Emma Green

CEM FACETAS DO SR.DIAMONDS

Volume 10:Fulminante

1. Os ausentes nuncaestão com a razão

Ele está escapando de você…

Eis o refrão que minha vozinhainterior teima em fazer circular emminha cabeça confusa. Este final deagosto está muito quente, meu amante,desesperadamente ausente e eu estouatolada em meu novo trabalho deassistente na empresa de Ferdinand.Tudo me arrasa, me oprime, me asfixia,tenho a impressão de sufocar no calor

parisiense, sob o peso dasresponsabilidades, e a ameaça de perderGabriel pesa como uma placa dechumbo em meus pobres pulmões. O arestá pesado, mas ele é leve como ovento. Há duas semanas, ele gira,encarapitado em uma nuvem, por saberEleanor com vida, treze anos depois deseu por assim dizer suicídio, edeterminado a remover montanhas paraencontrá-la. De acordo com asrevelações de Prudence, Eleanorpreferiu desaparecer depois donascimento de Virgílio, orquestrandosua própria morte. Ela não podiasuportar a vida de esposa e de mãe quea esperava, sempre torturada por seusdemônios interiores, mas se recusava a

que Gabriel passasse o resto da vida aprocurá-la. Ela sabia que ele acabariapor encontrá-la. Mascarar sua fuga emsuicídio foi a melhor solução que pôdeimaginar. Somente Prudence estava apar do segredo durante todos esses anos.

Os Diamonds são campeões emtodas as categorias dos segredos maiscabeludos a guardar…

Desde que meu amante pôde enfimver claramente a verdade, eu mal existo.Ele está como que obnubilado,obcecado. Eu? Ele me vê quando temtempo, me liga quando quer e me pedepara compreendê-lo. Como eu poderiafazer de outra forma? Vê-lo se afastar de

mim para se aproximar dela é umsuplício. Mas privá-lo disso seria cruel.Não seria digno do amor que lhe tenho.Minha mãe me diz que amar não ésegurar, aprisionar, é deixar o outro irembora e escolher voltar.

E se Gabriel nunca voltasse paramim? Se ele a encontrasse e aescolhesse, para sempre?

Diante desta ideia, sufoco ainda maisum pouco. Pego o celular e redijo umamensagem de texto como se fosse umaquestão de vida ou morte. Lembrar a eleque o amo. Que o espero. Que deixo aele sua liberdade, mas que não oabandono. Que quero sua felicidade,

mas não longe de mim.

[Ulisses partiu por vinte anos. Diga-me que não vou ter de lhe esperar portanto tempo…]

[Paciente e fiel Penélope, o tempoque passo longe de você também édoloroso para mim.]

[Então, não sofra mais, voltedepressa.]

[Tenho de continuar a minha Guerrade Tróia. Encontrar a mãe de meu filho.Saber por que ela nos abandonou. Porque se fez passar por morta. Nãopoderei viver sem saber a verdade.]

[Encontre-a e volte para mim.][Eu também não poderia viver sem

você. Amo você, minha Amande.]

As palavras de Gabriel metranquilizam por alguns minutos, masnão o bastante para que eu não sinta anecessidade urgente de ligar paraMarion exatamente antes de chegar aoescritório.

– Pff, acabo de aplicar em Gabriel ogolpe do poema mitológico, estouenvergonhada de ser tão tola.

– Do que está falando? Ele deve teradorado a referência intelectual. Então,ele continua procurando sua Eleanor?

– Obrigada pela « sua » Eleanor, eraexatamente disso que eu estavaprecisando.

– Sinto muito. Mas esta história élouca! Durante quinze anos ela esteve

morta e puf, renasce das cinzas? Quemito é esse?

– Fênix. E faz treze anos. Masaparentemente não é o bastante para queele a tenha esquecido. Isso me deixadoente, se você soubesse...

– Espere, como ele poderia encontrá-la? Ela deve ter mudado de nome, devida. Se isto aconteceu, ela tem um novocompanheiro, três ou quatro filhos.

– Gabriel é capaz de tudo, não vaiparar de procurar enquanto nãoconseguir o que quer. Ele me diz que fazisso por Virgílio…

– Pobre garoto, não espanta queesteja doido.

– Enquanto isso, sou eu que ficolouca. O que se supõe que eu faça?

– Suportar a sua dor com paciência,beber uns tragos comigo, trabalhar como belo, rico, inteligente, perfeitoFerdinand… Um desafio insignificante!

– Também é arrogante, lunático,cheio de si, odioso com alguns…

– Sim, mas não com você! Ah, ah,você vai superar, eu o sinto!

– Jamais! Tenho tantas saudades deGabriel…

– Uma razão a mais! RespondeMarion, superexcitada e a quem nuncafaltam argumentos. E não recomece achoramingar, só estão lhe acontecendocoisas incríveis. Aproveite um pouco!

– Incríveis?! Meu homem foge demim para ir buscar sua noiva

desaparecida do outro lado do mundo,seu filho me detesta e sua mãe continua ame perseguir; minha irmã está esperandoum filho indesejado, enquanto nemmesmo se divorciou e seu filho maisvelho mal acaba de aprender a andar;Tristan quase não fala mais comigo poisque está sempre metido com sua Íris,horripilante, diga-se de passagem; meuchefe me toma por sua nova besta decarga e observa com mais frequênciameus seios que meus dossiês; meuscolegas me olham atravessado porqueele é simpático comigo e porque pensamque fiz Hortense ser mandada embora;continuo?

– Pare, você vai me fazer chorar!Quanto a Tristan, lembro que foi você

que não o quis, ele não ia ser monge porsua causa. E Íris é um pouco especial,mas estou certa de que se ganhaconhecendo-a. Muito bem, aliás, meuirmão me propôs que morássemos juntospara economizar um aluguel, corre orisco de ela estar com frequência nasredondezas, vai ser preciso seacostumar.

– Genial! Tem outras boas notíciasantes de eu ir trabalhar?

– Coragem, Amandine! Você tem umcompanheiro, um trabalho de que gosta,um grande futuro, uma super melhoramiga… Quanto a mim, sou solteira,meu pai me cortou minha mesada, aindatenho um mês a trabalhar na H&M antes

de voltar para a faculdade e nem mesmosei o que fazer da vida. Só me restacasar com Ferdinand de Beauregard, sóvejo essa solução. Vai me ajudar, não?

– Vou começar tentando ser pontual!Vou correr, beijos, Marionnette. Você éa melhor das minhas melhores amigas!

Insinuo-me rapidamente noscorredores do edifício vistoso e ganho oopen space esgueirando-me pelasparedes. Digo um discreto « Bom dia »a meus colegas, alguns murmuram umaresposta inaudível, mas a maior partenem mesmo levanta os olhos da tela.

Bom, ser transparente ainda émelhor que fazer o papel de bode

expiatório…

Como quase todas as manhãs, Marcusfaz uma entrada triunfante nosescritórios. Seus andar saracoteador,quase dançante, e sua voz aguda fazemdespontar alguns sorrisos a nossa volta.

– Salve, companhia! Oh la la, trata-sede uma agência de manequins ou domuseu Grévin? Vamos, vamos, acordem,amigos! Está um dia lindo, faz calor,vamos mexer o corpo e parar de fazercara feia!

Quando eu ia me sentar, ele põe emminha mesa de trabalho uma taça de caféStarbucks, dando-me um tapinha nas

nádegas:

– Pensei até em suas ancas, minhaquerida: sem açúcar, sem leite!

– Realmente muito gentil, Marcus,obrigada!

– Fiz bem em colocar minha camisalaranja essa manhã, estão todos tãodeprimentes! O que acha da cor?

– É… chamativa.– Querida, se não usar cores

fluorescentes em 2013, nunca o fará!– Hum… Acho que não teria

colocado um paletó violeta junto comela.

– É malva. E o color block, conhece?É preciso sair, é preciso ler revistas,querida, há trabalho a fazer!

– Sabe que todos eles vão acabarachando que eu me chamo realmenteQuerida?

– E sabe quão pouco me importa oque eles pensam? Bom, precisa de umaajudinha para o jantar dos jovensestilistas?

– Não, vai ficar tudo bem, aindaestou esperando a resposta do designerjaponês, tenho de contatá-lo novamente,Ferdinand parece insistir nisso!

– Itô? Para, ele tem um talentoincrível! Tanta audácia na sua idade! Eeste rapaz é magnífico! Estou comciúmes, você tem sorte demais de fazeresse trabalho!

Marcus e seus superlativos…

– Aliás, Ferdinand me deu três trajesfeitos por estilistas para o jantar.Preciso que me ajude a escolher. E a…como é que você diz?

– Acessorizar!– Querida, duas palavras-mestras:

classe e sobriedade.– Como sua roupa, por exemplo?

Marcus me estira a língua, deixando-me admirar seu piercing de aço e se põeao trabalho. Eu o imito bebericando meucafé, começando por descobrir osprimeiros cinquenta e-mails do dia. Nãosão nem dez horas. Entre oscomunicados de imprensa inúteis, ospedidos de encontros que Ferdinandjamais concederá e as confirmações de

reservas para sua próxima viagem, umassunto me salta aos olhos.

De: Gabriel DiamondsPara: Amandine BaumannAssunto: AMANDE DIAMONDS Você é minha mulher, não se esqueçadisso.G.

O e-mail chegou há uns quinzeminutos. Apresso-me em responder paranão perder a oportunidade de conversarcom meu amante tão volátil nessesúltimos tempos.

De: Amandine BaumannPara: Gabriel DiamondsAssunto: RE: AMANDEDIAMONDS Depois de ter ameaçado meu patrãopor e-mail nas minhas costas, meteria você drogado e casado comigo àforça enquanto eu dormia, para queeu não me recorde de meu própriocasamento?A. BAUMANN

De: Gabriel DiamondsPara: Amandine Baumann

Assunto: RE: RE: AMANDEDIAMONDS Não preciso de nenhum contrato nemde nenhuma cerimônia para saber quevocê me pertence. E que eu pertençoa você. Mesmo de longe.Como prova de minha boa fé, querotomar seu sobrenome… pelo tempode um e-mail.Gabriel BAUMANN

De: Amandine BaumannPara: Gabriel DiamondsAssunto: RE: RE: RE: AMANDEDIAMONDS

Não sabia que era tão moderno e tãofeminista, Gabriel Diamonds.Mas estou mais para démodé. Queroo contrato, a cerimônia e até mesmo omaldito nome. Não quero viver nopecado a vida toda…Amandine BAUMANN-DIAMONDS

De: Gabriel DiamondsPara: Amandine BaumannAssunto: RE: RE: RE: RE:AMANDE DIAMONDS Deus, como eu gostaria de fazê-lapecar. Aqui. Agora.

G.

De: Amandine BaumannPara: Gabriel DiamondsAssunto: RE: RE: RE: RE: RE:AMANDE DIAMONDS Venha, estou esperando.Faz muito tempo que você não medeita sobre um birô ou me encurralaem um elevador. O da agência éminúsculo, mas suas quatro paredesestão recobertas por espelhos. Achoque lhe agradaria.A.

De: Gabriel DiamondsPara: Amandine BaumannAssunto: AMANDE PECADORA Faz muito tempo que não possoobservá-la sob todos os aspectos. Esob meu domínio.Está de roupa? Seus cabelos estãosoltos?Seu Pecador

De: Amandine BaumannPara: Gabriel DiamondsAssunto: RE: AMANDEPECADORA

Eu poderia facilmente soltar oscabelos, mas minha saia cinzacertamente é estreita demais para quevocê possa levantá-la.Seu Pecado

De: Gabriel DiamondsPara: Amandine BaumannAssunto: RE: RE: AMANDEPECADORA Meu pecado mignon, não há nada queeu goste mais do que vê-la escrever apalavra « estreita »…Você me deixa louco.

De: Amandine BaumannPara: Gabriel DiamondsAssunto: RE: RE: RE: AMANDEPECADORA Seu desejo me faz falta terrivelmente.Minha saia se impacienta, minhaestreiteza arde.Preciso ir, estão me esperando.Seu Pecadilho

De: Gabriel DiamondsPara: Amandine BaumannAssunto: RE: RE: RE: RE:AMANDE PECADORA

Sim? De Beauregard?Nunca pense em apertar o botão «Pare » deste elevador sem que euesteja dentro dele. É uma ordem.Prepare sua pele de pêssego. Voltareilogo.Seu Gabriel

Enquanto eu trocava esses e-mailsfebris com meu amante, Ferdinand mechamou ao telefone e me solicitou emseu escritório. Imediatamente. Tentoretomar a calma para enfrentar qualquerpergunta sobre o jantar dos estilistas ouos próximos acontecimentos. Estoufervendo por dentro e só peço para quenão se leia em meu rosto esse desejo

ardente.

– Bom dia, Amandine, entre.Belíssima saia cinza. Como vai asenhorita esta manhã?

– Muito bem, obrigada.– Estou vendo, a senhorita está com

uma aparência radiante. Embora sepossa pensar que tem as bochechas emfogo … Não fui eu quem a pus nesteestado, não é?

– Não, não… É… O calor. Esse mêsde agosto está infernal!

– Ah, bom. No entanto, o ar-condicionado está no máximo. Asenhorita deveria ir se refrescar umpouco.

– Isso é tudo?

– Sim. Apenas um pequeno lembrete:a caixa de e-mails é de uso estritamenteprofissional.

– Como?!– E para sua informação, o elevador

está equipado com uma câmera.– Ferdinand, eu…– Você não há de encontrar nada para

justificar isso, acho que é melhor quenão tente. E isso me fez fazer uma pausarecreativa. Distraído, realmente, muitointeressante... Vá, isso ficará entre asenhorita e eu.

Desta vez, devo ter ficado vermelhoescarlate. Eu me precipito até obanheiro e dou com Marcus, lavando asmãos.

– Devagar, querida, aonde vai assim?– Esconder-me pelo resto da vida!– A rainha do drama, adoro! Conte!– Acabo de ser pega com a mão na

massa!– Colocou a mão na bunda de quem?– Não, em flagrante delito de troca de

e-mails obscenos … Ferdinand leu tudo.– Erro de principiante!– Eu sei! Eu me deixei levar, estou

tão envergonhada...– Havia palavras fortes? Sorri

Marcus, mais excitado com a fofoca quefrancamente solidário.

– Não! Apenas palavras… não sei…libidinosas!

– Então aí, minha bela, Ferdinand não

vai mais deixá-la em paz. Ele deve teradorado.

– Mas se você tivesse visto seu olharlúbrico, seu ar de orgulho, ele estavaradiante! Ah, eu o detesto! Você sabiaque ele lia os e-mails de seusempregados?

– Não há absolutamente nada do queacontece aqui que ele não saiba,querida. Ele mandou instalar câmeraspor toda parte…

– Eu sei, obrigada. Mas isso éassédio!

– Que bonitinha… E vai fazer o que,prestar queixa? Arrastar Beauregardpara os tribunais? Com o que ele temsobre você? Ah, ah!

O riso tonitruante de Marcus ressoaentre as paredes azulejadas dosbanheiros femininos. Ele me aperta emseus braços para me reconfortar, aomesmo tempo em que tenta conter seuirreprimível riso nervoso.

– Aliás, o que é que você estáfazendo aqui? Faço observar a meucolega, alisando os vincos deixados porminha cabeça em seu paletó malva.

– Assumo meu lado feminino. E éaqui que se ouvem as melhores fofocas.Aí está a prova!

Recomeça a gargalhar, cada vez maise isso é contagiante. Rio apesar de mim,dando-me conta de que a história

poderia ter tido um final pior. Ferdinandnão me demitiu imediatamente, ele nemmesmo me repreendeu ou humilhou,como tão bem sabe fazê-lo. Apenas sedivertiu um pouco, não o culpo. Ou elevai me chantagear, ou me ama deverdade. Volto ao trabalho para tirar deminha cabeça essas duas infelizeshipóteses e tento bem ou mal nãocontatar Gabriel para lhe contar osacontecimentos do dia.

Sinto saudades, sinto saudades,sinto saudades…

Meneio com força a cabeça emergulho no planejamento do chefe, nãoé um dia onde tenho direito de errar.

Organizo os seus encontros, preenchosua agenda, faço uma triagem em suacorrespondência e a entrego a ele comose nada tivesse acontecido, lhe reservoum quarto em um hotel de luxo para suapróxima viagem a Milão, acerto osúltimos detalhes com o buffet para anoite dos jovens estilistas, redijo orelatório sobre o último casting daagência e passo horas ao telefone comassessores de imprensa cujo discursoestá na ponta da língua e dos quais tentome ver livre. Só tenho tempo de engolira metade de um sanduíche diante docomputador, sob o olhar desaprovadorde Marcus, que imita em seu própriocorpo um traseiro bem redondo.

Por volta das 20h00, o local esvaziae eu também começo a reunir as minhascoisas para sair o mais rápido possível,ou seja, antes de ficar a sós comFerdinand. Preparo um post-it « Itôconfirma a presença no jantar. Boanoite. », que vou colar discretamente naporta de seu escritório, antes de entrarno elevador. Cansada e faminta, dou umgrande suspiro para aliviar a tensão dodia e aperto o botão luminoso do térreo.Dentro de sete andares, estarei livre!

Mas um mocassim pontudo, pretolustroso, vem bloquear a porta com umgesto seguro.

– Tem lugar para mim? Ou a

senhorita pretende tomar este elevadorsozinha?

– Sinto muito, não havia visto osenhor, Ferdinand.

– Sou eu que sinto muito, Amandine:não há um botão « Pare » nesta máquinaantiquada. É uma pena.

Ao mesmo tempo em que sorri de suapequena alusão a meus e-mails comGabriel, Beauregard desfaz o nó dagravata e o primeiro botão do colarinhode sua camisa, deixando aparecer seupomo-de-adão e voarem as últimasvolutas de seu leve perfume.

– Gosto dos edifícios antigos,respondo, para tentar mudar de assunto.

– Eu também. Só é menos fácil paraas novas práticas.

– O senhor vai evocar este incidenteaté o fim dos tempos?

– Deixe-me aproveitar somente maisum pouco. É uma grande estreia!Geralmente, sou eu quem pronunciapalavras obscenas para as mulheres quemal conheço.

– Elas não eram obscenas, eramparticulares.

Entre a contenda verbal e a pequenezda cabine do elevador, começa a faltarar e a ausência de climatização começaa se fazer sentir. Ferdinand decide tiraro paletó e o dobra cuidadosamentedebaixo do braço, recobrando os seus

modos de dândi elegante, apesar de seudiscurso de sedutor.

– Fique tranquila, não vou fazer umstrip-tease, vou parar por aqui.

Os movimentos amplos de seucorpanzil esbelto me obrigaram a recuare eu me acho encostada ao espelho dofundo. O contato frio do vidro através dablusa instantaneamente me faz recordar acena tórrida que vivi com Gabriel noelevador da Casa da Fotografia. A essaslongínquas lembranças, ainda tãopresentes, meu corpo se tensiona. Osdois homens são tão diferentes... Umespirituoso, cheio de doçura, de malícia,o outro de determinação, de força, de

selvageria. E o mesmo magnetismo.

Está divagando, Amandine. Gabriellhe faz falta, inútil criar fantasias arespeito de seu oponente.

Não, não sinto absolutamentenenhuma atração por ele. Mas ora,acho que o aprecio…

– Já pegou um elevador tão lento?Acho que ele não quer nos libertar desua prisão dourada.

– Estamos no térreo, Ferdinand. Jáfaz uns instantes.

– Desculpe, o tempo parou. Depoisda senhorita.

Demasiado galante, Beauregardsegura a porta para mim, enquanto teriasido muito mais fácil que ele saísseprimeiro. Tenho de passar na frentedele, por baixo de seu braço, para sairdo elevador. De costas, pressinto seusolhos buliçosos.

– Não olhe para minha saia!– Tarde demais.

2. Por toda a vida

Os longos dias desse mês de agostose sucedem e se assemelham: quentes,úmidos, pesados e a tempestadecontinua a não se desencadear. Entre atemperatura ambiente, minha carga detrabalho, a ausência de Gabriel e ascantadas de Ferdinand, estou agitada.Aceitei almoçar com Camille para medistrair e ajudá-la a arejar a cabeça, masa atmosfera está irrespirável nesteterraço lotado e nem minha Perriergelada nem meu steak tartare modificamisso. Sinto minha irmã tensa, nervosa,

ela se balança na cadeira como umacriança impaciente, cruza, descruza evolta a cruzar as pernas, sem conseguirencontrar posição, escolhe ingredientesde sua salada sem comer nenhum eacaba atacando um pedaço de pão cujasmigalhas amontoa metodicamente empequenos montes.

– Bem, Camille, vai se pôr aclassificá-las da menor para a maior ouvamos conversar?

– Não sei o que tenho, não podeimaginar como estou estressada!

– Não sabe o que tem? Talvez umdivórcio? Uma nova gravidez? Um…

– Silas quer casar comigo.

Quase sufoco com a batata palha e meengasgo com a água gasosa. Tentocontinuar em meio a meus acessos detosse, que me fazem vir as lágrimas aosolhos.

– Pode repetir?– Ele me pediu em casamento. Ontem

à noite.– Cada vez melhor… O que você

respondeu a ele?– Amandine, esta não é uma pergunta

que exija realmente uma resposta.– Sim, Camille! Você tem direito de

pensar antes de fazer qualquer coisa, poruma vez. Pode esperar um pouco antesde se comprometer por toda a vida. Vaifazer isso todos os anos? Casar, ter um

bebê e se divorciar?– Não sei o que me impede de jogar

minha coca na sua cara.– Talvez saber que tenho um

pouquinho de razão?– Silas decidiu assumir suas

responsabilidades. Quer ter este filho,educá-lo, como eu poderia impedi-lodisso?

– Mas será que vocês se amam? Éuma pergunta que a gente se faz, porvezes, antes de se casar…

– Você e seus grandes princípios! Oque eu sei é que Alex nunca passouconfiança, desde o começo ele foge…Silas está presente, comprometido,jamais nos abandonará.

– Está certa disso? Mesmo quando

ele souber que Eleanor está viva?– Que, o que é você está dizendo?!– Ela está. Não tenho nenhum direito

de dizê-lo e você não deve repetir isso.Foi Prudence que o disse a Gabriel,Eleanor nunca esteve morta. Neste exatomomento, ele está no seu rastro, faz detudo para encontra-la e é a primeiracoisa que Silas fará quando souber averdade.

Vejo o rosto de Camille mudar.Subitamente, ao mesmo tempo calma edeterminada, ela junta suas coisas,coloca na mesa uma nota de vinte euros,joga o celular na bolsa e enfia os óculosde sol entre os cabelos. Antes de selevantar, aproxima seu rosto do meu,

como se fosse murmurar, mas se põe aberrar:

– Você é ainda mais louca que eles!Não é culpa minha se seu homem adeixa. Não é culpa minha se ele aesquece quando Eleanor entra em cena.Quanto a mim, estou esperando um filhode Silas, sou sua noiva e isso você nãopode suportar. Nada liga você aGabriel, está me ouvindo? Você não énada para ele, NADA!

A megera da minha irmã abaixa osóculos escuros sobre os olhos e selevanta ruidosamente. Nossos pratos seentrechocam e nossos dois copos cheiosentornam, molhando de passagem o

casal da mesa vizinha que nada perdeudeste monólogo teatral. Eu me desculpoeducadamente, tentando salvar o quepode ser salvo, pago a conta e fujo porminha vez, para longe dessas pessoas,desses olhares e deste calor, que mearrasam.

Corro a me refugiar no frescor dosambientes da Agência de ModelosPrestígio, esperando encontrar Marcus:ninguém nos escritórios, tendo a pausapara o almoço apenas começado. Eu medeixo cair na cadeira giratória e desfrutoum instante da climatização, refrescandominha testa que arde e secando aumidade salgada sob os meus olhos.Não sei se estou magoada com a

maldade de minha irmã ou vexada com ofundo de verdade de suas palavras…Por que Gabriel me abandona nomomento em que mais preciso dele, emque mais preciso ser amada econfortada? Por que o Silas semtendência para a casamento se põe abancar o futuro pai e futuro maridoperfeito quando meu amante brinca deesconde-esconde com sua noivamiraculada? E a derradeira questão, quemal ouso formular: por que é semprenecessário que ela passe na minhafrente? Morta ou viva, mesmo sem serencontrada, esta maldita Eleanor éonipresente. Apesar de todas aspalavras de amor de Gabriel, eu me douconta de que, em vez de estar perto de

mim, ele corre atrás dela.

SOS melhor amiga, Amandine emperigo!

Com os olhos ainda embotados,redijo uma mensagem de texto paraMarion.

[Continua de pé o encontro destanoite? Posso chegar mais cedo?][Quando quiser, minha queridinha. Tudobem?][Não. Vou lhe contar. O que é que eulevo?][Nada. Ah, sim, sua gentileza. E talvezvodca: Íris estará aqui, ela insistiu emvir…]

[Oh, não! Eu queria choramingar, fazer-me apiedar e rolar no chão esta noite!][Impossível recusar, sinto muito… Masacho que ela está disposta a fazer umesforço. Vamos, venha, vai ficar tudobem!][Perdido por um perdido por muitos!Até já.]

Passo a tarde a suspirar pela menorcontrariedade. Nem mesmo Marcusconsegue me devolver o sorriso,obnubilada que estou com a cena deminha irmã e o silêncio de meu amante.Ferdinand nota meu mau-humor e senteprazer em me chatear. Ele me chamamais ou menos dez vezes a seuescritório, para me solicitar um dossiê

que está perfeitamente arrumado em seulugar, para me pedir que lembre a ele oprimeiro nome de um colaborador queele conhece muito bem, para verificarquestões que foram decididas na últimasemana, em seguida para ajudá-lo aprocurar seus óculos… que estãoexatamente em seu nariz. Na enésimavez, cansada desse joguinho sem fim,pretexto uma forte enxaqueca a fim deobter sua autorização para sair umpouco mais cedo que de costume. Passadas 19h00, é uma sexta-feira, sou umadas últimas na Agência, acho que merecigrandemente minha noite.

– Visto seu estado, não obterei nadade você esta noite, não é?

– Honestamente, acho que fiz obastante por hoje.

– Amandine, é bastante estranha estasua maneira de reivindicar algo e depensar que a senhorita o conseguirásendo desagradável.

– Só estou muito cansada.– Na sua idade? E com este vestido?

Realmente é uma pena.– Posso ir?– Como dizer não a este rostinho

abatido?– Obrigada. Bom fim de semana,

Ferdinand.– Deixe-me dizer uma coisa à

senhorita antes de deixá-la ir. Quemquer que seja, Diamonds ou outro, não

se deixe abater. Uma jovem mulher tãobela jamais deveria ser desapontada ouabandonada.

– Tentarei pensar nisso. Até segunda.– Se a senhorita se sentir só, daqui

para lá, me ligue!– Obrigada, mas não, obrigada.

Deixo meu patrão e seu sorrisozombeteiro em seu escritório e me dirijoao elevador, minhas coisas debaixo dobraço. Quando as portas se fecham emminha cara, o incansável Ferdinand botaa cabeça no corredor, imita com osdedos um telefone, que aproxima doouvido, e me diz com seu ar divertido:

– Até a noite!

Não posso me impedir de rir diantede sua brincadeira de menino e de meperguntar se vou encontrar umaatmosfera tão agradável essa noite.

Essa é nova, sentir-se melhor noescritório que na casa de seusamigos?!

Obrigada, aliados…

Reúno-me a Marion e Tristan em seunovo apartamento comum do 11ºdistrito, para o que deveria ser umanoite íntima e que certamente vai setransformar em aperitivo singular,depois em jantar aborrecido com afamosa Íris, tão loura quanto bizarra.

Graças a ela, nosso trio infernal setornou um quarteto imperfeito. Se estoucontente em saber que Tristan tem umpar e está refeito de nossa pequenahistória de mão única, continuo a não meacostumar com sua nova companheira.Nada a fazer, eu a detesto. Lourademais, o cabelo liso demais, perfeitademais, malandra demais. Não sei o queTristan viu nela e vice-versa, o casalque eles formam me parece tãoimprovável quanto… Gabriel e eu.

Bom, demos a ela o benefício dadúvida.

Uma chance, Íris, eu lhe dou umachance!

Seguindo o endereço que me deuMarion, eu me perguntava como o irmãoe a irmã podiam pagar um apartamentode três cômodos perto do BoulevardVoltaire. Mas entendo um pouco melhorno momento de subir, arquejante, até osexto andar do edifício. O preço doelevador deve ter sido deduzido doaluguel. É ensopada de suor que enfimtoco a campainha, aparentementesilenciosa, antes de bater à porta.Preparo-me para começar a me lamuriarpelo esforço que acabo de fazer, masÍris vem de receber, de pés descalços ecabelos molhados, olhando-me com umar de asco e me sublinhando, com umsorriso:

– Não a beijo, acabei de me maquiar!

Maldita!

Insultos me vêm à cabeça, masprefiro não entrar no seu jogo.

– Posso ver os dois locatários? Épreciso realmente falar desta históriadesse elevador!

– Oh, bem, as escadas são muitoboas, aumenta as coxas!

O que é que têm as minhas coxas?!

– Por aqui, Amandine, estamos nacozinha! Diz Marion, que deve sentirque estou demorando.

– E então? Os Aubrac estãoaburguesando! Pãezinhos, presunto cru eisso, é o que? Gaspacho?

– Tudo caseiro, foi Íris que cozinhou,responde Tristan, orgulhoso como umpavão.

A loura se lança em seu pescoço e obeija sofregamente. Um beijo que nãotem nada o que fazer em uma cozinhapor volta das 19h30 e ainda por cimacom público. Marion e eu desviamos osolhos depois de haver trocado umacareta de repulsa. Tento retomar aconversa para pôr fim a este beijo maisdo que embaraçosa.

– Uma colocação entre irmão e irmã,

estais loucos! Eu já não conseguiacompartilhar o controle remoto comSimon, não sei como ide suportar-vos.

– Decidimos que eu serei o homemda casa, graceja Marion. De comumacordo, mesmo estando mais de acordodo que ele.

– Aí está como se dar bem com asmulheres, retruca Tristan sem se dirigira ninguém em particular, deixá-lasacreditar que elas têm o poder para ficartranquilos.

– Meu homem compreendeu tudo,acrescenta Íris, não há necessidade debancar o macho dominador. Isso está tãoultrapassado...

Obrigada por esta análise

sociológica, Junquilho!

– Este é mais seu estilo, não é,Amandine? Enfim, segundo o que mecontaram…

Hum… É assim que ela se esforça,Tulipa?

– Não sei o que lhe contaram, masGabriel tem múltiplas facetas. Eu amosim os homens complexos.

– Se quer a minha opinião, as pessoasadoram complicar suas vidas, hoje emdia. Está na moda ser torturado!

Mas eu NÃO quero sua opinião,Begônia! Foi isso que você não

entendeu…

– Eu também os amo complicados,acrescenta Marion para correr em meusocorro. Como este Ferdinand de MuitoBeauregard! Estou certa de que existeum menino mau oculto debaixo de suaroupa de dândi bem educado.

– Do que está falando? Ele não olhanenhuma mulher nos olhos, não tem nadade boa educação! Não há um só dia emque ele não comente minhas roupas enão me faça uma proposta indecente…

– Ah, não, você já tem um milionário,este você deixa para mim! ChoramingaMarion.

– Um é bom, mas dois é melhor,continua Tristan no tom do provérbio.

Íris se intromete de novo, semabandonar seu sorriso de santinha dopau oco e de suas observaçõesmaldosas:

– Deixe-a em paz, Amandine precisaque a amem, só isso, há pessoas assim.

– Agradeço por se preocupar comigo,Íris, mas está tudo bem. Não « preciso »de nada.

– Só digo que você deixou Tristan seapaixonar por você, quando não oqueria, da mesma forma que éperfeitamente humano aproximar-se deseu patrão quando seu homem aabandona.

– Não estou me aproximando deninguém e ninguém me abandona,

decididamente isso é um saco! O temada noite é meu processo?!

– Eu não queria magoá-la, achei terentendido que Gabriel estava ausente háalgum tempo. O que é exatamente queele está fazendo?

Marion tenta mais uma vez mudar deassunto, não tanto para evitar estaresposta, mas para impedir que eu meirrite:

– Em todo caso, se você não querFerdinand, eu pego!

– Eu o deixo para você. Com prazer.E também vou deixá-la, acho que émelhor.

Esvazio meu copo de um trago e melevanto de um salto alcançar novamentea saída. Íris e Tristan veem eu melevantar sem se mexer, enquanto Marioncorre atrás de mim para tentar me deter.Eu a beijo no rosto e bato a porta, émais do que posso suportar esta noite.Envio uma mensagem de texto a minhamelhor amiga a caminho do metrô paraque ela não se preocupe comigo econsidere minha partida precipitadacomo algo contra ela. Acho que Íris e eusimplesmente não vai funcionar. Masnem por isso quero perder meus amigos.

Saindo da boca de metrô da estaçãoBercy, tiro o telefone para tentar ligarpara Gabriel antes de chegar a casa.

Preciso mais do que nunca ouvir suavoz. Preciso de seu apoio, de suapresença, mesmo de longe. Ao meaproximar de meu apartamento, com ocelular colado ao ouvido esperando osinal, percebo um grande sedã pretoestacionamento anormalmente nacalçada de meu edifício. Um motorista,cujo rosto me é familiar, me gratificacom seu mais belo sorriso estendendo-me um pequeno cartão branco nacarado.Reconheço a letra de Gabriel, antesmesmo de haver decifrado as palavras:

Isto é um rapto. Não oponhanenhuma resistência. O resgate serásalgado.G.

Apesar dessa mensagem enigmática,não me preocupo com nada. A não sercom o que devo levar e com meu estadodepois deste dia quente, desta subida deescadas e desta noite que me deu nosnervos. Interrogo o motorista com umolhar de pânico, como se ele pudesse lermeus pensamentos e me ajudar a tomaruma decisão.

Amandine, oito anos e meio, precisaque lhe façam a mala.

O homem de terno preto me tomadelicadamente o pequeno cartão dasmãos, vira-o e volta a escorregá-lo entreos meus dedos.

Inútil ir buscar roupa em casa ou searrumar. Quero você, como você é,imediatamente. É urgente. Até daqui a uma hora.

Meu amante me conhece muito bem.Sorrio por dentro, afundando no carroconfortável que me leva à plataforma dedecolagem do jato particular. Como decostume, Gabriel previu tudo. Ignoroonde ele está e sei que nenhum membroda tripulação aceitará me dar essainformação. O destino faz parte dasurpresa, nem mesmo tenho vontade detentar adivinhar. A bordo do pequenoavião luxuoso, já desfruto do que ele mereserva. Faz muito tempo que ele não

aposta alto em mim. Não posso meimpedir de ver nisso uma prova de seuamor e de sua vontade de ainda meseduzir. Meu amante insaciável não meescapou. Esmoreço de antemão por suamaneira de se fazer perdoar, por meuresgate « salgado », por nossa maneirade nos reencontrarmos…

Amandine, dezesseis anos e meio,precisa de uma ducha fria.

Aterrissamos uma hora mais tarde emuma cidade que não conheço e ainda épreciso esperar um curto trajeto de carropara vislumbrar um nome em um painelbranco com bordas vermelhas: Trinité-sur-Mer. Não tenho a menor ideia do

que Gabriel está fazendo na Bretanha,nem do por que está me convidando,mas a palavra « salgado » enfim adquireseu duplo sentido. Meu motorista medeixa no porto completamente iluminadona noite que começa a cair. As coresalaranjadas que se refletem na águacinza-azulada se mesclando com o céusemelham um cenário de cartão postal.

O calor abafadiço de Paris deu lugara uma suave brisa refrescante e eu deixoo ar marinho explodir em minhasnarinas. No cais, eu já flutuo. Vislumbrouma grande silhueta escura encarapitadoem um veleiro. Amplos movimentos debraços, ágeis e graciosos, como se nãopudessem pertencer senão a um único

homem, me convidam a que eu meaproxime. Gabriel me faz subir a bordo:não trocamos uma palavra, apenas omais longo, o mais natural, o maisprofundo e o mais sensual dos beijos.Não sei por que magia (ou graças a quecapitão escondido) o barco se põe asingrar suavemente. A partir do porto deLa Trinité, nós nos afastamos para abaía de Quiberon, tranquila e silenciosa,nossos corpos sempre enlaçados enossos lábios misturados.

Arquejante, esboço um movimento derecuo para exigir o que me é devido.Mas o que, ainda hesito: exigir asexplicações que ele me deve ou obter oabraço que tanto desejei? Afinal me

precipito, o coração vencendo o corpo:

– Onde você estava?– Bom dia, Amande. Também senti

saudades.– Encontrou Eleanor?– Afastou Ferdinand?– Gabriel, por favor, não esta noite.

Não este joguinho, não agora.– Eu tinha uma boa pista, não deu em

nada. Ela não pode ser encontrada nosEstados Unidos. Creio que poderia terrefeito a vida aqui

– Na França?– Na Bretanha. Ela amava… ela ama

muito esta região.– E é por isso que estou aqui?! Então

é isso, o barco, o pequeno cruzeiro

noturno? Você também convidoumergulhadores? Vamos passar a noite avasculhar o Oceano Atlântico?

– Cale-se e me escute. Não entendeque eu não podia passar nem mais umminuto sem você? Queria trazer vocêpara o mar, longe de tudo. O jantar nodeque está reservado apenas para nós.

– Mas a terra não para de girar porvocê, sabe disso! Eu tenho uma vida,mesmo quando o Sr. Diamondsdesaparece! Não pode estalar os dedospara que eu apareça quando você quiser,onde desejar.

– No entanto, foi isso que você fez:você está aqui…

– Está feliz? Posso ir embora agora?– Por favor, a costa é por aqui. Mas

eu a desaconselho a voltar a nado, ànoite a água é fria.

– Você realmente zomba da minhacara!

– E você não entende nada.– Mas você não me explica nada!– Amande, eu queria que ficássemos

sozinhos no mundo, os dois. Porque sóassim somos felizes. E eu pagaria carotodos os jatos particulares, todos osbarcos e todos os festins do mundo paraque esta noite no oceano durasse portoda a vida.

No instante seguinte, estou mejogando em cima de Gabriel. Não puderesistir nem por um segundo a mais a suadeclaração apaixonada nem a meu

desejo urgente. Na minha pressa, mal mereconheço. Irrito-me por não conseguirdesabotoar sua camisa, minhas mãostremem, meus dedos são inábeis, meuspensamentos se agitam em minhacabeça. Tenho a impressão de não sabermais fazer. Gabriel não mudou, sempresenhor de si, sempre rindo de minhafalta de jeito. Ele segura delicadamenteos meus punhos tensos e coloca minhasmãos em seu peito. Posso sentir seucoração bater, com força e lento. Ele meolha com ternura, respira profundamentecomo me pedindo para imitá-lo, depoisme beija nos lábios para acabar de meacalmar.

Meu comandante de bordo guia

novamente meus dedos para os seusbotões, que tiro um por um, calmamente,depois meus gestos mais segurosdeslizam naturalmente para o botão desua calça. Não paramos de nos olhar,nossas respirações arquejantes semisturam. Por sua vez, mal o sinto tirarminha roupa, até que nossas peles nuasse encontram. Quase desmaio diantedeste contato divino, tão esperado, masGabriel me envolve em seus braços, meampara, me aninha de encontro a ele,antes de me deitar no deque do barco. Alua ilumina nossos corpos emaranhadose apenas o barulho da água de encontroao casco cobre nossos suspiros deprazer. Quando, enfim, não formamosmais que um, o veleiro parece oscilar ao

ritmo de nosso abraço, primeiro suave eterno, depois intenso e apaixonado.Logo uma imensa vaga me submerge,peco o pé e me deixo afundarlentamente, abandonando-me a esteorgasmo impetuoso. Quando Gabriel seune a mim no gozo, o vento faz cairsobre os nossos corpos ardentes umvapor vivificante. Não nos movemosmais. Acalentados pela onda, estamossozinhos no mundo, felizes, serenos,leves, como que suspensos entre o mar eas estrelas.

3. Em estado de alerta

Depois de dois dias no mar, continuofeliz e leve. Um pouco mais bronzeadaque antes e mais apaixonada que nunca.Gabriel acaba de me fazer passar o fimde semana mais repousante, maisrevigorante possível. Exatamente aquilode que eu precisava. Nenhum outrohomem poderia compreender os meusdesejos, me satisfazer a esse ponto.Navegamos um pouco, nos divertimosvelozmente ao vento ou pulamos dobarco como duas crianças. Fizemos umacurta escala na pequena ilha isolada de

Hœdic para devorar pratos de frutos domar regados a champanhe. Passeamosnas dunas ao cair da noite, tomamos sole fugimos da multidão, nos banhamosnas vagas e afundamos na areia. Rimos econversamos por horas, nos calamosdiante da beleza de certas paisagens.Fizemos amor um pouco por toda a parteno veleiro, nos abraçamos com força enos acariciamos por muito tempo.Falamos do futuro e desfrutamos domomento presente, tentamos parar otempo… Mas já o barco se aproxima daterra firme e nos traz de volta àrealidade.

– Tem certeza de que não pode voltarcomigo? Diga-me que sim, Gabriel,

insisti, com meu esgar mais suplicante.– Tenho de ficar na região, é preciso

encontrar Eleanor, Amande.– Isso me mata, você me largar por

ela.– Eu não estou largando você. Vou

encontrá-la por Virgílio, não por mim.– Eu sei…– E sabe também que eu não a amo

mais. Amei-a por muito tempo, bemdepois de sua morte, mas não desde quevocê apareceu. Hoje eu a detesto peloque ela nos fez. Por seudesaparecimento, sua traição, seuabandono.

– Não diga isso.– Ela não vai nos separar, Amande.

Ninguém o fará.

– O tempo vai ser tão longo semvocê...

– Vou deixar a você uma pequenalembrança que lhe dará do que serecordar…

Na cabine do barco que há dois diasnos serve de ninho de amor, meusublime amante pula em cima de mimcomo um tigre sobre sua presa. Maltenho tempo de lhe responder, ele pegaminha cintura e me cola brutalmente aele. Através de meu vestido demarinheiro, enésimo presente de suaparte, sinto a dureza e o calor queemanam de seu corpo musculoso. Pegade surpresa, deixo escapar um soluçoque ele interrompe, colando sua boca

ávida de encontro à minha. Sua línguasôfrega me abrasa, já sinto meu baixo-ventre palpitar com impaciência. Suasmãos se introduzem debaixo de meuvestido, afastam minha tanga e meprodigalizam carícias divinas.Encorajada por este primeiro contatocarnal, tiro sem jeito o cinto de Gabriele, entre dois gemidos, consigodesabotoar sua calça. Pego a ereçãomagistral de meu Apolo e inicio ummovimento de vai-e-vem terno elangoroso, que lhe arranca grunhidos desatisfação. Aumento a cadência e adotoo mesmo ritmo que ele. Meu amante deferro e eu arquejamos em uníssono,nossos suspiros ecoam na suntuosacabine deste veleiro dos prazeres.

Com um elã bestial, meu amanteresplandecente me ergue com umaprodigiosa facilidade, enrola as minhaspernas em torno de suas ancas e, aomesmo tempo em que me cola à parededa cabine, me penetra vigorosamente.Suas investidas me fazem sair do chão eme mandam ao sétimo céu. Acolho suavirilidade gritando meu desejo, minhaintimidade está em brasa. Gabriel mepossui, me atravessa, seu sexo deproporções divinas desliza dentro demim e me faz perder a cabeça. Minhasmãos desocupadas arranham suas costas,depois empunham sua cabeleiradourada, como um náufrago se agarra asua tábua. E depois, sem me ter

preparado, não me contenho mais, meucorpo inteiro se tensiona, se torce eorgasmo me vence. Alguns segundosmais tarde, é a vez de meu belo capitãose abandonar ao gozo. Ele vem seinstalar no mais profundo de mim e, comum derradeiro suspiro, derrama seuprazer gritando meu nome.

Esta manhã de segunda-feira é a maispenosa desde o início de minha curtacarreira na AMP, como é chamada, entreos clientes a Agência de ModelosPrestígio. Ainda tenho na cabeça meufim de semana idílico com Gabriel enossas despedidas tórridas masemocionantes e não tenho nenhumavontade de enfrentar as caras de enterro

de meus colegas, nem os olharesoblíquos de Ferdinand. Felizmente,Marcus está presente para me acolhercom seu entusiasmo transbordante e suaenergia comunicativa:

– Espere um pouco, querida, deixe-me olhar para você… Sim, você estácom a cara típica de quem estáapaixonada! E então, feliz?

– A tal ponto que eu nem lhe conto!– Sim, conte! Conte-me tudo!– Um pequeno fim de semana

surpresa na Bretanha.– No mar, é romântico demais!– Não, SOBRE o mar, isso é o mais

belo!– …

– Marcus, feche a boca. Você vaifalar demais.

– Estou passado! Você tem muitasorte. Nenhum homem faria isso pormim. O último que me levou para um fimde semana me levou para umacampamento. O máximo do glamour!

– Se foi o tatuado de jogging e corte àescovinha com quem cruzei da outra vez,você mereceu!

– A gente faz o que pode, querida!Nem todos encontram um milionáriocom preferência pelo luxo. Quanto amim, gosto dos maus meninos e atraio oscasos sociais, o que quer?!

– Sabe que tem o direito depermanecer celibatário enquanto espera

tirar a sorte grande?– IM-POS-SÍ-VEL!

Nossas falações barulhentascomeçam a provocar irritação a nossavolta e eu abro minha caixa de e-mailsprofissional para fingir estar ocupada,ao mesmo tempo em que continuo atagarelar com meu colega preferido.

– Se precisa de companhia, arranjeum cachorro!

– Eu estava pensando nisso, veja só!Estou sonhando com um chihuahua…

– Marcus, às vezes você é tão lugar-comum!

– Espera, cruzei com um bemengraçadinho em um pet-shop da Pont-

Neuf. Mas ele era todo branco, disse amim mesmo que era fácil demais desujar.

– Você é doido.– Acha que um cachorro pode ser

pintado?– Doido de atirar pedra!

O último e-mail recebido vem deGabriel, a quem, no entanto, eu pedirapara não me escrever mais senão paraminha caixa de e-mails pessoal…

De: Gabriel DiamondsPara: Amandine BaumannAssunto: Lembranças

Já estou com saudades.Ainda tenho seu perfume na pele. Enos dedos…G.

Aprendi bem a lição de Ferdinand evasculho minha bolsa de mão à procurade meu celular para lhe responder pormeio de mensagem de texto.

[Você realmente quer que eu sejamandada embora!]

Meu amante deve estar entediadopara me responder na mesma moeda.

[Você realmente quer que eu seja

mandada embora! Encontrei todos osseus bilhetes no barco.]

[Todos? Abriu o refrigerador…?][Vou correndo. Quando teve tempo

para fazer isso? Você me fazbalançar…]

[Não tenho mais direito de vê-lodormir. Aproveitei para lhe deixaralgumas lembranças de minhapassagem.]

[Como eu poderia esquecê-la…?]

Oscilo entre a tela de meu iPhone, ado computador e o semblante deMarcus, ele mesmo um filme, tanto éexpressivo. Também espero um sinal deFerdinand, que adora me surpreenderquando eu menos espero e que acha

muito divertido fazer-me sobressaltardesde que entendeu que isso funcionavatodas as vezes.

Ele deveria se chamar Ferdinand deEu-não-sei-parar!

– Esta tez bronzeada lhe cai muitobem, Amandine.

Ele não deixou passar aoportunidade, dei um pulo na cadeiraembora, por uma vez, eu não tivessenada para me censurar. Ignoro comoBeauregard faz para chegar, sempre,sem que eu perceba. Este joguinhodiverte muito Marcus e é insuportávelpara o resto de nossos colegas, que o

chefe considera como mais ou menostransparentes. Respondo a ele com umsorriso forçado que tem por objetivoabortar esta conversa sobre minha corde pelo (terreno escorregadio…) e tornoa mergulhar em meus e-mails. Ferdinanddesaparece em seu escritório.

– Que cara é essa, Amandine? Viu umfantasma?

– …– Seu bronzeado californiano não a

autoriza a fazer uma cara tão feia,acalme-se, querida!

– Um e-mail de Hortense…

Leio e releio as palavras da antigaassistente com cuja vaga fiquei

independentemente de minha vontade.

De: Hortense LemercierPara: Amandine BaumannAssunto: O que é que você acha? Para sua informação, sua ladrazinha,seu novo patrão preferido teverelações sexuais com absolutamentetodas as assistentes. É a única coisaque o interessa. E você não vale maisdo que as outras, acredite em mim.Quando tiver conseguido o que quercom você, ele vai descartá-la, comotodas as outras antes de você. Sequiser saber, não escondeu isso nomomento de contratá-la. Não vá dizer

que eu não avisei. Para bomentendedor... Adeus.

Faço um resumo rápido para Marcus,que francamente não parece surpreso.

– Pobre Ortie, ela ficou com ocoração partido. Mas como pode seramarga!

– Mas todas, todas mesmo? Perguntoa meu colega, incrédula.

– Todas as que quiseram. Portanto,sim, todas.

– Então é só por isso que ele ésimpático comigo…

– Esta ingenuidade é tão comovente.Tenho vontade de chorar.

– E dizer que eu tomei sua defesa…Gabriel tinha toda razão.

– Mas espere, talvez ele realmente aaprecie.

– Sim, porque resisto a ele…

Minha decepção está na mesma razãoda estima que eu tinha por Ferdinand.Apesar de seus ares de Dom Juan, eu oachava brilhante, engraçado,benevolente, estava convencida de queno fundo ele era bom e que eu era umadas poucas a ver isso. E quase meconvencera de que ele havia descobertoem mim um potencial, uma coisinha amais, qualidades que justificassem estapromoção precipitada. Creio queesperava encontrar nele um mentor. Será

necessária esta revelação de Hortensepara abrir os olhos para opersonagem… mas também para que eume dê conta de meu apego por ele. Nãosou de natureza a confiar no primeiroque aparece, menos ainda quando setrata de homens, mas este me haviaseduzido por sua inteligência, seuhumor, sua personalidade complexa. Eestou com mais raiva ainda por me vertão desapontada.

É este o momento que o chefãoescolhe para me chamar ao seuescritório. Sei de antemão que nãopoderei esconder meu mau-humor eminha careta de decepção. O que não seié se conseguirei conter todo o veneno

que tenho vontade de lhe cuspir.

– Que cara preocupada é essa,Amandine? A senhorita estavaresplandecente há apenas dez minutos.Diamonds mais uma vez fez das suas?

– O senhor deveria se olhar noespelho.

– Tenho os traços tensos, sei disso.Mas preciso ocupar minhas noitesquando a senhorita recusa a minhacompanhia.

– Eu pensava ter sido contratadacomo assistente, não comoacompanhante.

– Hum… A senhorita soube de minhareputação. Hortense?

– Isso não tem a menor importância.

– Não é o que dizem os vossosbraços cruzados e vossa frontepreocupada.

– Pouco me importa saber com quemo senhor se deita.

– Então qual é o problema,Amandine?

– Eu acreditava ser apreciada porminhas competências. E pensava que osenhor era um cara do bem.

– Aprecio as vossas qualidadeshumanas. E a senhorita não conheceabsolutamente nada a respeito dasminhas.

– Não, mas sei que o senhor exercevosso direito da primeira noite como umhomem bruto da Idade Média. Sei que o

senhor magoou Hortense. Sei que osenhor assediou Celeste quando elarecusou as suas cantadas.

– Diamonds deveria realmente pararde superproteger as mulheres que ocercam. Ele as sufoca. Ele as mata.

– Como ousa?!– É extremamente fácil, Amandine,

reduzir os homens aos boatos que osperseguem. É mais difícil e muito maisinteressante tentar compreendê-los eformar sua própria opinião. Mas paraisso é preciso um pouco de coragem, dediscernimento, de perseverança.Visivelmente você carece disso. Talvezeu tenha me enganado a respeito dasenhorita, afinal. Saia de meu escritório,tenho trabalho a fazer.

A ausência de Gabriel me pesa umpouco mais a cada dia e eu não ousei lhecontar este novo episódio no casoBaumann contra Beauregard. Continuosentindo muita falta de meu amante,apesar de nossos longos telefonemasnoturnos e nossas trocas de e-mailsdelirantes e me inquieto à ideia de queele se aproxima cada vez mais deEleanor ao seguir sua pista. Passo oresto desta semana interminável ahesitar entre pedir minha demissão e ame mexer na Agência para provar a meupatrão que ele está errado em duvidar deminhas qualidades. Ele agora me tratatão dura e friamente quanto todos osoutros e os dias passam bem menos

depressa sem as nossas justas verbais enossas pequenas provocaçõescotidianas. Quanto a Marion, passou asemana inteira vindo me buscar notrabalho, tarde da noite, na esperança decruzar com ele. Íris se pôs a me mandarmensagens de texto misericordiosas,imagino que Tristan contou a ela todasas minhas infelicidades. Continuo a nãocompreender esta garota e a não admitira legitimidade desse casal. Da mesmaforma que não compreendo a atitudemasoquista e desesperada de Marion.Também não sei como agir com oindecifrável Ferdinand e ainda nãodecidi se ele era digno de interesse,como eu achava, ou bom de jogar fora. Eainda em acreditar inteiramente nas

declarações de amor tranquilizadoras einflamadas de Gabriel, que não logramme fazer esquecer o temor obsedante deperdê-lo.

Por qualquer coisa, navego no vago.E é um sentimento que eu detesto. Podemuito bem ser que eu tenha pegado semquerer a síndrome do controle absoluto,marca registrada dos Diamonds. Aodesligar meu computador, esta sexta-feira à noite, arrependo-me de antemãoda noite que me espera e que tolamenteaceitei. Marion vem me buscar (denovo!) e nós devemos juntas dar umapassada na propriedade particular deGabriel cuja chave continuo a ter. Nãomais coloco a mão no magnífico colar

de diamantes que ele me ofereceu eminha melhor amiga me convenceu a irbuscá-lo no último lugar em que elepoderia estar. Detesto a ideia de ir fuçara casa de meu amante na sua ausência,mas não posso razoavelmente lhe dizerque creio haver perdido são presente tãoprecioso.

Marion me espera comportadamentena calçada, enfeitada como nunca emuma calça preta ligeiramente coladademais e uma camiseta regata cinza dedecote quase indecente. Beijo-a,tentando com todas as minhas forças nãoficar de olho em seus seios erapidamente inicio a conversa.

– Você não sabe o que Íris memandou hoje?

– Um bracelete da amizade para queas senhoras sejam companheiras portoda a vida?

– Pior, uma mensagem de textointerminável e hipócrita: ela me pedenotícias de Gabriel e me diz que estácomigo de todo coração…

– Que gentil, faz Marion piscandoironicamente.

– Ela nem mesmo o conhece, é tãobizarro dizer isso!

– Quem sabe, talvez ela esteja deolho nele e em sua fortuna? Tristan épobre demais para satisfazer todos osseus caprichos. Bizarro e venal,

portanto!– Sim, bem, conheço outra, digo,

dirigindo meu olhar na direção deMarion.

– Venha, vamos embora, acho que odestino não quer que eu encontre ummilionário para mim.

É justo nesse momento queBeauregard por sua vez sai do prédio,chegando às costas de Marion, a quemolho com um ar severo para que ela,sobretudo, não acabe a frase. Nada feito.Meu chefe se diverte com isso eaproveita para examinar minha melhoramiga de costas, detendo-se semdisfarçar em seu generoso traseiro.Finalmente ela se vira, alertada por meu

olhar inquieto, e o dândi lhe oferece umbeija-mão grotesco que faz Marion coraraté as orelhas. A conversa que se segueé tão despropositada quanto implícita.Ele a paquera abertamente e ela entraem seu jogo sem nenhuma reserva,enquanto eu seguro vela,voluntariamente posta de lado. Tentopermanecer impassível quando perceboFerdinand observar em uma piscadaminhas reações. Se ele está tentando mefazer ciúmes, fracassou. Uma vezcansado desta troca fácil demais paraele, pretexta um encontro e se evadecom muita educação e galanteria.Marion está conquistada. Eu estouexasperada.

– Bom, vamos?– Como ele é bonito! E divertido!

Suas mãos, você viu as suas mãos? Têmqualquer coisa de muito feminino,embora ele transpire virilidade! E euadoro suas maneiras um pouco fora demoda, é tão encantador...

– Está bem, volúvel! Sei de tudo isso,Estou com ele todos os dias. Podemosir?

– Não se faça de difícil! Eu o quero,eu o quero, eu o quero! Ele pareciainteressado, não?

– Mais ou menos tanto quanto eu poresta discussão.

Puxo Marion pelo braço para fazê-laavançar. Ela passa o trajeto inteiro a se

extasiar com « seu novo pretendente » .Sou quase obrigada a arrastá-la pela ruaquando nos aproximamos dapropriedade particular de Gabriel,Introduzi febrilmente minha chave epenetramos nesses espaços morrendo denervosismo, como duas ladrasinexperientes. Deixo minha melhoramiga de vigia perto da porta de entradaenquanto me dirijo para o quarto de meuamante, esperando encontrar lá o famosocolar.

– Oi, Amandine! Grita-me Virgílioatirando-se em minha direção,estranhamente contente em me ver.Como vão todos os outros? Sua mamãeficou curada? E Oscar, mudou?

Não tenho tempo de responder,Prudence Diamonds surge atrás de seuneto. Se me assustei ao ver chegar oadolescente, é a raiva que me invade aodescobrir a mãe de Gabriel de chinelose roupa de casa, o ar altaneiroestampado no rosto.

– O que está fazendo aqui,Amandine?

– Bom dia, Prudence. Eu poderia lhefazer a mesma pergunta…

– Estamos de visita a Paris e nomomento estamos hospedados aqui.

– Ah? Gabriel sabe?– Isso não lhe interessa. Virgílio,

querido, volte para seu filme, faz favor.– Mas por quê?! Quero falar com

Amandine, geme o lourinho, semprebonito e muito menos fechado que dehábito.

– Temos de conversar entre adultos,deixe-nos a sós um momento, respondesecamente sua avó.

Virgílio novamente fecha a cara, soba espessa mecha de cabelos que lhecobre a testa, e torna a sair,resmungando.

– Amandine, aqui estou em minhacasa. Esta casa pertence aos Diamonds.Ignoro por que você tem uma chave.

– Porque divido a vida com oproprietário, Prudence. A senhora jáesqueceu disso?

– Como poderia? É a senhorita quemantém meu filho afastado de mim.

– A senhora mesma se colocou nestasituação, mentindo para ele, traindo-o.

– Cometi um erro, admiti a verdade,Gabriel me é grato por isso.

Ora vamos...

– Ele jamais perdoará a senhora e asenhora sabe disso. Treze anos,Prudence, há treze anos que a senhora secala.

– Nem todas as verdades devem serditas, Amandine. Mas vou sercompletamente honesta com a senhorita:eu não queria nenhuma de vocês duaspara meu filho, nem a senhorita nem

Eleanor. Mas se for preciso escolher,desejo que ele a encontre, pelo bem deVirgílio, que eles voltem a formar umafamília. Ela já faz parte da nossa. Todosesperamos sua volta.

– A senhora não pode ir longedemais. Talvez com Celeste, mas nãocom Gabriel. Ele não a ama mais.

– Se a senhorita, Amandine, se asenhorita o ama como afirma, váembora. Dê a ele a chance de ser feliz.

4. Os laços de sangue

A última frase de Prudence sooucomo uma bordoada. Atordoada, nãoencontrei nada para responder a ela esimplesmente girei nos calcanhares. Aúltima coisa que eu queria era deixar aRainha Mãe ver as minhas lágrimasinvadirem os meus olhos. Ela teria serejubilado. Busquei Marion na entrada,peguei sua mão e corremos para foradesta casa de loucos, corremos rápidopela rua até o metrô mais próximo.Minha melhor amiga me seguiu sem mefazer perguntas e me trouxe para casa,

em silêncio, me apoiando com suapresença e me apertando nos braços noinstante de me deixar na soleira daporta. Marion tem o dom de me irritar,mas em situação de crise, ela adivinhaos meus desejos, me compreendeperfeitamente, sabe quando preciso ficarsozinha, quando não quero falar, é amelhor aliada com que posso sonhar.

De volta a meu apartamento, medeixo cair de cabeça em meu grandesofá e enfim me permito desabar. Deixoas minhas lágrimas correrem, meusofrimento se manifestar com força, sempensar em nada mais do que chorar,gritar, evacuar. Quando enfim seco, meesvazio e meus soluços não mais me

impedem de falar, faço a única coisaque me resta fazer. Pedir socorro aGabriel. Como eu esperava, meu amantenão atende e eu me vejo a deixar comuma voz sem timbre uma mensagemglacial e desesperada em sua caixa demensagens, suplicando-lhe que volte,onde quer que esteja, que venha até mim.Alguns segundos depois de haverdesligado, uma mensagem de texto fazmeu coração saltar:

[Estou chegando. Não se mexa.]

Estou quase dormindo quandoGabriel aparece em minha sala. Eu meergo com dificuldades no sofá para ficarde frente para ele, mas não tenho forças

para me levantar. Sua camisa azul-celeste de mangas arregaçadas deixaaparecer seu torso bronzeado, seusantebraços musculosos e ressalta seusolhos azuis, ao mesmo tempo tãointensos e tão suaves. Sua beleza memaravilha, como acontece todas asvezes que eu o encontro depois de umalonga ausência, como se meu espírito serecusasse a se habituar a isso, como seminha memória não pudesse reter tantagraça e perfeição. Sua mera presençabasta para me tranquilizar. Meu Apolovem se sentar ao meu lado para meenvolver em seus braços, eu me aninhocomo um pássaro ferido e o deixo meembalar, me acariciar os cabelos, meembriagar com seu cheiro e seu calor.

– Sua mãe me pediu para lhedevolver a liberdade, eu disse,cochichando, sem refletir, não sabendopor onde começar.

– Prudence nem mesmo conhece osentido dessa palavra.

– Ela quer que você encontre suamulher, seu filho, que vocês sejamnovamente uma família.

– Nunca o fomos.– Mas ela tem razão. Você tem

direito à felicidade.– Não é assim que eu vejo a

felicidade. Nem é essa a imagem quefaço da família.

– Mas você…– Eleanor já teve uma chance, deixou

passar. Ela faz parte de meu passado.Você é meu futuro, Amande, meu futuroradiante e feliz.

– Prudence nunca deixará issoacontecer. Jamais farei parte de vossafamília.

– Prudence não é uma boa mãe.Eleanor de modo algum é uma. O filhoque tivermos juntos terá a mãe com queeu sonho. Você. Nossa família será umafamília Baumann, não uma Diamonds.

– O que foi que você acabou dedizer?

– Não suporto mais ver os membrosde minha família se dilacerarem, semanipularem, se enganarem. Silas fezum filho em sua irmã sem querer.Celeste não é feliz no casamento, todo

mundo sabe e se cala, Barthélemy é oprimeiro. Virgílio é órfão, foi criado porum clã mas não sabe o que é ter pais.Minha mãe é em grande parteresponsável por esses infortúnios, elanos forçou a todos a seguir por caminhosque não eram os nossos. E meu pai adeixou agir, por fraqueza ou covardia.Toda a nossa família é um fiasco. Acharealmente que faço disso um modelo? Évocê, Amandine Baumann, que vai mesalvar deste triste destino. Você é quevai me fazer feliz. Sei disso.

Ainda encolhida de encontro aGabriel, coloco minhas mãos trêmulasem seu belo rosto, mergulho meus olhosnos seus como que para medir a sua

declaração de amor. Nunca antes elehavia formulado projetos de futuro tãograndes, tão precisos para nós dois.Meus lábios entreabertos vêm pousarnos seus, suavemente. Meu amantetranstornado os acolhe sem resistir,como se este beijo terno fosse a respostaque ele estava esperando. Neste instanteeu me dou conta de que Diamonds e euraramente ouvimos tanto um ao outro,partilhamos tanto as mesmas ideias.Nossas bocas se encontram, se roçam,se domam rapidamente, seguidas pornossas línguas que se acariciamsutilmente, depois se provocam. Arespiração de meu amante se faz maisbrusca, a minha, mais arquejante. Aguerra começa.

Gabriel aperta seu domínio, suasmãos me colam contra ele maisapaixonadamente e esta tomada de poderme eletriza. Enlaçados no sofá,esquecemos que todo um mundo nossepara, que nosso duo improvável tempoucas chances de perdurar, queameaças invisíveis talvez acabem pornos tirar a pele. Precisamente sua pele,suave, envelope bronzeado e perfumado,espero mais do que nunca sentir contramim, em mim. Enquanto nosso beijolangoroso pôs fogo em nossos sexosinchados de desejo, desabotoo a suacamisa e ataco o zíper de sua calça semquebrar o frenesi de nossa união.Encorajado por meus gestos

espantosamente precisos, meu amanteapaixonado me imita e me despe lenta eprudentemente. Meu vestido escorregano chão, revelando meu peito nu e minhatanga de renda, molhada com minhaexcitação. Nossos lábios se separamenfim e seguramos a respiração, semnunca deixar de nos olhar. Vejo todas assuas emoções desfilarem em seu olhar: odesejo, o amor, o tormento também.

Meu Apolo dominador adivinhaminhas intenções e faz de modo a medeter. Como que para me impedir deanalisar os seus pensamentos, ele mepega brutalmente pelas ancas, me erguee vem me botar escarranchada sobre ele.Dou um gritinho de surpresa, seguido de

um gemido lúbrico, quando sinto suavirilidade mergulhar em mim. Gabrielacaba de me penetrar, sem nenhumapreliminar, a não ser este beijo tórrido,e toma posse de minha intimidade emfogo. Passa as suas mãos de ferro sobminhas nádegas e me incita a começarum movimento de vai-e-vemdeliciosamente lento e indolente.Jogador, ele mordisca os meus mamilospara me deixar louca e em resposta aeste divino suplício, planto as minhasgarras em suas costas, arrancando-lhegrunhidos.

Sua ereção se espalha em mim a cadainvestida e, apesar do ritmo imposto pormeu homem Alpha, não consigo resistir

à tentação de acelerar a cadência. Poucoa pouco, me espeto mais vigorosamenteem sua lança afiada, cuidando para mearquear ao máximo. Observo o rosto deGabriel e noto que meus impulsos maisconstantes começam a fazê-lo perder ocontrole. Eu o cavalgo ainda durantevários minutos, até que ele se endireitacom todo o seu esplendor, cola seu peitomusculoso e reluzente contra meu bustoe se espalha no mais profundo de minhaintimidade, em explosões irregulares eprazerosas. Rapidamente, chega minhavez: baixo as armas e me abandono a umorgasmo de tirar o fôlego, vibrante,ensurdecedor.

Com a cabeça repousada no ombro

deste homem que amo a ponto demorrer, saboreio os últimos sobressaltosde nossos corpos ainda carregados deprazer. Depois, sinto seus braços meapertarem com mais força, nossas pelesúmidas se colarem se jamais sedespregar, seu sexo ainda mergulhadoem mim, e não consigo reprimir umsentimento de plenitude. Mesmo naadversidade, nossos corpos conseguemfechar todas as nossas feridas, nosproteger da assustadora verdade. Derepente, o toque de meu telefone vemestourar nossa bolha de amor, silenciosae ardente. Gabriel se deixa cair no sofáenquanto procuro meu celular àsapalpadelas na escuridão de minha sala.Minha mão pega o aparelho na mesinha

e é a foto de Silas que aparece na tela,vibrando e cuspindo a canção deColdplay aos berros.

Realmente preciso mudar o toque…

Atendo, com pressa para fazer calar «Viva la Vida » e inquieta com a razãodeste telefonema noturno.

– Amandine, acordei você?– Hein? Não, eu…– Bom, escute, não entre em pânico,

mas é preciso que você se vista. Estouna emergência com Camille.

– Silas, o que é que estáacontecendo?!

Pelo meu tom de voz e meu arassustado, Gabriel se endireita e metoma o telefone das mãos para ativar oviva-voz. Ouvimos ruídos sufocados quese assemelham a longínquos soluçosestrangulados, em seguida a voz deSilas, do outro lado da linha, se faz maisfraca.

– Acho que ela está abordando...Havia tanto sangue... Não sei… Camillechamou você… E depois, eles alevaram… Merda, mas por quê?…

– Vamos imediatamente! Qual é ohospital, Silas? grita Gabriel,encarregando-se das coisas enquantocorro até o quarto para enfiar uma calçae uma camiseta limpas, o coração

explodindo no peito.

Só percebo fragmentos da conversa,enquanto me visto e amarro meuscabelos em um rabo-de-cavalodesarrumado, gritando perguntas para asala.

– Ela está bem? Gabriel, Camille estábem?!

– Está no bloco cirúrgico, respondedirigindo-se a mim, antes de continuarconversando com o irmão. Não sedesespere, Silas, estaremos aí em quinzeminutos. Vai ficar tudo bem?

Rodamos a toda no Porsche Caymande Gabriel e as ruas animadas de Paris à

noite nunca me pareceram tãobarulhentas, ofuscantes, detestáveis.Odeio estes grupos de amigos alegresque falam alto diante das fachadas dosbares, estes casais apaixonados quecaminham lentamente nas calçadas, estespedestres inconscientes que atravessamno meio da pista e atrasam nossopériplo. Gabriel não para de acariciarminha coxa com a mão direita, viril eterna, que não chega a acalmar meuestresse. Continuo a olhar pela janelaroendo a unha do polegar e pensandonesta nova provação que se abate sobreminha família.

O que podemos ter feito para quenunca nos deixem em paz…?

Encontramos Silas no estacionamentoda emergência fumando nervosamenteum cigarro, ao mesmo tempo em quearrepiava os cabelos com a outra mão,os traços tensos e os olhosavermelhados. Gabriel o apertarapidamente nos braços e ganhamos asala de espera. Apesar de minhassúplicas, na recepção ninguém pôde nosdizer nada antes de decorridas váriashoras. Hesito em ligar para meus pais,mas prefiro por ora poupá-los.

– Não se morre por causa de umaborto, não é?

– Ninguém vai morrer esta noite,Amande, venha se sentar.

– Não quero me sentar, quero vê-la.

– Não é normal demorar tanto,preocupa-se Silas. Ela estavaperfeitamente bem ontem à noite. Comoé possível?

– Ela perdeu muito sangue? Pergunteipela décima vez.

– Não sei, Amandine! Quanto émuito? Encontrei Camille em prantos nobanheiro, ela se trocou e quandochegamos aqui, sua calça estavaensopada. Ela sentia dores atrozes.

– Vocês dois, basta, diz Gabriel. Denada serve relembrar a cena. Quem queroutro café?

Um médico vem nos interromper enos explicar a situação. Camille teve umaborto hemorrágico e teve de se

submeter a uma curetagem, assim comoa uma transfusão. Por uma noite ela vaificar no setor obstétrico do hospital, masdeve poder sair amanhã. O médico nosautoriza a ir vê-la e nos previne de queela ainda está em estado de choque erelativamente agressiva desde queacordou.

Não esperava nada menos de minhairmã.

Ela está viva!

Todos os três nos reunimos a ela emseu quarto alguns andares acima. Silasquase se joga em cima dela para beijá-la, apertá-la, consolá-la, tanto quanto

para se reconfortar. Camille o rejeitaviolentamente.

– Você não precisa estar aqui.Acabou, não estou mais grávida, pode irembora e encontrar Eleanor.

– Camille, o que é que…– Digam a ele, os senhores! E

deixem-me em paz!

Os olhos de minha irmã pousam novago, ela cruza os braços e se fecha emsi mesma, cheia de rancor e desofrimento, impermeável a nossapresença. Silas, desamparado, se voltaem nossa direção. Meu olhar oscila deum gêmeo ao outro. Eles têm o mesmosemblante pálido, a mesma expressão de

medo, mesclada de interrogações. ÉGabriel quem toma primeiro a palavra.

– Silas, não queria que você soubesseassim.

– Saber o quê?!– Vai ser duro de ouvir, tente me

escutar até o fim. Por favor.– Ora, fale!– Segundo mamãe, quando eu

desapareci exatamente depois donascimento de Virgílio, Eleanor decidiudesaparecer. Ela não queria que aprocurassem, se fez passar por morta.

– Gabriel, ela se matou, você sabedisso! Eu estava lá! Ela me fezprometer… E eu assisti ao seu funeral!

– Ela está viva, Silas! Não sei como

ela fez, quem a ajudou, para onde fugiu,nem como mamãe conseguiu guardareste segredo durante todos esses anos.Só sei que está viva.

– Isso é delírio! Ela se despediu demim. Confiou-me Virgílio. Não, não,isso é impossível. Não acredito emvocê.

– Há semanas sigo sua pista. Tivevárias provas tangíveis. Veja! Elamudou de identidade várias vezes detreze anos para cá, mas é mesmo elanessas fotos!

Gabriel tira da carteira fotocópias emcores do que parece uma carteira demotorista, documentos de identidade eoutros vales-transportes. Silas pega as

folhas uma a uma, incrédulo,intermináveis lágrimas correndo de seusolhos tristes a sua boca entreaberta. Eume aproximo para perceber este rosto aomesmo tempo tão estranho e tãofamiliar. Minha sósia, mais velha, maismarcadas, com diversos penteados ecores de cabelo que vão do louroplatinado ao preto corvo, passando peloruivo. Embora ela pareça disfarçada,não parecendo mesmo uma só e mesmapessoa nos diferentes negativos, nossasemelhança é espantosa. Consternadora.Eu ignorava tudo a respeito dessas fotosque me dilaceram o coração. A paixãocom que Gabriel fala me é insuportável.A centelha no olhar lacrimoso de Silasme repugna. E o sofrimento que se lê no

rosto de Camille acaba por me fazer sairdos eixos.

– Fora! Todos os dois, saiam!

Eu me vejo sozinha com minha irmã,que enfim aceita minha presença e sedeixa cair em meus braços. Tentotranquilizá-la como posso, mas minhaspalavras não têm muito peso diante doduplo trauma que ela acaba de sofrer.Ignoro qual será a decisão de Silas comrelação a Eleanor, mas sei que ele nãoabandonará Camille. Apesar de suareação puramente egoísta, ele a ama, elesonhava com ela e este violento abortopareceu transtorná-lo. Os Diamonds sãorapazes complicados, mas homens de

honra. Talvez eles se casem um dia, poramor. Talvez tenham outro filho juntos,um que desejem e esperem, que viráquando eles estiverem prontos e quandoo decidirem. Por ora, minha irmã éincapaz de falar de futuro, e é muitonormal, mas ela se diz quase aliviadapor haver perdido este bebê. Nãoacredito em uma só palavra, sei quetenta se proteger. Agora, ela me pedepara deixá-lo sozinha e lhe fazer umfavor que está além de suas forças: ligarpara Alex para avisá-lo e para que elefique com Oscar por mais alguns dias.Está quase adormecida quando saio doquarto na ponta dos pés.

Cruzo com os gêmeos discutindo

vigorosamente em frente à máquina decafé, ocupados demais para me ver sairpara o estacionamento. Pego um táxi nãolonge dali e dou a ele o endereço deMarion e Tristan, os únicos na casa dequem posso surgir no meio da noite. Pormensagem de texto, eu os aviso de minhachegada iminente e ambos me recebemde braços abertos, em roupasimprováveis que já me devolvem osorriso. Marion veste uma camiseta dealças amarelo-clara e calça de pijamaquadriculada grande demais para ela,virada sobre duas enormes meias emforma de vaca. Tristan nem mesmo sedeu ao trabalho de enfiar uma calça porsobre sua cueca boxer de Super-Homem,mas mesmo assim enfia uma camiseta

com a efígie de Chuck Norris nomomento em que apareço na sala.

– Teremos mais de dois super-heróisa vencer esta noite, zomba amavelmenteMarion dando-me um sonoro beijo nabochecha.

– Smack, lhe responde seu irmão emuma péssima imitação. Vou fazer chápara todo mundo.

– Um café para mim, Chuchu, reclamaIris saindo preguiçosamente do quartode Tristan.

Vestida com um baby-doll vermelhode renda preta, a bela loura seespreguiça bocejando, mostrando paraquem quiser (e sobretudo quem não

quiser) uma tanga preta com rendacombinando.

– Quem pode de fato dormir com estaroupa? Cochichei para Marion, tapandodiscretamente a boca com a mão.

– Olhe para mim, como eu poderiaresponder a esta pergunta? Retrucaminha melhor amiga, ao mesmo tempoem que lança um sorriso hipócrita paraÍris.

– Chuchu, Amandine acho queAmandine também toma café.

Mas como é que ela sabe disso? Elarealmente se lembra de tudo!

E quem hoje chama seu

companheiro de « Chuchu »?

Enquanto Tristan volta a se sentarperto dela no sofá com o chá e nossosdois cafés, ela o faz se levantar duasvezes para ir buscar açúcar, depois leitena cozinha, como se a possibilidade deela mesma fazê-lo simplesmente nãoexistisse. Ver Tristan obedecer semdizer nada me alucina, mas sempremenos que o casal que eles formam: elaem uma roupa sexy de revista paraadultos, ele de pijama improvisado degarotinho de oito anos.

Ela fez dele seu servo mas, aomenos, não tentou transformá-lo emmanequim.

– Por que continua a colocar essascoisas horrorosas, quando o conjuntoCalvin Klein que eu lhe dei continua emsua embalagem?

Errado.

– Porque estou guardando para asgrandes ocasiões, minha bela!

– Cada noite comigo deveria ser uma,Chuchu, você realmente não entendenada.

Socorro!

Íris começa a se amuar procurandouma posição no sofá que não revela demodo algum sua intimidade, o que lhe

toma ao menos três minutos, enquantoMarion começa a me fazer falar.

– Gabriel confessou a verdade aSilas. Todos os dois estavam comoloucos, olhando as fotografias queGabriel conseguiu encontrar. Tudo issona frente de minha irmã que acaba deperder um bebê e o sangue naemergência.

– Puf, isso é nojento, concordaMarion.

– Talvez eles tenham as suas razões,acrescenta Íris fixando-nos, esperandouma resposta, como se esta intervençãotivesse um interesse qualquer. Elesdisseram o que pretendiam fazer? diz elanovamente incontinenti.

– Como assim, o que eles pretendemfazer?

Como ela sabe me irritar com assuas perguntas vaga, não se sabejamais aonde ela quer chegar!

– Desde há algum tempo, Gabrieldeve começar a se aproximar de seuobjetivo. Sabe em que ponto ele está?questiona novamente.

– Não sei de nada. Nem mesmoconheço os seus métodos, nem oprogresso de suas buscas, ele me falasobre isso o mínimo possível... E achoque prefiro não saber.

– Mesmo assim, deve ser difícilviver, ver seu homem obcecado por

outra. Não sei como você faz.

ÍIris, a rainha do apoio!

– Não é como se eu tivesse escolha,lhe respondo secamente. Sim, por vezesisso me fere, como esta noite, mas nãome vejo impedindo-o, ele precisa dissopara estar em paz consigo mesmo. Ealém disso, ele não está obcecado porEleanor mas pela ideia de encontrá-la.

– Hum, isso não muda nada! Quandoele enfim encontrá-la, o resultado será omesmo.

– Ou seja? Você pode predizer ofuturo?!

Continue, Íris, estou vendo a hora

de não poder voltar atrás.

– Não, não, de jeito nenhum, ela secorrige. Mas posso imaginar o que éestar cara a cara com a mulher que seamou, com quem se devia ter casado eque se acreditava morta há tantos anos.

– Quanto a mim, não imagino, confioem Gabriel. E ele foi muito claro: não aama mais, não a quer mais em sua vida,não está nem perto de perdoá-la peloque ela fez. É por seu filho que ele quera verdade.

Mas por que será que estou mejustificando?!

– Oh, você sabe, promessas vãs, é tão

fácil. Mas quando ele ficar de frentecom Eleanor, creio que eles vão termuitas coisas para dizer um ao outro etempo perdido a recuperar!

Diante da curiosidade mórbida deÍris e de suas observações que feremmeu amor-próprio, procuro com o olharo apoio de meus amigos. Tristanpermanece em silêncio, mas um ligeiromal-estar começa a se ler em seu rosto eMarion, que vem em meu socorro,parece perder a paciência.

– Mas realmente, Íris, de que ladovocê está?

– Do de Amandine, é claro! É porisso que estou tentando alertá-la. Enfim,

eu não poderia, isso é tudo, preciso deum homem que seja só meu, que nãotenha olhos senão para mim, que não medeixe.

Obrigada, todo mundo tinha notado.

Com estas palavras gentil, a pesteloura se distrai pendurando-se nopescoço de Tristan, cobre sua bochechae sua boca de beijos que ele só recusapela metade, ao mesmo tempo em quenos observa com um ar constrangido.Depois se deixa enfim beijar, o efeitobaby-doll devendo servir para algumacoisa.

Esta moça deve ser a descoberta do

século para que ele consiga suportá-la!

Não vejo nenhuma outraexplicação...

E se o apego de Gabriel a Eleanortambém fosse físico? E se a alquimia deseus corpos ultrapassasse em muito anossa e fosse ao apelo da carne que elenão pudesse resistir? E se quisessesimplesmente verificar que a mesmatensão, a mesma eletricidade e a mesmaligação carnal que os uniram continuama existir? Será possível que meu amante,infernal et ardente, já tenhacompartilhado ou ainda compartilhe comoutra mulher a osmose e a paixão queconhecemos a cada vez que nos

encontramos?

5. Jogo Duplo

Passo o fim de semana sozinha emcasa como tão bem sei fazê-lo:arrastando-me da cama para o sofá emuma camiseta informe e para bater. Duasatividades intensas que me permitemignorar os telefonemas, e-mails emensagens de texto de Gabriel, de iníciodoces e derramando-se em desculpaspor sua atitude, depois cada vez maisirritado com meu silêncio, para acabarrazoavelmente irado. Quanto mais meuamante descontente se irrita em minhacaixa de mensagens, me censurando a

partida precipitada do hospital, menostenho vontade de falar com ele. Voltam àminha cabeça a terrível noite do abortode Camille, a conversa surrealista dosgêmeos Diamonds na frente de minhairmã mortificada e eu, transparente,inexistente, enquanto eles arregalavamos olhos para as fotos de Eleanor. Ealém disso, não consigo me impedir devoltar a pensar nas reflexões de Íris, nãotanto na forma (horripilante, comosempre), mas na essência. Suas questõesindiscretas levantaram outras que eu meguardei de partilhar com ela.

Serei louca por aceitar do homem aquem amo que ele parta em busca deoutra mulher? Serei inconsciente por

confiar inteiramente nele sem nada sabera respeito de sua procura ou dedesfecho? Será que o amor que tenhopor Gabriel é a tal ponto imenso que euvenha a esquecer disso? Que lugarocuparei em sua vida quando ele tiverencontrado aquela a quem tanto amou?Que peso terei diante de sua ex-noiva, amãe de seu filho e a melhor amiga deseu irmão? Que valor terão nossos novemeses de paixão insana contra os trezeanos passados sem seu primeiro amor,aquele que marca um homem parasempre?

Passa das 2h00 da manhã quando,enfim, decido me deitar neste domingo ànoite, depois de haver esvaziado um

pacote de cereais à mão e de ter jogadomeu camiseta verde que por pouco nãoacerta o cesto de roupa suja, lotado até aboca. Hesito em me enfiar nua debaixodos lençóis ou enfiar a grande camisetaregata branca que pertence a Gabriel,que de ordinário serve como camisola «perfume Diamonds », quando nãoconsigo mais suportar sua ausência. Estanoite, este amante substituto me deprime,me revolta. Não quero mais mecontentar com seu cheiro, com osbrinquedinhos que ele deixa para mimcomo para uma menininha triste, nemcom suas explicações vagas e com suasbreves visitas em que o sexo varre tudoquando passa. Esta noite, eu queria serÍris, que não deixa passar noite, que

exige e que obtém, ponto final. Queriaser Camille, que manda tudo às favassem se preocupar com as consequências.Queria ser Marion, que não tem medo denada e, principalmente, não tem medodela mesma, que se mantém firmemesmo que isso lhe custe jamaisencontrar um sapato velho para seu pécansado. Esta noite, eu queria…

Queria poder ir dormir sem quechegassem a minha casa em plena noite!Se for minha irmã mais velha, minhamelhor amiga ou seu irmão, vou serobrigada a recebê-los com um sorriso,da mesma forma como já fizeramcomigo. A amizade não espera. Se forum ladrão, que ele entre e leve tudo, não

vejo nada à minha volta por que tenharealmente muito apego. Nada a fazer, éum dia em que tudo saiu errado.Esqueço a metáfora e enfio a camisetaregata de meu amante, comprida obastante para me cobrir e para que eume apresente decentemente na sala.

Retiro o que disse, jamais poderiaser Íris e passear com a bunda de forana frente dos meus amigos.

Gabriel surge de meu corredor, como rosto pálido e a camisa amassada.Creio jamais haver visto tanto desesperoem seu olhar. Como um animal ferido,ele continua a ter o porte majestoso doleão, seu ar grave e a crina dourada, mas

perdeu a soberba e o orgulho, suamarcha é lenta e pesada, sua voz roucanão é mais que um gemido queixoso.

– Amande…– Gabriel, o que é que há?

Não sei de fato se ele chora, seusolhos estão úmidos, mas seu sofrimentoparece todo interno. Meu amante sedeixa cair no sofá, eu venho me sentarao seu lado e o vejo deitar-sesuavemente, vindo pousar sua cabeçaardente em minhas coxas. Passo osdedos em seus cabelos louros e sedosos,minha outra mão acaricia longamente otecido leve em suas costas, tentoacalmá-lo antes de tentar uma pergunta.

– Quer me contar?– …– Você está me assustando, nunca o

vi assim.– …– Explique-me.– …

Gabriel permanece mudo, seus olhosno vazio jamais me pareceram de umazul tão claro. De perfil, ele me ofereceseu semblante fechado, imperturbável eseu peito bronzeado, que se levanta comuma respiração lenta e profunda. Tentouma nova abordagem para quebrar seusilêncio.

– Não quer falar comigo?

– …– Posso tentar adivinhar?– …– Silas ainda o odeia?– …– É Prudence? Virgílio?– …– Você encontrou Eleanor?!

Também meu coração se põe a batermais forte. Tento controlar minharespiração e não pensar no pior. Comoformular a pergunta a seguir, que mequeima os lábios?

– Sou… eu?– …– Está perdendo a cabeça?

– …– Gabriel, posso ouvir tudo.– …– Por favor, fale comigo.– …– Você parece tão mal... Diga-me o

que posso fazer.

Eu me dobro em duas para pousar umterno beijo em sua bochecha. Gabrielvira imperceptivelmente a cabeça e vemme aflorar os lábios. Estou tãoespantada com esse gesto, emanando docorpanzil até então inerte em meusjoelhos, quanto pelo estremecimento quelogo percorre minhas costas. Eu o deixobeijar-me longamente, tempo bastantepara apreciar, mas também para me

irritar com esta maneira de secomunicar. Eu exigia dele palavras,frases: ele não tem a me oferecer a nãoser sua boca silenciosa e sensual.Enquanto eu me preparo para lheparticipar minha análise e, sobretudo,meu desacordo, a mão segura de meuamante desliza atrás de minha cabeça,segurando meus lábios de encontro aosdele, envolvendo-os, aprisionando-os,em seguida neles introduzindolentamente sua língua quente. Gabrielnão precisa de minha resistência, eleaprisiona meu rosto e meus ombros entreseus braços, me beija com ainda maisardor e insistência, confrontando-mecom seu desejo obstinado, impaciente,irrefreável.

É claro que meu corpo gostaria deresponder a estes avanços ardentes, aesta virilidade transbordante: uma flechainflamada já atravessa meu corpo, doumbigo ao clitóris. Mas meu espíritonão pode se impedir de se sentir lesado,utilizado. Contudo, Deus sabe que euamo deixar meu amante dominador memanipular como uma boneca parareinventar maneiras loucas de nosamarmos. Mas aqui, esta noite, quandoele se recusa a falar comigo e mal ousame olhar, quando me barra o acesso aseus pensamentos mais atormentados,torturando-me, por minha vez, sem nemmesmo se preocupar, por que eu lhepouparia minhas próprias angústias? Por

que lhe ofereceria meu corpo quando eleme recusa seu coração?

Por que desejo isso?Ele não o merece…Mas ele faz tantas coisas por mim…Você sabe exatamente o que ele veio

procurar.Jamais conseguirei resistir a ele.É agora ou nunca!

Levanto a cabeça alguns centímetros,o bastante para retomar o fôlego emurmurar apenas duas palavras. Minhavoz cochichada vem morrer na boca demeu amante.

– Gabriel, espere…

– Não me rejeite, Amande. Precisotanto de você...

– De mim… ou disso?– De tudo! Estou ficando louco!

A estas últimas palavras, sua voz sequebrou e na passagem partiu meucoração. Não sei como ajudá-lo,acalmá-lo, e esta impotência vem acabarcom as minhas últimas resistências. Seimuito bem como lhe fazer bem. Comodar a ele aquilo de que ele precisa. Eume livro bruscamente do peso mortodeitado em minhas coxas e venho mesentar sobre meu amante aflito, aindaimóvel no sofá. Em alguns gestos secos,eu lhe arranco a camisa amassada edesabotoo sua calça para liberar sua

ereção magistral. Escarranchada sobreGabriel, levanto em minhas ancas acamiseta regata que me serve de vestidoe pego seu sexo endurecido para guiá-loaté minha intimidade. A urgência dasituação não permite nenhumapreliminar. Eu o quero dentro de mim,tanto para satisfazer meu desejo extremoquanto para ajudar Gabriel em seuimenso desespero. Ele se deixa levar,plantando seus olhos tristes nos meus,enquanto eu me planto em seu dardo evejo seu olhar se iluminar. Ondulo abacia para repetir esses movimentos devai-e-vem salvadores e pego suas mãos,que venho pousar em meus seios. Ossentidos de meu amante despertam, eleenfim me acaricia, fazendo rolar meus

mamilos entre seus dedos, enquanto eu ocavalgo, mais forte e mais longe. Nossaspupilas vidradas não se deixam e eufinalmente ouço o som de sua vozquando não pode conter o grunhidorouco que tão bem conheço. Minhasprofundezas o engolem, mais em mais,eu, por minha vez, gozo com este prazerexplosivo, me arqueio e afasto as coxaspara melhor receber estas intensasinvestidas. Gabriel se anima e setensiona, agarrando as minhas nádegaspara aumentar a cadência, em seguida atorna mais lenta, proferindo com umsuspiro:

– Deixe-me fazê-la gozar.

Seu polegar vem acariciar meuclitóris, enquanto ele continuaimobilizado no fundo de mim. Essassensações conjugadas me deixam loucae ele o sabe bem demais, esperando meuorgasmo para retomar suas investidasritmadas. Gozamos juntos em um gritodilacerante, nossos corpos imbricados enossa osmose enfim reencontrada.

Quando nossos corações voltam a teruma pulsação regular, Gabriel meenvolve em seus braços para me aninharcontra seu peito e toma a palavra, osolhos fixos no teto:

– Fico louco por não encontrarEleanor e perder todo meu tempo a

procurá-la. Todo esse tempo que nãopasso junto a você. Fico louco por nãopoder devolver a mãe ao meu filho. Elecresceu sozinho, enquanto ela estavapresente, pertinho, e não o quis.Também eu abandonei Virgílio, querofazer isso por ele. Só assim meperdoarei. E me livrarei desse fantasma.Ela assombrou os treze últimos anos deminha vida, não quero lhe dar mais nemum minuto. Quero que Silas a esqueça ese permita ser feliz com Camille. Queroque meu filho reencontre o sorriso e avontade de viver, que se torne umhomem que enfrente sua mãe comoposso fazer com Prudence. Quero quevocê se torne minha mulher, a única, eque não viva com um viúvo obcecado

pelo passado. Amo você, AmandineBaumann, e fico louco por serdemasiado infeliz para poder fazê-lafeliz.

– … Eu amo você.

Minhas três horas de sono nadapodem contra a energia, a leveza, afelicidade que são minhas, ao irtrabalhar nesta segunda-feira pelamanhã. Ver Gabriel adormecido, nu emminha cama, fez esta noite ainda maisbela e mais intensa do que ela foi.Beijá-lo antes do café, depois do café,antes de minha ducha e depois, entrecada roupa que enfiei e ainda dez outrasvezes antes de me decidir a ir embora,vai fazer este dia maravilhoso.

Única sombra no quadro: Ninguémconsegue encontrar Marion. Não tivenotícias dela no fim de semana e essesilêncio não é típico dela. Só espero queela tenha estado bem acompanhada eocupada demais para pensar emresponder a sua velha amiga Amandine.Não tenho tempo de me preocupar mais,todo o setor de comunicação da Agênciaestá convidado para uma reunião àsnove horas em ponto no escritório dopatrão. É o tipo de encontro para o qualse chega na hora, preparado, alegre ecom os dossiês em dia. Sou a última aentrar e me insinuo entre as poltronas jáocupadas. Faço-me pequenininha e demaneira a não cruzar com o olhar de

Ferdinand. No momento em que eleveste a roupa de Presidente e DiretorGeral, pousa os cotovelos em seu birô emotiva seu pessoal anunciando osobjetivos da semana, não esquece defazer um chiste, sempre em detrimentode um de seus assalariados, na minhapessoa.

– A senhorita pretende tomar notas ounos fará esse relatório de cabeça?

Enfim ergo os olhos quando me douconta de que meu chefe se dirige a mime eu lhe dou o meu sorriso maisafável… e o mais irônico. Mas meurosto fica pálido quando percebo,colocado em um canto de sua imensa

mesa de vidro, um iPhone com capaprotetora branco-e-preta que eureconheceria entre mil: o panda, logo daWWF e animal preferido de Mariondesde que entrou na fase Greenpeace,vamos proteger a natureza e salvar osanimais.

Mas o que é isso está fazendo aqui?

Não pode ser… não… não pode ser!

Em minha cabeça, como que para meconvencer do contrário, passo emrevista rapidamente meus colegaspresentes e ausentes para descobriroutra eventual Brigitte Bardot a quemeste maldito celular poderia pertencer.

O olhar divertido e mesquinho queFerdinand me lança furtivamenteconfirma o inconcebível. Quando ele mevê fixar o objeto com toda desconfiança,se põe a desenhar com o dedo oscontornos da capa protetora, ao mesmotempo em que continuava a proferir seudiscurso bem ensaiado para seusempregados atentos. Uma piscada maistarde, ele põe fim à reunião, faz suasequipes saírem com a ajuda de: «Contocom os senhores! », « Ao trabalho! », «Não me decepcionem! » e me retém noúltimo momento como eu temia.

– Amandine, a senhorita vai tentardar provas de um pouco mais deconcentração da próxima vez. A

senhorita realmente não está prestandoatenção no que está fazendo, se quersaber minha opinião.

– Não quero, obrigada.– Muito bem. Então a senhorita vai

entregar isso a vossa melhor amiga, dizcalmamente Ferdinand entregando-me oiPhone preto e branco. Terminei comela. Mas não com a senhorita.

– Vá…– Sim?, ele me interrompe. A

senhorita está certa de querer terminaresta frase?

– Um café. Vá preparar um café parao senhor.

– Obrigado pelo conselho.

Ao sair do escritório do chefe, meu

primeiro reflexo é mandar umamensagem de texto sediciosa a Marion.Mas ele chega alguns segundos maistarde no iPhone-panda que seguro nasmãos.

Quelle idiote!

Apresso-me a apagá-la e hesitoinicialmente vasculhar nesse malditotelefone, mas recuo diante da ideia deler aí as palavras dissolutas deFerdinand.

Brrr…

A interminável manhã me serve poisa ruminar e a buscar uma forma de

encontrar minha melhor amiga. Ela nãoresponde a meus e-mails e Tristan meinforma que da última vez que a viu foiem casa, cantarolando e rodopiando nasala. Confio a Marcus este novoepisódio da Agência de ModelosPrestígio versão Fogo do Amor e meucolega, alegre, tenta me fazer relativizara situação… em vão.

– É só você que gosta de fazerbesteira, querida!

– Não tem nada a ver!– Marion tem o direito de ceder à

tentação, por vezes.– Ela só faz isso, ceder. Ela é incapaz

de dizer não.– Nem eu, eu não poderia dizer não a

Ferdinand.– Hein?!– Por que os mais inteligentes, os

mais engraçados, os mais belos sãosempre heterossexuais? Lamenta-seMarcus, com cara de cachorro que foiespancado.

– Porque os senhores, você, Marion etodos os outros, só desejam o que nãopodem ter!

– E a senhorita, não, talvez, Sra.Diamonds?

– Isso não tem nada a ver. EBeauregard deve tê-la baratinado apenaspara metê-la em sua cama!

– Mas Amandine, e se ela estivessecom vontade?!

– Não é você que vai ficar mal e que

vai ter que aguentar o olhar de zombariade Ferdinand.

– Muito bem, não lhe digo mais nada!

Ao meio-dia em ponto, saio doescritório para ir à morada dos Aubracno décimo primeiro distrito de Paris.Durante meu trajeto de metrô desde osChamps-Élysées, repasso em minhacabeça todas as frases mortais que voupoder dizer a Marion. E depois, soutomada de compaixão ao me dar contade que Beauregard já a jogou para forade sua vida e de que ela sem dúvidaainda não sabe disso. Sua volubilidade eela provavelmente estão fazendoprojetos quiméricos: casamento, viagemde núpcias a Honolulu, grande vida em

Paris, fortune à gastar e quatro ou cincofilhos.

Nem mesmo me dou ao trabalho detocar a campainha e uso a cópia daschaves (que supostamente não deve serusada a não ser em uma emergência).

Acredite em mim, esta é uma!

Restam-me apenas trinta e cincominutos de horário de almoço e tenho decontar com os vinte e cinco minutos dotrajeto de volta até a agência: apostotudo na eficácia. Um sermão, umcarinho, um perdão, eu lhe devolvo seuinfeliz panda e volto para trabalhar!Pego o corredor e chego à sala vazia,

quase desapontada por não ver minhamelhor amiga caída no sofá sonhandocom seu futuro com um dândimilionário. Percebo uma voz femininaque não é a de Marion e que parece virda cozinha. Íris, forçosamente.

Como podia esquecer, essa daí?

Mas ela não faz nada o dia todo?

Atrás da porta fechada, a voz se calade vez em quando. Quando retoma apalavra, é com uma espécie de cochichogritado, que forçosamente me intriga eme faz ouvir com atenção.

Enfim vou descobrir que ela engana

Tristan, não tem nada o que fazer comele e ter provas?

É mal, escutar atrás das portas…

Mas não quando se trata de ajudarum amigo.

Cesso minha discussão inútil comigomesma quando Íris retoma a sua aotelefone. Ela consegue cada vez menosabafar suas palavras, meio-murmúrios,meio-gritos, que me chegam muitoclaras:

– Faço o que posso, Eleanor!Amandine é dura na queda, ela nãolargará Gabriel tão fácil…

Continua!Não percam o

episódio a seguir!

200 posições do Kama-Sutra