADE

Estatutos da Sociedade Bolsa de Caridade aprovado em sessão de 8 de fevereiro de

1900. Bahia: Typographia Gutenberg, Rua do Arcebispo n.2, 1900.

Estatutos da Sociedade Bolsa de Caridade aprovados em sessão de assembleia geral de

24 de março de 11909. Bahia: Tipografia e Encadernação do Lyceu de Artes.

Prudencio de Carvalho, diretor, 1909.

RELATÓRIO do exercício de 1887 a 1888 apresentado a Assembleia Geral da

Sociedade Bolsa de Caridade na sessão magna do 16º aniversário no dia 10 de maio de

1888. Bahia: Lytho-Typographia de J. G. Tourinho, Largo das Princesas n.15, 2º

andar, 1888.

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1888 a 1889) apresentado

em sessão de 12 de maio de 1889 pelo presidente do conselho Elpidio Adolpho de

Menezes. Bahia: Lytho-Typographia de J. G. Tourinho, Largo das Princesas n.15, 2º

andar, 1889.

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1889 a 1890) apresentado

em sessão de 11 de maio de 1890 pelo presidente do conselho administrativo Elpidio

Adolpho de Menezes. Bahia: Lytho-Typographia de J. G. Tourinho, Largo das

Princesas n.15, 2º andar, 1890.

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1890 a 1891) apresentado

em sessão de 10 de maio de 1891 pelo presidente do conselho administrativo

Marciano Martinho Dumiense. Bahia: Typographia Dois Mundos, Praça do Comércio,

n. 3, 1891.

150

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1891 a 1892) apresentado

em sessão de 8 de maio de 1892 pelo presidente do conselho administrativo José Paulo

de Souza Moraes. Bahia: Lytho-Typographia V. Oliveira & C. Rua Nova das

Princesas, n.8, 2º andar, 1892.

RELATÓRIO apresentado a Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade pelo

presidente do diretório Herculano Brittes Guimarães na sessão magna do seu 24º

aniversário em 31 de maio de 1896. Bahia: Imprensa Moderna de Prudencio de

Carvalho, Ladeira da Praça n. 29, 1896.

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade (exercício 1896 a 1897) apresentado

pelo presidente do diretório Capitão Herculano Brittes Guimarães na Assembleia

Geral da sessão magna do seu 25º aniversário em 30 de maio de 1897. Bahia:

Typographia da “Cidade do Salvador”, Rua da Alfândega n. 23, 1897.

RELATÓRIO do exercício de 1897 a 1898 apresentado em Assembleia Geral da

Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório Presciliano José Leal na

sessão magna de 5 de junho de 1898 comemorativa do 26º aniversário. Bahia: Litho-

Typo. e Encadernação V. Oliveira & C. Praça do Comércio n.13, 1898

RELATÓRIO do exercício de 1898 a 1899 apresentado em Assembleia Geral da

Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório Antonio Bento Guimarães

na sessão magna de 28 de maio comemorativa do 27º aniversário. Bahia: Typ.

Gutenberg de Costa $ Brandão, Rua Direita do Colégio n. 23, 1899.

RELATÓRIO do exercício de 1899 a 1900 apresentado a Sociedade Bolsa de

Caridade em Assembleia Geral pelo presidente do diretório Herculano Brittes

Guimarães em sessão magna de 15 de julho de 1900 comemorativa do 28º aniversário.

Bahia: Typographia Gutenberg, Rua do Arcebispo n. 2, 1900.

RELATÓRIO do exercício de 1900 a 1901 apresentado a Sociedade Bolsa de

Caridade em Assembleia Geral pelo presidente do diretório Herculano Brittes

Guimarães na sessão magna de 21 de julho de 1901 comemorativa do 29º aniversário.

Bahia: Typographia Gutenberg, Rua dos Droguistas n. 32, 1901.

RELATÓRIO do exercício de 1901 a 1902 apresentado a Assembleia Geral da

Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório Antonio Borges Nogueira na

sessão magna do 30º aniversário em 15 de junho de 1902. Bahia: Tipografia

Gutenberg Rua dos Droguistas n. 32, 1902.

151

RELATÓRIO do exercício de 1903 a 1904 apresentado em Assembleia Geral da

Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório Euthymio da Cruz Baptista

em sessão magna comemorativa do 32º aniversário em 12 de junho de 1904. Bahia:

Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, Rua São Francisco n. 29, 1904.

RELATÓRIO do exercício de 1904 a 1905 apresentado a Assembleia Geral da

Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório Herculano Brittes

Guimarães na sessão magna do 33º aniversário em 9 de julho de 1905. Bahia:

Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, Rua São Francisco nº 29, 1905.

RELATÓRIO do exercício de 1905 a 1906 apresentado a Assembleia Geral da

Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório Herculano Brittes

Guimarães na sessão magna do 34º aniversário em 8 de julho de 1906. Bahia:

Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes e Ofícios dirigida por Prudencio de

Carvalho, 1906

RELATÓRIO do exercício de 1909 a 1910 apresentado em Assembleia Geral da

Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório Major Herculano Brittes

Guimarães em sessão magna comemorativa do 38º aniversário em 31 de julho de

1910. Bahia: Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes, Prudencio de Carvalho,

diretor premiado com Medalha de Ouro da Exposição Nacional de 1908.

RELATÓRIO do exercício de 1910 a 1911 apresentado em Assembleia Geral da

Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho

na sessão magna comemorativa do 39º aniversário em 9 de julho de 1911. Bahia:

Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes, Prudencio de Carvalho, diretor

premiado com Medalha de Ouro da Exposição Nacional de 1908.

RELATÓRIO do exercício de 1916 a 1917 apresentado em Assembleia Geral da

Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório José Prudencio Ferreira de

Carvalho na Assembleia Geral realisada em 17 de julho de 1917 e unanimemente

aprovado. Tipografia e Encadernação do Liceu de Artes, Prudencio de Carvalho,

diretor premiado com Medalha de Ouro da Exposição Nacional de 1908. Bahia: 1917.

RELATÓRIO do exercício de 1919 a 1920 apresentado em Assembleia Geral da

Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho

em sessão de 16 de julho de 1920 e na mesma unanimemente aprovado.Tipografia e

Encadernação do Liceu de Artes, Prudencio de Carvalho, diretor premiado com

Medalha de Ouro da Exposição Nacional de 1908. Bahia: 1920.

152

RELATÓRIO do exercício de 1920 a 1921 apresentado em Assembleia Geral da

Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do conselho diretório J. Prudencio F. de

Carvalho em sessão de 14 de julho de 1921 e na mesma unanimemente

aprovado.Typographia e Encadernação do Lyceu de Artes, Prudencio de Carvalho,

diretor, premiado com Medalha de Ouro da Exposição Nacional de 1908 e na do

Lyceu de Artes e Officios em 1913. Bahia: 1921.

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1922-1923 relatado pelo

presidente do diretório J. Prudencio F. de Carvalho em Assembleia Geral de 1 de

agosto de 1923 e na mesma unanimemente aprovado.Typographia do Lyceu de Artes.

Bahia: 1923.

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade 1924-1925. Typographia e

Encadernação do Lyceu de Artes e Officios. Brasil: 1925.

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1925-1926 apresentado

em Assembleia Geral da Sociedade Bolsa de Caridade pelo presidente do conselho

diretório Florencio da Silva Friandes em sessão de 10 de junho de 1926 e pela mesma

unanimemente aprovado. Bahia: 1926.

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1926-1927 apresentado

pelo presidente do diretório Florencio da Silva Friandes. Imprensa Moderna – Rua

Campellas n. 18. Bahia: 1927.

RELATÓRIO da Sociedade Bolsa de Caridade exercício de 1927-1928 apresentado

pelo presidente do diretório Florencio da Silva Friandes em sessão da Assembleia

Geral de 17 de agosto de 1928 e pela mesma unanimemente aprovado. Imprensa

Moderna de Eurico Wanderley & C. – Rua do Motta, 7 A. Bahia: 1928.

RELATÓRIO Sociedade Bolsa de Caridade apresentado pelo presidente do diretório

J. Prudencio F. de Carvalho em sessão de Assembleia Geral de 19 de junho de 1930,

relativo ao exercício de 1º de maio de 1929 a 30 de abril de 1930.

(BNDigital) – PERIÓDICOS

A Manhã: Propriedade da Sociedade Anonyma “Diário de Notícias” (BA).

A Notícia: Nosso Programma - nossa rota, nosso escopo (BA).

Almanak do Estado da Bahia: Administrativo, Indicador e Noticioso (BA) – 1898 a

1903.

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Almanaque Administrativo, Commercial e Industrial: Para o anno de 1873,

Quinquagesimo Segundo da Independência e do Império (BA).

Almanaque Laemmert: Administrativo, Mercantil e Industrial (RJ) – 1891 a 1940.

Almanack Litterario: E de indicações para o anno de 1889 (BA).

Annaes da Assembleia Legislativa dos Senhores Deputados do Estado Federado

da Bahia: Sessões (BA).

Annaes da Assembleia Legislativa Provincial da Bahia (BA).

Atalaia: Periódico Noticioso, Litterário, Religioso e Comercial (BA).

Cidade do Salvador (BA).

Correio da Bahia: O Correio da Bahia é propriedade de uma Associação (BA).

Correio do Povo: Orgão Independente, Noticioso e Informativo (BA).

Diário da Bahia: Jornal Mercantil, Político e Litterario (BA).

Diário de Noticias (BA).

Gazeta de Notícias: Sociedade Anonyma (BA).

Jornal de Notícias (BA).

Leituras Religiosas: Publicação Semanal (BA).

Mensagens do Governador da Bahia para Assembleia (BA) – 1892 a 1930.

O Combate: Vespertino Independente, Político, Noticioso e Reacionário (BA).

O Imparcial: Matutino Independente (BA).

O Monitor (BA).

Pequeno Jornal (BA).

Relatório dos Trabalhos do Conselho interino de Governo (BA) – 1823 a 1889.

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