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RESUMO Objectivo: Definir a população, caracterizar a apresentação clínica e imagiológica e avaliar o tratamento instituído nos quadros de celulite periorbitário em idade pediátrica. Desenho do Estudo: Estudo retrospectivo Material e Métodos: Os dados são relativos ao período de Ou- tubro de 2008 a Outubro de 2009. Foram avaliados os regis- tos de todas as crianças internadas com o diagnóstico de celulite periorbitária, tendo sido avaliados aspectos relativos aos doentes e aos factores de risco associados, à apresentação clínica e ao tratamento efectuado. Resultados e Conclusões: Foram incluídas 12 crianças com diagnóstico de celulite periorbitária; a maioria apresentou-se com edema em toda a circunferência periorbitária, sem febre, num contexto de infecção respiratória alta. Maioritariamente do sexo feminino e com maior afluência nos meses de Outu- bro e Novembro. Atingimento predominante dos seios et- moidais e maxilares bilateralmente. Tratadas medicamente, com uma mediana de 8 dias de internamento, sendo neces- sária abordagem cirúrgica em dois casos. É necessária uma avaliação consistente para evitar danos irreversíveis. PALAVRAS-CHAVE: Celulite orbitária, Rinossinusite, Compli- cações. ABSTRACT Objective: To define the population, to characterize the clinical and imagiological presentation and evaluate the treatment pro- vided in the cases of orbital cellulitis in children. Study Design: Retrospective study Material and Methods: Data related to the period from October 2008 to October 2009. The authors evaluated the records of all children admitted with a diagnosis of orbital cellulitis, analyzing patient´s aspects, clinical presentation and treatment performed. Results and Conclusions: The study included 12 children diag- nosed with orbital cellulitis. More frequent during the months of October and November and affecting mostly female patients. Most presented with swelling around the entire orbital circum- ference, without fever, in a context of upper respiratory tract in- fection. Predominantly affects the ethmoid and maxillary sinus bilaterally. All the patients were treated medically and surgical approach was necessary in two cases. Median of 8 days of hos- pitalization. A carefully evaluation is needed to avoid complica- tions. KEY-WORDS: Orbital cellulitis, Rhinosinusitis, Complications RINOLOGIA CELULITE PERIORBITÁRIA: QUE CARACTERÍSTICAS E QUE ABORDAGEM? ORBITAL CELLULITIS: CHARACTERISTICS AND APPROACH Conceição Peixoto . Interno Complementar de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra, EPE José Basto . Assistente Hospitalar Graduado de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra, EPE Carlos Ribeiro . Director do Serviço de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra, EPE Correspondência: Maria da Conceição de Paiva Peixoto . Travessa do Merouço, 137 . 4535-425 Santa Maria de Lamas E-mail: [email protected] 6 Dezembro de 2010

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RESUMO

Objectivo: Definir a população, caracterizar a apresentaçãoclínica e imagiológica e avaliar o tratamento instituído nosquadros de celulite periorbitário em idade pediátrica.

Desenho do Estudo: Estudo retrospectivo

Material e Métodos: Os dados são relativos ao período de Ou-tubro de 2008 a Outubro de 2009. Foram avaliados os regis-tos de todas as crianças internadas com o diagnóstico decelulite periorbitária, tendo sido avaliados aspectos relativosaos doentes e aos factores de risco associados, à apresentaçãoclínica e ao tratamento efectuado.

Resultados e Conclusões: Foram incluídas 12 crianças comdiagnóstico de celulite periorbitária; a maioria apresentou-secom edema em toda a circunferência periorbitária, sem febre,num contexto de infecção respiratória alta. Maioritariamentedo sexo feminino e com maior afluência nos meses de Outu-bro e Novembro. Atingimento predominante dos seios et-moidais e maxilares bilateralmente. Tratadas medicamente,com uma mediana de 8 dias de internamento, sendo neces-sária abordagem cirúrgica em dois casos. É necessária umaavaliação consistente para evitar danos irreversíveis.

PALAVRAS-CHAVE: Celulite orbitária, Rinossinusite, Compli-cações.

ABSTRACT

Objective: To define the population, to characterize the clinicaland imagiological presentation and evaluate the treatment pro-vided in the cases of orbital cellulitis in children.

Study Design: Retrospective study

Material andMethods: Data related to the period from October2008 to October 2009. The authors evaluated the records of allchildren admitted with a diagnosis of orbital cellulitis, analyzingpatient´s aspects, clinical presentation and treatment performed.

Results and Conclusions: The study included 12 children diag-nosed with orbital cellulitis. More frequent during the months ofOctober and November and affecting mostly female patients.Most presented with swelling around the entire orbital circum-ference, without fever, in a context of upper respiratory tract in-fection. Predominantly affects the ethmoid and maxillary sinusbilaterally. All the patients were treated medically and surgicalapproach was necessary in two cases. Median of 8 days of hos-pitalization. A carefully evaluation is needed to avoid complica-tions.

KEY-WORDS: Orbital cellulitis, Rhinosinusitis, Complications

RINOLOGIA

CELULITE PERIORBITÁRIA:QUE CARACTERÍSTICAS E QUE ABORDAGEM?

ORBITAL CELLULITIS: CHARACTERISTICS AND APPROACHConceição Peixoto . Interno Complementar de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra, EPE

José Basto . Assistente Hospitalar Graduado de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra, EPE

Carlos Ribeiro . Director do Serviço de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra, EPE

Correspondência: Maria da Conceição de Paiva Peixoto . Travessa do Merouço, 137 . 4535-425 Santa Maria de Lamas

E-mail: [email protected]

6 Dezembro de 2010

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Distribuição por sexos.

Distribuição de acordo com antecedentes de relevo.

FIG

1FI

G2

2 Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO

Relativamente ao episódio que motivou o internamento, estesocorreram sobretudo nos meses de Outubro e Novembro (Ta-bela 2). Sete das doze crianças apresentavam, à entrada, his-tória de um contexto respiratório superior, e um dos casostinha o diagnóstico de pneumonia, dois dias antes do inter-namento (Figura 3).

Idade 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

Crianças - - 3 3 3 - 1 - - - - - - 1 - 1

DISTRIBUIÇÃO POR IDADESTA

B1

Mês deIncidência Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Crianças - 1 1 - - - - - - 5 4 1

DISTRIBUIÇÃO POR MESES DO ANO

TAB

2

: :INTRODUÇÃOPor celulite periorbitária entende-se todo e qualquer processoinflamatório envolvendo os tecidos periorbitários. Ocorre maisfrequentemente em idade pediátrica e pode ter na sua basediversas patologias. Entre elas, destacam-se a rinossinusite, in-fecções do tracto respiratório superior, traumatismo local, con-juntivite, dacriocistite, bem como condições subjacentes maisgraves, como distúrbios do colagénio vascular, doenças sisté-micas, neoplasias intraorbitárias ou perinasais.(1)

De entre essas causas, a rinossinusite assume um papel dedestaque, sendo responsável por cerca de 75% dos casos, po-dendo mesmo a celulite periorbitária ser a sua primeira e únicamanifestação.(2)

A rinossinusite pode conduzir a complicações locais e sistémi-cas. Anatomicamente, a maioria das complicações locais estárelacionada directamente com os seios perinasais. As restantesestruturas envolvidas incluem a órbita e o crânio.

A órbita é ladeada por três dos seios perinasais, sendo por issoparticularmente susceptível à disseminação contínua da infec-ção dos seios. Este aspecto é mais acentuado em crianças, porcausa da fina espessura óssea que compõe as paredes orbitá-rias e sinusais, da grande porosidade desses ossos, das linhas desutura abertas e orifícios vasculares alargados.

Seja através de estes defeitos ósseos, seja por disseminação pelosistema venoso avalvular oftálmico, com possibilidade de umatromboflebite retrógrada e disseminação da infecção, estabe-lece-se uma extensa comunicação entre os seios perinasais e asestruturas envolventes. O reconhecimento desta complicaçãoe o seu tratamento imediato evitará sequelas sérias.

O estudo apresentado pretende analisar as características dosdoentes em quem surge esta complicação, caracterizar as ma-nifestações que acompanham a sua apresentação, bem como aabordagem e achados diagnósticos e orientações terapêuticas.

: :MATERIAL E MÉTODOSEste trabalho baseou-se no estudo retrospectivo dos registosclínicos das crianças internadas num hospital pediátrico.Foram seleccionadas todas as crianças internadas com o diag-nóstico de “Celulite Periorbitária”, no período de 1 de Outu-bro de 2008 a 1 de Outubro de 2009. Realizou-se a avaliaçãodas características referentes à criança, ao episódio em ques-tão e à avaliação subsequente e tratamento efectuado. Pro-cedeu-se à observação e acompanhamento durante o períodode um ano após o episódio de internamento. Os dados foramanalisados estatisticamente no programa Excel (Office 2007).

: :RESULTADOSDurante o período considerado, foram internadas com o diag-nóstico de “Celulite Periorbitária” 12 crianças.

No que respeita à caracterização das crianças podemos ob-servar que a maioria é do sexo feminino (Figura 1), não apre-senta antecedentes relevantes (Figura 2) e localiza-se entre os2 e os 4 anos de idade (Tabela 1).

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Factores de risco associados: com ou sem contexto respiratóriosuperior associado e outras patologias que possam predispor.

Distribuição por tipo de edema periorbitário.

FIG

3

Manifestações febris.

FIG

6

Manifestações nasais.

FIG

7

Caracterização da rinorreia.

FIG

8

Apresentação oftalmológica.

FIG

9

FIG

4

Lateralidade do edema e processo inflamatório.

FIG

5

Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 3

No que respeita à caracterização clínica do episódio foramavaliados aspectos como o tipo de manifestação periorbitá-ria, a existência de febre, de manifestações nasais e manifes-tação ocular. Assim, observamos que a maioria das criançasapresentava-se à entrada do Serviço de Urgência com celuliteem toda a circunferência orbitária, sem febre, com rinorreia bi-lateral, sendo esta maioritariamente de natureza purulenta.Quatro das doze crianças não apresentaram manifestações of-talmológicas, e o mesmo número apresentava um edemamuito marcado, não sendo possível realizar a avaliação oftal-mológica (Figura 4 a 9).

Factores de Risco

Apresentação Clínica

Lateralidade

Febre

Manifestações Nasais

Rinorreia

Avaliação Oftalmológica

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No estudo e avaliação diagnóstica realizado à entrada, apenascinco das doze crianças realizaram estudo analítico, das quaisapenas uma apresentou alterações compatíveis com infecção(Tabela 3). Foi também realizada tomografia computorizada emonze das doze crianças, tendo sido avaliados os seios perinasaismais frequentemente atingidos, as características do atingi-mento pré e pós-septal. Observou-se que o preenchimento bi-lateral dos seios maxilar e etmóide é a forma mais frequente deapresentação. O atingimento pós-septal ocorreu em quatro dasonze crianças avaliadas, dois dos casos descritos com celuliteorbitária (grau 2 da Classificação de Chandler) e dois outroscasos com formação de abcessos intraorbitários (grau 4 da Clas-sificação de Chandler), um dos quais acompanhado de exten-são intracraniana (Figura 10 a 12).

O tratamento efectuado intra-hospitalarmente assentou em 4grandes pilares: antibioterapia, lavagem nasal, anti-inflamatóriosistémico e corticóide tópico intrananasal. Para além destes fár-macos, todas as crianças realizaram gentamicina e dexameta-sona em colírio. Nos dois casos de abcesso foi utilizado tambémo metronidazol. A abordagem cirúrgica foi necessária em doisdos casos, tendo sido realizado estudo microbiológico das se-creções colhidas. Um dos casos revelou a presença de um As-pergillus, tendo iniciado tratamento com voriconazol, e outrode uma flora microbiana mista, sem identificação de uma es-pécie específica (Figura 13 a 14).

A média de dias de internamento foi cinco dias, sendo que trêsdas crianças realizaram tratamento em hospital de dia. Medianade dias de tratamento intra-hospitalar de 8 dias (Tabela 4).

O tratamento de ambulatório assentou nos mesmos pilares queo tratamento intra-hospitalar, com uma média de 8 dias. A ce-furoxima manteve-se como antibiótico de eleição. A criança quenão apresentava manifestações nasais e alterações na tomo-grafia não realizou qualquer terapêutica de ambulatório. Acriança onde foi identificado o Aspergillus manteve terapêuticacom voriconazol (Figura 15).

+Leucócitos(x10*3)

Fórmula Leucocitária(Neutrófilos % / Linfócitos %)

PCR(mg/dl)

25.250 69.1 / 19.9 14.4

4.700 45.6 / 44.0 2.1

10.940 56.9 / 35.7 0.0

8.230 56.8 / 37.9 -

4.620 73.2 / 14.5 2.0

ACHADOS ANALÍTICOS RELEVANTES

TAB

3

4 Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO

Distribuição anatómica do preenchimento dos diversos seios perina-sais ao nível da tomografia computorizada por número de crianças. FI

G10

Achados imagiológicos do compartimento pré-septal.

FIG

11 Tratamento intra-hospitalar: (x) indica o número de doentesque realizou o tratamento. FI

G13

Achados imagiológicos do compartimento pós-septal.

FIG

12

Compartimento Pós-septal

Compartimento Pré-septal • Cetriaxona(4)• Cefuroxima(7)• Ambos(1)

• SoroFisiológico(12)• Descongest(12)

• Prednisolona(11)• Metilprednisolona(1)• Paracetamol(3)• Ibuprofeno(6)

• Budesonido(7)• Fluticasona(3)• Mometasona(1)

Antibiótico

Analgesiae Anti-

-inflamatórioCorticóide

tópico

Lavagemnasal

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No acompanhamento posterior, com duração de um ano, trêsdas doze crianças tiveram uma recidiva. Num dos casos, essa re-cidiva ocorreu três semanas após a alta, com necessidade dereinternamento. Nos outros dois casos surgiram recidivas maistardias, sendo que em uma das crianças ocorreram três episó-dios minor de edema, que resolveram com tratamento de am-bulatório. Neste caso foi realizado um estudo imunológico,alergológico e de despiste de fibrose quística, que revelou umaumento significativo de IgE total, tendo sido encaminhadopara a consulta imunoalergologia.

: :DISCUSSÃO

A celulite periorbitária é considerada a complicação mais fre-quente da rinossinusite. Demonstrou-se que 84% dos doen-tes admitidos por celulite orbitária ou periorbitária aguda eramcausados por sinusite aguda.(1)

Para além desta etiologia, a celulite pode ter na sua base outraspatologias que devem ser consideradas e excluídas à entrada.(1,2)

No estudo apresentado, uma das crianças não mostrava quais-quer alterações imagiológicas de atingimento dos seios perina-sais, não sendo assim confirmada a participação de umaeventual infecção a este nível na patogénese da celulite. Damesma forma, quatro das crianças apresentavam anteceden-tes patológicos que devem ser tidos em conta na abordagemdestes doentes, para, como vimos, excluir outras etiologias.

Pela classificação de Chandler et al, podemos ver diferentescomplicações orbitárias cuja designação inicial se inclui noconceito de “Celulite Periorbitária” utilizado vulgarmente eque corresponde nesta classificação apenas ao grau I.(3) Esteestudo é disso exemplo. De entre as doze crianças incluídas,quatro apresentavam complicações que ultrapassavam o com-partimento pré-septal, correspondendo aos graus II e IV daclassificação. Chama-se assim a atenção para este facto, poisas diferentes complicações orbitárias apresentam indicaçõesterapêuticas e prognósticos naturalmente diferentes.

No que concerne à caracterização do doente é importante res-saltar que esta condição ocorre com mais frequência em crian-ças pequenas. Cerca de um terço dos doentes está abaixo dos4 anos, havendo estudos que apontam para que 50% dascrianças com esta complicação tenham menos de 6 anos.(1)

Segundo Oxford e McClay, a idade média ronda os 5 anos,resultado ligeiramente acima do encontrado na nossa amos-tra.(4) Aponta também para uma maior prevalência no sexomasculino (66%), contrariando os dados do nosso estudo. Osmesmos autores referem que 64,4% dos episódios ocorremde Novembro a Março, o que vai de encontro ao observado.(4)

Manifestações como rinorreia, congestão nasal, cefaleias oudor facial, febre, tosse frequente ou rinorreia posterior são ossintomas referidos na rinossinusite aguda.(5) A rinorreia é o sin-toma mais frequente (71-80%). A tosse parece ser um sin-toma também frequente (50-83%), bem como a febre(50-63%) e a dor (29-33%).(6)

Destacando estes dados da nossa amostra podemos ver quea rinorreia está presente na maioria das crianças, o mesmonão acontecendo com a febre. É necessário não esquecer, noentanto, que mais de metade das crianças apresentavam quei-xas de um contexto respiratório superior arrastado. Assim, ne-nhum destes sintomas é específico de rinossinusite ou de umaqualquer complicação. Há autores que defendem que umaduração destes sintomas, superior a 10 dias, ultrapassando aduração média de um resfriado comum de 5 a 7 dias, é su-gestiva da presença de uma sinusite aguda ou formas persis-tentes de sinusite crónica, parecendo haver uma associaçãoentre as duas entidades.(7)

Em todas as classificações utilizadas no âmbito da rinossinu-site, a proptose surge como um aspecto clínico que diferenciaos estádios mais severos, podendo ainda ser usado como in-dicador da localização de um abcesso. Naturalmente que acegueira é uma das consequências mais temidas das compli-

Nº Dias deInternamento

Hospital de Dia Crianças

7 - 1

8 - 5

10 - 1

12 - 1

16 - 1

2 4 1

3 6 1

5 3 1

DISTRIBUIÇÃO DO NÚMERO DE DIAS DE TRATAMENTOINTRA-HOSPITALAR E INTERNAMENTOTA

B4

Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 5

Tratamento de ambulatório: (x) indica o número de doentesque realizou o tratamento. FI

G15

Tratamento cirúrgico.

FIG

14

Tratamento Cirúrgico

• Amoxicilina(1)• Cefuroxima(9)

• Solução Salina(12)• Descongest(3)

• Paracetamol(SOS)(12)• Ibruprofeno(5)

• Budesonido(7)• Fluticasona(3)

Antibiótico

Analgesiae Anti-

-inflamatórioCorticóide

tópico

Lavagemnasal

+

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6 Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO

cações orbitárias da sinusite. Se é fácil lembrar a sua ocorrên-cia perante grandes abcessos, com compressão e isquemia donervo óptico, é necessário não esquecer que esta pode surgirmesmo em situações menos exuberantes. Dos doentes quedesenvolvem celulite orbitária, 10% apresentam perda tem-porária da acuidade visual no olho afectado. A colaboraçãoentre as especialidades, nomeadamente de Oftalmologia eORL, é por isso fundamental.(2,8)

A classificação de Chandler ou a sua forma modificada ba-seia-se nos sinais e sintomas, podendo ser usada para esta-diar a doença e para guiar o tratamento. Neste estudomantivemos as designações utilizadas nessa classificação, em-bora, como já referimos, tenhamos a noção que alguns con-ceitos são utilizados de forma genérica. O termo pré-septal, pordefinição, refere-se a algo que se passa externamente à órbita,sendo nesta classificação considerada como uma forma decomplicação orbitária. O mesmo se passa com as designaçõesde celulite periorbitária e retro-orbitária de uso corrente na prá-tica clínica como designações para infecções intraorbitárias.(9)

Muitas dúvidas podem hoje ser mais facilmente esclarecidascom o advento da tomografia computorizada. Esta passou aser o meio diagnóstico de excelência para as complicações or-bitárias da rinossinusite. É recomendada quando clinicamentese suspeita de um abcesso, quando a celulite orbitária não res-ponde ao tratamento médico em 24 horas e quando o doenteapresenta uma diminuição da acuidade visual.(1,8)

O estudo imagiológico permite identificar não só o envolvi-mento dos diferentes seios perinasais bem como avaliar a ex-tensão orbitária desta complicação, sendo assim um examefundamental.(9)

O seio etmoidal está afectado em mais de 75% dos casos dascomplicações orbitárias. O seio maxilar é o segundo seio peri-nasal mais atingido, seguido pelo seio frontal.(1) Este facto é fácilde compreender se tivermos em atenção a idade das criançasonde mais frequentemente ocorrem estas complicações.

Neste estudo em concreto, relativamente à apresentação pré--septal, a tomografia computorizada mostra, na maioria dascrianças, aquilo que já era evidente da observação directa. Já nocompartimento pós-septal, esta permite uma localização tridi-mensional de um possível abcesso, estabelece uma relação claracom o globo ocular, musculatura extrínseca e nervo óptico.(9)

Estes aspectos são fundamentais para o prognóstico e para evi-tar futuras complicações, como a amaurose. Embora a amostraapresentada seja pequena, é desde logo evidente que as com-plicações intraorbitárias, propriamente ditas, não são raras.

No que concerne à terapêutica é consensual entre vários au-tores que o tratamento médico é preferencial nas complica-ções orbitárias da rinossinusite. Este consiste na administraçãode altas doses de antibióticos endovenosos, capazes de cruzara barreira hematoencefálica.(8) Tendo em conta os agentes pa-togénicos mais frequentes, que são semelhantes àqueles da ri-nossinusite aguda, a penicilina, a amoxicilina, ampicilina,cefuroxima axetil, cefalotina e ceftriaxone intravenosas têm sidorecomendadas. Na suspeita de anaeróbios pode associar-se me-tronidazol ou clindamicina.(1,2,6,7)

No caso de edema supraciliar moderado ou celulite pré-sep-tal, a antibioterapia oral, especialmente se os doentes não re-ceberam tratamento anterior com antimicrobianos, pode serrealizada, ainda que uma vigilância apertada seja exigida. Osantibióticos orais mais efectivos são: cefuroxima axetil e amo-xicilina com ácido clavulânico.(2)

A duração apropriada desta terapêutica não está bem padro-nizada na idade pediátrica, sendo a rinossinusite aguda tra-tada por 10-14 dias de forma empírica.

A maioria dos doentes que pertence ao grupo I e II, da classi-ficação de Chandler, melhora com antibióticos isolados, semnecessidade de intervenção cirúrgica.

A necessidade de intervenção cirúrgica ronda os 21-28% emvárias séries. Esta aumenta com a idade do doente, acompa-nhando o aparecimento de complicações mais graves com aidade. Está indicada nos grupos III, IV e V (classificação deChandler), ou naqueles que há uma alteração significativa davisão ou agravamento da acuidade visual durante terapêuticaantibiótica.(1) Contudo, este conceito não é estanque. Ryan etal propõem um tratamento mais conservador para os abces-sos subperiósteos de pequenas dimensões, sem compromissovisual, rejeitando a abordagem cirúrgica como forma inicialde tratamento. (10)

A natureza multifactorial da doença faz com que a aborda-gem cirúrgica na rinossinusite permaneça confusa. Pode in-cluir a drenagem do abcesso orbitário, etmoidectomia e outrasabordagens endoscópicas, antroscopia com lavagem antral,antrostomia no meato inferior e adenoidectomia concomi-tante. (6,7)

O objectivo da cirurgia endoscópica é restabelecer o clearancemucociliar dos seios pela abertura dos complexos osteomea-tais, remover a doença etmoidal e abrir, quando indicado, osóstios naturais de outros seios. A abordagem endoscópica étecnicamente mais difícil numa situação de infecção, no en-tanto, apresenta uma taxa de complicações mais baixa e umarecuperação mais rápida que a abordagem externa. Quer aetmoidectomia, quer a drenagem de colecções abcedadasintra e extra-orbitárias se mostrou segura por via endoscópica.Não está, no entanto, definido um procedimento standard,não sendo, por exemplo claro, a porção de lâmina papiráceaque é necessário remover. (7)

Relativamente às abordagens ao seio maxilar é consensual quea via de Caldwell-Luc está contra-indicada na infância, pelorisco de lesão dentária e que a antroscopia e antrostomia nomeato inferior são actualmente pouco usadas. A antroscopiacom lavagem antral está indicada quando os seios maxilaresestão opacificados cronicamente, não respondendo adequada-mente à terapia em 5 ou 6 semanas e na sinusite aguda, comou sem complicações, quando o doente não apresenta melho-ria em 48h após o início do antibiótico ou quando experienciador. Foi, no entanto, demonstrado que esta forma terapêuticaé pouco duradoura. Já a antrostomia no meato inferior, em-bora inicialmente bastante aceite, tem caído em desuso, porum lado pela dificuldade técnica associada a um meato estreitoe por outro lado pelo facto de o movimento de drenagem ciliarse continuar a fazer em direcção ao óstio natural. (6,7)

A adenoidectomia foi recomendada por muitos autores paradiferentes indicações, nomeadamente para os quadros de si-nusite recorrente combinada com adenoidite ou hipertrofiaadenóide condicionando obstrução nasal, sendo um procedi-mento considerado de primeira linha. Contudo, esta associa-ção nem sempre é clara. (6,7)

A associação de anti-histamínicos, descongestionantes tópi-cos ou orais, corticóides tópicos ou sistémicos e fármacos anti--inflamatórios, não foi estudada de forma sistemática emadultos e crianças. No entanto, de forma empírica, ou combase em alguns estudos que demonstram melhoria dos resul-

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tados, estes são frequentemente usados na prática diária.(6,7)

Os descongestionantes nasais são importantes na melhoria dacongestão nasal, devendo optar-se por formas tópicas. Rela-tivamente aos corticóides nasais, estes são particularmente in-dicados quando um fundo alérgico está envolvido e/ou noscasos de rinossinusite crónica, beneficiando do seu efeito anti--inflamatório. A irrigação salina, se isotónica e à temperaturaambiente, pode contribuir para a eliminação de secreções na-sais.(6)

Uma predisposição anatómica, uma infecção crónica ou re-petida, um fundo alérgico ou outras condições podem pre-dispor para uma recidiva destas complicações. Em caso derecidiva é fundamental realizar uma avaliação clínica e analí-tica no sentido de se tentar encontrar estes factores predis-ponentes, e se possível corrigi-los.(1,11)

: :CONCLUSÕES

É fundamental o reconhecimento desta complicação para evi-tar consequências dramáticas. Neste contexto, uma avaliaçãosistemática dos doentes é fulcral, tentando excluir outras etio-logias possíveis e avaliando o grau de gravidade presente. Éainda importante investigar as situações de recidiva.

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